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Watchmen E A Literatura: Com Quantos Quadros Pode-se Fazer Um Clássico Literário?

“A literatura é a arte da palavra” assim diria um aluno de Letras caso o questionasse o que é Literatura. A questão, porém, vai um pouco mais longe do que isso. De acordo com uma série de teóricos, a Literatura é tudo aquilo que é a expressão de um homem sobre seu meio que tem traços individuais e coletivos. Porém, quando o senso comum é questionado sobre isso, questões como lombada quadrada e muitas palavras é o que prevalecem no imaginário popular – mas e as histórias em quadrinhos, onde entram nesse jogo? É...

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CENTRO UNIVERSITÁRIO MONTE SERRAT ISABELLE KEPE DE SOUZA PINTO WATCHMEN E A LITERATURA: Com quantos quadros pode-se fazer um clássico literário? Santos 2011 ISABELLE KEPE DE SOUZA PINTO WATCHMEN E A LITERATURA: Com quantos quadros pode-se fazer um clássico literário? Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Monte Serrat como exigência parcial para a obtenção do Título de Licenciatura em Letras Português/Inglês. Orientadora: Wilma Pasta. Santos 2011 " " " " " "Pinto, Isabelle Kepe de Souza, 1991. " "P659W " Watchmen e a Literatura: Com quantos " " "quadros pode-se fazer um clássico literário?/ " " "Isabelle Kepe de Souza Pinto – 2011. " " "((87 f.: il. color. ; 30 cm. " " " " " "Orientadora: Prof.ª Wilma Pasta. " " "Trabalho de conclusão de curso (graduação) - " " "Centro Universitário Monte Serrat, Curso de " " "Letras (Licenciatura). " " " " " "1. Teoria Literária. 2. História em Quadrinhos. " " "I. Pasta, Wilma. II. Watchmen e a Literatura: " " "Com quantos quadros pode-se fazer um clássico " " "literário? " " " " ISABELLE KEPE DE SOUZA PINTO WATCHMEN E A LITERATURA: Com quantos quadros pode-se fazer um clássico literário? Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Monte Serrat como exigência parcial para a obtenção do Título de Licenciatura em Letras Português/Inglês. Orientadora: Wilma Pasta. BANCA EXAMINADORA: ___________________________________________________________________ Nome do examinador: Titulação: Instituição: ___________________________________________________________________ Nome do examinador: Titulação: Instituição Local: Centro Universitário Monte Serrat – UNIMONTE Data da aprovação: ___/____/ 2011 DEDICATÓRIA A todos da geração nerd. Aos excluídos, aos underdogs, aos eternos losers. Aos meninos e meninas lendo suas Histórias em Quadrinhos, sozinhos no intervalo da escola. Dedico a você, fã de quadrinhos, para que saiba que (assim como eu) não está sozinho. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a minha família. Meus pais, Denice e Elcio, por compreender mesmo sem entender o tema dessa monografia; minha mãe pelo o apoio e carinho e meu pai por suas palavras duras, porém, precisas. Aos meus irmãos Danielle e Leandro - ela, por ser a primeira a entender a razão de tudo e pela paciência e ele pela distração nos momentos mais difíceis e admiração silenciosa. Obrigada a vocês quatro pelo o interesse, sacrifícios feitos por mim, o amor mesmo que não dito em palavras. A admiração pelos meus irmãos, tão vitoriosos, e a aceitação de meus pais foi o que moveu essa graduação e consequentemente essa monografia. Essa vitória é nossa. Agradeço aos meus colegas de sala, especificamente ao grupo de trabalho que me acompanhou durante essa saga de três anos; fica aqui o meu agradecimento aos quase-autores desse TCC - Fernando, Fabiane, Anderson e Andressa – e na reta final, as inigualáveis Aline, Gisele e Regivânia - grandes amigos que levarei comigo para toda a vida. Foi nesse grupo que encontrei os melhores amigos que poderia conhecer. Aprecio as risadas nos momentos mais difíceis, os puxões de orelha nos momentos de procrastinação e o companheirismo que nada pode destruir nesses seis semestres de curso. O nome que está na capa é somente o meu, mas esse equívoco é comum - mas esse TCC não é, de forma alguma, de uma pessoa só. Meus agradecimentos especiais ao Fernando, parceiro de diário desde o primeiro dia de faculdade e, com toda certeza, até meu último dia de vida. Nossa amizade e a perspectiva de vê-lo pelo menos quatro horas diárias fez com que eu chegasse até essa última etapa do curso - muito além do meu diploma, a universidade me deu outro grande presente: você. Meu "muito obrigada!" a toda equipe do CNA Cubatão, escola em que leciono e partilhei com o corpo docente grandes momentos da minha vida. Aos professores, obrigada pela força e incentivo; ao administrativo, agradeço a compreensão para com minha Graduação. Dedico especialmente aos grandes amigos e colegas de trabalho Aline, Ana Carolina e Carlos Eduardo; sempre surrupiando livros de suas universidades e escutando minhas angustias. Aproveito e agradeço aos meus alunos - todos eles nesse ínterim de 3 anos - por sempre ter fé em mim e transformar meu mundo em magia. Agradecimentos também são necessários ao meu namorado, Niklaus, sempre tão disponível e aberto a escutar meus lamentos ao longo destes últimos meses de trabalho. Agradeço pela fé incondicional em mim, por me apoiar acima de discussões, problemas a parte e a distância. Por ler essa monografia diversas vezes, por me ouvir cada segundo, pelas longas noites afora de Skype me aconselhando e por sempre dizer (e acreditar) que eu conseguiria. Obrigada; sem você, não o teria. Aos meus adoráveis mestres que tive o prazer de conhecer na Universidade, meus agradecimentos; Renato, Valdilene, Fabiana, Orasir, Celina, Simone, Corinne (in memorian) e Nivaldo. Não só por ajudarem no meu crescimento educacional, mas por serem grandes amigos; verdadeiras fontes de conhecimento. Gostaria de ter mais palavras para descrevê-los, mas elas fogem o sentido com pessoas como vocês. Em especial, agradeço ao meu primeiro orientador Luís Vicente, sempre receptivo, e minha querida orientadora Wilma Pasta por ser atenciosa como jamais conheci alguém. Prometo a todos vocês que um dia deixo de ser criança e cresço. Agradeço a toda uma geração: todos os nerds que sempre mantiveram a cabeça em pé e acreditam, desde muito tempo, no tema deste Trabalho de Conclusão de Curso. Os sites como "Jovem Nerd" e "Matando Robôs Gigantes" e seus podcasts geniais que me inspiraram numa longa viagem de ônibus. A todos nós nerds que estamos esperando nossa vez como pequenos átomos - aguardando nossa fusão. A você (sim, você!), pessoa especial, que eu me esqueci de agradecer por algum motivo e só vou lembrar dez minutos antes da minha apresentação para a banca, meus agradecimentos. A todos vocês, meus verdadeiros super heróis. (...) O que acontece entre aqueles quadros dos gibis é um tipo de mágica que apenas as histórias em quadrinhos conseguem criar. (Scott Mccloud) RESUMO "A literatura é a arte da palavra" assim diria um aluno de Letras do sexto ciclo da Unimonte caso o questionasse o que é Literatura. A questão, porém, vai um pouco mais longe do que isso. De acordo com uma série de teóricos, a Literatura é tudo aquilo que é a expressão de um homem sobre seu meio que tem traços individuais e coletivos. Porém, quando o senso comum é questionado sobre isso, questões como lombada quadrada e muitas palavras é o que prevalecem no imaginário popular – mas e as histórias em quadrinhos, onde entram nesse jogo? É sobre um gênero subestimado e como ele pode se tornar um clássico literário é que se trata esta monografia; por meio de pesquisa bibliográfica e uso de teóricos tanto da Literatura "clássica" quanto da marginalizada "histórias em quadrinhos", a acadêmica chegou a consideração final que por, por se tratar de um material subjetivo, Watchmen pode ou não se considerado literatura – isso depende de quem o lê. Ainda sim, deve ser respeitado como tal, já que apresenta todos os elementos para fazer parte e ser considerado um clássico literário. Palavras chave: Literatura, sociedade, História em Quadrinhos, Graphic Novel, Watchmen. ABSTRACT "Literature is an art that uses words" that's what a sixth cicle Unimonte student would answer if someone asked what Literature is to him. The problematic is a little bit more difficult than that. According to some experts in the theory of Literature, it is every piece of art that express the man in his habitat with individual and collective aspects. Nevertheless, when the common sense is asked about it things such as paperback and tons of words are what people still consider as Literature in their imaginary conception – but where are the Comics if you take this in consideration? It's about an underrated gender and how it can be an Literature Classic that this monograph will talk about; using bibliographic research and experts in the areas of "classic" literature and in the marginalized comics, the undergrad came to the conclusion that, as we're talking about an subjective piece of art, Watchmen can and cannot be Literature – it depends on who reads it. Still, it should be respect as a part of it because it shows elements that can make it be a part of the Literature and, in the end, be considerate a Literature Classic. Key words: Literature, society, Comics, Graphic Novel, Watchmen. LISTA DE FIGURAS Figura 01 – Captain America #1 e a política nos quadrinhos 18 Figura 02 – The fantastic four, a revolução dos heróis 20 Figura 03 – A comparação das eras de prata e de bronze 01 Figura 04 – Superexposição nos quadros - connan, o bárbaro 18 Figura 05 – Green Lantern e sua ediçãosobre drogas 20 Figura 06 – Who Watches The Watchmen? 01 Figura 07 – Silk Spectre I 18 Figura 08 – The Black Freighter 20 Figura 09 – Nite Owl II e Batman - Uma comparação 01 Figura 10 – Um teste de Rorschach....Para Rorschach 01 Figura 11 – Rorschach e a revelação do sequestro 01 SUMÁRIO 1. Introdução 14 2. O que é literatura e sua relação com a sociedade 15 3. Da comédia aos super-poderes: uma breve história das história s em quadrinhos 15 4. "Quem vigia os vigilantes?" e como essa não é aquela história em quadrinhos que seus pais liam 15 5. Watchmen como material literário – das razões para uma análise 15 5.1 Os vigilantes e o enredo 5.2 Um herói, um psiquiatra 5.3 A (ausência de) espaços textuais 5.4 A influência temporal em "The abyss gazes also" 6. Considerações finais 15 Fontes de pesquisa 15 INTRODUÇÃO Este Trabalho de Conclusão de Curso – TCC se insere na área de Letras, problematiza e particulariza-se por uma Análise Literária da obra em quadrinhos Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons. O objetivo principal é observar e propor uma reflexão sobre o modo que a sociedade vê o gênero História em Quadrinhos e como uma delas pode ser considerada um clássico literário ou não. Já o objetivo específico é observar como a sociedade compreende e encara a Literatura e como uma obra híbrida insere-se nesse contexto. Serão observados fatores chaves para chegar-se finalmente a resposta que se espera – se Watchmen pode ser considerada parte de um grupo seleto que é a Literatura clássica. Este trabalho orienta-se metodologicamente por pesquisas bibliográficas, tendo como base para a Teoria da Literatura e Sociedade, Cândido; para a parte teórica e histórica dos quadrinhos, Mccloud e por vezes Einsner; e para a Análise Literária, será usada a linha de pensamento de Coelho e Câmara. No capítulo 2 desenvolve-se uma melhor compreensão do que é Literatura, como esse conceito se modificou com o passa das épocas e como a sociedade encara essa questão do valor literário. Tópicos de teoria literária e sociológica encontram-se nesse momento da monográfica. Já no capítulo 3 observa-se a história das histórias em quadrinhos; como esta arte em especifico evoluiu e como pode-se traçar um paralelo do movimento dos quadrinhos e suas Eras (Ouro, Prata Bronze) e os Períodos Literários clássicos. O capítulo 4 trata-se de um resumo da obra Watchmen; suas personagens importantes para seu desenvolvimento e breve explicação do que acontece na graphic novel de Moore & Gibbons. Finalmente, no capítulo 5 há uma explicação das razões pelas quais a obra especifica foi escolhida e. em seguida, a análise literária dela – em especifico, o sexto capítulo de Watchmen, "The Abyss Gazes Also". 2. O que é literatura e a sua relação com a sociedade . A combinação entre texto e imagem a ser lida numa ordem pré- estabelecida não é uma invenção do nosso século. O homem pré-histórico já usava o recurso pictográfico para expressar-se, desenhando imagens em cavernas dele e seus semelhantes em momentos de seu cotidiano. As histórias em quadrinhos - um dos tipos de arte seqüencial mais conhecidos - têm um inicio incerto e um princípio muito parecido com dos homens das cavernas - e rapidamente atinge as massas. Todavia, de que forma é dada essa apreciação? Será que o público aceita as histórias em quadrinhos como uma forma válida de arte e não como entretenimento barato? A resposta para essas perguntas é negativa. Para a maioria, as histórias em quadrinhos são fracas em geral, com um material "de consumo infantil, com desenhos ruins, barato e descartável" (MCCLOUD, 2004, p. 3). Segundo Mccloud, teórico das histórias em quadrinhos, quando mais novo sua opinião também era essa - para ele, os quadrinhos eram revistas "coloridas, cheias de arte sofrível, aventuras idiotas e sujeitos de colante. Claro que eu [Scott Mccloud] só lia livros de verdade. Me achava velho para quadrinhos" (MCCLOUD, 2004, p. 2). Concordando com Mccloud, "histórias em quadrinhos não recebem muito respeito. Bem, talvez tenham um pouco de respeito hoje em dia, mas ainda não recebem tanto quanto merecem" (MESKIN, 2009, p. 150). Essa espécie de preconceito é visto não só no público, mas também em diversos escritores do gênero. Um dos pioneiros do ramo, Topffer não encara sua invenção ao menos como um trabalho, mas sim, um hobby. Segundo um trecho datado de 1845 o autor comenta que suas histórias "(...) atraem sobretudo crianças e classes inferiores" (MCCLOUD, 2004, p.205).Essa desvalorização acontece pela diferenciação do valor permanente de um periódico e de um livro. Por tradição, periódicos como as histórias em quadrinhos levam a conotação de descartáveis e que têm um valor baixo e, de outro lado, livros trazem a premissa de algo que vá durar mais (MCCLOUD, 2005). Deve-se pensar então se "papel liso e lombada quadrada são garantias de mérito literário (...)" (MCCLOUD, 2005, p. 29). Vive-se num século de desvalorização das histórias em quadrinhos, o que fez grandes autores de obras aclamadas não usarem essa nomenclatura e preferirem termos como "graphic novel" - a conotação de ser "história em quadrinhos" é tão negativa que os profissionais da área usam termos mais amplos para se designar, tais como "artistas comerciais" ou "ilustradores" (MCCLOUD, 2004). A inconsistência dos quereres dos artistas dos quadrinhos também é um problema a ser enfrentado. Nem sempre os artistas concordam com suas metas - enquanto alguns se focam no desenvolvimento de suas idéias, outros procuram a fama e o dinheiro ao produzir suas histórias (MCCLOUD, 2005). Esse fenômeno também pode ser visto no mercado dos livros. Porém, mesmo com todas essas dificuldades citadas acima, estes autores ainda têm uma série de objetivos em comum, sendo um deles de que as histórias em quadrinhos sejam consideradas literatura (MCCLOUD, 2005). De acordo com Mccloud, isso significa que os quadrinhos possam "[...] constituir um corpo de obras digno de estudo e representando significativamente a vida, os tempos e a visão de mundo do autor" (MCCLOUD, 2005, p. 10). Porém, antes mesmo de responder se as histórias em quadrinhos podem ser ou não literatura, deve-se pensar primeiro o que é literatura e o que constitui esse tipo de arte. Entender o que é exatamente literatura sempre foi um desafio; chegar ao ponto em que há somente um conceito a ser dito (e repetido) mostrou-se ser algo difícil. De fato, ao encarar a literatura tão somente como arte, foi-se esquecendo de forma gradativa de conceituar o que é literatura. Analisa-se num primeiro momento uma visão mais ordinária que seja e, de certa forma, até mesmo clichê: Literatura vem do latim "litteris" que certamente significa "letras". Fica aqui um dos conceitos mais comuns de literatura que é um conjunto de uma criação literária feita por determinado povo. Logo se vê necessária a diferenciação de um material literário ou não-literário; é importante sabê-la, pois são maneiras opostas de se expressar a realidade (AMORA, 1971). Temos como literatura uma obra que expressa uma visão individual da realidade de forma subjetiva; a não- literatura seria, por exemplo, textos das Ciências Exatas que têm uma visão racional da realidade. Oras, se tal conceituação parece tão sintética e adequada, por qual razão os conceitos não concordam entre si e acabam tornando-se demasiadamente simples ou absurdamente complexos? Ironicamente, a resposta para esse questionamento é simples. Como Arte, a Literatura muda com o passar dos anos e, como observado por muitos estudiosos, seus objetivos também. Sobre essa problemática, Domício Proença Filho (1995) confirma o que foi dito anteriormente, que conceituar literatura nunca foi um assunto fácil para os estudiosos da língua; portanto, podemos assumir que, por ser um assunto de tamanha polêmica, diversos pontos de vistas irão surgir ao longo do percurso. Proença ainda comenta que pode haver diferenciação entre a visão Oriental e Ocidental de literatura. Reiterando essa ideia de uma falta de conceituação definitiva de literatura, Coelho (1986) comenta que essa ausência ocorre pelo fato de cada teórico basear-se no modo de vida que sua geração vive, e por isso essas lacunas temporais - o que contribui para conceitos incompletos e incoerentes, por vezes. De fato, a cada momento histórico atribui- se um diferente conceito - cada um com respaldo no momento vivido pelos determinados teóricos. E assim como comenta Portella a literatura e a definição de literariedade estão estritamente ligadas a um quadro histórico (1979). Logo, vale aqui deixar brevemente do que se trata cada período e como se encontra a literatura atualmente: Na antiguidade Clássica, tem-se uma falta de termos para designar as manifestações literárias que corriam na sociedade. A palavra literatura e suas vertentes significava, em suma, "a arte de desenhar palavras"; logo, essa constitui a primeira conceituação daquilo que viria a ser a literatura escrita; Já na Era Medieval e Renascimento o termo "literatura" sofre uma série de modificações até torna-se algo que acreditavam ser de certa forma, acumulativa e intocável - as obras são arquivadas pela História. Atualmente sabemos que esse conceito é sem validade; Temos ainda a Era Clássica que tem a literatura sob o prisma de Aristóteles sobre a Arte; portanto, ela é vista aqui como uma imitação da realidade. Ainda sim, é frisado também como uma arte possível de ser ensinada por meio de fórmulas, e métodos. Quanto ao valor literário, era obviamente julgado com sua obediência ou não as regras previamente estabelecidas; A literatura na era romântica deixa de ser a imitação do real e agora é a exteriorização dos problemas e mistérios da mente humana com todas as suas problemáticas; um fenômeno que tem como função vital uma forma de individualismo; No Entre-Séculos a Arte é vista como um ato supremo da humanidade que tem como função eternizá-la da maneira mais verdadeira e profunda possível. Esse conceito é criado a partir da poesia, que é explorada amplamente nessa época, tornando-se tão elevada a ponto de ser quase uma religião aos que a cultuavam. (COELHO, 1986) Finalmente, em nosso século, encontramos uma crise na maioria das instituições sociais: a família, política, economia e até a ideologia em si se perde nessa confusão do homem contemporâneo; logo, a literatura não seria excluída, o que explica essa confusão ao definir definitivamente o que ela é. Uma abordagem diferente dos autores já citados (e consequentemente reiterando a afirmação acima sobre a confusão de conceituação literária para o homem contemporâneo), Eagleton menciona Literatura como uma "escrita imaginativa no sentido de ficção - uma escrita que não é literalmente verdade" (1996, p. 1). Todavia, o teórico lembra que o que o senso-comum pensa sobre o assunto não se encaixa nessa frase, e começa, portanto a questionar a relação de "fato e ficção" na literatura. Cabe aqui, portanto, abrir parênteses e relembrar o que são essas duas palavras no contexto inserido; "fato" seria aquilo que a sociedade prevê como real - um acontecimento que aconteceu ou, quem sabe, há de acontecer e torna-se um fato. Já a ficção trata-se da imaginação, obras cujo enredo saia da criação imaginativa do autor. O problema começa a surgir nesse momento, segundo Eagleton. O autor questiona que, se a literatura baseia-se na escrita tão somente de ficção, muitas obras escritas sob o prisma de fatos teriam que ser excluídas da categoria e complementa com o exemplo "(...) Superman comic and Mills and Boon novels are fictional but not generally regarded as literature, and certainly not as Literatura"[1] (1996, p.2) . Definir literatura de tal forma objetiva e quase como uma equação matemática rememora a antiga Escola de Crítica Formalista - comumente conhecida como o Formalismo Russo. Não cabe aqui comentar sobre seus criadores ou suas razões de fundação, mas sim, uma frase especificamente dita por Roman Jakobson e citada na obra de Eagleton: "a literatura é uma violência organizada contra a fala do comum" - o que expressa o pensamento de maioria dos simpatizantes com a Escola. Que deve ser comentada aqui, portanto, pela sua grande importância para a criação dos conceitos literários de uma época e como meio de comparação com a atual. O Formalismo Russo via a literatura como forma, não conteúdo; um meio especial de usar da língua, diferente do falante cotidiano (EAGLETON, 1996) . Num exemplo prático, Eagleton comenta que para os formalistas "(...) Animal Farm for the Formalists would not be an allegory of Stalinism (...) Stalinism would simply provide a useful opportunity for the construction of an allegory.[2]" (EAGLETON, 1996, p.3) A temática seria, portanto, apenas um 'degrau' a ser pisado até a chegada do objetivo maior: a forma e a linguagem literária. Essa linguagem também deve ser discutida mais amplamente. Os Formalistas, além da preocupação demasiada com a forma do texto literário, também tinham em mente o que seria algo como o linguajar apropriado: como fora dito anteriormente, a literatura era uma forma "especial" de usar da língua. Esse conceito fica amplo, assim como comentado por Eagleton - o que seria, afinal, essa concepção de uso especial? Afinal, a língua considerada comum pelos falantes da Universidade de Oxford talvez não seja a mesma dos moradores de uma região rural (1996). Se a língua, como um organismo vivo se difere de região a região, esse conceito acaba caindo na objetividade matemática previamente comentada. Sendo resolvido se incluirmos nessa conceituação a palavra "contexto"; o que é um uso especial para uma região talvez não seja para outra. Se o uso de expressões consideradas "poéticas" (com ritmo e textura literária) fosse parte do linguajar comum de uma região, o que seria considerado especial para eles? Portanto, pensar em Literatura não como... literature was not pseudo-religion or psychology or sociology but a particular organization of languag (...) It had its own specific laws, (...) which were to be studied in themselves rather than reduced to something else.[3] (EAGLETON, 1996, p. 2) Após, o Formalismo Russo e seu fim juntamente com o término de Segunda Guerra Mundial, surge uma nova corrente de pensamento: O new criticism anglo-americano que surge com base num livro de um autor estadunidense. Quando o termo foi traduzido para o português, houve uma confusão na qual o new criticism não é o mesmo que a "nova crítica" - o primeiro é um aspecto, uma técnica usada pela "nova crítica". (COUTINHO, 1968). Diferentemente do Formalismo Russo citado acima, o new criticism não é uma unidade rígida - é visto nela já os primeiros traços de estilos individuais. Contudo, ocorre obviamente uma série de pontos em comum tais como a literatura ser encarada como um objeto a ser analisado pelos elementos intrínsecos; a crítica tem como preocupação a linguagem; preocupa-se com o material literário e não com suas reações ao leitor; é irrelevante a análise das influências de estilo de época ou sociais; o importante é o que a obra é e não o que ela desperta em quem a lê. Novamente, a ausência do material social para a Literatura. O new criticism anglo-americano retoma com uma série de diferenças do Formalismo Russo (a preocupação com o material intrínseco), mas mantém tantas outras. O leitor ainda não é visto como uma peça importante para o processo de criação do artista. Já na próxima fase, acontece a crítica de base estilística. Vossler e seus seguidores crêem que o objeto da crítica literária é a linguagem e a obra, o texto como centro de tudo. Suas outras características consistem em: a análise parte da intuição; a crítica parte da sensibilidade do crítico; a percepção de que cada estilo exige uma análise crítica diferente; atenção a palavra, seu significado e seu significante. É comum pensar-se na Literatura como material artístico, e portando uma ânsia de imortalidade por meio da arte que leva uma série de autores a escrevê-la com essa ambição. Curioso perceber que, a Literatura vista como Arte é (uma das) linhas de pensamento que todos os períodos têm em comum. De acordo com Coelho, Literatura se encaixa como Arte pelo simples fato de ser " (...) um ato criador que, por meio da palavra, cria um universo autônomo, realista ou fantástico, onde seres coisas e fatos, tempo e espaço (...)" (1986). Já Souza vai contrário a esse pensamento quando diz que "[a literatura] é um produto cultural (...) e desde que se fez presente tem sido objeto de teorização" (2007, p.10). Com ambas linhas de pensamento aqui vistas, fica aqui claro que, Literatura é uma palavra que está em constante mudança "semântica" - não esta propriamente dita dicionarizada, mas sim, para o homem que vê o mundo ao seu redor mudar a cada segundo e encara a Arte de forma diferente a cada instante. Vale aqui definir o que Arte propriamente diz nesse contexto. Temos como Arte aquilo que expressa algo vital para o homem naquela sociedade e que nutre (intencionalmente ou não) os valores que ele tem para com a sociedade ou o universo num sentido mais amplo. Mais especificamente no momento atual vivido pelo o homem, a Arte é uma espécie de elo entre o mundo fantástico e inteligível e esse que nos rodeia todos os dias. Um mundo diferente do nosso, onde todas as respostas dos questionamentos mais profundos do homem podem ser encontradas. O artista criador tem como ponto de partida criar esse mundo que tem as diferentes facetas da nossa realidade que nos abriga e tenta dar a ela um sentido por sê-la assim. Logo, a literatura nesta monografia é vista como um objeto de estudo não-pragmático que pode ou não ter uma função artística assim como ser baseado em "fatos reais" (pois a Literatura é a apreensão de uma realidade de um período, sendo uma obra imaginativa ou não) ou ser inteiramente fictícia. Neste momento, o questionamento que paira é qual a função desta na sociedade. "Função" vem do latim functio; -önis e significa trabalho, função exercida. Como fora previamente dito, a Literatura como um organismo vivo que é composto de diversas ciências em sua estrutura, não pode ser designado por uma série de regras - da mesma forma ocorre dizer qual é a sua funcionalidade. Cândido (1989) comenta a existência de três funcionalidades para a literatura: a psicológica, a formadora e a social. As três comentadas abaixo sobre o prisma deste mesmo autor. A função psicologia tem uma ligação com a necessidade inata que o homem tem para o escapismo da sua realidade por meio da fantasia. Necessidade esta que está presente diariamente na sociedade atual: nas novelas, nas músicas, nos filmes, nos contos, nas colunas de jornal - os devaneios incluem as mais diversas temáticas. A literatura é, obviamente, a mais profunda delas. Sua função formadora está relacionada com a psicológica - os devaneios do homem contemporâneo; e é nessa ligação com o real que a função formadora da Literatura aparece. No caso, como um instrumento de formação do homem. Cândido comenta que é por meio da literatura que os hovens podem entrar em contato com realidades que nunca o teriam caso não lessem (1989). Por fim, sua terceira função seria a função social que é, atualmente, talvez a mais forte delas. Mesmo o mundo ali retratado não sendo o que o leitor participa de forma propriamente dita, é nele que ocorrem fatos tão parecidos com o mundo do leitor e que o fazem pensar na situação das personagens ali retratadas - que, por exemplo, no Realismo são pessoas observadas ali naquele período - e a postura real das pessoas; havendo assim, um reconhecimento entre leitor-personagem. Visto, por fim, a Literatura e suas distintas funções, analisa-se o questionamento inicial: como a sociedade encara essas obras (e suas funções, consequentemente)? Esse questionamento no ponto de vista de um linguista, que não vê a literatura como arte e sim como ciência, esse pensar todo sob a questão é tolice. Afinal, "literatura" é uma palavra da Língua Portuguesa, que como todas as palavras do idioma, é usada milhões de vezes pelos falantes todos os dias - falantes esses que tem as mais diversas visões de mundo e experiências de vida divergentes. Falantes que não tem noção do o quão vasta é a definição de literatura. Se a arte é destinada a fazer-nos ver e a função do escritor é fazer justiça ao mundo visível ao imprimi-lo no papel (CONRAD, 1968) a atenção do leitor-comum, que não tem nenhuma formação de especialização na língua e literatura, para a conceituação da literatura é realmente importante? Onde começa e onde termina exatamente a ideia de literatura no imaginário popular? Antes mesmo de ver essa relação com o senso comum, deve-se ver como ela interage com a sociedade e como uma modifica (ou não) a outra e que aspectos são abordados. Dizer que a Literatura é um reflexo da sociedade na qual ela foi criada é quase que um clichê teórico. Logo, primeiro deve-se lembrar o quão incompleto esse gênero de estudos é. Segundo Cândido (1980) isso acontece devido a falta de formulações e/ou conceitos que deixariam a análise mais objetiva. Vê-se aqui uma semelhança com a própria literatura na confusão de conceituação pelos teóricos ao longo dos anos - isso acontece pelo fato da sociologia ser a disciplina auxiliar nesse processo que não tem como intenção explicar as obras literárias, mas sim a influência que exerce sobre a Arte. E como é de se esperar, a crítica literária encontra aqui um ponto que causa conflito na conceituação quando trata-se de como encarar a sociedade na obra. Deveria se analisar a alma e intimidade do objeto literário e como elas atuam na organização interna e não se ela só fornece matéria (ambiente, costumes, traços grupais, idéias). (CÂNDIDO,1980). O que é erroneamente considerado quanto ao material social na literatura é como ele se posicionada de fato - ou seja, se é um elemento de análise interno ou externo. Quando se diz, parece óbvio que seja um fator externo, pois se acredita que por mais que o fator social figure-se na obra, nunca é incorporado de maneira completa. Indo em discordância, Cândido comenta que o social importa como constituição interna, uma vez que o fator social ajuda na construção da estrutura e não como causa ou significado (CÂNDIDO,1980) Todavia, deve-se pensar primeiramente: O que significa ser Arte para o meio sociológico? Segundo Cândido (1980) a Arte é considerada um sistema de símbolos de comunicação entre humanos e, tem interesse para a sociologia pelo fato de circular na sociedade que é feita pelos próprios humanos. O autor Cândido propõe inicialmente um contexto histórico dessa pesquisa para depois o aprofundamento. Acredita-se que tenha sido Madame de Staël, na França, a primeira a esboçar que a literatura é também um produto da sociedade. Todavia, esse conceito só chegou a ser posto em prática anos depois - naquele momento, a análise ainda era feita somente com o material escrito da obra. Devem-se observar os fatores socioculturais, o que faz o leitor determinar se aquela é romance e a outra não é romance. Cândido observa que eles são ligados "a estrutura social, aos valores e ideologia, às técnicas de comunicação" (1980, p.21). Reiterando essa ideia, Moíses (1975) diz que quem move essa decisão é o sistema sociológico: a crítica de alguém, o "ouvi dizer" ou quem sabe até o gosto de quem vive em seu meio. Influências como essas não param por aí; Massaud Moíses ainda cita celebridades, professores, rádio, televisão, amigos como exemplos - tudo isso misturado com a opinião pública e a propaganda que circula na sociedade. Ainda sobre esses fatores, Cândido (1980) comenta a existência de quatro momentos na produção literária que seriam, basicamente: a) o autor, sob o impulso de uma necessidade interior, orienta-o segundo os padrões de sua época, b) escolhe certos temas, c) usa certas formas e d) a síntese resultante age sobre o meio. (CÂNDIDO, 1980, p.21) Com o que fora dito acima, se observa que uma obra só é completa quando atinge os quatro momentos - enfim, para ser dita como obra literária para a sociologia ela deve ter um momento de repercussão (CÂNDIDO, 1980). Pode-se dizer então que o maior romance de todos os tempos escrito e não publicado não poderia ser considerado literatura sob esse prisma. Cândido então compara os elementos da comunicação com os da literatura sendo o comunicante o artista, o comunicando sendo o leitor (logo, quem o se dirige) e o comunicado que é a obra - o último elemento refere-se ao efeito do comunicado. Porém, o comunicado vai muito mais além do simples efeito - além até mesmo da vivência do autor. Atualmente, os grandes estudiosos literários e sua relação com a sociedade, que ao encarar os fatores sociais como agentes da estrutura e não como simples contexto ou matéria do autor, é possível enquadrá-los num meio termo que seja mais agradável (CÂNDIDO, 1980). Toma-se como exemplo a obra Dom Casmurro de Machado de Assis, clássico literário que narra a saga de Bento Santiago, homem apaixonado pela amiga de infância Capitu e o ciúme doentio que sente por ela. Na obra existem referências sociais claras (roupas, hábitos, lugares, descrições de tipos que circulam na sociedade e até mesmo os nomes utilizados pelo o autor) mas não definem de fato estudo de caráter social . Para tal, seria necessário que aquele que faça crítica da obra que "desnuda as raízes da relação". (CÂNDIDO, 1980, p 17). Existe uma série de modalidades para delimitar os tipos mais comuns dos estudos sociológicos em obras literárias. Eles serão visto de maneira sintetizada em seguida. O primeiro consiste no método tradicional que é "formado por trabalhos que procuram relacionar o conjunto de uma literatura, um período, um gênero" (CÂNDIDO, 1980, p 18). Seu ponto forte é tentar achar uma ordem geral para todas as obras quanto a crítica literária, tentando simplificá-la; mas peca ao fazê-la de forma simples demais e traçando um paralelo social da obra e do contexto individualmente, sem conseguir mesclá- los (CÂNDIDO, 1980). Uma segunda modalidade consiste em verificar o grau que a obra literária transparece a sociedade daquela época. É a verossimilhança social que, de certa forma, transfigura essa modalidade como uma das mais simplórias dentre todas. Se o segundo tende para dar foco a obra literária e usar a sociologia como segundo plano, a terceira modalidade vai contra. É nela que se tem o maior teor sociológico das três que estuda a relação da obra e do público - como é visto, como é aceito determinado texto num núcleo social. Sua quarta modalidade estuda, desta vez, a posição e função social do escritor procurando organizar de forma coerente como o escritor desenvolve sua produção na obra no contexto social. A quinta modalidade segue uma linha politizada do escritor e da obra, num modo ideológico marcado. Sua sexta modalidade é voltada para as hipóteses das origens; da literatura e/ou seus gêneros. Essas modalidades todas são legitimas e, quando realizadas da forma correta e não como crítica vazia e é possível notar... (...) um deslocamento de interesse da obra para os elementos sociais que formam a sua matéria, para as circunstâncias do meio que influíram na sua elaboração, ou para a sua função na sociedade. (CÂNDIDO, 1980, p.20) Justamente com as modalidades vistas acima, cada um dos aspectos vistos tem suas especificidades e merecem um estudo mais aprofundado em seus fatores. É o que será visto em seguida. O primeiro elemento a ser visto é o papel do autor. O autor, sendo o elemento humano desta combinação é o que tem maior participação no processo de criação no sentido de que é dele a ligação do meio social e a obra feita. Vale lembrar que, tempos atrás, esse autor individual não existia; havia, na verdade, um aspecto coletivo na criação. Concebia-se então o povo como um conjunto como o criador da obra. Essa ideia surge primeiramente na Alemanha onde poemas de Homero foram atribuídos ao povo-gênio da Grécia através de suas tradições e folclores (CANDIDO, 1980). O mesmo acontece com a reunião de contos feita pelos irmãos Grimm e tantas outras. Essa visão atualmente não existe, pois a obra necessita que um artista criador específico. Hoje, entende-se por criação coletiva arte coletiva é "(...) a arte criada pelo indivíduo a tal ponto identificado às aspirações e valores do seu tempo, que parece dissolver-se nele" (CÂNDIDO, 1980, p. 34). Logo, há uma ordem a ser analisada quando se trata de ver qual é a força dos fatores sociais em uma obra, maior ou menor. Primeiramente, determinar a época em que a obra foi escrita, depois a sua necessidade de ser feita e por fim se ela se torna ou não um bem da sociedade. Todavia, essa questão sobre se a obra é um fruto individual ou das condições sociais que são impostas sobre o autor. Isso pode ser visto na questão posta por Cândido no que diz respeito que... há necessidade de um agente individual que tome a si a tarefa de criar ou apresentar a obra; em segundo lugar, ele é ou não reconhecido como criador ou intérprete pela sociedade, e o destino da obra está ligado a esta circunstância; em terceiro lugar, ele utiliza a obra, assim marcada pela sociedade, como veículo das suas aspirações individuais mais profundas. (CÂNDIDO, 1980, p.34) Tendo isso em mente, observa-se então que a obra é uma criação individual de um artista; todavia, há uma parcela de criação da sociedade, que é quem o molda, o influencia e o dá idéias para que sua obra se torne real e reconhecida. Encarar uma obra literária como propriedade de um só homem é um erro; assim como vê-la como tão somente uma criação coletiva de um grupo não é correto. Há, então, mesmo sem um consenso um 'acordo' no qual artista e sociedade firmam. O público é o principal agente desse processo. O público é o principal alvo da obra literária. Ele é o receptor da arte e sobre influências da sociedade tanto quanto no aspecto anterior. Essa questão do público deve ser vista desde a criação da escrita. Nessa era primitiva, o homem não tinha muito como definir quem seria o seu público leitor ou quem poderia ser seu receptor - não havia um público alvo coerente. O número de componentes dessa sociedade (que era pequeno) e o entrosamento íntimo entre eles é algo que diferencia essa sociedade da nossa e como ela encara a obra. (CÂNDIDO, 1980). Enquanto a sociedade cresce, sua densidade demográfica, o público e o artista começam a se distinguir e se distanciar cada vez mais. É só nesse momento que se pode comentar do conceito que temos atualmente de artista e público - que são unidades distantes uma das outra. Todavia, existem sociedades menos diferenciadas, que o receptor tem contato direto com o artista que a obra contemplada - o que não se dá em nossa sociedade pois "quando o público não constitui um grupo, mas um conjunto informe, isto é, sem estrutura, de onde podem ou não desprender-se agrupamentos configurados" (CÂNDIDO, 1980, p 43). É claro que os leitores podem formar grupos de leitores como, por exemplo, "entusiastas de J. R. Tolkien" que é uma combinação esporádica - pois o estado normal do público é de "massa abstrata" ou "virtual" (CÃNDIDO, 1980). Numa sociedade ampla e com as mais diferentes pessoas, vários tipos de leitores e escritores surgem. A pressão do público e seus gostos recaem sob os artistas que por vezes mudam sua obra para agradar o grande público e, assim, ter mais ganho financeiro. É o que acontece com o romancista Dan Brown que começa sua carreira voltada para o público infantil - devido ao evidente fracasso, cria uma "fórmula" e a aplica em livros de suspense (Fortaleza Digital, O Código Da Vinci e tantos outros) conhecidos pelas vendagens espetaculares. O mesmo ocorre com Sir Arthur Connan Doyle que cria até mesmo um asco a sua personagem mais conhecida - Sherlock Holmes - mas se vê obrigado a ressuscitá-lo para retomar sua fama. Com o crescente mercado leitor, os autores vendem-se aos romances comerciais. (CANDIDO, 1980). A influência de mercado é forte, como vimos - tanto quanto os valores, costumes, moda - enfim, o aspecto social vigente na época que é feito e as expectativas que se tem sob uma obra. Mesmo sem perceber a sociedade "traça normas por vezes tirânicas para o amador de arte, e muito do que julgamos reação espontânea de nossa sensibilidade é, de fato, conformidade automática aos padrões" (CÂNDIDO, 1980, p. 45). Isso vê-se na sociedade atual: com o lançamento e vendas gigantescas de Stephanie Meyer e sua saga de livros sobre vampiros ditam uma moda na qual séries, músicas e outros livros seguem. O público é quem escolhe essas novas tendências e os artistas é quem decidem que as seguem - para satisfazê-los - ou não. Esses aspectos, abordados de forma breve, mostram a importância de todos os fatores mostrados. A obra é necessária pois é por ela que o autor manifesta o que pensa sobre a sociedade que, ironicamente, é quem vai lê-lo e julgá-lo - ou seja, o público. O autor é um intermediário entre os dois extremos, é o agente que faz todo o processo obra-autor-público. Entender esse processo e não aprofundá-lo é o principal objetivo desse primeiro capítulo para que conceitos sobre a obra em especial que será tratada - Watchmen - e como essa sociedade, esse público atual encara essa história em quadrinhos do fim dos anos 80. Sem mais a ser dito sobre o assunto, o capítulo a seguir comenta a história dos quadrinhos e sobre a obra em si e como ela é como criação artística. 3. Da comédia aos super-poderes - uma breve história das histórias em quadrinhos. Ao longo da evolução da humanidade, a vida expressa em quadros não é novidade. Não são consideradas comics de fato, mas pinturas nas paredes das pirâmides, que faziam o leitor a ler em certa ordem e misturavam elementos pictográficos com o início de uma escrita ideográfica são as raízes do começo dos quadrinhos, mesmo que não vista oficialmente desta forma. (MCCLOUD, 2005) O início dos quadrinhos se dá de fato no começo do século XX, e diferentemente do senso-comum acreditar, não foram idealizadas para um público infantil ou já começaram com super heróis mascarados combatendo o crime. Seu surgimento foi graças a uma procura que os artistas tinham: achar um novo meio de expressar-se que não fosse tão somente a palavra escrita. É nessa ânsia por algo novo que Richard F. Outcalt cria nos Estados Unidos Yellow Kid em 1869 que conta as desventuras de um menino asiático. O foco é o humor. (JARCEM, 2007). Todavia, esses primeiros passos também estavam sendo dados na Europa com Rudolphe Topffer e Wihelm Busch, autores que misturavam ilustrações de fantasia e legendas num mesmo plano. Em especial a obra de Topffer tem uma repercussão tão positiva que é elogiada até pelo poeta alemão Goethe que comenta sobre sua originalidade e a crítica a família inglesa em sua oba "Família Fenouillard" (IONNE, 1994). Já Bush tem como característica marcante o "humor pesado e satírico (do tipo moralista) (IONNE, 1994, p 29). Esse tipo de característica crítica prevalece até hoje nos quadrinhos ingleses, como na obra a ser analisada nesta monografia, Watchmen. Com ele, surgiram diversos nomes no meio do mercado dos quadrinhos e suas histórias eram predominantemente situações cômicas o que explica seu nome que prevalece até hoje: comics. Piadas e anedotas com crianças e animais configuravam o panorama da época. Ainda sim, havia a questão da influência do externo na obra – em Yellow Kid vemos uma sátira do modo de vida dos imigrantes irlandeses nos cortiços de Nova York. (IANNONE, 1994). Não havia ainda nesse momento, a compilação de quadrinhos por volumes com uma personagem principal e uma série de recorrentes; mas sim, comic strips (tirinhas), publicadas em jornais. Essas tirinhas ainda prevalecem fortes em grande parte dos jornais que circulam e até deu margem a uma nova tendência graças à internet: as webcomics. Sites como o "Explosm" (www.explosm.net) , "Robots with feelings" (www.robotswithfeelings.com) e até mesmo brasileiros como "Mentirinhas" (www.mentirinhas.com.br) reinventam a antiga fórmula com piadas de humor negro, fatos cotidianos e ironias da vida com uma freqüência de postagens constante para agradar o leitor da internet, sempre a procura de conteúdo em grande velocidade. A primeira grande revolução ocorre no momento em que é feita uma compilação de várias comic strips no formato de um livro. A primeira a ser lançada chama-se The Funnies em 1929. Sua publicação era feita de forma semanal e, apesar de não ter sido um sucesso (e saído de circulação rapidamente), é considerado um marco na história das histórias em quadrinhos (IONNE, 1994). Após o lançamento, mesmo que sem sucesso do The Funnies, uma série de revistas como ela surgiu. Segundo Ionne "[...] em 1933 surgiu Funnies on Parade[...] provocou tamanho impacto que, no início de 1934 era lançada a primeira revista comercial, a Famous Funnies" (1994, p 29). Esse período dos quadrinhos segue a filosofia de vida americana do "american way of life" e demonstra uma sociedade estabilizada e feliz com a dominação quase que total da economia mundial. Não se deve prolongar na história das comic strips com o teor cômico, pois esse não é o foco desta monografia – o foco é o gênero que trata dos super- heróis. Assim como a Literatura, a arte sequencial dos quadrinhos também sofre a influência da realidade vivida por quem a faz. Em 1929, a bolsa de valores de Nova York sofre um crack e o País entra num período conhecido como "A Grande Depressão", um momento de crise econômica que chega ao seu fim somente com o começo da Segunda Guerra Mundial. Nesse ínterim, foram-se registrados uma alta taxa de desemprego e queda na produção industrial e das ações em Wall Street. Com isso, a sociedade vive um momento de fraqueza e procura um herói. A vida dos americanos então muda quando esse herói surge do espaço - o bebê alienígena que salvaria a nação. Surge então "Superman, supermito, superprecursor dos super-heróis" (MOYA, 1972, p. 63) criado em 1933 e publicado em 1938 pela editora que no futuro seria a aclamada DC Comics (porém, sob a alcunha de Action Comics). Seu começo tem histórias infantis e pouco interesse é despertado pelo público adulto - até o início da Segunda Guerra Mundial. Na mistura de ideologias e questões políticas e uma séries de conceitos distorcidos do filósofo Nietzche, o pai dos super- heróis é considerando como um símbolo fascista e uma demonstração do poder americano – segundo os assessores de Hitler, Superman não passava de mais judeu. (JARCEM, 2007). Mesmo isso não fazendo sentido já que o herói era habitante de um extinto planeta chamado Krypton, enviado por seus pais em um foguete e nunca tendo demonstrado inclinação religiosa (ou política) nenhuma até aquele momento (MOYA, 1972). Nos anos seguintes, mais super seres surgem nas bancas americanas – um dos mais importantes deles Namor, o Príncipe Submarino (1939) que tinha como inimigo o ciborgue herói Tocha Humana. A primeira instancia, inimigos mortais – porém, quando o presidente Franklin Delano Roosevelt percebe o fascínio e poder das comics, ele convoca todos os heróis de carne e osso da nação e os super-heróis de papel como esforço de Guerra. Com isso, os super-heróis acabam indo a Guerra, pelos mais diversos motivos. Um deles foi por ser uma forma de entretenimento barata e fácil de ser levada ao campo de batalha; as histórias em geral exaltavam o americano e motivavam os jovens que estavam na Guerra e retratavam a realidade que eles viviam. Com esse chamado, os antigos inimigos tornam-se parceiros contra a ameaça asiática e alemã (JARCEM, 2007). Esta união é um espelho do que acontecia no período, de países opostos se juntarem contra um inimigo em comum. Outro evento que ocorre simultaneamente em ambas as realidades é a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e, nos quadrinhos, o surgimento do All- Winners Squad, o primeiro grupo de super seres a ser feito (JARCEM, 2007). Nele, fazia parte um dos principais representantes do esforço de Guerra nos quadrinhos. Ele foi o principal herói feito para trazer a bandeira americana, criado em 1941 com o (óbvio) nome de Capitão América, obra de Jack Kirby e Joe Simon. Com referências aos Estados Unidos até em seu uniforme, ele é "a imagem idealizada do paladino da justiça" (RAMA, 2004, p.52). Mesmo sendo um de muitos, Capitão América foi o primeiro a chamar atenção e causar mais impacto por ter sido o mais engajado de todos os publicados. Exemplo este de engajamento pode ser visto no primeiro exemplar da revista, na qual Capitão América aparece dando um soco no rosto de Hitler (Imagem 1). Extremamente patriótico, o herói carrega claramente a mensagem de que America for Americans (MOYA, 1972). Outro ponto a ser visto sobre este super-herói é a ausência de armas que o auxiliariam a combater o crime; seu único acessório é o escudo redondo com as cores da bandeira estadunidense. Essa falta de armas pode ser encarada como se ele dissesse que o único valor defendido por ele é a liberdade e que os Estados Unidos não atacavam, somente defendiam (JARCEM, 2007). Porém, isso esconde uma faceta que o recruta Rogers quer ignorar - nele há "uma preocupação guerreira, sendo ele possivelmente o mais agressivo dos vigilantes" (MOYA, 1972, p. 100). Além do Capitão América, outros super-heróis se alistaram e deram suporte aos estadunidenses na Guerra. Batman, o herói sombrio de Bob Keane, Capitão Marvel de C.C. Beck e sua saga de criança com o poder de transformar-se em adulto com a frase Shazam! e Mulher Maravilha, a primeira heroína a surgir no inicio da década de 40. Juntamente com Lanterna Verde (e suas diversas formas e origens) eles formam o arco dos principais personagens e que, posteriormente seriam conhecidos por pertencerem A Era de Ouro (MOYA, 1993). Mas deve-se lembrar que outros heróis foram feitos – na verdade cerca de quatrocentos heróis mascarados foram criados, mas poucos sobreviveram. Imaginava-se logo que, depois de tanto sucesso e visibilidade nos anos 40, as histórias em quadrinhos fossem só crescer como parte da cultura em 50 – essa não foi a realidade encontrada. Foi na década de 50 que houve uma das maiores caça as bruxas contra um gênero já vista. Isso graças ao doutor Frederic Wertham e sua obra de 400 páginas chamada "The Seduction of the Innocent[4]" onde ele "acusa os quadrinhos de corrupção e delinqüência infantil e [...] esmiúça suas ideias sobre o 'verdadeiro intento subversivo por trás dos quadrinhos" (JARCEM, 2007, p. 5 e 6). Em seu livro, ele observa que nunca encontrou com qualquer que seja a pessoa que tenha pensado em guardar histórias em quadrinhos em casa por qualquer que seja a razão - mesmo que sentimental (WERTHAM, 1954). Essa "caça aos gibis" fez com que o gênero perdesse força. Numa prova clara de que é mais fácil destruir um império que construí-lo, Fredric Wertham levanta estas questões éticas e sobre o que ensinam as comic books e logo uma onda de protestos inicia-se nos Estados Unidos (MOYA, 1979). A fúria foi despertada entre "pais, professores, da família unida, do casamento [...] do patriotismo, do reacionarismo, do "no-meu-tempo-não-era- assim", do passado [...]" (MOYA, 1979, p 72) contra as histórias em quadrinhos. Essa revolta atingiu a economia (já não muito forte) dos quadrinhos com força, e gerou como conseqüência dos que viviam de comics uma reação - em forma de código (MOYA, 1979). É lançado o Comics Code of Authority, a autocensura dos quadrinhos, e as revistas vistas como de mau gosto (em questão de escolha de mote, de vocabulário, de cor) não eram publicadas (JUNIOR, 2004). As ameaças do psiquiatra foram das mais diversas, mas sua principal acusação aos quadrinhos era a questão da violência incitada por todas elas, idéias sadomasoquistas dadas pela Mulher- Maravilha e o homossexualismo. Seus alvos mais corriqueiros eram Batman e Robin (JARCEM,2007) . Segundo ele, os heróis constantemente eles se salvam um ao outro de ataques violentos de um número sem fim de inimigos [...] às vezes, Batman acaba na cama, ferido, e mostra-se o jovem Robin sentado ao seu lado. Em casa, levam uma vida idílica [...] Vivem em aposentos suntuosos com lindas flores e grandes vasos...Batman é, as vezes, visto mostrado num robe de chambre...é como um sonho de dois homossexuais vivendo junto" (WERTHAM apud MOYA 1979, p. 72) O psiquiatra acredita que signos como vasos de flores e robes sejam ícones claros da homossexualidade das personagens e que provem daí os símbolos sexuais que ficam no subconsciente do jovem. Mesmo com as instituições que defendiam o dito bom gosto e bom senso na sociedade, havia aqueles que iam contra o que o Dr. Wertham pregava. Um deles foi Feiffer, apreciador e autor de HQ's, conclui em seu livro que as historietas que tiveram poucos defensores públicos nos tempo em que Dr. Wertham as atacava, são agora recordadas por um número crescente da minha geração como exemplos de nossa inocência juvenil [...] e nos deu meios de, mesmo que arbitrariamente, de distinguir o certo do errado, o bom do mau, o herói do vilão. (FEIFFER, Jules apud MOYA 1979, p. 73) No fim dos anos 50, o mundo polariza-se e o medo agora tinha cor: ele era vermelho e batia na porta de todos do mundo - os super heróis, por sua vez, faziam sua parte - enquanto o Capitão América continuava a bater em anticomunistas, Namor usava seus poderes aquáticos contra as ameaças marxistas (JARCEM, 2007). Com o término dos anos 50, acaba a Era de Ouro e dá-se inicio ao que seria conhecido como a Era de Prata dos quadrinhos. E se o marco da Era de Ouro dos quadrinhos foi o surgimento dos grandes nomes que perpetuam até hoje e a criação dos ajudantes (também conhecidos como sidekicks - Robin dos quadrinhos do Batman e Bucky do Capitão América são os exemplos mais conhecidos) o que marcaria essa Era de Prata? A resposta desta pergunta dá-se em uma palavra: grupos. Contratados pela Marvel Comics como uma tentativa de desbancar a soberana DC Comics no mercado, Jack Kirby e Stan Lee ficam incumbidos de criar a revolução que salvaria a editora. Surge então o super grupo de heróis, The Fantastic Four (Quarteto Fantástico) que revoluciona o mercado (JARCEM, 2007). No Quarteto Fantástico vê-se, pela primeira vez, uma série de estereótipos dos quadrinhos serem quebrados. O primeiro a cair é a visão de um grupo de super-heróis. No Quarteto não há um grupo, mas sim, uma família - Reed Richards é noivo de Sue Storm que é irmã do adolescente Johnny (o novo Tocha Humana) e todos são amigos de Ben Grimms, que também é considerado parte da família. A união dos quatro é transpassada até pelo o uniforme - são todos iguais, ao invés de individualizado (Imagem 2). As personagens no Quarteto Fantástico são únicas em seu tempo. Reed Richards (Senhor Fantástico) é um cientista e prefere o intelecto ao seu poder de elasticidade - por mais de uma vez ele é visto tentando resolver os problemas que poderiam ser resolvidos na força, por meio da inteligência. Sue Storm (Mulher Invisível) atua mais como esposa de Reed e sombra do irmão adolescente do que propriamente como heroína. Johnny Storm (Tocha Humana) é o oposto dos heróis da DC Comics - explosivo, boêmio, amante da fama de super-herói e ideologicamente contrário a todos os heróis já produzidos, pode ser até mesmo considerado o ensaio para o herói Ironman. Sendo sua antítese então, Ben Grimms (O Coisa) que apresenta aos quadrinhos um elemento totalmente novo: o herói que não quer se herói. Ben odeia sua condição graças a sua aparência grotesca e sofre dilemas de natureza filosófica por isso. Porém, por trás da situação trágica do grupo de amigos que viram super seres no acidente cósmico, há um paralelo com o que acontecia na época - a Guerra fria e o anticomunismo (JARCEM, 2007). O Fantastic Four foi a resposta cultural e exposição do problema dos quadrinhos. Isso é claramente visto na primeira edição em que a futura Mulher Invisível, Sue Storm, convence Ben Grimms a pilotar a nave para ele, pois "[...] nós temos que tentar! A não ser que você queira que os comunistas cheguem na frente..." (LEE, Stan apud JARCEM, 2007). Com isso, ela convence o amigo a pilotar a nave que os fariam sair a frente na corrida espacial. Com essa nova faceta mais humana dos super-heróis, mais deles foram criados. Nas obras feitas subseqüentemente é visto claramente a influência dos personagens do Quarteto Fantástico. Ironman (Homem de Ferro) é o herói boêmio que lembra vagamente Johnny Storm; Spiderman (Homem-Aranha) tem elementos tanto do Senhor Fantástico (valorização do intelecto aos poderes) e de Tocha Humana (a pouca idade); Hulk tem a mesma questão filosófica de um super-herói fora dos padrões "estéticos" (o fato de ser visto como uma besta) do Coisa e, por fim, os X-men - um grupo de super-heróis que vive junto e se veem como uma família. Observa-se porém, que essa faceta humanizada das personagens não significa que as histórias tenham ganhado um teor mais adulto. Pelo contrário, a Era de Prata é conhecida por ter roteiros com conceitos moralizadores preto-no-branco (vilões maus pelo simples prazer de o ser e heróis sempre saindo como vencedores) com uma temática infantilizada, fantástica e cômica. Isso se dá graças ao ainda vigente Comics Code of Authority e as vendagens altas que sidekicks, cachorros falantes, revistas multicoloridas e roteiros simples davam (The Bronze Age Of Comic Books). Todavia, com o fim dos anos 60, o selo já havia perdido a força gradualmente com o passar dos anos. A saída de Jack Kirby da Marvel Comics juntamente com a volta dos quadrinhos de horror e com questionamentos mais maduros, chega ao fim a Era de Prata e inicia-se a Era de Bronze. A diferença das fases pode ser vista até mesmo na arte usada para a capa. As cores usadas na Era de Prata são mais claras, com tons pastéis e coloridos; enquanto a Era de Bronze apresenta tons mais escuros e uma palheta de cores sempre puxada para o preto (Imagem 3). Com a queda definitiva do selo, a Era de Bronze é conhecida por "ser a primeira tentativa que se tem notícia de tentar trazer o realismo e problemas adultos para as histórias em quadrinhos de super- heróis" (The Bronze Age Of Comic Books). A sexualidade é um aspecto amplamente explorado nesta Era, como pode ser visto na capa de Conan, o Bárbaro sem camisa (Imagem 4); a religião é mote da geração, assim como conspirações governamentais e as drogas. Esta última, especialmente visitada por Green Lantern enfrentando o problema quando seu sidekick (Green Arrow) envolve-se com drogas (Imagem 5). É nesta Era que surgem os primeiros super-heróis negros e mais heroínas além da Mulher-Maravilha (The Bronze Age Of Comic Books). O fim da Era de Bronze é discutido se acabou ou não pelo fato de variados marcos da época se misturar com o da Era Negra (ou Era Moderna) - um deles, The Punisher (O Vingador, no Brasil) foi lançado no começo de 74, ainda na Era de Bronze. Muitos discutem se publicação da Crise das Infinitas Terras - série da DC Comics lançada em 1986 com o conceito de Multiverso tenha sido o marco do fim da Era de Bronze. (The Bronze Age of Comic Books). A Era Moderna (como é conhecida no Brasil) tem como conceito principal a obscuridade e temas adultos das histórias em quadrinhos - movimento já iniciado, porém é visto com maior profundidade nessa geração de escritores. A obra que abriu o movimento é o clássico de Frank Miller, "O Returno do Cavaleiro das Trevas" (releitura das origens do Batman) e as graphic novels de Alan Moore "Watchmen" e "V de Vingança". Temas como a violência (urbana, sexual, simbólica), sexo e tristes retratos da sociedade eram os motes dessa geração (The Dark Age of Comics). E é esta importante obra de Alan Moore, Watchmen, que será vista em seus detalhes abaixo. 4. "Quem vigia os vigilantes?" e como essa não é aquela história em quadrinhos que seus pais liam. O autor romano do primeiro século d.C, Juvenal, certa vez fez uma sátira aos homens que colocavam vigilantes com suas mulheres para garantir sua virgindade, e questionou: "Quem vigia os vigilantes? A esposa se antecipa e começa com eles!" (JUVENAL apud SPANAKUS, Tony, 2009 p. 49). Essa questão do filósofo é levantada novamente na obra de Alan Moore quando é pichada diversas vezes nos muros ao longo de toda a graphic novel (Imagem 6) e lança a pergunta para a sociedade - se os vigilantes protegem a população, quem poderia protegê-los? Ou ainda melhor, quem teria a habilidade de vigiar esses vigilantes e porque eles não necessitam desta vigilância? (SPANAKOS, 2009). É uma crítica social? É da Era de Ouro? É da Era de Prata? É ficção científica? É uma graphic novel? É político? A resposta para todas estas perguntas é sim. Porém, acima de tudo isso, Watchmen é a desconstrução dos super-heróis (SPANAKUS, 2009). Numa realidade tão fidedigna e sem o "mundo de amanhã" proposto pelo clássico Super-Homem, Watchmen ambienta-se numa Nova York real até demais para os leitores, com um áspero retrato realidade (IRWIN, 2009). A história se divide em duas gerações de vigilantes: os Minutemen[5] (Homens-Minuto), fundado em 1939 que foram os pioneiros no vigilantismo e um segundo grupo de vigilantes, os Crimebusters[6] que se reuniram no ano de 1966 mas nunca foram um grupo de fato como o da primeira geração. Em Watchmen o foco é na segunda geração, as informações sobre os Minutemen são todas do ponto de vista do Coruja I em sua biografia Under the Hood[7] que conta sua trajetória no mundo dos vigilantes. Esse livro é visto em trechos publicados ao final de cada volume da graphic novel. No primeiro capítulo de Under the Hood, Hollis Manson (Nite Owl I[8]) comenta como a ação do vigilante pioneiro, Hooded Justice despertou nele o desejo de combater o crime desta forma diferente. Manson lê uma reportagem que conta o ato heróico de um homem encapuzado numa ação contra ladrões que iriam roubar um casal de namorados e acredita que foi o que trouxe os quadrinhos da Action Comics a vida. E é naquele momento que Hollis Manson acha sua vocação (MOORE & GIBBONS, 2005). Não só Nite Owl I inspira-se nesse vigilante - seus parceiros como Captain Metropolis[9], Dollar Bill[10], Silhouette[11], Mothman[12], Silk Spectre[13] The Comedian[14] inspiram-se na ação do vigilante ou leram um anúncio no jornal que clama por novos heróis mascarados. Nite Owl I é o maior representante dos Minutemen por ser o mais expressivo do grupo - tanto na questão de influência dele dentre seus colegas mascarados, quanto a presença na graphic novel. Além de ser, juntamente com Silk Spectre I, o único Minutemen a ter relevância à história dos novos vigilantes, ele é o porta-voz dos mascarados da geração de 40. Com ideais de justiça puros de um policial recém formado, inspira-se em seus heróis das histórias em quadrinhos (como o Super-Homem) e decide se tornar o segundo vigilante mascarado em New York (MOORE & GIBBONS, 2005). Sua autobiografia faz parecer que ele se tornou um super-herói porque "it was fun and because it needed doing and because I goddam felt like it[15]" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 1 material complementar p. 5). O primeiro Nite Owl, mesmo que comprometido com sua nova vocação, não parece ter criado uma nova persona, mas sim uma extensão do seu eu-policial motivado pela moralidade, valores e crenças passadas pelo seu avô (KEEPIN, 2009). O pioneiro dos vigilantes, Hooded Justice é o mais antigo e mais misterioso dos Minutemen. Sua identidade nunca fora revelada tampouco seu destino após o fim do grupo de heróis. Sua sexualidade é questionada ao longo de sua carreira; a primeiro momento, imaginava-se que ele e Sally (Silk Spectre I) tivessem um romance que teria começado numa festa de Natal dos Minutemen. Porém, em "Under the Hood", Hollis Manson insinua o fato de que ela estaria muito mais interessada nele do que o contrário (MOORE & GIBBONS, 2005). Seu homossexualismo (e sadomasoquismo) seria enfim revelado em uma carta de Laurance (agente da Espectral I) para a mesma sobre o dilema que "Nelly' (Nelson Gardner, o Captian Metropolis) e H.J (Hooded Justice) estavam passando. O agente conta para Silk Spectre l I que o casal se comporta como dois velhos casados há muito tempo e que estaria sendo difícil para "Nelly" saber lidar com as saídas de H.J à noite com meninos com coisas violentas acontecendo entre eles (MOORE & GIBBONS, 2005). O que dá margem ao comentário de Edward Blake (The Comedian) em uma briga entre eles em que o Hooded Justice defende Sally Jupiter de uma tentativa de estupro de Eddie; após levar um soco dele, The Comedian diz que "this is what you like, huh? This is what gets you hot...[16]" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 2 p.7). Após o ocorrido, enquanto a vigilante está no chão sangrando, a resposta do Hooded Justice é fria e decepcionante, pois não é o que se espera de alguém que vive uma luta interna por sua orientação sexual uma posição tão critica - ele vira-se para Silk Spectre I e diz "levante-se...e, pelo amor de Deus, cubra-se" (DONOVAN & RICHARDSON, 2009). A idéia de formar um grupo para combater o crime de forma mais eficaz veio do Captain Metropolis que tenta em 66 novamente, sem sucesso. O vigilante é um ex-Tenente da Marinha e tem como nome real Nelson Gardner (MOORE & GIBBONS, 2005). Sally Jupiter (Silk Spectre I) chega a deixar subentendido que ele fosse gay e tivesse um caso com outro vigilante, mas isso não é confirmado. A justiceira comenta que "she [Silhouette] wasnt the only one [gay] (...) It was a couple of the guys , and they're both dead now. One died recently[17]" (MOORE & GIBBONS, 2005 cap. 9 material complementar p. 22 ). Seu fim é anunciado na obra por Rorscharch - "Captain Metropolis was decapitated in a car crash back in '74[18]" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 1 p. 19). A inspiração para seu personagem parece ser os heróis, de uma forma geral, da Era de Prata - com uma filosofia de combater o mal pelo simples motivo de que é o certo a ser feito. Em flashback visto no Capítulo 2, ao fim de uma fracassada reunião dos Crimebusters (Combatentes do Crime), o vigilante implora para que os colegas não desistam; "Somebody has to do it, don't you see?! Somebody has to save the world...[19]" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 2 p. 11). Dollar Bill nunca teve uma única fala em toda graphic novel, mas tem uma das mais curiosas histórias da razão porque virou um vigilante. Após tempos desempregado em Nova York, o conglomerado de marketing de um banco o contrata ao perceber a nova "moda do vigilantismo" que havia - eles acreditavam que com um super-herói assegurando a segurança do dinheiro de seus clientes, muitos novos apareceriam. Sua história é contada por Hollis Manson em Under The Hood - o primeiro Nite Owl comenta que seu destino trágico (foi assassinato após ter ficado com a capa presa na porta giratória do banco) poderia ter sido evitado se ele mesmo tivesse feito sua fantasia, e não tivesse sido um brinquedo na mão do marketing do banco (MOORE & GIBBONS, 2005). Ele ainda diz que "Dollar Bill was one of the nicest and most straightfoward men I have ever met[20]" (MOORE & GIBBONS, 2005 cap. 2 material complementar p. 8). Silhouette foi a terceira mascarada e a primeira mulher a fazer parte do grupo de vigilantes. Sua vida antes do vigilantismo é desconhecida, porém, é de conhecimento público sua opção sexual como homossexual e como fora isso que causou sua morte. Além de sua morte, ela foi expulsa dos Minutemen após ser ter comentando sobre sua homossexualidade. Sua aposentadoria foi "retired in disgrace murdered six weeks later by a minor adersary seeking revenge[21]" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 1 p. 19). A ironia em sua história reside na razão pela qual foi expulsa dos Minutemen: mesmo havendo outros dois homossexuais (e segundo Silk Spectre I, todos terem noção disso) (MOORE & GIBBONS, 2005) a única a ser expulsa foi ela - retrato de uma sociedade preconceituosa com o lesbianismo nos anos 40/50. Mothman foi um dos três Minutemen que continuou vivo após o fim do grupo. De acordo com Under the Hood, o Mothman era um jovem que tinha dinheiro que lutava contra o crime para dar uma "apimentada" em sua vida (MOORE & GIBBONS, 2005). Após passar por problemas com o álcool por muito tempo, Mariposa finalmente é internado em um sanatório em Maine no ano de 1962 de acordo com Rorschach (MOORE & GIBBONS, 2005). Silk Spectre I é a segunda mulher a entrar para o grupo de vigilantes. Sua importância para a obra de Moore é grande - além de ser a voz feminina na obra, é também a mãe da segunda Espectral e personagem principal de uma das mais polêmicas cenas nos quadrinhos (DONOVAN & RICHARDSON, 2009). Sally Juspeczyk foi, acima de tudo, um símbolo sexual o que fazia os vilões e criminosos não ficarem irritados quando capturados por ela; sua fantasia, claramente inspirada em pin-ups (Imagem 7) gerou uma série de material publicitário em torno de sua imagem - isqueiros, filmes (rejeitados) e até mesmo histórias pornôs usando sua imagem (MOORE & GIBBONS, 2005). A heroína, porém, não se importava com a imagem sexualizada. Quando questionada pela filha sobre esse material (em especial, o pornográfico) Sally diz que não se incomoda e se sente lisonjeada por lembrarem dela como um símbolo sexual depois de tantos anos. Ainda comenta que "(...) I'm 65. Everyday the future looks a little bit darker but the past, even the grimy parts of it...well, it just keeps on getting brighter all the time (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 2 p. 4). A sexualidade da Silk Spectre I é uma das questões levantadas logo no inicio da graphi[22]c novel. Acontece numa das reuniões de publicidade dos Minutemen da heroína se ausentar do recinto para trocar de roupa em outra sala. Ela logo é abordada por Edward Blake (The Comedian) que a faz insinuações sexuais (tais como ela estar vestida com roupas de heroína sensuais ser um sinal de que era isso que ela queria) das quais ela o despreza e arranha seu rosto. Como resposta, The Comedian bate na justiceira e chega a quase estuprá-la até o Hooded Justice encontrá- los e salvá-la. Os homens da situação tem uma percepção machista do estupro, de que a mulher é a responsável - uma lógia deturpada, pois sugere que o estilo de roupa valesse mais que a habilidade verbal e racional dessas mulheres (DONOVAN & RICHARDSON, 2005). A própria heroína, em entrevista para uma revista parece ter internalizado essa opinião (que fora repetida diversas vezes) You know, rape is rape and there's no excuse for thi, absolutely no, but for me, I felt...I felt like I'd contribuited in some way. Is that misplaced guilt, whatever my analyst said? I really felt that, that I was somehow as much to blame for...for letting myself be the victim not in a phisical sense but...but it's like what if, y'know. What if Just for a moment, maybe I really did want...I mean, that doesn't excuse him, doesn't excuse either of us, but with all that doubt, what it is to come to terms with it, I can't say angry when i'm so uncertain about my own feelings... (MOORE & GIBBONS, 2005, cap.9 material complementar p.22) O último vigilante dessa geração a ser comentado, mas que também participou da próxima, é o The Comedian, uma personagem emblemática que percorre o arco de história pelo menos de todas as personagens uma vez. Sua morte no começo de Watchmen é o estopim da narrativa. Ao descobrir que The Comedian fora assassinado em seu apartamento (atirado da janela), Rorscharch então começa uma busca pelos antigos vigilantes para avisá-los sobre um possível "assassino de antigos mascarados". The Comedian é uma personagem única na HQ - todos os demais personagens sabem a imoralidade e sanidade questionável (em diversos momentos, como quando mata em uma mulher grávida de um filho seu, desfia-se da sua psicopatia). Mesmo com traços de psicopata e uma personalidade claramente violenta demais para qualquer espécie de herói a ser admirável, ele e Dr. Manhattan são os únicos que permanecem depois da Lei instituída para deter o vigilantismo. Um personagem sem objetivos puros, que coloca uma máscara de se diz herói como desculpa para cometer crimes brutais sem ser punido pela lei - esse é The Comedian. Edward Blake, sua real identidade, nunca é relevada para a sociedade até mesmo depois de sua morte (MOORE & GIBBONS, 2009). Com isso, totalizam-se seis vigilantes da primeira geração que seria conhecida como os Minutemen de New York. A existência de heróis muda o panorama histórico- cultural do mundo - logo, Watchmen é um simulacro em que vigilantes ocupam uma cidade e isso altera seu estilo de vida. Num universo em que existem heróis reais e sua histórias estampam as manchetes dos jornais, os quadrinhos não ilustram super seres depois do início deles em New York. Prefere-se a temática pirata, vista diversas vezes n'O The Tales of The Black Frighter (Os Contos do Cargueiro Negro), a história dentro da história de Watchmen (imagem 8) (MOORE & GIBBONS, 2005). Além desta, outras alterações são feitas na realidade que conhecemos: com ajuda dos vigilantes, Nixon consegue vencer a Guerra do Vietnã e consequentemente se reelege nos Estados Unidos. O ponto de divergência entre nossa realidade e o universo Watchmen ocorre, mais precisamente, no ano de 1939, marco em que o primeiro justiceiro mascarado faz sua aparição pública. Com a queda de cada um dos antigos vigilantes, a "moda" do vigilantismo decai até o surgimento do primeiro (e único) real super ser em Watchmen: Dr. Manhattan. Com o aparecimento do super-herói puro, o homem com poderes subatômicos é, provavelmente, um dos mais poderosos super-heróis já criados: pode ver o passado, o presente e o futuro; pode dividir-se em diversos fragmentos; pode estar em dois locais ao mesmo tempo; mas ainda sim, não pode fazer nada contra suas questões filosóficas. Assim como todas as outras personagens na obra, Dr. Manhattan também é uma confusão de sentimentos (DIGIOVANNA, 2009). Dr. Manhattan é a alcunha dada a Jon Osterman, físico formado em Princeton, filho de um relojoeiro. Seu sonho nunca foi ser um físico - mas seu pai, ao ver que uma bomba atômica foi jogada em Hiroshima e descobrir a teoria de Einsten sobre o tempo se diferir de local a local, passa a acreditar que a profissão de relojoeiro está morta. Segundo Sr. Osterman "if time is not true, what purpose have whatchmakers, hein? My profesion is a thing of the past. Instead my son must have a future[23]." (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 4 pag. 3) Com isso, Jon forma-se e vai trabalhar num laboratório - seu PhD em Física Atômica o ajuda a conseguir o trabalho. Lá, conhece Janey Slater, e começa um namoro com ela - que mudará seu destino. Ao saírem certa vez para um parque, o relógio dela quebra e ele a assegura que pode consertá-lo e entregar a ela no dia seguinte. Ele acaba por esquecer o relógio em seu jaleco que está dentro da cabine de testes e, acidentalmente, fica preso lá - e a cabine não pode ser reaberta. E lá. "the light is taking me to pieces[24]" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 4 pag. 8). Meses depois, Jon reaparece - desta vez, totalmente nu e azul, flutuando no meio da cafeteria do laboratório - era Dr. Manhattan. Por ter passado por tantas mudanças, Dr. Manhattan não se encaixa no mundo em que vive - não se vê como humano tampouco como Deus. Após a TV americana tê-lo usado como ameaça bélica contra a URSS com a emblemática frase "We repeat: The superman exists, and he's american[25]" (MOORE, 2005, cap. 4 p. 13), suas relações com as outras pessoas alteram-se drasticamente. Sua namorada entra em conflito por ninguém na Terra (nem mesmo ele) saber o que é o Dr. Manhattan de fato e que muitos o comparam com um Deus; sobre isso, o super-herói comenta que "I don't think there's a God, Janey. If there is, I'm not Him[26]." (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 4 pag. 11). A imagem de Manhattan é utilizada exaustivamente pelo governo americano, um dos motivos que o fazem cansar-se da Terra. Com o único super- herói do mundo em mãos, o mandam para a Guerra do Vietnã juntamente com o The Comedian; é convocado a diversas festas, é chamado de "combatente do crime" pela TV; ajuda a conter uma rebelião em New York em 77; tiram fotos promocionais, criam um nome para que seja lembrado que ele é americano e deve ser temido. Em seu monólogo interno desabafa que... [...] they explain that the name has been chosen for the ominous associations it will raise in the american enemies. They're shaping me into something into something gaudy and lethal...It's all getting out of my hands...[27] (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 4 pag. 12). Essa falta de aceitação faz com que o super ser passe metade da trama na Te[28]rra e a outra metade em Marte, como visto em seu solilóquio no capítulo 4 da graphic novel, em que se observa sua dor e confusão com a falta de aceitação (e pressão) posta sobre ele ao longo de sua história: Without me, things would have been different. If the fat man hadn't crushed the watch, if I hadn't left it in the test chamber...Am I to blame, then? Or my father, for choosing my career? Which of us is responsible? [...] It's too late, always has been, always will be too late.[29] (MOORE & GIBBONS, 2005, cap.4 pag. 28) Como fora dito, diferentemente de Dr. Manhattan, os outros vigilantes de "super" dos super-heróis clássico não têm nada. Porém, são personagens complexas que refletem uma série de estereótipos de personalidades de outros heróis e mazelas humanas. Um dos exemplos de inspiração de outro herói é Nite Owl II (Coruja II), o herdeiro de um banqueiro aficionado por quadrinhos e Mitologia. Dan Dreiberg é o "cara ordinário em um mundo extraordinário, fazendo o bem sem se arruinar no processo" (WHITE, 2009, pag. 81). Por ser um homem rico que faz o bem numa cidade urbana, percebe-se uma ligação com o herói clássico da Era de Ouro, Batman, também herdeiro de uma fortuna deixada por seus pais após da morte deles. Seu uniforme e forma de atacar também relembram o Cavaleiro das Trevas - Dreiberg é conhecido por ter sido o vigilante que mais tinha acessórios para ajudá-lo a combater o crime e um cinto de utilidades idêntico ao de Batman (Imagem 9). A escolha de animais representativos Nite Owll II com a coruja e Batman com o morcego demonstram claramente a semelhança entre ambos - os dois são noturnos e trazem uma áurea de noturno e sombrio. Nite Owl II mostra-se como o mais equilibrado e humano dos vigilantes; seus ideais de justiça relembram os heróis da Era de Prata - já que ele mesmo inspira-se no antigo Nite Owl dos Minutemen, que tem uma visão de certo e errado preto-no-branco. Dan é o meio termo entre dois extremos, tornando-o virtuoso aos olhos até mesmo da teoria de Aristóteles (WHITE, 2009). Sua história de vida é, basicamente, voltada para quando ele se tornou um vigilante. Ainda sim, ele é "o melhor exemplo de comportamento ou exemplo moral [...] Ele é corajoso, mas não imprudente [...] Ele é fiel a seus amigos, mas não a ponto de ser servil" (WHITE, 2009, pag. 87). O vigilante vive a mais próspera e plena vida dos heróis do HQ, mesmo com seu questionamento sobre o quão válido foi aposentar-se do vigilantismo após a lei contra os mascarados. Outra questão levantada sobre Nite Owl II envolve outra personagem - Laurie Juspeczyk, a vigilante conhecida como Silk Specter II (Espectral II). Filha da primeira Silk Specter, a moça nunca fora fã do heroísmo e combate ao crime - seguiu a carreira para agradar a mãe. Logo, Laurie assume um legado materno e não entendo quais são as conseqüências disso. Uma escolha que leva a heroína a uma vida vazia, já que era o caminho mais claro e óbvio a tomar para sua vida. Em Watchmen, vemos Silk Specter II ser submissa a vida vivida a sombra da mãe diversas vezes; Laurie admite, quando adulta, que ser uma vigilante nunca foi sua escolha (DONOVAN & RICHARDSON, 2009). Numa conversa com Nitel Owl II, expressa seu arrependimento a escolha de vida feita, quando comenta a Dan que "Yeah, well at least you were living out your own fantasies. I was living out my mother's[30]" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 7 pag. 5). Seu questionamento filosófico na obra é o que ela fez de sua vida que foi de fato sua escolha. Laurie se arrepende da vida que levou quando diz: It's just I keep thinking "I'm thirty five, what have I done?" I've spent eight years in semi-retirement, preceded by ten years running round in a stupid costume because my stupid mother wanted me to! You remember that costume.[31] (MOORE & GIBBONS, 2009, cap. 1 pag. 25) A Silk Specter II é uma personagem que vive sobre os olhos da dicotomia ser o que outros querem que ela seja e o que ela deseja ser. Sua vida é pautada no que a mãe deseja ou o que Dr. Manhattan precisa para ser feliz (já que o governo a mantém com uma mesada para que Osterman não fuja da Terra) (DONOVAN & RICHARDSON, 2009). Se Laurie Juspeczyk, não é uma heroína clássica e seus objetivos foram traçados por um terceiro (no caso, sua mãe), o mesmo não acontece com Ozymandias. - nome real Adrian Veidt, multimilionário conhecido por fazer da sua persona como vigilante mais rico do que já era. Convenientemente revela sua identidade dois anos antes da lei que vai contra o vigilantismo; no emblemático diálogo com Rorschach, Veidt é confrontado quanto suas opções de vida pelo outro mascarado após Ozymandias ter comentado que The Comedian era praticamente um Nazista: He stood up for his country, Veidt. He never let anybody retire him. Never cashed in on his reputation. Never set up a company selling posters and diet books and toy soldiers based on himself.Never become a prostitute If that mekes him a Nazi, you might as well call me a Nazi, too.[32] (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 1 pag. 17). A primeiro contato, o leitor chega a acreditar que Ozymandias é somente um ex-vigilante fútil que buscava a fama. Após uma série de acontecimento, chega-se a outra conclusão: Adrian Veidt é um homem ambicioso com a obsessão de consertar o mundo por acreditar que é o único capaz de fazer isso (WHITE, 2009). Crente de que é, como todos clamam, o homem mais esperto do mundo inspira-se em Alexandre, o Grande o personagem demonstra-se ser um homem que "é um megalomaníaco que quer emular Alexandre, o Grande, o antigo conquistador que governou quase todo o mundo 'sem barbarismo'" (SPANAKOS, 2009). Como será explanado mais a frente, Veidt usa seu intelecto e seu dinheiro para bolar um plano que ele acredita que salvará o mundo - unindo-o contra um mal em comum. Ozymandias (como é pouco chamado na graphic novel - seu nome parece ser muito mais forte) acredita que, para um bem maior, pessoas podem (e devem) morrer no processo. Para isso, ele mesmo chega a envenenar todas as pessoas que o ajudaram em sua utopia (MOORE & GIBBONS, 2005). Sua consciência, porém, não é limpa. Numa conversa com Dr. Manhattan , o vigilante confessa que "I've made myself feel every death. By day I imagine endless faces. By night...[33]" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 12 pag. 27). Com Ozymandias (e Rorschach, sob outro prisma) vemos como todo e qualquer poder - independente de ser de esquerda ou direita - pode ser corrompido (LOFTIS, 2009). Isso tira então a mascara usada pelo ex- vigilante de que é o homem mais esperto e poderoso do mundo e nos leva a outra faceta de Adrian - um obcecado em consertar um mundo em que não há concerto, e essa obsessão não é virtuosa pois não há prosperidade nela (WHITE, 2009). Acima de todas estas personagens supracitadas está Rorschach - um dos principais personagens e narrador (por meio de seu solilóquio feito em seu diário) da graphic novel, usa uma máscara com o teste psicológico no rosto e tem uma série de traumas infantis cria uma ideologia de nunca se entregar pois "there's good and there's evil, ande evil must be punished. Even in the face of Armageddon I shall not compromise in this[34]" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap.1, p. 24) numa clara referencia aos super heróis da Era de Prata e o heroísmo preto-no-branco. Rorschach despreza seu nome real e não atende quando chamado por ele - sua identidade é a última a ser revelada entre todos os vigilantes. Ele encara a máscara como "[...] peeled off face, folded it, hid inside the jacket. Without my face, nobody knows. Nobody knows who I am[35]" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap.5 p. 11). Um homem claramente psicótico, seu perfil é o mais intrigante de todos os personagens. Enquanto vemos uma série de personagens problemáticas e com traumas de vida "leves", o mesmo não acontece com Rorschach. Diferente dos demais, o que ele foi reflete fortemente no que ele se tornou. Filho de uma prostituta e que nunca conheceu o pai, apanhava e via frequentemente sua mãe tendo relações sexuais com diversos homem na casa onde morava. Certa vez sua mãe o vê; o homem com quem ela estava sai pagando-a apenas 5 dólares e ainda afirma que foi mais do que a mulher merecia. Depois disso, a mãe de Rorschach - verdadeiro nome, Walter Kovacs - dá um tapa em seu rosto seguido da frase "you know you cost me, you ugly little bastard? I shoulda listened to everybody else! I shoulda had the abortion![36]" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 6 p. 4). Sua infância ainda é povoada de outros traumas, sendo um deles o fato dele ter atacado uma dupla de meninos que fazem piadas com conotação sexual sobre sua mãe se prostituta (colocando um cigarro no olho de um garoto e mordendo o outro). Depois disso, o pequeno Walter é colocado num internato; o menino cresce bem - notas altas na escola; segundo sua ficha criminal teve um rendimento acima da média em "(...) in the fields of literature and religious education as well [...] impressive skills in the areas of Gymnastics and Amatuer Boxing[37]" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 6 material complementar). Sobre a morte da mãe, aos dezesseis anos, Kovacs só disse uma palavra: "bom". Rorschach é o último vigilante a ter sua face revelada; também é o único que não aceita a Lei Keene (que proíbe o vigilantismo) e deixa seu recado, sobre o que acha sobre se aposentar, para o governo americano da seguinte forma: num papel perto do cadáver de um estuprador escrito "NUNCA" com seu símbolo desenhado. Um homem munido de nada mais que seus punhos e sua ideologia - em seu solilóquio chega a se questionar porque se importa tanto com a morte do The Comedian; sem pensar muito, esclarece: Because there is good and there is evil ande evil must be punished. Even in the face of Armageddon I shall not compromise in this. But there are so many deserving of retribution...and there is so little time.[38] (MOORE & GIBBONS, 2009, cap. 1 p. 24) Com traumas infantis e doutrina tão influente em sua personagem, podemos encarar Rorschach e seu parceiro Nite Owl II como uma crítica ao herói Batman. Observa-se além desse trauma, o fato do Cavaleiro Negro ter sido o primeiro super-herói a de fato matar seus vilões e não mandá-los para a cadeia - essa também é uma das doutrinas de Rorschach acredita. De todos os vigilantes, ele (e o Dr. Manhattan, por outros motivos) são os únicos que matam seus inimigos. Com todas as personagens devidamente apresentadas, analisemos como discorre o enredo (de forma sintética) da obra subdividindo-o, comentando as doze edições. O Capítulo I "At midnight, all the agents...[39]" inicia-se com o monólogo interno por meio de um diário de Rorschach comentando a morte do vigilante The Comedian. Ele então entra em contato com Dan Dreiberg, ex-vigiliante conhecido como Nite Owl II, que estava no momento do crime conversando com seu mentor e escritor, Hollis Manson (Nite Owl I). Rorschach comenta sua teoria de haver um assassino de antigos heróis mascarados e como o amigo deve ter cuidado. Dan desacredita, mas aceita o conselho. Rorschach segue sua saga e conversa com Adrian Veidt, multimilionário e ex-vigilante conhecido como Ozymandias, sobre sua teoria - faz o mesmo com Dr. Manhattan e Laurie Juspeczyk. Nenhum dos três se abala com a morte do The Comedian ou acredita na teoria de Rorschach - ou por acharem absurda ou por acharem Rorschach lunático. O capítulo encerra-se com Nite Owl II e Silk Spectre II saindo para jantar e comentando a morte do ex-companheiro e a antiga vida de vigilantes. É visto no último quadro a letra da música de Bob Dylan que diz: "at midnught, all the agents and all superhuman crew, go out and round up everyone who knows than they do[40]" (MOORE & GIBBONS, 2005, p. 26). O Capítulo II intitulado de "Absent Friends[41]" narra o enterro do The Comedian. Nele, as memórias que cada um deles tem do antigo parceiro reaparecem. A primeira Silk Spectre lembra-se da questão de quase ser estuprada por ele; Ozymandias recorda-se de uma antiga reunião dos vigilantes estragada pela dureza das palavras daquele homem, que queima o mapa e diz acreditar que o mundo todo é uma grande piada; Dr. Manhattan recorda-se de um episódio em que The Comedian mata uma mulher grávida do filho dele após a vitória americana no Vietnã; Nite Owl II lembra-se da greve dos policiais em que Edward Blake comenta que, para ele, a desintegração do País na Guerra é a realização do real "American Dream". No momento do enterro Rorschach está questionando a um antigo inimigo do The Comedian se foi ele quem matou o antigo vigilante. Assustado, Moloch que agora é um homem velho com câncer, fala que o falecido vigilante certa noite apareceu em seu quarto, chorando, dizendo saber de um plano terrível contra os EUA. O capítulo encerra-se com Rorschach deixando flores no túmulo do amigo e refletindo sobre ser vigilante. Conclui que "is that what happens to us. A life of conflict with no time for friends...so that when it's done, only our enemies leave roses[42]" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 2 p. 26). No final, temos outra referência musical, desta vez uma música de Elvis Costello: "And I'm up while it's dawn is breaking, even though my heart is aching. I should be drinking to my absent friends instead of these comedians[43]" (MOORE & GIBBONS, 2005, p. 28). O terceiro capítulo, "The judge of all the Earth[44]", enfoca-se numa trama de Dr. Manhattan. Depois de uma discussão com sua namorada, a ex- vigilante Laurie (Silk Spectre II), ela decide sair de casa e ir encontrar- se com seu amigo Nite Owl II. Enquanto chora para Daniel Dreiberg, Dr. Manhattan dá uma entrevista a um canal de TV que, com uma série de dados, deixa subentendido que todas as pessoas que trabalharam com ele, agora têm câncer. Num acesso de ira, teletransporta todos do estúdio. Depois deste acontecimento, vai a seu quarto na base militar americana, avisa que irá mudar-se e parte para Marte. Dan e Laurie são informados na manhã seguinte da saída de Manhattan da Terra - o Governo teme o ataque de outra nação, já que os EUA perderam seu trunfo. O capítulo encerra-se com uma passagem Bíblica que diz "Shall not the Judge of all the earth do right?[45]" (MOORE & GIBBONS, 2005, p.28). O quarto capítulo é totalmente dedicado a contar a trajetória da vida de Dr. Manhattan por meio dele mesmo em seu solilóquio. Curiosamente, a forma que ele o faz, é da mesma maneira que ele encara o tempo. Então enquanto conta um fato de um passado já muito distante, comenta outro de um presente próximo, que naquele passado já sabia que ia acontecer. O nome do capítulo é "Watchmaker[46]". Todos os fatos marcantes da vida do vigilante (e já comentados anteriormente nesta monografia) são expostos e a referência deste capítulo é de Albert Einstein: "The release os atom power has changed everything except our way of thinking...The solution to this problem lies in the heart of manking. If only I had known, I should have become a watchmaker[47]" (MOORE & GIBBONS, 2005, p. 28). Em "Fearful Symmetry[48]", o quinto capítulo da graphic novel, vemos o desenvolvimento da narração novamente. Rorschach vai atrás de Moloch de novo e o questiona, desta vez sobre o desaparecimento de Dr. Manhattan, já que ele juntamente com The Comedian eram os principais inimigos dele e ambos, convenientemente, desaparecem da Terra. Nite Owll II oferece à Silk Spectre II lugar para morar, já que com o desaparecimento de Manhattan, ela foi expulsa da base militar que dividia com ele. Ozymandias sofre uma tentativa de assassinato, mas sobrevive - isso confirma, por momento, a teoria sobre um assassino de mascarados de Rorschach. Ele, por sua vez, recebe um recado para encontrar-se com Moloch, que teria mais informações. Mas ao chegar ao apartamento do antigo vilão o encontra morto - e a polícia na porta do apartamento, dizendo que já sabem que ele o matou. Ao perceber que estava numa emboscada, Rorschach tenta fugir de todas as maneiras, mas é pego por fim e preso - sob o crime de assassinato de Moloch e atos de vigilantismo (proibido desde 1977 pela Lei Keene). A edição encerra-se com um fragmento da poesia de William Blake que diz "Tyger, Tyger/ burning bright,/ In the forests/ of the night,/ What immortal hand or eye/ Could frame thy fearful symmetry?[49]" (MOORE & GIBBONS, 2005, p. 28). Na edição que marca a metade da obra, o nome é "The abyss gazes also[50]" e tem como foco a história de Rorschach - desta vez, ela é contada por ele para o psicólogo da prisão, já que foi preso na edição anterior. Esta edição será analisada com maiores detalhes mais a frente da monografia. Fecha-se o capítulo com uma citação de Nietzche que diz: "Battle not with monsters, lest ye become a monster. And if you gaze into the abyss, the abyss gazes also into you"[51] (MOORE & GIBBONS, 2005, p.28). Em "A brother to dragons[52]", o sétimo capítulo da graphic novel, temos um enfoque no relacionamento de Laurie e Daniel. Os ex-vigilantes relembram as aventuras e dores dos anos em que combatiam o crime juntos e levam o relacionamento alguns passos para frente. Após Nite Owl II ter um problema e não conseguir manter relações sexuais com Silk Spectre II acorda no meio da noite atordoado por um sonho e percebe que o problema que o perturba é a ausência de um sentido para sua vida: o fato de Daniel ter largado a vida de herói. Após salvarem um prédio em chamas, o casal de vigilantes finalmente consegue concretizar sua união e Daniel decide de eles devem honrar sua fraternidade e salvar Rorschach. O fechamento do capítulo é feito por outro trecho Bíblico: "I'm a brother to dragons, and a companion to owls. My skin is black upon me, and my bones are burned with head[53]" (MOORE & GIBBONS, 2005, p. 28). No oitavo capítulo de Watchmen intitulado "Old Ghosts[54]" acontece o Halloween em New York. Enquanto acontecem as festividades, Nite Owl II e Silk Spectre planejam como salvaram Rorschach da cadeia. No momento que acontece uma rebelião, os dois vigilantes conseguem entrar e salvaá-lo que já estava marcado de morte por muitos ali. Ao retornarem a casa de Nite Owl II, Laurie encontra-se com Dr. Manhattan que acabara de voltar do Planeta Vermelho que quer conversar com ela - imediatamente a teletransporta para Marte. No mesmo momento, a polícia está atrás de Rorschach e Nite Owl II, que fogem. A frase de encerramento é "On Hallowe'em the old ghosts come about us, and they speak to some; to others they are dumb[55]" (MOORE & GIBBONS, 2005, p. 28). O enfoque mude em "The Darkness of mere being[56]", décimo capítulo de Watchmen. Agora temo Laurie como centro das atenções, já que metade da edição é sobre sua história - que ela conta a Manhattan, quase que sem querer, enquanto tenta convencê-lo a voltar para Terra e salvar a todos. É por meio desta conversa que a mulher descobre ser filha do homem que quase estupra sua mãe e que, ironicamente, cede a seus encantos - The Comedian. Ao perceber que os humanos são capazes de executar milagres (Dr. Manhattan considera o nascimento de Laurie como um deles) ele decide então voltar a Terra. O fechamento do capitulo trata-se de uma frase de C. G. Jung que diz: "As far as we can discern, the sole purpose of human existence is to kindle a light of meaning in the darkness of mere being[57]" (MOORE & GIBBONS, 2005, p.28). O décimo capítulo de Watchmen se chama "Two riders were approaching...[58]" e começa a narrar a saga de Nite Owl II e Rorschach para descobrir quem está por trás do esquema de assassinato de mascarados. Ao irem atrás de Adrian Veidt, ex-Ozymandias, decepcionam-se ao descobrir que ele não está mais em seu escritório, mas com isso, acabam acessando o computador dele e descobrindo que ele está por trás de um grande esquema - que eles ainda não sabem sobre o que é. Decidem então ir atrás dele; antes, Rorschach deixa um envelope no correio, contendo seu diário com todas as anotações feitas por ele ao longo da graphic novel. O diário é enviado a um jornal de New York, mas considerado como "lixo dispensável". Nite Owl II e Rorschach estão a caminho da fortaleza de gelo de Adrian Veidt no Alasca, quando Ozymandias os vê do telão. O capítulo encerra-se com um trecho da música de Bob Dylan "'outside in the distance a wild cat growl, two riders were approaching, the wind began to howl[59]" (MOORE & GIBBONS, 2005, p.28). A penúltima edição de Watchmen tem o nome de "Look on my works, ye mighty...[60]" e tem a clara referência de ser uma edição inspirada no personagem Ozymandias. Enquanto Rorschach e Nite Owl II aproximam-se da fortaleza Veidt, ele conta sua história para seus comparsas que o ajudaram a executar seu misterioso e grande plano; comenta como ele idolatra Alexandre, o Grande - e que deseja ser como ele. Para proteger seu plano (e segredo) envenena seus parceiros no crime enquanto recita belos versos. Logo em seguida, é surpreendido por Rorschach e Nite Owl II - enquanto enfrentam-se num duelo corpo a corpo, Ozymandias explica seu plano e conta como decidiu criar um monstro que se parecesse com uma ameaça alienígena que atacaria New York para que o mundo se junte contra um mal maior que eles. Pasmos, Rorschach e Nite Owl II somente escutam enquanto Adrian Veidt diz que seu plano foi executado com sucesso a trinta e cinco minutos atrás. O capitulo chega a seu fim com a frase: "My name is Ozymandias, kings of the kings: Look at my works, ye mighty, and despair![61]" (MOORE & GIBBONS, 2005, p. 28). O brilhante fechamento de Wathcmen tem como título "A stronger loving world[62]" é a décima - segunda edição da graphic novel. Em seu encerramento, vemos Dr. Manhattan e Laurie chegarem em uma New York devastada - corpos, destroços e caos são as únicas coisas que se podem ver. Imediatamente o super-herói percebe ter sido obra de Adrian Veidt, que nesse momento, está discutindo com Nite Owl II e Rorschach o quão válidas foram suas intenções e ações. Adrian explica que seu plano é perfeito já que os que sabiam dele estão todos mortos e que eles ali logo estarão. No momento em que todos os antigos vigilantes se reúnem (Nite Owl II, Silk Spectre II, Rorschach, Dr. Manhattan e Ozymandias), percebem que mentir é a melhor estratégia para manter a paz mundial e a utopia de Veidt. Todos concordam - menos Rorschach, com sua filosofia de não corromper-se, que sai da fortaleza de gelo com intenções de contar ao mundo o que aconteceu ali. Não podendo arriscar a paz no mundo ali selada, Dr. Manhattan decide então pulverizar Rorschach naquele momento, na neve. Após uma conversa com Ozymandias, Dr. Manhattan decide então que aquele é uma galáxia complexa demais para ele e decide mudar-se, deixando a Terra. Confuso, Veidt pergunta: "I did the right thing, didn't? It all worked out in the end[63]" a resposta de Manhattan então intriga Veidt "In the end? Nothing ends, Adrian. Nothing ever ends[64]" (MOORE & GIBBONS, 2005, p. 27). Em seus últimos quadros, vemos aquele mesmo jornal que recusou o diário de Rorschach, agora reclamando da falta de conteúdo para suas manchetes já que o mundo todo se encontra em paz - americanos são amigos dos russos, não há mais a ameaça vermelha e os EUA pediram desculpas sobre o Vietnã - então, um garoto que é deixado sob a responsabilidade de publicar qualquer coisa que não seja pacificadora; suas mãos então tocam o diário de Rorschach. A última referência feita é da música de John Cole que diz que "it would be a stronger world, a stronger loving world to die in[65]" (MOORE & GIBBONS, 2005, p.28). Com a síntese feita, partiremos para o próximo capítulo desta monografia que será a análise literária do sexto capítulo da graphic novel Watchmen entitulado "The abyss gazes also". 5. Watchmen como material literário – das razões para uma análise. Watchmen – também conhecida como a obra-prima definitiva sobre super- heróis – é um dos mais importantes trabalhos de Alan Moore e seu parceiro Dave Gibbons. A saga dos não-heróis na graphic novel é aclamada desde seu lançamento no fim dos anos 80 e discutida até o momento. Críticos dos quadrinhos e literatura, leitores, todo o tipo de website que trabalha com entretenimento comenta e analisa os quadrinhos sobre um universo paralelo onde existe uma América mais sombria e infestada de vigilantes contra a violência urbana. Watchmen é um sucesso de crítica e vendagem: a tabela abaixo mostra as vendas de cada um dos volumes na cidade capital – números baixos para os padrões atuais, mas altos para o ano de 86/87. " " "Vendas " "Volume "Data na Capa "na Cidade Capital " "Watchmen #1 "Setembro – 86 "34.100 " "Watchmen #2 "Outubro – 86 "38.350 " "Watchmen #3 "Novembro – 86 "38.000 " "Watchmen #4 "Dezembro – 86 "40.500 " "Watchmen #5 "Janeiro – 87 "33.150 " "Watchmen #6 "Fevereiro – 87 "32.700 " "Watchmen #7 "Março – 87 "30.150 " "Watchmen #8 "Maio – 87 "28.150 " "Watchmen #9 "Junho – 87 "28.150 " "Watchmen #10 "Julho – 87 "26.850 " "Watchmen #11 "Agosto – 87 "28.300 " "Watchmen #12 "Outubro – 87 "31.900 " Disponível em: http://www.comichron.com/special/watchmensales.html A divergência de opiniões é a grande motivação para a escolha da obra para análise. A obra é a única graphic novel listada na lista da Time dos 100 melhores romances desde 1923 com os dizeres dos críticos que "(...) Watchmen is a heart-pounding, heartbreaking read and a watershed in the evolution of a young medium[66]" (GROSSMAN). Em contra partida, há quem acredite que a obra não seja tão magnífica assim; Millet (2009) comenta que há uma supervalorização pela mídia em geral; que mesmo sendo boa, não deveria haver comparações com outras obras clássicas. Para Millet… it's simply bizarre to assert that, as an illustrated literary narrative, it rivals in artistic merit, say, masterpieces like Chris Ware's "Acme Novelty Library" or almost any part of the witty and brilliant work of Edward Gorey.[67] (MILLET, Lydia, 2009) O sucesso editorial, de crítica e de público é a motivação que move a acadêmica nessa análise da HQ; a temática política também desperta o interesse – assim como as referências a tantas outras obras de super- heróis. O fato de Watchmen ser uma graphic novel praticamente metalinguística (heróis falam sobre como é ser herói; quadrinhos comentam como quadrinhos motivam outras pessoas) foram fatores chaves na escolha dessa história em quadrinhos específica. Para uma análise literária não existe um roteiro a ser seguido; isso se deve pela a ausência de até mesmo uma definição objetiva do que chega a ser literatura e por ser um material de trabalho subjetivo e de cunho, a primeira instancia, artístico e de entretenimento. Porém, a análise aqui feita ultrapassa um comentário sobre o texto exposto; é, na verdade, a abertura para uma análise crítica em seguida e para o contexto histórico que a obra se insere – irá observar que, apesar do mensageiro (História em Quadrinhos) não ser comumente visto como Literatura, nunca deveremos confundir a mensagem (Watchmen) e julgá-la como não Literatura, haja visto o que já foi produzido pelo dito mensageiro. A acadêmica então propõe seguir o roteiro-disciplinador proposto por Coelho (1966, p. 142-3) e com as nomenclaturas literárias de Benjamin Abdala Junior (1995) : 1. Análise dos fatos que integram a ação (Enredo); 2. Análise dos traços característicos daqueles que vão viver a ação (personagens); 3. Análise da ação e personagens situadas no meio-ambiente em que se movem (espaço); 4. Análise do encadeamento da ação e personagens numa determinada sequência temporal (tempo); (1966, p. 142-3). Em todos estes aspectos, analisar de forma breve também, a questão de escolha de cores na arte do quadrinho e posição de imagens – sem um aprofundamento, porém, nesta questão já que a análise semiótica não é o foco desta monografia. Com a análise feita, serão feitas algumas indicações como trabalhar Watchmen em sala de aula se considerada uma obra com valor literário. Com os critérios expostos, segue-se para a análise dos subitens supracitados. 5.1 Os vigilantes e o enredo: o que integra "The Abyss Gazes Also". O sexto capítulo de Watchmen intitulado "The Abyss Gazes Also" tem como foco a mais importante personagem da obra – o vigilante (que nunca se aposentou) Rorschach e suas origens – sua infância, suas motivações e ideologias são finalmente expostas e explicam, de certa forma, seu comportamento (que será visto em detalhes em outros subitens) . A história toda se desenvolve por meio de consultas psiquiátricas feitas na prisão. Vale lembrar que, neste capitulo especifico, Rorschach está na cadeia (já que no quinto capítulo foi pego em uma emboscada armada por Veidt) e por ser considerado um homem perigoso por muitos – mais de uma vez comenta-se que ele é um homem lunático e com fé cega em seus ideais. O capítulo apresenta-se com dois núcleos de narrativas – uma maior e outra menor. A maior trata-se dos flashbacks de Rorschach em suas consultas e o segundo núcleo menor são as mudanças causadas em Dr. Malcolm Long e em sua vida pessoal – no caso, em seu casamento e relacionamento com amigos - e como sua visão do que o cerca fica cada vez mais e mais parecida com a do vigilante Já que Rorschach está no papel de paciente, quem narra (grande parte) do capítulo é seu psiquiatra, Dr. Malcolm Long – por quem Rorschach parece não nutrir uma relação muito amistosa, já que o despreza no começo de suas sessões. O vigilante diz, em sua segunda consulta com o Dr. Malcolm que "I dont like you [...] Fat. Healthy. Think understand pain[68]"." (MOORE & GIBBONS & GIBBONS, 2005, p. 9) Como o símbolo do vigilante Rorschach é o teste psicológico de mesmo nome – que consiste em mostrar manchas de tinta para os pacientes para que identifiquem o que estão vendo – não teria como ser diferentes os primeiros testes de Rorschach. A primeiro momento, o vigilante mostra-se relutante a contar o que realmente vê nas manchas; em sua primeira consulta, em 25 de outubro de 1985, quando questionando sobre o que via nos desenhos uma cabeça de cachorro partida ao meio, o homem responde: "a pretty butterfly²" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 6 p. 1) (imagem 10). O médico crê que as respostas de Walter Kovacs (nome real do vigilante) são positivas, mas deseja que seus olhos não sejam tão intensos; que o homem pare de olhá-lo tão fixamente. Ainda na mesma consulta, o psiquiatra mostra outra imagem ao herói que, ao vê-la tem um flashback de sua mãe – uma prostituta que o maltrata – é pega por ele enquanto pratica sexo com um cliente e ele, com uma idade aproximada de 8/9 anos presencia tudo. O homem, ao ver que há uma criança na casa, deixa a prostituta pagando-a cinco dólares e ainda dizendo que "it's more than you worth it³" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 6 p. 4). A mulher, alterada, bate em seu filho alegando que deveria tê-lo abortado enquanto tinha tempo. Quando o flashback termin, Walter responde que vê "some nice flowers4" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 6 p. 5). Na volta de sua consulta para sua cela, milhares de presidiários gritam e ridicularizam Rorschach enquanto ele anda pelo corredor – por ter sido um dos vigilantes mais tempo na ativa, foi responsável pela prisão de maioria deles - e com isso, mais um flashback de sua infância ocorre. Desta vez é o episodio de sua pré-adolescência que o faz entrar no reformatório; ao entrar numa briga com dois meninos mais velhos que estavam falando mal de sua mãe na rua, queima os olhos de um dos rapazes com um cigarro e morde o rosto do outro até que saia um pedaço. A cena é cortada para o psiquiatra em sua casa, anotando o progresso que (ele acredita que) Rorscharch está passando. Sua mulher o interrompe, dizendo que está compenetrado demais no trabalho e que eles têm uma boa vida e uma boa casa; e que os problemas dos outros pouco importa. Na segunda consulta, Rorschach finalmente decide conta ao psiquiatra que não gosta quando o chama de "Walter" (seu nome real) e começa então a explicar a origem de seu uniforme e razões de agir: 1956, um jovem Walter Kovacs sai do reformatório e começa a trabalhar numa fábrica de tecidos. Uma jovem moça italiana, certa vez, pede um vestido para fábrica mas não fica com ele – o considera feio. Walter, aos 16, olha para o vestido e o acha lindo; decide cortá-lo para que perca as formas femininas, mas não tem uso para ele. Dois anos se passam e, em 1958, Kovacs lê no jornal que a mesma moça italiana foi estuprada, torturada e morta em Nova York, na frente do próprio apartamento. Os vizinhos, quase 40, assistiram todos de suas janelas e nenhum se mexeu para salvá-la ou chamar os policiais. Walter então, ao ver a podridão que o mundo se encontrava, decidiu "(...) made a face that I could look at in the mirror[69]". O psiquiatra, porém, acredita que a raiva de Rorschach é somente mal canalizada e que o vigilante usa o caso da garota italiana como uma desculpa para agir de formal amoral e violenta. A narrativa principal segue com um problema que Rorschach tem na cadeia quando queima um presidiário que o ameaçou de morte com óleo fervente; já a narrativa menor mostra o desenvolvimento da ideologia do vigilante em seu Dr. Malcolm que já começa a apresentar problemas em família – o médico, que antes só chamava seu paciente de Walter, começa a adotar (inconscientemente) o nome de "herói" e sua esposa se irrita em como ele sempre coloca o trabalho a frente do relacionamento deles. Na consulta seguinte, paciente e médico continuam de onde pararam: no flashback do começo da carreia de vigilante de Rorschach. Ele comenta que ainda não era quem é atualmente; era somente Walter Kovacs fingindo ser Rorschach; segundo ele, a diferença está no modo de agir – Kovacs "pegava leve" com os bandidos, tinha amigos (outros vigilantes mascarados) – mas acima de tudo, a grande diferença entre Kovacs e Rorschach é que o primeiro deixava os bandidos viverem; nunca os matava. Porém, é só nas anotações de 28 de outubro de 1985 de Dr. Malcolm que é desvendada a verdadeira motivação do vigilante – a mãe e o caso de Kitty Genovese o levaram a beira do precipício no que se trata de revolta contra a injustiça humana – mas nada disso o transformou em Rorschach. Para descobrir, o médico trás novamente os testes de Rorschach para que ele veja e acredita que suas respostas desta vez seriam diferentes – e são. Ao olhar um dos testes que havia já feito e respondido que via flores, agora Walter responde: "Dog. Dog head slit in half[70]". (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 6 p.17); o psiquiatra o questiona quem partiu a cabeça do cachorro e, com calma, o vigilante responde: eu. Ele então explica a imagem: foi mandado a procura de uma garota de seis anos, Blaire Roche – bandidos acharam que, pelo sobrenome, estava ligada a uma família rica e cheia de posses: um erro, o pai era somente um motorista de ônibus. Depois de conseguir informações, chega a um endereço onde encontra uma casa abandonada com dois cachorros pastores-alemão. A sequência de cenas segue sem um balão sequer de diálogo (imagem 11) na qual percebe-se que a garota fora morta e dada de comer aos cachorros, que ainda lutam por seus ossos. Nesse momento "It was Kovacs who said "mother" then, muffled under látex. It was Kovacs who closed his eyes. It was Rorschach who opened them again²" (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 6 p. 21) fazendo a final transformação de Walter Kovacs em Rorschach e sua ideologia. Ele então mata ambos cachorros, esfaqueando-os na cabeça e, assim que seus donos chegam, os atira em sua direção. Com esse homem, ele troca poucas palavras, mas faz muito: prende-o com uma algema a uma fornalha, espalha álcool na casa e foga um fósforo. Deixa uma serra perto do criminoso e diz que as algemas são muito fortes, nem deveria tentar serrá-las. E então, sai Rorschach da casa e assiste a queimar, certificando; esperou por uma hora – ninguém saiu. E em seu solilóquio mais conhecido e citado pelos fãs da série, Rorschach explica o que mudou em sua cabeça e em sua visão de mundo após aquele dia. Ele diz... Stood in firelight, sweltering. Bloodstain on chest like map of violent new continent. Felt cleansed. Felt dark planet turn under my feet and knew what cats know that makes them scream like babies in night.  Looked at sky through smoke heavy with human fat and God was not there. The cold, suffocating dark goes on forever and we are alone. Live our lives, lacking anything better to do. Devise reason later. Born from oblivion; bear children, hell-bound as ourselves, go into oblivion. There is nothing else. Existence is random. Has no pattern save what we imagine after staring at it for too long. No meaning save what we choose to impose. This rudderless world is not shaped by vague metaphysical forces. It is not God who kills the children. Not fate that butchers them or destiny that feeds them to the dogs. It's us. Only us. Streets stank of fire. The void breathed hard on my heart, turning its illusions to ice, shattering them. Was reborn then, free to scrawl own design on this morally blank world.  Was Rorschach. Does that answer your questions, Doctor?[71] (MOORE & GIBBONS, 2005, cap.6 p. 26 Chocado e impressionado com as palavras do vigilante, o psiquiatra leva as mãos ao rosto e não o responde. Por fim, a conclusão da narrativa menor do capítulo tem seu desfecho: após a consulta do Rorschach, Dr. Malcolm recebe dois amigos para jantar em sua casa; mesmo com seu relacionamento ruim com sua mulher, eles decidem prosseguir com o evento social. Quando questionado sobre a história de Rorschach, ele comenta sobre o que aconteceu com a garota sequestrada e seu trágico fim. Insatisfeita com o marido, Gloria retiira-se da sala e os amigos inventam uma desculpa para saírem. Assim como, Rorschach o médico então tem um momento de epifania e conclui a triste realidade da vida, enfim, concordando com o vigilante que num primeiro momento, desacreditava. Em seu quarto, Dr. Malcolm divaga que... I looked at the Rorschach blot. I tried to pretend it looked like a spreading tree, shadows pooled beneath it, but it didn't. It looked more like a dead cat I once found, the fat, glistening grubs writhing blindly, squirming over each other, frantically tunneling away from the light. But even that is avoiding the real horror. The horror is this: In the end, it is simply a picture of empty meaningless blackness. We are alone. There is nothing else. [72] (MOORE & GIBBONS, 2005, cap. 6 p. 26) Assim, o capítulo chega a seu fim: uma história áspera, um retrato de uma infância destruída por uma série de violências (verbais, sexuais) e uma perspectiva negativista da vida. O que vale observar no enredo do capítulo escolhido é como as narrativas encaixada (a história de vida de Rorschach) e encaixante (os problemas conjugais de Dr. Malcolm) se entrelaçam e terminam quase que no mesmo ponto. A forma que a narrativa maior e a narrativa maior se encontram é estruturada de forma coesa e, a exposição da realidade, feita de forma intima com o leitor, como é comum dos quadrinhos (MCCLOUD, 2005). A obra ainda apresenta uma sequência estrutural bem definida, descrições assertivas e um contexto histórico bem delimitado. Seus detalhes são bem delimitados (o fato do teste de Rorschach do começo do capítulo ser o mesmo que está nas mãos do médico no último quadro; os flashbacks sendo feitos com um contexto da narrativa, e não de forma aleatória; as nuances de mudança do médico, ao longo das consultas) . A oscilação de imagens e narração transpassam de maneira clara as emoções das personagens. Vale então, questionar: como uma narrativa tão bem estruturada e pode ainda ser "relegada pela sabedoria convencional à condição de não arte" (MCCLOUD 2005, p.3)? O hibridismo dos quadrinhos o torna menor as outras artes – mais especificamente, a Literatura? 5.2 Um vigilante, um psiquiatra – As personagens e sua evolução em "The Abyss Gazes Also". Por estarmos tratando de somente um capítulo da graphic novel, o número de personagens é limitado. Na verdade, os dois grandes protagonistas desse momento em Watchmen é Rorschach e seu psiquiatra, Dr. Malcolm Long. Suas personalidades que, a primeiro momento, são antíteses caminham juntas até o desfecho do capítulo que se tornam parecidas (sendo a história de Rorschach o que move a mudança em Malcolm). Rorschach pode realmente dividir-se em duas personagens que coexistem num homem só: Walter Kovacs. Isto é, são caracterizados de formas tão diferentes que parecem não fazer parte do mesmo homem que assuma as características. De fato, é uma sensação de estranhamento ao vê-lo sem a máscara que sempre o acompanhou ao longo da obra. E como são tão opostos, observaremos ambos de ponto de vista diferente. Walter Kovacs é um homem povoado de traumas infantis, dos mais pesados; sua mãe prostituta, seu pai nunca por perto, sua aparência deplorável e uma infância pobre e sem estudos até o momento que vai ao reformatório fizeram dele quem era: um adolescente revoltado com os rumos que o destino toma e determinismo que o cerca – como nasceu pobre, sem posses e ideologia, haveria de morrer assim. Porém, antes do caso da menina sequestrada e comida por cachorros, existem ainda esperanças em Kovacs (que finge e se veste achando que Rorschach); ele não mata os bandidos, segue a risca o que o governo diz, ainda tem padrões de convívio social comum (toma banho, vive em sociedade, tem amigos). Acredita que, sua vida como vigilante não passa de uma ordem natural da vida; "we do not do this thing because it is permitted. We do this because we have to. We do this because we are compelled[73]" (MOORE & GIBBONS 2005, cap. 6 p.15). Logo, Walter Kovacs (o homem pré-Rorschach) é uma personagem multifacetada e complexa. Em seu pensamento há uma profundidade e sua ações vão contra o que imagina-se que elas deveriam ser, evoluindo em seguida para Rorschach, provando mais uma vez sua individualidade. Kovacs é nossa personagem principal, toda a trama e ação do capítulo gira em torno dele. Já Rorschach, diferente do "dono" de sua persona, é uma personagem plana. Nesse aspecto analisa-se não o quão profundo é o pensamento da personagem, mas sim, o que a levou a ser do jeito que é. A reação de Rorschach com o assassino da garotinha é previsível e sua ideologia também é - para um homem com a quantidade de traumas e experiências negativas como ele. Seu modo de agir depois de sua origem é o que se espera dele: um homem violento, que segue uma filosofia de justiça preto-no-branco baseada em dicotomias simplistas como "certo" e "errado", "bem" e "mal". Sua ideologia cega é o que leva a morte no fim da graphic novel; mas observa-se que quem morre é somente Rorschach, já que Walter Kovacs é morto quando a persona Rorschach toma seu lugar. Rorschach também é a protagonista maior da narrativa, já que ele e Walter Kovacs são, essencialmente, a mesma pessoa. Dr. Malcolm é, de todos, o que mais evolui na narrativa deste capitulo. Como sua aparição se restringe a esse único volume, tudo que sabemos dele é o que é posto nas 27 páginas lidas em "The Abyss Gazes Also". Rorschach o vê como um homem rico, gordo e que nada entende sobre a dor alheia e é exatamente que o psiquiatra é ao começo da história. Um homem que aceita o "Caso Rorschach" porque é o tipo de paciente que levará seu nome aos jornais; existem ali naquela mesma prisão, outros tantos com a situação que Walter, mas o médico quer o caso que o dará status em sua carreira. Porém, conforme a história evolui, ele imerge no mundo e traumas de Rorschach e muda sua forma de pensar. Enquanto escuta o que aconteceu com o vigilante, começa a aceitar que suas reações não são um simples caso de violência mal canalizada, mas sim, o homem comum exposto a situações tão extremas quanto as dele se tornaria "um Rorschach". Como nos primeiros quadros do capítulo o médico tem uma visão positivista da vida e nos últimos, sob influência de Rorschach, torna-se pessimista ao acreditar que todos morrem e vivem sozinhos, o consideramos uma personagem redonda. Cheia de complexidades, ela muda sua linha de pensamento e crenças, como um individuo real faz todos os dias. Dr. Malcolm é uma protagonista menor, já que sua trama principal é a menor (os problemas familiares). Dr. Malcolm também pode ser visto como uma personagem oponente (no ponto de vista de Rorschach, já que ele acredita que a terapia é necessária a outros na prisão, e não ele) e adjuvante (no ponto de vista do próprio Dr. Malcolm, que acredita estar ajudando Rorschach ao obrigá-lo a falar de seu passado). Outra personagem recorrente, mas sem muito peso para a continuidade da narrativa é Gloria, a esposa do Dr. Malcolm Long e aversa ao fato de seu marido estar cuidando do caso Rorschach. Sua posição numa análise seria a de uma personagem plana, pois não vai além do esteriotipo de esposa carente por atenção, e uma figurante na narrativa maior; na narrativa menor, uma oponente de Malcolm, já que se põe entre o psiquiatra e seu objeto valor (desvendar os mistérios da mente de Walter Kovacs). 5.3 A (ausência de) espaços textuais em "The Abyss Gazes Also" – pobre esteticamente ou rico no enredo? Os espaços em "The Abyss Gazes Also" são mínimos. Observa-se que, como estamos trabalhando a análise de um material que temos imagens que expõem o espaço, o espaço textual é nulo – na narrativa do capítulo, não há menções de como o espaço de configura já que ele está desenhado a nossos olhos. Mas ainda sim, existem outros espaços a serem analisados e detalhados. Quando tratamos do espaço geográfico, temos os espaços que são: a cadeia (mais precisamente, a sala de psiquiatria), a casa do Dr. Malcolm e algumas ambientações externas da cidade de New York, nos flashbacks de Rorschach. Todos os ambientes tem uma perturbadora coloração forte, com tons em vermelho, laranja e verde – que fazem um contra ponto quanto o que está escrito, sobre a dura realidade de uma cidade obscura e decadente. Os espaços em "The Abyss Gazes Also" são verossímeis e diz respeito uma New York exatamente como era em 1985. A representação do espaço em Watchmen é simultânea, pois se trata de uma História em Quadrinho; o que dá liberdade aos autores de enquadrarem o que bem entenderem do espaço que têm em mãos. A narração simultânea é muito comum em quadrinhos e filmes, pois diferente da obra literária "pura", elas demonstram (com imagens) exatamente o foco que quer que aquele que a lê/assista veja. A ambientação social tem dois vieses: o do médico e o do paciente. Rorschach tem um padrão de vida baixo, sempre fora pobre e filho de uma prostituta, vivendo em casas de pensão e bordéis. O médico é um homem rico, com posses, uma casa e uma família. Seu padrão de vida parece ser alto, pois o espaço físico de sua casa sempre aparenta que ostenta posses. Socialmente, Rorschach encontra-se como um marginalizado já que vive ilegalmente como um vigilante e, de dia, é um homem que anda com uma placa que tem os dizeres "O Fim está próximo" pelas ruas. Alimenta-se de restos e vive de alugueis atrasados; como vai contra convenções sociais, Rorschach não toma banho ou segue o que a sociedade prevê como uma vida saudável. Sua ambientação sempre envolve espaços de natureza pobre e/ou duvidosa, sempre vivendo nas sombras. Com isso, seu espaço social é de um homem que faz o que bem entende, sem pensar nas consequências – como não segue as regras do que é certo ou errado pré-estabelecidas pelo o Estado ou a sociedade, não há limites para o que ele possa fazer. Rorschach é uma personagem sem filtros, sem barreiras sociais. Dr. Malcolm vive numa ambientação social "politicamente correta"; um homem negro com sua esposa (também negra) numa casa bem localizada, um emprego fixo e amigos tão bens de vida quanto ele. Diferente de seu paciente, o médico acredita numa sociedade justa e vive uma realidade de peças de teatro/jantares entre amigos absolutamente inversa a de Rorschach. Malcolm tem limites – todos aqueles impostos pela política e "bons costumes" das pessoas. Logo, com duas personagens tão antagônicas e com espaços tão opostos, Moore & Gibbons trabalham a questão psicológica de ambas e como duas realidades tão opostas podem se encontrar no fim de tudo. Portanto, a resposta do subitem seria "sim" já que desfocar no espaço físico faz com que o leitor foque-se na ambientação psicológica e social das personagens – por fim, o enredo. 5.4 "Se eu soubesse disso, teria me tornado um relojeiro" – A influência temporal em The Abyss Gazes Also. Como não trata-se de uma análise de toda a obra e sim, só um recorte dela, não entrará em consideração o tempo externo da narrativa e sim, só o interno. Em "The Abyss Gazes Also" o tempo é cronológico, com o uso de marcações de datas no solilóquio do Dr. Malcolm Long em seu diário. É comum ver no início de uma nova sequencia narrativa dentro do capítulo o cabeçalho "From the notes of Dr. Malcolm Long, Ocotber 25th, 1985[74]." (MOORE & GIBBONS, 2005 cap. 6 p. 1). A evolução das personagens ocorre, assim como as revelações de Rorschach na prisão, de forma linear na questão do tempo. Porém, o tempo da história é diferente do tempo do discurso; isso porque dentro do capítulo ocorrem uma série de retrocessos no tempo (o flashback como é conhecido). No que Rorschach vê uma imagem no teste de Rorschach se recorda de um fato de sua vida e o leitor é carregado juntamente com ele para vivenciar aquele momento. Ao todo, são cinco retrocessos feitos em The Abyss Gazes Also, todos sobre a vida de Walter Kovacs e as razões dele se tornar quem é. Há também encaixes no que trata-se de uma narrativa maior e uma narrativa menor. A maior trata-se, como já fora dito, das consultas e retrocessos de Rorschach, a menor a história de Dr. Malcolm e sua esposa. A primeira interfere de forma indireta na outra; conforme Malcolm conhece a história de Rorschach, vai mudando lentamente com a esposa e amigos – para, por fim, mudar a si mesmo. Essa narrativa menor é complementar à principal. Há a presença também de escamoteamento na obra no momento em que Rorschach em sua primeira consulta vê a cabeça de cachorro cortada ao meio mas mente a seu psiquiatra sobre o que vi. Há a omissão do que ela realmente significa para o vigilante até o fim do capítulo, um recurso utilizado pelo o autor para aumentar o suspense na obra. Outro recurso temporal utilizado diversas vezes é o discurso direto. Como as personagens tem seus solilóquios ao longo do capítulo, há a impressão de que falam diretamente com que os lê, dando o tempo da história o mesmo tempo do discurso, como se as personagens conversassem oralmente com os interlocutores. A projeção do tempo da história é simples, sempre do ponto de vista de uma personagem, mas se difere quando se trata do momento: Rorschach com as regressões e Dr. Malcolm com a evolução que ele avalia de Walter Kovacs e seus problemas familiares. Com esse último item analisado, fica o questionamento: mesmo depois de ver diversos elementos literários facilmente aplicáveis em Watchmen, ainda pode- se considerá-lo como uma arte menor ou que não pertence ao universo literário? CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme o que foi dito ao longo deste Trabalho de Conclusão de Curso, Watchmen é uma graphic novel de 1985 que mudou a forma que as Histórias em Quadrinhos eram vistas – mas não para todos. Ainda nos dias de hoje, não é raro de se ouvir concepções negativas para as obras que contam com a dinâmica de arte gráfica e palavras. A desvalorização dos quadrinhos é datada desde seu começo até os dias de hoje; a antiga visão de um material feito para crianças, com arte sofrível e conteúdo raso prevalece ainda hoje. Uma conceituação específica do que é de fato Literatura de forma objetiva também se mostrou difícil já que, por se tratar de um conjunto de obras de cunho subjetivo – delimitar o que é e não é um material literário cabe muito nas mãos daquele que lê a obra dita. O senso comum chega a acreditar que, considerar Watchmen como parte deste grupo, pode desvalorizar e ampliar demais o universo Literário. Porém, ao longo da análise e por observação da história das histórias em quadrinhos pode-se ver que, tratar um romance como literatura não o desvaloriza como um romance; Watchmen pode então ser considerado como Literatura, mas não se desconsiderando que é uma história em quadrinhos e que deve ser respeitada por ambos os aspectos. De acordo com a análise literária feita, diversos conceitos aplicáveis a narrativas literárias são utilizadas com clareza nos quadros de Moore & Gibbons; não se ignora os elementos visuais – afinal, Literatura Ilustrada ainda é Literatura. Todavia, Watchmen não tem uma estrutura clássica de um romance padrão. Num livro "comum", muda-se sua formatação para uma edição de 300 páginas para uma de 550 e, artisticamente, a obra não sofre. Em Watchmen isso não é possível; uma mudança, ainda que mínima, na sobreposição de seus quadros muda o foco que o autor quer que o leitor tenha. A força de certas revelações não seria tão impactante se não fosse a sua colocação específica. Isso porque se trata de uma obra híbrida – um misto da comunicação verbal e a comunicação não-verbal – tornando a única em diversos aspectos. Dizer que graphic novels são descendentes da Literatura é claro; toma-se como exemplo o quinto volume de Watchmen (como todos eles) com uma citação que alude ao poema de William Blake e pode também aludir a um livro sobre Blake do famoso crítico literário Northop Frype. Ao longo da obra, outras referências são dadas a clássicos literários, como o nome de Ozymandias ser inspirado no titulo de um poema de Percy Bysshe, a frase clássica pichada nos muros "Who watches the Watchmen?" que é do filósofo Juvenal, o capítulo oito encerra-se com uma citação da escritora Eleanor Farjeon entre outras. Com todas essas alusões, Watchmen sugere que a obra se conecte de alguma maneira significativa e importante com a Literatura. Logo, a resposta correta para "Watchmen é ou não Literatura?" ou "Pode- se fazer um clássico literário através de quadros de gibi?" é indeterminável até certo ponto. Ou seja, não existe uma resposta certa ou errada; por fazer parte de um grupo tão único de arte, constituindo um hibridismo duplo, é óbvia a sua descendência da literatura – tanto na questão linguística, artística e subjetiva. Ainda sim, só isso não seria determinante para se dizer se faz parte da literatura ou não. A questão posta é: há respeito e apreciação necessárias para tal obra? Watchmen é, mesmo não sendo considerada Literatura, respeitado tal como um clássico literário, já que tem todas as qualidades de um? A verdade é que, enquanto estas perguntas não obtiverem uma resposta positiva, ainda haverá uma luta para que a obra seja considerada parte do patrimônio literário – porque quando se pede para que seja considerada como tal, é para que seja respeitada como uma, mesmo que não haja uma nomenclatura especifica. Por fim, cabe ao leitor que determine o que acredita ser Literatura ou não; este Trabalho de Conclusão de Curso tentou, por meio de uma série de elementos, levar a reflexão de que o que se considera como material literário pode-se ser ampliado a novos horizontes sem se distanciar tanto quanto se imagina. É uma questão de analisar não o Mensageiro (História em Quadrinhos), mas o material específico que ele manda, sua mensagem (Watchmen) e não enquadrá-las juntas como "Literatura" ou "Não-Literatura". Logo, encarar cada obra como uma única obra de arte e, a partir dela, analisar se pode ser vista como um clássico literário ou não. IMAGEM 1 IMAGEM 2 IMAGEM 3 IMAGEM 4 IMAGEM 5 IMAGEM 6 IMAGEM 7 IMAGEM 8 IMAGEM 9 IMAGEM 10 IMAGEM 11 FONTES DE PESQUISA ABDALA, Benjamin Junior. Introdução à Análise da Narrativa. São Paulo: Editora Scipione, 1995. CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade: estudos de teoria e história literária. 6ª ed. ,São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1980. _____________. Direitos humanos e literatura. In.: FESTER, A. C. Ribeiro e outros. Direitos humanos e... . São Paulo: Brasiliense, 1989. COELHO, Nelly Novaes. Literatura & Linguagem: A obra literária e a expressão linguística. 4ª ed. , São Paulo: Edições Quíron, 1986. _____________. O ensino da literatura. São Paulo: Ed. FTD S.A., 1966. CONRAD, Joseph. Poesia como criação. Rio de Janeiro: Edições GRD, 1986. COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. 16ª ed. São Paulo: Editora Bertrand Brasil, 1995. DIGIOVANNA, James. Dr. Manhattan, Eu Presumo? in Watchmen e a Filosofia. São Paulo: Editora Madras, 2009 DONOVAN, Sarah; RICHARDSON, Nick. Watchwomen, as Vigilantes in Watchmen e a Filosofia. São Paulo: Editora Madras, 2009 EAGLETON, Terry. Literary Theory: An Introduction. 2ªed. United Kindgom: Blackwell Publishing, 1996. GROSSMAN, Lev. ALL TIME 100 Novels. Disponível em: Acesso em: 03 nov. 2011 JARCEM, Réne Gomes Rodrigues. História das Histórias em Quadrinhos. São Paulo, 2007. Disponível em: Acesso em: 03 ago. 2011 JUNIOR, GONÇALO. A guerra dos gibis: a formação do mercado editorial brasileiro e a censura aos quadrinhos, 1933-1964. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. KEEPIN, J. Super-heróis e Super-Homens: Encontrando o Ubermensch de Nietzsche em Watchmen in Watchmen e a Filosofia. São Paulo: Editora Madras, 2009 IANNONE, Leila Rentroia. O Mundo das Histórias em Quadrinhos. São Paulo: Editora Moderna, 1994. LOFTIS, Robert J. Meios, Fins e a Crítica dos Super-Heróis Puros in Watchmen e a Filosofia. São Paulo: Editora Madras, 2009 MCCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. São Paulo: M. Books, 2004. ______________. Reinventando os Quadrinhos. São Paulo: M.Books, 2005. MILLET, Lydia. From Comic Book to Literary Classic. 2009. Disponível em: Acesso em: 03 nov. 2011 MOISES, Massaud. A análise literária. 6ª ed. 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Disponível em: Acesso em: 30 ago. 2011. VEJA HISTÓRIA Especial. São Paulo, 1929. Disponível em: Acesso em: 04 ago. 2011. WHITE, Mark D. As virtudes da Barriga de Cerveja do Coruja in Watchmen e a Filosofia. São Paulo: Editora Madras, 2009. ----------------------- [1] (...) os quadrinhos do Superman e os romances de Mills e Boon são ficcionais e geralmente não são considerados como literatura, certamente não como Literatura. ² Animal Farm não seria uma alegoria do Stanlismo, pelo contrário (...) o Stanlismo simplesmente daria uma oportunidade útil para a construção de uma alegoria. (Traduções Livres da Autora) [2] uma pseudo-religião ou psicologia ou sociologia mas uma organização particular da língua (...) com leis específicas (...) que devem ser estudadas ao invés de serem reduzidas a outra coisa. (Tradução livre da autora) [3] A sedução do Inocente. (Tradução Livre da Autora) [4] Homem-Minuto [5] Combatentes do Crime [6] Sob o Capuz [7] Coruja Noturna I (Traduções Livres da Autora) ¹ Capitão Metrópole ² Nota de Dólar ³ Silueta [8] Mariposa [9] Espectral I [10] Comediante [11] era divertido e porque era necessário fazer e porque eu quis, oras. (Traduções Livres da Autora) ¹ É isso que você gosta, não é? É o que te deixa excitado... ² "ela [Silhouette] não era a única [gay] (...) era um casal de rapazes, ambos já morreram. Um deles foi recentemente. ³ Capitão Metropolis foi decapitado num acidente de carro em '74 [12] Alguém tem que fazer, você não vê?! Alguém tem que salvar o mundo... [13] Dollar Bill foi o homem mais gentil e focado que já conheci. [14] mergulhada em desgraça, foi assassinada seis semanadas depois por um inimigo menor em busca de vingança. (Traduções Livres da Autora) 1 (...) tenho 65 anos. Todos os dias, meu futuro parece um pouquinho mais escuro e o passado, mesmo as parte ruins...Bem, elas só ficam cada vez mais e mais brilhantes ² Sabe, estupro é estupro e não há desculpa, absolutamente nenhuma, mas, pra mim, eu sinto que...eu sinto que de alguma maneira eu contribuí pra isso. Seria isso culpa indevida ou seja lá o que o meu analista disse? Eu realmente sentia que era de alguma forma tão culpada quanto...por me deixar ser vítima dele, não em um sentido físico, mas...mas como se, sabe, por um momento eu realmente quisesse...digo, isso não é desculpa, não desculpa nenhum de nós, mas com toda essa dúvida, o que significa se eu acertar com isso, eu não consigo ficar brava quando estou tão incerta dos meu próprios sentimentos. (Traduções Livres da Autora) [15] se o tempo não é verdadeiro, qual é a razão de se existir relojoeiros, hein? Minha profissão é algo do passado. Meu filho deve ter um futuro (Tradução Livre da Autora) [16] A luz arranca pedaços de mim. [17] Nós repetimos: o Super-Homem existe e ele é americano. [18] Eu não acredito que exista um Deus, Janey. Se existe, eu não sou Ele. [19] (...) eles me explicam que o nome foi escolhido pelas imagens agourentas que vou despertar nos inimigos da América. Estão me transformando em algo vistoso e letal...Está tudo escapando das minhas mãos. (Traduções Livres da Autora) [20] Sem mim, as coisas teriam sido diferentes. Se o homem gordo não tivesse quebrado o relógio, se eu não tivesse o deixado na câmara de testes... Sou eu que sou o culpado, então? Ou meu pai, por ter escolhido minha carreira? Quem de nós é responsável? [...] É tarde demais, sempre foi e sempre será tarde demais. (Tradução Livre da Autora) [21] Bem, pelo menos você estava vivendo suas próprias fantasias, eu estava vivendo as da minha mãe. [22] É que eu fico pensando que tenho 35 anos. E o que foi que eu fiz? Gastei 8 anos em semi aposentadoria, que foram procedidos por dez anos correndo pelas ruas em um uniforme estúpido porque a estuda da minha mãe quis! Você se lembra do uniforme? (Traduções Livres da Autora) [23] Ele ficou do lado do seu País, Veidt. Nunca deixou ninguém aposentá- lo. Nunca lucrou com a própria reputação. Nunca criou uma indústria de venda de pôsteres, livros de dieta e bonecos baseados nele. Nunca se prostituiu. Se isso o fez um nazista, você pode me chamar assim também. (Tradução Livre da Autora) [24] eu me fiz sentir toda morte todos os dias, eu imagino um número infinito de faces pela noite... [25] existe o bem e o mal, e o mal deve ser punido. Nem mesmo à beira do Armageddon, não posso comprometer isso. [26] (...) enrolei minha face, dobrei e escondei dentro da jaqueta. Sem minha face, ninguém sabe. Ninguém sabe quem eu sou. (Traduções Livres da Autora) [27] Você sabe o quanto me custou, seu bastardinho? Eu deveria ter escutado o que todo mundo me dizia! Devia ter te abortado! (Traduções Livres da Autora) [28] diversos campos do conhecimento humanos, principalmente Literatura e Educação Religiosa (...) habilidades impressionantes em Ginástica e Boxe Amador. (Traduções Livres da Autora) [29] Porque uma morte importa mais do que as outras? Porque há o mal e o bem, e o mal deve ser punido. Nem mesmo em face do fim do mundo não posso comprometer isso. Mas há tantos merecendo retribuição... E tão pouco tempo. ² à meia noite, todos os agentes... (Traduções Livres da Autora) [30] à meia noite, todos os agentes e equipe de super-humanos saem e reúnem todos aqueles que sabem mais do que eles [31] Amigos Ausentes. [32] é isso que acontece conosco. Uma vida de conflitos, sem tempo para os amigos e quando chega nossa hora, só nossos inimigos nos deixam rosas. [33] E eu estou desperto quando irrompe a aurora, embora meu coração padeça. Deveria estar brindando a amigos ausentes e não a estes comediantes. [34] O juiz de toda a Terra. (Traduções Livres da Autora) [35] Não fará justiça o juiz de toda a Terra? [36] Relojoeiro [37] A liberação do poder do átomo mudou tudo exceto nosso modo de pensar…A solução para esse problema reside no coração da humanidade. Se eu soubesse disso, teria me tornado um relojoeiro. [38] Temível Simetria. (Traduções Livres da Autora) [39] Tigre, tigre/ Tigre que flamejas/ Nas florestas da noite/ Que mão, Que olho imortal/ Se atreveu a plasmar sua temível simetria? [40] O Abismo também olha. [41] Não batalhe com monstro, pois irá tornar-se um. E se você olha o abismo, o abismo olha você também. [42] Um irmão para os dragões. (Traduções Livres da Autora) [43] Eu sou um irmão para os dragões/ e um companheiro paras as Corujas/ minha pele é negra acima de mim/ E meus ossos estão queimados com coração. [44] Velhos Fantasmas. [45] No Halloween os velhos fantasmas vêm até nós, e eles conversam com alguns, com outros eles são burros. [46] A escuridão do mero ser. [47] Até onde podemos discernir, o único propósito da existência humana é acender uma luz na escuridão do mero ser. [48] Dois cavaleiros se aproximavam... (Traduções Livres da Autora) [49] lá fora, na distância um gato selvagem grunhiu, dois cavaleiros se aproximavam, o vento começou a uivar. [50] Contemplem meus trabalhos, ó poderosos... [51] Meu nome é Ozymandias, rei dos reis: Contemplem as minhas obras, ó poderosos, e desesperai-vos! [52] Um mundo mais amável e forte. (Traduções Livres da Autora) ¹ Eu fiz a coisa certa, não? Funcionou no fim de tudo. ² No fim de tudo? Nada termina Adrian. Nada nunca termina. (Traduções Livres da Autora) ¹ seria um mundo mais forte, um mundo mais amável e forte para se morrer. (Tradução Livre da Autora) [53] (...) Warchmen faz o coração bater mais forte, uma leitura que tira o ar, um divisor de águas na evolução dos jovens médios. [54] É simplesmente bizarro afirmar que uma narrativa literária ilustrada rivaliza no mérito artístico com , digamos, obras-prima como "Novelty Library Acme" de Chris Ware ou qualquer parte do trabalho brilhante e inteligente de Edward Gorey. (Traduções Livres da Autora) [55] Eu não gosto de você [...] Gordo. Rico. Acha que entende alguma coisa de dor. ² Uma bela borboleta. ³ É mais do que você vale. 4 Algumas flores bonitas. (Tradução Livre da Autora) [56](...) fiz um rosto que eu poderia olhar no espelho. (Tradução Livre da Autora) [57] Cachorro. Cabeça de cachorro cortada ao meio. ² Foi Kovacs que disse "mãe" sob o látex. Foi Kovacs que fechou os olhos. Foi Rorschach que os abriu depois. (Tradução Livre da Autora) [58] Parei diante das chamas, suando. Mancha de sangue no peito como mapa de um novo e violento continente. Me senti limpo. Senti planeta rodopiando e entendi porque gatos gritam à noite como bebês. Olhei para o céu através da fumaça cheia de gordura humana e Deus não estava lá. A escuridão fria e sufocante prossegue eternamente, e nós estamos sozinhos. Vivemos a vida, sem nada melhor pra fazer. Depois inventamos a razão. Nascemos do vazio; temos filhos condenados ao inferno como nós; voltamos ao vazio. Não existe mais nada. A existência é aleatória. Sem padrão a não ser o que imaginamos depois de contemplar tudo por muito tempo. Sem sentido, a não ser o que escolhemos impor. O mundo desgovernado não é moldado por vagas forças metafísicas. Não é Deus quem mata crianças. Não é o acaso que as trucida nem o é destino que as dá de comer aos cães. Somos nós. Só nós. As ruas fediam a fogo. O vazio bafejava pesado no meu coração, congelando e esmigalhando minhas ilusões. Eu renasci livre para traçar meu próprio destino neste mundo desprovido de moral. Era Rorschach. Isso responde a suas perguntas, Doutor? (Tradução Livre da Autora) [59] Olhei para o teste de Rorschach. Eu tentei fingir que parecia uma árvore frondosa, sombras reunidas debaixo dela, mas isso não aconteceu. Mais parecia um gato morto eu uma vez encontrei, a gordura, brilhante contorcendo-se cegamente, contorcendo-se uns sobre os outros, freneticamente longe da luz. Ma isso é evitar o horror real. O horror é o seguinte: No fim das contas, é simplesmente uma imagem da escuridão vazia e sem sentido. Estamos sozinhos. Não há mais nada. (Tradução Livre da Autora) [60] Nós não fazemos isso porque é permitido. Nós fazemos porque temos de. Fazemos porque somos obrigados. (Tradução Livre da Autora) [61] Das anotações do Dr. Malcolm Long, 25 de outubro, 1985. (Tradução Livre da Autora)