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Violências: Do Cotidiano à Instituição Escolar - Uma Abordagem Interdisciplinar

Autor: Hélio Iveson Passos Medrado Esse arquivo contém algumas partes do livro citado

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Hélio Iveson Passos Medrado V i o lê n c ias: do cotidiano à instituição ESCOLAR uma abordagem interdisciplinar São Paulo, 2010 1 Violencia-MIOLO.indd 1 03/08/2010 17:18:36 Violências: do cotidiano à instituição escolar Uma abordagem interdisciplinar Hélio Iveson Passos Medrado Editor Sebastião Haroldo de Freitas Corrêa Porto Conselho Editorial Barbara Heller | Carlota J. M. Cardozo dos Reis Boto | Célia Maria Benedicto Giglio | Daniel Revah | João Cardoso Palma Filho | Luiza Helena da Silva Christov Projeto Gráfico, diagramação e capa Juliana Signal Revisão Silvana Pereira de Oliveira Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Medrado, Hélio Iveson Passos Violência : do cotidiano à instituição escolar : uma abordagem interdisciplinar / Hélio Iveson Passos Medrado. -- São Paulo : Porto de Idéias, 2010. Bibliografia. ISBN 978-85-60434-70-1 1. Educação de crianças 2. Violência - Aspectos sociais 3. Violência nas escolas I. Título. 10-02996 CDD-306.43 10-02996 CDU-306.43 Índices para catálogo sistemático: 1. Violência e educação : Sociologia educacional 306.43 2. Educação e violência : Sociologia educacional 306.43 Todos os direitos reservados à EDITORA PORTO DE IDEIAS LTDA. Rua Pirapora, 287 – Vila Mariana São Paulo – SP – 04008.060 Tel. (11) 3884-3814 – Fax (11) 3884-5426 [email protected] www.portodeideias.com.br twitter.com/portodeideias 2 Violencia-MIOLO.indd 2 03/08/2010 17:18:36 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 07 COTIDIANO 13 ESCOLA 25 DA PERCEPÇÃO À VIOLÊNCIA DO OLHAR 33   •  Da percepção 33   •  A violência do olhar 36 EXERCÍCIO DAS DIFERENÇAS E O RESPEITO ÀS DIFERENÇAS 39 REGISTRADOR DOS REGISTROS – DOCUMENTOS OU MONUMENTOS? 43 O REGISTRADOR DA INSTITUIÇÃO ESCOLAR 47 SOBRE A CRÍTICA 53 CERTEZAS PROVISÓRIAS 57 REFERÊNCIAS 63 5 Violencia-MIOLO.indd 5 03/08/2010 17:18:36 6 Violencia-MIOLO.indd 6 03/08/2010 17:18:36 INTRODUÇÃO Somos muitos, ultrapassamos a marca dos 183 milhões de habitantes, as mulheres são maiorias segundo o IBGE1 , homens aparecem depois. Apesar das melhoras nas duas últimas décadas, ainda existem 42 milhões de miseráveis no Brasil. É a estúpida violência da distribuição de riquezas, que desola o país, entristece nossas relações e emoções. As pessoas tornam-se brutas e suas paixões escondidas em uma jovem democracia que despreza a justa socialização dos bens e dos benefícios produzidos pela nação. Resultado: abate-se sobre a população brasileira um sentimento de impotência sobre os fatos políticos, sociais e, fundamentalmente, econômicos. Parece que tudo está fartamente entregue com remotas chances de intervenção do cidadão que, indignado, vai, dia a dia, inundando o espírito de um social injusto, esfarelado, esfacelado, destruído, corrompido, arruinado... Mutilada, a população sofre para participar dos movimentos sociais, sindicatos apáticos ou corruptos, bares fartos de pessoas vazias tragam bebidas amargas, escolas e universidades padecem com movimentos estudantis inexpressivos. Rostos gravados e cansados — retrato do povo brasileiro. A percepção é mais que aparente, é vestígio de uma fotografia que estampa semblantes carregados e abatidos. Abatidos são e não carece explicação. 1  O presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE, Eduardo Nunes, a jornalista em agosto de 2008, afirma que somos 183.987.291 milhões de habitantes com mais mulheres do que homens. Para cada 100 mulheres, há 99,6 homens no país. 35,3% para 28,85 representam uma melhora nos índices do cotidiano social, mas ainda somos 42 milhões de miseráveis no país. Neste exato momento seguramente, os referidos números já não são mais os mesmos. Entretanto, nossa preocupação é qualitativa ao invés de quantitativa. 7 Violencia-MIOLO.indd 7 03/08/2010 17:18:36 http://foto.sportbox.ru/photos/140323/?from_member Neste texto, o leitor não encontrará retoques nos rostos desacreditados, mas percepções aprofundadas, leituras subsidiárias à compreensão das rugas do cotidiano social e, intrinsecamente, saber como as respectivas violências do urbano são projetadas para as instituições escolares e conhecer como as medidas maquiadas com violências produzem outras violências. Trata-se de dissabores associados a outros sabores, alimentam futuros obscuros em contextos que, historicamente, podem ser alterados com a postura do observador, valorizando o entorno e o contorno, ambos acompanhados com golpes de olhares para aprenderem o instante em que as ações acontecem. É o impressionismo do olhar que pode ser violento. Resta pouco do projetar cotidiano à vida escolar. Rimas pobres com aromas de amoras. São elas de contextos e das omeletes. Era uma vez uma omelete de olhar. 8 Violencia-MIOLO.indd 8 03/08/2010 17:18:37 Omelete de amoras Era uma vez um rei que chamava de seu todo poder e todos os tesouros da Terra, mas, apesar disso, não se sentia feliz e se tornava mais melancólico de ano a ano. Então, um dia, mandou chamar seu cozinheiro particular e lhe disse: — Por muito tempo tens trabalhado para mim com fidelidade e me tens servido à mesa os pratos mais esplêndidos, e tenho por ti afeição. Porém, desejo agora uma última prova de teu talento. Deves me fazer uma omelete de amoras tal qual saboreei há cinqüenta anos, em minha mais tenra infância. Naquela época meu pai travava guerra contra seu perverso vizinho a oriente. Este acabou vencendo e tivemos de fugir. E fugimos, pois, noite e dia, meu pai e eu, até chegarmos a uma floresta escura. Nela vagamos e estávamos quase a morrer de fome e fadiga, quando, por fim, topamos com uma choupana. Aí morava uma vovozinha, que amigavelmente nos convidou a descansar, tendo ela própria, porém, ido se ocupar do fogão, e não muito tempo depois estava à nossa frente a omelete de amoras. Mal tinha levado à boca o primeiro bocado, senti-me maravilhosamente consolado, e uma nova esperança entrou em meu coração. Naqueles dias eu era muito criança e por muito tempo não tornei a pensar no benefício daquela comida deliciosa. Quando mais tarde mandei procurá-la por todo o reino, não se achou nem a velha nem qualquer outra pessoa que soubesse preparar a omelete de amoras. Se cumprires agora este meu último desejo, farei de ti meu genro e herdeiro de meu reino. Mas, se não me contentares, então deverás morrer. — Então o cozinheiro disse: — Majestade, podeis chamar logo o carrasco. Pois, na verdade, conheço o segredo da omelete de amoras e todos os ingredientes, desde o trivial agrião até o nobre tomilho. Sem dúvida, conheço o verso que se deve recitar ao bater os ovos e sei que o batedor feito de madeira de buxo deve ser sempre girado para a direita de modo que não nos tire, 9 Violencia-MIOLO.indd 9 03/08/2010 17:18:37 por fim, a recompensa de todo o esforço. Contudo, ó rei, terei de morrer. Pois, apesar disso, minha omelete não vos agradará ao paladar. Pois como haveria eu de temperá-la com tudo aquilo que, naquela época, nela desfrutastes: o perigo da batalha e a vigilância do perseguido, o calor do fogo e a doçura do descanso, o presente exótico e o futuro obscuro. (BENJAMIN, 1995, p. 219) A omelete de Benjamin deixa acentuado sabor do contexto, ao mesmo tempo em que valoriza o conceito a partir dos fatos historicamente constituídos. Imprescindíveis, esclarecem parte das realidades, outras são construídas com percepções críticas do observador, tornando factível a escolha do nobre tomilho e a maneira de girar a colher da madeira de buxo, culturas encontradas nas quitandas e feiras populares. Mas, o tempero da época como encontrálo se não é, simplesmente, possível importá-lo? Pobre cozinheiro de morte anunciada, sem remediar, não pôde trazer o contexto da época marcado pelo perigo da batalha, o calor do fogo, a doçura do descanso, o presente exótico e o futuro obscuro. Notamos nessa parábola que contextos diversificados reclamam respostas também diversificadas. Falamos do campo conceitual que reivindica a inconclusividade das definições fechadas, então, a omelete é contextual e sua definição vai além da habitual conclusa que se restringe a uma fritada de ovos que leva salsa, cebola, presunto, queijo... Metaforicamente, as definições usuais das violências empregadas diariamente no cotidiano social amputam as escolas urbanas de viverem livremente seus contextos e conceitos. Na polêmica, apreciamos o corpus social e como ela é confundida no ambiente escolar — uma espécie de projeção da violência comum para os estabelecimentos escolares. Ao final, lançamos reflexões recentes produzidas por pesquisas interdisciplinares que rompem com a fragmentação de conhecimentos. São descobertas de abordagens teórico-metodológicas sobre a problemática nas escolas que, circunstancialmente, chamamos de violências intermediárias, situadas entre a simbólica e a concreta. É preciso cautela, a intermediária é um novo paradigma que não se restringe estar entre uma e outra. Neste sentido, é inconcebível pensá-la meramente 10 Violencia-MIOLO.indd 10 03/08/2010 17:18:37 como o imbricar de paradigmas, isto é, “o espaço entre a violência concreta e a simbólica”. Notadamente, a questão é mais desafiadora e torna a intermediária o paradigma sustentado na acepção de que não existe uma, mas um conjunto de violências que precisam ser contextualizadas. A intermediária não se registra no plano horizontal ou por ícones de aportes da união entre as agressões e, historicamente, é constituída por análises dos sucessivos enredos que a entornam. Sua brevidade longitudinal é mais que espacial e estabelece pontos verticalizados, revestindo-a de um plano tridimensional, e agora sim podemos compreendê-la geográfica do urbano e da escola. A primeira dimensão é a extensão do seu papel no urbano e nas instituições escolares. Dimensão agressora das relações sociais e daquelas encontradas na dinâmica interna da escola — o comprimento. A segunda, é a amplitude alcançada por sucessivos ataques entre os atores sociais, é a dimensão que revela seu poder de criatividade e originalidade fundadoras, tornando ineficazes as tradicionais estratégias, empregadas por instituições repressivas e pelas políticas públicas com intuito de combatê-las. É a largura do fenômeno. E a terceira dimensão se respalda na elevação dos princípios organizadores da problemática, conferindo a ela responsabilidade pelos impactos indesejáveis em uma sociedade em conflitos, isto é, a altura dos acontecimentos. Essa modalidade intermediária aproxima as diferenças e assume papel de “catalisador”, engrandecendo os estágios de atrito e definindo as modulações de violências, provoca maior intensidade de destruição: reúne o concreto e explica o simbólico. Além do que, agrega o simbólico e examina o concreto, dando a este último corpo e existência. A intermediária contraria disposições, normas e textos legais. Mimética, defende com forças as posições reivindicadas por cada manifestação contextualizada. Nesta perspectiva, quando pensamos no contexto, torna-se impossível estabelecer finitude temporal e/ou dimensional para ela. Aí está uma estratégia de superação do estudo no plano tridimensional e, por inferências, cria as bases de sustentação que podemos chamar de “meta-violência”. Meta-violência: consideramos como a linguagem violenta que descreve orientações explicativas para se compreender as agressões; ela reconstitui sinais demarcadores dos acontecimentos e fatos destrutivos que caracterizam a violência estudada 11 Violencia-MIOLO.indd 11 03/08/2010 17:18:37 dos agressores. Sua agenda estabelece a cultura dos envolvidos, destacando subjetividade, valores e relações que singularizam sua magnitude. Vamos nomeá-la prelúdio ou fatos que, circunstancialmente, foram diagnosticados na predileção dos acontecimentos sob forma de agressividade. São indícios exploratórios do motivo pelo qual a intermediária invade a historicidade dos envolvidos e suas respectivas identidades. Salientamos: ela explica, para além da concreta e simbólica, as procedências das manifestações destrutivas. Uma espécie de “DNA” das violências é evidenciada, essencialmente, antecede a simbólica e compõe a concreta. Do mesmo modo antecede a concreta e constrói a simbólica. Precede e sucede a simbólica e a concreta. Provisoriamente, a intermediária é o que faltava para se compreender que não é mais possível conceber violências, simbólica e concreta, longe das contextualizações. Tampouco é aceitável fatiar e selecionar os fenômenos violentos, explicá-los pela ordem instituída ou, ainda, negligenciando a existência do paradigma “intermediário”. O desafio está lançado entre as violências concreta e simbólica. Reconhecidas por nós pesquisadores do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa Podis (Poder e Disciplinamento nas Instituições Escolares de Sorocaba — Universidade de Sorocaba - SP.) como uma linha muito tênue. 12 Violencia-MIOLO.indd 12 03/08/2010 17:18:37