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Prescrição - Trabalho Urbano e Rural
Após breve relato dos problemas que vêm enfrentando, com respeito à
caracterização da prescrição dos direitos trabalhistas de seus empregados,
as empresas Consulente "A" e Consulente "B", solicitam nossa manifestação,
a propósito das seguintes indagações, ligadas a tal matéria:
A) As normas peculiares à prescrição dos direitos trabalhistas dos
trabalhadores rurais devem aplicar-se, indistintamente, em relação aos
direitos de qualquer de nossos empregados, ou, ao contrário, devem incidir,
apenas e tão somente, com referência aos direitos daqueles que se amoldam
ao conceito legal de empregado rural?
B) Considerada a resposta à indagação anterior, qual o tratamento
prescricional a ser dado aos direitos trabalhistas de nossos empregados
exercentes de funções como as de gerente de escritório, escriturário,
digitador, médico, agrônomo, motorista e mecânico, entre outras também não
típicas do meio rural?
I - DOS FATOS
1 - Antes de quaisquer considerações, a propósito das indagações
supratranscritas, cumpre que se conheça, ainda que em linhas gerais, o
quadro fático pertinente, que constituirá, por assim dizer, o "meio
ambiente" dessas considerações. É o que se buscará a seguir.
2 - Integrando um mesmo grupo empresarial, são as Consulentes empresas
voltadas, primordialmente, à produção de açúcar e álcool, sendo certo que
possuem, além das instalações industriais relativas a essa produção,
plantações da respectiva matéria-prima, a cana-de-açúcar.
3 - As instalações industriais acima referidas estão localizadas nas mesmas
terras onde existem essas plantações, vale dizer, estão localizadas em
propriedades rurais da primeira Consulente. E é em tais propriedades que
trabalham os empregados das Consulentes, em atividades ligadas à produção
agrícola ou em atividades vinculadas à produção industrial de açúcar e
álcool.
4 - Trata-se, assim, de empregados com as mais variadas funções, indo desde
os mais modestos trabalhadores rurais até profissionais especializados,
como digitadores, motoristas e mecânicos de manutenção, além daqueles com
qualificação superior, como administradores, agrônomos e médicos, entre
outros.
5 - São tais fatos que se deve ter sempre em mente, em conjunto com o
Direito a eles aplicável, para que se possam encontrar respostas adequadas
às indagações das Consulentes.
II - DO DIREITO
A) Da Disciplina Constitucional da Prescrição
6 - Conforme é do conhecimento de quantos atuam, sob as mais diversas
formas, na área das relações de trabalho, a prescrição do direito de
postular reparação judicial de eventuais violações de garantias de natureza
trabalhista, que era regulada pelo disposto nos arts. 11 da CLT e 10 da Lei
nº 5.889/73, passou, a partir de 05/10/88, data da promulgação da vigente
Carta Magna, a ser constitucionalmente disciplinada. Estabelece, de fato, o
inciso XXIX do art. 7º da Constituição que, entre os direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, figura a "ação, quanto a créditos
resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de:
a) cinco anos para o trabalhador urbano, até o limite de dois anos após a
extinção do contrato.
b) até dois anos após a extinção do contrato, para o trabalhador rural".
7 - Tal dispositivo é bastante claro, não implicando sua aplicação, por
isso mesmo, qualquer dificuldade maior, agora que já se tornou bastante
raro o surgimento de problemas de direito intertemporal, comuns no início
de sua vigência. Ou seja: a) o prazo prescricional é de cinco anos,
prolongando-se até dois anos após o rompimento do contrato, no caso de
postulação de direitos do empregados em geral, exceção feita aos rurais; e
b) no tocante à reclamação dos direitos destes últimos, tal prazo é de dois
anos, contados, sempre, a partir do rompimento do contrato. Devem ser
ressalvados, de qualquer modo, para as hipóteses de contratos anteriores a
05/10/88, os aludidos problemas de aplicação da norma constitucional no
tempo, cuja solução, no entanto, acha-se hoje sobremodo facilitada, em face
da dicção do Enunciado 308 da Sumula da Jurisprudência do Tribunal Superior
do Trabalho ("A norma constitucional que ampliou a prescrição da ação
trabalhista para 5 anos é de aplicação imediata, não atingindo pretensões
já alcançadas pela prescrição bienal, quando da promulgação da Constituição
de 1.988").
B) Do Conceito de Empregado Rural
8 - O art. 2º da Lei nº 5.889/73 dispõe, com bastante clareza, que
" Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio
rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a
dependência deste e mediante salário".
9 - Pois bem: a simples leitura desse conceito de empregado rural é
bastante para que se chegue, desde logo, a uma primeira e importante
conclusão, a de que, além dos elementos definidores da figura do empregado
celetista (personalidade física ou natural, pessoalidade, não
eventualidade, subordinação e onerosidade), tal conceito ainda incorpora
dois outros elementos específicos, quais sejam os da prestação de serviços
para EMPREGADOR RURAL e em PROPRIEDADE RURAL ou PRÉDIO RÚSTICO. E,
portanto, para que se possa falar em "empregado rural ", é necessária e
imprescindível, sem qualquer sombra de dúvida, a caracterização de todos
esses elementos, especialmente os dois últimos.
10 - À primeira vista, seria o caso, então, de analisá-los um a um, com o
fim de instrumentalizar a busca das respostas adequadas a que alude o item
"5", supra. Não faz sentido, no entanto, que se percam tempo e atenção,
aqui, com os elementos comuns aos conceitos legais de "empregado"
(celetista) e "empregado rural", quando o que se pretende é exatamente o
contrário, ou seja, é evidenciar as diferenças entre essas duas figuras.
11 - Isso faz, pois, com que as presentes ponderações se fixem nos dois
elementos específicos da definição legal de "empregado rural", a começar
pelo segundo deles, o da prestação de serviços em PRÉDIO RÚSTICO ou
PROPRIEDADE RURAL, cuja complexidade é menor. Qual o correto significado de
cada uma dessas expressões? Qual sua abrangência?
12 - A resposta a essas questões pode começar com elucidativas visitas às
lições de Pedro Paulo Teixeira Manus ("Inicialmente atente-se para o
sentido leigo atribuído à expressão prédio, em oposição ao conceito
jurídico. Diz-se prédio, comumente, à edificação com mais de dois
pavimentos, distinguindo-se de uma casa térrea, ou de um sobrado.
Tecnicamente, porém, a expressão prédio, que deriva do latim, significa
qualquer porção de terra ou de solo que pode ser objeto de propriedade de
alguém, onde exista, ou não, qualquer edificação. Assim, um terreno baldio,
como normalmente denominamos, é, juridicamente, um prédio. O conceito,
pois, de prédio rústico é propriedade, localizada no campo, ou na cidade,
mas cuja destinação é a atividade agrícola de qualquer tipo. Pode ser
considerado prédio rústico uma gleba de terra, situada na zona urbana, com
edificação ou não, que se destine à plantação. Tal fato não é incomum, pois
encontramos várias propriedades nos arredores de cidades grandes destinadas
ao cultivo de hortaliças ou de flores" - " Direito do Trabalho", Ed. Atlas,
São Paulo, 1993, pág.60, sem grifos no original), João Franzen de Lima
("... o prédio urbano ou rústico caracteriza-se pela destinação, pelo uso
ou não de misteres de natureza rústica. Não importa a situação topográfica
do prédio, porque o traço definidor entre o urbano e o rústico está no fim
a que ele se destina, dentro ou fora do perímetro urbano. O prédio rústico,
portanto, é aquele que se destina às atividades rurais, isto é, às
atividades agrícolas ou de criação, inclusive as de flores, frutas,
hortaliças ou legumes, mesmo que esteja dentro dos limites das cidades,
vilas ou povoações" - "Curso de Direito Civil Brasileiro - Dos Contratos",
Ed. Revista Forense, Rio de Janeiro, 1958, pág. 545, sem grifos no
original) e Wahington de Barros Monteiro, para quem a "conceituação de
prédio rústico e de prédio urbano decorre de sua destinação; a respectiva
localização é secundária; a nota qualificativa é dada primacialmente por
aquela destinação" ("Curso de Direito Civil - Direito das Obrigações", 2º
vol., Ed. Saraiva, São Paulo, 2ª ed., 1.959, pág. 174, sem grifos no
original).
13 - É evidente, portanto, que prevaleceu, quanto a isso, no Direito
brasileiro, entendimento diverso do preconizado por Clóvis Beviláqua, na
linha de noção anterior à promulgação do Código Civil, segundo a qual
seriam "rústicos" os prédios localizados fora dos limites das vilas ou
cidades, merecendo a designação de "urbanos" aqueles situados dentro de
tais limites. Realmente: muito mais lógico e racional que essa velha noção,
o entendimento prevalecente e que foi acima posto em realce leva em conta,
como critério diferenciador, a destinação do prédio, ou, na expressão bem
específica de Orlando Gomes, sua "destinação ECONÔMICA" ("Contratos", Ed.
Forense, Rio de Janeiro, 2ª ed., 1.966, pág. 268). Em regra, portanto, para
se poder afirmar que determinado prédio é urbano ou rústico, pouco importa
que se aponte sua localização, que se saiba se está situado em área urbana
ou rural, sendo fundamental, isso sim, que se conheça sua DESTINAÇÃO
ECONÔMICA. Esse o critério diferenciador essencial. E, assim, determinado
prédio será classificado como rústico, mesmo situando-se dentro de
perímetro urbano, se sua destinação econômica for uma atividade agrária
qualquer, do mesmo modo que outro se classificará como urbano, não obstante
situado no campo, se sua destinação econômica for uma atividade comercial
ou industrial.
14 - Por propriedade rural, de outra parte, há de entender-se, sem maiores
dificuldades, propriedade localizada fora do perímetro urbano, vale dizer,
propriedade situada no campo, que tenha por destinação econômica uma
ATIVIDADE AGRÁRIA qualquer. Isso quer dizer que, mesmo se estiver
localizada no campo, fora do perímetro urbano, não será rural a propriedade
cuja destinação econômica não se possa qualificar como agrária. Seriam os
casos, por exemplo, de uma chácara de lazer ou da área de um posto de venda
de combustíveis, à margem de uma rodovia.
15 - Mas o legislador, então, foi redundante, repetiu-se
desnecessariamente, ao usar, no texto supratranscrito, as expressões
"propriedade rural ou prédio rústico"? Não foi não, eis que, embora possa
parecer, à primeira vista, que essas expressões possuem o mesmo significado
ou encerram uma mesma idéia, isso não corresponde à realidade. Com efeito:
se dissesse, apenas e tão somente, que empregado rural é a pessoa física
que presta serviços em pro-priedade rural, estaria o legislador excluindo
de seu conceito todos quantos executam tarefas de natureza agrária em
propriedades situadas em áreas urbanas. Daí o uso alternativo da expressão
"prédio rústico", que deve obrigatoriamente ser entendida, no contexto em
que foi empregada, como significando "prédio rústico situado em área
urbana", em contraposição à "propriedade rural", localizada sempre fora da
área urbana.
16 - Para a caracterização da figura legal do "empregado rural" não basta,
no entanto, a prestação de serviços em "propriedade rural ou prédio
rústico", exigindo-se, também, que tais serviços sejam prestados a
"empregador RURAL". E o conceito de "empregador rural", para tal fim, não
pode ser outro, que não o constante do art. 3º da Lei nº 5.889/73:
"Art. 3º - Considera-se empregador rural, para os efeitos desta Lei, a
pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que explore atividade agro-
econômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de
prepostos e com auxílio de empregados.
§1º - Inclui-se na atividade econômica, referida no caput deste artigo, a
exploração industrial em estabelecimento agrário não compreendido na
Consolidação das Leis do Trabalho"
17 - Trata-se, como resulta óbvio de simples leitura, de noção nada
simples, que guarda vários pontos em comum com o conceito de "empregador"
urbano (celetista), mas que deste se diferencia em outros aspectos
importantíssimos, os quais lhe conferem, por assim dizer, a identidade
própria. E, entre tais aspectos diferenciadores, há um dos elementos
peculiares ao conceito de "empregador rural" que merece especial destaque,
qual seja o da exploração de "atividade AGRO-ECONÔMICA", pois sua análise é
essencial à compreensão das considerações que estão sendo aqui
desenvolvidas.
18 - Pois bem: como chega a ser intuitivo, por "atividade agro-econômica"
há de entender-se, sem maiores dificuldades, qualquer atividade econômica
de NATUREZA AGRÁRIA, como pecuária, avicultura, agricultura, extração de
produtos naturais, reflorestamento etc. Acontece, no entanto, que o
legislador, conforme se verifica do texto do §1º do art. 3º da Lei nº
5.889/73, acima transcrito, também considerou como atividade agro-econômica
a "EXPLORAÇÃO INDUSTRIAL EM ESBELECIMENTO AGRÁRIO não compreendido na
Consolidação das Leis do Trabalho", introduzindo, com isso, um complicador
que demanda um pouco mais de atenção.
19 - Talvez haja sido essa, aliás, a razão que levou o Poder Executivo,
quando da regulamentação de tal lei, através do Decreto nº 73.626/74, a
conceituar e exemplificar "exploração industrial em estabelecimento
agrário", nos seguintes termos:
" Art. 2º . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
§ 3º - Inclui-se na atividade econômica, referida no caput deste artigo, a
exploração industrial em estabelecimento agrário.
§ 4º - Consideram-se como exploração industrial em estabelecimento agrário,
para os fins do parágrafo anterior, as atividades que compreendem o
primeiro tratamento dos produtos agrários in natura sem transformá-los em
sua natureza, tais como:
I - o beneficiamento, a primeira modificação e o preparo dos produtos
agropecuários e hortigrangeiros e das matérias-primas de origem animal ou
vegetal para posterior venda ou industrialização.
II - o aproveitamento dos subprodutos oriundos das operações de preparo e
modificação dos produtos in natura, referidas no item anterior.
§ 5º - Para os fins previstos no §3º, não será considerada indústria rural
aquela que, operando a primeira transformação do produto agrário, altere
sua natureza, retirando-lhe a condição de matéria-prima."
20 - Do ponto de vista oficial, portanto, só se considera exploração
industrial em estabelecimento agrário o PRIMEIRO TRATAMENTO dos produtos
agrários "in natura", SEM TRANSFORMÁ-LOS em sua natureza, vale dizer, SEM
ELIMINAR SUA CONDIÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA. Desse modo, se houver transformação
e se, conseqüentemente, se tal condição deixar de existir, não mais se
poderá cogitar de exploração industrial em estabelecimento agrário, mas,
sim, de exploração industrial pura e simples.
21 - E é nesse mesmo sentido, por outro lado, que se orienta a doutrina,
consoante pode constatar-se do magistério de Dirceu Galdino e Aparecido
Domingos Errerias Lopes ("...são consideradas como exploração industrial em
estabelecimento agrário as atividades que compreendem o primeiro tratamento
dos produtos agrários in natura, sem transformá-los em sua natureza. Isto
porque a transformação do produto é atividade tipicamente industrial...
Observa-se, porém, que ocorrendo a primeira transformação do produto
agrário, alterando a sua natureza e retirando-lhe a condição de matéria-
prima, já se enquadra como atividade industrial, excluída da Lei nº
5.889/73... Uma indústria é uma indústria, em qualquer local que
esteja..... Tanto faz uma indústria situar-se na zona rural quanto no
perímetro urbano, é sempre indústria"("Manual do Direito do Trabalho
Rural", Ed. LTr, São Paulo, 3ª ed., 1995, pág.31, sem grifos no original),
bem como dos ensinamentos de Aurélio Pires ("Aspectos Teóricos e Práticos
sobre Trabalho Rural", Ed. LTr, São Paulo, 4ª ed., 1989, págs. 33/34) e
Carlos Eduardo Oliveira Dias ("O Empregador Rural", em "Direito do Trabalho
Rural - Estudos em Homenagem a Irany Ferrari", Ed. LTr, São Paulo, 1.998,
págs.51/52).
22 - A partir dos critérios objetivos acima postos, resulta possível,
portanto, em cada caso concreto, com boa margem de segurança, classificar
uma empresa situada no campo, como sendo rural ou industrial. Acontece,
todavia, que, na prática, os fatos não se verificam com a esquemática
simplicidade que seria desejável e, no mais das vezes, convivem, num mesmo
empreendimento, atividades industriais e rurais. E, então, para que se
mantenha a margem de segurança acima referida, cumpre que se lance mão de
outras noções, além das já expostas.
23 - Com a habitual clareza e com a propriedade de sempre, Roberto Barretto
Prado aborda essa questão e aponta o caminho a seguir: "Nada impede que uma
sociedade, ou mesmo uma só pessoa física, possua uma ou mais empresas. Para
os efeitos trabalhistas, empresa vem a ser a organização de trabalho,
destinada à produção de riquezas ou utilidades... Exercendo o empregador,
concomitantemente, atividades agrícolas e industriais, com organização
trabalho distintas, dúvidas não há de que se trata de duas empresas
autônomas, reguladas pelos respectivos estatutos trabalhistas... Havendo
possibilidade de se separar os dois setores, deverá o intérprete, na medida
possível, aplicar as normas legais correspondentes ... Pode haver
sociedades de duplo ou até triplo objeto. Uma só pessoa, física ou
jurídica, pode dedicar-se a explorações de natureza agrícola, industrial e
até comercial. Essa situação ocorre na prática. Como resolver esses casos?
Seriam rurícolas seus empregados? Em casos tais certamente haverá
departamentos mais ou menos autônomos: agrícola, industrial e comercial. Os
respectivos empregados serão considerados como rurais, industriários ou
comerciários. Essa solução, que tem apoio na lei, decorre do bom-senso e
resulta da realidade das coisas. Sujeitam-se os empregados às normas
específicas às atividades que exercem" ("Comentários à Nova Lei do Trabalho
Rural", Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1975, págs. 40/42, sem grifos
no original).
24 - Tal caminho também é indicado por Carlos Eduardo Oliveira Dias (obra
citada, págs. 50/54) e Dirceu Galdino e Aparecido Domingos Errerias Lopes
(obra citada, pág.31), além de, acima de tudo, ser majoritariamente seguido
pela jurisprudência, inclusive a do Tribunal Superior do Trabalho, conforme
demonstram os arestos abaixo transcritos:
"Enquadramento Sindical. É trabalhador rural todo aquele que preste
serviços NO CAMPO a empresa agroindustrial" (Proc. TST/RR 149.835/94, Ac.
4.086/95, Rel. Min. Valdir Righeto, sem grifos no original).
"O empregado que presta serviços NO CAMPO de usina de açúcar é considerado
rural, sendo, portanto, a ele aplicada a prescrição disciplinada no art. 10
da Lei 5.889/73" (Proc. TST/RR 150.910/94, Ac. 5.538/95, Rel. Min. Hylo
Gurgel, sem grifos no original)
"Os trabalhadores DO CAMPO, que prestam serviços a empresa agroindustrial,
são rurícolas, sendo-lhes aplicável a regra no artigo dez da lei cinco mil
oitocentos e oitenta e nove de setenta e três" (Proc. TST/RR 155.809/95,
Ac. 3.499/95, Rel. Min. Euclides Alcides da Rocha, sem grifos no original).
25 - Em suma: quando o empregador, em propriedade localizada fora do
perímetro urbano, desenvolve atividades agrárias e atividades industriais,
deverá ser havido como empregador rural, com relação aos empregados que
prestarem serviços no setor ou vinculados à primeira dessa atividades, bem
como terá de ser considerado empregador urbano (celetista), com respeito
aos empregados que prestarem serviços no setor industrial.
26 - Desvendados, dessarte, os aspectos mais específicos e característicos
do conceito legal de empregado rural, torna-se possível passar, já agora,
com bastante segurança, a responder às indagações das Consulentes.
III - DAS QUESTÕES FORMULADAS PELAS CONSULENTES
27 - Saliente-se, desde logo, que, evidentemente, diante de tudo quanto foi
acima esclarecido, com respeito à legislação pertinente, as instalações
industriais da primeira Consulente, destinadas à produção de açúcar e
álcool, NÃO PODEM, EM HIPÓTESE ALGUMA, SER CONSIDERADAS COMO PROPRIEDADES
RURAIS OU PRÉDIOS RÚSTICOS, do mesmo modo que suas atividades de produção
daqueles bens (açúcar e álcool) JAMAIS PODERÃO SER CLASSIFICADAS COMO
EXPLORAÇÃO INDUSTRIAL EM ESTABELECIMENTO AGRÁRIO, constituindo, isso sim,
EXPLORAÇÃO INDUSTRIAL PURA E SIMPLES, por isso que são concretizadas, sem
qualquer sombra de dúvida, mediante CLARA E INEQUÍVOCA TRANSFORMAÇÃO DA
NATUREZA DA CANA-DE AÇÚCAR, à qual RETIRAM A CONDIÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA.
28 - Há de ficar dito, contudo, que as terras de propriedade das
Consulentes, onde é plantada a cana-de-açúcar a ser utilizada RAM A
CONDIÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA.
28 - Há de ficar dito, contudo, que as terras de propriedade das
Consulentes, onde é plantada a cana-de-açúcar a ser utilizada como matéria-
prima de sua produção industrial, CONSTITUEM, MANIFESTAMENTE, PROPRIEDADES
RURAIS, no sentido técnico-jurídico da expressão, bem como que as
atividades de plantio, cultivo e colheita ali levadas a efeito DEVEM SER
CLASSIFICADAS, INEGAVELMENTE, COMO ATIVIDADES AGRO-ECONÔMICAS.
29 - Pois bem: a partir das premissas desse modo firmemente colocadas, fica
óbvio que SÃO INDUSTRIÁRIOS e, como tais, EMPREGADOS CELETISTAS, os
trabalhadores que prestam serviços às Consulentes, em qualquer função, no
âmbito das INSTALAÇÕES INDUSTRIAIS DESTINADAS À PRODUÇÃO DE AÇÚCAR E
ÁLCOOL, assim como aqueles que lhes prestam serviços fora dessas
instalações, mas em FUNÇÕES VINCULADAS A TAL PRODUÇÃO, exceto as de
natureza agrária.
30 - E, de outra parte, óbvio também fica o fato de SEREM RURAIS os
trabalhadores vinculados às Consulentes, que prestam serviços nas
atividades de PLANTIO, CULTIVO E COLHEITA DA CANA-DE-AÇÚCAR destinada às
suas instalações industriais.
31 - Só resta, já agora, ressalvar os casos de trabalhadores cujas funções
os coloquem como integrantes de CATEGORIAS DIFERENCIADAS, os quais, como é
curial, não poderão jamais ser classificados como industriários ou rurais,
mas, sim, como PERTENCENTES ÀQUELAS CATEGORIAS (cf. Ubiacy Torres Cuóco,
"Enquadramento Sindical no Direito Brasileiro", Ed. LTr, São Paulo, 1984,
pág.57). Exemplificativamente, estão nesse caso, entre outros, os
condutores de veículos rodoviários (motoristas), os profissionais de
enfermagem, as secretárias, os técnicos de segurança de trabalho e os
trabalhadores na movimentação de mercadorias em geral.
IV - CONCLUSÃO
32 - Nessa conformidade, são as seguintes as respostas que devo dar às
indagações formuladas pelas Consulentes:
A) Não! Tais normas absolutamente não devem ser aplicadas em relação aos
direitos trabalhistas de todos os seus empregados, devendo incidir, tão
somente, com referência àqueles que se amoldem ao conceito legal de
empregado rural.
B) Salvo se prestarem serviços no campo, em atividade diretamente ligada à
produção de cana-de-açucar, empregados como os exemplificativamente
apontados classificam-se como industriários ou integrantes de categorias
diferenciadas, devendo a prescrição de seus direitos trabalhistas reger-se
pelo disposto na alínea "a" do inciso XXIX do art. 7º da Constituição da
República.
33 - Este é o meu parecer, s.m.j.
(*) - Adilson Bassalho Pereira é Advogado, Consultor Trabalhista , Ex-Juiz
do TRT da 15ª Região, Mestre em Direito do Trabalho e Doutor em Direito
pela Universidade de São Paulo, Membro da Academia Nacional de Direito do
Trabalho e Membro do Instituto de Direito Social "Cesarino Jr."
Consultor: Adilson Bassalho Pereira (*)
Atualizado em: 10/10/2002