Transcript
O Contrato de Trabalho e os Contratos Afins - parte II
Imprimir o texto completo
Comentários "
por Rita de Cassia Tenório Mendonça
(12/11/2003) " "Continuando nosso estudo, a respeito das
peculiaridades do contrato de trabalho, vamos agora apontar suas principais
diferenças com relação aos demais contratos afins, como forma de fixar suas
principais características e entendermos o porquê de o mesmo ter se
distanciado dos outros tipos contratuais.
1.0. Interesse da distinção:
O trabalho humano pode ser objeto de convenções diversas, vigorando um
regime jurídico muito singular em relação a uma dessas convenções, que é o
contrato de trabalho.
É de maior interesse prático distingui-lo dos demais tipos contratuais.
A caracterização do contrato de trabalho, propriamente dito, por meio do
vínculo de subordinação jurídica ou hierárquica é suficiente para evitar a
confusão entre o contrato de trabalho stricto sensu e aqueles outros que
também tem como objeto a atividade do homem. Mas nem por isso deixa de ter
interesse o confronto entre tais convenções de Direito Civil e o contrato
regulado pelo Direito do Trabalho (em sentido estrito).
Não é raro, o ajuizamento de ações na Justiça do Trabalho, onde a matéria é
processualmente discutida. Normalmente, o empregado tenta provar a relação
de emprego, enquanto o suposto empregador tenta descaracterizá-la (buscando
o enquadrando da relação nas lides de direito comum e deslocando a
competência para a Justiça Comum Estadual).
2.0. Distinção entre contrato de trabalho e empreitada:
Não obstante terem como objeto comum o trabalho humano, estes dois tipos
contratuais não se confundem.
A empreitada é o contrato que mais se aproxima do contrato de trabalho.
Os critérios utilizados para distingui-lo são:
a) critério do modo da remuneração - na empreitada, a remuneração do
trabalhador é fixada conforme o valor da obra produzida pelo empreiteiro. O
pagamento é feito por obra feita, ou unidade de obra, ou peça, não se
levando em conta o tempo gasto. No contrato de trabalho a remuneração do
trabalhador é proporcional ao tempo de trabalho (horista, semanalista,
diarista, mensalista). A maneira como é paga a remuneração não tem
influência na caracterização, podendo o autêntico empregado tanto receber o
salário por unidade de obra, como por unidade de tempo, como é mais normal.
A crítica a esse critério é que o modo de remuneração é elemento acessório,
e não principal, a todos os contratos;
b) critério do fim do contrato - na empreitada, os contratantes celebram o
ajuste visando o resultado do trabalho, como obra pronta. No contrato de
trabalho, o ajuste tem por fim prestação de trabalho determinada somente
pelo gênero. Nesse caso, a crítica é que a individuação da prestação é
insuficiente, vez que não é elemento essencial na caracterização da
natureza do contrato;
c) critério da profissionalidade do empregador - de todos, é o mais
impreciso. A distinção se basearia na profissionalidade daquele que paga o
trabalho. Se é empregador profissional, o contrato será de trabalho,
independente do fim do contrato ou do modo de remuneração. Crítica: o
vínculo doméstico e outros promovidos por pessoas físicas, que não
desenvolvem atividade econômica, também constituem contrato de trabalho;
d) critério do vínculo da subordinação (elemento essencial específico do
contrato de trabalho, não encontrado nos demais) - toda vez que ele se
manifesta em uma relação jurídica de atividade, o contrato que o informa é,
inquestionavelmente, de trabalho. O que importa é a posição jurídica do
devedor do trabalho em face do credor. Na empreitada a execução do trabalho
não é dirigida nem continuamente fiscalizada pela pessoa que vai remunerá-
lo. Na relação de emprego, sim.
Ainda no que respeita ao elemento subordinação, o empregado põe sua força
de trabalho à disposição do empregador, bem como toda a sua habilidade (o
credor tem a liberdade de dirigi-la, como lhe aprouver, nos limites do
contrato e da lei). O estado de subordinação retira quase toda sua
iniciativa, ficando o empregado na obrigação de aceitar as ordens do credor
da atividade, desde que legítimas.
Na empreitada, o prestador do trabalho (empreiteiro) é simplesmente
obrigado a fornecer a obra acabada e, em princípio, o dono da obra não tem
o direito de lhe dirigir ordens acerca do modo de execução dos serviços,
que ficam a seu critério.
O risco da atividade econômica, na empreitada, grava a atividade do
trabalhador autônomo, que lhe suporta, enquanto que na relação de emprego,
incide sobre o empregador, que é quem deve suportar o risco do negócio.
3.0. Distinção entre contrato de trabalho e mandato:
Apesar de possuírem características inconfundíveis, a possibilidade de
coexistência dos dois contratos, vinculando simultaneamente a mesma pessoa,
dificulta, não raro, a identificação da relação jurídica no seu aspecto
predominante. Vários critérios tem sido sugeridos para estabelecê-la:
a) critério da gratuidade - existência ou não da remuneração do trabalho
prestado. O mandato é um contrato gratuito. O contrato de trabalho é
essencialmente oneroso. Tal critério é insuficiente, uma vez que o mandato,
em regra, é gratuito, mas pode ser oneroso, sem deixar de ser mandato. Em
suma, a gratuidade não é de sua essência. Dizer que o contrato é gratuito,
atualmente, é contrariar sua realidade;
b) critério da natureza da atividade - o mandatário realizaria Aatos
jurídicos@, enquanto o empregado Aatos materiais@. O objeto do mandato
seria sempre a obtenção de um resultado jurídico ou a criação de um direito
para o mandante. A crítica a esse critério de distinção é que ele não
satisfaz, visto que o objeto do mandato tanto pode consistir na prática de
atos jurídicos, como no desempenho de atos materiais (a prática de atos
jurídicos pressupõe atos materiais);
c) critério da representação - o mandatário é sempre um representante. Se
alguém age representando outrem, será considerado mandatário (independente
da atividade ser remunerada). A representação pode ser direta (própria) ou
indireta (de interesse). Na primeira, a vontade é declarada por outrem
(representante), mas as conseqüências jurídicas do negócio recaem sobre o
representado. Neste caso, a representação é essencial à caracterização do
mandato. A segunda é a realizada em nome próprio, mas no interesse de
outrem. A ação do representante é um dos meios de cooperação jurídica.
Supõe atuação em nome próprio para gestão de interesses alheios. Mediante
uma representação indireta o empregado pode ser, igualmente, representante
do empregador. Coexistem, assim, os dois contratos. Ex: agentes de comércio
(representantes comerciais);
d) critério do grau de subordinação - não oferece elementos de absoluta
precisão para fazer a distinção, mas é a esse critério que recorre,
normalmente, a doutrina e a jurisprudência. Nas duas situações, cria-se
para quem trabalha, vínculos de subordinação jurídica, perante quem
remunera o serviço. O estado de subordinação jurídica é mais pronunciado no
contrato de trabalho. O mandatário goza de maior independência na
realização de sua função. A diferença seria somente de grau: mais forte no
empregado e mais branda no procurador ou mandatário. Os representantes que
trabalham exclusivamente, com continuidade, ou de modo predominante para
uma só firma, e que são obrigados a se conformar com as instruções da norma
e lhe fazer regularmente um relatório, por exemplo, são considerados
empregados. Todavia, não serão quando houver representação simultânea de
vários estabelecimentos, sem vínculo de subordinação e com liberdade para
questionar e modificar as normas e instruções pré-estabelecidas.
4.0. Distinção entre contrato de trabalho e de sociedade:
Muito embora ocorram certas semelhanças, notadamente no que respeita ao
contrato de sociedade de capital e indústria, não é possível confundi-los.
Alguns autores procuram demonstrar a natureza jurídica do contrato de
trabalho recorrendo ao contrato de sociedade, valorizando a colaboração
existente entre empregado e empregador, para atingir determinada
finalidade(vínculo de associação). É possível vislumbrarmos aí algum tipo
de associação, mas não podem as partes na relação de emprego serem
consideradas sócias na acepção técnica do termo, eis que no contrato de
sociedade há trabalho comum e no contrato de emprego há troca de
prestações.
Os dois contratos distinguem-se nitidamente:
a) caráter fixo do salário - não descaracteriza a relação de emprego
participar nos lucros, receber comissões, gratificações ajustadas, prêmios
de produção etc. Do mesmo modo, os sócios podem participar de um pro labore
fixo e nem por isso passam à condição de empregado;
b) Afecctio societatis - elemento característico do contrato de sociedade,
do qual se conclui que os sócios compartilham dos lucros, das perdas e dos
riscos da atividade econômica, o que não ocorre quando o contrato é de
trabalho stricto sensu;
c) subordinação do empregado - específico do contrato de trabalho, este é
um traço distintivo bastante nítido e específico. Na sociedade, inexiste
dependência de um sócio em relação ao outro, todos tendo iguais direitos.
No contrato de trabalho, o empregado está sujeito à direção do empregador.
5.0. Distinção entre contrato de trabalho e parceria rural:
A natureza jurídica da parceria é a relação de estrutura francamente
associativa.
O parceiro-cessionário obriga-se a trabalhar, a exercer uma atividade
produtiva, mas não é empregado, pois não é trabalhador subordinado e nem
percebe remuneração fixa. Participa dos lucros e riscos do negócio,
explorando o prédio rústico sem intervenção do cedente, que não possui o
poder hierárquico inerente ao empregador.
O parceiro-cessionário que trabalha diretamente no cultivo da terra ou no
pastoreio de animais, só possuindo sua força de trabalho, sem capital, sem
máquinas, sem terra e sem qualquer possibilidade de subsistência, em geral
também não tem autonomia para decidir como e quando cultivar devendo, nesse
caso, ser considerado trabalhador subordinado.
É interessante o manejo da Lei n1 5.889, de 08/07/73, que trata do trabalho
rural, para melhor entendimento das particularidades dessa relação.
6.0. Distinção entre contrato de trabalho e representação comercial:
O que diferencia estes dois institutos é a forma de remuneração. O
pagamento por comissões é próprio dos representantes comerciais os quais,
conforme as circunstâncias, podem ser empregados ou não.
Há empregados cujo modo de retribuição é ajustado sob a forma de comissões.
No entanto, a lei garante o pagamento de salário nunca inferior ao mínimo
legal, para as ocasiões em que suas comissões não superem este patamar
(art. 7º, VII, da CF).
Para que se configure a representação comercial é essencial que não haja
relação de emprego. O indivíduo tem que ter personalidade profissional
independente da personalidade da firma que representa.
Sugerimos a leitura da Lei n1 4.886, de 09/12/65, que trata dos
representantes comerciais autônomos.
Texto extraído de:
- Instituições do Direito do Trabalho, Délio Maranhão, 13ª ed., LTr, SP,
1993
- Curso de Direito do Trabalho, Amauri Mascaro do Nascimento, 11ª ed.,
Saraiva, SP, 1995
- Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, Valentim Carrion, 25ª
ed. Saraiva, SP, 2000
- CLT Comentada, Eduardo Gabriel Saad, 28ª ed., Ltr, SP, 1995
- Direito do Trabalho, Sérgio Pinto Martins, 5ª ed., Malheiros, SP, 1998.