Transcript
Conteúdos
Introdução
Datação Relativa
Princípio da Superposição de Camadas (Steno 1669)
Princípio das Relações de Corte (Hutton 1792)
Princípio dos Fragmentos Inclusos (Hutton 1792)
Discordâncias (Hutton 1792)
Princípio da Sucessão Faunística (Smith 1793)
Correlação
Continuidade física
Características litológicas distintivas
Posição estratigráfica
Métodos biológicos
Datação Absoluta
Introdução
Princípios da datação absoluta – métodos radioamétricos
Métodos de datação radiométricos aplicados em geologia.
Outros Métodos de Datação Absoluta
Idade da Terra
A escala do tempo - A vastidão do Tempo Geológico!
Bibliografia recomendada
Introdução
O tempo é uma grandeza fundamental da Física, assim como a massa e a
distância (o Sistema Internacional define o segundo como unidade de tempo,
o kg como unidade de massa e o metro como unidade de distância). É
necessário quantificar o tempo para definir o que são processos e mudanças
e para que relações de antes e depois possam ser estabelecidas.
Uma vez que as rochas são registros de processos geológicos é
possível determinar processos que ocorreram no passado através do estudo
dessas rochas e, assim, entender como era o nosso planeta em tempos
anteriores ao surgimento das formas de vida complexa. Diferentes ramos da
geologia estudam os processos e respectivos registros geológicos. Por
exemplo: a petrologia analisa as rochas e os processos formadores de rocha,
a geologia estrutural estuda as estruturas deformacionais e os mecanismos
de deformação das rochas, e a paleontologia investiga os fósseis e a
evolução da vida. Entretanto, o entendimento da evolução da Terra e do
significado de cada um dos processos geológicos nessa evolução só é
possível após o estabelecimento das relações temporais entre os registros
geológicos. Definir métodos para estabelecer estas relações é, portanto,
fundamental na geologia e um dos principais objetivos de todos os geológos,
independentemente de sua especialidade.
A Estratigrafia é o ramo das ciências geológicas que investiga a
distribuição temporal do registro geológico. De modo geral a estratigrafia
dedica-se principalmente ao estudo das rochas estratificadas, i.e.
sedimentares. Mas, porque o estudo das rochas enquanto registro do tempo
geológico teve início nesse tipo de rocha, a estratigrafia também estuda os
diversos métodos datação dos eventos geológicos (neste caso não se
restringindo às rochas sedimentares). Além disso, a estratigrafia também é
responsável pela normatização da nomenclatura utilizada para designar
grupos de rochas.
Tratando-se de relações temporais duas abordagens podem ser adotadas.
Por um lado, pode-se determinar uma sucessão temporal de eventos, sem que
se saiba exatamente quando e quanto tempo esses evento levaram para
acontecer, estabelecendo assim uma datação relativa de eventos. Outra
alternativa é determinar quando os eventos aconteceram através da obtenção
de uma idade absoluta. De modo geral o geólogo trabalha com as duas formas
de abordagem do tempo de forma complementar.
O desenvolvimento dos métodos de datação, entretanto, só foi possível
após o entendimento da escala de tempo envolvida nos processos geológico
era imensamente diferente da escala humana. O debate acerca da escala do
tempo geológico e o desenvolvimento de uma concepção de tempo profundo
(longo) perdurou aproximadamente um século, iniciando-se com a formulação
da Teoria do Uniformitarismo por James Hutton em 1792. Até então, a noção
de tempo dominante era aquela dada pelo estudo criterioso da Bíblia e de
outros textos sagrados que estimavam que a Terra teria sido criada em 26 de
outubro do ano 4004ac, às nove horas da manhã. As principais teorias que
fundamentaram a Estratigrafia moderna foram as do Uniformitarismo, do
Catastrofismo e do Atualismo. Essas teorias serão discutidas mais adiante
após a apresentação dos métodos de datação relativa.
Datação Relativa
Os métodos de datação relativa foram os primeiros a serem
desenvolvidos, pois não dependiam de desenvolvimento tecnológico e sim do
entendimento de processos geológicos básicos e do registro desses
processos. Os princípos que permitem a datação relativa são bastante
simples e sua aplicação é quase sempre possível em campo quando mais de uma
rocha ocorre em um mesmo afloramento. A datação relativa permite
estabelecer a sucessão temporal das rochas de uma região, formando uma
coluna estratigráfica. As rochas são representadas em uma coluna
estratigráfica, de modo que as rochas mais antigas são colocadas na base e
as mais jovens no topo. Esta formalidade tem origem em um dos princípios
fundamentais da estratigrafia (o da Superposição Vertical das Camadas) que
veremos a seguir.
Princípio da Superposição de Camadas (Steno 1669)
Segundo este princípio em qualquer seqüência acamadada a rocha
(camada) mais jovem é aquela que se encontra no topo da seqüência. As
camadas inferiores são progressivamente mais antigas. Este princípio pode
ser utilizado em depósitos sedimentares formados por acresção vertical, mas
não naqueles a acresção é lateral (e.g. terraços fluviais). Outro contexto
que não permite a aplicação deste princípio é o de camadas deformadas
quando a deformação modifica a posição original das camadas. Neste último
caso, entretanto, será possível determinar a idade relativa dos estratos
caso a deformação não tenha sido muito intensa e ainda sejam reconhecidas
feições indicativas da posição relativa de topo-base e de fósseis-índices
nas camadas estudadas. O princípio da superposição das camadas é válido
para as rochas sedimentares e vulcânicas (basalto) que se formam por
agradação vertical de material, mas não pode ser aplicado a rochas
intrusivas e deve ser aplicado com cautela às rochas metamórficas.
Figura 1 – Foto do Grand Canyon com camadas horizontais em sua posição
original. As camadas mais antigas são aquelas localizadas na base da
seqüência.
Princípio das Relações de Corte (Hutton 1792)
Segundo o princípio das relações de corte uma rocha ígnea intrusiva
ou falha que corte uma seqüência de rochas é mais jovem que as rochas por
ela cortadas. Esse princípio permite a datação relativa de eventos em
rochas metamórficas, ígneas e sedimentares, sendo fundamental para o
trabalho em terrenos orogênicos jovens (cinturões orogênicos) e antigos
(escudos). Este princípio é válido para qualquer tipo de rocha cortada por
umas das feições acima relacionadas.
Princípio dos Fragmentos Inclusos (Hutton 1792)
Este princípio de datação relativa diz que os fragmentos de rochas
inclusas em corpos ígneos (intrusivos ou não) são mais antigos que as
rochas ígneas nas quais estão inclusos. Este princípio, juntamente com o
princípio das relações de corte, é fundamental em áreas formadas por
grandes corpos intrusivos permitindo a datação relativa não só de rochas
estratificadas, mas também de rochas ígneas e metamórficas (se estas
ocorrerem como fragmentos inclusos). Muito importante para a datação
relativa de terrenos pré-cambrianos. Válido para rochas ígneas e aplicável
também a conglomerados. Nas rochas ígneas e conglomerados metamorfizados
essa relação pode estar preservada, pemitindo estabelecer as relações
temporais entre as rochas originais (hospedeira e fragmento incluso) antes
do metamorfismo.
Discordâncias (Hutton 1792)
As discordâncias são superfícies de erosão ou não deposição, abaixo
das quais pode exitir qualquer tipo de rocha, mas acima das quais só podem
existir rochas sedimentares. Estas últimas são sempre mais jovens que as
rochas abaixo da discordância. Além de permitir a datação relativa de
rochas em um afloramento, a presença de uma discordância indica que houve
erosão de parte do registro geológico naquele local. Assim, as
discordâncias constituem uma prova indiscutível de que o registro geológico
não é completo.
Dependendo do tipo de rocha, da posição das estruturas sedimentares
abaixo da discordância e da geometria da superfície de discordância estas
podem ser classificadas em: (i) discordância paralela (paraconformidade);
(ii) discordância angular ou (iii) inconformidade ("litológica").
Figura 2 - Siccar Point. Discordância angular reconhecida por Hutton para
ilustrar o conceito proposto por ele.
Figura 3 – Esquema ilustrando vários principíos de datação relativa. O
granito corta as camadas da seqüência sedimentar localizada abaixo da
discordância angular e contém xenólitos dessa seqüência. Essas relações
indicam que as rochas sedimentares localizadas abaixo da discordância são
as mais antigas. Acima da discordância encontram-se as rochas sedimentares
mais jovens. Note que essas rochas contem clastos (pebbles) do granito.
Princípio da Sucessão Faunística (Smith 1793)
Antes de Charles Darwin começar sua viagem histórica com o Beagle
(1832), quando coletaria o material para escrever seu famoso livro "Origem
das Espécies", a existência de antigos sinais de vida nas rochas já era
conhecida. Embora os fósseis fossem reconhecidos desde a Grécia Antiga, por
muito tempo foram interpretados como "brincadeiras da natureza" até o
Resnacimento, quando Leonardo da Vinci as interpretou como formas de vidas
passadas. Willian Smith, um engenheiro britânico, foi o primeiro a
reconhecer que o conteúdo fossilífero de camadas, por vezes de mesmo tipo
de rocha, variava sistematicamente das mais antigas para as mais jovens. O
mesmo fato foi logo verificado em outras partes do mundo, e o Princípo da
Sucessão Faunística passou a ser aplicado à datação relativa e correlação
estratigráfica (ver abaixo) de rochas sedimentares.
O Princípio da Sucessão Faunística diz que os grupos de fósseis
(animal ou vegetal) ocorrem no registro geológico segundo uma ordem
determinada e invariável, de modo que, se esta ordem é conhecida, é
possível determinar a idade relativa entre camadas a partir de seu conteúdo
fossilífero. Ou seja, pode-se dizer que fóssil = tempo. Esse princípio,
inicialmente utilizado como um instrumento prático, foi posteriormente
explicado pela Teoria da Evolução de Darwin: uma vez que existe uma
evolução biológica irreversível através dos tempos geológicos, os fósseis
devem se ordenar no tempo segundo uma escala evolucionária. Diversos
períodos marcados por extinção de grande parte do conteúdo fossilífero são
conhecidos na história da Terra e levaram ao desevolvimento da Teoria do
Catastrofismo (Cuvier 1796).
Figura 4 - Ilustração de Cuvier exemplificando o Princípio da Sucessão
Faunística.
Conceitos fundamentais para aplicação dos fósseis na datação
Fóssil: todo e qualquer vestígio de atividade biológica registrada nas
rochas (e.g. conchas, ossos, buracos de vermes, etc).
Fóssil-índice: correponde a um organismo que viveu por um período de tempo
geologicamente curto, mas que ocupou um grande espaço geográfico.
Normalmente são animais marinhos, e.g. Grupo das Trilobitas (foto abaixo),
típico do Perído Cambriano (570-505 Ma).
Figura 5 – Foto de Trilobita. Fóssil-guia do Período Cambriano.
Associação Faunística. um conjunto de fósseis, que embora isoladamente não
tão restritos a um intervalo de tempo, em conjunto caracterizam um
intervalo de tempo específico.
Correlação
Em cada afloramento encontra-se apenas uma parte da história
geológica de uma região. Para se determinar a história completa de toda a
região e até do continente e da Terra é necessário "somar" os fragmentos da
história geológica de vários locais. Uma vez determinadas as idades
relativas entre as rochas de um afloramento, construindo assim uma coluna
estratigráfica local, tenta-se correlacionar essa coluna à de outros pontos
de modo a abranger um intervalo de tempo maior "empilhando" o registro
geológico de todos os afloramentos.
Correlacionar, no sentido estratigráfico da palavra é reconhecer
igualdade entre pacotes de rochas separados no espaço, tanto quanto ao
aspecto litológico quanto ao aspecto temporal. A correlação estratigráfica,
portanto, pode basear-se em características litológicas ou em relações
temporais das rochas. O objetivo da correlação é reconhecer pacotes de
rochas, pertencentes a um só corpo e desenvolvidas em um mesmo intervalo de
tempo, em condições similares, e que partilharam de uma história comum. Os
principais métodos de correlação estratigráfica são: o da continuidade
física, o das caracteríticas distintivas, o da posição estratigráfica e os
biológicos. Esses métodos são empregados principalmente no estudo de
unidades litoestratigráficas. Embora os três primeiros métodos também sejam
aplicáveis, de certa forma, às rochas intrusivas e metamórficas, o
principal método de correlação neste caso envolve datação radiométrica, que
será visto mais adiante.
Continuidade física
É o método de correlação que se baseia na existência de camadas cuja
continuidade pode ser observada. Este método, embora muito seguro é
limitado espacialmente e por condições ideais de afloramento (e.g. Grand
Canyon) tais como: vegetação esparsa, solos pouco desenvolvidos terreno com
ausência de pertubação estrutural.
Características litológicas distintivas
Considera as semelhanças litológicas entre corpos isolados tais como:
composição mineral, textura, estruturas primárias, espessura, etc. Dois
problemas devem ser considerados nessa metodologia:
a possibilidade de convergência litológica através dos
tempos. Isto porque os processos formadores de rochas repetem-se no
tempo, podendo gerar rochas semelhantes com idades muito distintas;
a existência de variação espacial nos ambientes
sedimentares, originando diferentes tipos de rochas no mesmo intervalo
de tempo. Neste caso, o trabalho de correlação requer o reconhecimento
das variações laterais existentes no campo para que a correlação possa
ser corretamente estabelecida.
Posição estratigráfica
É comum reconhecer-se em um afloramento mais de uma camada de uma
mesma rocha. Como correlacionar estas camadas a uma única camada, da mesma
litologia (ex. calcário) observada em outra região? Uma característica
importante a ser considerada é a posição relativa dessas camadas em relação
a outras rochas associadas espacialmente. Estão elas no topo da unidade
litoestratigráfica, ou na porção basal? Estão abaixo ou acima de uma
determinada camada facilmente reconhecida e correlacionável nos dois
locais? Neste caso o conceito de camada-guia é fundamental.
Camada-guia: é uma camada com características particulares e com grande
expressão regional o que permite reconhecê-la em diversas regiões
distantes. De grande auxílio para a correlação estratigráfica com base na
posição das demais camadas em relação a ela.
Métodos biológicos
Esses métodos baseiam-se essencialmente no Princípio da Sucessão
Faunística, descrito acima, que permite que camadas que afloram a longa
distância sejam correlacionadas por seu conteúdo fossilífero. O maior
problema na utilização de fósseis na correlação estratigráfica está na
possibilidade desses fósseis trascenderem, ainda que localizadamente, o
intervalo de tempo a que são normalmente atribuídos. Além disso, existe um
forte controle ecológico sobre o desenvolvimento das espécies animais e
vegetais (ex. ambiente lacustre x ambiente marinho), além do controle da
seleção natural. Assim, rochas de mesma idade podem apresentar associações
fossilíferas bem distintas.
Essencialmente a correlação estratigráfica com este método baseia-se
na presença de fósseis-índice e de associações fossilíferas.
Texto Complementar
DENOMINANDO AS ROCHAS FORMALMENTE - Normas da classificação estratigráfica
Além de estudar o registro do tempo, a estratigrafia é responsável
pela normatização da denominação das rochas. Para este fim são considerados
dois grandes grupos de rochas que obedecem diferentes normas de
denominação. As rochas formadas por acresção vertical, i.e. aquelas que
constituem camadas (rochas sedimentares e vulcânicas), constituem unidades
litoestratigráficas. As demais rochas (intrusivas e metamórficas) são
agrupadas em unidades litodêmicas. As rochas sedimentares metamorfizadas
que preservam suas relações estratigráficas podem também ser denominadas
como unidades litoestratigráficas. As principais normas para denominação de
cada tipo de unidade estão apresentadas abaixo.
Unidades Litoestratigráficas
As rochas sedimentares, vulcânicas e sedimentares metamorfizadas em
baixo grau são divididas nas seguintes unidades principais, de valor
hierárquico decrescente:
Supergrupo (associação de vários Grupos)
Grupo (duas ou mais Formações)
Formação
Membro (parte de uma formação)
A Formação é a unidade litoestratigráfica fundamental, composta por
uma camada ou um pacote de camadas de uma ou mais litologias, com bom grau
de homogeneidade litológica. Pode ser constituída por um único tipo de
litologia ou por uma repetição de dois ou mais tipos litológicos ou possuir
uma composição litológica heterogênea que defina por si mesma carater
distintivo das unidades litoestratigráficas adjacentes.
O nome de cada uma das unidades referidas é dado da seguinte forma:
Unidade Litoestratigráfica + Nome Geográfico
Onde o nome geográfico (toponímea) é um local de fácil localização,
onde a unidade foi descrita originalmente e no qual a mesma apresente suas
características mais distintivas. Ex: Formação Rio do Rasto, Formação
Botucatu, Grupo Bom Jardim, Formação Serra Geral.
Unidades Litodêmicas
Divisão com base em aspectos litológicos de rochas que não obedecem a
Lei de Sucessão Vertical de Camadas, i.e. rochas ígneas intrusivas e rochas
metamórficas. Esse tipo de nomenclatura no Brasil é utilizado
principalmente para estratigrafia do Pré-cambriano. As unidades devem ser
mapeáveis e devem mostrar contatos bem definidos com outras unidades.
As rochas ígneas intrusivas e as rochas metamórficas podem ser
divididas nas seguintes unidades:
Litodema ou Corpo - corresponde aproximadamente à Formação, mas
nesses caso a unidade corresponde a um único corpo de rocha ígnea intrusiva
ou metamórfica. O nome da unidade é dado considerando-se o tipo de rocha
juntamente com uma toponímea na qual a unidade esteja bem representada.
Exemplo: Anortosito Capivarita, Granito Santana.
Suíte - Corresponde aproximadamente a Grupo, sendo formada por 2 ou
mais litodemas de mesma espécie. Por exemplo pode-se ter uma Suíte composta
por rochas metamórficas ou por rochas ígneas intrusivas. O nome da unidade
é dado considerando-se o grau hierárquico, a natureza dos litodemas que a
compõem e uma toponímea na qual a unidade esteja bem representada. Exemplo:
Suíte Granítica Caçapava do Sul.
Complexo - Não tem equivalente de grau hierárquico. É composto por
litodemas de duas ou mais classes que não possam ser mapeadas
separadamente. Nesse caso o nome da unidade é dado considerando o grau
hieráquico + toponímea, similarmente as demais unidades. Exemplo: Complexo
Metamórfico Porongos
Datação Absoluta
Introdução
" Por volta de 1540 o arcebispo Ussher estabeleceu uma cronologia
"geológica", segundo a qual a Terra teria sido criada a 26 de outubro
do ano 4004ac, às nove horas da manhã!" (Allégre, 1987)
Embora já no século XIX existisse um conhecimento geral das colunas
estratigráficas da Inglaterra e França, não se sabia ao certo quanto tempo
estava envolvido na formação desses empilhamentos. Sabia-se, sim, que a
espessura dos "terrenos estratigráficos" refletia um determinado intervalo
de tempo. Com o acúmulo de dados verificou-se que havia terrenos que
apresentavam características similares. Portanto, estes terrenos podiam ser
correlacionados e, com base nos métodos de datação relativa, ser
empilhados, formando uma coluna estratigráfica geral: a Escala Geológica do
Tempo. Com o passar do tempo (humano) começou a fazer-se sentir a
necessidade de calibrar a escala geológica em unidade de tempo. Para isso
era necessário desenvolver métodos de datação absoluta.
Os primeiros métodos de datação baseavam-se na observação de
processos geológicos e suas taxas. Assim, através do registro geológico
seria possível estimar o tempo envolvido na formação de um determinado
volume de rochas. Seguindo um método desse tipo Charles Darwin afirmou que
seriam precisos 300 Ma para escavar o vale de Wealden, SE da Inglaterra. Já
J. Joly calculou a "idade dos oceanos", comparando a salinidade dos oceanos
com a quantidade de sais trazida pelos rios e afluentes, obteve uma idade
de quase 100 Ma para o mesmo e para a Terra. Lord Kelvin, defensor da
cronologia curta, amparado em cálculos de resfriamento da Terra, estimou da
mesma forma idades inferiores a 100 Ma.
Em contrapartida, geólogos como Hutton e Lyell defendiam que o tempo
geológico era profundo, muito superior ao que a humanidade era capaz de
compreender. Essa idéia está bem expressa nas afirmações de Hutton de 1788
(Gould 1987):
"O tempo, que é a medida de todas as coisas em nossa idéia e costuma
ser deficiente para nossos projetos, é infindo na natureza e como que
nulo."
" Se a sucessão de mundos está determinada no sistema da natureza, é
vão buscar algo superior na origem da Terra. O resultado, portanto, da
nossa investigação é que não encontramos nenhum vestígio de um
princípio - nenhuma perspectiva de um fim."
Essas duas idéias de uma cronologia relativamente curta (100 Ma) e de
uma cronologia extremamente longa, tanto que não tinha nem princípio nem
fim, deu origem a duas correntes do pensamento geológico que dominaram por
muito tempo: o catastrofismo (Seta do Tempo Curta) e do Uniformitarismo
(Ciclo do Tempo Longo).
A progressão do conhecimento sobre os processos geológicos
(salinidade do mar constante, produção de calor por decaimento radioativo)
e o surgimento de novas tecnologias (métodos de datação radiométricos)
mostraram que Hutton tinha razão, ao menos com que diz respeito à dimensão
do tempo geológico (c.a. 4,6 Ga). A Teoria do Uniformitarismo, entretanto,
não é plenamente correta: o tempo geológico é longo sim, mas não é infinito
ou cíclico, e a história do planeta foi marcada por diversos eventos
catastróficos. A nossa Terra teve um começo e um dia terá um fim. Mas a
idéia principal da Teoria do Uniformitarismo, de que apenas processos que
podemos entender e observar são considerados para interpretar o registro
geológico (Atualismo) continua sendo um dos princípios fundamentais da
geologia.
Princípios da datação absoluta – métodos radioamétricos
O descobrimento da radioatividade em 1896 por Becquerel tornou-se o
principal instrumento na comprovação do tempo geológico longo. Os métodos
de datação radiométrica, entretanto, só foram completamente desenvolvidos e
amplamente aplicados a partir dos anos 50, quando a radioatividade se
tornou mais completamente entendida e os equipamentos necessários (i.e.
espectrometro de massa) para a sua aplicação na datação fossem
desenvolvidos.
Figura 6 – Equipamentos como o espectrômetro de massa do Laboratório de
Geologia Isotópica da UFRGS podem medir concentrações muito pequenas dos
isótopos radioativos e radiogênicos contidos nos minerais e rochas.
Os métodos de datação radiométrica baseiam-se no fato de que o
decaimento de cada tipo de átomo ocorre em proporções constantes, segundo
taxas exponenciais, que não são afetadas por agentes físicos ou químicos
externos. A velocidade de decaimento depende apenas da estabilidade dos
núcleos radioativos e é constante para cada tipo de isótopo radioativo. A
equação que rege o decaimento é a seguinte:
onde N é o número atual de núcleos radioativos, No o número original, ( a
taxa de decaimento e t o tempo.
A lei probabilística que rege o decaimento não permite prever
quando um determinado átomo deve decair, mas permite afirmar com precisão,
que em determinado tempo a metade de uma amostra de isótopos radioativos
terá decaído para o isótopo radiogênico. Este tempo é denominado de Meia-
vida (t½). Está relacionado com a taxa de decaimento ( da seguinte forma:
Cada elemento possui um número atômico (número p de prótons no
núcleo) característico, mas pode apresentar isótopos com número de massa
diferente (número de prótons mais neutrons). Da grande quantidade de
nuclídeos que se conhece (cerca de 2000), a maioria é radioativa, isto é
decai para núcleos com número de massa menor. Os elementos gerados por
decaimento radioativo são denomindados de radiogênicos. O decaimento ocorre
principalmente pela emissão de dois tipos de partículas: a partícula alfa
(um núcleo de He, consistindo de 2p+2n) e a partícula beta (um elétron
proveniente do núcleo por decaimento de um neutron em um próton e um
elétron) e pode ser simples (elemento pai para elemento filho) ou serial
(elementos radioativos intermediários). As meias-vidas são na maioria das
vezes muito curtas - de frações de segundos a alguns dias. Dentre os
inúmeros isótopos radioativos existentes na natureza apenas cinco tem meias
vidas suficientemente longas, para serem utilizadas na datação de materiais
geológicos. Os elementos pai (radioativos), elementos filho (radiogênicos)
e suas meias-vidas estão na tabela seguinte:
"Elemento Pai "Elemento Filho"Meia -vida "
" " "(t1/2) "
"238U "206Pb "4,5 Ga "
"235U "207Pb "0,733 Ga "
"232Th "208Pb "14,1 Ga "
"147Sm "143Nd "108 Ga "
"87Rb "87Sr "4,7 Ga "
"40K "40Ar "1,3 Ga "
O método de Carbono 14 (14C ( 14N) não é normalmente aplicado
em Geologia, pois a meia-vida do 14C é muito curta (= 5730 anos), não
sendo compatível com a taxa da maior parte dos processos geológicos. É
conveniente apenas para datação em estudos arqueológicos, compreendendo bem
o espaço da existência de humanóides na Terra dentro de um intervalo de
tempo equivalente a 7-10 meias-vidas do 14C.
A datação radiométrica de um sistema qualquer se baseia na
acumulação de elementos filhos a partir do decaimento de um tipo do átomo
pai. Para isso é necessário conhecer os números de átomos pai (NP) e átomos
filho (NF) e a taxa de decaimento (() ou a meia vida (t1/2) do átomo pai.
A idade do sistema pode ser determinada aplicando-se as fórmulas:
ou
Métodos de datação radiométricos aplicados em geologia.
A aplicação de métodos de datação radiométrica às rochas
presupõem que:
1. a rocha ou mineral tenha se comportado como um sistema fechado após a
sua formação;
2. que na sua origem a rocha ou mineral não tenha contido elementos-filho,
ou que o número de elementos-filhos existentes inicialmente seja conhecido;
3. que a meia-vida do elemento-pai seja compatível com a idade a ser
datada;
4. que a rocha/mineral contenha os elementos-pai e filho em quantidades
analisáveis, o que depende, além da questão comentada no ítem 3, da
afinidade geoquímica desses elementos.
Embora o princípio básico da datação radiométrica seja bastante
simples, o procedimento real é relativamente complicado e a interpretação
dos resultados ainda mais complexa. Os elementos radioativos ocorrem em
proporções muito pequenas nos minerais e rochas, requerendo métodos
analíticos muito precisos, capazes de separar isótopos de um mesmo elemento
pelo seu número de massa. O equipamento utilizado para este fim é o
espectrômetro de massa que permite a detecção de elementos com
concentrações de até n partes por trilhão (ppt).
D e modo geral, quando se pretende datar uma rocha diversos tipos
de métodos são utilizados. A idade obtida com cada método pode não ser
igual às determinadas por outros métodos radiométricos. Isso não significa
necessáriamente que existe algum problema com a datação, pode significar de
fato que as idades representam eventos geológicos distintos porque cada
tipo de elemento possui um comportamento químico diferente durante os
processos geológicos. Assim, cada método de datação vai permitir a obtenção
de idades de formação da rocha ou de processos geológicos superpostos que
afetaram essa rocha. De maneira geral, os métodos radiométricos aplicados
em geologia permitem datar minerais ou rochas e o significado normal do
dado obtido é o que segue:
K-Ar: estabilização crustal, vulcanismo recente,
sedimentação (diagênese) e eventos metamórficos de diferentes
temperaturas;
Ar-Ar: eventos metamórficos de diferentes temperaturas;
Rb-Sr: magmatismo, metamorfismo;
Figura 7 – Exemplo esquemático de isócrona Rb-Sr com amostras com razão
inicial Rb/Sr diferente. A idade é proporcional a inclinação da reta
isócrona. A isócrona pode ser obtida com amostras de rochas ígneas
geneticamente relacionadas ou a partir de amostras de rocha e seus
diferentes minerais.
Sm-Nd: idade de separação do magma do manto, idade de
formação crustal, metamorfismo, idade de cristalização ígnea.
Figura 8 – A figura ilsutra uma isócrona Sm-Nd que baseia-se no mesmo
princípio que a isócrona Rb-Sr. Neste exemplo a isócrona foi obtida para
uma rocha a partir de seus minerais constituintes
U (ou Th)-Pb: idade de magmatismo e metamorfismo em uma
mesma rocha.
Figura 9 – A figura ilustra um diagrama discórdia utilizado para obtenção
de idades U/Pb. Diversos zircões foram datados e as razões isotópicas Pb/U
deles definem uma linha (discórdia) em relação à curva concórdia. As
intersecções da discórdia com a concórdia definem as idades de dois eventos
geológicos distintos para a mesma rocha (por exemplo magmatismo e
metamorfismo).
Figura 10 – Idades U/Pb em zircão também podem ser obtidas puntualmente
através do método analítico SHRIMP. No exemplo acima o núcleo e a borda do
grão de zircão foram datados e forneceram idades com uma diferença de
aproximadamente 100 milhões de anos. Isso quer dizer que o grão de zircão
cresceu durante diferentes eventos geológicos (por exemplo magmatismo e
metamorfismo).
Outros Métodos de Datação Absoluta
Além dos métodos de datação radiométricas, as rochas
sedimentares podem ser datadas através de seu conteúdo fossilífero
utilizando-se os conceitos de fóssil-índice e associação fossilífera.
Outro método aplicável de forma restrita é o da dendrologia que
se baseia no conhecimento do padrão dos anéis de crescimento de árvores de
uma dada espécie em uma região específica. O padrão de variação dos anéis
em uma árvore deve ser comparado com uma escala mestre e permite a datação
da época em que a árvore estava viva (não necessariamente a idade do
sedimento).
A datação absoluta também pode ser realizada por meior do
método de traços de fissão. Este método baseia-se no fato de que certos
elementos decaem por fissão danificando a estrutura do material circundante
(o mineral). Cada emissão de dois núcleos é registrada como "traços". O
número de traços depende da quantidade de urânio no mineral e do tempo
decorrido, o que posibilita sua utilização na datação absoluta. Os traços
da fissão só ficam registrados nos minerais até uma certa tempertura, acima
da qual são apagados. Por outro lado se o tempo decorrido for muito grande,
a contagem do número de traços (que é feita com um microscópio) torna-se
difícil devido ao excessivo número de traços formados. Assim, o método de
traço de fissão só pode ser aplicado para datação de eventos não muito
antigos e de baixa temperatura (até 200oC).
Figura 11 – Traços de fissão em apatita.
Idade da Terra
A determinação da idade da Terra esbarra em dois problemas
principais. Em primeiro lugar é necessário ter um método capaz de avaliar
uma dimensão de tempo tão vasta quanto do tempo geológico. Esse problema
foi resolvido com o advento dos métodos de datação radiométrica utilizando
elementos com meia-vida longa. O outro ponto, de mais difícil solução, é a
escolha do material a ser utilizado para a datação. Depois de sua formação
a Terra sofreu intensa diferenciação que resditribuiu os elementos químicos
e moficou as concentrações pai-filho originais.
Após serem desenvolvidos os métodos de datação radiométrica, o
passo seguinte dos geocronólogos foi o de tentar datar a idade da Terra.
Essa nova jornada, entretanto, mostrou-se mais complexa que originalmente
imaginado. Diversas rochas consideradas muito antigas foram datadas, mas o
resultado revelou-se decepcionante. As idades mais antigas inicialmente
encontradas foram de apenas 2 – 2,7 Ga (as idades mais antigas encontradas
até hoje são de ( 4 Ga).
Reconhecendo a dificuldade de achar na Terra um material
original, Patterson (1950) resolveu analisar rochas extraterrestres para
obter a idade da Terra, i.e. a idade de formação dos planetas do sistema
solar. Aplicando o método de datação U/Pb em condritos, Patterson obteve a
idade de 4,55 Ga para a formação da Terra. Essa abordagem é procedente já
que os condritos representam fragmentos de planetesimais não diferenciados
(ver Dados Físicos da Terra) e, portanto, correspondem aos materiais mais
primitivos do Sistema Solar.
Tentando obter essa mesma idade em materiais terrestres,
Patterson utilizou meteoritos sem traços de U, mas com Pb, para determinar
a composição isotópica original do Pb quando na formação do sistema solar e
planitesimais. Conhecendo a proporção de Pb original Patterson era capaz de
descontar a quantidade original elementos-filhos de Pb dos sistemas
químicos terrestres. Mas o que datar? Procurando encontrar sistemas
químicos que representassem a média composicional da crosta e manto
terrestre, Patterson analisou nódulos manganês nos sedimentos marinhos
(média da crosta) e basaltos do Havai (média do manto), descontou o valor
de Pb orginal e obteve a idade de 4,55 Ga. Desde então esta é considerada a
idade da Terra.
Apesar da engenhosidade da abordagem de Patterson, a idade
obtida para os materias terrestres corresponde à idade de formação do
núcleo, manto e crosta, i.e. é uma idade mínima para a Terra (Ozima 1989).
De fato, a datação da idade de formação da Terra não pode ser obtida a
partir de nenhum material terrestre, já que a Terra sofreu diferenciação
após a sua formação. Assim, os resultados obtidos a partir de materiais
terrestres podem ser considerados apenas como idade mínima para a origem do
planeta, muito embora sejam de extrema importância para entender sua
evolução através dos tempos. A idade da Terra de fato só pode ser obtida
através de métodos indiretos, como o da datação dos meteoritos.
A escala do tempo - A vastidão do Tempo Geológico!
O que pensaria uma borboleta que possue uma vida de apenas um
dia sobre uma sequoia que perdura por milhares de anos? Provavelmente
acreditaria que a sequoia esteve sempre ali, imutável, estática e sem vida.
Já um outro observador, de vida mais longa, poderia acompanhar diversas
etapas da vida da sequoia, ver seu nascimento e seu crescimento, apenas
porque vive em uma escala de tempo mais compatível com as taxas dos
processos vitais dessa árvore. Nós humanos estamos para a Terra assim como
a borboleta está para a sequoia. Ou seja, de modo geral não somos capazes
de abstrair o significado da escala de tempo dos processos geológicos. O
intervalo de tempo que compreende toda a história da Terra, desde sua
formação até o período atual, é o que denominamos de Tempo Geológico. Ou
seja, o Tempo Geológico corresponde aos 4,6 bilhões de anos da Terra.
Será que você é capaz de imaginar o que significa todo ese
intervalo de tempo? Provavelmente não. Para melhor compreender essa escala
de tempo nos podemos fazer uma pequena simulação:
"Imagine que os 4,5 bilhões de anos da Terra foram comprimidos em um
só ano (entre parênteses colocamos a idade real de cada evento). Nesta
escala de tempo, as rochas mais antigas que se conhece (~3,6 bilhões
de anos) teriam surgido apenas em março. Os primeiros seres vivos
(~3,4 bilhões de anos) apareceram nos mares em maio. As plantas e os
animais terrestres surgiram no final de novembro (a menos de 400
milhões de anos). Os dinossauros dominaram os continentes e os mares
nos meados de dezembro, mas desapareceram no dia 26 (de 190 a 65
milhões de anos), mais ou menos a mesma época em que as montanhas
rochosas começaram a se elevar. Os humanóides apareceram em algum
momento da noite de 31 de dezembro (a aproximadamente 11 milhões de
anos). Roma governou o mundo durante 5 segundos, das 23h:59m:45s até
23h:59:50s. Colombo descobriu a América (1492) 3 segundos antes da
meia noite, e a geologia nasceu com as escritos de James Hutton
(1795), Pai da Geologia Moderna, há pouco mais que 1 segundo antes do
final desse movimentado ano dos anos." (extraído de Eicher, 1968)
O tempo geológico está dividido em intervalos que possuem um
significado em termos de evolução da Terra. A escala do tempo geológico,
cujo esqueleto rudimentar foi estabelecido ainda no século XIX , está
dividida em graus hierárquicos cada vez menores da seguinte forma:
Éons (Hadeano, Arqueano, Proterozóico e Fanerozóico);
Eras (apenas no Éon Fanerozóico: Paleozóica, Mesozóica
e Cenozóica);
Períodos (para cada uma das eras do Fanerozóico);
Épocas (subdivisões existentes apenas para os períodos
do Cenozóico).
Figura 12 – Escala do Tempo Geológico com alguns eventos geológicos
importantes assinalados.
Essas subdivisões foram estabelecidas ainda antes do
desenvolvimento dos métodos de datação absoluta. As subdivisões de tempo
definidas, portanto, não representam intervalos de tempo equivalentes, mas
refletem a possibilidade de desvendar os detalhes da evolução geológica em
todos os tempos. O registro geológico mais recente é mais completo e
apresenta maior número de fósseis, permitindo delimitar intervalos
temporais menores. O registro da evolução geológica antiga é muito mais
fragmentado e com a ausência de fósseis possibilita apenas a delimitação de
intervalos de tempo maiores, marcados por grandes eventos globais.
Figura 13 – A história geológica da Terra é atualmente descrita por
uma espiral temporal indicando que processos atuais ocorreram no passado
(Uniformitarismo), mas não da mesma forma, com mesma intensidade e não
necessariamente todos os processos do passado ocorrem no presente e vice-
versa.