Preview only show first 10 pages with watermark. For full document please download

Técnicas De Redação

Apostila com técnicas básicas de redação

   EMBED

  • Rating

  • Date

    December 2018
  • Size

    82KB
  • Views

    10,251
  • Categories


Share

Transcript

1 o NÚCLEO - DESCRIÇÃO 1 - Definição: o que é descrever Descrever é representar com palavras um objeto - uma coisa, uma pessoa, uma paisagem, uma cena, ou mesmo um estado, um sentimento, uma experiência etc -fundamentalmente por meio de nossa percepção sensorial, nossos cinco sentidos: visão, tato, audição, olfato e paladar. No texto descritivo, o sujeito cria uma imagem verbal do objeto - entenda- se a palavra no sentido mais amplo possível -, dando suas características predominantes, apresentando os traços que o singularizam, de acordo com o objetivo e o ponto de vista que possui ao realizar o texto. Leitura Comentada: Um Texto Descritivo Ela possuía a dignidade do silêncio. Seu porte altivo era todo contido e movia-se pouco. Quando o fazia, era como se estivesse procurando uma direção a seguir; então, encaminhava-se diretamente, sem desvios, ao seu objetivo. O cabelo era louro-dourado, muito fino e sedoso, as orelhas pequenas. Os olhos tinham o brilho baço dos místicos. Pareciam perscrutar todos os mistérios da vida: profundos, serenos, fixavam-se nas pessoas como se fossem os olhos da consciência, e ninguém os agüentava por muito tempo, tal a sua intensidade. O olho esquerdo tinha uma expressão de inquietante expectativa. Os lábios, de rebordos bem definidos, eram perfeitos e em harmonia com o contorno do rosto, de maçãs ligeiramente salientes. O nariz, quase imperceptível na serenidade meditativa do conjunto. Mas possuía narinas que se dilatavam nos raros momentos de "cólera sagrada", como costumava definir suas zangas. A voz soava grave e profunda. Quando irritada, emergia rascante, em estranha autoridade, dotada de algo que infundia respeito. Tinha um pequeno defeito de dicção: arrastava nos erres por causa da língua presa. A mão esquerda era um milagre de elegância. Muito móvel, evolucionava no ar ou contornava os objetos com prazer. No trabalho, ágil e decidida, parecia procurar suprir as deficiências da outra dura, com gestos mal controlados, de dedos queimados, retorcidos, com profundas cicatrizes. Cumprimentava às vezes com a mão esquerda. Talvez por pudor, receosa de constranger as pessoas, dirigia-se a elas com economia de gestos. Alguns de seus manuscritos eram quase ilegíveis. Assinava com bastante dificuldade, mas utilizava ambas as mãos para datilografar. Era profundamente feminina, exigia e se exigia boas maneiras. Bem cuidada no vestir, vaidosa, mas sem sofisticação. Nunca saía sem estar maquilada e trajada às vezes com algum requinte: turbante, xale, vários colares e grandes brincos. O branco, o preto e o vermelho eram uma constante em seu guarda-roupa. O batom geralmente era de tom rubro forte; o rímel negro, colocado com sutileza, aumentava a obliqüidade e fazia ressaltar o verde marítimo dos olhos. Indiscutivelmente era mulher interessante, de traços nobres e, talvez, inatingível. Quanto à afetividade, acreditava que, quando um homem e uma mulher se encontram num amor verdadeiro, a união é sempre renovada, pouco importando brigas e desentendimentos. Ambicionava viver numa voragem de felicidade, como se fosse sonho. Teimosa, acreditava, porém, na vida de todos os dias. Defini-la é difícil. Contra a noção de mito, de intelectual, coloco aqui a minha visão dela: era uma dona-de-casa que escrevia romances e contos. Dois atributos imediatamente visíveis: integridade e intensidade. Uma intensidade que fluía dela e para ela refluía. Procurava ansiosamente, lá, onde o ser se relaciona com o absoluto, o seu centro de força - e essa convergência a consumia e fazia sofrer. Sempre tentou de alguma maneira solidarizar-se e compreender o sofrimento do outro, coisa que acontecia na medida da necessidade de quem a recebia. O problema social a angustiava. Sabia o quanto doíam as coisas e o quanto custava a solidão. São muitos os "mistérios" que aos olhos de alguns a transformaram em mito. Simplesmente, porém, em Clarice não aparecia qualquer mistério. Ela descobria intuitivamente o mistério da vida e do ser humano; em compensação, era capaz de dissimular o seu próprio mistério. (Olga Boreli - Clarice Lispector, Esboço para um possível retrato - texto adaptado - Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981) Comentários Vejamos, comentando o texto apresentado, algumas características fundamentais do texto descritivo: a) Descrição: Objetivo e Ponto de vista Repare que o objetivo da autora, no texto lido, é traçar um perfil físico e psicológico de Clarice Lispector, grande escritora da literatura brasileira, de quem foi amiga. O seu ponto de vista ao realizar a descrição pressupõe, portanto, proximidade com o objeto descrito, o que percebemos pela qrande quantidade de detalhes reveladores de convivência íntima, presentes no texto. Além disso, a imagem de Clarice que Olga Boreli pretende transmitir ao leitor está explicitada na seguinte passagem do texto: Defini-la é difícil. Contra a noção de mito, de intelectual, coloco aqui a minha visão dela: era uma dona-de-casa que escrevia romances e contos. Perceba que para recriar descritivamente esta imagem, ou seja, para colocar a sua visão, o seu ponto de vista a respeito da escritora, a autora ora se detém em características físicas, ora em características psicológicas, e mais comumente mescla ambos os tipos de características, fazendo com que reciprocamente se iluminem. Ao mesmo tempo, tais características vão ao encontro do ponto de vista defendido, fundamentando- o. Exemplo: Características físicas: Nunca saía sem estar maquilada e trajada às vezes com algum requinte: turbante, xale, vários colares e grandes brincos. O branco, o preto e o vermelho eram uma constante em seu guarda-roupa. Características psicológicas: Ambicionava viver numa voragem de felicidade, como se fosse sonho. Teimosa, acreditava, porém, na vida de todos os dias. Mescla de características físicas e psicológicas: Os olhos (...) pareciam perscrutar todos os mistérios da vida (...) fixavam- se nas pessoas como se fossem os olhos da consciência, e ninguém os agüentava por muito tempo, tal a sua intensidade. O nariz quase imperceptível na serenidade meditativa do conjunto. Mas possuía a narinas que se dilatavam nos raros momentos de "cólera sagrada", como costumava definir suas zangas. O batom geralmente era de tom rubro forte; o rímel negro, colocado com sutileza, aumentava a obliqüidade e fazia ressaltar o verde marítimo dos olhos. Indiscutivelmente era mulher interessante, de traços nobres e, talvez, inatingível. Conclusões importantes Por meio destes exemplos concluímos que tanto o objetivo da descrição quanto o ponto de vista do sujeito em relação ao objeto descrito devem ser minuciosamente observados, para se criar esse tipo de texto. 7 2 - Tipos de descrição: objetiva e subjetiva A descrição costuma ser classificada como objetiva ou subjetiva. Na descrição objetiva, o sujeito procura criar uma imagem do objeto que se aproxime, o máximo possível, de sua cópia fenomênica, isto é, descreve centrado naquilo que efetivamente vê. Para tanto, utiliza como critérios básicos a exatidão e a fidelidade ao real . Já na descrição subjetiva, a imagem descrita enfatiza a transfiguração do objeto pelo sujeito, que atribui a ele elementos próprios e o incorpora a sua pessoalidade, centrando-se naquilo que quer, pensa ou sente ver. Leitura Comentada: Uma Descrlção Objetiva O motor está montado na traseira do carro, fixado por quatro parafusos à caixa de câmbio, a qual, por sua vez, está fixada por coxins de borracha na extremidade bifurcada do chassi. Os cilindros estão dispostos horizontalmente e opostos dois a dois. Cada par de cilindros tem um cabeçote comum de metal leve. As válvulas, situadas nos cabeçotes, são comandadas por meio de tuchos e balancins. O virabrequim, livre de vibrações, de comprimento reduzido, com têmpera especial nos colos, gira em quatro pontos de apoio e aciona o eixo excêntrico por meio de engrenagens oblíquas. As bielas contam com mancais de chumbo-bronze e os pistões são fundidos de uma liga de metal leve. (Manual de Instruções- Volkswagen) Comentários Observe que este texto tem o objetivo de descrever o motor de um carro do ponto de vista de seu fabricante, a Volkswagen, que portanto constitui o locutor, o emissor do texto. Seu receptor ou destinatárlo é o usuário do produto, o leigo, o que explica a redução de termos técnicos ao mínimo necessário e também o detalhamento de características, típico de um Manual de Instruções. Observe também a postura de distanciamento do locutor em relação ao objeto descrito: ele se abstém de comentários, opiniões, centrando-se nas características fenomênicas daquilo que descreve. Trata-se, portanto, de uma descrição impessoal e objetiva. Leitura Comentada: Uma Descrição Subjetiva O que mais me chateia na raiva é que sei, por experiência, que ela passa. A raiva, sim, é um pássaro selvagem: você tenta amansar ele, ganhar confiança, mas quando menos se espera ele bate as asas e foge. A gente fica então com uma fraqueza no peito, no corpo todo, como depois de uma febre. Querendo colo. Mas o pior é o período antes dessa fraqueza, todo mundo com os nervos inflamados, à flor da pele. As caras que por acaso rompiam a barreira do meu quarto eram todas de tragédia. (...) Embora fosse antigamente uma princesa (...) eu me sentia um sapo (...). Eu estava muito cheia de raiva (no fundo, vergonha) e, embora tivesse gritado "perdão" à vista de todos, eu não queria me arrepender. Por isso estava ainda naquele inferno. No inferno, isso eu sei, é proibido o arrependimento. Continuamos fiéis aos nossos erros. (Vilma Arêas - Aos trancos e relâmpagos - São Paulo, Scipione, 1993) Comentários Aqui, a locutora está descrevendo um sentimento: a raiva. Percebemos que o faz subjetivamente desde a primeira linha, quando explicita a postura do "eu" em relação ao que descreve: O que mais me chateia... Além disso, utiliza-se de metáforas e de linguagem coloquial, com recursos de oralidade, pessoalizando a vísão que o sujeito tem do objeto. O fragmento pertence a um texto literário destinado ao público infantil, o que explica seu tom de naturalidade e de proximidade com o intertocutor, também explicitado logo no início: A raiva, sim, é um pássaro selvagem: vocé tenta amansar ele, ganhar confiança, mas quando menos se espera ele bate as asas e foge. A gente fica então com uma fraqueza no peito, no corpo todo, como depois de uma febre. 8 3 - Descrição objetiva e descrição subjetiva: visão comparativa e conceito de predominância Enquanto a descrição objetiva pressupõe uma postura de distanciamento emocional do sujeito em relação ao objeto, o que lhe possibilita apreendê-lo através de um tipo de percepção mais exata, dimensional, a descrição subjetiva pressupõe uma postura de pro-ximidade. Essa postura, por sua vez, implica que o sujeito descreve o objeto através de um tipo de percepção menos precisa e mais contaminada por suas emoções e opiniões. É necessário colocar aqui uma observação fundamental para que se compreenda bem em que consistem ambos os tipos de descrição e, mais do que isso, qual a funcionalidade da distinção tendo em vista a produção desse tipo de texto. Na verdade, não existem textos totalmente objetivos ou totalmente subjetivos, já que as noções de sujeito e objeto são interdependentes: é impossível imaginar tanto um objeto que independe do sujeito quanto um sujeito que independe do objeto; no limite, o primeiro caso corresponderia a pensar o mundo (objeto) sem o homem, e o segundo a pensar o homem (sujeito) sem o mundo. Portanto, todo texto objetivo pressupõe uma presença, ainda que imperceptível, de subjetividade, e reciprocamente todo texto subjetivo pressupõe um mínimo de objetividade. Podemos então usar o conceito de predominância para distingui-los, colocando de um lado, o lado da predominância da objetividade, os textos técnicos e científicos, e de outro, o lado da predominância da subjetividade, os textos literários. Vejamos duas opiniões interessantes sobre o assunto: "A descrição técnica apresenta, é claro, muitas das características gerais da literária, porém, nela se sublinha mais a precisão do vocabulário, a exatidão dos pormenores e a sobrieda-de da linguagem do que a elegância e os requisitos da expressividade lingüística. A descrição técnica deve esclarecer, convencendo; a literária deve impressionar, agradando. Uma traduz-se em objetividade; a outra sobrecarrega-se de tons afetivos. Uma é predominantemente denotativa; a outra, predominantemente conotativa". (Othon M. Garcia - Cormunicação em Prosa Moderna - Rio de Janeiro. Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996) "A redação técnica é necessariamente objetiva quanto ao seu ponto de vista, mas uma objetividade completamente desapaixonada torna o trabalho de leitura penoso e enfadonho por levar o autor a apresentar os fatos em linguagem descolorida, sem a marca da sua personalidade. Opiniões pessoais, experiência pessoal, crenças, filosofias de vida e deduções são necessariamente subjetivas, não obstante constituem parte integrante de qualquer redação técnica meritória". (Margaret Norgaard - citada por Othon M. Garcia - Comunicação em Prosa Moderna - Rio de Janeiro. Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996) Visualizando ambas as opiniões e acrescentando-lhes outros elementos, podemos criar o seguinte esquema: Descrição objetiva ênfase na impressão despertada pelo objeto como tal principais características: precisão do vocabulário, exatidão dos pormenores e sobriedade da linguagem, predominantemente denotativa objetivo: deve esclarecer, convencendo ponto de vista: predominantemente objetivo Exemplo: descrição técnica Descrição subbjetiva ênfase na expressão que a alma empresta ao objeto principais características: elegância e presença dos requisitos da expressividade lingüística - tons afetivos, polissemia, linguagem predominantemente conotatìva A VISAO, A AUDICAO, O PALADAR, O TATO E O OLFATO – CONSTITUEM O ALICERCE DA DESCRICAO Leitura Comentada: Um Texto Narrativo Caso de Secretária Foi trombudo para o escritório. Era dia de seu aniversário, e a esposa nem sequer o abraçara, não fizera a mínima alusão à data. As crianças também tinham se esquecido. Então era assim que a família o tratava? Ele que vivia para os seus, que se arrebentava de trabalhar, não merecer um beijo, uma palavra ao menos! Mas, no escritório, havia flores à sua espera, sobre a mesa. Havia o sorriso e o abraço da secretária, que poderia muito bem ter ignorado o aniversário, e entretanto o lembrara. Era mais do que uma auxiliar, atenta, experimentada e eficiente, pé-de-boi da firma, como até então a considerara; era um coração amigo. Passada a surpresa, sentiu-se ainda mais borocochô: o carinho da secretária não curava, abria mais a ferida. Pois então uma estranha se lembrava dele com tais requintes, e a mulher e os filhos, nada? Baixou a cabeça, ficou rodando o lápis entre os dedos, sem gosto para viver. Durante o dia, a secretária redobrou de atenções. Parecia querer consolá- lo, como se medisse toda a sua solidão moral, o seu abandono. Sorria, tinha palavras amáveis, e o ditado da correspondência foi entremeado de suaves brincadeiras da pane dela. 'O senhor vai comemorar em casa ou numa boate?' Engasgado, confessou-lhe que em parte nenhuma. Fazer é uma droga, ninguém gostava dele neste mundo, iria rodar por noite, solitário, como o lobo da estepe. 'Se o senhor quisesse, podíamos jantar juntos', insinuou ela, discretamente. E não é que podiam mesmo? Em vez de passar uma noite besta, ressentida - o pessoal lá em casa pouco está me ligando - teria horas amenas, em companhia de uma mulher que - reparava agora - era bem bonita. Daí por diante o trabalho foi nervoso, nunca mais que se fechava o escritório. Teve vontade de mandar todos embora, para que todos comemorassem o seu aniversário, ele principalmente. Conteve-se, no prazer ansioso da espera. - Onde você prefere ir? - perguntou, ao saírem. - Se não se importa, vamos passar primeiro no meu apartamento. Preciso trocar de roupa. Ótimo, pensou ele; faz-se a inspeção prévia do terreno e, quem sabe? - Mas antes quero um drinque, para animar - ela retificou. Foram ao drinque, ele recuperou não só a alegria de viver e de fazer anos, como começou a fazê-los pelo avesso, remoçando. Saiu bem mais jovem do bar, e pegou-lhe do braço. No apartamento, ela apontou-lhe o banheiro e disse-lhe que o usasse sem cerimônia. Dentro de quinze minutos ele poderia entrar no quarto, não precisava bater - e o sorriso dela, dizendo isto, era uma promessa de felicidade. Ele nem percebeu ao certo se estava se arrumando ou se desarrumando, de tal modo que os quinze minutos se atropelaram, querendo virar quinze segundos, no calor escaldante do banheiro e da situação. Liberto da roupa incômoda, abriu a porta do quarto. Lá dentro, sua mulher e seus filhos, em coro com a secretária, esperavam-no atacando "Parabéns para você". (Carlos Drummond de Andrade - Cadeira de Balanço - Poesia e Prosa, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1988) 17 Comentários a) Narração: Encadeamento de fatos ou ações O encadeamento de fatos constitui a característica central de uma narração. Ele é estruturado tendo em vista um conflito em tomo do qual a história se organiza, tradicionalmente numa seqüência do tipo: ! Situação Inicial: Exposição de uma determinada situação, com elementos geradores de uma complicação (conflito) Exemplo: Foi trombudo para o escritório. Era dia de seu aniversário, e a esposa nem sequer o abraçara, não fizera a mínima alusão à data. As crianças também tinham se esquecido.(...) Mas, no escritório, havia, flores à sua espera, sobre a mesa. Havia o sorriso e o abraço da secretária, que poderia muito bem ter ignorado o aniversário, e entretanto o lembrara. ! Complicação: Apresentação do conflito Exemplo: 'Se o senhor quisesse, podíamos jantar juntos', insinuou ela, discretamente. E não é que podiam mesmo? Em vez de passar uma noite besta, ressentida - o psssoal lá em casa pouco está me ligando -, teria horas amenas em companhia de uma mulher que - reparava agora - era bem bonita. ! Clímax: o ponto de maior tensão da história, quando o conflito chega ao ápice. Exemplo: No apartamento, ela apontou-lhe o banheiro e disse-lhe que o usasse sem cerimônia. Dentro de quinze minutos ele poderia entrar no quarto, não precisava bater - e o sorriso dela, dizendo, era uma promessa de felicidade. Ele nem percebeu ao certo se estava se arrumando ou se desarrumando, de tal modo que os quinze minutos se atropelaram, querendo virar quinze segundos no calor escaldante do banheiro e da situação. Liberto da roupa incômoda, abriu a porta do quarto. ! Desfecho: solução do conflito. Exemplo: Lá dentro, sua mulher e seus filhos em coro com a secretária, esperavam-no atacando "Parabéns para Você". Conclusão Importante Dois fatores de essencial importância na criação do enredo ! !! ! A progressão de ações A progressão das ações, ao longo do texto narrativo, é o fator que lhe dá ritmo e dinamismo. Por meio dela é que vamos conhecendo as transformações vivenciadas pelos personagens, como ocorre com o protagonista de Caso de Secretária. Se não houver coerência entre a progressão de ações e as transformações de personagem (ns) e/ou também de outros elementos (como o espaço), não haverá narração propriamente dita. É preciso, portanto, buscar essa coerência, para se conseguir produzir um texto que seja verdadeiramente narrativo. ! A Unidade 17 Comentários a) Narração: Encadeamento de fatos ou ações O encadeamento de fatos constitui a característica central de uma narração. Ele é estruturado tendo em vista um conflito em tomo do qual a história se organiza, tradicionalmente numa seqüência do tipo: ! Situação Inicial: Exposição de uma determinada situação, com elementos geradores de uma complicação (conflito) Exemplo: Foi trombudo para o escritório. Era dia de seu aniversário, e a esposa nem sequer o abraçara, não fizera a mínima alusão à data. As crianças também tinham se esquecido.(...) Mas, no escritório, havia, flores à sua espera, sobre a mesa. Havia o sorriso e o abraço da secretária, que poderia muito bem ter ignorado o aniversário, e entretanto o lembrara. ! Complicação: Apresentação do conflito Exemplo: 'Se o senhor quisesse, podíamos jantar juntos', insinuou ela, discretamente. E não é que podiam mesmo? Em vez de passar uma noite besta, ressentida - o psssoal lá em casa pouco está me ligando -, teria horas amenas em companhia de uma mulher que - reparava agora - era bem bonita. ! Clímax: o ponto de maior tensão da história, quando o conflito chega ao ápice. Exemplo: No apartamento, ela apontou-lhe o banheiro e disse-lhe que o usasse sem cerimônia. Dentro de quinze minutos ele poderia entrar no quarto, não precisava bater - e o sorriso dela, dizendo, era uma promessa de felicidade. Ele nem percebeu ao certo se estava se arrumando ou se desarrumando, de tal modo que os quinze minutos se atropelaram, querendo virar quinze segundos no calor escaldante do banheiro e da situação. Liberto da roupa incômoda, abriu a porta do quarto. ! Desfecho: solução do conflito. Exemplo: Lá dentro, sua mulher e seus filhos em coro com a secretária, esperavam-no atacando "Parabéns para Você". Conclusão Importante Dois fatores de essencial importância na criação do enredo ! !! ! A progressão de ações A progressão das ações, ao longo do texto narrativo, é o fator que lhe dá ritmo e dinamismo. Por meio dela é que vamos conhecendo as transformações vivenciadas pelos personagens, como ocorre com o protagonista de Caso de Secretária. Se não houver coerência entre a progressão de ações e as transformações de personagem (ns) e/ou também de outros elementos (como o espaço), não haverá narração propriamente dita. É preciso, portanto, buscar essa coerência, para se conseguir produzir um texto que seja verdadeiramente narrativo. ! A Unidade 21 2 - Elementos narrativos básicos: personagens e enredo Os dois elementos sem os quais a narração não pode se articular são os personagens, isto é, os seres que vivem a história narrada, e também o enredo: o encadeamento de ações que a estrutura. ! Tipos de Personagens Você já sabe que normalmente o enredo de uma história se baseia num conflito. Pode tratar-se de um conflito de interesses ou de desejos entre personagens, do (s) personagem (ns) com o mundo, ou, ainda, do (s) personagem (ns) consigo mesmo (s). Para a montagem do conflito, dividimos os personagens em protagonistas e. Geralmente, estes são os personagens chamados de principais. Além deles, há os personagens-ajudantes, que auxiliam na percepção do tipo de conflito, dos jogos de interesses, enfim, dos elementos estruturais da história. Exemplo: Em Caso de Secretária, a narrativa se estrutura em função de um suposto conflito de desejos entre protagonista (o aniversariante) e antagonistas (a família). No entanto no desfecho percebemos que na verdade se trata tanto de um conflito quanto de um antagonismo aparentes, e não reais, o que contribui com o comentado desfecho inesperado da história e também com seu tom de leveza e humor. Tal percepção ocorre por meio do comportamento da secretária, que primeiro intensifica e depois dilui o pretenso conflito... Ela é, portanto, um exemplo de personagem-ajudante. Repare que a menção desta personagem no título do conto sugere a importância que possui, para a compreensão da história. ! Modos de Apresentação de Personagens Há dois modos clássicos pelos quais o narrador apresenta os personagens numa história: a apresentação direta; através da descrição (que pode ser de traços físicos e/ou de traços psicológicos: sentimentos, pensamentos etc) Exemplo: Foram ao drinque, ele recuperou não só a alegria de viver e de fazer anos, como começou a fazê-los pelo avesso, remoçando. a apresentação indireta, através de falas e de ações dos personagens. Exemplo: 'O senhor vai comemorar em casa ou numa boate?' Engasgado, confessou-lhe que em parte nenhuma. Conclusão Importante A Verossimilhança na Apresentação de Personagens Numa narrativa bem construída como a que estamos comentando, percebemos que os personagens possuem uma história além daquela que conhecemos por meio da matéria narrada. O protagonista, por exemplo, refere-se no 1° parágrafo a comportamentos da família anteriores ao momento em que se inicia a história (Foi trombudo para o escritório.) No final, ficamos imaginando sua expressão de surpresa e talvez de um certo vexame, enquanto recebe a surpresa... Assim, para tomar mais bem escrita e verossímil a história que vamos contar, devemos tentar inseri-la no conhecimento que temos do mundo, imaginando como nossos personagens eram antes do conflito que pretendemos elaborar, e também como seriam após a última linha do texto... 22 Se conseguirmos esse grau de verossimilhança na lógica do texto - associando-a à Tipos de Discurso O discurso que reproduz fidedignamente a fala dos personagens chama-se discurso direto. Este tipo de discurso nos é apresentado convencionalmente por meio de verbos de elocução ou verbos discendi, e também de sinais de pontuação: aspas ou dois pontos e travessão. Já o discurso indireto é aquele em que o narrador filtra ao leitor tanto a fala quanto os pensamentos e sentimentos dos personagens, incorporando-os a sua linguagem, por meio dos mencionados verbos de elocução ou verbos discendi, seguidos de conjunção integrante: que, se. O discurso indireto livre, por sua vez, ocorre quando não podemos precisar com exatidão se a fala, o pensamento ou o sentimento presentes numa história pertencem ao narrador ou aos personagens, pois o narrador expressa o fluxo de consciência dos personagens, confundindo-o com sua própria voz narrativa. Exemplo: 'O senhor vaí comemorar em casa ou numa boate?' - discurso direto. Engasgado, confessou-lhe que em parte nenhuma. – discurso indireto. Fazer anos é uma droga, ninguém gostava dele neste mundo, iria rodar por aí à noite, solitário, como o lobo da estepe. - discurso indireto livre. 'Se o senhor quisesse, podíamos jantar juntos', insinuou ela, discretamente. - discurso direto. E não é que podiam mesmo? Em vez de passar uma noite besta, ressentida - o pessoal lá em casa pouco está me ligando -, teria horas amenas, em companhia de uma mulher que - reparava agora - era bem bonita. - discurso indireto livre. Observação: Repare que o narrador de Caso de Secretária conta a história do ponto de vista do personagem principal. Além de descrever seus sentimentos e pensamentos, ele recria o seu fluxo de consciência, a sua fala interior, por meio do discurso indireto livre. Assim, o texto articula com inteligência narrativa a surpresa do final; ela pertence ao protagonista, mas contamina o leitor, já que este conhece o enredo exclusivamente por intermédio daquele. A crônica de Carlos Drummond de Andrade nos mostra, enfim, que os modos. de apresentação de personagens numa história, e também os tipos de discurso utilizados, devem ser pensados em função da intenção do autor, dos efeitos que quer provocar com sua narrativa. 3 - Enredo: modos de organização e tipos O enredo, isto é, a organização de ações ou acontecimentos com os quais tecemos uma narração, pode se dividir basicamente em dois tipos: Enredo linear: é aquele que obedece uma seqüência lógica e cronológica de ações - início / desenvolvimento / desenlace ou desfecho. Ex: Caso de Secretária. Enredo não-linear: é aquele em que ocorrem saltos na seqüência de ações, omitindo fatos, sugerindo acontecimentos, apresentando cortes temporais, quebrando a seqüência lógica e cronológica da história. Nesse tipo de narrativa, o tempo cronológico e o espaço concreto são substituídos por flashbacks (retrospectivas ou voltas), flashforwards ou prolepses (antecipaçôes), ou ainda, algumas vezes, são suprimidos. 24 (Dalton Trevisan - Desastres do Amor - Rio de Janeiro, Record, 1979) Comentários Observe que neste conto de Dalton Trevisan há uma clara intersecção entre dois tempos: o tempo do agora da narração, em que o protagonista se afasta da mulher amada e vai visitar a mãe, e o tempo de que se lembra: os momentos de amor dos quais não consegue se libertar, mesmo sabendo que ela tem outro homem... Trata-se, assim, de um texto narrativo que exemplifica o enredo não-linear, por meio de flashbacks. Nele o passado invade o presente pela força do amor, que inclusive não permite que o protagonista minta à mãe, no último parágrafo, como inicialmente tenta fazer. Outro elemento interessante presente no texto, que merece atenção, é a linguagem condensada, quase telegráfica, com que o autor, também se utilizando de discurso indireto livre, encena o desespero de um homem violento, que se sente irremediavelmente apaixonado... 4 - Elementos constitutivos do texto narrativo Além dos personagens e do enredo, que já estudamos, os elementos constitutivos da narrativa são o narrador - a voz que conta a história -, as circunstâncias de tempo e lugar - e, finalmente, a linguagem que, por ser o produto final do texto, a matéria- prima pela qual ele é tecido, engloba todos os demais. Vamos visualizar tais elementos, a partir das perguntas que os compõem: ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO TEXTO NARRATIVO O quê? Quem? Como? Quando? Onde? Porquê? Por isso... Ação (enredo) Personagens (protagonistas, antagonistas, personagens-ajudantes) O modo pelo qual a ação ocorreu Tempo; o momento ou a época em que a ação ocorreu Espaço; o lugar onde a ação ocorreu Causas, razões, motivos pelos quais a ação ocorreu Decorrências, resultados ou conseqüências da ação Comentários Nem todos os elementos apresentados estão explicitados em todas as narrações. É necessário, porém, que os consideremos, para escrevermos um texto narrativo que seja completo, em função de sua situação de produção. Por meio de tal roteiro, você pode enumerar e selecionar os fatores que comporão o seu texto narrativo, procurando dar-Ihe coerência, verossimilhança, unidade e expressividade, de forma que desperte a atenção e o interesse do leitor... 5 - Narrador e foco narrativo Chamamos de narrador a categoria narrativa por meio da qual o autor conta uma história. O narrador, a voz que conta a história, é, então, um elemento imaginário; faz parte do reino da ficção, assim como os personagens e os acontecimentos que a vivenciam, caso se trate de uma narrativa literária. O estudo dos modos possíveis de contar uma história, isto é, das posições do narrador perante o que conta é conhecido como foco narrativo: trata-se do questionamento, na ficção, de quem narra, de como se narra, dos ângulos de visão através dos quais se narra. Há, basicamente, dois tipos de foco narrativo: aquele em que o narrador que conta a história também participa dela, como personagem (narração em primeira pessoa: personagem-narrador) e aquele em que o narrador não participa da história que conta. 3 o núcleo – Dissertação 1 - Definição: o que é dissertar Dissertar é discutir assuntos, debater idéias, tecer opiniões, delimitando um tema dentro de uma questão ampla e defendendo um ponto de vista, por meio de argumentos convincentes. Portanto, no texto dissertativo - um tipo de texto lógico-expositivo - colocamo-nos criticamente perante alguma dimensão da realidade e, mais do que isso, fundamentamos nossas idéias; explicitamos os motivos pelos quais pensamos o que pensamos. Assim, quando escrevemos dissertativamente estamos exercitando a nossa capacidade crítica, a lucidez questionadora de nós mesmos e do mundo, a aventura de defender opiniões próprias, num contexto reflexivo - de discussão e de debate. Trata-se, também, de uma experiência de comunicação: é necessário estruturar o texto dissertativo com organização lógica de idéias e com linguagem clara e adequada, para que ele possa persuadir o leitor. Leitura Comentada: Um parágrafo dissertativo O texto argumentativo pressupõe uma concepção da linguagem enquanto uma relação dialógica, uma vez que quem argumenta, o faz com vista a convencer um interlocutor. Isto significa poder movimentar-se dentro do texto segundo diferentes perspectivas, ter em mente uma representação do interlocutor e relacionar-se com ela, antecipando possíveis objeções, esclarecendo pontos de vista, defendendo argumentos, apresentando idéias contrárias e refutando-as. Desta forma, a argumentação se realiza num espaço entre o estabelecimento de um sujeito e a representação de um interlocutor. (J.A. Durigan, M.B. Abaurre, Y. Frateschi Vieira (org.) - A magia da mudança - Vestibular Unicamp: Língua e literatura -Campinas, Editora da Unicamp, 1987) Comentários O Parágrafo dissertativo: ponto de vista e argumentação O texto lido é um exemplo típico de parágrafo dissertativo. Para compreender as razões de tal afirmação, considere as seguintes definições: "O parágrafo é uma unidade ded composição constituída por um ou mais de um período, em que se desenvolve alguma idéia central, ou nuclear, a que se agregam outras, secundárias, intimamente relacionadas pelo sentido e logicamente decorrentes dela". (Othon M. Garcia – Comunicação em Prosa Moderna – Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1996) "O parágrafo é uma unidade de composição suficientemente ampla para conter um processo completo de raciocínio e suficientemente curta para nos permitir a análise dos componentes desse processo, na medida em que contribuem para a tarefa da comunicação". (Francis X. Trainor e Brian K. McLaughlin – citados por Otho M. Garcia – Comunicação em Prosa Moderna – Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1996)