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O crime organizado não é novidade na história da humanidade. Diversos relatos tem apontado seu contexto no desenvolvimento do mundo, desde a antiguidade até os tempos modernos. Atualmente, com uma visão Brasil, tem-se percebido que o Estado, omisso ou não, tem perdido muitas batalhas frente aos grupos criminosos. Este trabalho, tem a intensão de apresentar os principais grupos, suas histórias e os “modelos de negócio”. No Brasil remete-se ao cangaço, onde grupos criminosos invadiam cidades e muitas fezes aterrorizavam...

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AVM Faculdade Integrada Análise Criminal Laerte Peotta de Melo UMA ANÁLISE SOBRE AS FACÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL E SUAS RAMIFICAÇÕES BRASÍLIA - DF 2016 AVM Faculdade Integrada Análise Criminal Laerte Peotta de Melo UMA ANÁLISE SOBRE AS FACÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL E SUAS RAMIFICAÇÕES Monografia apresentada à AVM Faculdade Integrada como parte integrante do curso de Análise Criminal Nome do Tutor: Juliana Alberto Costa Brasília - DF 2016 RESUMO O crime organizado não é novidade na história da humanidade. Diversos relatos tem apontado seu contexto no desenvolvimento do mundo, desde a antiguidade até os tempos modernos. Atualmente, com uma visão Brasil, tem-se percebido que o Estado, omisso ou não, tem perdido muitas batalhas frente aos grupos criminosos. Este trabalho, tem a intensão de apresentar os principais grupos, suas histórias e os “modelos de negócio”. No Brasil remete-se ao cangaço, onde grupos criminosos invadiam cidades e muitas fezes aterrorizavam a população com o discurso de melhorar as vidas dos moradores. Nos anos 1970, com o surgimento das facções cariocas, também com o discurso de melhorar a vida, só que nesse caso da população carcerária, até os dias atuais, que leva à profissionalização do crime através da atuação de grupos altamente organizados, inclusive com ramificações em outros países. As guerras pelo domínio e poder desses grupos, a criação de grupos paramilitares, com o objetivo, mais uma vez, de melhorar a vida das pessoas, com o discurso de prover segurança aos cidadãos. A omissão do Estado, frente à falta de controle nos presídios brasileiros, o que frequentemente levaram às rebeliões e crimes internos. Homicídios, tráfico de drogas e de armas, envolvimento político, contravenção, corrupção, despreparo do Estado, tudo isso tenta explicar a violência, onde no Brasil mais de 56 mil pessoas perdem a vida através de mortes, envolvidas ou não no crime. Um país em guerra contra a violência e uma quantidade realmente enorme de baixas, tudo isso abre caminho para o crescimento dos grupos criminosos e sua atuação junto à sociedade brasileira, que de certa forma não quer enxergar a realidade do Brasil. Violência gera ainda mais violência. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Evolução homicícios entre 2011 e 2014 ..................................... 6 Figura 2: Mapa Homicídios 2014 ............................................................ 7 Figura 3: Total de Integrantes .............................................................. 13 Figura 4: Organograma do PCC ............................................................ 16 Figura 5: Organograma Sintonia Geral .................................................. 17 Figura 6: Criminosos Facão e Matemático .............................................. 20 Figura 7: Complexo da Maré (Escoto, 2015) .......................................... 21 Figura 8: Controle Territorial do Município do Rio de Janeiro - 2014 .......... 26 Figura 9: Ernaldo P. Medeiros "Uê" ....................................................... 28 Figura 10: Criminosos CV e ADA ........................................................... 29 Figura 11: Favela da Rocinha ............................................................... 30 Figura 12: Ricardo Teixeira Cruz "Batman" ............................................ 33 Figura 13: Atuação da Milícia ............................................................... 34 Figura 14: Gilberto Martins da Silva "Mineiro" ........................................ 35 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Distribuição das Facções no RJ .............................................. 25 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................... 1 2. FUNDAMENTOS E CONCEITOS SOBRE SEGURANÇA ................................... 3 2. 1.1 REVISÃO DA LITERATURA ............................................................. 3 1.2 GUERRA URBANA ........................................................................ 4 FACÇÕES CRIMINOSAS ...................................................................... 7 2.1 PRINCIPAIS FACÇÕES CRIMINOSAS ................................................. 9 2.1.1 Primeiro Comando da Capital – PCC .................................................. 10 2.1.2 Terceiro Comando ...................................................................... 18 2.1.3 Comando Vermelho .................................................................... 22 2.1.4 AMIGOS DOS AMIGOS .............................................................. 28 2.1.5 MILÍCIAS ............................................................................... 31 CONCLUSÃO ....................................................................................... 37 Anexos .............................................................................................. 41 Anexo A: Estatuto Primeiro Comando da Capital .................................. 41 INTRODUÇÃO A primeira citação sobre facção criminosa surgida no Brasil foi em 1981, nos presídios do Rio de Janeiro (Shimizu, 2012). Este caso específico ocorreu devido a um incidente na Ilha do Governador (RJ), onde um criminoso foi cercado e morto por policiais, sendo este apontado como um dos primeiros líderes do grupo criminoso conhecido como Falange Vermelha, hoje Comando Vermelho e sua história foi divulgada pelo ex-presidiário William da Silva em seu livro Quatrocentos contra um (Lima, 2001). A notoriedade do grupo organizado Comando Vermelho ficou caracterizada pela suposta abdicação da vida de seus membros, sendo a organização considerada mais importante do que a própria vida dos componentes, trazendo perplexidade às autoridades da lei devido ao confronto certo quando envolvia esse tipo de grupo. Em meados dos anos 1990 um evento colocou em evidência ainda maior o Comando Vermelho, o fato em questão ficou conhecido como a Guerra no Morro Santa Marta. Nesse episódio a imprensa fez-se notória em divulgar a força da facção e seu método através da dissuasão do seu poder e atuação principalmente no tráfico de drogas. Atualmente a mitigação e contenção das ações criminosas praticadas pelas facções têm sido um desafio para a segurança pública, a força e atuação desses grupos tem se mostrado difíceis de serem combatidas frente a amplitude e força dos seus membros. Atuação dos grupos criminosos e seus modelos de exortação de poder, o Estado e sociedade, culpas e despreparo para enfrentamento dos crimes praticados pelas facções no Brasil. O crime organizado não é um fenômeno recente, sua origem no Brasil é considerada nos idos do século XIX. No entanto sua atuação recente tem despertado interesse, não apenas para a segurança pública, mas em relação ao impacto na sociedade. A segurança é considerada um sentimento, ou seja, o cidadão se sente mais ou menos seguro, isso se define e comprova através da análise do cotidiano brasileiro, onde a percepção da violência 1 está muito além do terror infringido ao cidadão nas cidades menos favorecidas financeiramente. As facções criminosas estão cada vez mais atuantes e seus “negócios” diversificados. Algumas preocupações devem ser consideradas na análise deste texto, podem-se listar as mais importantes:  Atuação das organizações criminosas;  O sentimento de insegurança do cidadão;  A ausência do Estado;  A criação de um Estado paralelo controlado pelas facções criminosas. Diante dessas preocupações é necessário entender não somente o organograma das facções, mas como se dividem seus negócios. É fato que, além do poder, o ganho financeiro motiva essas organizações, e as instituições financeiras são alvos constantes desses ataques, dessa forma é importante identificar os tipos de ataques e os vetores que o impulsionam. Como objetivo principal deste trabalho buscou-se analisar o modo de operação e atuação das principais facções criminosas no Brasil. Os objetivos específicos são:  Identificar os principais modos de operação das facções criminosas;  Criar organograma de atuação com as principais operações de cada componente;  Analisar as investidas criminosas e classificar por tipo de investida e especialidade. Esta monografia está organizada da seguinte forma: No capítulo 1 é feita a introdução do assunto, as justificativas para a escolha do tema e sua importância bem como os objetivos do texto. O capítulo 2 apresenta um breve relato dos conceitos principais adotados detalhando guerra urbana, já o capitulo 3 expõem as principais facções, seus modelos de atuação e sua história. O trabalho é concluído no capítulo 4. 2 2. FUNDAMENTOS E CONCEITOS SOBRE SEGURANÇA 1.1 REVISÃO DA LITERATURA Em (BASTOS, 2011) o autor aponto a origem do crime organizado, suas raízes e atuação, tendo início no século XIX até o surgimento do novo modelo criminoso através das facções. Também é apontada a falta do poder público em algumas regiões, propiciando a criação de um Estado criminoso, onde ao cidadão é imputado leis de terror e silêncio. A ordem pública não existe e as leis são criadas pelos chefes do crime, sendo eles advogados e juízes. O autor discorre sobre a falta de um conceito sobre o crime organizado bem como a defasagem da legislação brasileira sobre o assunto, tornando difícil a delimitação de um método jurídico de combate ao crime organizado. Em (FARIA, 2010) é apresentado informações sobre o crescimento e organização das facções, apontando a importância sobre a criação de uma legislação rígida bem como o maior preparo e condições dos órgãos investigativas. O autor relata acontecimentos como ataques terroristas em 2001, relacionando com a dificuldade em se detectar os terroristas aos atos ocorridos no Brasil em 2006, onde um ataque coordenado pelo PCC (primeiro comando da capital) causou mais de 100 mortes, demonstrando a incapacidade do Estado em detectar e anular o movimento. 3 1.2 GUERRA URBANA A sociedade busca uma convivência harmoniosa entre os participantes de um grupo de pessoas, que sigam um determinado modelo de cooperação, articulação e auxilio entre seus membros. As pessoas tendem a viver em grupos por similaridades. Esses grupos tendem a proteger todos os participantes e ter vantagens para seus membros. O problema surge quando um grupo se destaca de outro e as vantagens são diminuídas para os outros grupos, ou pior, um grupo dentro do mesmo grupo surge querendo ter mais privilégios do que os outros componentes. Ganância, ciúmes, inveja, cobiça, diversos adjetivos podem ser utilizados para definir a interação humana negativa, claro que existem muito positivismo como boa vontade, ajudar o próximo, fazer o bem, entretanto o que define a raça humana é realmente a competição, por isso os adjetivos negativos tem tanta importância. Se for considerar o cristianismo, lendo as escrituras da bíblia rapidamente pode-se identificar que o primeiro crime do mundo foi um homicídio entre irmãos, causado pela inveja e cobiça do próximo. A vitima Abel, demonstrava as características positivos do ser humano, o que de certa forma pode ter despertado as características negativas em seu irmão, Caim. Nesse fato, se constata que o fato gerador do crime, foi de certa forma o negativo. A importância da interação e integração entre as pessoas seria uma parte separada deste trabalho, mas leva a reflexão dos motivos em que as pessoas fazem coisas que não fariam de outra forma, poderia responder os motivos de alguém escolher o crime ao invés de seguir o que a sociedade considera correta, ser uma pessoa boa não necessariamente torna a humanidade melhor, pois sempre existirão Cains e Abels. Com essa introdução pode-se traçar a reflexão dos motivos atuais de tantos fatos recorrentes de violência. Segundo o censo IBGE de 2010, 161 milhões de brasileiros vivem em cidades, contra 30 milhões no campo, por esse motivo será dedicado a violência nas cidades, 4 local onde se encontram a maior parcela de pessoas e consequentemente da atuação criminosa das facções e o crime organizado. A definição de guerra urbana remete à modernidade de atuação dos eventos de guerrilha e cerco militar. As áreas afetadas podem ser cidades, municípios ou mesmo bairros. Uma grande diferença entre a guerra convencional, geralmente executada em campo aberto e utilizando-se armamentos e soldados treinados para o combate, é o fator tático operacional, que possui dificuldades de avanço e identificação dos oponentes. Como na guerra urbana existem as edificações e pessoas não participantes do combate (civis) torna-se complexo a evolução dos eventos e consequentemente finalização da batalha ou combate. Os criminosos utilizam-se das cidades para se manterem anônimos junto à população, escondendo-se muitas vezes nas residências dos moradores legítimos ou se fazendo passar por uma pessoa comum. A tática de combate em um ambiente tridimensional leva a uma série de cuidados por parte do Estado, que deve manter a ordem e segurança dos cidadãos, protegendo a integridade das pessoas inocentes. Muito similar à guerra simétrica, esse tipo de evento tende a ser executado de forma mais cirúrgico e curto e áreas bastante restrita. A atuação da inteligência nesse aspecto deve ser primordial no planejamento das ações, pois os agentes em campo utilizam o mesmo ambiente tridimensional a seu favor, misturando-se entre todos os componentes da região que deve ser enfrentada. A limitação do campo de visão, prédios, pessoas e cobertura devem ser consideradas no planejamento operacional do evento. Isso é uma forma em que os grupos criminosos encontraram de manter seu território, mesmo nos momentos de conflito a guerra urbana não permite que todos os elos criminosos sejam removidos da sociedade, tornando praticamente impossível executar uma ação em que todo o grupo é desarticulado, pois sempre existem soldados do crime não identificados e prontos para assumir o lugar de alguém. Os números sobre as mortes causadas nesta guerra urbana são realmente expressivos. Sem considerar o crescimento da população no período, caso contrário a proporção seria muito maior, tem-se uma média superior a 20 mortes por homicídio para cada 100 mil habitantes (Figura 1). 5 Figura 1: Evolução homicídios entre 2011 e 2014 Segundo relatório da OMS1, publicado em 2014, o Brasil ocupava a 11ª posição do mundo na taxa de homicídios, isso considerando números absolutos. Os números apontados pela OMS são divergentes ao que o Governo publicou no mesmo período, sendo 32,4 assassinatos por 100 mil habitantes, sendo que o total de crimes, aponta o relatório, é de 64 mil homicídios em 2012. Para efeito de comparação em números absolutos, a Índia teve o total de 53 mil homicídios, isso considerando que o país tem mais de 1 bilhão de pessoas. A Figura 2 apresenta a distribuição dos homicídios no Brasil em 2014. Os estados com menor índice de desenvolvimento humano respondem pela maior quantidade desse tipo de crime, demonstrando claramente que a guerra urbana cobra seu preço nas áreas consideradas mais pobres. 1 Organização Mundial da Saúde 6 Figura 2: Mapa Homicídios 20142 2. FACÇÕES CRIMINOSAS O crime organizado está diretamente relacionado às facções criminosas, que são grupos formados por pessoas com o objetivo de cometer crimes. Apesar de não existir um consenso em relação a definição de crime organizado, a convenção de Palermo diz: “Grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na 2 https://www.sinesp.gov.br/estatisticas-publicas acessado em 03/02/2016 7 Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material” Convenção de Palermo O crime organizado no Brasil não é um tipo de ocorrência recente, segundo pesquisas este problema data do século XIX, com o advento do Cangaço (Olivieri, 1997), amplamente difundido em nossa história através da atuação do grupo do grupo liderado por Lampião (Virgulino Ferreira da Silva), ex-combatente da Guarda Nacional, que alegava a vingança para cometer seus atos. Mesmo que esse tipo de atividade criminosa ter um baixo índice de abrangência e seu poder de dissuasão ser inferior, não se pode descartar esse tipo de origem, ainda mais que nos dias atuais o Cangaço ganhou notoriedade quando relacionado com os roubos a bancos. O Cangaço atual, também conhecido como novo cangaço, tem como premissa a tomada total de uma cidade, geralmente de pequeno porte, onde os criminosos rendem a força policial local e rompe os links de comunicação, impedindo qualquer tipo de contato externo. Com a rendição incondicional dos cidadãos locais os criminosos então roubam bancos, casas lotéricas, agências dos correios e inclusive os comerciantes, trazendo a tona um problema de ausência do Estado nas regiões menos providas. Além de trazer prejuízos financeiros o ataque novo cangaço também gera uma grande sensação de insegurança e medo aos cidadãos das cidades vítimas, inclusive diversos moradores optam por deixar o local em busca de mais segurança, o que dificilmente é encontrado. No estado do Ceará, segundo o sindicato dos bancários, houve até 2013 136 ataques desse tipo, enquanto a Secretaria de Segurança do estado aponta apenas 66 ocorrências, o número divergente pode ter como hipótese primaria o registro da ocorrência associada ao roubo simples, muitas vezes distorcido pelas autoridades no momento do registro da informação ou mesmo superestimado pelas agências privadas. Ao todo no estado 28 municípios foram vítimas. 8 Diante dos fatos é preciso entender que existe insuficiência do poder de policiamento nas cidades, consequentemente a violência está em constante crescimento e o crime organizado tem papel protagonista nessa situação do Brasil. As facções criminosas utilizam a dissuasão de seu poder através do terror, gerando medo e insegurança em qualquer parte do Brasil, se antes o crime estava presente nas grandes cidades hoje as cidades menores sofrem desse mesmo mal. Com consequências diretas à atuação do Estado o crime toma seu lugar na ausência do poder público, muitas vezes utilizando a psicologia do amigo do cidadão, muito empregado pelas milícias cariocas e amplamente difundido pela mídia impressa e visual. A dificuldade no enfrentamento das ações cometidas pelas facções começa no âmbito judicial, pois além da falta de definições as leis atuais não conseguem abranger totalmente e de maneira eficaz a ilicitude desses grupos. 2.1 PRINCIPAIS FACÇÕES CRIMINOSAS O termo facção remete a indivíduos organizados com atuação paramilitar3 exercendo hierarquia e disciplina na execução das ações criminosas. Fazendo-se comparativo entre facções e crime organizado, esse último tem como principal diferenciação o modo mais evoluído em sua atuação e execução das ações delituosas. 3 Organização armada e fardada sem pertencer às forças armadas oficiais. 9 2.1.1 Primeiro Comando da Capital – PCC O surgimento do PCC (Primeiro Comando da Capital) ou 15334 remonta ao ano de 1993, na Casa de Custódia de Taubaté em São Paulo, conhecida pelos presos como Masmorra, pois tratava seus internos de modo bastante severo. Diversos relatórios apontam a movimentação e formação do Partido do Crime nas instituições penais do estado de São Paulo. Embora tenha como sua formação o estado de São Paulo, o PCC hoje tem diversas ramificações espalhadas pelo território nacional (Bigoli & Bezerro, 2014). Sendo uma das organizações criminosas mais evidenciadas da atualidade cabe descrever suas origens e modus operandi a fim de se compreender seu impacto sob a sociedade. Em 1995 surge o primeiro alerta público sobre o PCC, um repórter faz a divulgação de informações sobre o grupo criminoso e em 1996 é encontrado o primeiro “estatuto” do PCC (Ver Anexo A), que denota forte influência da facção Comando Vermelho. Os primeiros líderes eram componentes de um time de futebol: 4  Ademar dos Santos, “Dafé”;  Antônio Carlos Roberto da Paixão, “Paixão”;  Antônio Carlos dos Santos, “Bicho Feio”;  César Augusto Roriz da Silva, “Césinha”;  Isaías Moreira do Nascimento, “Isaías Esquisito”;  José Márcio Felício, “Geleião”, “Geléia”;  Misael Aparecido da Silva, “Baianão” ou “Misa”; e Contagem das letras do alfabeto em forma de números ordinais, 15 – P, 3 – C, 3 – C. 10  Vander Eduardo Ferreira, “Cara Gorda”. Por serem provenientes da capital de São Paulo foram apelidados de Comando da Capital, o que logo se tornaria o nome oficial para umas das maiores e mais cruel organização criminosa do Brasil. Diferente da maneira em que o Comando Vermelho e outras facções criminosas do Rio de janeiro, o PCC usou como estratégia, para ganhar poder, o discurso social e dos direitos dos presos, ou seja, interesse de todos os presentes. O crescimento, portanto, não foi lento, pois o Estado não apresentou nenhum motivo para deter o grupo, simplesmente ignorou a nova proposta e a fim de manter a aparente tranquilidade deixou as coisas seguirem seu rumo, continuando seu tratamento ultrapassado, forçando doutrinas de repressão às ações consideradas insubordinadas utilizando corretivos físicos como surras, choques, fome entre outras ferramentas de tortura. Essas ações levam a um fato preponderante para a criação das facções nos presídios em São Paulo, os maus tratos e violações da integridade dos internos da Casa de Detenção de São Paulo, conhecido como Carandiru e que culmina com a morte de 111 detentos em outubro de 1992 traz a tona o sentimento de revolta do contingente prisional no estado. O massacre do Carandiru tem como mensagem que o Estado não vai fazer nada pelos seus internos e, portanto uma oportunidade se fosse feito algo para melhorar a vida dessas pessoas elas mesmas deveriam agir. Diversos autores (Dias, 2013) tem apontado a omissão do Estado como responsável pelo surgimento do PCC e outras facções. O modelo das instituições penais não se atualizou e em menos de três anos o PCC já tinha mais de três mil membros, todos seguindo as doutrinas do seu estatuto (ANEXO A), onde o preso que não seguisse ou aceitasse as ordens eram punidos com a morte. Em 2001 o PCC articula uma das maiores rebeliões conhecida. Acostumados a movimentos apenas locais, essa rebelião consegue abranger diversos presídios, ao todo foram 29 unidades prisionais ao mesmo tempo, de modo que os líderes do PCC mobilizam uma grande massa carcerária em São Paulo. Neste momento as autoridades tomam conhecimento da força do PCC e seu poder de articulação e seu intento criminoso ascende cada vez mais. Eliminando os 11 inimigos (chefes rivais, informantes, estupradores e qualquer outro desafeto) nessas rebeliões, o PCC consegue ganhar força e externar seu poder, pois diversos líderes eram transferidos para outras instituições e dessa forma ampliavam seu domínio. É possível determinar que o Estado teve participação imperativa na criação da maioria das facções, mas não se deve acreditar que este seja apenas a única variável. Os criminosos tendem a se associar e criar seus domínios e portando isso aconteceria naturalmente, entretanto o arregimento de novos membros seria de certa forma mais difícil, pois em termos psicológicos é mais fácil fazer um individuo aceitar uma nova situação quando a antiga é desconfortável. A rebelião de 2001 teve como seu mentor o criminoso e fundador do PCC José Márcio Felício (Geléia). A história desse criminoso pode ser refletida em diversas crianças carentes de bairros pobres do estado de São Paulo. Quando nasceu foi abandonado pela sua mãe, adotado por outra mulher passou sua infância relativamente seguro, logo estaria a sua sorte, pois foi deixado de lado pela sua nova mãe e adotado pelos meninos que já trabalhavam para o crime (Amorim, 2004). Da lista dos fundadores do PCC apenas um continua vivo, Geleia. Hoje o antigo líder está jurado de morte pelo PCC, pois abandonou a facção e é testemunha da justiça contra a facção. Geleia é um homem forte e alto, com mais de 100 quilos gabava-se de fazer mais de duas mil flexões por dia com carisma e liderança nata, nada era feito pelo PCC sem sua autorização. O detento Geleia possui diversas histórias contadas por pessoas que o conhecem. O Diretor da Penitenciária de Presidente Bernardes na época em que o chefe do PCC estava por lá conta que em uma final de campeonato entre Corinthians e Palmeiras, a maioria dos detentos torcendo pelo Corinthians e sendo o Geleia Palmeirense fanático, apenas olhou para os outros presidiários com reprovação e colocou uma pequena bandeira de seu time na cela, fazendo com que os outros internos se recolhessem imediatamente a suas celas e o silêncio se fez em toda a prisão. Se este fato realmente aconteceu ou não é muito difícil dizer, mas o depoimento ocorreu e isso pode bastar para o caso em questão. A Figura 3 apresenta a distribuição e abrangência do PCC. Diferente de outras facções que geralmente se limitam sua atuação no seu ambiente de origem, como o caso do Comando 12 Vermelho que mantem seu território no estado do Rio de Janeiro, o PCC tem praticamente um braço em cada estado da Federação. O estado de São Paulo é onde o PCC mantem sua maior base, isso se justifica, pois o estado mantem a maior circulação de dinheiro do País e também é seu berço de origem. O Paraná está em segundo lugar, pois além de fazer divisa com São Paulo é fronteiriço com o Paraguai, conhecidamente rota de tráfico de armas e drogas, o que não é de se estranhar o estado do Mato Grosso do Sul ser o terceiro estado com maior presença do grupo criminoso, pois faz divisa com Paraguai e Bolívia este é um dos maiores produtores de cocaína do mundo, revezando a primeira colocação com Colômbia e Peru. Figura 3: Total de Integrantes 13 A abrangência do grupo também está em outros países da América Latina, o Paraguai e Bolívia possuem integrantes do grupo. O que há de se entender que os países como Peru e também a Colômbia não tem ramificação direta do PCC, isso pode se explicar através de hipóteses, pois o Peru tem controle do grupo Sendero Luminoso, considerado o maior grupo terrorista do Peru e classificado por diversos países como terrorista. A Colômbia teve diversas facções que influenciaram o narcotráfico:  Cartel de Medellín;  Cartel de Cali;  Cartel del Norte del Valle e;  Cartel de la Costa. Depois do desmoronamento dos cartéis de Cali e Medellín, com a perda de poder do maior narcotraficante do mundo, Pablo Escobar, o cartel del Norte del Valle assumiu o tráfico no país e se mantém como um dos maiores grupos de tráfico de drogas no mundo. Há de se relatar que na Colômbia existe o grupo paramilitar de guerrilha conhecido como FARC5, que tem como bandeira a luta pelo socialismo e assim, como as facções, pelos direitos dos presos colombianos. Também é considerada por diversos países como sendo um grupo terrorista. O Brasil, Bolívia, Argentina e Chile não aceitam a classificação e sugerem que seja classificada como “força beligerante” e também como insurgente. Dessa forma é possível compreender que as facções brasileiras possam até ter ramificações em outros países, mas nos locais em que existam grupos fortemente organizados e com o mesmo tipo de dissuasão de poder isso tende a não ocorrer e uma aproximação de negócios é o que se espera nesse tipo de relacionamento. 5 Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia 14 A Figura 4 apresenta o organograma do PCC. A Sintonia Final Geral é a cúpula da facção, tudo e todas as ações passam pelos chefes diretamente pela penitenciária Presidente Venceslau em São Paulo. Existem diversos controles abaixo, chamados de Sintonia, Financeiros, estados, presídios, todos tem um controlador em que repassa as decisões da Sintonia Final para seus afiliados. O PCC se organiza através de alguns atores. A Chefia é que planeja as ações e cobram os valores arrecadados a fim de suprir o caixa e consequente financiar quem está preso e também alimentar o sistema de novas operações do grupo. A responsabilidade em arrecadar os valores dos lucros do tráfico de drogas é do “BichoPapão”, que recebe o dinheiro dos chamados “recolhe”, dividindo a cidade em zonas e cada “Bicho-Papão” administra uma zona, sendo responsabilidade dos “contadores” prestarem contas para a cúpula. Todas as ações em que o PCC participa uma parte do lucro são destinadas para a “caixinha” e a decisão de uso cabe à Sintonia Geral. 15 Figura 4: Organograma do PCC Dentro da organização existe a Torre, sua função é tomar decisões antes da Chefia, tornando o sistema mais ágil e com isso mais eficiente. A Disciplina é uma ordem dentro da organização, todos os integrantes devem se submeter às suas ordens. É um tipo de controle interno e sua atividade principal é coordenar as incumbências estabelecidas e decididas. A função de alguns detentos na execução das ordens da Chefia é repassada para os “Pilotos”, sua incumbência é de encaminhar para os “soldados” as tarefas determinadas pela cúpula. 16 Os “Soldados” são os componentes da organização, detentos ou livres, que recebem as ordens que devem ser executados. Sua principal característica é obediência irrestrita aos chefes, são os operários que executam os trabalhos determinados. A Figura 5 apresenta o organograma da cúpula do PCC. Seu atual líder, Marco Willians Herbas Camacho, vulgo Marcola, controla a organização desde 2002, quando tomou o poder isolando os lideres Geleia e Cesinha e inserindo um modelo de “gestão” que se assemelha a uma empresa. Descentralizou as decisões colocando células (Sintonia) em diversos estados (ver Figura 3) com o objetivo de avançar com a exortação do poder da organização. Figura 5: Organograma Sintonia Geral Foi através de uma ordem de Marcola que em maio de 2006 ocorreu o maior ataque da história contra a polícia de São Paulo. Houve 45 mortes, sendo 41 agentes da lei e 4 civis. A represália do PCC foi devido a transferências de alguns líderes da organização, através de escutas e interceptações feitas pela justiça foi detectado um plano de fuga e rebelião no dia das mães. O ataque ao maior estado da Federação deixou a população em pânico, demonstrou o poder da organização e sua influência externa, mesmo com a morte de diversos membros seu recado foi dado: “Mexa com um e todos estaremos preparado para a guerra”. 17 Foi registrado mais de 200 ataques em 4 dias de terror e a cidade literalmente parou, escolas, universidades, transporte público, todos se renderam à violência do PCC e seus soldados. A polícia reagiu de maneira também violenta, diversos criminosos foram mortos e também inocentes. Ônibus foram incendiados, bombas foram lançadas, uma verdadeira praça de guerra no estado, que sem planejamento ou informações de inteligência respondeu da mesma maneira, deixando o sistema quase que paralisado. Um novo ataque aconteceu em julho de 2006, só que em menor escala, mas não menos violento. 70 ataques contra cidadãos e policiais, bancos, fóruns, supermercados, todos foram alvos dos criminosos, mais uma vez a cidade estava sitiada, o transporte publicou parou e as ruas esvaziaram-se. Nas investigações chegou-se a evidências que o primeiro ataque não seria necessariamente a transferência dos presos e sim o sequestro do enteado do líder do PCC. 2.1.2 Terceiro Comando A Facção Terceiro Comando (TC) tem sua origem muito obscura, muitos textos tem apresentado informações sobre esse grupo, mas não existe clareza quanto suas origens. Alguns autores apontam os anos 1980 na criação do TC, outras apontam anos 1990, portanto há de se deixar claro o contraditório no estudo dessa facção. Para (Ferro, 2009) o TC foi criado a partir da Falange do Jacaré, inimiga reconhecida do Comando Vermelho. Há de se discutir que outros autores apontam a criação do TC de uma ala dissidente do Comando Vermelho, criada por policiais que seguiram para o lado do crime. Como argumentação pode se apresentar o caso do policial Zacarias Gonçalves Rosa Neto “Zaca” que foi expulso em 1983 da polícia militar e iniciou no crime devido a seu irmão ter sido morto em uma disputa de drogas. “Zaca” foi responsável pela guerra do tráfico no Morro Dona Marta com o conhecido traficante Márcio Amaro de Oliveira, o “Marcinho VP”. 18 No final dos anos 1990 o TC se aliou à Facção Amigos dos Amigos (ADA), tendo seu poder fortalecido em relação aos demais grupos criminosos. A fusão dessas facções tem se mostrada bastante cotidiana, isso pode ser explicado através da exortação de poder, quanto mais se cresce mais poder se obtém, também é fator comum os rachas entre esses grupos, o TC teve um desses eventos. Em 2002 alguns dissidentes criaram o Terceiro Comando Puro tendo como líderes os bandidos Nei da Conceição Cruz, “Facão” e Robson André da Silva, “Robinho Pinga”. Em 2002, uma rebelião no presídio de Bangu o traficante Fernandinho Beira-Mar ordenou o assassinato de outro bandido, Ernaldo Pinto Medeiros “Uê”, um dos líderes do TC, com isso a aliança entre o TC e ADA foi afetada, diversos membros mudaram de organização, alguns para o ADA outros para o Terceiro Comando Puro (Ferreira, 2011). O Terceiro Comando Puro (TCP), eu sua primeira concepção tratava apenas de tráfico de drogas, era considerado um grupo pequeno e de pouca abrangência, algo considerado normal para o início das atividades desse tipo de facção. Com sua evolução o TCP passou a atuar também no tráfico de armas e lavagem de dinheiro, atuação também comum para o tipo de crime executado pelos grupos criminosos. A fim de aumentar a lucratividade o TCP passou a dominar a venda de produtos para a comunidade como: gás de cozinha, água e no transporte de pessoas utilizando vans controladas pelo grupo. Qualquer evento concorrente no território dominado por uma determinada facção é rapidamente retaliado com ações violentas incluindo a morte do individuo que por ventura tenha se arriscado e encarado o desafio. A violência nesse caso também serve como dissuasão a outros indivíduos ou grupos que desejem enfrentar o negócio de uma facção, educando a comunidade e toda a sociedade ao redor que não pode haver concorrência. A área de atuação do TCP compreende as comunidades da região Oeste e Norte da cidade do Rio de Janeiro, o bairro Senador Camará seria como uma sede para o grupo, sendo reduto as comunidades Rebu, Cavalo de Aço, Coréia e Vila Aliança. 19 A favela da Maré (complexo Maré) é área de atuação de um dos líderes do TCP, Nei da Conceição Cruz “Facão”, atualmente preso. Outro criminoso que liderava era Márcio José Sabino Pereira “Matemático”, Figura 6. Nei da Conceição Cruz “Facão” Márcio José Sabino Pereira “Matemático” Figura 6: Criminosos Facão e Matemático O “Matemático” foi inicialmente um componente do Terceiro Comando, quando ocorreu o racha na facção ele migrou para o Terceiro Comando Puro. Foi considerado um dos braços direitos do traficante “Robinho Pinga”, morto em 2007, logo depois desse evento “Matemático” assumiu o controle dos pontos de vendas. O criminoso teve seu lado violento revelado, quando das incursões da policia em seu território, ofereceu uma recompensa para cada policial morto, o que não foi comprovado, mas dois policiais foram mortos na estrada do Taquaral, reduto do TCP. Por sua ordem, o TCP iniciou uma guerra contra o CV a fim de tomar o controle da Vila Kennedy, zono oeste da cidade do Rio de Janeiro, diversas mortes ocorreram nessa guerra, inclusive inocentes. O conflito ainda hoje permanece no local. 20 “Matemático” foi morto em uma operação da polícia em 2012, sendo sucedido por Marcelo Santos das Dores “Menor P”, atualmente está preso. Figura 7: Complexo da Maré (Escoto, 2015) A Figura 7 apresenta o mapa de domínio do TCP, pode ser percebido que na área existem mais duas facções, incluindo as milícias, disputando o território. Esta área tem aproximadamente 140 mil habitantes sendo o maior complexo de favelas da cidade, com 15 comunidades que compõem a área. O Complexo da Maré foi pacificado em abril de 2014. Para que o território fosse “tomado” dos bandidos o Estado acionou a estrutura do Exército Brasileiro, que utilizou de 21 táticas de guerra assimétrica, explorando a atividade de inteligência, operações especiais, ofensivas e estabelecimento de pontos fortes. 2.1.3 Comando Vermelho A Facção criminosa Comando Vermelho (CV) surgiu no Rio de Janeiro na década de 1970. Sua origem passa pela relação com o Instituto Penal Cândido Mendes, também chamado de Presídio de Ilha Grande. O presídio foi construído no final do século XIX, sendo que em princípio a função do local era um posto de fiscalização sanitária com atuação na investigação de casos de saúde pública, principalmente no que se refere a febre tifoide, trazido pelos tripulantes e passageiros dos navios que ali atracavam vindos da África e Europa. A utilização da infraestrutura do local somente passou a ser uma cadeia nos anos 1920, onde os presos que lá eram enviados estavam em final de pena ou eram presos idosos. Nos anos 1960 o presídio passou a comportar presos de maior periculosidade por esse motivo sua segurança foi modificada para máxima. Atualmente esse presídio não existe mais, tendo sua estrutura implodida. O presídio, por sua total falta de estrutura e condições, era conhecido como “Caldeirão do Diabo”. No final dos anos 1970 a população carcerária era de 1284 presos, bem superior a sua capacidade que era de 540 presos. Nessas condições precárias e o momento político em que o país vivia permitiu que uma classe diferente de presos se reunisse com os chamados presos comuns (assaltantes, sequestradores ou homicidas), os presos políticos. Na tentativa do Estado em tratar os contrários ao governo, tratando-os como bandidos comuns, permitiu que suas ideias fossem disseminadas no presídio, mudando o modo de agir e pensar de diversos presidiários (Amorim, 2004). 22 Muitos pesquisadores apontam que a reunião dos esquerdistas possibilitou que houvesse a criação do maior grupo criminoso do final dos anos 1970, surgia ali o Comando Vermelho. A troca constante de informações, pois o grupo anti governo tinha como premissa seu estado intelectual elevado e seus ideais muito bem definidos, gerou um novo tipo de criminoso, o que utilizando estratégias criminosas poderiam potencializar os resultados de suas ações delituosas e consequentemente terem mais poder, tanto financeiro quanto de abrangência. O Comando Vermelho mudou a forma em que o crime era executado, com a ligação aos grupos de guerrilha foi possível evoluir no sentido de entender as ideias revolucionárias bem como ter acesso às informações do manifesto do partido comunista e os ideais de Karl Marx, os conceitos fundamentais da filosofia e a utilização das técnicas de guerrilha de Che Guevara. Um dos fundadores do Comando Vermelho, em seu livro, fez a seguinte consideração: “[...] Quando os presos políticos se beneficiaram da anistia que marcou o fim do Estado Novo, deixaram na cadeia presos comuns politizados, questionadores das causas da delinquência e conhecedores dos ideais do socialismo. Essas pessoas, por sua vez, de alguma forma permaneceram estudando e passando suas informações adiantes [...] Repercutiam fortemente na prisão os movimentos de massa contra ditadura, e chegavam notícias da preparação da luta armada. Agora Che Guevara e Régis Debray eram lidos. Não tardaria contato com grupos guerrilheiros em vias de criação. (WILLIAN, 1991 apud AMORIM, 2004, p. 95)” Nesse período turbulento os presos políticos estavam sendo liberados e iniciou-se uma fase de segmentação dos pequenos grupos criminosos. A Falange Zona Sul comandava umas das galerias do presídio atuando com tráfico de drogas e jogos, exercendo influência tanto com os presos quanto com a administração. Outra falange, a da Coréia, tinha como principal modelo de atuação os ataques a outros presos, cometendo violência sexual e roubos. A falange Zona Sul e Coréia se unem formando o Terceiro Comando. 23 Um grande grupo, conhecido como Independentes, aparentemente não se envolvia nas disputas internas, mas a história cobertura era outra, por traz de sua neutralidade estava o apoio ao grupo falange Jacaré, responsável por praticamente todas as ações criminosas no presídio, nada acontecia sem a permissão desse grupo. Essa falange tem como inimigo outro grupo, o do Fundão, em que não existia contato e, portanto imperava certa tranquilidade entre essas facções. O grupo do Fundão foi afetado pelos presos políticos com seus ideais, esse grupo também era conhecido como Falange Vermelha, criada pelo traficante Rogério Lemgruber posteriormente se tornaria o Comando Vermelho. O ambiente que o próprio Estado fornecia foi propício para a formação das facções, era comum a violência dos carcereiros e dos assassinatos encomendados. Os presos eram aterrorizados pela constate possibilidade de estupro e morte, muitas vezes de maneira gratuita ou simplesmente para manter a atmosfera de terror e medo entre os detentos. Alguns presos tinham lema adotado do contata com os militantes políticos: “Responder à violência com mais violência”. O Estado, dessa forma, teve grande parcela de culpa na criação desses grupos, seja através de total ausência ou preocupação na recuperação das pessoas que ali estavam ou mesmo de deixar a segurança e controle à sorte de cada um. Lideres surgiram e então o domínio deixou de ser do Estado, as pessoas seguiam ordens para se manterem no grupo e assim maior possibilidade de permanecerem vivos. A guerra entre as facções e consequente hegemonia do grupo vencedor é uma certeza entre os criminosos. O principio do domínio do Comando Vermelho se dá em uma tentativa de fuga. Em agosto de 1979 havia um plano de fuga de alguns componentes do Comando Vermelho, esse plano acaba sendo delatado por um dos presos, por fim a fuga não acontece e começa uma caçada de morte ao delator. Nas investigações do grupo um detendo é apontado como sendo o delator, esse preso faz parte de outro grupo, a falange do Jacaré, ele é morto e assim inicia uma nova parte da história, um massacre que ficou conhecido como a noite de São Bartolomeu. Esse evento ocorreu quando 24 a Falange Vermelha, a fim de responder à ação da Falange do Jacaré, emitiu um comunicado, que todos adotassem as regras impostas ou seriam executados. A falange não aceitou e então teve inicio o massacre, no dia 17 de setembro de 1979 a Falange Vermelha toma o poder do presídio assassinando os lideres da falange do Jacaré. Os outros grupos imediatamente aceitam o controle e se rendem ao novo dominante. Esse ponto da história traz a tona o surgimento do Comando Vermelho. Mesmo com todos os acontecimentos o Estado não toma nenhuma providência a fim de desestruturar o grupo, dessa forma a facção criminosa ganha cada vez mais força angariando novos membros, inclusive de outras instituições penais. O domínio de espaço do Comando Vermelho é uma das estratégias adotadas, conquistar cidades, comunidades, bairros, atrair pessoas e transpor e dissuadir seu poder, sendo que no início essa ação era baseada no relacionamento de respeito, atualmente utiliza-se o terror e medo a fim de manter a autoridade e poder do grupo. Tabela 1: Distribuição das Facções no RJ6 Facção Áreas % Comando Vermelho (CV) 77 31,4 Amigos dos Amigos (ADA) 34 13,9 Terceiro Comando Puro (TCP) 29 11,8 Áreas sob controle de milícias 96 39,2 Áreas perdidas para a polícia 9 3,7 245 100 Total Atualmente o Comando Vermelho detêm 77 áreas (Misse, 2011), sendo 31,4% do total das áreas dominadas e o grupo concorrente direto é dos Amigos dos Amigos (ADA), que mantem 6 Ministério da Justiça 2011 25 13,9% das áreas (Ver Tabela 1). Em se tratando de quantidade e não tamanho das áreas as milícias detêm a maior parcela de participação, com 39,2% do total. A Figura 8 apresenta o mapeamento dos domínios territoriais das facções que controlam o município do Rio de Janeiro. Nas observações dessas áreas é possível determinar uma grande proximidade dos grupos criminosos com áreas reconhecidamente inseguras. Figura 8: Controle Territorial do Município do Rio de Janeiro - 2014 No local em que existe Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) as facções deixaram de atuar, no entanto o estado ainda sofre de um grande comprometimento. As Milícias estão em territórios quase que dominados exclusivamente por esse grupo, já os grupos Amigos dos Amigos (ADA), 26 Comando Vermelho (CV) e Terceiro Comando Puro (TCP) praticamente disputam as áreas entre si, gerando um grande problema de constantes confrontos e pouca atuação do Estado. As agências de Segurança procuram mapear os locais controlados pelas facções e dessa forma controlar sua atuação “permitindo” que esses grupos explorem a área e não consigam aumentar seu espaço já ocupado ou mesmo interferir entre outras facções. Essa estratégia permissiva pode ser encarada como um modelo de guerra assimétrica em que o inimigo é tolerado por uma aparente trégua ou sensação de tranquilidade, pois dessa maneira existiria um controle dos crimes. As ocupações fizeram com que fosse possível analisar as estratégias das facções. Enquanto a ADA atua com o objetivo de lucro e com notório entendimento em evitar confrontos com os órgãos policiais. O Comando Vermelho busca demonstrar sua força e poder mantendo o domínio territorial a qualquer custo, seus componentes se orgulham em demonstrar sua potência armada como um símbolo de sua luta paramilitar, retornando suas origens aos ideais dos presos políticos da década de 1970, sendo o grupo mais agressivo no tocante ao enfrentamento ao Estado (Rodrigues, 2014). O Comando Vermelho teve vários lideres em sua história, atualmente seu chefe é o traficante Luiz Fernando da Costa, conhecido como Fernandinho Beira-Mar. Criado na Favela Beira-Mar no Rio de Janeiro, iniciou na criminalidade logo cedo e passou diversas vezes pelo sistema prisional. Em seu tempo de liberdade já se refugiou no Paraguai e Uruguai, tendo inclusive associação com as FARC na Colômbia, onde estudo sobre os métodos de atuação do exército colombiano. Atualmente o criminoso encontra-se preso desde 2001, mas continua a comandar o CV. 27 2.1.4 AMIGOS DOS AMIGOS ADA – Amigos dos Amigos, uma das três maiores facções do Rio de Janeiro. Sua origem remonta os anos 1994, também foi fundada dentro de instituições prisionais. Seu primeiro líder e mentor do grupo foi o criminoso Ernaldo Pinto de Medeiros “Uê” Figura 9. Figura 9: Ernaldo P. Medeiros "Uê" A facção ADA, em sua origem, se associou ao Terceiro Comando a fim de reduzir a força do Comando Vermelho, pois diversos dos membros eram dissidentes do CV, o próprio “Uê” foi expulso do CV por ter matado um dos líderes da facção. Quando foi preso se uniu aos criminosos Celsinho da Vila Vintém e Jose Carlos dos Reis Encima “Escadinha”, morto em Setembro de 2004. O comportamento do criminoso “Uê” era diferente dos outros líderes das facções rivais, ele utilizava um conceito menos violento e mais empresaria, não utilizava drogas e preferia desenvolver uma estrutura de distribuição das drogas e mantinha relação comercial com produtores na Colômbia, Paraguai e Bolívia. Considerado uma empresa, com a área de produção, logística e distribuição completamente administrada pelo criminoso. 28 Em 2000 a ADA se associa ao Terceiro Comando, compartilhando recursos como armas e homens e criando um pacto de respeito das áreas de cada facção. Suas forças conjuntas foram direcionadas para a guerra de territórios com o Comando Vermelho, sendo que nessa época o reduto da ADA era o Morro do Adeus em Bonsucesso. “Uê” foi morto, provavelmente a pedido do chefe do CV Fernandinho Beira-Mar, em uma rebelião dentro do presídio Bangu I, Celsinho da Vila Vintém foi poupado, alguns relatam que por ele ter colaborado com informações. Hoje está jurado de morte pelo TC e ainda cumpre pena dizendo que deve sua vida a Beira-Mar. Esse acontecimento faz com que a união das duas facções seja rompida e alguns dissidentes do Terceiro Comando fundam o Terceiro Comando Puro. Fernandinho Beira-Mar Escadinha 2002 Celsinho da Vila Vintém 2002 Figura 10: Criminosos CV e ADA Após a morte de “Uê” outro líder assume, Irapuan David Lopes “Gangan” que em 2004 é morto em um confronto com a polícia no Morro de São Carlos. O Criminoso “Pão” também é morto pelo BOPE7. 7 Batalhão de Operações Policiais Especiais 29 Em 2005 Edmílson Ferreira dos Santos “Sassá” um dos principais líderes é preso, em seu lugar assume Tadeu dos Reis Nascimento “Bola”, que morreu no mesmo ano em confronto com policiais militares no Morro do Juramento. Outros líderes também foram mortos, “Donga” e Eguiberto, enfraquecendo cada vez mais a facção. Hoje a ADA domina uma grande área do Rio de Janeiro, sendo a Rocinha, mesmo pacificada, sua área de atuação (Figura 11). Figura 11: Favela da Rocinha A Rocinha está localizada na zona sul da cidade, faz divisa com a Gávea, São Conrado (bairros de classe alta) e Vidigal. Segundo o Censo de 2010 possui 69 mil habitantes em uma área 30 de 143 ha. O IDH8 medido em 2000 colocava a Rocinha na posição 120 de 126 regiões da cidade do Rio de janeiro. Em 2011 aconteceu a operação de retomado de território onde o Exército Brasileiro e as polícias ocuparam a região com o objetivo de derrubar o controle de bandidos de facções cariocas e instalar a 28º. UPP9 da cidade. Depois da fase de ocupação a efetivação da UPP aconteceu em setembro de 2012 com um efetivo de 700 policiais e acompanhamento de vigilância eletrônica com o uso de câmeras. O Traficante Antônio Francisco Bonfim Lopes “Nem da Rocinha” foi o que se pode chamar empresário do crime. “Nem” foi o responsável por apaziguar os ânimos dos criminosos da região, bem relacionado era respeitado inclusive por outros chefes de outras facções. 2.1.5 MILÍCIAS A origem da expressão milícia é antiga e já era utilizada na Roma antiga (Pernambuco, 2012), o termo se refere a uso de tropas militares que eram acionadas e organizadas somente em situações emergencial, onde houvesse qualquer ameaça direta à segurança pública e dos cidadãos, que geralmente, nessa época, tinham relação com invasões e ataques de exércitos inimigos. Também poderiam ser utilizados na condução de outros tipos de incidentes, como desastres naturais ou eventos de grande porte com impacto direto na vida das pessoas da época. Atualmente a expressão milícia é relacionada para nominar grupos armados (militar e civil) não integrantes das forças armadas, sua atividade é marginal à lei e interesse financeiro em suas ações. Geralmente instalado em comunidades carentes e que o Estado não se mostra presente para os moradores dessas regiões. 8 Índice de desenvolvimento humano 9 Unidade de Polícia Pacificadora 31 Para o estado do Rio de Janeiro milícia está associado a atividades ilícitas. Utilizando-se de técnicas de extorsão a moradores, comerciantes e cidadãos das localidades ondem atuam, cobrando taxas de “segurança”. Suas atividades incluem:  Comércio de água, gás, etc;  Transmissão de internet e TV paga “gatonet”;  Transporte de pessoas (Moto taxi, vans). Com a estratégia de proteção contra criminosos os milicianos encontraram na fragilidade das pessoas e ausência do Estado um local fértil para seus crimes. Utilizando conhecimentos e técnicas militares e influência com autoridades policiais, esse grupo consegue obter espaços de outras facções, sendo a milícia o terceiro maio grupo criminoso do Rio de Janeiro. As origens das milícias no Brasil remonta a década de 1970, onde o crime organizado surgia e atuava de forma violenta com os menos favorecidos. Nessa época os justiceiros iniciaram os trabalhos a fim de eliminar a criminalidade pela falta de punição em que o Estado se encontrava, principalmente nas regiões das favelas. Um dos primeiros relatos da atuação das milícias deve-se ao fato de comerciantes da favela Rio das Pedras em Jacarepaguá, que resolveram contratar policiais a fim de reprimir os assaltos e o tráfico, que afugentavam os clientes do local. Depois desse fato os grupos começaram a se expandir e vender a proteção para outras localidades, que o tempo mostra o erro dos bem intencionados comerciantes, os milicianos perceberam que poderiam ganhar muito mais tomando os negócios dos outros bandidos e fazendo eles o trabalho do tráfico. O “modelo de negócios” das milícias é variado os valores, de acordo com o poder aquisitivo de seus “clientes”. Moradores que demonstram ter maiores condições financeiras que outros pagam mais pelos serviços. Também são utilizados códigos para cada residência, o grupo de milicianos “Liga da Justiça”, faz as seguintes marcas: Trevo verde (gatonet), pinheiro vermelho (devedor), dessa forma o grupo mantém seu poder através do medo e dissuasão. 32 O grupo parapolicial “Liga da Justiça” é hoje a maior e mais conhecida milícia do Rio de Janeiro. Surgiu em 2007 na Zona Oeste (Oliveira, 2012), seu principal líder é o ex-policial Ricardo Teixeira Cruz “Batman” (Figura 12). Figura 12: Ricardo Teixeira Cruz "Batman" “Batman” foi expulso da policia militar em 1992, sendo acusado de diversos crimes, entre eles homicídios, assumiu o controle da Liga da Justiça em 2008 e foi preso em 2009, fugindo pela porta da frente da cadeia, com a conivência de policiais. Foi recapturado em 2011 e encontra-se preso aguardando julgamento. Também é comum que as residências sejam invadidas e exigido que os moradores deixem suas casas, repassando seus lares por preços inferiores ao mercado, quem não segue as determinações sabe que corre risco de morrer, por isso acabam cedendo ao criminoso. A Figura 13 apresenta infográfico demonstrando o poder da milícia Liga da Justiça. Nos bairros em que os milicianos controlam chegam a ter mais de 1 milhão de pessoas, com área de 710 Km2, cobrando todo tipo de serviço da população, muitas vezes não possuem escolha a não ser pagar aos criminosos as taxas determinadas. 33 Figura 13: Atuação da Milícia10 Em 2006 aconteceu um grande ataque dos grupos criminosos em represália ao avanço das milícias. Os alvos dos ataques eram policiais civis e militares onde os traficantes incendiaram coletivos e utilizaram bombas em prédios do governo, nessa ocasião dezenove pessoas foram mortas, neste evento também houve sete mortes quando um ônibus foi incendiado. A reação da polícia não demorou e foi também nos mesmos moldes violentos, buscando reprimir os criminosos através do terror e força do contra ataque. O governador reconhece a existência das milícias e anuncia que qualquer cidadão que possua vínculo com os criminosos seriam presos, diferente do governo anterior que nem sequer assumia a existência do grupo paramilitar. 10 http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2015-09-03/policia-investiga-ligacao-entre- mortes-e-guerra-entre-milicias-na-zona-oeste.html - acessado em 28/01/2016 34 A omissão do Estado e leis que permitissem reprimir as milícias fez com que os mesmos ganhassem força e prosperassem no seu plano de poder, isso incluía a exortação do poder para o legislativo. Nessa fase alguns membros acenderam para a política assumindo os cargos públicos e elevando o poder do grupo. Com um grupo cada vez maior e a omissão do Estado, em 2007 acontecem os primeiros embates entre as facções e milicianos. Na favela Cidade Alta, Zona Norte, que engloba os bairros Cordovil, Avilã, Cinco Bocas, City, Divinéia, Pica-Pau, Roraima e Serra Pelada, dominada pelo Comando Vermelho, um grupo toma o poder dos traficantes, contanto inclusive com o auxilio da polícia militar e utilização do blindado conhecido como Caveirão. Não demora muito e a comunidade é retomada pelos criminosos, na época liderada pelo traficante Gilberto Martins da Silva “Mineiro” da Cidade Alta (Figura 14), que posteriormente em 2008, em confronto com policiais, seria morto. Figura 14: Gilberto Martins da Silva "Mineiro" As tentativas de ocupação de outras favelas continuam em 2008. Na favela do Batan, Realengo, os milicianos sequestram e torturam diversos jornalistas que estavam disfarçados fazendo uma reportagem sobre o grupo. Por receito de que o caso tenha grande repercussão na mídia, os criminosos decidem libertar os jornalistas. 35 No mesmo ano aconteceu o massacre na Carobinha, sendo atribuído aos milicianos em sua tentativa de tomar o poder transferindo a autoria aos traficantes da região fortalecendo a presença dos mesmos e apoiando candidatos políticos. Em 2010 os criminosos, tanto milicianos quanto das facções, sofrem um duro golpe. A criação das UPPs faz recuar o domínio dos criminosos, entretanto não elimina totalmente os crimes dessas regiões. Uma das principais características que diferenciam as milícias das facções ou outros grupos criminosos é o fato de que o tráfico, geralmente o principal modelo de negócios dos criminosos, deixa o cidadão de fora, de modo que não importune os bandidos e que também não interfiram nas atuações criminosas. Já a Milícia tem como principal prerrogativa negocial o próprio cidadão, é este que “financia” as atividades ilícitas através do pagamento das “taxas de proteção”. Também é comum nas áreas dominadas pela Milícia a invasão das casas e as vidas particulares dos moradores. Por ter envolvimento político, também é muito comum o apoio de candidatos escolhidos pelos criminosos. Esse apoio vem através das associações que são administradas pelos lideres comunitários escolhidos também. Todo morador deve pagar a taxa e se associar se pretende morar no local, dessa forma os serviços deixam de ser fornecidos pelo Estado e passa a ser totalmente mantido pelos criminosos, tudo passa pelo grupo, inclusive as cobranças de impostos, que em vez de serem recolhidos ao estado do Rio de Janeiro é coletado pelos participantes do grupo. Em 2012 foi publicada lei que finalmente tipifica a atividade ilícita de milícia (Lei 12.720). Além de formação de quadrilha é definido o tipo de organização paramilitar, onde prevê reclusão de até oito anos para qualquer cidadão que constituir, organizar, integrar, manter ou financiar esse tipo de organização, seja paramilitar ou particular que tenham como objetivo a pratica de crimes já previsto na legislação brasileira. 36 CONCLUSÃO Não é fato recente a reunião de pessoas com o objetivo de prática de crimes e atividades ilícitas. Desde o conhecimento da humanidade este fato é recorrente. Atualmente considerado um problema grave para a sociedade, as organizações criminosas desempenham um papel aterrorizante no conceito de civilização, muitas vezes utilizando-se de técnicas de dissuasão através do medo e constante insegurança por parte dos cidadãos e moradores das regiões afetadas. Com as péssimas condições dos presídios brasileiros não foi difícil alguns criminosos utilizarem o ambiente para gerar uma revolta entre os outros internos. O descontentamento da maioria fez com que surgisse um sentimento de revolta entre os detentos e seus familiares, dessa forma o ajuntamento foi iminente. Com os grupos reunidos e organizados suas atuações criminosas ganharam força e ao mesmo tempo buscaram transferir a responsabilidade para o Estado e consequentemente à sociedade, que preferiu conduzir de forma passiva a tudo o que estava acontecendo. Nos anos 1960, com alguns presos políticos encarcerados junto a outros presos, surgiu um novo segmento do crime: As falanges, que reunidas em grupos espalhados por determinadas áreas e contando com conhecimento estratégico de suas ações, fez com que ganhassem escala nos crimes, de forma que cada componente da quadrilha agia de acordo com um conjunto. Como existiam muitos grupos organizados não demorou que se iniciasse uma verdadeira guerra de poder entre essas facções. O Rio de Janeiro se tornou uma braça de guerra urbana, dificultando a ação das polícias que tinha que se preocupar com a sua segurança e dos cidadãos dos locais dominados pelo crime. A insatisfação dos moradores dessas áreas não demorou a fim de que surgissem os justiceiros, que buscavam executar a justiça onde não existia a presença do Estado. Esse tipo de ocorrência foi o embrião para o surgimento das milícias, que com conhecimento militar, ofereciam a segurança que o governo não fornecia. Mal sabiam que 37 estavam entrando em uma armadilha, pois o grupo paramilitar passou a extorquir os cidadãos dessas regiões a fim de que pagassem pela sua “segurança”. No Rio de Janeiro o problema do crime organizado parece longe de ser resolvido, mesmo com a criação das Unidades Pacificadoras o problema persiste, levando a se considerar mais sobre as políticas públicas de base do que propriamente ações policiais. Em outros estados parece que houve um desenvolvimento superior do crime organizado. Sem concorrência com outros grupos, o Primeiro Comando da Capital (PCC) domina as regiões do Brasil onde não existe a presença do Estado, tendo alguns membros elevados a cargos públicos e políticos, dificultando ainda mais o combate a esse tipo de crime. A sociedade deve se conscientizar que a omissão de sua participação somente traz benefícios ao criminoso, não se deve apenas fechar os olhos, construir presídios distantes das cidades e das pessoas honestas e assunto encerrado, deve existir maior debate sobre o assunto. Também não se deve transferir toda a responsabilidade para o combate ao crime para a polícia, pois sem existir políticas públicas consistentes de melhoria das condições da população pouca coisa mudará, da mesma forma seria leviano acreditar que somente isso seria o suficiente para evitar que as pessoas em enveredar ao mundo do crime. 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Amorim, C. (2004). A Irmandade do Crime. Rio de Janeiro: Record. Bigoli, P. d., & Bezerro, E. B. (2014). 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Olivieri, A. C. (1997). O Cangaço. São Paulo: Ática. 39 Pernambuco, T. O. (2012). A Sociedade Carioca e as atividades da Milícia. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho. Rodrigues, E. (2014). Rio-verão-2014: quando extinguir o Comando Vermelho passa a ser a novíssima solução para a questão da violência urbana carioca (1ª parte). Rio de Janeiro. Shimizu, B. (2012). Notas Para Um Estudo Das Facções Criminosas Brasileiras À Luz Da Psicanálise. São Paulo. 40 Anexos Anexo A: Estatuto Primeiro Comando da Capital 1 - Lealdade, respeito e solidariedade acima de tudo ao “Partido”. 2 - A luta pela liberdade, justiça e paz. 3 - A união contra as injustiças e a opressão dentro da prisão. 4 - Contribuição daqueles que estão em liberdade, com os irmãos dentro da prisão, através de advogados, dinheiro, ajuda aos familiares e ação de resgate. 5 - O respeito e a solidariedade a todos os membros do “Partido”, para que não haja conflitos internos, porque aquele que causar conflito interno dentro do “Partido”, tentando dividir a irmandade, será excluído e repudiado do “Partido”. 6 - Jamais usar o “Partido” para resolver problemas pessoais contra pessoas de fora porque o ideal do Partido está acima de conflitos pessoais. Mas o “Partido” estará sempre leal e solidário a todos os seus integrantes para que não venham a sofrer nenhuma desigualdade ou injustiça em conflitos externos. 7 - Aquele que estiver em liberdade, "bem estruturado”, mas esquecer de contribuir com os irmãos que estão na cadeia, será condenado à morte, sem perdão. 8 - Os integrantes do “Partido” têm que dar bom exemplo a ser seguido e, por isso, o Partido não admite que haja: assalto, estupro e extorsão dentro do sistema. 9 - O “Partido” não admite mentiras, traição, inveja, cobiça, calúnia, egoísmo, interesse pessoal, mas sim, a verdade, a fidelidade, a hombridade, solidariedade ao interesse comum ao bem de todos, porque somos um por todos e todos por um. 41 10 - Todo integrante terá que respeitar a ordem e a disciplina do “Partido”. Cada um vai receber de acordo com aquilo que fez por merecer. A opinião de todos será ouvida e respeitada, mas a decisão final será dos fundadores do “Partido”. 11 - O Primeiro Comando da Capital - P.C.C., fundado no ano de 1993, numa luta descomunal e incansável contra a opressão e as injustiças do Campo de Concentração anexo da Casa de Custódia de Taubaté, tem como lema absoluto "A Liberdade, a Justiça e a Paz". 12 - O partido não admite rivalidades internas, disputa do poder na liderança do comando, pois cada integrante do Comando sabe a função que lhe compete, de acordo com sua capacidade para exercê-la. 13 - Temos que permanecer unidos e organizados para evitarmos que ocorra novamente um massacre semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Detenção, em 2 de outubro de 1992, quando 111 presos foram covardemente assassinados, massacre esse que jamais será esquecido na consciência da sociedade brasileira. Porque nós do Comando vamos sacudir o sistema e fazer essas autoridades mudarem a prática carcerária desumana, cheia de injustiça, opressão, torturas, massacres nas prisões. 14 - A prioridade do Comando no momento é pressionar o Governo do Estado a desativar aquele Campo de Concentração “anexo” à Casa de Custódia de Tratamento de Taubaté de onde surgiram a semente e as raízes do Comando, no meio de tantas lutas inglórias e tantos sofrimentos atrozes. 15 - Partindo do Comando Central da Capital, o QG do Estado, as diretrizes de ações organizadas e simultâneas em todos os estabelecimentos penais do Estado numa guerra sem tréguas, sem fronteiras, até a vitória final. 16 - O importante de tudo é que ninguém nos deterá nessa luta porque a semente do Comando se espalhou em todo o Sistema Penitenciário do Estado e conseguimos nos estruturar também do lado de fora, com muitos sacrifícios e perdas, mas nos consolidando, a nível estadual e a longo prazo, nos consolidaremos também a nível nacional. Conhecemos nossa força e a força de nossos inimigos poderosos, mas estamos preparados, unidos, e um povo unido jamais será vencido. 42 LIBERDADE! JUSTIÇA! PAZ! "UNIDOS VENCEREMOS" 43