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FURB – Universidade Regional de Blumenau
Blumenau, 01 de Março de 2010.
Acadêmica: Joice Brignoli
Síntese: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida Privada e ordem no império. In:
História da Vida Privada no Brasil (v.2) São Paulo: CIA das Letras, 1997.
O texto envolve de maneira sistemática o momento de divergência e talvez
dúvida do que é privado e o que é público no Brasil Império do séc. XIX.
Englobando vários temas que nos faz perceber essa divergência, mas
conseguindo entrelaçar cada um deles, numa grande teia que torna
compreensível a discussão.
Além da temática público e privado, o texto enfoca como sujeito do texto os
escravos, os negros, os africanos, a escravidão.
Coloco de forma separada esses sujeitos, pois é desta forma que estes
aparecem no texto.
O escravismo moderno previa o privilégio de possuir um escravo, e isso
insidia na idéia de vida privada. Porem, a gestão da escravidão e sua
manutenção, dependiam do governo.
O escravismo era uma medida tomada pelo Império, de forma a modelar a
escravidão ao direito moderno, dentro de um país independente, projetando –
sobre a contemporaneidade.[1]
É esse direito moderno, que lança o escravo dentro do jogo do público e
privado, fazendo dele o principal motivo de muitas discussões no Império.
A vida privada passou também por questões políticas, onde autonomia
municipal era a pauta da disputa. As autoridades municipais reividincavam
por mais força e pela redução das decisões da Câmara dentro das províncias.
O poder público invadia o espaço do poder municipal, fazendo muitas vezes
do escravo um espião da família do fazendeiro e nem era de desejo do
império deixar que o poder municipal fosse expandido.
O período imperial é marcado por divergências deste tipo, da ordem pública
e privada, porem a algo acima dessas disputas e que deveriam ser respeitas:
a ordem privada da escravidão.
A presença escrava no Rio de Janeiro do séc. XIX era de 110 mil escravos
para 266 mil habitantes e de acordo com os censos dos anos seguintes a
concentração de habitantes nascidos na África aumentava, chegando a um
habitante a cada três no município do Rio de Janeiro.[2]
As opiniões contra o tráfico começam a surgir à medida que o Brasil é o
único país independente a praticar o tráfico. A densidade da população
negra diminuiu com a extinção do tráfico e com a chegada de imigrantes
lusitanos.
Com essa difusão cultural, e com isso um desequilíbrio fonético e
lingüístico, onde a corte divide-se em sotaques por não haver um que fosse
estabilizado.
O linguajar e das diversas formas de falar-se no Brasil Império é um
assunto constante, pois a mudança no falar e a adaptação da fala portuguesa
muitas vezes não aceita, era algo que confundia quem falava e dividia a
população em linguagem português-brasileiro e brasileiro-português. Essa
diferenciação lingüística variava de acordo com as províncias, e com a
influência que elas tiveram.
Com a introdução do Rio de Janeiro como porto de comércio e troca de
produtos com a França, transforma a vida da corte e do império.
Um grande crescimento de importados, supérfluos, bens de consumo
semiduráveis, fazia o Brasil trocar seus produtos como açúcar e café por
produtos que tornava a corte mais "europeizada".
A introdução de uma linha de navio a vapor entre Liverpool e o Rio de
Janeiro, faz com que entremos na linha de modernidade européia.
Os produtos europeus e americanos tomam o Brasil, fazendo a corte e o
comércio usurpar de costumes e principalmente o vestuário.
As lojas investiram fortemente em artefatos que fazia a corte parecer uma
nova Paris na América, com tecido importados diretamente de países
europeus.
A imprensa teve grande participação em todo esse processo, e em diversos
outros assuntos que permeavam a época. A difusão no Brasil das tendências
de moda na Europa eram divulgadas em uma revista especifica para o público
feminino.
Os padrões de vida Francês também foram copiados pelo modo de vida rural.
Mas além da indumentária, a corte deveria se caracterizar completamente
para se enquadrar aos moldes das elites européias. A mudança de hábitos
musicas, com a entrada do piano como instrumento que simbolizava status.
Quem sofrerá com essa mudança brusca de hábitos musicais eram os escravos,
pois tinham na musicalidade uma prática social, dentro da sua cadeia de
representações e simbologias. Rituais e demais festejos eram acompanhados
de musicas e movimentos.
O piano era o único instrumento que ainda não havia caído nos ritmos
africanos. Além de ser um instrumento vindo da Europa, o fato de os
escravos não dominarem essa arte, fazia do piano um instrumento clássico,
de elite.
Essa diferenciação, do que pertence a elite e do que é dos escravos pode
ser observada também no carnaval. Nos bailes públicos ou privados, dançavam-
se ritmos semelhantes. Com a distinção das festas de rua, popular e negra,
das festas do salão branco, o carnaval, nasce uma nova forma de separar a
elite da classe popular, tudo porque esse carnaval baseava-se nos carnavais
venezianos de máscaras. O Jornal O Commércio anuncia o êxito dessa festa
quando anuncia "O Carnaval [...] é mil vezes preferível ao entrudo de
nossos pais, porque é mais próprio de um povo civilizado e menos perigoso a
saúde."[3]
Ao mesmo passo que tínhamos essa corrente de tentativa de forjar uma Europa
que não cabia na realidade Brasileira, havia uma luta violenta
antilusitanista que acabou criou um nacionalismo brasileiro, que
estabelecerá um comportamento individual e privado, na tentativa de
assegurar a unidade nacional.
Esse movimento nacionalista previa a exclusão de todos os costumes que
fossem lusitanos ou europeus no geral. Assim criaram-se formas de dizer
quem era e quem não era brasileiro, como o ato de fumar charutos ou
cachimbos. O cachimbo apesar de ter origens africanas, era a preferência
européia, então, o ato de fumar tão difundido no Brasil Regencial, deveria
ser de charutos, e charutos brasileiros.
Os escravos, mais uma vez, aparecem nesse novo cenário de nacionalismo. As
amas de leite eram de suma importância e representavam uma forma de
comércio para seus donos, que vendiam ou alugavam suas escravas que teriam
tido filhos recentemente. Com a onda de européias de aleitamento materno, a
discussão sobre as vantagens de a mãe amamentar seu filho ganha força, e
chega ao Brasil como condenação quase unânime contra as amas de leite,
assim como deixa claro o Jornal O Constitucional "O infante alimentado com
leite mercenário de uma africana, vai, no desenvolvimento de sua primeira
vida, aprendendo e imitando seus costumes e hábitos[...]."[4]
A ciência vinha crescendo cada vez mais na Europa, e aos poucos refletia no
Brasil, principalmente na medicina, que ainda era muito precária no Brasil.
As parteiras, atividade passada de geração em geração na família, tinham
sua atividade representada com uma cruz preta na frente de sua casa, pois
atividade geralmente presumia em morte, seja da mãe ou do filho, devido às
doenças infecciosas que envolviam o parto. A publicação de livros
referente a práticas médicas e o surgimento de medicamentos, chegam ao
Brasil. Esses manuais são traduzidos especificamente para o leitor
brasileiro, assim como manuais de como gerar filhos bonitos e saudáveis.
O cuidado com a gestação e com a saúde para que essas crianças nasçam
sabias e fortes começa a tomar corpo ao longo do séc. XIX. Cria-se também,
manuais para os fazendeiros de como cuidar dos seus escravos, visando o
lucro que teriam com esses, pois uma escrava grávida e bem cuidada geraria
um escravo saudável, o que fazia valer e dobrava a compra do fazendeiro.
Foi essa medicina também, que permitiu o estudo do corpo, e do crânio e
baseado nas afirmativas de que o crânio do negro era relativamente menor do
que o branco, não havia problemas deste ser subjugado e não possuir todas
as faculdades intelectuais bem desenvolvidas.
O sanitarismo no séc. XIX era tão precário quanto à medicina. As doenças
devido à falta de cuidados com a saúde e higiene acarretaram um índice de
mortalidade muito grande para a época, e mexeu com a organização social de
separação de escravos libertos e livres e escravos, aonde apenas os dois
primeiros poderiam usar sapatos. Porem com o avanço da cólera e o pedido do
uso de sapatos para evitar a proliferação desta, fez com que todos os
escravos, ou pelo menos esse era o pedido, usassem sapatos até o fim dessa
epidemia.
A síndrome do branqueamento atingiu os escravos livres e libertos, que de
tudo faziam para parecer branco, camuflando-se e escondendo suas origens
afro de toda forma. A boa aparência era assunto que surgia e atingiu todos,
até a corte. A preocupação com a aparência fez surgir um comércio volumoso
de cosméticos e adereços que disfarçassem os hábitos pouco higiênicos da
corte e da população no geral.
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[1] ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida Privada e ordem no império. pág. 17
[2] ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida Privada e ordem no império. pág. 25
[3] ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida Privada e ordem no império. pág. 52
[4] ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida Privada e ordem no império. pág. 65