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Revista Petrobrás - Projeto Pé-de-pincha

No rastro da pincha

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Biodiversidade NO RASTRO DA PINCHA CAPÍTULO 8 TEXTO: JOSÉ BRITO CUNHA ARTE: MATHEUS JEREMIAS FORTUNATO Quando era criança gostava de apostar com meu irmão quem era o melhor piloto de corridas com tampinhas de garrafas de refrigerante. A brincadeira acontecia durante o verão nas areias das praias de Cabo Frio, litoral norte do estado do Rio de Janeiro. Sempre perdia. Jamais acreditei que ganharia a vida à base de arremessos de tampas a metro. Privado do talento em dar petelecos em pequenos pedaços de metal, a brincadeira me veio à mente, décadas depois, ao conversar com o engenheiro agrônomo Paulo Cesar Machado de Andrade sobre o trabalho de conservação de quelônios na Amazônia. Explico: o rastro deixado por filhotes de tracajás, tartarugas, iaçás e irapucas na areia lembra a mesma marca proporcionada pelas tampinhas de refrigerante quando arrastadas no solo. Tais tampas são tradicionalmente conhecidas como fichas em determinadas regiões do Pará e pinchas em outras localidades do Amazonas. “É por isso que o projeto de conservação dos quelônios leva o nome de Pé-de-pincha. Não tínhamos outra escolha senão comparar com as tampas de garrafas que sempre deixam trilhos nas areias”, afirma Paulo, após longa risada. Amazonense de nascimento e apaixonado por bichos desde criança, quando jovem Paulo não encontrou outro destino melhor ao curso de veterinária. O estudante só não contava com a ausência da cadeira em sua época, nos bancos universitários da Federal do Amazonas. Determinado, cursou agronomia e se formou mestre em Ciências de Conservação e Manejo de Fauna pela UFAM. “Gostava de animais selvagens, daqueles que a gente via nos filmes de Tarzan. Como não tínhamos o curso de veterinária, nem zootecnia, eu queria ir a campo, investigar, fazer coisas concretas e não apenas teorizar”, completa o então engenheiro agrônomo. Entre a pesquisa e a prática passaram-se alguns anos. Neste ínterim, a paixão pelos animais levou Paulo ao interior de São Paulo para uma breve experiência com a criação de capivaras no município de Piracicaba. Somente em meados da década de 1990 ele retornaria ao Amazonas para mergulhar de vez no campo de pesquisas em quelônios. “Esse trabalho teve ampla divulgação na mídia e ajudou a incentivar a queloniocultura no Amazonas. Passamos de 13 criadores, no início do trabalho em 1996, para 85 criadores registrados em 2010, tornando o nosso estado o maior criador comercial de quelônios do Brasil. São aproximadamente 250 mil animais em cativeiro e uma produção de três toneladas mensais de quelônios legalizados no mercado de Manaus.” PATROCÍNIO: PROJETO PÉ DE PINCHA Especial Esp FOTOS: PROJETO PÉ DE PINCHA rsidad ive al Biod eci e O DESPERTAR DE UM SONHO POSSÍVEL Em 1998, um fazendeiro do município de Terra Santa, no oeste do Pará, entrou em contato com os pesquisadores para resolver um problema que vinha tirando seu sono. Conhecido como Seu Mocinho Lobo, o comerciante e pecuarista Manuelino Bentes percebeu que as populações de tracajás do lago Piraruacá, onde ficava sua fazenda, estavam diminuindo em ritmo acelerado nos últimos anos. Fato ocasionado pela pesca de arrasto e as grandes embarcações que cortavam o capim das margens levando o que encontravam pela frente, sobretudo peixes e quelônios. Segundo Paulo, a ideia do fazendeiro era simples: proteger os ninhos de tracajás com caixinhas de madeira e distribuir outras tantas para que os demais moradores também protegessem seus ninhos. Além disso, queria começar a reflorestar as margens do lago e dos igarapés com plantas que produzissem frutos para alimentar peixes e tracajás. Sensibilizado com o apelo do morador, no final do ano de 1998, Paulo foi a Terra Santa e, às margens do lago do Xiacá, deu início à proposta de expansão da ideia de Seu Mocinho às outras comunidades de Terra Santa. De forma participativa, surgia o plano de ação do Projeto. Entre os desafios da nova jornada, era preciso definir áreas, métodos de conservação de quelônios, estratégias de conscientização, educação ambiental nas escolas e comunidades, formação de agentes ambientais voluntários pelo Ibama, buscas de alternativas para geração de renda. “Estava criado o plano de manejo comunitário de quelônios que serviria de base para o projeto ao longo dos últimos 12 anos”, conta Paulo, com a voz embargada ao lembrar que Manuelino Bentes morrera em 2005. LINHA DO TEMPO DO ALCANCE DO PROJETO PÉ-DE-PINCHA NA AMAZÔNIA ENTRE 1999 E 2010 ANO MUNICÍPIO 1999 TERRA SANTA (PA) 2000 ORIXIMINÁ (PA) E PARINTINS (AM) 2001 BARREIRINHA (AM) 2002 NHAMUNDÁ (AM) 2003 JURUTI (PA) 2004 BARCELOS (AM) E CARAUARI (AM) 2005 JURUÁ (AM) 2009 ITACOATIARA (AM) 2010 BORBA (AM), MAUÉS (AM), CARAUARI (AM) E EIRUNEPÉ (AM) 103 COMUNIDADES EM 13 MUNICÍPIOS. ÁREA DE ATUAÇÃO: 13.952.700 HECTARES, CORRESPONDENTE A 2,7% DA AMAZÔNIA LEGAL BRASILEIRA. POPULAÇÃO PROTEGIDA: CERCA DE 13.330 TRACAJÁS, 2.172 TARTARUGAS, 62.148 IAÇÁS E 2.390 IRAPUCAS FONTE: PROJETO PÉ-DE-PINCHA PATROCÍNIO: Esp FOTOS: PROJETO PÉ DE PINCHA rsidad ive al Biod eci e LIÇÃO DE CASA NA FLORESTA Em 12 anos de trabalho, foram mais de um milhão e cem mil filhotes soltos na natureza, principalmente na região do médio rio Amazonas, próxima à fronteira do Brasil com a Colômbia. Pesquisadores acreditam ser este o berçário mais importante de quelônios de água doce da América do Sul. Análise conflitante com a realidade em outras épocas, uma vez que nas décadas de 1970 e 1980, era comum encontrar pelas ruas de Manaus tartarugas capturadas para consumo e venda. Um destes entrepostos de maior movimento é a terra dos bois Caprichoso e Garantido: Parintins, onde está também um dos principais postos de controle do Ibama. Na contramão das ameaças às espécies formou-se uma proposta sólida de educação ambiental. O conhecimento acadêmico passado pelos pesquisadores tinha como meta principal o envolvimento comunitário. A matemática era simples: quanto maior o número de moradores com acesso às informações do projeto, maior a quantidade de quelônios protegidos. “Graças aos jovens e adolescentes que viviam e mergulhavam nos locais de soltura atrás dos tracajás marcados, aumentamos significativamente nossas taxas de recaptura e hoje sabemos que dos filhotes de tracajás que nascem e vão imediatamente para água, menos de 5% sobrevivem. No entanto, se eles são mantidos pelo menos dois meses em berçários, essa taxa de sobrevivência pode se elevar para 18% a 20%”, afirma o professor Alfredo Pontes, pesquisador do Projeto Pé-de-Pincha. A criação comunitária foi monitorada e trouxe bons resultados. Segundo pesquisadores do pro- jeto, os quelônios criados em tanques-rede demonstraram um ganho diário de peso (GDP) superior (0,202 g/dia) aos de tanques de alvenaria ou fibra (0,18 g/dia). A melhor densidade para este sistema foi de 40-65 indivíduos/m3, sendo que a sobrevivência foi de 10%. A produção total foi de 866 kg/36 meses, com receita líquida estimada em R$ 1.559/tanque/ano. A ideia dessa experiência era a de que comunidades que protegessem suas praias de reprodução de quelônios pudessem reservar um percentual dos filhotes para criação. Deu certo. No ano de 2008, o projeto Pé-de-Pincha foi selecionado pelo Programa Petrobras Ambiental (PPA) e mobilizou e capacitou mais pessoas não só para conservação de quelônios, mas como multiplicadores de educação ambiental nas comunidades e escolas. Só em 2010 foram beneficiados com a capacitação em atividades alternativas para gerar renda 2.404 moradores de populações tradicionais como índios, quilombolas, seringueiros e ribeirinhos. “Hoje, graças ao patrocínio da Petrobras, em cada município de atuação temos coordenadores capacitados com muitos anos de experiência no projeto e que começaram conosco como alunos da UFAM. O próximo passo é fazer o monitoramento da migração destes animais através de rádios via satélite; poderemos, efetivamente, avaliar o impacto das mudanças climáticas sobre os ninhos de quelônios, com a instalação de miniestações climáticas em cada área protegida”, conclui o engenheiro agrônomo e pesquisador do projeto, Paulo Cesar Machado de Andrade. Mais informações sobre o projeto Pé-de-Pincha em (www.pedepincha.ufam.edu.br) PATROCÍNIO: Esp FOTOS: PROJETO TARTARUGAS DO DELTA rsidad ive al Biod eci e MENSAGEM NA GARRAFA No rótulo da embalagem um nome chama a atenção: Omã. Poucos metros acima, outro exemplar do mesmo material, este chinês. Caminhando pela beira da praia a passos largos e, inconformado com o lixo encontrado na areia, o zootecnista Leandro Inakake de Souza sai para mais um dia de trabalho no Delta do Parnaíba. A razão do lamento está na quantidade de resíduos trazida por correntes marítimas a este belíssimo recorte da costa brasileira, localizado na divisa dos estados do Piauí e Maranhão. Entre garrafas plásticas, fraldas descartáveis e outros itens arremessados ao mar estão alguns dos perigos à sobrevivência de quatro das cinco espécies de tartarugas marinhas que frequentam o litoral norte do Brasil para alimentação e desova. “O que precisa mudar na sociedade são os padrões de consumo. Hoje em dia, tudo se joga fora, tudo é descartável. O problema aumenta quando percebemos que além da poluição gerada pelo lixo dos oceanos estes descartes causam outros impactos e ameaças a espécies como as tartarugas marinhas”, diz Leandro, que também é coordenador geral do Projeto Tartarugas do Delta. Desde 2009, Leandro vive em Parnaíba com sua família, fazendo parte da Comissão Ilha Ativa (CIA), instituição gestora do Projeto Tartarugas do Delta. O projeto é fruto de um esforço conjunto de biólogos, voluntários estudantes de biologia e engenharia de pesca que, preocupados com a preservação de um dos ambientes mais visitados no País, registraram, somente em 2010, 118 encalhes nas principais praias do Delta do Paranaíba. Werlanne Mendes de Santanta é uma das idealizadoras do projeto de conservação das tartarugas do Delta. Bióloga de formação, com pós-graduação em Recursos Pesqueiros pela Universidade Rural de Pernambuco, ela comenta sobre os desafios do trabalho. “Tudo começou quando eu ministrava aulas no curso de Biologia da UESPI (Universidade Estadual do Piauí) e recebi um convite para iniciar um levantamento de dados sobre as tartarugas marinhas no litoral piauiense. A partir desse momento, formou-se o grupo Tartarugas do Delta”, afirma a coordenadora técnica do projeto. COMUNIDADE LEVANTA BANDEIRA DA CONSERVAÇÃO Desde 2010 o projeto tem o patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Ambiental. De acordo com Francinalda Rocha, presidente do Projeto Comissão Ilha Ativa, o principal objetivo PATROCÍNIO: Esp FOTOS: PROJETO TARTARUGAS DO DELTA rsidad ive al Biod eci e do projeto é preservar, conservar e monitorar as tartarugas marinhas na Área de Proteção Ambiental do Delta do Paranaíba. “Estou muito feliz em saber que nosso projeto foi o único do Piauí contemplado pelo programa Petrobras Ambiental. Nossa tarefa é a recuperação de espécies e ambientes costeiros, marinhos e de água doce. Fomos apreciados pelo nosso trabalho com as tartarugas marinhas”, enfatiza Francinalda em entrevista ao Jornal da Parnaíba após o anúncio de seleção dos projetos do Programa Petrobras Ambiental, em outubro de 2010. Apesar dos avanços na pesquisa, ainda hoje são escassos os dados sobre a distribuição da tartaruga marinha no Litoral Norte do Brasil, em particular, na região da APA Delta do Parnaíba. Isso estimulou o grupo de pesquisadores a iniciar um banco de dados com os registros de ocorrências das espécies encontradas no litoral piauiense. Em 2006, Werlanne ligou para a base do Projeto Tamar na praia de Pipa/RN, que viabilizou estágios, contribuindo com o treinamento da equipe. Atualmente, as atividades de pesquisa do projeto visam registrar comportamentos reprodutivos e não reprodutivos das tartarugas marinhas do Delta do Parnaíba. Além das ações de pesquisa, o grupo realiza atividades de educação ambiental como ferramenta para a conservação das tartarugas marinhas. São realizadas visitas às escolas, às associações de moradores, de artesanato, de turismo, colônias de pesca e cooperativas das comunidades pesqueiras. “Durante o desenvolvimento das atividades de pesquisa e educação ambiental, conseguimos a colaboração de pessoas da comunidade pesqueira que despertam interesse em participar desse levantamento de dados com a equipe. Entre os colaboradores, contamos com dois tartarugueiros: um pescador, conhecido como Amaral, e o surfista Herbert Freitas, conhecido como Quadrado. “Os primeiros dados foram registrados pelo Quadrado, durante sua prática de surfe, na praia da Pedra do Sal, localizada no município de Parnaíba”, completa a bióloga Werlanne Santana. Ela destaca ainda que na mesma localidade estão as principais ocorrências de tartaruga de couro na região. Vale lembrar que a espécie é a mais rara entre as tartarugas que frequentam a costa brasileira e que o simples olhar de um surfista sobre a natureza é o suficiente para dar início a um bom relacionamento entre pesquisa científica e sustentabilidade ambiental. PATROCÍNIO: