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RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA DA AVALIAÇÃO EM ARTES NO ENSINO FUNDAMENTAL
Zaira Marliza Leite da Silva
RESUMO
Com o estudo buscamos levantar dados que demonstrem quais são os critérios
comumente utilizados no processo de avaliação da aprendizagem em Artes,
relacionando-os com teorizações de diferentes autores, como: Luckesi
(2006); Barbosa (2002 e 2005); Martins (1998) ente outros, a fim de
confrontar com a prática dos professores sujeitos da pesquisa. Pretendemos,
dessa forma, ampliar o entendimento sobre a prática da avaliação em Artes,
observada em quatro escolas públicas da cidade de Dourados-MS, tendo como
sujeitos da pesquisa quatro educadores, sendo dois leigos[1] e dois
graduados em artes. Reconhecendo que a avaliação exerce um papel importante
em todas as disciplinas, uma vez que o resultado obtido numa avaliação
poderá fornecer valiosas informações ao educador, tanto com relação à
aprendizagem do educando, como com relação à sua própria prática,
estimulando a reflexão e a re-avaliação de sua metodologia, os resultados
da pesquisa demonstram que apesar de tratar-se de uma temática de difícil
abordagem, é possível estabelecer a necessária e relevante discussão quanto
às práticas e métodos ora utilizados pelos profissionais no tocante à
avaliação da aprendizagem em artes, num sentido, antes de tudo, provocativo
de pertinentes reflexões.
Palavras-chave: Avaliação, Avaliação em Arte, teoria, prática.
ABSTRACT
The study it searched to raise given that they demonstrate which are the
criteria comumente used in the process of evaluation of the learning in
Arts, relating them with teorizações of different authors, as: Luckesi
(2006); Barbosa (2002 and 2005); Martins (1998) being others, in order to
collate with practical of the professors the citizens of the research. We
intend, of this form, to extend the agreement on the practical one of the
evaluation in Arts, observed in four public schools of the Dourados-MS,
having as citizens of the research four educators, being two laypeople and
two graduated arts. Recognizing that the evaluation exerts an important
paper in you discipline them to all, a time that the result gotten in an
evaluation will be able to supply valuable information to the educator, as
much with regard to the learning of educating, as with regard to its proper
practical one, stimulating the reflection and the reevaluation of its
methodology, the results of the research demonstrate that although to be
about a thematic one of difficult boarding, are possible to establish the
necessary and excellent quarrel how much practical and the methods however
used by the professionals in regards to the evaluation of the learning in
arts, a direction, before everything, provocative of pertinent reflections.
Key-words: Evaluation, Evaluation in Art, theory, practical.
Introdução
A problemática que envolve a avaliação na disciplina de Artes nas
escolas, causa inquietação e gera controvérsia entre muitos educadores
atuantes nessa área, ainda hoje, apesar das reestruturações observadas
nessa disciplina ao longo do tempo (BARBOSA, 2002). Não só em artes, mas no
processo educativo escolar, de modo geral, a avaliação do ensino,
historicamente, teve/tem como pressuposto a classificação numérica, na qual
ancoram-se as orientações didático-pedagógicas e pela qual legitimam-se as
expectativas e cobranças de desempenho do aprendiz, medido e expresso pela
aferição de notas como instrumento único. Mais aflitivo, ainda, é o fato de
que essa concepção se configurou como tradição no sistema educacional
brasileiro, acompanhando toda a trajetória da história da educação do país,
conforme demonstrado na literatura disponível[2], aflição que se acentua,
pode-se afirmar, pela (mesmo que breve) observação do cotidiano de muitas
escolas, especialmente as da rede pública.
Assim, visto ser essa concepção de avaliação, pautada na classificação
numérica, ainda hoje, bastante arraigada no processo de ensino-
aprendizagem, propomo-nos refletir sobre suas limitações, bem como sobre as
implicações que dela decorrem e, para tanto, buscou-se na literatura
disponível o respaldo teórico, as informações necessárias para a apreensão
dos elementos possibilitadores de uma visão/análise crítica da temática e
para que, paulatinamente, as dúvidas fossem elucidadas. Esse processo, ao
mesmo tempo, reforçou a convicção da relevância desse estudo, cujos
resultados são aqui apresentados.
Releva esclarecer que o estudo volta-se, especificamente, para o
processo de avaliação em Artes e, embora a temática (avaliação) num
contexto amplo, conte com representativa literatura disponível, no âmbito
do ensino de Artes é, ainda, bastante restrita. A investigação sobre a
prática avaliativa desses professores, portanto, configurou-se como
fundamental para a reflexão/discussão proposta, visto que, mais do que
ampliar a nossa compreensão sobre o tema, pretendemos contribuir para o
repensar da prática avaliativa em Artes, entendida como parte de um
processo mais amplo, ou seja, como instrumento para a formação e/ou
transformação de indivíduos críticos, cuja visão de mundo resulte de um
olhar sensível, capaz de múltiplas leituras.
Nesse sentido, o processo avaliativo observado nas escolas, bem como
as leituras que lhe são pertinentes, geraram a inquietação e os
questionamentos norteadores da pesquisa. Buscou-se responder: Que modelo de
avaliação utilizar a fim de se avaliar os conhecimentos adquiridos pelos
alunos relativos a temáticas, como na História da Arte? O professor avalia
os trabalhos realizados pelos alunos utilizando-se apenas de critérios
técnicos, não sendo influenciado pelo gosto pessoal ou pelos paradigmas
impostos pelo contexto social? O atual modelo, no qual a avaliação do
conhecimento, do desenvolvimento e da criatividade do aluno se dá apenas
através de trabalhos realizados nas "míseras" 2 hora/aulas semanais
prejudica o processo de criatividade deste aluno? Qual a base teórica dos
professores, sujeitos da pesquisa? Considerando-se, hipoteticamente, que
haja uma diferenciação na prática avaliativa desses professores, que
estratégias apresentam resultados mais satisfatórios? O que dificulta ou
impede a mudança nos atuais modelos de avaliação? O modelo atualmente
utilizado permite identificar as dificuldades individuais?
Para tanto, a trajetória do estudo teve como ponto de partida do
processo investigativo, a apropriação do conhecimento produzido sobre
avaliação escolar e posterior seleção/definição teórica, para qual foram
utilizadas fontes impressas e digitais. Entre os autores que discutem a
temática, o estudo é referenciado por: Perrenoud (1999), Santos (2004),
Sant'Anna (1995), Braga (2001) e Luckesi (2006); e, na área específica de
Artes: Martins, Picosque e Guerra (1998), Barbosa (2002, 2005) e Lima
(2006). Buscou-se, ainda, referências em algumas fontes documentais como:
Lei nº 9394 de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
– e Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1997).
Num segundo momento, definido o local da pesquisa – quatro escolas da
Rede Municipal de Ensino de Dourados/MS - e os sujeitos da pesquisa –
quatro professores que ministram a disciplina de Artes – procedeu-se a
coleta de dados, através de conversas informais com os quatro professores,
de entrevista gravada com esses professores e da observação da sala de
aula, nas aulas de artes.
Por fim, de posse dos dados coletados, configurou-se o terceiro
momento do estudo – a análise das informações – a fim de se buscar as
respostas para as questões apontadas, as quais resultarão, a nosso ver, em
informações que possam subsidiar a reflexão de professores, não só da área
de Artes, como das demais disciplinas integrantes do currículo escolar,
pois um dos fatores influenciadores para a realização dessa pesquisa foi a
constatação da escassez de obras, traduzidas e atuais, que versem sobre a
avaliação em Artes, o que muito dificultou tanto a construção do projeto e
elaboração do artigo, como também na definição daquele que seria o modelo
ideal de avaliação em Artes, o que nos leva a concordar com a afirmação de
que "[...] estamos 'enrolados' pela ausência de parâmetros que fundamentam
a avaliação necessária para o ensino, para alunos e para nós, professores"
(TOURINHO, 2002, p. 34).
A avaliação é um aspecto importante do processo ensino-aprendizagem,
pois é um instrumento cujos principais objetivos são, a verificação da
aprendizagem em relação conteúdo mediado pelo professor, o conhecimento das
dificuldades e deficiências dos alunos em relação à matéria, além da
identificação do progresso dos alunos e o diagnóstico de eventuais
problemas a serem solucionados, tanto pelo professor, como pelos demais
integrantes da equipe responsável pela elaboração do planejamento escolar,
através do qual buscarão encontrar novas abordagens e estratégias para a
prática avaliativa.
O educador em Artes, a exemplo dos demais educadores, precisa de
referências esclarecedoras, objetivas e contextualizadas quanto à prática
avaliativa, em todos os anos da Educação Básica. Acreditamos que, desta
forma, a avaliação possa assumir o papel de diagnosticar a evolução do
aprendizado do aluno, indo além da mera aferição numérica. Entendemos que o
atual modelo de avaliação precisa ser refletido e revisado, resultando em
mudanças que o permitam acompanhar os avanços sócio-culturais e
educacionais.
Sabemos que esse é um tema que suscita, além de muitas dúvidas e
questionamentos, certo desconforto, tanto nos professores em exercício e
nos acadêmicos das várias licenciaturas, como nos alunos, verificado tanto
nas obras consultadas como na observação durante a investigação da prática
docente dos professores. Contudo, a intenção da pesquisa não é a de
diagnosticar friamente os problemas decorrentes do atual modelo de
avaliação, mas a simples constatação de como está sendo feita a avaliação
em Artes pelos profissionais pesquisados, e qual a relação de suas práticas
com a teoria, buscando fornecer informações que possam auxiliar os arte-
educadores, os futuros profissionais da área e os demais educadores
interessados no tema.
Teoria x prática avaliativa na educação escolar
A avaliação, não é demais repetir, é um importante elemento do
processo de ensino-aprendizagem, cujos principais objetivos, segundo os
autores estudados, são a verificação da aprendizagem; a medida de obtenção
de conhecimento; as dificuldades apresentadas pelos alunos acerca das
informações que lhe são disponibilizadas; a identificação e o diagnóstico
de problemas que deverão ser solucionados. Por essa razão, entendemos que a
avaliação não merece ser reduzida à simples prática que qualifica e/ou
desqualifica o aluno por critérios quantitativos. Corroborando este
posicionamento, Santa'Anna (1995, p.17) observa que:
Para avaliar podemos usar instrumentos que testem e/ou
meçam, mas é muito mais do que atribuir um número,
quantitativo, pesar, qualificar e atribuir um valor
quantitativo e/ou qualitativo; é, acima de tudo, confirmar
a validade de um empreendimento. É constatar se a
estratégia escolhida, na busca de algo, funcionou, era a
mais adequada à situação e compensou, isto é, satisfez
nossas expectativas.
Podemos, então, observar que, pela avaliação, o professor pode aferir
não apenas o quanto o aluno aprendeu, como, ainda, pode
questionar/reavaliar sua atuação enquanto educador e efetuar mudanças na
sua conduta, caso observe que seus métodos não alcançaram o resultado
desejado. A avaliação permite, também, que o professor observe o rendimento
individual de seus alunos, o que caracteriza a avaliação individual como um
ponto importante no processo avaliativo, no sentido da analogia apresentada
por Perrenoud (1999, p. 15): "Nenhum médico se preocupa em classificar seus
pacientes, do menos doente ao mais gravemente atingido. Nem mesmo pensa em
lhes administrar um tratamento coletivo. [...]". Ou seja, cada aluno, assim
como cada paciente, deve ser observado e avaliado individualmente.
Partindo do princípio de que uma sala de aula conta com trinta alunos,
em média, percebemos que esta é uma tarefa difícil para o educador que atua
na educação básica, pois medir o desenvolvimento de cada um deles e
diferenciar qualitativamente é um desafio que lhe exige além do esforço,
compromisso, interesse, dedicação e amor ao trabalho. Sobre essa questão,
afirma Luckesi (2006, p. 99):
A prática da avaliação da aprendizagem, em seu sentido
pleno, só será possível na medida em que estiver
efetivamente interessado na aprendizagem do educando, ou
seja, há que se estar interessado em que o educando
aprenda aquilo que está sendo ensinado. Parece um contra-
senso essa afirmação, na medida em que podemos pensar que
quem está trabalhando no ensino está interessado em que os
educandos aprendam, não é o que ocorre.
Desse modo, quando o professor se mostra interessado no aprendizado do
aluno, pode utilizar as informações coletadas numa avaliação para observar
e analisar os dados obtidos, de forma a interpretá-los, também com relação
à sua prática a fim de chegar a um resultado que o ajude na resolução dos
problemas enfrentados em sala de aula. Acreditamos que o professor adotando
a prática de avaliar criteriosamente os resultados de sua prática, e não
apenas se preocupar com o percentual numérico de aprendizagem do aluno,
possa contribuir para a mudança no comportamento da sociedade acerca da
cobrança por notas altas que recai sobre os alunos.
Essa cobrança vem se configurando como uma das grandes dificuldades
encontradas pelos professores para conduzir uma avaliação mais justa. A
exigência do sistema educacional de que o rendimento do aluno seja
classificado de forma quantitativa, é feita também, pelos responsáveis
legais destes alunos, habituados a receber boletins que apresentam os
resultados em números. Essa classificação exige a quantificação dos
rendimentos e da aprendizagem, mesmo que não representem, necessariamente,
a qualidade do aprendizado alcançado. Para Luckesi (2006, p.19) "Os pais
estão voltados para a promoção. Os pais das crianças e dos jovens, em
geral, estão na expectativa das notas dos seus filhos. O importante é que
tenham notas para serem aprovados [...]".
A exigência feita ao aluno quanto às notas, é uma prática antiga, uma
herança histórica assim descrita por Perrenoud (1999, p. 17): "A avaliação
não é uma tortura medieval. É uma invenção mais tardia, nascida [...] por
volta do século XVII e tornada indissociável do ensino de massa que
conhecemos desde o século XIX, com, a escolaridade obrigatória." A
constatação da permanência dos moldes antigos de avaliação, justifica
maiores explorações para que essa prática seja reavaliada e, assim, supere
a distância entre a teoria e a prática, colaborando para o diagnóstico dos
muitos problemas observados nas salas de aulas e para a resolução destes,
rompendo com o paradigma de que a função da avaliação é, tão somente,
aprovar ou reprovar os alunos.
A necessidade de se reavaliar as formas de como está sendo realizada a
prática avaliativa na educação brasileira se faz urgente e, de acordo com
Luckesi (2006, p.94):
A partir dessas observações, podemos dizer que a prática
educacional brasileira opera na quase totalidade das
vezes, como verificação. Por isso, tem sido incapaz de
retirar do processo de aferição as conseqüências mais
significativas para a melhoria da qualidade e do nível de
aprendizagem dos educandos. Ao contrário, sob a forma de
verificação, tem se utilizado o processo de aferição da
aprendizagem de uma forma negativa, à medida que tem
servido para desenvolver o ciclo do medo nas crianças e
jovens, pela constante "ameaça" da reprovação.
Para que a avaliação seja reformulada/adequada, não podemos deixar de
chamar a atenção para o fato de que para rever e reformular métodos,
visando atender as necessidades dos alunos, é indispensável ao professor,
ser "humilde", para que possa reconhecer que deve mudar e perceber o que
deve ser mudado em sua prática de ensino, se não está alcançando os
resultados esperados. Dessa forma, ele buscará o aperfeiçoamento e
demonstrará que não está acomodado e impassível diante dos dados, e que sua
avaliação não visa adquirir, exclusivamente, a classificação numérica. A
preocupação do educador com o desenvolvimento dos alunos em sala de aula,
estimula e incentiva-os a buscarem um melhor desempenho, além de permitir
que reconheçam a importância da avaliação para o ensino aprendizagem.
Na educação mostra-se importante a busca do professor pela
transformação e melhoramento de métodos e, conseqüentemente, de sua
avaliação. Para que isso se torne possível, é necessário que o professor se
mostre disposto a realizar uma avaliação justa e coerente com seus alunos,
pois assim estará contribuindo para a mudança da prática avaliativa
comumente aplicada nas escolas do nosso país e para o aperfeiçoamento dessa
prática. O professor pode fazer isso estabelecendo em seus critérios
avaliativos, objetivos e metas que espera alcançar com os alunos, de forma
que sejam concordes com os objetivos definidos em seu plano de ensino/de
aula, considerados em conjunto de modo que não fiquem apenas no plano do
discurso. Pois, uma vez que estabelece objetivos, estará ciente do que quer
ensinar, em qual nível quer chegar com esses alunos e o que espera de cada
um na avaliação. Assim, não só os alunos serão avaliados, mas será possível
diagnosticar também as suas falhas, o porque da metodologia utilizada não
alcançar os resultados esperados.
Quando um professor se auto avalia frente aos resultados obtidos na
avaliação de seus alunos, ele julga seu desempenho da mesma forma que julga
o desempenho de seus alunos, e demonstra que realmente preocupa-se com
eles, que assim como exige respeito da parte deles, destina o mesmo
respeito para com eles, os alunos e a educação brasileira precisam desse
respeito de um para com o outro. Acreditamos ser necessário, a todo
professor, comprometimento e interesse pelas reais necessidades dos alunos
e do contexto que estão inseridos.
Adotando uma postura de interesse para com o que o aluno realmente
precisa, confiamos que se possa despertar neles a curiosidade e a vontade
de aprender, em detrimento da busca por uma nota satisfatória. Cabe aos
educadores usar o bom senso ao observar o que realmente pode e deve ser
cobrado dos seus alunos, bem como de que forma será cobrado. "É preciso
deixar as amarras dos modelos dos testes padronizados, da competição
individualista, do analisar o trabalho escolar como uma mercadoria que vale
um preço determinado. [...]" (MARTINS, 1997, p. 45).
Essa não é uma tarefa fácil, muito pelo contrário, mostra-se bastante
complexa e seus reflexos podem ser percebidos em todos os segmentos do
contexto escolar. Diante dessa complexidade e dos elementos que a compõe,
como analisar/interpretar a avaliação, enquanto componente curricular,
especificamente, em Artes?
Teoria x prática avaliativa em artes
Desde a implantação do ensino de artes no Brasil, em 1816, com a vinda
da Missão Francesa para o Brasil, quando se criou a Academia Imperial de
Belas-Artes e se contratou artistas que ensinavam no Instituto de França[3]
(OLLÉ, 2007), até a sua inclusão como componente obrigatório no currículo
escolar, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), esta
disciplina passou por diversas transformações. Para uma melhor compreensão
do caminho percorrido pelo ensino da Arte no Brasil, recorremos aos estudos
de Martins que observa:
Uma referência importante para a compreensão do ensino da
arte no Brasil é a célebre Missão Artística Francesa
trazida em 1816, por dom João VI. Foi criada, então, a
Academia Imperial de Belas-Artes, [...] [...] Em 1971, com
a Lei n°. 5.692, foi criado o componente curricular
Educação Artística. [...]. [...] A nova Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB n°. 9.394), aprovada em
20 de dezembro de 1996 estabelece em seu artigo 26,
parágrafo 2°: "O ensino da arte constituirá componente
curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação
básica, [...]" (MARTINS, 1998, p.10).
Se por um lado, a lei 5692/1971 instituiu o ensino da arte nas
escolas como atividade, por outro, qualquer atividade artística passa a ser
valorizada apenas como instrumento a serviço da indústria e da tecnologia,
voltada para o consumo (OLLÉ, 2007). Assim, era possível observar nas
escolas, durante as aulas de Educação Artística, atividades manuais como,
bordados; tapeçaria; decoração de papéis e etc. Conhecimentos teóricos não
eram privilegiados.
Em 1996, com a homologação da Lei 9394, LDB, que revoga todas as
leis anteriores que regulamentam a educação nacional, surge uma nova
proposta para a disciplina, agora denominada Artes, componente curricular
obrigatório em todos os níveis da educação básica. Segue-se a lei, os
Parâmetros Curriculares Nacionais, cujos eixos norteadores da proposta na
área de artes desmistificam o caráter tecnicista que, até então, permeou o
ensino de artes nas escolas. Novos conhecimentos são contemplados, novas
exigências são postas, tanto em relação ao currículo, como em relação aos
professores de artes. Compreender os pressupostos norteadores das
normatizações referentes ao ensino de artes, não só permite a leitura das
entrelinhas nos textos dessas normas, como permite a compreensão da
abrangência e das particularidades que envolvem o processo avaliativo em
artes.
Em muitos casos, acompanhar todas as reestruturações ocorridas ao
longo do tempo na prática avaliativa nessa disciplina acaba por se tornar
uma tarefa difícil para muitos professores. O pouco acesso ao, reduzido,
referencial teórico sobre avaliação em artes e o pouco apoio, especialmente
no âmbito municipal, dos dirigentes educacionais, dificulta a atualização
dos professores da rede pública[4]. Se, de um lado, conta-se com ampla
literatura sobre a história da educação no Brasil, de outro, a
interpretação dos dados históricos requer subsídios teóricos que propicie,
aos professores de modo geral, ver além da descrição cronológica dos fatos
referentes à educação e, assim, compreender as limitações e as dificuldades
com que se deparam no cotidiano escolar, entre elas, as relacionadas à
avaliação.
É assim que, de acordo com Martins (1992, p. 41), "É crescente o
interesse dos educadores pela questão da avaliação". É possível concluir
que esse interesse esteja relacionado ao caráter indissociável entre o
processo avaliativo e o processo ensino-aprendizagem, logo, compreender a
avaliação enquanto processo é condição fundamental para que a prática
avaliativa do educador atenda, no bojo do contexto educacional escolar, as
necessidades da sociedade contemporânea.
Contudo, na área de artes, em especial, a avaliação é um tema pouco
explorado e, enquanto disciplina componente do currículo do ensino básico,
Artes enfrenta as mesmas dificuldades acerca da avaliação das demais e,
ainda, outras mais. Ou seja, grosso modo, Artes não compartilha do estatuto
de excelência atribuído a algumas disciplinas (em especial, Língua
Portuguesa e Matemática) o que gera dificuldades particulares de várias
ordens.
No município de Dourados, particularmente, essas dificuldades são
agravadas pelo fato de encontrarmos freqüentemente, nas escolas municipais,
professores leigos ministrando a disciplina (como se essa não exigisse
formação específica), além do número ínfimo de arte-educadores presentes na
composição do quadro docente dessas escolas[5]. A atuação de professores
não habilitados em artes nas escolas da rede pública de ensino pode,
suspeitamos, representar um "retrocesso", tanto para o ensino de artes,
como para a avaliação em artes. E, ainda, corroborar (preocupantemente) a
hipótese, injusta e equivocada, de ser uma disciplina "menor" e/ou menos
importante, no sentido de que qualquer um pode ministrá-la, independente da
área de formação. Cabe-nos refletir: se com formação específica, os
professores de artes carregam, na sua prática, como pudemos observar,
percebidas inquietações e dificuldades com relação à avaliação, o que dizer
de um professor leigo na área?
Sabemos que, para ministrar aulas de Artes, é fundamental uma formação
específica e de qualidade e a aquisição criteriosa de conteúdos; que para
avaliar nessa área é indispensável o conhecimento didático voltado para o
ensino de artes, de forma a qualificar o professor para a construção de
metodologias adequadas a esse ensino. Dessa forma, acreditamos que, por ser
a avaliação uma área delicada do ensino aprendizagem, e mais delicada ainda
no ensino de artes, deve ser encarada pelo sistema educacional com bastante
critério e seriedade, pois toda avaliação, quando não fundamentada, pode
causar prejuízos ao aprendizado do aluno e para próprio professor.
Nesse sentido, de acordo com Mirian Celeste Martins (1998, p. 142),
"Critérios de avaliação não surgem do nada. São frutos de uma sociedade, de
uma ideologia, de determinada visão de mundo, de uma época ou país; cada um
refletindo práticas, teorias e concepções pedagógicas diferentes". A
consideração da autora tem especial relevância, visto que, além de arte-
educadora, é estudiosa da arte-educação na amplitude mesma de sua
abrangência e sobre a qual observa, ainda, que, "Trabalhar conteúdos e
propor tarefas é trabalhar o fogo do desejo de aprender do educando. E não
se pode trabalhar com fogo sem ter muito cuidado [...]"(1992, p. 26).
Entendemos que, assim como podemos "atiçar" esse fogo do aprender, podemos
também arrefecê-lo, e mesmo apagá-lo, pela avaliação.
Preconizam os PCN/Artes que "A função de avaliar não pode se basear
apenas e tão somente no gosto pessoal do professor, mas deve estar
fundamentada em certos critérios definidos [...]" (1997, p. 102).
Concluímos que, para a definição desses critérios, o professor de artes,
munido dos conhecimentos adquiridos na sua formação, pode, em grande
medida, considerar-se preparado para tal e, consequentemente, para realizar
a avaliação do aprendizado de seus alunos, observando desde o início, os
trabalhos desenvolvidos em sala de aula, o processo de criação, o
interesse, o esforço, a dedicação e a vontade de aprender de cada um.
Para tanto, e reafirmando a importância da formação do professor –
arte-educador – defendemos que, sem que se compreenda os fundamentos da
disciplina, e da própria área de artes, não há como compreender a sua
indispensável contribuição na formação do sujeito social, pois o ensino de
artes não se restringe ao aprendizado de técnicas e à proposta de
atividades manuais, mas envolve e emoldura o processo de formação do
sujeito crítico. Nesse sentido, a avaliação em artes se reveste, também, de
um sentido que lhe é próprio no qual não há espaço para a aferição
numérica, porque a criatividade, as emoções e suas muitas expressões não
podem ser medidas em números. Envolvem, a seu tempo, a visão de mundo de
cada um, a construção dessa visão mediada pelos impactos sócio-culturais,
nos quais se incluem valores, normas, ideologias e comportamentos.
Sendo a arte, a nosso ver, expressão sócio-cultural, contextual e
particular, no espaço escolar, o ensino e a avaliação em arte devem ser,
também, contextuais e particulares, o que exige preparo e formação
específica do educador, a quem caberá esse ensino e sua conseqüente
avaliação. Assim, a avaliação deve ser feita diariamente, pela observação
do professor à criatividade e ao desenvolvimento individual de cada aluno;
pelos trabalhos artísticos de seus alunos; pelo domínio e, principalmente,
compreensão do conteúdo teórico-prático; pela participação e pelo diálogo
estabelecido com o professor e com os colegas, enfim, defendemos que a
avaliação deve ser processual, contextualizada e, ao mesmo tempo,
particularizada.
Recomendam os PCN/Arte (1997, p. 100) que, "Ao avaliar, o professor
precisa considerar a história do processo pessoal de cada aluno e sua
relação com as atividades desenvolvidas na escola, [...]". Insistimos que,
acatar essa recomendação requer informações e formação específica e
continuada, vez que convivemos com informações transitórias e que o
conhecimento é sempre provisório, dialeticamente reconstruído.
Acrescenta Martins (1998, p. 144) que, "Na verdade uma avaliação é uma
bússola de excelente qualidade para o professor se orientar. Ela é um
diagnóstico dos alunos, do professor e do assunto tratado, [...]. É o ponto
de chegada e de partida; é meio, começo, fim e reinício" (Grifos nossos),
ou seja, a avaliação é tanto do aluno, como do ensino proposto pelo
professor. Porém, releva considerar que, tal qual nas demais áreas do
conhecimento, não existe um método único de avaliação em artes, um único
padrão que funcione em todos os contextos, pois a avaliação varia (ou deve
variar) de acordo com o contexto da área de atuação do professor. Cada
escola é única e tem suas particularidades, assim como cada aluno é único,
o que impossibilita que se apresentem "receitas" que "prometem" eficácia,
daí a dificuldade de efetuar uma avaliação que siga apenas um critério
esperando que funcione em todas as escolas, com todos os professores e com
todos os alunos.
Em meio a dúvidas e inseguranças para a definição de critérios
avaliativos adequados ao contexto escolar e ao meio em que escola e alunos
se inserem, o professor opta, muitas vezes, pela alternativa considerada,
equivocadamente, menos conflituosa, ou seja, acaba por se render aos
"velhos hábitos" de avaliação porque, conforme concluímos, sabe que são
aceitos (ou tolerados); porque a ele cabe, apenas, aferir a nota ao
trabalho do aluno que é o único responsável pelo seu desempenho e seu
aprendizado. Esse tipo de comportamento causa, entre outros fatores, uma
distorção da função da avaliação no processo ensino/aprendizagem que,
segundo a definição dos PCN/Artes, "A avaliação em Artes constitui uma
situação de aprendizagem em que o aluno pode verificar o que aprendeu e
retrabalhar os conteúdos, assim como o professor pode avaliar como ensinou
e o que seus alunos aprenderam" (1997, p. 101).
Assim, entendemos que, a avaliação mostra-se mais do que uma mera
classificação numérica, avaliar engloba uma série de fatores como: ajudar,
incentivar, estimular, diagnosticar dificuldades, o que só é possível
quando o professor é capacitado, é justo com os alunos e consigo mesmo. Um
aluno, quando avaliado rigorosamente e tem sua individualidade ignorada,
além de ser prejudicado no espaço escolar, poderá adotar, futuramente, em
sua vivência social, esses mesmos critérios avaliativos, para si mesmo e
para com os outros.
De acordo com os PCNS de arte (1997, p. 102):
É importante que o aluno sinta no professor um aliado do
seu processo, um professor que quer que ele cresça e se
desenvolva, que se entusiasma quando seus alunos aprendem
e os anima a enfrentar os desafios do processo artístico.
[...]. [...]. O aluno, que é julgado quantitativamente,
[...], passa a se submeter aos desígnios das notas, sem
autonomia, buscando condicionar sua ação para corresponder
a juízos e gostos do professor. [...].
A avaliação mostra-se necessária, não só para o professor, mas para o
próprio aluno, só o professor, pode conduzir sua prática avaliativa de
forma que alcance efeitos produtivos no rendimento escolar de seus alunos e
na sua prática profissional. Por meio de uma avaliação criteriosa e
consciente, o professor pode ser o "gatilho" que acionará transformações na
escola e em seus alunos, na medida em que, de posse das informações que lhe
permitem perceber o que deve ser mudado, se proponha a trabalhar em prol
dessas transformações.
Dadas essas considerações, e a proposta de confrontá-las, de acordo
com os objetivos anunciados, com a prática observada em quatro escolas da
rede municipal de Dourados, buscamos, por meio da confrontação entre a
teoria e a prática desses profissionais, respostas aos questionamentos que
impeliram e direcionaram esta pesquisa, cujos resultados são apresentados a
seguir.
O ensino de artes no espaço local: teoria, prática e avaliação[6]
A partir do levantamento teórico sobre a temática avaliação, nos
direcionamos para o cumprimento da terceira etapa prevista para o estudo:
observação das aulas de artes ministradas pelos professores/ sujeitos da
pesquisa e a busca das informações pertinentes ao estudo, através de
tomadas de depoimentos e entrevistas gravadas e participação em conversas
informais com esses professores, cujos dados considerados relevantes foram
registrados em anotações escritas, de forma não literal.
Foram muitos os elementos observados nesse processo que, sem dúvida,
merecem estudo próprio, mas, de acordo com o propósito deste estudo, nos
ateremos às questões referentes ao processo avaliativo dos professores
abordados, em relação à sua prática, considerando para a análise dessa
relação, a sua área de formação[7].
A primeira questão à qual apresentamos, aqui, nossas reflexões,
reconhecendo ser fruto de legítima ansiedade, diz sobre os critérios
avaliativos desses professores que, conforme concluímos, têm como parâmetro
de avaliação os trabalhos práticos dos alunos, desenhos, criações livres,
de acordo com a atividade proposta. Entendemos ser esse um critério muito
vago, mesmo porque alguns elementos considerados na avaliação se mostram
passíveis de reflexão, como demonstra a fala do Professor 2:
Professor 2 (Leigo): Eu avalio pelo... pelo... pela
participação na sala de aula. É... como que eu posso te
dizer? A participação, a limpeza dos trabalhos, porque tem
aluno que fazem um trabalho lá, copiam numa folha já e
você já vistou, na hora já rasgam e jogam fora, então eu
avalio tudo, tudo isso, desde a presença em sala, o
comportamento dele, da limpeza do trabalho dele, da
higiene do caderno dele, tudo isso eu avalio. (Grifos
nossos)
Professor 3 (Graduado): [...] avalio tudo desde a atenção
nas aulas, até o feitio dos trabalhos...avalio dos mais
caprichados até os mais largadinhos...eu busco valorizar
cada coisinha que os alunos fazem e nunca coloco a
mão...nunca concerto..mesmo estando triste [...].
Considerando os pressupostos básicos do ensino de artes, podemos
questionar: que relação tem a "limpeza" dos trabalhos com o processo
criativo dos alunos? O que esse professor entende por "limpeza" nos
trabalhos? Por "higiene nos cadernos"? E, mais importante ainda, na nossa
concepção, qual o significado, para o aluno, do trabalho produzido por ele,
que, após obter o "visto" do professor e, portanto, garantir a ciência de
que a tarefa foi cumprida, "[...] na hora já rasgam e jogam fora [...]",
como informa o professor? A sua fala indica que trata-se de um aluno que,
por essa atitude, perde pontos, mas não indica o seu interesse em buscar
entender o porque dessa atitude. De acordo com as nossas reflexões acerca
desse relato, pode-se de imediato pensar que o trabalho foi elaborado com a
finalidade única de garantir a nota necessária para aprovação e, uma vez
garantida, seu trabalho conta com um único e final propósito – o de ser
descartado no lixo mais próximo. Logo, pode-se concluir que, não há
qualquer identificação entre sujeito e criação e, muito provavelmente, não
há ali qualquer expressão que faça sua representação "valer a pena" e,
assim, não há nada a perder, porque a pontuação almejada já foi registrada.
Seria interessante que o professor descrevesse a(s) atividade(s) a que se
refere, mas não sentimos a sua disposição para tanto.
Contudo, sugere-nos refletir: é possível avaliar, em números, a
relação de impessoalidade demonstrada pelo aluno para com a sua própria
produção? É possível que, diante dos resultados apresentados no boletim
escolar, que traz como única referência o percentual do desempenho do
aluno, se questione a prática e a qualidade do ensino transmitido pelo
professor? Um trabalho "limpo" e bem organizado, que mereça, pelo critério
apontado pelo professor, uma boa nota, é indicador do potencial criativo
desse aluno? É indicador do estímulo e/ou da liberdade e do respeito quanto
a livre expressão, proporcionados pelo professor?
Os trabalhos, segundo nos informam os professores, são avaliados
conforme observação dos alunos em sala e pelo resultado final apresentado e
mesmo que o professor utilize a representação em forma de conceitos (Muito
Bom, Bom, Regular), no boletim, a nota deve ser, obrigatoriamente,
representada na forma numérica.
Professor 1 (Leigo): [...] A escola trabalha com nota nê.
O nosso sistema é nota, então, numérica... e eu tenho que
atribuir uma nota aos alunos. Então eu trabalho assim, eu
dou nota no trabalho do aluno [...].
Professor 2 (Leigo): [...] essa escola que eu trabalho,
ela já tem já, ela trabalha com somatória, então você tem
que determinar no bimestre a quantidade de nota de quantos
que você vai dando e vai somando no bimestre.
Professor 3 (Graduado): Eu observo tudo que o aluno faz em
sala de aula...é difícil...muito difícil ceder...e dar
nota para alunos que não fazem nada...me sinto mal por
isso....mas não posso fazer muita coisa...já..tem o modelo
de avaliar da escola [...].
Em face das informações coletadas compreendemos que, os sistemas de
avaliação utilizados por esses professores seguem uma prática sistematizada
pelas escolas, que na maioria das vezes já perdura há muito tempo.
Professor 1 (Leigo): Nossa avaliação é, você chega na
escola, ela ... ela ... a escola já tem uma, porque a nota
é para ser somativa [...], mas, eu já li, já fiz muitos
cursos [...].
Professor 4 (Graduado): Você chega na escola e já tem lá
... "aqui o processo avaliativo, é somativo". Então, você
já começa a trabalhar em cima daquilo. (Grifos nossos)
Embora sejam reconhecidas as informações pertinentes à necessidade da
realização de mudanças significativas na prática avaliativa, essa prática
não vem sendo incorporada à carreira profissional dos educadores, não é
realizada uma adequação na prática avaliativa para cada turma de alunos,
pois, a escola já tem pré-estabelecido um modelo de avaliação que deve ser
seguido para todas as turmas, fator que apresenta-se como preocupante para
a prática avaliativa realizada por esses professores. Quanto à afirmação do
professor 1 sobre suas leituras e os cursos dos quais já participou,
percebemos que as poucas teorias existentes sobre avaliação em Artes,
raramente, ou nunca, são consultadas por esses professores que, pelos
depoimentos, demonstram que seguem os modelos e, como reflexo dessa
prática, nenhum dos professores conseguiu citar o nome de um único teórico
sequer, seja na temática da avaliação, seja na temática específica da
avaliação em artes. "– Lembrar assim de nome eu não lembro não, já li já,
mas para lembrar assim de... de um referencial, eu não... não, agora no
momento..." (Professor 2 - Leigo). Ao citarmos alguns teóricos, a fim de
verificar se seriam reconhecidos, esse mesmo professor (Prof. 2), e apenas
ele, demonstrou familiaridade com um deles – Luckesi - e afirmou conhecer
sua linha teórica, mas nada soube dizer sobre ela.
O questionamento da prática relatada sugere, antes de tudo, que é
imperioso o conhecimento do professor, não só dos conceitos básicos e
fundamentais da área de artes, mas também os conhecimentos didáticos
necessários ao exercício da docência em artes. Nesse sentido, e
considerando que a formação do sujeito crítico deve abranger os
conhecimentos em arte, mesmo que elementares, deve garantir noções, ainda
que preliminares, sobre a História da Arte e sua relação com o
desenvolvimento da humanidade, questionamos os professores acerca da
abordagem dessa temática e como avaliam o aprendizado do aluno acerca
desses conteúdos, já que teóricos.
Professor 1 (Leigo): A minha avaliação ela é feita... eu
não dou provas, eu não trabalho com provas, porque sou
contra prova, eu acho que prova não mede conhecimento de
ninguém. Então, eu trabalho assim, é... o interesse do
aluno dentro da sala de aula pelos conteúdos e, eu avalio
a atividade prática que eu trabalho com eles, o fazer
mesmo [...] não realizo provas escritas porque os alunos
estão em fase de aprendizagem e mesmo passando teoria aos
alunos não cobro prova [...]. (Grifos nossos)
Professor 3 (Graduado): Avaliação...bem...ela se dá quando
eu procuro avaliar tudo que os alunos fazem em sala nê,
bem...eu procuro sempre ser justa, mas...eu tenho que
avaliar todos os alunos...todos os alunos da sala até
aqueles que não se interessam...eu tenho que lançar
nota...seguir as normas da escola.
Professor 4 (Graduado): Desde que você já está aplicando
sua aula, você já ta avaliando o aluno naquele exato
momento.
Questionamos os professores, então, sobre a reprovação, a qual
entendemos como indicador dos resultados alcançados pelo professor, e cuja
abordagem é fundamental, pela relação direta e intrínseca com a avaliação e
pelo seu impacto, percebido tanto no professor, como no aluno, já que
representa o ápice do processo avaliativo, a expressão final dos valores do
professor e da (suposta) competência do aluno. Interessou-nos saber, se
esses professores já reprovaram algum(ns) aluno(s) em artes:
Professor 1 (Leigo): Não, nunca, porque... Já deixei de
exame [...].
Professor 2 (Leigo): Não. Olha, porque não...
sinceramente, antes o conteúdo de artes não era visto como
matéria reprovatória [...]. As vezes o aluno merece ser
reprovado, mas, questão até da escola mesmo, que hoje em
dia a escola tem uma burocracia tremenda, se você deixa um
aluno, é... reprova um aluno, aí a coordenação chega...
porque você reprovou esse aluno aí? mas ficou só na sua
matéria [...].
Professor 3 (Graduado): "Não. Nunca reprovei, porque a
gente considera, dá nota até para aquele aluno que não
participa. (Grifos nossos)
Professor 4 (Graduado): Eu nunca reprovei, porque artes
ainda é difícil reprovar os alunos, uma vez deixei de
recuperação..e...a escola veio para cima de mim...o pai do
menino não admitia que o filho dele tivesse ficado em
artes...ele foi muito mal educado comigo...na frente de
outros alunos...e eu...passei o menino de ano
[...].(Grifos nossos)
Duas questões, aqui, se destacam: o conteúdo de artes, enquanto
componente não reprovatório e o questionamento da coordenação sobre a
reprovação do aluno, pela relação que se estabelece entre ambas. Não se
trata de se considerar no resultado final da trajetória desse aluno, ser
Artes a única disciplina a reprová-lo, mas, conforme pensamos, trata-se,
antes de tudo, da já apontada desvalorização da disciplina, à qual não é
creditada a excelência do aprendizado. Além dessas questões, nos
perguntamos: como é possível avaliar o aluno que não participa das aulas
e/ou das atividades propostas? Informa o professor 3, que há alunos que,
sequer, atentam para o que está sendo trabalhado por ele, mesmo estando
presente. Ou seja, ignora não só os conteúdos, como o trabalho do
professor. Nesse caso, porque merece a nota? Duas hipóteses nos parecem
possíveis: que os conhecimentos em Artes não são considerados fundamentais
na formação do indivíduo, ou que a avaliação em artes não conta com
elementos passíveis de reprovação, da forma como entendem pais e outros
profissionais da escola. Como reflexo desse descrédito, os professores
afirmam que mesmo os alunos que não participam e não fazem os trabalhos,
acabam conseguindo a média, porque diretor e coordenadores não permitem que
um aluno não atinja a média na disciplina de Artes.
Professor 1 (Leigo): [...] o professor pode reprovar nê,
mas como a gente precisa, a gente... você.. não vai brigar
com uma escola, com toda uma estrutura por causa de um
aluno [...] Porque é assim, a Arte ela nas escolas não é
vista com essa prioridade como matemática, português e
outras matérias, se ele passar nas outras matérias
entendeu, ele vai ter que passar em Artes, independente da
nota que ele tenha [...].
Professor 2 (Leigo): Infelizmente a Arte ainda tem gente
que vê Arte como tapa buraco, eles fala assim, pega uma
aulinha de Artes aí. Mas isso já ta mudando.
Professor 4 (Graduado): [...] é muito difícil falar em
reprovação em artes...eu nunca reprovei nem um aluno...mas
eu sempre procuro conquistar os alunos mais difíceis até o
final do ano letivo...quando eu não consigo...eu acabo
tendo que passar eles de ano...não concordo...mas as
coisas são assim nas escola.
Relevante abrirmos, aqui, um pequeno parêntese acerca das hipóteses
apontadas. Entre as informações obtidas junto aos professores, a queixa
sobre a qualidade do plano anual de ensino foi recorrente. De acordo com os
professores, a elaboração dos planos das demais disciplinas conta com
discussões, reflexões e apoio da equipe pedagógica. Em relação à Artes,
contudo, a orientação é para que o professor defina seus conteúdos como
quiser, sem interferências, sem reflexões, sem orientações didático-
pedagógicas, justifica o coordenador, porque "_ não entendo nada de
artes!".
Vale considerar que se faz necessário a todo professor o conhecimento
de uma base teórica para sua prática avaliativa. Nesse sentido, acreditamos
que a insuficiência de conhecimento relativo a publicações teóricas sobre
avaliação, pode vir a representar má formação acadêmica e até mesmo
comodismo por parte desses professores quando não procuram aperfeiçoamento
profissional: "A gente vê que os próprios professores não se interessam em
aprender, em fazer, eles tão acomodados" (Professor 1). Essa fala indica
uma maior complexidade quando o assunto é avaliação, já que durante a sua
formação, em geral, os acadêmicos, futuros educadores, são instigados a
pensar a prática pedagógica em artes a partir de uma nova concepção de
ensino-aprendizagem e de avaliação. Em decorrência disso, acreditamos que a
prática avaliativa presa a modelos impostos pelas escolas, conforme
relataram os professores, ainda permanece distante da teoria.
Segundo Richter,
O grande desafio do ensino da arte, atualmente, é o de
contribuir para a construção crítica da realidade através
da liberdade pessoal. Precisamos de um ensino de arte por
meio do qual as diferenças culturais sejam vistas como
recursos que permitam ao indivíduo desenvolver seu
próprio potencial humano e criativo, diminuindo o
distanciamento existente entre arte e vida (2003, p.51).
Assim, o ato de avaliar, antes de tudo, implica em preparação
profissional, aperfeiçoamento constante e amor à profissão, mas, de acordo
com esses professores, a avaliação em Artes, ainda é vista com descrédito
por muitos alunos. Observamos que, em muitos casos, a realidade enfrentada
por esses professores em sala de aula, apresenta-se distante das muitas
orientações disponibilizadas pelos PCNs. "Eles [os alunos] já tem essa
mentalidade que não reprova, porque eles dizem que não conhecem alunos
reprovados em Artes" (Professor1). Nesse sentido, entendemos que cabe aos
educadores, promoverem ambientes de aprendizagem que auxiliem na formação
cultural de seus alunos em seus mais variados códigos culturais e promovam
a transformação dessa concepção. Isso só é possível, contudo, a partir da
reflexão de sua própria prática, como afirma Ollé:
Entendo que, no ensino da Arte, a reflexão da prática deve
ser uma constante e é através da reflexão que vão
acontecer as mudanças. A arte deve ser entendida para além
de uma simples distração ou "passatempo", a arte deve ser
a facilitadora de uma compreensão, além de formadora de
uma consciência sobre quem somos e sobre o mundo (2006,
p.12)
Esperar de um professor de artes, a adoção de uma avaliação crítica no
espaço escolar, significa esperar que as mudanças ocorram a partir da
formação e reflexão constantes desse professor, de forma que promovam a
transformação, tanto no olhar de sua prática, quanto no olhar dos alunos
sobre o significado do ensino de artes.
Considerações finais
Ao final desse estudo, concluímos que é indiscutível a necessidade de
se repensar a prática do ensino de artes do nosso país, para além das
reestruturações observadas. Impõe-se nesse repensar, a avaliação como
elemento fundamental dessa prática, na medida em que "mede" o conhecimento
dos alunos.
Defendemos uma avaliação diagnóstica, transformadora, como instrumento
para o crescimento e o aperfeiçoamento do professor e para o
desenvolvimento do aluno de forma coerente com a capacidade de cada um,
respeitadas as dificuldades e diferenças.
Confiamos que, uma mudança nos modelos avaliativos implantados pelas
escolas figure-se como uma tarefa difícil, mas necessária, para que atenda
as reais expectativas do ensino e da formação escolar, para que a avaliação
desempenhe seu papel como referencial do processo ensino/aprendizagem
tornando a prática do ensino das Artes, mais respeitável diante dos alunos
e da sociedade.
Temos por certo, que esse estudo não se conclui aqui e requer novas
abordagens, diante da complexidade da temática tratada. Pretendemos, ainda,
dar continuidade à pesquisa, visto que às inquietações iniciais, outras se
delinearam no decorrer do estudo, mostrando ser esse, apenas o início de um
longo processo investigativo.
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[1] São denominados "educadores leigos", porque embora atuem na área de
artes, não contam com formação superior específica nessa área.
[2] LUCKESI (2006) e PERRENOUD (1999).
[3] O Instituto de França foi criado por Napoleão Bonaparte. Após sua queda
os artistas passaram a sofrer perseguições.
[4] São freqüentes, no discurso dos professores da rede municipal, queixas
sobre os obstáculos impostos pela administração pública da esfera da
educação quanto à participação dos professores em congressos e cursos de
aperfeiçoamento, que não os ofertados pelo próprio governo municipal, que
nem sempre atendem aos interesses dos professores.
[5] Pensamos ser possível associar esse quadro ao fato de que, na região, a
formação em artes é ofertada em apenas três instituições de ensino
superior: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS - Campus de
Campo Grande.); Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN) e
Faculdade de Ciências Contábeis de Ponta Porã (MAGSUL). Consideramos, da
mesma forma, ser possível afirmar que a oferta não é suficiente para
atender a demanda por arte-educadores no ensino público.
[6] Com a finalidade de preservar a identidade dos professores, por
princípios éticos, os quatro professores, sujeitos da pesquisa, são
identificados no texto como Professor 1, Professor 2, Professor 3 e
Professor 4.
[7] Esclarecemos que os professores 1 e 2, não têm formação em Artes, mas
em Pedagogia e Letras, respectivamente.