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1- Tema do projeto
O Reis dos Temerosos de Januária / MG: contexto histórico e social na
cultura januarence.
2- Introdução
Januária, cidade rica pela sua diversidade cultural, povo este
que se acostumou a viver das grandes histórias contadas e cantadas pelos
seus antepassados. Foram destas histórias e lendas que surgiram pessoas que
influenciaram na criação de uma cultura que marcaria no tempo e no espaço.
Pessoas que fizeram desta cidade (Januária), o seu espaço de sobrevivência
e de socialização cultural, política e educacional da população.
Januária sempre viveu agraciada, cantada e narrada pelos seus
moradores. E um desses moradores e componente relevante no quadro cultural
da nossa cidade sem dúvida foi Norberto Gonçalves dos Santos conhecido como
"Berto Preto". Conhecedor de várias danças folclóricas foi quem viabilizou
o surgimento das mesmas no quadro cultural de Januária, merecendo destaque
o "Reis dos Temerosos", além de tantas outras. As manifestações de reisado
que existe em Januária são um tanto diversificadas, e são representadas por
diversas classes sociais, indo desde crianças até aos adultos da terceira
idade.
Essas manifestações estão presentes na cultura januarense
desde os primórdios de sua formação histórica.
Abordaremos neste projeto em particular, o processo histórico
do surgimento do Reis dos Temerosos, assim como, a sua importância no
contexto social e cultural de Januária, caracterizando todas as suas danças
e gingado, estilos e cantos, trazidos pelos seus componentes. Com o
objetivo de levar ao conhecimento da população local e mediações de nossa
cidade a importância da cultura na formação educacional e moral dos
cidadãos.
A metodologia de investigação para o desenvolvimento do
projeto foi baseada praticamente em entrevistas e coletas de dados através
de questionários, além da utilização de equipamentos digitais na busca de
uma imagem que se enquadre no contexto do conteúdo. Não foram muito
exploradas as referências bibliográficas, por se tratar ainda de um tema
dentro da geografia pouco disseminado e explorado que é a Geografia
Cultural, mas foi necessário utilizar os poucos escritos sobre o tema.
3- Problema
O Reis dos Temerosos, sempre existiu, sobre a base da
hereditariedade, é uma geração passada de pais para filhos, isso já
acontece a mais de 50 anos de folia. Mas, hoje estamos preocupados com a
continuidade de sua permanecia no quadro cultural de Januária, estes
problemas acontecem por conta da juventude que não quer mais saber ou
sequer dar valor as suas raízes e acabam deixando de lado algo muito
importante para sua vida em pessoa sem contar com a existência dessa
cultura que muito importante para o cenário januarence.
Outro problema persiste na formação de um novo folião mestre,
que seria aquele que toma rédeas de todo o processo do grupo dos temerosos,
não que, o atual líder esteja pensando em parar, mas é preciso preparar
alguém para esta tarefa, pois ninguém sabe do futuro e o que irá ocorrer.
4- Objetivos
Objetivo geral
Conhecer e compreender o processo histórico da formação deste
reisado, assim como a sua importância social e cultural para o povo
januarence.
Objetivos específicos
Caracterizar como funciona todo o processo da dança e estilos;
Analisar sua importância para a cultura januarense;
Apontar como se deu o processo de formação do Reis dos Temerosos na
cultura januarense.
5- Justificativa
Este projeto foi elaborado com a intenção de mostrar como se
deu a formação do Reis dos Temerosos em Januária e como o seu ritual de
dança conquistou o Brasil a fora, mostrando, porém, como o reis tornou-se
um mecanismo de socialização da comunidade ribeirinha.
6- Referencial Teórico
O Terno dos Temerosos ou "Reis dos Cacetes" como é conhecido,
é uma folia de reis, que se baseia na guerra que existiu entre mouros e
cristãos, remontando assim a reconquista da Península Ibérica no século
VII, quando grupos de guerreiros menos abastados lutavam com varas ao invés
de espada e armadura, eles lutavam com objetivo de proteger o seu
território.
O Reis dos Temerosos como folia surgiu primeiramente na
Bahia. É uma dança típica representada por pescadores. Segundo o líder dos
temerosos, João Damascena[1]: "É uma marujada de água doce tradicionalmente
dançada pelos pescadores como o seu criador". Seus representantes se
destacam por usar roupas típicas de marinheiro (calça branca, camisa
branca, gorro e sapatos), além de usarem os bastões.
O Reis dos Temerosos surge no contexto cultural de Januária na
década 1950 com Demerval que era um marinheiro que trabalha nos vapores do
São Francisco. Mas, o fundador desta dança na cidade foi Norberto Gonçalves
dos Santos (Berto Preto), que conheceu Demerval, e este, passando todo o
conhecimento da dança a Berto Preto.
Segundo Corrêa e Rosendahl: "A cultura resulta da capacidade
de os seres humanos se comunicarem entre si por meios de símbolos". (CORRÊA
& ROSENDAHL, 2003, p. 28). Mas, não somente pelos símbolos produzimos a
nossa cultura e a nossa identidade cultural, mas através de todas as nossas
inter-relações que nos aproxima de uma base cultural uniforme. Assim
podemos determinar como uma área cultural diversificada palas nossas
diferentes formas de expressar, falar, utilizar o meio em que vivemos. Para
Santos:
A Terra seria um conjunto de formas específicas de
utilização do território – de áreas culturais – resultado
do trabalho de sociedades diferentes com base em sua
diversidade cultural. (SANTOS, 2004, p. 34).
Norberto Gonçalves dos Santos o "Berto Preto" como era
conhecido na comunidade da "Rua de Baixo", era um negro pescador e um dos
fundadores da colônia dos pescadores de Januária. Para Damasceno "era um
homem a frente do seu tempo por pensar nos pescadores e na sua comunidade."
Assim Berto Preto passou a difundir toda a folia do reis para seus
companheiros e pescadores da colônia.
Além do Reis dos Temerosos, senhor Berto foi quem mediou à
introdução do reis de boi participou ativamente do reis de caixa era
marcador da dança de São Gonçalo, participava da Festa de São Pedro na
década de 1960, que hoje é conhecida como Festa dos Santos dos Rios, mas,
existem poucos vestígios de sua Biografia. Veja a foto 1, de seu Norberto
Gonçalves dos Santos (Berto Preto), em 1960.
Foto 1, Norberto Gonçalves dos Santos (Berto Preto)
Fonte: João Damascena, 1960
Mas, tudo isso ocorreu por que todos conseguiram juntos
abraçar esta nova forma de caracterizar os moradores da Rua de Baixo,
sempre vistos pela sociedade com olhares preconceituosos, mas, muito se
orgulham por ter essa enorme diversidade ao seu lado. De acordo com Santos:
O homem começa a produzir quando, pela primeira vez,
trabalha junto com outros homens em um regime de
cooperação, isto é, em sociedade, a fim de alcançar os
objetivos que haviam antecipadamente concebido, antes
mesmo de começar a trabalhar. (SANTOS, 2004, p. 202)
Quando eles partem em busca de uma nova forma de demonstrar
que eles também faziam parte de uma sociedade, eles conseguem mostrar o que
a nossa comunidade tem de melhor, "a cultura". Mas, o Reis dos Temerosos
foi incluído dentro do quadro de participação dos reisados de Januária,
pois esta dança não tinha uma data comemorativa e por isso da sua inclusão
nas comemorações dos reisados que vai do dia 28 de dezembro até o dia 5 de
janeiro, dia em que se comemora o dia dos santos reis.
O Reis dos temerosos faz parte do ciclo natalino e tudo indica
que está ligada a linhagem do rei negro que buscou o menino Jesus quando do
seu nascimento. Na devoção crêem em Nossa Senhora da Conceição (Rosário)
como a grande protetora dos negros e fazem da sua folia uma homenagem
constante ao seu filho.
O Reis dos Temerosos começa a ganhar popularidade na cidade de
Januária, tornando-se uma cultura marcante em épocas de reisado. Mas, as
diversidades culturais existente dividem as atenções para outras danças
folclóricas e festejos como: O Festejo da Santa Cruz, o São Gonçalo e Reis
de Caixa.
O Reis dos temerosos começou a ganhar grande importância no
contexto social a partir de suas primeiras apresentações fora da cidade,
assim como relata Damasceno:
"Já conseguiram alçar vôos por outras terras como: Montes
Claros, Sete Lagoas, Belo Horizonte, Cônego Marinho,
Manga, Itacarambir, Pirapora, Bonito de Minas, Alto Belo
em Bocaiúva, São Francisco, Brasília DF e outros".
Os temerosos sempre teve pessoas que os apoiavam e ajudavam a
manter esta tradição sempre de pé como: Dona Maura da casa da Memória,
Sonia Akino do SESC, Doutor Cleuber Carneiro, e hoje tem uma parceria de
fundamental importância O Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular do
Rio de Janeiro.
A dança dos temerosos é feita com um número de pares ordenados
de dois em dois, chegando até no grupo 24 participantes, que saem em noites
de reisados que começa a partir do dia 28 de dezembro. Mas, é de costume
saírem no dia 1 de janeiro do ano que se inicia até o dia 5 do mesmo mês,
tendo ao final uma confraternização entre os foliões.
A dança é feita então por parceiros, cada qual arruma um
parceiro, sendo esta dupla formada ate o final das apresentações, chegando
a ser o parceiro fixo de cada ano seguinte.
É tradição no primeiro dia das apresentações catara e rezar na
casa do folião mestre. Feito isto, os foliões como são conhecidos os
componentes dos temerosos saem em fila de dois em dois tocando e cantando a
marchinha de rua:
É o reis dos temerosos que já vão brigar. (bis).
Segura a pancada aonde o pau quebrar. (bis).
Segura, segura, segura a briga. (bis).
Segura a pancada que não tem valia (bis).
Esta é a marchinha de rua que serve para anunciar a chegada do
reis na casa do noiteiro. Os noiteiros são as pessoas que recebem o reis em
suas casas para saudarmos o menino Jesus ou oferecem como forma de
promessa, e assim é iniciada a música de saudação ao menino Jesus:
No Oriente d'minha alma boas novas viemos dá
Que Jesus recém-nascido (bis).
Veio ao mundo nos salvar.
E assim saudamos o menino Jesus.
Depois, festejamos o nascimento com a dança de roda, a parte
do reis mais esperada por todos, onde exigi ginga e habilidade com os
bastões, cantando e dançando com alegria, veja a uma música de roda e a
foto 2, em uma de suas coreografias.
O pau rodo, rodo, seguro o pau marinheiro.
O pau rodo, vai roda segura o pau marinheiro.
O dá no nego, dá no nego.
O no nego você não dá.
Você disse que está na bola
Você disse que me consola
Você disse que da no nego
No nego você não dá
Foto 2, temerosos na dança de roda
Fonte: José Leonardo Nery Silva, 2007
Ainda tem a despedida do reis, que é uma parte profana de
agradecimento ao noiteiro, desejando a ele saúde e que nos encontramos no
próximo ano que vem. Cantando a retirada:
Retirada meu bem, retirada,
acabou-se a nossa cação,
se a morte não me matar olé,lê,lê,
E assim vai variando de acordo com ritmo que eles querem
músicas lentas e rápidas. Todas as noites até as madrugadas de Januária lá
estão os temerosos cantando e dançando ao ritmo do zabumbeiro, violeiro e
as musicalidades.
O Reis dos Temerosos é composto pelo capitão, pelos dançadores
e tocadores além de contarem com a presença da multidão que já faz parte
desta tradição. São pessoas fiéis desde a sua saída até a sua chegada, ou
seja, são eles quem favorecem a alegria para a sua existência. Em um
questionário respondido por João Damasceno[2] ele diz que: "O público que
nos acompanha é o estímulo da nossa existência é o público que nos dá ânimo
para a ginga, a alegria e o entusiasmo".
Segundo Iara Toscano: ela analisa os componentes de forma
generalizada: "Os reis dos Temerosos é composto pelo capitão, dançadores e
músicos, que fazem coreografias frenéticas com os bastões". (IARA, 2006, p.
108). Ao generalizar os temerosos ela comete um pequeno equívoco ao dizer
que os músicos também fazem parte da frenética dança com os bastões, ao
contrário, pois são somente tocadores e cantadores que irão ditar o ritmo
das danças ao reis, para que aconteçam essas coreografias feitas pelo
capitão e dançadores.
O Reis dos Temerosos é uma cultura preservada pela
Hereditariedade, onde o conhecimento é passado de pais para filhos na
maioria todos pescadores. Estamos vivendo a terceira geração desta
existência e hoje o folião mestre está tentando manter viva esta cultura e
para isso foi criado em 2004 no colégio PIO XII, Os Temerosos Mirins,
visando a continuidade desta tradição.
Outro problema que poderá afetar o grupo é uma provável saída
do líder Damasceno do grupo e não ter ninguém preparado para representar os
temerosos. Em umas das perguntado sobre como seria o futuro dos temerosos
sem o seu líder atual, Damascena diz: "Eu não sei te responder, eu só sei
que estou preparando alguém, mas garanto que não vou abandonar a folia." E
se existia alguém para substituí-lo ele diz: "Sim, existem vários".
Mas, enquanto o capitão Damascena estiver a frente deste grupo
podemos nos garantir que Januária não ficará sem o seu grupo que por tantas
vezes represetou-a de forma brilhante.
7- Metodologia
Para desenvolver este Projeto de pesquisa, foram utilizados
métodos como:
Questionário;
Entrevistas;
Equipamentos eletrônicos como: câmera digital;
Revisão bibliográfica.
8- Referências
CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL. Introdução a Geografia Cultural – Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, 224 p.
SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova: Da crítica da Geografia a uma
Geografia Crítica – 6. ed. – São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2004. – (Coleção Milton Santos; 2).
CORREIA, Iara Toscano. Revista Contexto: Filosofia e Ciências Humanas. A
cultura em movimento: Rituais do catolicismo popular em Januária – MG (1950-
2005). V. 1, n°. 4, ago./2006, Januária: Ceiva, Montes Claros: Funorte.
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[1] Entrevista concedida no dia 11/04/2008, por João Damascena de Almeida.
[2] Questionário usado como método para o conhecimento do reis, respondido
por João Damascena de Almeida.