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Reflexos Do Período Jesuítico Nas Práticas Pedagógicas Atuais No Ensino De Física

Relatório final de Filosofia e História da Educação descrevendo os reflexos do período jesuítico nas práticas pedagógicas atuais no ensino de Física

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Relatório final de Filosofia e História da Educação (EL485) Faculdade de Educação (FE) – UNICAMP REFLEXOS DO PERÍODO JESUÍTICO NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS ATUAIS NO ENSINO DE FÍSICA Willian Vieira dos Santos – RA 086202 Professor: Dr. Lalo Watanabe Minto Campinas – Novembro / 2015 Resumo: O presente relatório introduz os aspectos estudados pelo método jesuítico conhecido como Ratio Studiorum e destaca as práticas envolvidas no ensino de Física atual. Conecta estes planos do período jesuítico, incluindo um breve levantamento da estrutura da Didática Magna, com a pedagogia utilizada para demonstrar que os tópicos do currículo de Física atualmente seguem estas antigas bases tradicionais. Entretanto, novas propostas de Física Moderna deverão exigir métodos mais participativos entre alunos e professores. Introdução No cenário do Brasil colônia destacam-se os jesuítas e a Cia de Jesus como ordem hegemônica e primeira experiência organizada de educação com o objetivo de educar os índios colonizados. A Coroa Portuguesa financiava as atividades através do plano redízima (1564). O trabalho dos jesuítas consistia em catequização e instrução (leitura, escrita e cálculo) e era um trabalho missionário. Neste processo, surge uma figura chave que foi Manoel da Nóbrega, que elabora o 1º plano de instrução jesuíta (1549 – 1570). Este período conhecido como 1ª fase da educação, para Saviani, estende-se até 1597 o qual ele chamou de Pedagogia Brasílica. Logo veio o declínio das primeiras experiências com o conflito entre jesuítas e colonizadores que estavam interessados no índio como mão-de-obra. Inicia-se a 2ª fase do plano jesuíta com a filosofia do Ratio Studiorum. Havia dois esquemas educacionais para seguir: o modus parisiensis e o modus italicus. Impera o modus parisiensis, que introduzia uma estrutura em edifício, divisão por classes homogêneas, progressão dos níveis de escolarização. O Ratio Studiorum previa exercícios escolares, castigos e condecorações, disciplina e repetição. Mais adiante, não totalmente em oposição, mas com argumentos contraditórios às práticas do Ratio Studiorum, surge a didática proposta pelo pastor protestante Jan Amos Komensky (1592 – 1671) conhecida como Didática Magna (1657). A base de sua proposta era a ideia de “como ensinar tudo a todos?”. O ensino deveria estar centrado na economia de tempo, sendo menos especulativo e mais prático (experimentação), aumentando a produtividade através de 1 professor com trabalho especializado para “n” alunos. Todo este processo (do Ratio Studiorum à Didática Magna) reflete hoje nas instituições de ensino diretamente com método de educação pedagógica. Saviani destaca: “Conforme o padre Leonel Franca, o Ratio Studiorum ou Plano de Estudos da Companhia de Jesus desempenhou um papel de grande importância no desenvolvimento da educação moderna” [1]. Com enfoque no ensino de Física (Ciência da Natureza), o paralelo de exercícios escolares, disciplina e repetição do Ratio Studiorum podem gerar uma conexão com a parcela de tradicionalismo que existe hoje em classe com o proposto na escola jesuítica. Complementada com a proposta de Komensky, o professor de Física que atende vários alunos em sala tende a ser mais prático para motivar seus alunos. A reconstrução desta antiga pedagogia nos faz entender com mais detalhes o porquê das estruturas de aulas atuais, coordenação de estudos, currículo como reflexo nas práticas pedagógicas atuais, em particular, no ensino de Física. Reflexos do Ratio Studiorum Antecedendo ao plano conhecido como Ratio Studiorum, havia uma orientação para os colégios seguirem em seu plano de estudo. “Ao longo de toda a Idade Média até o final do século XV, prevaleceu no ensino o chamado modus italicus. (...) Caracterizava-se por não seguir um programa estruturado e nem vincular a assistência dos discípulos a determinada disciplina” [1]. No século XVI, surge uma nova metodologia conhecida como modus parisiensis, cujo modo de ensino apresentava uma distribuição dos alunos com aproximadamente a mesma idade em classes, conhecimentos proporcionais ao nível dos estudantes, repetidos exercícios escolares, mas também castigos corporais, prêmios, condecorações e louvores como incentivo de ensino. Assim, os jesuítas adotaram o modus parisiensis para compor o seu plano de estudo: Ratio Studiorum. A primeira versão deste plano surgiu em 1584; a segunda versão em 1591; e, por fim, a versão final em 1599. Apesar da missão jesuítica de educar os índios, o plano contido no Ratio foi de caráter elitista e acabou sendo destinado aos filhos de colonos, excluindo os indígenas (que eram previstos no plano de Nóbrega). O Ratio Studiorum estava dividido em estudos inferiores e estudos superiores. Interessante ressaltar o equivalente ao ensino de Física com o currículo determinado nos estudos superiores do Ratio: 1º ano – lógica e introdução às ciências; 2º ano – cosmologia, psicologia, física e matemática; 3º ano – psicologia, metafísica e filosofia moral [1]. Como os estudos inferiores correspondiam ao ensino médio atual, podemos concluir que aprender física era um estudo dirigido apenas a universitários. A concepção pedagógica do Ratio se caracterizou por uma visão do homem como ser dotado de essência universal e imutável. Sendo o homem feito à imagem de Deus deve empenhar-se em atingir a perfeição humana. Esta expressão remete à filosofia de Aristóteles articulado à corrente cristã de Tomás de Aquino. Evidência disso está na base do Ratio onde Saviani destaca “na regra de número 2 do professor de filosofia que ‘em questões de alguma importância não se afaste de Aristóteles’” [1]. Por tudo isso, temos que o Ratio promoveu a estrutura de aula tal qual é conhecida na modernidade como pedagogia tradicional. Para Motta: “O sistema educacional ainda é muito parecido com o dos jesuítas. Professores são emissores de verdade, os alunos só absorvem. Mas, há uma tendência de mudança. O professor está, ainda que lentamente, não mais só ensinando, mas sim estimulando, instigando o aluno a aprender. O senso crítico dos alunos está cada vez mais sendo estimulado” [6]. Para as aulas de Física observamos atualmente que os alunos sentem dificuldades para assimilar os conceitos, abstrair matematicamente os processos físicos, resolver e propor soluções. Por causa disso, a estrutura de aula é vista como modo tradicional de maneira que o professor é a entidade detentora do conhecimento e leva seus alunos a efetuarem repetidos exercícios matemáticos para treinarem os alunos. De fato, o treino matemático é essencial para compor a lógica e conectá-la aos conceitos da natureza. Contudo, a introdução de um novo ramo da Física, a Física Moderna, composto pelos conceitos de relatividade e física quântica, podem exigir novas práticas pedagógicas que estão além do conhecimento transmitido pela figura do professor e incansáveis treinamentos de resolução de equações matemáticas. Destaques pedagógicos É comum demonstrar os aspectos que levaram ao fim do período jesuítico em dada discussão. O século XVIII foi caracterizado pelas ideias iluministas predominantes em toda Europa. Os portugueses sentiram esta influência pelos seus compatriotas residentes no exterior em especial por Sebastião José de Carvalho e Melo que viria a ser o Marquês de Pombal. Os pensadores portugueses iluministas defendiam um novo desenvolvimento cultural e para isso a educação precisava “ser libertada do monopólio jesuítico, cujo ensino se mantinha, conforme entendiam, preso a Aristóteles e avesso aos métodos modernos de fazer ciência” [1]. Aristóteles, filósofo grego do século IV a.C., escreveu em sua obra entitulada Física (Physica ou Physicae Auscultationes – auscultação da natureza) uma análise detalhada do conceito de movimento. Está certo que os conceitos de movimento de Aristóteles não correspondem aos modernos, mas a História da Física “remonta às origens do pensamento científico, identificado preponderantemente na civilização grega, quando o esforço humano de compreensão dos fenômenos naturais se desviou das explicações de natureza mítica, para uma análise puramente racional desses fenômenos” [5]. Logo, a ideia de liberdade dos iluministas portugueses, e mesmo antes, com a filosofia proposta pelo Ratio Studiorum, pode parecer um tanto controverso ao olhar dos professores de Física, já que Aristóteles é considerado o precursor da Física. Todo este adendo é necessário para enunciar que, apesar de tudo, nas práticas pedagógicas atuais ainda guardamos reflexos do currículo do período jesuítico. Conforme destacado em Rangel (1992): “Constatam-se ainda, pela leitura dos documentos, dos jesuítas aos anos 90, semelhanças ou equivalências nos termos da indicação dos conteúdos. Mesmo no período pombalino, em que se interrompe a organização anterior (jesuítas), essas semelhanças ou equivalências podem ser observadas nos termos dos documentos que instituem as “aulas régias” (1759), cujos conteúdos se assemelham, no nível equivalente ao médio, aos indicados pela Ratio Studiorum” [2] Com foco no ensino de Física e Ciências da Natureza, desde a instituição do ensino secundário em 1838 até 1950 os livros didáticos refletiam o pensamento europeu no ensino de ciências. A partir da criação do IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura) em 1946, as instituições nacionais tomam foco no desenvolvimento de material didático em Ciências, produzindo kits de ensino de Física, Química e Biologia em 1952 [3]. Novas propostas começam a crescer com a implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1961. Mais um reflexo pode ser analisado neste ponto: “’Leitura, escrita e contas’ são privilegiadas desde o plano Nóbrega (1549) à exposição de Motivos da Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional (1961)” [2]. Este recorte pode parecer ingênuo, porém conecta-se firmemente com a prerrogativa do ensino de Física: interpretação (leitura), exposição de resultados (escrita) e embasamento matemático (contas). Portanto, com a evolução das práticas pedagógicas para o currículo de Física no ensino médio “surgem propostas de um ensino que permita uma abordagem históricafilosófica capaz de ressaltar o desenvolvimento da ciência como parte da cultura humana” [4]. Uma das propostas é a inserção mais reforçada da Física Moderna e Contemporânea, contudo, há ainda uma resistência por parte dos alunos que consideram este tópico como “um conhecimento produzido por homens muito especiais que através de observações e estudos matemáticos apurados desenvolvem teorias que as pessoas comuns tem dificuldade de aprender” [4]. Esta resistência pode representar uma contrapartida aos aspectos do tradicionalismo embutido na educação básica pelos métodos executados no ensino de Física. O professor não poderá mais ser autoritário, mas participativo. Motivar as deduções dos alunos para que eles absorvam o conteúdo com práticas experimentais bem motivadas, mas sem deixar de contar com os repetidos exercícios matemáticos necessários para abstração dos conceitos. Conclusão Demonstra-se que há um grande reflexo das práticas do período jesuítico na pedagogia do ensino de Física atualmente. A posição do professor frente a uma classe de aluno repassando o conhecimento de forma tradicional com a sua figura autoritária e exigindo o cumprimento da carga horária baseado em resolução de exercícios e repetição retém a proposta dada pelo Ratio Studiorum. Entretanto, a partir de novas propostas curriculares no ensino de Física, como a Física Quântica, os alunos que atualmente são levados a seguir o roteiro de leituras e exercícios repassados pelo professor, deverão obter um cenário mais participativo para que a didática flua melhor, mas sem abandonar totalmente os reflexos da estrutura do período jesuítico, já que o treinamento e repetição de exercícios são inegáveis para o aprendizado de Física. Bibliografia [1] SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2003. [2] RANGEL, Mary. Ainda estamos com os jesuítas na educação brasileira? – Uma análise de currículo. Periódicos UFSC, Perspectiva 17, 1992, pp. 105-119. Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/viewFile/9153/10695 [3] NARDI, Roberto. Memórias da educação em ciências no Brasil: a pesquisa do ensino de física. Grupo de Pesquisa em Ensino de Física. UNESP – Campus de Bauru, junho 2005. Disponível em http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/vol10/n1/v10_n1_a4.htm [4] MORAIS, Angelita; GUERRA, Andreia. História e a filosofia da ciência: caminhos para a inserção de temas física moderna no estudo de energia na primeira série do Ensino Médio. Rev. Bras. Ensino Fís., Mar 2013, vol.35, no.1, p.01-09. ISSN 1806-1117. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S180611172013000100018&lng=en&nrm=iso [5] PORTO, C.M. A física de Aristóteles: uma construção ingênua?. Rev. Bras. Ensino Fís., Dez 2009, vol.31, no.4, p.4602-4609. ISSN 1806-1117. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S180611172009000400019&lng=en&nrm=iso [6] HOMEPAGE. Pioneiros na educação religiosa, jesuítas influenciaram o sistema atual. Reportagem divulgada no site da Rede Globo, 01/09/2012. Disponível em http://redeglobo.globo.com/globoeducacao/noticia/2012/09/pioneiros-na-educacaoreligiosa-jesuitas-influenciaram-o-sistema-atual.html