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Quimica Ambiental Completo

QUÍMICA AMBIENTAL

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Cadernos Temáticos de Maio 2001 Química Ambiental EDITORES Alice Ribeiro Casimiro Lopes (FE-UFRJ) Eduardo Fleury Mortimer (UFMG) - Coordenador Romeu C. Rocha-Filho (UFSCar) EDITORES CONVIDADOS Marcelo Giordan (FE-USP) Wilson Figueiredo Jardim (IQ-UNICAMP) CONSELHO EDITORIAL Attico Inacio Chassot (UNISINOS) Eduardo Motta Alves Peixoto (IQ-USP) Julio Cezar Foschini Lisbôa (GEPEQ-USP) Lenir Basso Zanon (UNIJUÍ) Marcelo Giordan (FE-USP) Otavio Aloisio Maldaner (UNIJUÍ) Rejane Martins Novais Barbosa (UFRPE) Roberto Ribeiro da Silva (UnB) Roseli Pacheco Schnetzler (UNIMEP) Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola é uma publicação da Divisão de Ensino de Química da Sociedade Brasileira de Química Instituto de Química da USP - Bloco 3 Superior, São Paulo - SP, Fone (11) 3032-2299, E-mail:[email protected] Correspondência deve ser enviada para: Química Nova na Escola Caixa Postal 26037 05513-970 São Paulo - SP Fax (11) 814-3602 E-mail:[email protected] Química Nova na Escola na internet: http://www.sbq.org.br/ensino SOCIEDADE BRASILEIRA DE QUÍMICA Divisão de Ensino de Química http://www.sbq.org.br/ensino diretor Eduardo Fleury Mortimer (UFMG) vice-diretor Luiz Otávio Fagundes Amaral (UFMG) Copyright © 2001 Sociedade Brasileira de Química Para publicação, requer-se que os manuscritos submetidos a esta revista não tenham sido publicados anteriormente e não sejam submetidos ou publicados simultaneamente em outro periódico. Ao submeter o munuscrito, os autores concordam que o copyright de seu artigo seja transferido à Sociedade Brasileira de Química (SBQ), se e quando o artigo for aceito para publicação. O copyright abrange direitos exclusivos de reprodução e distribuição dos artigos, inclusive separatas, reproduções fotográficas, microfilmes ou quaisquer outras reproduções de natureza similar, inclusive traduções. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, armazenada em bancos de dados ou transmitida sob qualquer forma ou meio, seja eletrônico, eletrostático, mecânico, por fotocopiagem, gravação, mídia magnética ou algum outro modo com fins comerciais, sem permissão por escrito da detentora do copyright. Embora todo esforço seja feito pela SBQ, Editores e Conselho Editorial para garantir que nenhum dado, opinião ou afirmativa errada ou enganosa apareçam nesta revista, deixa-se claro que o conteúdo dos artigos e propagandas aqui publicados são de responsabilidade, única e exclusivamente, dos respectivos autores e anunciantes envolvidos. Conseqüentemente, a SBQ, o Conselho Editorial, os Editores e respectivos funcionários, diretores e agentes isentam-se, totalmente, de qualquer responsabilidade pelas conseqüências de quaisquer tais dados, opiniões ou afirmativas erradas ou enganosas. texto, diagramação, projeto gráfico Dígito Editoração Eletrônica e Soluções Editoriais capas Luciano F. Osorio Editorial É com grande prazer que fazemos chegar às mãos dos leitores e leitoras de Química Nova na Escola este exemplar dos Cadernos Temáticos, que trata da Química Ambiental. Você receberá, além desse caderno, três outros, tratando dos temas Novos Materiais, Fármacos e Estrutura da Matéria. A idéia de produzir Cadernos Temáticos abordando temas atuais da química surgiu a partir da constatação de que os professores e professoras de química, que atuam nos níveis de ensino fundamental e médio, têm dificuldade em encontrar bibliografia em língua portuguesa sobre esses assuntos, que seja ao mesmo tempo rigorosa, atualizada e acessível. Considerando que a Sociedade Brasileira de Química conta, entre seus sócios, com profissionais da química altamente qualificados atuando na fronteira de áreas importantes e socialmente relevantes, a Divisão de Ensino da SBQ e os editores e conselho editorial de Química Nova na Escola entenderam que poderiam contribuir para preencher essa lacuna, ao promover a articulação de grupos de trabalho formados por pesquisadores de ponta nas áreas escolhidas e membros da Divisão de Ensino, que por sua experiência na formação de professores pudessem contribuir para que os temas fossem tratados de forma acessível aos professores do ensino fundamental e médio. Ao escolher os temas, procuramos contemplar assuntos atuais que auxiliem o professor a realizar uma abordagem contextualizada da química. No caso de Estrutura da Matéria, nossa decisão foi motivada pela dificuldade que o tema representa para a maioria dos alunos e professores do ensino médio e pela existência de várias lacunas e problemas conceituais na maioria dos livros didáticos de química destinados ao ensino médio. Ao escrever esses 4 primeiros Cadernos Temáticos, as várias equipes tiveram em mente produzir um texto em nível universitário, que contribuísse para atualizar os professores do ensino fundamental e médio nos temas abordados, bem como para subsidiar a formação inicial de professores em cursos de licenciatura. O objetivo dos Cadernos é, portanto, contribuir para a formação inicial e continuada dos professores e não sugerir formas de abordar esses temas nas salas de aula do ensino fundamental e médio. Ao contrário de muitos textos publicados em Química Nova na Escola, que podem ser diretamente usados com os alunos da Escola Básica, os textos publicados nos Cadernos Temáticos não foram concebidos para essa função, mas para atualizar e fornecer subsídios ao professor e ao futuro professor quando da abordagem desses temas em suas salas de aula. A redação e impressão dos Cadernos foram possíveis graças ao apoio da Vitae (associação civil sem fins lucrativos, que apóia projetos nas áreas de cultura, educação e promoção social - http://www.vitae.org.br), que financiou o projeto e permitiu a elaboração e a ampla distribuição entre os professores de química do ensino fundamental e médio de um conjunto de materiais multimídia que inclui os Cadernos, um vídeo sobre como usar Química Nova na Escola nas salas de aula, um CD-Rom com os dez primeiros números de QNEsc e os números 11 e 12 da revista. Gostaríamos de agradecer a todos que colaboraram para a realização desse projeto, confiantes que esses 4 primeiros Cadernos Temáticos representam apenas o início de uma série de contribuições para a formação inicial e continuada dos professores. Editores e Conselho Editorial Editores Convidados Introdução à Química Ambiental E ste volume é dedicado à química laboratórios. uma legislação ambiental cada vez do meio ambiente. São cinco Esse aparente desinteresse pelos mais restritiva, preocupada com o artigos (A evolução da atmosfera processos químicos que ocorrem na destino dos compostos químicos no terrestre; Química atmosférica: a biosfera não ocorreu apenas no Brasil, meio ambiente, com a avaliação de química sobre nossa cabeça; As águas mas foi um fenômeno global. A partir risco ambiental e com o risco de do planeta Terra; Tratando nossos esda década de 60, a sociedade foi exposição às novas moléculas produgotos: processos que imitam a naturerepentinamente tomada por uma nova zidas pelo homem, de cuja toxicidade za e Lixo: desafios e compromissos) ordem. A informação transformou nospouco se sabia. A partir dos anos 80, que abordam assunso planeta em um sise até os dias de hoje, abraçada pela tos de grande importema único, interlimídia, a questão ambiental passa a ser Uma viagem pelo tempo tância, os quais certagado. Quando vimos um tema de discussão em todos os nos mostra documentos do mente irão determinar a primeira fotografia segmentos da sociedade. século XVII nos quais se a qualidade do nosso do nosso planeta tiraMuito embora a democratização da observa a preocupação futuro como habitanda de uma nave esdiscussão sobre as questões ambiencom a devastação do meio tes de um planeta únipacial, descobrimos tais tenha sido um dos principais fatoambiente em regiões do co, finito, frágil, fruto que a Terra era realres para um maior conhecimento dos Reino Unido próximas de de milhares de mimente azul, flutuando processos de degradação da nossa onde se fazia a extração do lhões de reações quíno espaço como se qualidade de vida e para o aprimocarvão micas que se procesfosse um organismo ramento de uma legislação pertinente, sam a cada segundo. vivo, único. Descobrimos também que os problemas de poluição ambiental Para muitos de nós, a química do o uso indiscriminado de pesticidas esainda são cercados de muita desinformeio ambiente é uma área do conhetava colocando em risco a nossa saúmação (ou contra-informação), o que cimento que surgiu dentro da química de ao contaminar os alimentos e as muitas vezes dificulta a escolha da nestas últimas décadas. No entanto, é águas, que o lixo urbano e industrial melhor opção preventiva ou mesmo importante que se tenha em mente que estavam sendo descartados inadequapaliativa para o problema. Parte desta essa hipótese não procede. Uma viadamente e que o nosso ar estava se desinformação pode ser atribuída a um gem pelo tempo nos mostra documentornando irrespirável. O modelo econôerro histórico que nós, químicos, cotos do século XVII nos quais se observa mico em prática não mais servia pormetemos há quatro décadas, quando a preocupação com a devastação do que tratava o nosso planeta finito e deixamos a sociedade sem respostas meio ambiente em regiões do Reino limitado como se fosse algo infinitaquando se questionaram, por exemplo, Unido próximas de onde se fazia a exmente rico e capaz de os riscos inerentes ao A partir dos anos 80, e até tração do carvão. Num dos volumes prover recursos ilimiuso de DDT, dos os dias de hoje, abraçada do periódico inglês Nature, datado de tados a uma populametais pesados e da pela mídia, a questão 1872, há uma minuciosa análise da ção que crescia assusemissão de gases ambiental passa a ser um qualidade do ar nas cidades inglesas tadoramente. Como se causadores de efeito tema de discussão em de Londres e Manchester, inclusive não bastasse, via a estufa, dentre outros. todos os segmentos da apontando para o perigo das altas indústria química como Vem dessa época sociedade um mero transformaconcentrações de SO 2 observadas também a disseminaquelas atmosferas urbanas dor desses recursos nação de um senti(Thorpe,1872) . Estes são apenas alnaturais em bens de consumo, sem se mento de associar a química com o guns exemplos que demonstram que importar com os rejeitos impactantes impactante, o nocivo, o sintético (nãoa química voltada aos processos amgerados nessas transformações. natural). bientais não é algo novo; o fato é que A década de 70 já mostra claraDados recentes do IBGE mostram nós, químicos, durante muito tempo mente os resultados produzidos como que a expectativa de vida do brasileiro fizemos química de frente para a banfruto da organização e da mobilização passou de 43,3 anos, na década de cada, mas de costas para a janela dos da sociedade, agora protegida por 50, para 68,1 anos em 1998. Parte Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Introdução Edição especial – Maio 2001 3 apreciável do salto desse indicativo de qualidade de vida se deve aos avanços da química na área de saneamento ambiental e processos de desinfecção de água, ao aumento e diversificação da produtividade agrícola à custa de insumos químicos, bem como da bioquímica, que serve como base da medicina preventiva, desenvolvendo vacinas e novas drogas que aumentam a nossa longevidade. Ou seja, em uma análise centrada em risco/benefício, nós químicos podemos nos sentir muito à vontade para afirmar que nossa contribuição tem sido crucial para a melhoria da qualidade de vida no planeta. Certamente, dentro de um assunto tão complexo, inúmeras perguntas ainda estão sem resposta. Por exemplo, ainda não conhecemos com exatidão a magnitude do efeito estufa e, por conseguinte, todas as suas conseqüências. Também não podemos prever em detalhes a toxicidade ou o poder mutagênico de todas as novas moléculas que são produzidas, o que não deixa de ser extremamente frustrante para um cientista. No entanto, é importante que se tenha sempre em mente que, em qualquer que seja a situação, devemos sempre agir baseados em fatos e evidências científicas. É importante que, como químicos, saibamos diferenciar percepção de risco ambiental da avaliação de risco ambiental, uma vez que o primeiro conceito pode ser muito subje- tivo (e portanto falho), enquanto a avaliação é centrada em informações científicas. E é galgado nesse paradigma que estamos produzindo este volume dedicado à química do meio ambiente, procurando descrever as bases químicas dos processos ambientais, sejam eles impactantes ou não, permitindo assim a todos os leitores o acesso ao conhecimento. Wilson F. Jardim, professor titular do Departamento de Química Analítica do IQ-UNICAMP, responsável pelo Laboratório de Química Ambiental (LQA - lqa. iqm.unicamp.br), já orientou 16 mestres e 12 doutores. Referências bibliográficas Thorpe, T.E., Nature, 22 de agosto de 1872. 4 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Introdução Edição especial – Maio 2001 Wilson F. Jardim A evolução da atmosfera terrestre ao longo de 4,5 bilhões de anos nos revela transformações químicas drásticas. O aparecimento da vida no nosso planeta acarretou uma situação de constante desequilíbrio na nossa atmosfera, sendo que essa instabilidade tem se agravado nestas ultimas décadas, fruto das atividades antrópicas. Os perigos associados à alteração da composição química da atmosfera também são discutidos. atmosfera, termodinâmica, fotossíntese, respiração A Terra tem aproximadamente 4,5 bilhões de anos. Seria pouco provável que nosso planeta tivesse permanecido por todo esse tempo idêntico, na sua forma e na sua composição, ao planeta que hoje habitamos. O mesmo ocorre com a atmosfera terrestre, que nem sempre apresentou a mesma composição química que a atual, conforme apresenta o Quadro 1. Muito embora todos nós tenhamos a idéia de que grandes mudanças devem ter ocorrido nesses bilhões de anos, sempre nos resta uma pergunta: como podemos reconstituir a atmosfera terrestre primitiva de modo a avaliar a magnitude dessas transformações? Simplesmente tentando entender as marcas deixadas por essas transformações no nosso planeta através da química, da geologia e da biologia, trabalhando integradamente como uma equipe multidisciplinar. E à medida que desvendamos as grandes transformações químicas que a atmosfera terrestre vivenciou, procuramos avaliar quais foram as conseqüências dessas mudanças para a manutenção da vida na Terra. Assim, podemos aprender muito com a história, de modo a não cometermos os mesmos erros (ou pelo menos nos Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola protegermos de seus efeitos), os quais carbono. Conforme esperado, todo ficaram registrados na crosta do oxigênio disponível tinha um tempo de planeta ao longo desses bilhões de vida muito curto, acabando por reagir anos. com uma série de compostos presenO processo mais importante ocortes na sua forma reduzida. rido no planeta Terra foi o aparecimento A termodinâmica e o conceito de vida da vida, o que deve ter ocorrido há aproximadamente 3,5 bilhões de anos. Uma observação mais criteriosa da Até então, estima-se que nosso planecomposição química da atmosfera terta apresentava uma atmosfera basrestre (Quadro 1) mostra que o nosso tante redutora, com uma crosta rica em planeta é ímpar quando comparado ferro elementar e castigada por altas com nossos vizinhos mais próximos, doses de radiação UV, já que o Sol era Marte e Vênus. Se fosse possível tomar em torno de 40% mais ativo do que é uma amostra de cada uma das atmoshoje e também não havia oxigênio feras desses dois planetas e confiná-las suficiente para atuar como filtro dessa em um sistema isolado por alguns miradiação, como ocorre na estratosfera lhões de anos, iríamos observar que as atual (vide artigo sobre química atmosférica). Quadro 1: Composição química e termodinâmica da atmosfera Dentro dessas caracte- de alguns planetas do Sistema Solar (%). rísticas redutoras, con- Gás Vênus Marte Terra Terra* clui-se que a atmosfera CO 96,5 95 0,035 98 2 primitiva era rica em hiN2 3,5 2,7 79 1,9 drogênio, metano e O traços 0,13 21 traços 2 amônia. Estes dois últitraços 1,6 1,0 0,1 mos, em processos Argônio -365 -376 -1,8 -377 fotoquímicos media- ∆fGm/kJ mol-1 ** dos pela intensa radia- * Composição provável antes do aparecimento da vida no ção solar, muito prova- planeta. velmente terminavam ** Detalhes sobre como calcular os valores da energia livre se transformando em padrão molar de formação apresentados nesta tabela nitrogênio e dióxido de encontram-se em Jardim e Chagas, 1992. A evolução da atmosfera terrestre Edição especial – Maio 2001 5 6 pensado que a química pode fornecer energia proveniente da radiação solar. suas composições químicas não se uma das melhores e mais abrangentes Essa análise termodinâmica da alterariam. Ou seja, sob o ponto de definições do que é a vida? atmosfera terrestre foi muito importante vista termodinâmico, essas atmosferas na década de 60, quando os EUA e a estão em equilíbrio, conforme mostram O aparecimento da vida na Terra extinta União Soviéos dados termodinâA evolução da vida no nosso platica, no auge do pemicos presentes na Mesmo dentro de uma neta pode ser resgatada através das ríodo denominado última linha do Quadro concepção química evidências deixadas na crosta terrestre extremamente abrangente ‘Guerra Fria’, estavam 1. No entanto, se tode vida, Marte e Vênus são (incluindo as calotas polares), basicainteressados na exmarmos uma amostra hoje tidos como planetas mente pela análise geoquímica (espeploração do espaço e do ar que respiramos estéreis, porque suas ciação química e radio-isotópica) de na investigação da hoje e procedermos atmosferas estão em rochas e meteoritos, ou pelos fósseis possibilidade da exisdo mesmo modo que equilíbrio termodinâmico de organismos que habitaram a Terra, tência de vida extrafizemos para as amosalém de uma boa dose de criatividade terrestre. tras de Marte e Vênus, balizada pelas evidências científicas e Imagine uma nave não-tripulada ou seja, confiná-la de modo a excluir pelo bom senso. O Quadro 2 esquepousando em Marte para investigar a qualquer interação com seres vivos, matiza os principais eventos que deterexistência de vida nesse planeta, e que iríamos descobrir que sua composição minaram a evolução da vida, mostranvocê fosse o encarregado de idealizar química seria drasticamente alterada, do a época em que ocorreram e as um experimento que pudesse elucidar e no final teríamos uma atmosfera evidências usadas para inferi-los. essa dúvida. Na realidade, esse muito similar àquela encontrada nesAs rochas mais antigas mostrando cenário não é de ficção, e realmente ses dois planetas, conforme mostrado provável evidência de ocorreu. Dentre as na última coluna do Quadro 1. vida foram encontravárias propostas de Isso demonstra que a atmosfera terDevido às características das na Groenlândia e experimentos que forestre está muito distante do equilíbrio redutoras da nossa são sedimentos carram apresentadas termodinâmico, o que intuitivamente é atmosfera primitiva, a bonáticos com 3,8 bi(busca de DNA, desabido, pois como poderíamos explibiomassa era gerada lhões de anos. Antes através da fermentação, tecção de carbono car que em uma atmosfera tão rica em processo que ocorre disso, acredita-se que assimétrico etc.), tooxigênio (poderoso oxidante) pudestambém nos dias atuais a crosta terrestre era das pecavam porque sem coexistir espécies reduzidas tais tão bombardeada por assumiam que a exiscomo metano, amônia, monóxido de meteoritos que a vida seria improvável. tência da vida seria caracterizada por carbono e óxido nitroso? Em uma anáNessas rochas já se verifica um indícios com os quais estamos familise mais abrangente, poderíamos dizer desbalanço isotópico, ou seja, o empoliarizados, ou seja, estavam centrados que esse quadro único em termos de brecimento de 13C em relação ao 12C, na nossa concepção do que é vida. No composição química da atmosfera da o que geralmente é indicativo de ativientanto, o pesquisador inglês James Terra é fruto da vida que se desendade biológica (vide detalhes no box). Lovelock (1982) propôs que não seria volveu no planeta há mais de 3,5 biEm rochas oriundas da Austrália, necessário ir até estes lhões de anos. O oxicom idade em torno de 2,8 bilhões de planetas para verificar gênio que hoje comAs rochas mais antigas anos, foram encontradas cadeias de se haveria ou não vida põe a atmosfera é mostrando provável filamentos que muito se assemelham neles, uma vez que em quase todo produto evidência de vida foram às cianofícias filamentosas (algas um conceito muito da fotossíntese, pois encontradas na azuladas) de hoje. No entanto, os primais amplo (e válido todas as outras fontes Groenlândia e são meiros fósseis que realmente mostram para todo o Sistema fotoquímicas inorgâsedimentos carbonáticos organismos multicelulares são oriunSolar), a vida poderia nicas de produção de com 3,8 bilhões de anos. dos do Lago Superior, na América do ser detectada pela oxigênio juntas conAntes disso, acredita-se Norte, e têm 2 bilhões de anos. Nesses simples observação, tribuem com menos que a crosta terrestre era fósseis foram encontradas as primeiras daqui da Terra mesmo, de um bilionésimo do tão bombardeada por evidências de mecanismos de protedo estado de entropia estoque de O 2 que meteoritos que a vida seria ção ao oxigênio e à fotooxidação em da atmosfera alienírespiramos. Assim, os improvável cianofíceas. gena. Dentro dessa processos biológicos Uma análise centrada nas muconcepção química extremamente (em outras palavras, a vida!) produzem danças químicas que acompanharam abrangente de vida, Marte e Vênus são não apenas o oxidante atmosférico essa evolução está apresentada no hoje tidos como planetas estéreis mas também os gases reduzidos, Quadro 2, e nos mostra que o período porque suas atmosferas estão em gerando um estado de baixa entropia, mais crítico vivido pela nossa atmosequilíbrio termodinâmico. Você já havia mantido pela inesgotável fonte de Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola A evolução da atmosfera terrestre Edição especial – Maio 2001 fera foi há aproximadamente dois bilhões de anos, quando os organismos passaram a realizar a fotossíntese. É sabido que para gerar uma nova célula um organismo necessita de matéria e energia. Devido às características redutoras da nossa atmosfera primitiva, a biomassa era gerada através da fermentação, processo que ocorre também nos dias atuais (vide a produção de álcool a partir da canade-açúcar, a produção do vinho etc.). No entanto, mesmo nesse ambiente fortemente redutor, organismos fotossintéticos começaram a aparecer há dois bilhões de anos, o que a princípio nos parece uma tentativa de suicídio coletivo. Na fotossíntese, a biomassa é produzida por meio da redução do CO2 em presença de água e luz solar, conforme mostrada na equação (1) nCO2 + nH2O → {CH2O}n + nO2 (1) Sabendo-se que o oxigênio é um agente oxidante muito poderoso (basta cortar uma maçã e deixá-la exposta ao ar por poucos minutos e você verá o quanto nossa atmosfera é oxidante) e que os organismos que habitavam a Terra não poderiam sobreviver em uma atmosfera rica em O2, uma das perguntas que normalmente se faz é: por que apareceram os organismos fotossintéticos? A explicação mais plausível é que a fotossíntese fornece 16 vezes mais energia aos organismos do que a fermentação. Desse modo, os orga- O significado biológico da razão 13C/12C ou do δ 13C Durante a fotossíntese, as plantas promovem o fracionamento dos isótopos do carbono. Essa diferença isotópica entre o teor de 13C e 12C do CO2 fixada nas plantas fica assim registrada nos diferentes compostos orgânicos que constitui a matéria orgânica vegetal. Existem 3 ciclos fotossintéticos na natureza: as plantas C3, as C4 e as plantas CAM (ciclo do ácido crassuláceo) que discriminam os isótopos do carbono diferentemente. Embora todas concentrem mais 12C do que 13C, as plantas C3 são as que mais discriminam quando comparadas com as C4. As C3 têm composição isotópica na faixa de -34 a 24o/oo (partes por mil) e as C4 na faixa de -16 a 9o/oo; as plantas CAM, uma vez que fixam CO2 sob luz usando o ciclo C3 e no escuro usando o ciclo C4, têm composição isotópica intermediária às plantas dos outros dois ciclos, ou seja, entre -29 a -9o/oo. Decorrente disto, os sedimentos podem atuar como registro histórico das contribuição das diferentes fontes de matéria orgânica de um ambiente através de δ 13C. Um outro processo que promove um fracionamento isotópico é a precipitação de fases minerais tais como o carbonato de cálcio (CaCO3) na forma de calcita, por exemplo. Esse processo, quando promovido sob equilíbrio isotópico entre o carbonato cristalizado e o carbono inorgânico dissolvido, estabelece uma diferença isotópica de 13C tal que, a grande maioria dos carbonatos formados em tempos geológicos têm um δ 13C da ordem de zero; as rochas marinhas têm uma composição moderadamente constante através dos períodos Cambriano e Terciário. Já as rochas de sistemas de águas doces têm composição muito variável e com composições mais leves de 13C (isto é, teores menores de 13C), graças ao equilíbrio com um reservatório de carbono inorgânico dissolvido que também tem composição mais leve nestes isótopos exatamente devido à atividade. Portanto, a existência de rochas carbonáticas com valores de δ 13C mais leves representam indícios de atividade biológica no período em que o carbonato se formou, sendo por conseguinte um forte indício de vida no ambiente aquático naquele período. nismos agora tinham um ganho energético muito atrativo, mas um preço muito alto a pagar: a toxicidade de um dos produtos da fotossíntese, o oxigênio. Assim, os organismos tinham que Quadro 2: Evolução da vida na Terra. Tempo (106 anos) Evidência 400 Peixes grandes, primeiras plantas terrestres 100 550 Explosão da fauna cambriana 10 1.400 Primeiras células eucariótes; células com diâmetro maior; evidência de mitose >1 2.000 Cianofícias tolerantes ao oxigênio, com carapaça de proteção; fotossíntese 1 2.800 Cadeias de filamentos - organismos que se parecem com as cianofícias atuais; predominância da espécie Fe(II) em rochas; fermentação <0,01 3.800 Rochas com empobrecimento de Possível atividade biológica % de oxigênio na atmosfera* 13 C - <0,01 * porcentagem tomando como base o teor de oxigênio na atmosfera atual. Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola A evolução da atmosfera terrestre se proteger desse agente até então virtualmente inexistente na atmosfera, seja pela adaptação bioquímica de seus organismos, seja evitando a exposição ao mesmo. Ou ambos! Vamos voltar a imaginar a nossa atmosfera há dois bilhões de anos, onde o oxigênio começa a se formar fruto da fotossíntese. Sabendo que a radiação UV que atingia a crosta terrestre era intensa e muito energética, o excesso de oxigênio era fotoquimicamente transformado em ozônio, de acordo com as reações (2) e (3), conforme detalhado neste número, no artigo Atmosfera: a química sobre nossa cabeças (p. 43): O2 + hν → O + O (2) O• + O2 + M → O3 + M (3) Fruto destas reações químicas, a nossa atmosfera deve ter se transformado em um ambiente duplamente Edição especial – Maio 2001 7 8 falta de um fluido de escoamento. Ou oxidante, pois além do oxigênio, dentemente da complexidade bioquíseja, o efeito estufa bem dosado é mica dos organismos, do número de agora também havia ozônio na baixa benéfico e essencial para a manutenindivíduos e do seu posicionamento troposfera, tal qual o processo ção da vida, mas um aquecimento desdentro da cadeia alimentar, é químico que ocorre hoje na nossa controlado do planeta estratosfera, a mais de 15 km de necessário um tempo Sem o efeito estufa, a traria conseqüências muito longo para que altura, e que nos protege das radiatemperatura média na funestas para o mesções ultra-violeta perniciosas. Nesse haja a perfeita adapsuperfície do globo ficaria mo. tação de qualquer ambiente altamente tóxico para os abaixo de -15 °C, nosso Portanto, nossa espécie viva às novas organismos fermentativos e facultaplaneta seria uma esfera preocupação com as condições ambientivos, só restava buscar a proteção rica em água no estado mudanças químicas tais. O oxigênio levou em um local: embaixo d’água, nos sólido e certamente não que ocorrem na mais de 1,5 bilhão de oceanos, onde o ozônio é pouco propícia ao aparecimento atmosfera devem ser anos para sair de solúvel e a radiação UV penetra de vida; o efeito estufa centradas não nos uma concentração de apenas nos primeiros centímetros. bem dosado é benéfico e gases majoritários, traços e atingir os Por mais 500 milhões de anos os essencial para a mas principalmente atuais 21%. No organismos viveram evitando o ambimanutenção da vida naqueles minoritários entanto, parece que ente oxidante, adaptando-se bioquique estão crescendo a uma velocidade os homens não estão muito atentos micamente a essa nova realidade tão elevada que, tudo indica, não ao fato de que nestes últimos 150 através da produção de enzimas teremos tempo de nos adaptar a uma anos houve uma mudança bastante protetoras de espécies altamente nova situação, caso esse aumento apreciável na concentração de alreativas como os radicais venha a alterar o nosso clima ou a guns gases minoritários presentes na oxigenados. Enquanto isso, a conintensidade da radiação UV que chega nossa atmosfera. O dióxido de centração do oxigênio aumentava na até a crosta terrestre. E o mais troposfera, e com isso a camada de carbono vem crescendo a uma taxa importante é que na questão ambienozônio ia ficando cade 0,4% ao ano e o tal a precaução é o melhor remédio, O oxigênio levou mais de da vez mais elevada, metano a 1% ao ano, pois grande parte das mudanças quí1,5 bilhão de anos para sair distante da crosta enquanto os CFC's micas que ocorrem na atmosfera, se de uma concentração de terrestre. Finalmente, (clorofluoro carbonenão são irreversíveis, levam muito mais traços e atingir os atuais os organismos hoje tos) crescem a uma tempo para serem remediadas do que 21%. Já nos últimos 150 ditos aeróbios foram assustadora taxa de se fossem prevenidas. Resumindo, em anos, devido à intervenção cada vez mais se 5% ao ano, quadruhumana, houve uma qualquer assunto ligado à preservação adaptando ao auplicando sua conmudança apreciável na ambiental, prevenir é sempre melhor mento da concencentração média na concentração de alguns do que remediar. tração de oxigênio na atmosfera nas últigases minoritários atmosfera, até que mas quatro décadas Wilson F. Jardim, professor titular do Departamento presentes na nossa nestes últimos 500 (vide Atmosfera: a de Química Analítica do IQ-UNICAMP, responsável pelo atmosfera Laboratório de Química Ambiental (LQA milhões de anos eles química sobre nossa lqa.iqm.unicamp.br) e já orientou 15 mestres e 11 saíram da água para cabeças). Todos doutores. povoar a terra seca. Resumidamente, estes gases, ainda que minoritários, foram necessários mais de um bilhão têm uma função muito importante na de anos para que esses organismos química da atmosfera, pois alguns Referências bibliográficas (e muito mais recentemente o hosão gases causadores do efeito BAUGH, M. Aerobic evolution - a fasmem) se adaptassem ao maior estufa, outros destroem a camada de cinating world. Educ. Chem., v. 28, p. 20impacto ambiental que a Terra já ozônio e alguns dos CFCs 22, 1991. vivenciou, ou seja, a mudança da apresentam ambas propriedades JARDIM, W.F. e CHAGAS, A.P. A Química Ambiental e a hipótese Gaia: uma atmosfera redutora para altacom altíssima intensidade. Cabe uma nova visão sobre a vida na Terra? mente oxidante como esta em que lembrar que a Terra sempre foi Quim. Nova, v. 15, p. 73-76, 1992. vivemos nos dias atuais, contendo beneficiada pelo efeito estufa, devido LOVELOCK, J.E. Gaia; a new look at em torno de 21% de oxigênio. à presença de vapor d’água e CO2 na life on Earth. Oxford University Press 157 troposfera. Sem o efeito estufa, a p., 1982. As lições a serem aprendidas temperatura média na superfície do SHEAR, W.A. The early development As mudanças químicas que ocorglobo ficaria abaixo de -15 °C, nosso of terrestrial ecosystems. Nature, 1991. WAYNE, R.P. Origin and evolution of planeta seria uma esfera rica em água reram na atmosfera terrestre nos the atmosphere. Chem. Brit., v. 24, p. no estado sólido e certamente não ensinam uma grande lição: indepen225-230, 1988. propícia ao aparecimento de vida pela Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola A evolução da atmosfera terrestre Edição especial – Maio 2001 Pedro Sérgio Fadini e Almerinda Antonia Barbosa Fadini Os resíduos gerados por aglomerações urbanas, processos produtivos e mesmo em estações de tratamento de esgoto são um grande problema, tanto pela quantidade quanto pela toxicidade de tais rejeitos. A solução para tal questão não depende apenas de atitudes governamentais ou decisões de empresas; deve ser fruto também do empenho de cada cidadão, que tem o poder de recusar produtos potencialmente impactantes, participar de organizações nãogovernamentais ou simplesmente segregar resíduos dentro de casa, facilitando assim processos de reciclagem. O conhecimento da questão do lixo é a única maneira de se iniciar um ciclo de decisões e atitudes que possam resultar em uma efetiva melhoria de nossa qualidade ambiental e de vida. lixo, sociedade, resíduos urbanos, tratamento de lixo, programa R3 C hamamos ‘lixo’ a uma grande diversidade de resíduos sólidos de diferentes procedências, dentre eles o resíduo sólido urbano gerado em nossas residências. A taxa de geração de resíduos sólidos urbanos está relacionada aos hábitos de consumo de cada cultura, onde se nota uma correlação estreita entre a produção de lixo e o poder econômico de uma dada população. O lixo faz parte da história do homem, já que a sua produção é inevitável. Para Teixeira e Bidone (1999), o lixo é definido de acordo com a conveniência e preferência de cada um. O IPT/CEMPRE (1995), define-o como restos das atividades humanas, consideradas pelos geradores como inúteis, indesejáveis ou descartáveis. Normalmente apresentam-se em estado sólido, semi-sólido ou semilíquido (com quantidade de líquido insuficiente para que possa fluir livremente). São também classificados como resíduos sólidos vários resíduos industriais, resíduos nucleares e lodo de esgoto desidratado, conforme aponta MataAlvarez et al. (2000). O lixo sempre acompanhou a história do homem. Na Idade Média acumulava-se pelas ruas e imediações das cidades, provocando sérias epidemias e causando a morte de milhões Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola de pessoas (Branco, 1983). A partir da devido a formas inadequadas de elimiRevolução Industrial iniciou-se o pronação (IPT/CEMPRE, 1995). Para cesso de urbanização, provocando um Bidone (1999), em um passado não êxodo do homem do campo para as muito distante a produção de resíduos cidades. Observou-se assim um vertiera de algumas dezenas de quilos por ginoso crescimento populacional, favohabitante/ano; no entanto, hoje, países recido também pelo avanço da medialtamente industrializados como os cina e conseqüente aumento da expecEstados Unidos produzem mais de tativa de vida. A partir de então, os 700 kg/hab/ano. No Brasil, o valor méimpactos ambientais passaram a ter dio verificado nas cidades mais popuum grau de magnitude alto, devido aos losas é da ordem de 180 kg/hab/ano. mais diversos tipos de poluição, dentre A produção elevada de lixo norteeles a poluição gerada pelo lixo. O fato americano deve-se ao alto grau de iné que o lixo passou a ser encarado codustrialização e aos bens de consumo mo um problema, o qual deveria ser descartáveis produzidos e amplacombatido e escondido da população. mente utilizados pela maioria da popuA solução para o lixo naquele momento lação. No caso do Brasil, a geração do não foi encarada como algo complexo, lixo ainda é, em sua maioria, de propois bastava simplescedência orgânica; Países altamente indusmente afastá-lo, descontudo, nos últimos trializados como os Estados cartando-o em áreas anos vem se incorpoUnidos produzem mais de mais distantes dos rando o modo de con700 kg/hab/ano. No Brasil, centros urbanos, desumo de países ricos, as cidades mais populosas nominados ‘lixões’. o que tem levado a produzem algo como Nos dias atuais, uma intensificação do 180 kg/hab/ano com a maioria das uso de produtos despessoas vivendo nas cartáveis. cidades e com o avanço mundial da Sem dúvida, a associação do cresindústria provocando mudanças nos cimento populacional à intensa urbahábitos de consumo da população, nização e às mudanças de consumo vem-se gerando um lixo diferente em estão mudando o perfil do lixo brasileiquantidade e diversidade. Até mesmo ro. Porém, essa ‘modernidade’ não esnas zonas rurais encontram-se frascos tá sendo acompanhada das medidas e sacos plásticos acumulando-se necessárias para dar ao lixo gerado um Lixo: desafios e compromissos Edição especial – Maio 2001 9 destino adequado. Segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), realizada em 1989 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e editada em 1991 (IPT/CEMPRE, 1995), “o brasileiro convive com a maioria do lixo que produz. São 241.614 toneladas de lixo produzidas diariamente no país. Fica a céu aberto (lixão) 76% de todo esse lixo. Apenas 24% recebe tratamento mais adequado”. Destinação final do lixo (%) Disposição a céu aberto 76 Aterro controlado 13 Aterro sanitário 10 Usina de compostagem 0,9 Incineração 0,1 Figura 1: Vista do lixão de Indaiatuba-SP, em 1990. Foto: Acervo da Associação Ecológica Chico Mendes de Indaiatuba (AECHIN) Fonte: IBGE, 1991(in: IPT/CEMPRE, 1995). 10 Dos 24% de tratamento considerado mais adequado, 13% é através de aterro controlado, o que ainda possibilita a contaminação do lençol freático. Mesmo os 10% de aterro sanitário não são eficiência e qualidade devido à necessidade constante de controle e manutenção, o que nem sempre acontece, mesmo porque são raros os Lixão, aterros sanitários e aterros controlados O lixão é uma mera disposição do lixo a céu aberto, sem nenhum critério sanitário de proteção ao ambiente, que possibilita o pleno acesso de vetores de doenças como moscas, mosquitos, baratas e ratos ao lixo. Segundo a ABNT/NBR-8849/85, um aterro controlado caracteriza-se pela disposição do lixo em local controlado, onde os resíduos sólidos recebem uma cobertura de solos ao final de cada jornada. Ao contrário dos aterros sanitários, os aterros controlados geralmente não possuem impermeabilização dos solos nem sistema de dispersão de chorume e gases, sendo comum nestes locais a contaminação de águas subterrâneas. (IPT/CEMPRE, 1995). As Figuras 1 e 2 apresentam imagens de um lixão e de um aterro sanitário, respectivamente. Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Figura 2: Vista do antigo lixão de Indaiatuba, hoje transformado em aterro sanitário. Foto: Acervo da Associação Ecológica Chico Mendes de Indaiatuba (AECHIN). aterros que operam convenientemente do ponto de vista ambiental (Figueiredo, 1995). Para a maioria dos administradores o lixo é encarado como um problema e uma preocupação meramente higiênica. Porém, o problema maior são as medidas paliativas e impactantes adotadas, como a de afastar dos olhos e das narinas esse incômodo e apresentar uma falsa solução à população. Enquanto isso, na região receptora do lixo está o homem, no posto de separador de lixo, à espera da matériaprima que possibilite a sua sobrevivência, convivendo com urubus, insetos, ratos e suscetível a doenças que através dele voltarão depois para os cenLixo: desafios e compromissos tros urbanos. A questão do lixo remetenos a uma discussão sobre o modelo de desenvolvimento escolhido pelo país, cuja política se traduz na necessidade do aumento do consumo, favorecendo alguns e excluindo muitos. A opção por um crescimento meramente econômico, que nos coloca entre os países com os maiores PIBs mundiais, destoa do conceito de desenvolvimento, que deve ser acompanhado de melhorias sociais. O discurso adotado é que esse modelo industrial nos levará ao bloco dos países denominados ricos, e que para isso tem-se que investir em infra-estrutura, aumentando a oferta de combustíveis, de matérias-primas, de insumos proEdição especial – Maio 2001 dutivos e de eletricidade. Sevá-Filho (1995) apresenta o questionamento pertinente ao fato: se com o aumento da demanda os recursos vão se tornando escassos, os investimentos vão se tornando maiores e a produção passa a provocar mais problemas ambientais. O certo não seria gastar menos, aproveitar melhor o que se produz, obter bens mais duráveis e então aproveitar cada vez mais o lixo assim produzido, e, enfim, alcançar-se uma geração cada vez menor de lixo, de poluição e de miséria? Necessita-se repensar o tipo de desenvolvimento adotado no Brasil, no qual se valorizam os altos investimentos em produção sem acompanhamento e efetivação de planejamentos ambientais. A opção por esse tipo de desenvolvimento vem exigindo uma alta demanda de recursos, estimulando a criação de uma sociedade altamente consumista e cujos resultados são a escassez e o esgotamento dos recursos naturais, a poluição do meio ambiente e um empobrecimento da população devido à falsa necessidade de produtos cada vez mais industrializados, além da continuidade da péssima distribuição da renda no país. Lixo: uma questão de gerenciamento Para o Manual de Gerenciamento Integrado (IPT/CEMPRE,1995), gerenciar o lixo é adotar um conjunto articulado de ações normativas, operacionais, financeiras e de planejamento, com base em critérios sanitários, ambientais e econômicos para coletar, tratar e dispor o resíduo sólido municipal urbano. A execução de ações pla- nejadas, de forma racional e integrada, leva ao gerenciamento adequado do lixo, assegurando saúde, bem-estar e economia de recursos públicos, além de ir ao encontro de um desejo maior que é a melhoria da qualidade de vida das gerações atuais e futuras. Para o gerenciamento do lixo, é necessária a existência de um programa de educação ambiental que contemple a recusa de consumo de produtos com alta capacidade de geração de resíduos, redução do consumo, reuso e reciclagem (conforme será discutido no item “O Programa R3 – Redução de Consumo, Reutilização e Reciclagem do Lixo”). A Tabela 1 apresenta a identificação das fontes e dos resíduos gerados e os responsáveis pela destinação final sanitariamente adequada. Tabela 1: Geração e destino de resíduos. Classificação por origem do lixo (Manual de Gerenciamento Integrado, IPT-CEMPRE, 1995) Responsável pela destinação final Domiciliar: Aquele originado da vida diária das residências, constituído por restos de alimentos (tais como cascas de frutas, verduras etc) produtos deteriorados, jornais e revistas, garrafas, embalagens em geral, papel higiênico, fraldas descartáveis e uma grande diversidade de outros itens. Contém, ainda, alguns resíduos que podem ser tóxicos. Prefeitura Comercial: Aquele originado dos diversos estabelecimentos comerciais e de serviços, tais como supermercados, estabelecimentos bancários, lojas, bares, restaurantes etc. O lixo desses estabelecimentos e serviços tem um forte componente de papel, plásticos, embalagens diversas e resíduos de asseio dos funcionários, tais como papel toalha, papel higiênico etc. Público: São aqueles originados dos serviços: • de limpeza pública urbana, incluindo todos os resíduos de varrição das vias públicas, limpeza de praias, de galerias, de córregos e de terrenos, restos de podas de árvores etc.; • de limpeza de áreas de feiras livres, constituídos por restos vegetais diversos, embalagens etc. Prefeitura * Serviços de saúde e hospitalar: Constituem resíduos sépticos, ou seja, que contêm ou potencialmente podem conter germes patogênicos. São produzidos em serviços de saúde tais como hospitais, clínicas, laboratórios, farmácias, clínicas veterinárias, postos de saúde etc. São eles: agulhas, seringas, gaze, bandagens, algodão, órgãos e tecidos removidos, meios de cultura e animais usados em testes, sangue coagulado, luvas descartáveis, remédios com prazo de validade vencido, instrumentos de resina sintética, filmes fotográficos e raios X etc. Resíduos assépticos desses locais, constituídos por papéis, restos da preparação de alimentos, resíduos de limpeza geral (pó, cinza etc.) e outros materiais que não entram em contato direto com pacientes ou com os resíduos sépticos anteriormente descritos, são considerados domiciliares. Gerador Portos, aeroportos, terminais rodoviários e ferroviários: Constituem resíduos sépticos, ou seja, aqueles que contêm ou potencialmente podem conter germes patogênicos trazidos aos portos, terminais rodoviários e aeroportos. Basicamente, originam-se de material de higiene, asseio pessoal e restos de alimentação que podem veicular doenças provenientes de outras cidades, estados e países. Industrial: Aquele originado nas atividades dos diversos ramos da indústria metalúrgica, química, petroquímica, papeleira, alimentícia etc. O lixo industrial é bastante variado, podendo ser representado por cinza, lodo, óleo, resíduos alcalinos ou ácidos, plástico, papel, madeira, fibras, borracha, metais, escórias, vidro e cerâmica etc. Nessa categoria inclui-se a grande maioria do lixo considerado tóxico. Agrícola: Resíduos sólidos das atividades agrícolas e da pecuária, como embalagens de adubos, defensivos agrícolas, ração, restos de colheita etc. Em várias regiões do mundo, esses resíduos já constituem uma preocupação crescente, destacando-se as enormes quantidades de esterco animal geradas nas fazendas de pecuária intensiva. Também as embalagens de agroquímicos** diversos, em geral altamente tóxicos, têm sido alvo de legislação específica, definindo os cuidados na sua destinação final e, por vezes, co-responsabilizando a própria indústria fabricante desses produtos. Entulho: Resíduos da construção civil, como demolições e restos de obras, solos de escavações etc. O entulho é geralmente um material inerte, passível de reaproveitamento. Gerador Prefeitura Gerador Gerador Gerador (*) A prefeitura é co-responsável por pequenas quantidades de resíduos comerciais e entulhos (geralmente menos que 50 kg), e de acordo com a legislação municipal específica. (**) Agroquímicos são produtos desenvolvidos pela industria química com a finalidade de matar insetos, microorganismos e espécies de plantas que possam atrapalhar o desenvolvimento da cultura na qual se tem interesse. Nessa categoria enquadram-se os acaricidas, fungicidas, formicidas, matamatos e outros, cujos resíduos podem ser extremamente danosos ao consumidor dos alimentos cultivados nessas condições. Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Lixo: desafios e compromissos Edição especial – Maio 2001 11 Tabela 2: Vantagens e desvantagens de diferentes destinações de resíduos. Discriminação Lixão Aterro sanitário Incinerador Usina de compostagem Definição Local onde o lixo urbano ou industrial é acumulado de forma rústica, a céu aberto, sem qualquer tratamento. Em sua maioria são clandestinos Processo utilizado para a disposição de resíduos sólidos – doméstico e industrial – no solo impermeabilizado, com sistema de drenagem para o chorume Local onde é feita a queima controlada do lixo inerte Local onde a matéria orgânica é segregada e submetida a um tratamento que visa a obtenção do composto Vantagem No curto prazo, é o meio mais barato de todos, pois não implica em custos de tratamento nem controle Solução mais econômica, pode ocupar áreas já degradadas, como antigas minerações Propicia uma redução no volume de lixo; destrói a maioria do material orgânico e do material perigoso, que no aterro causa problemas; não necessita de áreas muito grandes; pode gerar energia através do calor O composto originado pode vir a ser usado como adubo na agricultura ou em ração para animais, e poderá ser comercializado. Reduz a quantidade de resíduos a ser dispostos no aterro sanitário Desvantagem Contamina a água, o ar e o solo, pois a decomposição do lixo sem tratamento produz chorume, gases e favorece a proliferação de insetos (baratas, moscas), ratos e germes patológicos, que são vetores de doença Tem vida útil curta; se não houver controle pode receber resíduos perigosos como lixo hospitalar e nuclear. Se não for feito com critérios de engenharia, pode causar os mesmos problemas do lixão; os materiais recicláveis não são aproveitados É um sistema caro que necessita de manutenção rigorosa e constante. Pode lançar diversos gases poluentes e fuligem na atmosfera (dioxinas, furanos). Suas cinzas concentram substâncias tóxicas com potencial de contaminação do ambiente Quando implantado com técnicas incorretas pode causar transtornos às áreas vizinhas, como mau cheiro e proliferação de insetos e roedores, produzindo compostos de baixa qualidade e contaminados com metais pesados, se houver falhas na separação Adaptado de Gonçalves, 1997. 12 Todas as alternativas de tratamento de lixo apresentam vantagens e desvantagens, o que por si só já é uma boa justificativa para considerar a não geração como a melhor opção. Uma avaliação crítica das alternativas de destinação final de lixo é apresentada na Tabela 2. A química e a biologia no aterro Dentro do aterro sanitário, o resíduo sólido municipal sofre uma decomposição promovida por bactérias que metabolizam a matéria orgânica, produzindo dióxido de carbono e usando para isso alguma espécie química como receptor de elétrons. Tal processo pode ser classificado como um processo de respiração, no qual o agente oxidante que comumente atua como receptor de elétrons é o oxigênio atmosférico (O2). Como os aterros sanitários sãs cobertos com solo e são compactados com tratores, de modo a minimizar o acesso de vetores de doenças ao resíduo, o oxigênio atmosférico também encontra dificuldade em entrar em contato com o lixo e a sua concentração diminui até valores não significativos, à medida que a matéria orgânica é oxidada. Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Mesmo na ausência de oxigênio, bactérias do tipo facultativas, que podem viver tanto em condições aeróbias (presença de oxigênio), quanto em condições anaeróbias (ausência de oxigênio), assim como as bactérias estritamente anaeróbias, promovem a degradação da matéria orgânica, usando para isso espécies receptoras de elétrons como o Mn(IV), nitrato (NO3–), Fe(III) e sulfato (SO42–). Finalmente, na escassez destes, uma fração da matéria orgânica se reduz produzindo metano (CH4), onde o carbono apresenta o seu menor número de oxidação possível (-4), enquanto parte da matéria orgânica, que transferiu elétrons para a formação do metano, é Chorume: impacto ambiental associado à disposição inadequada de lixo Chorume é o líquido que escoa de locais de disposição final de lixo. É resultado da umidade presente nos resíduos, da água gerada durante a decomposição dos mesmos e também das chuvas que percolam através da massa do material descartado. É um líquido com alto teor de matéria orgânica e que pode apresentar metais pesados provenientes da decomposição de embalagens metálicas e pilhas. A composição final do chorume é fruto do tipo de lixo depositado e do seu estado de degradação. Historicamente, os lixões têm sido construídos em vales, nas proximidades ou dentro de leitos de cursos d’água, o que torna o chorume um agente de comprometimento de recursos hídricos. Os lixões, por serem na verdade uma mera disposição de resíduos a céu aberto, são construídos sobre terrenos que permitem não apenas o escoamento do chorume, mas também a sua infiltração no solo, levando à contaminação das águas subterrâneas. Ao contrário dos lixões, os aterros sanitários, que recebem resíduo sólido municipal urbano (o lixo gerado em nossas casas), e os aterros industriais, que recebem resíduo sólido industrial, têm as suas construções pautadas em normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que prevê impermeabilização do terreno e o tratamento do chorume gerado. Poços de monitoração abertos nas proximidades do aterro permitem a avaliação constante da qualidade das águas subterrâneas e a tomada de decisões em caso de eventuais infiltrações. Lixo: desafios e compromissos Edição especial – Maio 2001 Dioxinas e furanos: um risco em processos de incineração Vários materiais, quando queimados, podem levar à formação de dioxinas. Mesmo quando realizados em incineradores liberam no meio ambiente várias substâncias congêneres da dioxina. Tais compostos são produzidos em baixas concentrações, como resíduos da queima de matéria orgânica em presença de produtos que contenham cloro. A produção de dioxinas pode ser evitada ou minimizada se forem empregadas altas temperaturas na incineração, visando assegurar a combustão completa dos resíduos. Como conseqüência de seu amplo espalhamento no meio ambiente, bem como de seu comportamento lipofílico (tendência em se dissolver em gorduras e não em meio aquoso), as dioxinas são biomagnificadas ao longo da cadeia alimentar, ou seja, como a eliminação de materiais lipossolúveis é mais lenta do que a dos hidrossolúveis, ocorre uma bioacumulação de dioxinas em cada organismo. Como os organismos do início da cadeia alimentar são presas dos organismos do topo (dentre eles o homem), tem-se um aumento da concentração do contaminante nos organismos predadores, que representam o topo da cadeia alimentar. Mais de 90% da exposição humana às dioxinas é atribuída aos alimentos que ingerimos, particularmente carne, peixe e produtos lácteos. Dioxinas e furanos (um grupo de compostos que lembra a dioxina em termos de estrutura) estão presentes em peixes e carnes, exibindo concentrações da ordem de dezenas a centenas de picogramas (1 pg = 10-12 grama) por grama de alimento. Em outras palavras, ocorrem em concentrações de parte por trilhão; ou seja, seria necessário consumir um milhão de toneladas de alimentos para ingerir alguns gramas de dioxinas ou furanos. No entanto, quantidades bem menores do que 1 grama e a exposição crônica a tais contaminantes podem causar sérios efeitos deletérios. Em estudos envolvendo animais, uma dose diária de 1 nanograma de 2,3,7,8TCDD por quilograma de massa corpórea por dia tem sido suficiente para ocasionar o surgimento de câncer. Com base nesses estudos, o governo canadense fixou como limite máximo de exposição às dioxinas e furanos o valor de 0,010 ng/kg/dia, estabelecendo assim um fator de segurança de 100 vezes em relação ao estudo realizado. Embora os furanos não sejam compostos tão estudados quanto as dioxinas, acredita-se que ambas as classes exibam os mesmos padrões de toxicidade. Estruturas típicas de uma dioxina e de um furano são apresentadas a seguir: Cl Cl O Cl Cl Cl O Cl 2, ,7, -te ra lor di en o- -di xina (2, ,7, -TCDD) O Cl 1,4,9-triclorodibenzofurano Tais estruturas podem apresentar-se de diferentes formas, com maior ou menor número de átomos de cloro ligados aos anéis aromáticos. A molécula do 2,3,7,8 - TCDD é popularmente conhecida pelo nome ‘dioxina’ sendo a mais tóxica dos 75 isômeros de compostos clorados de dibenzo-p-dioxina existentes (Baird, 1995). transformada em CO2, caracterizando a digestão anaeróbia do resíduo. Na natureza os processos anaeróbios ocorrem comumente em ambientes onde a entrada de oxigênio é dificultada. Tais processos são algu- mas vezes percebidos pelo cheiro desagradável que emanam, uma vez que a respiração que utiliza o SO2-4 como receptor de elétrons produz H2S, com seu característico cheiro de ovo podre. Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Lixo: desafios e compromissos A capacidade de oxidação de diferentes espécies receptoras de elétrons está associada ao ganho energético proveniente de cada reação, onde o oxigênio participa como a espécie química que pode propiciar a maior variação de energia livre associada, que é dada, numericamente, pela subtração do valor energético contido nos produtos do valor contido nos reagentes. Se esse resultado é negativo, é porque houve liberação de energia para o ambiente exterior, ou seja, os produtos encerram um conteúdo energético menor do que o dos reagentes. Essa energia liberada é utilizada pelos microorganismos que promovem a reação de modo a mantê-los vivos. Quanto maior a quantidade de energia liberada, no caso de reações intermediadas por microorganismos, melhor é o processo do ponto de vista bioquímico, pois maior será a relação entre a energia obtida para a manutenção dos processos vitais e a quantidade de substrato metabolizado. Uma vez dentro do aterro, a matéria orgânica não está imediatamente pronta para transformar-se em metano e dióxido de carbono. Condições ambientais adequadas de pH e temperatura têm um importante efeito sobre a sobrevivência e o crescimento dos microorganismos. Geralmente a otimização do crescimento ocorre dentro de uma estreita faixa de valores de pH e temperatura. Geralmente o pH ótimo para o crescimento de microorganismos situa-se entre 6,5 e 7,5, embora danos às suas estruturas celulares só sejam observados em valores de pH superiores a 9,0 e inferiores a 4,5. De acordo com a temperatura em que as bactérias atuam de modo mais eficiente na degradação da matéria orgânica, elas são classificadas como criofílicas (-10-30 °C), mesofílicas (20-50 °C) e termofílicas (45-75 °C). Na decomposição anaeróbia de resíduos, muitos microorganismos trabalham em conjunto para converter a porção orgânica de tais resíduos em produtos estáveis. Em uma primeira fase, denominada hidrólise, um grupo de microorganismos é responsável por hidrolisar material orgânico polimérico, lipídios e outras moléculas de alto peso molecular, transformando-os em Edição especial – Maio 2001 13 Receptores de elétrons em processos respiratórios São apresentadas a seguir algumas reações de processos respiratórios onde se assume como matéria orgânica (M.O.) a fórmula geral [(CH2O)106(NH3)16(H3PO4)] e que todas as reações ocorrem à mesma temperatura. Diferentes receptores de elétrons propiciam diferentes rendimentos energéticos. Observa-se o maior ganho quando o O2 é reduzido (Froelich et al., 1979). 14 M.O. + 138O2 → 106CO2 + 16HNO3 + H3PO4 + 122H2O ∆Gº = - 3.190 kJ/mol (1) M.O. + 236MnO2 + 472H+ → 236Mn 2+ + 106CO2 + 8N2+ H3PO4 + 366H2O ∆Gº = - 3.090; - 3.050; - 2.920 kJ/mol (dependendo da forma alotrópica do MnO2) (2) M.O. + 94,4HNO3 → 106CO2 + 55,2N2 + H3PO4 + 177,2H2O ∆Gº = - 3.030 kJ/mol (3a) M.O. + 84,8HNO3 → 106CO2 + 42,4N2 + 16NH3 + H3PO4 + 148,4H2O ∆Gº = - 2.750 kJ/mol (3b) M.O. + 212Fe2O3 + 848H + → 424Fe 2+ + 106CO2 + 16 NH3 + H3PO4 + 530H2O ∆Gº = - 1.410 kJ/mol (4) M.O. + 53SO42– → 106 CO2 + 16NH3 + 53S2– + H3PO4 + 106H2O ∆Gº = - 380 kJ/mol (5) M.O. → 53CO2 + 53CH4 + 16NH3 + H3PO4 (6) ∆Gº = - 350 kJ/mol Neste sistema ilustrativo, supõe-se a matéria orgânica como o único doador de elétrons e O2, NO3 –, Fe2O3, MnO2 e SO42– como únicos receptores. A energia livre de Gibbs para cada reação foi calculada para as condições normais de temperatura e assumiu-se o valor do pH como constante e igual a 7,0. A ordem de liberação de energia apresentada não implica, necessariamente, que o receptor de elétrons que propicia maior liberação de energia tenha que ser exaurido para que outro receptor de elétrons, envolvido em uma reação com menor variação de energia livre, participe da oxidação da matéria orgânica. O valor da variação de energia livre indica apenas a ordem de preferência termodinâmica, onde alguns processos podem ocorrer de modo simultâneo. Um dos produtos de redução ocasionados pela matéria orgânica na respiração de sulfato, o sulfeto (reação 5), apresenta a capacidade de imobilizar metais na forma de sulfetos metálicos, sendo este um fator determinante da biodisponibilidade e toxicidade de metais (Morse et al., 1987). açúcares, aminoácidos, peptídios e compostos relacionados, em um processo no qual a atuação de enzimas é de fundamental importância. A segunda fase contempla a transformação dos produtos da primeira etapa em ácidos graxos de cadeia longa, ácidos propiônico e butírico, além de uma parcela de ácidos fórmico e acético. Nessa etapa, a razão entre as formas protonada e desprotonada dos ácidos será fruto da constante de ionização de cada ácido envolvido e do pH do meio, sendo comum a referência na literatura, por exemplo, tanto ao ácido acético quanto ao seu ânion acetato. A terceira etapa, denominada comumente de acidogênese, envolve a transformação dos ácidos de cadeias que contêm mais do que três átomos de carbono em ácidos acético e fórmiCadernos Temáticos de Química Nova na Escola co. Finalmente, um quarto grupo de bactérias, denominadas metanogênicas, converte os produtos da terceira etapa em metano (Tchobanoglous et al., 1993; Vazoller, 1999). A descrição do processo em quatro etapas é uma simplificação dos complexos mecanismos envolvidos no metabolismo anaeróbio. Acredita-se que mais de 130 espécies de diferentes microorganismos podem coexistir dentro de um mesmo reator (Soubes, 1994), dentre eles espécies de bactérias, fungos, leveduras e actinomicetos (Tchobanoglous et al., 1993). Os produtos apontados em cada etapa são predominantes, porém não os únicos a serem obtidos. Uma ilustração dessa complexidade é demonstrada pelo fato de que não são apenas os ácidos fórmico e acético os substratos que levam Lixo: desafios e compromissos à formação de metano (Tchobanoglous et al., 1993). De uma forma simplificada, as etapas da digestão anaeróbia de resíduos podem ser vistas conforme mostrado na Figura 3. Formação de metano a partir de diferentes substratos 4H2 + CO2 → CH4 + 2H2O 4HCOOH → CH4 + 3CO2 + 2H2O CH3COOH → CH4 + CO2 4CH3OH → 3CH4 + CO2 + 2H2O 4(CH3)3N + 6H2O → 9CH4 + 3CO2 + 4NH3 4CO + 4H2O → CH4 + 3CO2 + 2H2O Edição especial – Maio 2001 Polímeros complexos e outros materiais orgânicos de alto (proteí ídeos, etc.) Hidrólise Monô (açú ômeros á ídeos) Acidogênese Ácidos propiônico e butírico etc. (á Acetogênese Ácido fórmico Ácido acético Metanogênese Metano, dióxido de carbono e água Figura 3: Etapas da digestão anaeróbia (Adaptada de Vazoller, 1999). Uma das características da digestão anaeróbia é a obtenção de um produto, o gás metano, que encerra um conteúdo energético relativamente alto, que pode ser utilizado para movimentar veículos, gerar eletricidade ou propiciar aquecimento. Tal conteúdo energético é fruto da baixa liberação de energia observada durante a metanogênese, energia conservada no produto, conforme pode ser inferido a partir da comparação entre as reações 1 e 6. A viabilidade econômica do uso do metano como fonte de energia é ainda questionável devido à presença no gás de impurezas como o H2S, que pode ocasionar corrosão em motores de combustão interna. Em aterros sanitários, os gases de compostos reduzidos são queimados, minimizando-se assim o mau cheiro do H2S e o efeito estufa relacionado à emissão de metano, que apresenta um potencial de absorção de radiação infravermelha e aquecimento da atmosfera muito maior do que o observado para o CO2. Como efeito dessa queima ocorre também a emissão de SO2, o que representa um incremento na incidência de chuvas ácidas. Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Compostagem de resíduos O processo aeróbio pode ser empregado no tratamento de resíduos sólidos municipais urbanos de origem orgânica e também no tratamento de tais resíduos dispostos conjuntamente com lodo gerado em estações de tratamento de esgotos domésticos. Tais processos envolvem a preparação de pilhas na forma de leiras, nas quais se injeta ar por meio de tubos perfurados introduzidos no resíduo, ou então por meio do constante revolvimento do material submetido à compostagem. Durante o processo aeróbio da compostagem, atua uma sucessão de microorganismos facultativos e aeróbios estritos. Na fase inicial, bactérias mesofílicas são observadas em maior proporção e à medida que a temperatura vai aumentando, as termofílicas começam a predominar. Fungos termofílicos aparecem depois de 5 a 10 dias e, no estágio final do processo, conhecido como período de cura, actinomicetos e fungos filamentosos começam a surgir. Como nem todo resíduo é rico em microorganismos, alguns tipos de materiais, como papéis, exigem a adição de um inóculo apropriado para iniciar-se o processo. Tal Lixo: desafios e compromissos inóculo pode ser resíduo de outras fontes ou de lodo de esgoto. Compostos obtidos a partir de resíduos de diferentes origens podem ser misturados de modo a se obterem razões C/N ótimas, que permitam sua incorporação ao solo, como fertilizantes. Contudo, o uso de compostos como fertilizantes exige um cuidadoso estudo das características microbiológicas e ecotoxicológicas, bem como a escolha da cultura que será desenvolvida, antes da tomada da decisão de aplicação em solos. A relação carbono/nitrogênio Um fator crítico para a compostagem de resíduos é a relação C/N, cuja faixa ótima é de 20-25 para 1. Espécies químicas que contêm nitrogênio atuam como nutrientes nos processos de degradação da matéria orgânica. Resíduos pobres em nitrogênio, como jornais, que apresentam relação C/N de aproximadamente 980, devem ser misturados a outros resíduos mais ricos em nitrogênio. Em processos de compostagem, a relação C/N comumente diminui ao longo do tempo, pois o carbono é eliminado para a atmosfera na forma de CO2 e/ ou CH4. O aumento da quantidade relativa de nitrogênio, um importante nutriente para culturas agrícolas, torna o composto potencialmente utilizável como fertilizante agrícola, desde que observados outros parâmetros sanitários de interesse, como presença de organismos patogênicos, metais pesados e substâncias orgânicas tóxicas. O Programa R3 – redução de consumo, reutilização e reciclagem do lixo A Agenda 21 trata, em seu capítulo 21, do ‘manejo ambientalmente saudável dos resíduos sólidos e questões relacionadas com os esgotos’ e propõe, no item 21.4, a utilização de um manejo integrado nas questões relacionadas aos resíduos, conforme segue: • O manejo ambientalmente saudável dos resíduos deve ir além do simples depósito ou aproveitamento por métodos seguros dos resíduos gerados, buscando resolver a causa fundamental do problema e procurando mudar os padrões não sustentáveis de Edição especial – Maio 2001 15 Em alguns casos, pode ser viável a queima em incineradores com rigoroso Elemento Onde é encontrado Efeitos controle da qualidade dos gases emitidos e dos resíduos remanescentes, Mercúrio • equipamentos e aparelhos elétricos • distúrbios renais ou ainda a combustão em fornos de de medida • distúrbios neurológicos fabricantes de cimento. Alternativas co• produtos farmacêuticos • efeitos mutagênicos • lâmpadas de néon, fluorescentes e • alterações no metabolismo mo compostagem aeróbia e disposide arco de mercúrio • deficiências nos órgãos ção em aterros sanitários ou industriais • interruptores sensoriais também são viáveis. Contudo, inú• baterias/pilhas meros impactos ambientais poderiam • tintas ser associados a cada uma das • antissépticos opções de tratamento citadas ou a • fungicidas qualquer outra que venha a ser criada. • termômetros O verdadeiro desafio pertinente à Cádmio • baterias/pilhas • dores reumáticas e miálgicas questão do lixo, seja ele de que natu• plásticos • distúrbios metabólicos reza for, diz respeito a como não gerar • ligas metálicas levando à osteoporose tal lixo ou, ao menos, minimizar a ge• pigmentos • disfunção renal ração. Havendo essa opção, assume• papéis • resíduos de galvanoplastia se que o melhor seria não gerar lixo, mas essa é uma alternativa nem semChumbo • tintas, como as de sinalização de rua • perda de memória pre viável, uma vez que o modelo de • impermeabilizantes • dor de cabeça vida adotado globalmente é pautado • anticorrosivos • irritabilidade na produção e no consumo, que têm • cerâmica • tremores musculares como conseqüência a geração de resí• vidro • lentidão de raciocínio • plásticos • alucinação duos. Contudo, com alguma reflexão • inseticidas • anemia e auxílio de programas de educação • embalagens • depressão ambiental, podemos nos habituar en• pilhas • paralisia quanto consumidores a exercer determinados tipos de escolha de emba(Fonte: IPT-CEMPRE, 1995) lagens de produtos, rejeitando por exemplo aqueles que possuem invólucros múltiplos e às vezes desnecesprodução e consumo. Isso implica na constituir uma estrutura ampla e ambisários e dando preferência a embalautilização do conceito de manejo entalmente saudável para o manejo gens retornáveis em detrimento às desintegrado do ciclo vital, o qual apredos resíduos sólidos municipais. A cartáveis, bem como minimizando dessenta oportunidade única de conciliar combinação de atividades e a imporperdícios dentro de casa. A recusa de o desenvolvimento com a proteção do tância que se dá a cada uma dessas tais produtos com múltiplas emmeio ambiente. quatro áreas variarão segundo as balagens representa a consolidação Em seu item 21.5, aponta a necescondições sócio-econômicas e físicas de um quarto e importante ‘R’ ao prosidade de ações e formulação de objelocais, as taxas de produção de resígrama, que força a indústria a ter uma tivos centrando-se em quatro principais duos e a compoatitude ambientalmente áreas de programas relacionados com sição destes. ToO verdadeiro desafio responsável por pressão os resíduos, a saber: dos os setores da pertinente à questão do do mercado consumidor. a) redução ao mínimo dos resíduos; sociedade devem lixo, seja ele de que Atitudes como essas, seb) aumento ao máximo da reutiliparticipar em tonatureza for, diz respeito a gundo um recente estudo zação e reciclagem ambientalmente das as áreas de como não gerar tal lixo ou, realizado por Teixeira saudáveis dos resíduos; programas. ao menos, minimizar a (1999), podem reduzir em c) promoção do depósito e trataNesse contexgeração até 50% a quantidade de mento ambientalmente saudáveis dos to, serão apresenresíduos sólidos domésresíduos; tadas as várias opções para a dispositicos encaminhados aos aterros. Uma d) ampliação do alcance dos serção final e o tratamento de resíduos vez minimizada a geração, parte-se viços que se ocupam dos resíduos. sólidos, sejam estes de origem doméspara a avaliação do reuso dos resíE, no item 21.6, alerta para as quatica, hospitalar, agrícola ou industrial, duos, que se nas nossas casas apretro áreas de programas estarem correenvolvendo a aplicação dos 3 Rs – lacionadas e se apoiando mutuamenredução do consumo e desperdício, senta um leque de opções relatite, devendo estar integradas a fim de reutilização de resíduos e reciclagem. vamente limitado, pode apresentar um Efeitos causados por alguns metais pesados ao homem 16 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Lixo: desafios e compromissos Edição especial – Maio 2001 maior número de opções em relação a resíduos industriais e agrícolas. A terceira etapa da minimização do descarte envolve a reciclagem, que é facilmente explicada pela já difundida teoria de que resíduo nada mais é do que um material não adequadamente localizado no espaço e no tempo. Ou seja, aquilo que é considerado um resíduo hoje pode não sê-lo amanhã, assim como o que uma determinada pessoa ou grupo de pessoas classifica como resíduo pode ser matéria-prima para outra. O entendimento da necessidade da segregação na fonte, ou seja, da separação adequada dos tipos de resíduos por seus geradores, é essencial para facilitar o trabalho do reciclador, assim como a colocação do material reciclado no mercado, enquanto matéria-prima ou produto acabado. Reciclagem É o resultado de uma série de atividades através das quais materiais que se tornariam lixo ou estão no lixo são desviados, sendo coletados, separados e processados para uso como matéria-prima na manufatura de bens, feitos anteriormente apenas com matéria-prima virgem. Benefícios da reciclagem economicamente recicláveis. A separaindependentes em cada área onde a atividade humana afeta o meio ambienção de materiais do lixo aumenta a te, visando atingir o chamado deoferta de materiais recicláveis. Entresenvolvimento sustentável. Segundo a tanto, se não houver demanda de proComissão Mundial sobre o Meio dutos reciclados por parte da socieAmbiente e o Desenvolvimento, “O dedade o processo é interrompido, os senvolvimento sustentável é aquele materiais abarrotam os depósitos e, que atende às necessipor fim, são aterradades do presente sem dos ou incinerados A aparente utopia de um comprometer a possicomo rejeitos (IPTmeio ambiente que bilidade de as geraCEMPRE, 1995). concilie desenvolvimento ções futuras satisfaApenas quando associado a sustentatibizerem suas próprias estiverem esgotadas lidade ambiental, qualinecessidades” as alternativas de dade de vida e igualdade Dentro de tal enforedução de consusocial só será alcançada que, considera-se que: mo, reuso e reciclacom muita reflexão, boa • as necessidades gem é que se deve vontade e esforços pessoal dos pobres são priofazer a opção pelo e comunitário ritárias; tratamento, levando• por desenvolvimento entende-se se em consideração o ônus ambiental o progresso humano, em todas as de cada alternativa que possa vir a ser suas facetas – cultural, econômica, soadotada. O mesmo raciocínio vale para cial e política –, que deve ser possível o setor produtivo, onde a busca por em todos os países; tecnologias menos impactantes, cha• essa sustentabilidade não é rígimadas também ‘limpas’, é essencial da; antes, deve admitir a possibilidade para a manutenção da qualidade de de mudanças, às quais se reage com vida no planeta. Tais tecnologias devem adaptações; ser avaliadas dentro de uma ótica do • está implícita uma preocupação ciclo de vida dos produtos, ou seja, com a igualdade social entre as peslevando-se em conta todos os impacsoas de uma mesma geração e entre tos ambientais envolvidos desde a as pessoas de uma geração e de ouprimeira etapa de obtenção da matétra. ria-prima, passando-se pela fabricaA Agenda 21 é um documento de ção, utilização, alternativa de reuso, re700 páginas que se subdividem em 40 ciclagem e alternativas de disposição capítulos. A versão em português do final do produto quando o mesmo não documento completo foi publicada no se prestar mais a fim algum. Diário Oficial da União como supleA genda 21 e desenvolvimento mento ao número 146, do dia 2 de agosto de 1994. sustentável • diminui a quantidade de lixo a ser aterrado (conseqüentemente aumenta a vida útil dos aterros sanitários); • preserva os recursos naturais; • economiza energia; • diminui a poluição do ar e das águas; A Agenda 21 é um documento que • gera empregos, através da criasurgiu a partir de discussões condução de indústrias recicladoras. zidas durante a ConA reciclagem, no ferência das Nações A reciclagem não pode ser entanto, não pode Unidas para o Meio vista como a principal ser vista como a prinAmbiente e Desenvolsolução para o lixo; ela é cipal solução para o vimento, a ECO-92, uma atividade econômica lixo. É uma atividade realizada no Rio de que deve ser encarada econômica que deve Janeiro entre 3 e 14 de como um elemento dentro ser encarada como junho de 1992. É um de um conjunto de soluções um elemento dentro programa de ação de um conjunto de abrangente, a ser imsoluções. Estas são integradas no plementado pelos governos, agências gerenciamento do lixo, já que nem de desenvolvimento, organizações das todos os materiais são técnica ou Nações Unidas e grupos setoriais Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Lixo: desafios e compromissos Cooperativas de catadores A formação de associações e cooperativas de catadores de lixo representa a alternativa de saída do homem dos lixões e o resgate da sua condição de cidadão, com direito a benefícios sociais, educação para os filhos, autonomia administrativa e possibilidade de ascensão social. A cooperativa deve oferecer aos seus membros assistência jurídica, cursos de aperfeiçoamento e acesso ao lazer/esporte, desenvolvendo no catador criticidade e maturidade para tomar posição nas decisões dentro da cooperativa e até uma Edição especial – Maio 2001 17 visão política sobre o seu país e o mundo em que vive. A aparente utopia de um meio ambiente que concilie desenvolvimento associado a sustentatibilidade ambiental, qualidade de vida e igualdade social só será alcançada Referências bibliográficas 18 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Apresentação de projetos de aterros controlados de resíduos sólidos: NBR-8849/85. São Paulo, 1985. BAIRD, C. Environmental chemistry. New York: W.H. Freeman and Company, 1995. BIDONE, F.R.A. Introdução. Em Bidone, F.R.A. (organizador). Metodologias e técnicas de minimização, reciclagem e reutilização de resíduos sólidos urbanos. Rio de Janeiro: PROSAB, 1999. BRANCO, S.M. Poluição: A morte de nossos rios. São Paulo: ASCETESB, 1983. FIGUEIREDO, P.J.M. A sociedade do lixo. Piracicaba: Editora Hemus, 2 ed., 1995. FROELICH, P.N.; KLINKHAMMER, G.P.; BENDER, M.L.; LUEDTKE, N.A.; HEATH, G.R.; CULLEN, D.; DAUPHIN, P.; HAMMOND, D. e HARTMAN, B. Early oxidation of organic matter in pelagic sediments of the eastern equatorial Atlantic: suboxic diagenesis. Geochim. Cosmochim. Acta, n. 43, p. 1075-1090, 1979. FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa nacional de saneamento básico, PNSB, 1989. São Paulo, 1991. Apud IPT/ CEMPRE, Lixo municipal: manual de gerenciamento integrado – 1 ed.: Instituto de Pesquisas Tecnológicas, São Paulo: Publicação IPT 2163, 1995. GONÇALVES, C.L. Definindo a questão do lixo urbano. Consumo, lixo e meio ambiente, Edição Especial, Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, 1997. IPT/CEMPRE, Lixo municipal: manual de gerenciamento integrado. 1 ed.: Instituto de Pesquisas Tecnológicas, São Paulo, Publicação IPT 2163, 1995. MATA-ALVAREZ, J.; MACÉ, S. e LLABRÉS, P. Anaerobic digestion of organic solid wastes. An overview of research achievements and perspectives. Bioresource Technol., n. 74, p. 3-16, 2000. MORSE, J.W.; MILLERO, F.J. e CORNWELL, J.C. The chemistry of the hydrogen sulfide and iron sulfide systems in natural waters. Earth Science Reviews, n. 24, p. 1-42, 1987. SEVÁ-FILHO, A.O. Lixo é o progresso sem solução? Em Figueiredo, P.J.M. A Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola com muita reflexão, boa vontade, esforços pessoal e comunitário, disposição e ações políticas aliadas ao fundamental entendimento de que o planeta como um todo é afetado por cada atitude isolada. Pedro Sérgio Fadini, graduado em química pela Sociedade do lixo. Piracicaba: Editora Hemus, 2 ed., 1995. SOUBES, M. Microbiologia de la digestión anaerobia. Anais do Seminario Latinoamericano de Tratamento Anaerobio de Aguas Residuales, Montevideo, 1994. TCHOBANOGLOUS, G.; THEISEN, H. e VIGIL, S. Integrated solid waste management. Nova Iorque: McGraw-Hill, 1993. TEIXEIRA E.N. Redução na fonte de resíduos sólidos: Embalagens e matéria orgânica. Em Bidone, F.R.A. (org.). Metodologias e técnicas de minimização, reciclagem e reutilização de resíduos sólidos urbanos. Rio de Janeiro: PROSAB, 1999. TEIXEIRA, E.N e BIDONE, F.R.A. Conceitos básicos. Bidone, F.R.A. (org.). Metodologias e técnicas de minimização, reciclagem e reutilização de resíduos sólidos urbanos. Rio de Janeiro: PROSAB, 1999. VAZOLLER, R.F. Microbiologia e saneamento ambiental http://www.bdt.org.br/ ~marinez/padct.bio/cap9/3/rosana.html, 1999. Alguns sítios sobre Agenda 21, redução de uso, reciclagem, reuso e catadores de lixo www.bdt.org.br/publicacoes/politica/ agenda21/ A base de dados da Fundação André Tosello de Pesquisas e Tecnologia apresenta a íntegra da agenda 21, em português. www.matrix.com.br/peixe/ Trata-se de um Instituto Virtual de Educação para Reciclagem. Discute temas relacionados ao lixo, principalmente sobre catadores de lixo, Redução, Reutilização e Reciclagem. www.cityalpha.com.br/regiao8.htm Este site apresenta o lixão de Carapicuíba-SP, considerado pela CETESB como um dos três piores do Estado de São Paulo. w w w. c u r i t i b a . p r. g o v. b r / a g e n c i a / especiais/material02.html Apresentação do Programa de Reciclagem desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Curitiba-PR. www.curitiba.pr.gov.br/servicos/SMLP/ compralixo.html Apresenta o Programa Compra Lixo, implantado pela Prefeitura Municipal de Lixo: desafios e compromissos UFSCar, mestre em engenharia em recursos hídricos e saneamento e doutor em química ambiental, ambos pela UNICAMP, é professor na PUC-Campinas. Almerinda Antonia Barbosa Fadini, graduada em geografia pela PUC-Campinas, mestre em geociências e meio ambiente e doutoranda em geografia, ambos pela UNESP de Rio Claro, é professora na Universidade São Francisco, em Bragança Paulista. Curitiba, no qual envolve a comunidade, através da criação de associações de moradores de bairro. www.projekte.org/meioambiente99/ tema03/rodrigues/text.html Trata-se da apresentação do Projeto Lixo e Cidadania na Região Metropolitana de Belo Horizonte desenvolvido pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) e o envolvimento de instituições como Associação de Catadores, Prefeituras de municípios envolvidos e UNICEF. www.recicloteca.org.br/ quem_recebe.htm Apresenta um relação bem ampla das pessoas e instituições que recebem ou compram diversos materiais recicláveis dos estados da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo – capital e interior. www.clin.rj.gov.br/program.htm Apresenta os programas sociais desenvolvidos pela Companhia de Limpeza de Niterói (CLIN), preocupada com as iniciativas de cunho social que são desenvolvidas por empresas e comunidade. www.cempre.org.br/links.html Um site rico em informações e vínculos sobre a questão do lixo. O endereço citado neste espaço abre vários vínculos de associações de reciclagem e bancos que financiam programas relacionados ao meio ambiente. www.latasa.com.br/recicla.htm Apresenta o Centro de Reciclagem de Latas de alumínio, cujos projetos envolvem os temas Projeto Escola e Disk Lata. Informa também os endereços dos Centros de Reciclagem da Latasa. www.cetesb.sp.gov.br/ InformacoesAmbientais/ inventario_residuos/inventario.htm Apresenta uma série de vínculos sobre lixo, e a possibilidade de baixar o Inventário de Resíduos formulado pela CETESB, que discute de forma integrada os aspectos técnicos e sociais envolvidos na questão do lixo. http://cecae.usp.br/recicla/3rs.htm Trata-se de um canal com o projeto USP Recicla, o qual discute o programa dos R3s e informa os meios de contato com cooperativas de catadores e empresas de reciclagem. Edição especial – Maio 2001 José Roberto Guimarães e Edson Aparecido Abdul Nour Neste artigo é descrita a situação atual de tratamento de águas residuárias no Brasil, bem como os principais processos de tratamento. São discutidos os processos físico-químicos e biológicos, e apresentam-se as principais reações de transformação da matéria orgânica. Também são descritas as mais importantes variáveis de interesse sanitário e ambiental, bem como a legislação federal para classificação das águas. esgoto, água residuária, processos físico-químicos, processos biológicos, parâmetros ambientais U ma parcela significativa das águas, depois de utilizadas para o abastecimento público e nos processos produtivos, retorna suja os cursos d’água, em muitos casos levando ao comprometimento de sua qualidade para os diversos usos, inclusive para a agricultura. Dependendo do grau de poluição, essa água residual pode ser imprópria para a vida, causando, por exemplo, a mortandade de peixes. Também pode haver liberação de compostos voláteis, que provocam mau odor e sabor acentuado, e poderão trazer problemas em uma nova operação de purificação e tratamento dessa água. Segundo dados do BNDES (1998), 65% das internações hospitalares de crianças menores de 10 anos estão associadas à falta de saneamento básico. Nos países em desenvolvimento, onde se enquadra o Brasil, estima-se que 80% das doenças e mais de um terço das mortes estão associadas à utilização e consumo de águas contaminadas (Galal-Gorchev, 1996). A hepatite infecciosa, o cólera, a disenteria e a febre tifóide são exemplos de doenças de veiculação hídrica, ou seja, um problema de saúde pública. Quando ocorre o lançamento de um determinado efluente em um corpo Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola d’água, seja ele pontual ou difuso, imeração. No entanto essa definição é diatamente as características químicas, questionável, pois não leva em consifísicas e biológicas desse local coderação outras variáveis ambientais, meçam a ser alteradas. Por exemplo, como por exemplo a presença de sais pode ocorrer um aumento muito grane de metais, alteração da diversidade de da carga orgânica, refletindo-se no e população biológica e do nível trófico aumento da DBO (demanda bioquíetc. mica de oxigênio), da DQO (demanda Antes de atingirem os corpos aquáquímica de oxigênio), do COT (carbono ticos as águas residuais podem e orgânico total) e, devem sofrer algum tipo de Segundo dados do BNDES conseqüentepurificação. Os processos (1998), 65% das internações mente, uma dede tratamento de águas hospitalares de crianças pleção da conresiduais são divididos em menores de 10 anos estão centração de oxidois grandes grupos, os associadas à falta de gênio dissolvido, biológicos e os físico-químisaneamento básico. Nos fruto, principalcos. A utilização de um ou países em desenvolvimente, do mede outro, ou mesmo a commento, onde se enquadra tabolismo de mibinação entre ambos, deo Brasil, estima-se que 80% croorganismos pende das características das doenças e mais de um aeróbios. Parte do efluente a ser tratado, da terço das mortes estão da matéria orgâárea disponível para montaassociadas à utilização e nica presente no gem do sistema de trataconsumo de águas efluente se dilui, mento e do nível de depucontaminadas sedimenta, sofre ração que se deseja atingir. estabilização A maioria dos procesquímica e bioquímica. Esse fenômeno sos de tratamento de efluentes aquoé conhecido como autodepuração. sos, principalmente os biológicos, são Comumente, utiliza-se apenas o pabaseados em processos de ocorrência râmetro oxigênio dissolvido para avaliar natural. O objetivo principal de qualesse processo, ou seja, quando a quer uma das muitas opções de sisteconcentração de oxigênio retorna ao mas de tratamento é o de simular os valor original (antes do lançamento), fenômenos naturais em condições assume-se que houve uma autodepucontroladas e otimizadas, de modo Tratamento de esgotos Edição especial – Maio 2001 19 que resulte em um aumento da velocidade e da eficiência de estabilização da matéria orgânica, bem como de outras substâncias presentes no meio. Processos biológicos 20 Os processos biológicos são subdivididos em dois grandes grupos, os aeróbios e os anaeróbios. Normalmente, os efluentes compostos de substâncias biodegradáveis (esgotos domésticos e de indústrias de alimentos) são preferidos nessas duas classes de processos. Nos processos aeróbios de tratamento de efluentes são empregados microorganismos que para biooxidar1 a matéria orgânica utilizam o oxigênio molecular, O 2 , como receptor de elétrons. Normalmente há um consórcio de microorganismos atuando conjuntamente nos processos de estabilização da matéria orgânica. A microfauna é composta por protozoários, fungos, leveduras, micrometazoários e sem dúvida a maioria é composta por bactérias. Há uma grande variedade de sistemas aeróbios de tratamento de águas residuais; as mais empregadas são lagoas facultativas, lagoas aeradas, filtros biológicos aeróbios, valos de oxidação, disposição controlada no solo e sem dúvida uma das opções mais utilizadas é o lodo ativado. Este sistema compõe-se principalmente de um reator (ou tanque de aeração), de um decantador secundário (ou tanque de sedimentação) e de um sistema de recirculação do lodo (Figura 1). Parte do lodo gerado no decantador secundário, que é composto basicamente de microorganismos, é devolvido ao tanque de aeração, mantendo uma alta concentração de microorganismos no Tanque de aeração Afluente sistema e aumentando a velocidade e eficiência da degradação. Nos processos anaeróbios de tratamento de efluentes são empregados microorganismos que degradam a matéria orgânica presente no efluente, na ausência de oxigênio molecular. Nesse tipo de processo, a grande maioria de microorganismos que compõem a microfauna também é de bactérias, basicamente as acidogênicas e as metanogênicas. Como sistemas convencionais anaeróbios, os mais utilizados são os digestores de lodo, tanques sépticos e lagoas anaeróbias. Entre os sistemas de alta taxa, ou seja, aqueles que operam com alta carga orgânica, destacam-se os filtros anaeróbios, reatores de manta de lodo, reatores compartimentados e reatores de leito expandido ou fluidificado. A configuração mais comum para tratamento de esgoto doméstico, descrita na literatura especializada, é de um tanque séptico seguido de um filtro anaeróbio. O tanque séptico é um exemplo de tratamento em nível primário, no qual os sólidos mais densos são removidos do seio da solução por sedimentação, ou seja, ficam no fundo do reator, onde acontece uma série de reações bioquímicas. Esse material é retido por até alguns meses para que aconteça a sua estabilização, evidentemente em condição anaeróbia. Os filtros anaeróbios são reatores preenchidos com um material inerte, por exemplo brita, anéis de plástico e bambu, que servem de suporte para fixação da biomassa. O efluente sofre degradação biológica ao ser conduzido por um fluxo ascendente, e não por pura filtração, como sugere o nome do sistema. Tanque de sedimentação Efluente Recirculação de lodo Excesso de lodo Figura 1: Representação simplificada de um sistema de lodo ativado. Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Tratamento de esgotos Como mostrado na Figura 2 (note que é o mesmo processo discutido no texto sobre lixo p. 15), o processo de digestão anaeróbia pode ser dividido em quatro fases bem características: hidrólise, acidogênese, acetogênese e metanogênese. Uma via alternativa pode ocorrer, quando na presença de sulfato, chamada de sulfetogênese. Na etapa de hidrólise, as bactérias fermentativas hidrolíticas excretam enzimas para provocar a conversão de materiais particulados complexos em substâncias dissolvidas (reações extracelulares). Na acidogênese, as bactérias fermentativas acidogênicas metabolizam as substâncias oriundas da etapa anterior até produtos mais simples, tais como ácidos graxos, hidrogênio, gás carbônico, amônia etc. A fase de acetogênese, que ocorre em seguida, consiste na metabolização de alguns produtos da etapa anterior pelo grupo de bactérias acetogênicas, obtendo-se acetato, dióxido de carbono e hidrogênio. Esses últimos produtos serão utilizados na metanogênese, evidentemente pelas bactérias metanogênicas, para formação do principal produto da digestão anaeróbia, que é o gás metano, CH4, além de CO2 e H2O. Uma outra etapa que pode ocorrer quando da presença de sulfatos é a sulfetogênese, ou seja, formação de H2S no meio, fruto da atuação das bactérias redutoras de sulfato que competem com as metanogênicas pelo mesmo substrato, o acetato. As reações biológicas de óxidoredução Uma reação geral (equação 1) que descreve o mecanismo do metabolismo aeróbio de compostos orgânicos, representado por CxHyOz , é a seguinte: CxHyOz(aq) + ¼(4x + y - 2z)O2(g) → xCO2(g) + ½(y)H2O(l) (1) A título de ilustração, é possível exemplificar a respiração aeróbia utilizando-se como modelo a molécula de glicose (equação 2), mostrando apenas a oxidação de um carboidrato. É importante salientar que essa é uma representação bem simplificada, e que outras etapas certamente ocorrem antes de se chegar aos produtos finais, Edição especial – Maio 2001 Orgânicos complexos Hidrólise (bactérias fermentativas) Orgânicos simples (açúcares, aminoácidos, peptídios) Acidogênese (bactérias fermentativas) Ácidos orgânicos (propionato, butirato etc.) bactérias. No entanto, pode-se descrevê-lo simplificadamente por meio de uma equação geral para carboidratos (Equação 3), e como exemplo utilizando-se novamente a glicose (Equação 4). Neste caso, o carbono aparece entre os produtos no seu mais alto estado de oxidação (4+), na molécula de CO2, e em seu estado mais reduzido (4-), na molécula de CH4. A energia resultante dessa reação também é utilizada para os mesmos fins que o processo aeróbio. CxHyOz(aq) + ¼(4x - y – 2z)H20(l) → Acetogênese (bactérias acetogênicas) 1/8(4x - y + 2z)CO2(aq) + Bactérias acetogênicas produtoras de hidrogênio H2 + CO2 1/8(4x + y - 2z)CH4(aq) C6H12O6(aq) → 3CH4(aq) Acetato Bactérias acetogênicas consumidoras de hidrogênio + 3CO2(aq) + Energia Metanogênese (bactérias metanogênicas) Metanogênicas hidrogenotróficas CH4 + CO2 Metanogênicas acetoclásticas Sulgetogênese (bactérias redutoras de sulfato) H2S + CO2 Figura 2: Seqüências metabólicas e grupos microbianos envolvidos na digestão anaeróbia (Fonte: Chernicharo, 1997). ou seja, ao dióxido de carbono e à água. Essa reação bioquímica pode ser realizada por apenas um microorganismo, e não necessariamente em várias etapas por diferentes microorganismos. C6H12O6(aq) + 6O2(aq) → 6CO2(aq) + 6H2O(l) + Energia (2) A energia liberada nesse processo de respiração é utilizada para manutenção das atividades vitais dos microorganismos, como por exemplo os processos de reprodução, locomoção, biossíntese de moléculas fundamentais para sua sobrevivência etc. Em relação ao metabolismo anaeróbio, como visto anteriormente na Figura 1, a degradação da matéria orgânica é realizada em diversas etapas distintas e por diferentes espécies de Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola (3) (4) Desde o início da degradação da matéria orgânica complexa até os produtos finais (principalmente CH 4 e CO2), existe um sintrofismo2 entre as várias espécies de bactérias, atuando seqüencial e simultaneamente, ou seja, os produtos de degradação são os substratos para uma etapa seguinte. É importante ressaltar que as diversas reações ocorrem concomitantemente e em situação de equilíbrio. Vale a pena destacar que nos processos aeróbios há uma elevada Geração de energia nas reações bioquímicas Os microorganismos que participam da degradação dos diversos compostos presentes no esgoto são heterotróficos, ou seja, os compostos de carbono são as fontes de energia e alimento que esses seres vivos utilizam para a manutenção de sua atividade biológica. As principais reações bioquímicas que ocorrem para geração de energia são: Condições aeróbias: degradação de matéria orgânica C6H12O6 + 6O2 → 6CO2 + 6H2O + Energia Condições anóxicas: desnitrificação 2NO3- + 2H+ → N2 + 2,5O2 + H2O + Energia Condições anaeróbias: degradação da matéria orgânica (metanogênese): CH3COOH → CH4 + CO2 + Energia 4H2 + CO2 → CH4 + 2H2O + Energia (redução de CO2) Dessulfatação (sulfetogênese): CH3COOH + SO42- + 2H+ → H2S + 2H2O + 2CO2 Tratamento de esgotos Edição especial – Maio 2001 21 atividade celular. Aproximadamente 50% da carga orgânica, suspensa e dissolvida, que entra em um sistema de lodo ativado é convertida em biomassa celular, conhecida como lodo biológico. Esse fenômeno é uma síntese de material celular (fase sólida) a partir de compostos dispersos no meio líquido (fase líquida), sendo possível considerá-lo uma simples transferência de fase. É evidente que ocorrem modificações moleculares, resultantes de reações bioquímicas de transformação de uma grande parte da matéria orgânica presente no meio aquoso. Além disso, uma parte pode ser absorvida e adsorvida sem nenhuma modificação em sua estrutura. Transformações da matéria orgânica nitrogenada 22 A matéria orgânica normalmente presente em águas residuais é composta basicamente por carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, fósforo, enxofre e outros elementos em menor proporção, porém essenciais para a ocorrência dos processos biológicos de estabilização3 desse material. O nitrogênio é um dos elementos limitantes do crescimento celular, abundante na natureza e bastante importante em sistemas de tratamento de efluentes. Na biodegradação de aminoácidos e proteínas (matéria orgânica nitrogenada) em processos biológicos de tratamento de esgotos ocorre a conversão destes em compostos mais simples como amônia, nitrato, nitrito e nitrogênio As formas oxidadas e reduzidas do nitrogênio O nitrogênio pode existir em vários estados de oxidação na natureza, e todos essas espécies possuem a sua importância ambiental, industrial, biológica etc. No entanto, em sistemas aquáticos as formas que predominam e que são importantes para avaliação da qualidade da água apresentam número de oxidação 3-, O, 3+ e 5+. Abaixo são mostradas as principais espécies de ocorrência natural do nitrogênio, e o seu respectivo estado de oxidação. (3-) (3-) (0) (1+) (2+) (3+) (4+) (5+) Norg NH3 N2 N2O molecular. Esse mecanismo é efetuado em etapas distintas por grupos diferentes de microorganismos. Uma primeira etapa é a conversão do nitrogênio orgânico em amônia pela ação de bactérias heterotróficas sob condições aeróbias ou anaeróbias (Equação 5). bactérias heterotróficas Norgânico → NH3 (5) A amônia liberada pode ser oxidada por bactérias nitrificantes autotróficas. O grupo das bactérias Nitrosomonas, conhecidas como formadoras de nitritos, convertem a amônia, necessariamente sob condições aeróbias, para nitrito (Equação 6). O nitrito por sua vez é oxidado pelo grupo das bactérias Nitrobacter até nitrato (Equação 7). NO NO2– NO2 NO3– facultativas, que promovem a desnitrificação. Esse processo transforma o nitrato em gás nitrogênio, sob condições anóxicas 4 . Nesse processo é necessária e fundamental a presença de matéria orgânica de fácil degradação, como por exemplo o metanol. Em alguns casos pode haver a remoção de até 40% do nitrogênio, quando utilizado esse procedimento. A Equação 8 ilustra esse caso. 6NO3-(aq) + 5CH3OH(l) + 6H+(aq) → 3N2(g) + 5CO2(aq) + 13H2O(l) (8) A Equação 8 descreve a redução desassimilatória de nitrito e nitrato, na qual o produto final é um gás inerte, N2, de modo que o nitrogênio orgânico – ‘desaparece’ e não mais provocará um 2NH3(aq) + 3O2(aq) → 2NO2 (aq) consumo de oxigênio em ecossiste+ 2H+(aq) + 2H2O(l) (6) mas aquáticos, em geral os corpos d’água receptores. 2NO2-(aq) + O2(aq) → 2NO3–(aq) (7) Na Figura 3 é apresentado o ciclo do nitrogênio, onde são indicados os Uma das formas de remoção de nimecanismos de nitrificação e desnitritrogênio nos efluentes líquidos é a ficação. utilização de bactérias heterotróficas Por exemplo, é possível estimar se houve despejo de esgoto Processo de biodegradação vs. receptores de elétrons doméstico em um corpo aquático analisando-se as Redox (mV) várias formas do nitrogênio: CO2 / H2O se o aporte do resíduo foi Presença Condições > ZERO recente, certamente a maior de O2 aeróbias fração do nitrogênio total O2 será o nitrogênio orgânico CxHyZz (matéria orgânica) ou mesmo na forma de NO3ao redor Condições amônia, indicando que a de ZERO anóxicas matéria orgânica ainda não Ausência CO2 / N2 foi oxidada. No entanto, se de O2 for um lançamento antigo, SO42e evidentemente se o meio < ZERO Condições CO2 for aeróbio, a espécie mais anaeróbias significativa, dentre todas, CO2 / H2S será o nitrato, a forma mais CO2 / CH4 Fonte: Von Sperling, 1996. oxidada. Por outro lado, se Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Tratamento de esgotos Edição especial – Maio 2001 (0) N2 (1+) N2O (2+) NO (3-) Norgânico (5+) NO3- (3-) NH3 (1-) NH2OH (3+) NO2- Redução disassimilatória de nitrato Assimilação de amônia Fixação de nitrogênio Nitrificação Redução assimilatória de nitrato Amonificação Figura 3. Ciclo do nitrogênio (Fonte: Saunders, 1986). uma grande proporção do nitrogênio estiver na forma intermediária de oxidação, o nitrito, isso pode significar que a matéria orgânica encontra-se ainda em processo de estabilização. O acompanhamento das várias formas de nitrogênio ao longo de um determinado trecho de um rio indica qual a capacidade desse corpo d’água para degradar e transformar a carga orgânica nitrogenada e, principalmente, a sua capacidade de assimilar determinadas classes de resíduos líquidos. Processos físico-químicos Em relação aos processos físicoquímicos, os mais utilizados são a coagulação, a floculação, a decantação, a flotação, a separação por membranas, a adsorção e a oxidação química. Nas águas residuais existem partículas de dimensões muito pequenas, da ordem de 1 µm ou até menores, chamadas de partículas coloidais, que podem permanecer em suspensão no líquido por um período de tempo muito grande. Essa mistura é chamada de suspensão coloidal e comporta-se, em Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola muitos aspectos, como uma verdadeira solução. Tais partículas possuem normalmente em sua superfície um residual de carga negativa que faz com que elas interajam com moléculas de água, permanecendo em suspensão. A coagulação é um processo onde partículas que originariamente se apresentam separadas são aglutinadas pela utilização de coagulantes, principalmente sais de ferro III e alumínio, além de polieletrólitos. Esse processo resulta de dois fenômenos: o primeiro é químico e consiste de reações de hidrólise do agente coagulante, produzindo partículas de carga positiva; o segundo é puramente físico e consiste de choques das partículas com as impurezas, que apresentam carga negativa, ocorrendo uma neutralização das cargas e a formação de partículas de maior volume e densidade. A coagulação ocorre em um curto espaço de tempo, podendo variar de décimos de segundo a um período da ordem de 100 s. A floculação é um processo físico que ocorre logo em seguida à coaguTratamento de esgotos lação e se baseia na ocorrência de choques entre as partículas formadas anteriormente, de modo a produzir outras de muito maior volume e densidade, agora chamadas de flocos. Esses flocos, que são as impurezas que se deseja remover, podem ser separados do meio aquoso por meio de sedimentação, que consiste na ação da força gravitacional sobre essas partículas, as quais precipitam em uma unidade chamada decantador. Uma outra opção para a retirada desses flocos do seio da solução é a utilização da flotação por ar dissolvido, que consiste na introdução de microbolhas de ar que aderem à superfície da partícula, diminuindo sua densidade, transportando-a até a superfície, de onde são removidas. Essa unidade é conhecida como flotador. A adsorção consiste de um fenômeno de superfície e está relacionado com a área disponível do adsorvente, a relação entre massa do adsorvido e massa do adsorvente, pH, temperatura, força iônica e natureza química do adsorvente e do adsorvido. A adsorção pode ser um processo reversível ou irreversível. Historicamente o carvão ativado (CA) ficou conhecido como o adsorvente ‘universal’, usado principalmente para tratamento de águas residuais contendo radionuclídeos e metais. No entanto, esse adsorvente é notadamente efetivo para a remoção de moléculas apolares, e é muito utilizado em tratamento de água de abastecimento, para remoção de substâncias que provocam cor e sabor. Predominantemente utiliza-se carvão ativado na forma granular, produzido a partir de madeira, lignita e carvão betuminoso, com área superficial variando de 200 a 1.500 m2/g. A adsorção em alumina ativada (AA) tem sido utilizada na remoção de fluoreto, arsênio, sílica e húmus. Esse adsorvente, Al2O3, é preparado em uma faixa de temperatura de 300 a 600 oC e apresenta uma área superficial de 50 a 300 m2/g. Na verdade, a adsorção é um fenômeno de troca iônica, e os ânions são mais bem adsorvidos em pHs próximos de 8,2 , ou seja, no pHZPC, conhecido como potencial zeta ou isoelétrico. Na faixa de pH de Edição especial – Maio 2001 23 24 5 a 8 há uma ordem preferencial de adsorção de ânions: OH- > H2AsO4- > F- > SO42- > Cl- > NO3-. É importante notar que se o pH do efluente a ser tratado for alto (elevada concentração de OH-), haverá uma rápida saturação dos sítios ativos do adsorvente. Outros adsorventes naturais têm sido testados, tais como plantas, raízes, bagaço de cana, cabelo, cinzas etc. O aguapé, uma macrófita flutuante, foi muito utilizado para tratamento de efluentes contendo fenol e metais. Esses compostos são adsorvidos em grande parte nas raízes, e evidentemente como desvantagens pode-se citar a necessidade de uma renovação periódica da planta, o aparecimento de mosquitos e destino final das plantas utilizadas. A oxidação química é o processo pelo qual elétrons são removidos de uma substância ou elemento, aumentando o seu estado de oxidação. Em termos químicos, um oxidante é uma espécie que recebe elétrons de um agente redutor em uma reação química. Os agentes de oxidação mais comumente utilizados em tratamento de águas residuais são cloro (Cl 2), hipoclorito (OCl –), dióxido de cloro (ClO 2), ozônio (O3), permanganato (MnO4–), peróxido de hidrogênio (H2O2) e ferrato (FeO42-). Na desinfecção de águas de abastecimento, que também é uma reação de oxidoredução, os agentes comumente utilizados são Cl2, OCl–, HOCl, ClO2 e O3. A capacidade de oxidação pode ser comparada pela quantidade de oxigênio livre disponível, [O], fornecida por cada um desses agentes oxidantes. Na Tabela 1 são apresentadas as semireações relativas à formação dessa espécie. Também é mostrado nessa tabela o que se define como oxigênio reativo equivalente, uma relação entre quantidade da espécie [O] e de oxidante. Na Tabela 2 é apresentado o potencial padrão de cada oxidante, onde é feita uma comparação de cada um deles, inclusive em relação ao potencial hidrogeniônico do meio, ou seja, em diferentes condições de pH. Como exemplo, pode-se observar uma grande diferença no poder de oxidação no caso do ácido hipocloroso, ou seja, em Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Tabela 1: A proporção de oxigênio livre disponível de cada agente oxidante. Oxigênio reativo equivalente Semi-reação Mol de [O] por mol de oxidante Mol de [O] por kg de oxidante 1,0 14,1 1,0 19,0 [O] + 2Cl + 2H 2ClO2 + H2O → 5[O] 2,5 37,0 O3 → [O] + O2 1,0 20,8 H2O2 → [O] + H2O 1,0 29,4 1,5 9,5 1,5 7,6 Cl2 + H2O → [O] + 2Cl– + 2H+ HOCl → [O] + Cl– + H+ – + [O] + 2MnO2 + 2 OH– 2MnO4– + H2O → 3[O] -2 4 2FeO [O] + Fe2O3+ 4 OH + 2H2O → 3[O] - Tabela 2 : Potencial padrão de cada agente oxidante. Meio reacional Eh (V) Cl2 ácido 1,36 HOCl ácido 1,49 básico 0,89 ácido 1,95 básico 1,16 ácido 2,07 básico 1,25 ácido 1,72 Oxidante ClO2 O3 H2O2 KmnO4 K2FeO4 ácido 1,70 básico 0,59 ácido 0,74 básico 2,20 meio ácido a espécie predominante, a forma não dissociada HOCl, possui um potencial de oxidação bem maior que a espécie iônica OCl– (íon hipoclorito), predominante em meio básico. Na maioria dos casos, a oxidação de compostos orgânicos, embora seja termodinamicamente favorável (energia livre de Gibbs menor que zero) é de cinética lenta. Assim, a oxidação completa é geralmente inviável sob o ponto de vista econômico. Uma das grandes vantagens da oxidação química comparada a outros tipos de tratamento, como por exemplo o processo biológico, é a ausência de subprodutos sólidos (lodo). Os produtos finais da oxidação química de matéria orgânica, por exemplo, são apenas o dióxido de carbono e a água (Equação 9): Tratamento de esgotos agente oxidante MO → CO2 + H2O (9) Na oxidação química de um determinado composto, ou mesmo de uma mistura deles, pode ocorrer uma oxidação primária, na qual se observa um rearranjo das espécies iniciantes, de modo que a estrutura química é alterada, levando a subprodutos que podem ser mais ou menos tóxicos que os compostos originais. Quando houver uma conversão das espécies químicas originais para subprodutos de toxicidade reduzida, trata-se de uma oxidação parcial. Na oxidação total há uma completa destruição das espécies orgânicas, ou seja, uma completa mineralização. Os processos de separação por membranas, tais como osmose reversa, ultrafiltração, hiperfiltração, e eletrodiálise, usam membranas seletivas para separar o contaminante da fase líquida. Essa separação é efetuada por pressão hidrostática ou potencial elétrico. Nesse processo o contaminante dissolvido (ou solvente) passa através de uma membrana seletiva ao tamanho molecular sob pressão. Ao final do processo obtém-se um solvente relativamente puro, geralmente água, e uma solução rica em impurezas. Na hiperfiltração acontece a passagem de espécies pela membrana com massa molecular na faixa de 100 a 500 g/mol; a ultrafiltração é usada para separação de solutos orgânicos com massa molecular variando de 500 até 1.000.000 g/mol. A ultrafiltração e a hiperfiltração são especialmente úteis Edição especial – Maio 2001 para concentrar e separar óleos, graxas e sólidos finamente divididos em água. Também servem para concentrar soluções de moléculas orgânicas grandes e complexos iônicos de metais pesados. A técnica de separação por membranas mais difundida é a osmose reversa (OR). Embora superficialmente similar à ultra e hiperfiltração, ela opera por um princípio diferente no qual a membrana é seletivamente permeável para a água e não para solutos iônicos. Essa técnica utiliza altas pressões para forçar a permeação do solvente pela membrana, produzindo uma solução altamente concentrada em sais dissolvidos. A osmose reversa é tradicionalmente utilizada para produção de água para abastecimento a partir de água salgada, na separação de compostos inorgânicos, como metais e cianocomplexos, de compostos orgânicos de massa molecular maior que 120 g/mol e de sólidos em concentração de até 50.000 mg/L. A osmose reversa é baseada no princípio da osmose. Quando duas soluções de concentrações diferentes estão separadas por uma membrana semipermeável, a água flui da solução menos concentrada para a mais con- centrada. O processo ocorre até que se atinja o equilíbrio. Se uma pressão maior que a pressão osmótica é aplicada na solução mais concentrada, observa-se o fenômeno da osmose reversa, ou seja, a água flui da solução mais concentrada para a menos concentrada. A pressão osmótica que necessita ser vencida é proporcional à concentração do soluto e à temperatura, e totalmente independente da membrana. O princípio básico da eletrodiálise é a aplicação de uma diferença de potencial entre dois eletrodos, em uma solução aquosa, separados por membranas seletivas a cátions e ânions e dispostas alternadamente. Os cátions migram em direção ao catodo e os ânions em direção ao anodo, produzindo fluxos alternados, pobres e ricos em cátions e ânions, separados fisicamente pelas diferentes membranas. Alguns estudos em estações de tratamento de efluentes líquidos mostram que a eletrodiálise é um método de grande potencial prático e econômico para remover mais de 50% de compostos inorgânicos dissolvidos em efluentes que sofreram um pré-tratamento para remoção de sólidos em suspensão, os quais provocariam entupimento ou colmatação das membranas. Para uma melhor eficiência de remoção, pode ser preciso que a água a ser tratada recircule quantas vezes for necessário para alcançar o nível desejado de qualidade. Na Tabela 3 são apresentados os mecanismos de remoção dos componentes poluentes mais utilizados em estações de tratamento de águas residuais. A maioria deles já foi descrita anteriormente nos processos biológicos e físico-químicos. Legislação ambiental No território brasileiro, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), por meio da Resolução n. 20, de 18 de junho de 1986, estabelece os padrões de qualidade de corpos aquáticos, bem como de lançamentos de efluentes. As águas residuais, após tratamento, devem atender aos limites máximos e mínimos estabelecidos pela referida resolução, e os corpos d’água receptores não devem ter sua qualidade alterada. É importante salientar que é possível utilizar a legislação específica de cada estado, desde que a mesma seja mais restritiva que a federal. Neste trabalho será abordada apenas a legis- Tabela 3: Principais mecanismos de remoção de poluentes no tratamento de esgotos. Poluente Dimensões Principais mecanismos de remoção Sólidos Maiores dimensões (maiores que ~1 cm) Gradeamento Retenção de sólidos com dimensões superiores ao espaçamento entre barras Dimensões intermediárias (maiores que ~0,001 mm) Sedimentação Separação de partículas com densidade superior à do esgoto Dimensões diminutas (menores que ~0,001 mm) Adsorção Retenção na superfície de aglomerados de bactérias ou biomassa Sedimentação Separação de partículas com densidade superior à do esgoto Adsorção Retenção na superfície de aglomerados de bactérias ou biomassa Estabilização Utilização pelas bactérias como alimento, com conversão a gases, água e outros compostos inertes Adsorção Retenção na superfície de aglomerados de bactérias ou biomassa Estabilização Utilização pelas bactérias como alimento, com conversão a gases, água e outros compostos inertes Radiação ultra-violeta Radiação do sol ou artificial Condições ambientais adversas Temperatura, pH, falta de alimento, competição com outras espécies Desinfecção Adição de algum agente desinfetante, como o cloro Dimensões superiores a ~0,001 mm Matéria orgânica Dimensões inferiores a ~0,001 mm Organismos transmissores de doenças Fonte: Barros et. al., 1995. Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Tratamento de esgotos Edição especial – Maio 2001 25 lação federal, da qual alguns artigos serão transcritos integralmente e outros apenas citados e comentados. Segundo a concentração de sais, as águas são classificadas, de acordo com o artigo 2 o, em águas doces (salinidade ≤ 0,05%), águas salobras (0,05% < salinidade < 3%) e águas salinas (salinidade ≥ 3%). Na Tabela 4 são apresentados os principais padrões de qualidade referentes às diferentes classes dos corpos d’água, e a título de ilustração e comparação, também são apresentados os padrões de lançamento, descritos no artigo 21°. O ideal é que qualquer tipo de disposição de efluen- tes líquidos primeiramente deva atender ao próprio padrão de lançamento (art. 21°) e ao mesmo tempo não provocar alteração na classe (padrões de qualidade, art. 4° a 11°) do corpo d’água receptor, conforme descrito no art. 19°. O padrão de lançamento de efluentes pode ser excedido desde que os padrões de qualidade dos corpos d’água sejam mantidos e desde que haja autorização do órgão fiscalizador estadual, resultante de estudos de impacto ambiental. É muito importante salientar que não é permitida a diluição de águas residuais com águas de abastecimento, água de mar e água A classificação das águas pelo 1o artigo da resolução CONAMA n. 20/1986 Águas doces 26 I- Classe Especial – águas destinadas: a) ao abastecimento sem prévio tratamento ou com simples desinfecção; b) à preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas. II - Classe 1 – águas destinadas: a) ao abastecimento doméstico após tratamento simplificado; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho); d) à irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvem rentes ao solo e que são ingeridas cruas sem remoção de película; e) à criação natural e/ou intensiva (aquicultura) de espécies destinadas à alimentação humana. III - Classe 2 – águas destinadas: a) ao abastecimento doméstico, após tratamento convencional; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho); d) à irrigação de hortaliças e plantas frutíferas; e) à criação natural e/ou intensiva (aquicultura) de espécies destinadas à alimentação humana. IV - Classe 3 – águas destinadas: a) ao abastecimento doméstico, após tratamento convencional; b) à irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras; c) à dessedentação de animais. V - Classe 4 – águas destinadas: a) à navegação; b) à harmonia paisagística; c) aos usos menos exigentes. Águas salinas VI - Classe 5 – águas destinadas: a) à recreação de contato primário; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à criação natural e/ou intensiva (aquicultura) de espécies destinadas à alimentação humana. VII - Classe 6 – águas destinadas: a) à navegação comercial; b) à harmonia paisagística; c) à recreação de contato secundário. Águas salobras VIII - Classe 7 – águas destinadas: a) à recreação de contato primário; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à criação natural e/ou intensiva (aquicultura) de espécies destinadas à alimentação humana. IX - Classe 8 – águas destinadas: a) à navegação comercial; b) à harmonia paisagística; c) à recreação de contato secundário. Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Tratamento de esgotos de refrigeração (art. 22°), com objetivo de atender aos padrões de lançamento. A origem da água residual a ser tratada pode ser doméstica, industrial ou uma mistura de ambas. O nível de tratamento desejado ou exigido por lei depende das características do próprio esgoto e do padrão de lançamento, ou mesmo se a água residual tratada for reutilizada. De um modo geral, o que se deseja remover das águas residuais é matéria orgânica, sólidos em suspensão, compostos tóxicos, compostos recalcitrantes, nutrientes (nitrogênio e fósforo) e organismos patogênicos. Dependendo da concentração e do tipo do composto poluente, é necessária a utilização de diversos níveis de tratamento para atingir o grau de depuração desejado ou exigido. Usualmente, os níveis de tratamento são classificados em primário, secundário e terciário. Na Tabela 5 esses níveis são descritos de forma resumida, mostrando as suas principais características e objetivos quanto à necessidade de aplicação. Principais parâmetros de interesse sanitário e ambiental As normas para classificação de corpos aquáticos, bem como para lançamentos de efluentes líquidos tratados, envolvem uma série de parâmetros de interesse sanitário e ambiental, que devem ser monitorados e atendidos. A seguir serão apresentados os parâmetros comumente avaliados em ambientes aquáticos e em estações de tratamento de águas residuais, tanto na entrada como na saída desses locais. Os principais fatores que influenciam o pH e suas variações na água são as proporções de espécies carbonatadas, a presença de ácidos dissociáveis, constituição do solo, decomposição da matéria orgânica, esgoto sanitário, efluentes industriais, tributários5 e solubilização dos gases da atmosfera. Vários vegetais e animais são responsáveis por processos como a fotossíntese e a respiração, que aumentam ou diminuem o pH das águas. Em relação a processos de tratamento de águas, essa variável afeta a coagulação química, a desidraEdição especial – Maio 2001 Tabela 4: A inter-relação entre os principais padrões de qualidade das diversas classes de corpos d’água (água doce) e padrão de lançamento. Parâmetro Unidade Padrão para corpo d’água Classe 1 2 3 (1) 30 Cor uH Turbidez uT(2) 40 Sabor e odor VA Temperatura ºC Materiais flutuantes VA Óleos e graxas VA Corantes artificiais VA Sólidos dissolvidos mg/L 500 Cloretos mg/L 250 pH 6a9 mg/L 3 DBO(4) OD(3) mg/L 6 Amônia mg/L 0,02 (9) Coliformes totais org./100 mL 1.000 Coliformes fecais org./100 mL 200 Regime de lançamento - 75 100 VA VA VA VA 500 250 6a9 5 (7) 5 0,02 (9) 5.000 1.000 - 75 100 VA VA VA VA 500 250 6a9 10 (7) 4 20.000 4.000 - Padrão de lançamento 4 VA (5) 6a9 2 - < 40 ausente (6) 5a9 60 (8) 5,0 (9) (10) Fonte: Barros et. al., 1995, (modificada). VA: virtualmente ausente. (1): 1 uH (unidade Hazen) é equivalente à cor produzida por 1 mg K2PtCl6/L (1 mg de cloroplatinato de potássio por litro). (2): 1 uT (unidade de turbidez) é equivalente à turibez produzida por 1 mg SiO2/L (1 mg de óxido de silício por litro). (3): oxigênio dissolvido: é a quantidade de oxigênio gasoso (O2) presente na água. (4): Demanda bioquímica de oxigênio é definida como a quantidade de oxigênio necessária para a estabilização biológica da matéria orgânica, sob condições aeróbias e controladas (período de 5 dias e 20 °C). (5): toleram-se efeitos iridescentes (que dão as cores do arco-íris). (6): minerais: 20 mg/L; vegetais e gorduras animais 50 mg/L. (7): estes valores podem ser ultrapassados quando na existência de casos de estudo de autodepuração do corpo d’água indiquem que a OD deverá estar dentro dos padrões estabelecidos quando da ocorrência de condições críticas de vazão (média das mínimas de 7 dias consecutivos em 10 anos de recorrência). (8): pode ser ultrapassado caso a eficiência do tratamento seja superior a 85%. (9): padrão do corpo receptor: amônia (NH3); padrão de lançamento: amônia total (NH3 + NH4+). (10): a vazão máxima deverá ser 1,5 vez a vazão média do período de atividade no agente poluidor. tação do lodo, a desinfecção, a oxidação química, as reações de amolecimento de águas e o controle de corrosão. Em relação aos processos biológicos de tratamento de efluentes, o pH é de fundamental importância nas reações bioquímicas, como por exemplo em processos de tratamento de efluente anaeróbio, no qual o pH deve ficar na faixa de 6,8 a 7,2 para que a eficiência do processo seja ideal. Uma elevada concentração de íons H + (baixo valor de pH) pode diretamente provocar fitotoxicidade causada pela própria concentração deste íon, ou indiretamente pela liberação de metais presentes no solo, ou sedimento, para a solução, disponibilizando-os. No solo, o exemplo clássico se refere ao íon alumínio, Al3+. Em relação ao sedimento, além do alumínio, outros metais são normalmente liberados para a coluna d’água, incluindo os metais pesados, Cd2+, Hg2+ e Pb2+, que são bastante tóxicos. Muitas espécies de organismos aquáticos não têm chance de sobrevivência em águas com baixos níveis de oxigênio dissolvido (OD). Por outro lado, para uma parcela significativa de organismos o oxigênio é extremamente tóxico, denominados de microorganismos estritamente anaeróbios, que são tão importantes na estabilização da matéria orgânica e no equilíbrio ecológico, quantos os microrganismos Tabela 5: Características dos níveis de tratamento dos esgotos. Nível de tratamento Item Primário Preliminar Secundário Terciário • Matéria orgânica suspensa e dissolvida • Compostos inorgânicos dissolvidos • Nutrientes • Patogênicos: próximo a 100% • Nutrientes: 10 a 95% • Metais pesados: próximo a 100% • Físico-químico • Biológico Sim Poluentes removidos Sólidos grosseiros • Sólidos sedimentáveis • Matéria orgânica sedimentável • Sólidos não sedimentáveis • Matéria orgânica não sedimentável • Eventualmente nutrientes Eficiência de remoção — • Sólidos suspensos: 60 a 70% • Matéria orgânica: 30 a 40% • Patogênicos: 30 a 40% Físico • Matéria orgânica: 60 a 99% • Patogênicos: 60 a 99% Não Usualmente sim Tratamento parcial Etapa intermediária de tratamento mais completo Tratamento mais completo (para matéria orgânica) Tipo de tratamento Físico predominante Cumpre o padrão Não de lançamento? Aplicação Montante de elevatória Etapa inicial de tratamento Biológico Tratamento mais refinado e eficiente para produzir um efluente de melhor qualidade Fonte: Barros et. al., 1995 (modificado). Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Tratamento de esgotos Edição especial – Maio 2001 27 aeróbios. A degradação da matéria orgânica provoca o consumo de oxigênio presente na água (Equação 10). Muitas das mortandades de peixes não são causadas diretamente pela presença de compostos tóxicos, e sim pela deficiência de oxigênio resultante da biodegradação da matéria orgânica. 28 avaliação do conteúdo orgânico em de poluição de esgotos domésticos e águas é o carbono orgânico total industriais em termos do consumo de (COT). Esse teste fornece a quantidade oxigênio. É uma estimativa do grau de de carbono orgânico presente em uma depleção de oxigênio em um corpo amostra, sem distinção se a matéria aquático receptor natural e em condiorgânica é biodegradável ou não. Nesções aeróbias. O teste também é utilita análise, o dióxido de carbono (CO2) zado para a avaliação e controle de é quantificado após a oxidação da poluição, além de ser utilizado para microorganismos propor normas e estuamostra em um forno {CH2O} + O2 → CO2 + H2O (10) A demanda bioquímica dos de avaliação da a alta temperatura por oxigênio (BDO) pode capacidade de purifi(entre 680 e 900 °C), Além da oxidação de matéria ser considerada em ensaio, cação de corpos rena presença de um orgânica mediada por microorganisvia oxidação úmida, no ceptores de água. A catalisador e oxigêmos, também o oxigênio pode ser conqual organismos vivos DBO pode ser connio. Outra opção é a sumido pela biooxidação de composoxidam a matéria orgânica siderada um ensaio, degradação da matétos orgânicos nitrogenados (Equação até dióxido de carbono e via oxidação úmida, no ria orgânica utilizan11), assim como por reações químicas água qual organismos vivos do-se um forte oxiou bioquímicas de substâncias potenoxidam a matéria orgâdante em meio ácido cialmente redutoras presentes na água nica até dióxido de carbono e água. sob a presença de luz ultravioleta. O (equações 12 e 13). Há uma estequiometria entre a quantitempo de duração do teste varia de 2 NH4+(aq) + 2O2(aq) → 2H+(aq) dade de oxigênio requerida para a 10 minutos. converter certa quantidade de matéria Os principais nutrientes encontrados + NO3-(aq) + H2O(l) (11) nas águas são o nitrogênio e o fósforo, orgânica para dióxido de carbono, 4Fe2+(aq) + O2(aq) + 10H2O(l) → e possuem importante papel nos água e amônia, o que é mostrado na ecossistemas aquáticos, atuando como seguinte equação generalizada: + 4Fe(OH)3(S) + 8H (aq) (12) fatores limitantes de crescimento e CaHbOcN(aq) + a02(aq) → aCO2(aq) 22reprodução das comunidades e respon2SO3 (aq) + O2(aq) → 2SO4 (aq) (13) sáveis pelos processos de eutrofização + cH O + NH (14) 2 (l) 3(aq) A atmosfera, que contém cerca de e alteração de seu equilíbrio dinâmico. A demanda química de oxigênio 21% de oxigênio, é a principal fonte de As fontes de nitrogênio e de fósforo (DQO) é uma análise para inferir o conreoxigenação de corpos d’água, por podem ser naturais ou antrópicas. sumo máximo de oxigênio para degrameio da difusão do gás na interface As fontes principais de nitrogênio dar a matéria orgânica, biodegradável água/ar. O oxigênio também pode ser são a atmosfera, a precipitação pluvioou não, de um dado efluente após sua introduzido pela ação fotossintética métrica, o escoamento superficial, o oxidação em condições específicas. das algas. No entanto, a maior parte revolvimento de sedimento de fundo, Esse ensaio é realizado utilizando-se do gás oriundo dessa última fonte é esgoto sanitário, efluentes industriais, um forte oxidante, ou seja, o dicromato consumido durante o processo de erosão, queimadas, decomposição, em meio extremamente ácido e temperespiração, além da própria degradalise celular e excreção. ratura elevada. O valor obtido indica o ção de sua biomassa Em relação às fontes de fósforo quanto de oxigênio um morta. A demanda química de naturais, as principais são os procesdeterminado efluente A demanda biooxigênio (DQO) é uma sos de intemperismo das rochas e líquido consumiria de química de oxigênio análise para inferir o decomposição da matéria orgânica. Já um corpo d’água re(DBO) é definida coconsumo máximo de as artificiais consistem de efluentes ceptor após o seu mo a quantidade de oxigênio para degradar a industriais, esgotos sanitários e fertililançamento, se fosse oxigênio necessária matéria orgânica, zantes. É importante ressaltar ainda possível mineralizar para a estabilização biodegradável ou não, de que os sabões e detergentes são os toda a matéria orgâda matéria orgânica um dado efluente após sua maiores responsáveis pela introdução nica presente, de modegradada pela ação oxidação em condições de fosfatos nas águas. de bactérias, sob condo que altos valores de específicas A presença ou ausência desses dições aeróbias e DQO podem indicar nutrientes pode ser benéfica ou não. Em controladas (período um alto potencial poestuários, a presença excessiva de de 5 dias a 20 °C). Basicamente, a luidor. Esse teste tem sido utilizado nitrogênio pode provocar um aumento informação mais importante que esse para a caracterização de efluentes inna população de organismos aquáticos. teste fornece é sobre a fração dos dustriais e no monitoramento de estaO mesmo ocorre em lagos, quando do compostos biodegradáveis presentes ções de tratamento de efluentes em aumento da concentração de fósforo. O no efluente. Muito importante, inclusive, geral. A duração desse ensaio é de crescimento exagerado da população para trabalhos de tratabilidade de aproximandamente 3 horas. de algas em águas doces decorre da águas residuais. O teste de DBO é Um outro ensaio que atualmente elevada concentração de nutrientes, um muito usado para avaliar o potencial vem sendo bastante utilizado para Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Tratamento de esgotos Edição especial – Maio 2001 fenômeno bastante comum em lagos e reservatórios. Freqüentemente há uma depleção de oxigênio em corpos aquáticos resultante da oxidação da biomassa formada por algas mortas. O ambiente anaeróbio é fatal para muitos organismos. Mais detalhes sobre o processo de eutrofização podem ser encontrados no artigo As águas do planeta Terra (p. 35). A remoção de amônia, nitrato e nitrito das águas residuais nas estações de tratamento de esgotos (ETE) é importante, pois são compostos que produzem efeitos deletérios à saúde tanto dos organismos presentes nos corpos d’água como aos seres humanos consumidores de água de abastecimento oriundas de manancias superficiais e subterrâneos. Concentrações de amônia acima de 0,25 mg/L afetam o crescimento de peixes e na ordem de 0,50 mg/L são letais. Já o nitrato, quando ingerido, é reduzido a nitrito no trato intestinal e ao entrar na corrente reage com a hemoglobina, convertendo-a em meta-hemoglobina, molécula que não possui a capacidade de transportar oxigênio. Além disso, o nitrato ingerido pode ser convertido a nitrosaminas, composto cancerígeno. Os organismos patogênicos, tais como bactérias, vírus, vermes e protozoários, são os principais causadores de doenças de veiculação hídrica e aparecem na água, normalmente, em baixa concentração e de forma intermitente. O isolamento e detecção de um patógeno tem um custo elevado e em média o teste leva 6 dias para obtenção do resultado;um tempo muito longo para qualquer tomada de decisão. O exame bacteriológico mais comum para avaliação da qualidade microbiológica de águas consiste da determinação de bactérias do grupo coliforme. As bactérias do grupo coliforme, em geral, mostram-se mais resistentes que as patogênicas, em relação aos processos naturais de depuração e à ação de desinfetantes. Portanto, se em uma amostra não forem encontrados coliformes, certamente os patógenos não estarão presentes, pelo menos em quantidade significativa. Por outro lado, se for encontrado bactérias do grupo coliforCadernos Temáticos de Química Nova na Escola saneamento básico, ou seja, tratames, há um risco de se encontrar os mento de água para abastecimento e tais organismos infectantes ou causadores de doenças. Infelizmente, exisde esgotos, haveria uma economia tem algumas exceções, como os cistos significativa em gastos com saúde. do agente da disenteria amebiana, que Segundo o IBGE (1997), no ano de são muito mais resistentes que os 1996 aproximadamente 74,2% e 40,3% coliformes. dos domicílios brasileiros dispunham O grupo coliforme é dividido em de água tratada e rede coletora de esbactérias fecais (ou intestinais) e não goto, respectivamente. Esses números fecais. As primeiras indicam que uma granvivem e se multiplide parcela da popuAs bactérias do tipo cam no trato digestivo lação não tem acesso coliforme, em geral, de animais de sangue à água encanada e ao mostram-se mais resistentes quente (mamíferos e saneamento básico. que as patogênicas. Se em aves) e são eliminaNesse sentido, políuma amostra não forem das junto com as feticas sérias de investiencontrados coliformes, zes. As não fecais são mentos nessas áreas certamente os patógenos encontradas normalsão de fundamental não estarão presentes em mente no solo. importância para a quantidade significativa Há dois subgrusaúde pública. pos de coliformes. Os coliformes totais É sempre importante ressaltar que são formados pelos gêneros Escheria água é uma riqueza de quantidade e chia coli, Citrobacter spp, Enterobacter qualidade limitada, sendo necessário spp e Klebsiella spp. Os coliformes que se faça um uso racional desse fecais, pelos gêneros: Escherichia coli bem. A necessidade do tratamento de e Klebsiella t.t. A identificação destes águas residuárias com o objetivo de subgrupos é realizada utilizando-se controle de poluição promove uma diferentes meios de cultura, ou seja, melhoria na qualidade dos corpos para os totais é utilizado um meio de aquáticos e de águas destinadas ao abastecimento público, além da reduamplo espectro, enquanto para os ção da poluição ambiental. fecais o meio é necessariamente O desperdício de água e a utilizaseletivo. ção de tecnologias inadequadas, ultraConsiderações finais passadas e ineficientes pelo setor industrial, são práticas que devem ser Dados recentes mostram que na combatidas por meio da otimização e/ região metropolitana de São Paulo ou substituição de processos, e mes(RMSP), apenas 17% de todas as mo pela própria conscientização da indústrias tratam de alguma forma seus população, além da ação importante efluentes (Água na boca, 2000). Certados órgãos fiscalizadores. mente esse valor deve ser bem menor O tratamento, o reuso e a dispoquando se considera todo o território sição adequada de águas servidas são nacional. procedimentos que visam minimizar os Em relação ao tratamento de esgoefeitos e as conseqüências indesejáto sanitário, principalmente aqueles veis ao ambiente. No entanto, antes de gerados nas residências, muito pouco se encontrar a solução tecnológica do total coletado em todo o país recebe mais adequada para amenizar tais efeialgum processo de depuração, mestos e conseqüências, a pergunta que mo que em nível primário. Portanto, deve ser feita para todos os setores da grande parte desse efluente in natura população é a seguinte: Será que é atinge os cursos d’água, caracterinecessário gerar determinado volume zando-se no maior problema de poe tipo de efluente, para que depois o luição aquática (Alves, 1992). mesmo seja tratado? No nosso país, aproximadamente 60% dos pacientes internados em hosNotas pitais estão com alguma doença cuja origem é de veiculação hídrica, e esti1. Biooxidar (oxidação biológica): mativas apontam que se houvesse processo em que os organismos vivos, uma política de aplicação de verbas em em presença ou não de oxigênio, por Tratamento de esgotos Edição especial – Maio 2001 29 meio da respiração aeróbia ou anaeróbia, convertem matéria orgânica presente na água residuária em substâncias mais simples. 2. Sintrofismo: é um fenômeno que envolve a troca de nutrientes entre duas espécies de organismos, na qual cada um recebe benefícios dessa associação. 3. Estabilização: tem o mesmo sen- Referências bibliográficas 30 Água na Boca. Junho/2000. Disponível no site www.tvcultura.com.br/aloescola/ ciencias/aguanaboca/aguanaboca.htm. ALVES,F. Pobre Brasil (Editorial). Saneamento Ambiental, n. 19, p. 03, 1992. BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL – BNDES: Modelagem de desestatização do setor de saneamento básico (trabalho realizado por um consórcio de empresas contratadas). Rio de Janeiro, Maio de 1998, IV volumes. Mimeo. BARROS, R.T.V. et al. Manual de saneamento e proteção ambiental para os municípios. v. 2 – Saneamento, Belo Horizonte: DESA-UFMG, 1995. CHERNICHARO, C.A.L. Princípios do tratamento biológico de águas residuárias: Reatores anaeróbios. v. 5, Belo Horizonte: DESA-UFMG, 1997. GALAL-GORCHEV, Desinfección del agua potable y subproductos de inter’s tido de oxidação biológica. 4. Em condições anóxicas, ou seja, Eh ao redor de zero, na ausência de oxigênio molecular, ocorre o processo de desnitrificação. 5. Tributário: nesse caso refere-se a outros corpos d’água que atuam como afluentes do corpo d’água principal. José Roberto Guimarães ([email protected]), bacharel em química, doutor em ciências pela UNICAMP, especialista em química ambiental/sanitária, é docente da Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP. Edson Aparecido Abdul Nour ([email protected]. br), engenheiro de alimentos e tecnólogo em saneamento, doutor em recursos hídricos e saneamento pela USP, especialista em tratamento de águas residuárias, é docente da Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP. para la salud. In: La calidad del agua potable en America Latina: Ponderación de los riesgos microbiológicos contra los riegos de los subproductos de la desinfeccíon química, Craun, G.F. e Castro, R., eds., p. 89-100. ILSI Press: Washigton, EUA, 1996. IBGE Pesquisa nacional por amostra de domicílios: síntese de indicadores. Rio de Janeiro, p. 97-99, 1997. RESOLUÇÃO nº 20 do CONAMA: Legislação Federal Brasileira, 1986. VON SPERLING, M. 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Princípios do tratamento biológico de águas residuárias: Lodos ativados. v. 4, Belo Horizonte: DESA-UFMG, 1997. Para saber mais AZEVEDO-NETTO, J.M. et al. Técnica de abastecimento e tratamento de água. v. 2, Resenha Uma boa leitura A obra Lixo municipal – manual de gerenciamento integrado do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e do CEMPRE (Compromisso Empresarial para Reciclagem) apresenta uma abordagem sobre o gerenciamento dos resíduos sólidos no Brasil. Escrita por uma equipe técnica de especialistas da área, trata-se de uma publicação que aborda aspectos fundamentais para a definição de políticas públicas, atividades de treinamento técnico e educação ambiental, investimentos em novas tecnologias e, ainda, a reestruturação jurídica e financeira da atividade de tratamento e disposição final do lixo. Sua linguagem direta e acessível pode atender às necessidades das prefeituras municipais, organizações nãogovernamentais e a todos que tenham interesse em exercer a sua cidadania em favor do meio ambiente e da qualiCadernos Temáticos de Química Nova na Escola dade de vida da sociedade em que está inserido. O livro é dividido em sete capítulos e anexos, cobrindo extensamente aspectos sobre reciclagem de materiais (orgânico, plástico, papel, vidro e metais). Para professores e estudantes, além da capacidade de abordar a questão dos resíduos de forma crítica, o texto também coloca à disposição tabelas, gráficos e muitas ilustrações que contribuem perfeitamente para a análise dos temas associados ao gerenciamento do lixo urbano. Em um de seus anexos, encontra-se a relação de entidades e associações governamentais e não-governamentais, que peca por não fornecer o endereço na Web. Lixo municipal é referência obrigatória para aqueles que se ocupam da educação ambiental, especialmente professores comprometidos com a contextualização da química em qualquer nível de ensino. Tratamento de esgotos Lixo municipal – manual de gerenciamento integrado. Organizadores: Maria Luiza Otero D’Almeida e André Vilhena. Segunda edição, São Paulo: IPT/CEMPRE, 2000 (Publicação IPT 2622). Edição especial – Maio 2001 Marco Tadeu Grassi Um dos principais desafios mundiais na atualidade é o atendimento à demanda por água de boa qualidade. O crescimento populacional, a necessidade de produção de alimentos e o desenvolvimento industrial devem gerar sérios problemas no abastecimento de água nos próximos anos. Este texto trata da importância da água para a sobrevivência do homem e de toda a biota terrestre. Apresentam-se algumas das propriedades mais importantes da água e sua distribuição em nosso planeta. Descrevem-se as formas de uso deste recurso, assim como as principais fontes de poluição e finalmente discute-se a importância do tratamento da água na melhoria da qualidade de vida da população mundial. padrões de qualidade da água, potabilidade, poluição, tratamento da água A água é um recurso fundamen tal para a existência da vida, na forma que nós conhecemos. Foi na água que a vida floresceu, e seria difícil imaginar a existência de qualquer forma de vida na ausência deste recurso vital. Nosso planeta está inundado d’água; um volume de aproximadamente 1,4 bilhão de km3 cobre cerca de 71% da superfície da Terra. Apesar disso, muitas localidades ainda não têm acesso a quantidades de água com características de potabilidade adequadas às necessidades do consumo humano. A água tem sido um bem de extrema importância para o homem desde a descoberta de que a produção de alimentos dependia da oferta de água usada no cultivo. As cidades que se desenvolveram no antigo Egito, após a revolução agrícola que ocorreu cerca de 5.000 anos antes de Cristo, o fizeram próximas a rios que atendessem a suas demandas domésticas e agrícolas. Posteriormente, a água corrente também passou a ser utilizada na movimentação de máquinas que cortavam madeira, em moinhos de grãos e finalmente em processos industriais. A grande oferta fez da água a substância ideal para ser empregada Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola como solvente universal na limpeza e transporte de praticamente todos os resíduos gerados pelo homem. Ao redor de todo o mundo, as cidades foram se estabelecendo e crescendo próximas a grandes cursos d’água. Até os dias atuais, após seu uso nas mais diversas atividades, a água ainda é geralmente descartada para o corpo receptor mais próximo, muitas vezes sem que passe por qualquer tipo de tratamento. Não obstante, é verdadeiro afirmar que o baixo custo associado ao uso de enormes quantidades de água tem sido um dos pilares do desenvolvimento de nossa sociedade. Algumas propriedades da água A água é, certamente, a espécie química mais abundante na Terra. É, além disso, uma substância que pode ser encontrada, naturalmente, em todos os três estados físicos: sólido (gelo), líquido (água líquida) e gasoso (vapor). Sua capacidade em conduzir e estocar o calor (condutividade térmica e capacidade calorífica) também é única. Entre outros aspectos, a água tem um elevado calor de evaporação. Enquanto são necessários 0,239 J (1 caloria) para se elevar a temperatura de 1 g de água de 1 °C, esta mesma massa de água exige Água e população mundial A água potável de boa qualidade é fundamental para a saúde e o bemestar humano. Entretanto, a maioria da população mundial ainda não tem acesso a este bem essencial. Mais do que isto, existem estudos que apontam para uma escassez cada vez mais acentuada de água para a produção de alimentos, desenvolvimento econômico e proteção de ecossistemas naturais. Para exercer tais atividades, especialistas estimam que o consumo mínimo de água per capita deva ser de pelo menos 1000 m3 por ano. Cerca de 26 países, em sua maioria localizados no continente africano, já se encontram abaixo deste valor. Com o rápido crescimento populacional, acredita-se que inúmeras outras localidades deverão atingir esta categoria no futuro próximo. Várias regiões do planeta (Pequim, Cidade do México, Nova Deli e Recife, no Brasil) estão acima desse valor apenas devido à exploração de águas subterrâneas (Nebel e Wright, 2000). Águas no planeta Terra Edição especial – Maio 2001 31 Tabela 1: Propriedades físicas de alguns hidretos simples. CH4 NH3 H2O HF H2S Ponto de fusão, °C -182 -78 0 -83 -86 Ponto de ebulição, °C -164 -33 +100 +19 -61 Substância 32 1,7% Calotas polares e geleiras cerca de 540 vezes mais energia para se evaporar (Masterton et al., 1990). Comparativamente com outros hidretos, observa-se que a água apresenta temperaturas de fusão e ebulição bem mais elevadas, conforme mostra a Tabela 1. Estas características são bastante importantes para a existência de vida na Terra, uma vez que a forma líquida é o estado físico predominante (Bunce, 1993). Uma outra propriedade da água, pouco usual, porém igualmente importante, é que a forma líquida apresenta uma densidade maior que a forma sólida. Se o contrário fosse verdade, durante o inverno as águas de inúmeros rios e lagos localizados no hemisfério norte de nosso planeta, ao se congelarem, se depositariam no fundo dos mesmos. Sob estas condições, provavelmente não se fundiriam novamente no verão. Assim sendo, a mistura que ocorre na primavera e outono desempenha um papel importante na recirculação de nutrientes. Esta mistura só ocorre porque a água tem sua densidade máxima a 4 °C. Durante o outono, quando as temperaturas das águas de inúmeros lagos cai para valores próximos a 4 °C, as águas superficiais se tornam mais densas que as águas mais profundas e assim se deslocam para o fundo, misturando as espécies dissolvidas, num movimento vertical. Toda a biota, assim como a maior parte dos ecossistemas terrestres, além dos seres humanos, necessitam de água doce para sua sobrevivência. Entretanto, cerca de 97,5% da água de nosso planeta está presente nos oceanos e mares, na forma de água salgada, ou seja, imprópria para o consumo humano. Dos 2,5% restantes, que perfazem o total de água doce existente, 2/3 estão armazenados nas geleiras e calotas polares. Apenas cerca de 0,77% de toda a água está disponível para o nosso consumo, sendo encontrada na forma de rios, lagos, água subterrânea, incluindo ainda a água presente no solo, atmosfera (umidade) e na biota (Figura 1). No nosso planeta, a água se apresenta em diferentes compartimentos, conforme mostra a Tabela 2 (USGS, 1999). A quantidade de água presente em cada um destes compartimentos, assim como o seu tempo de residência, varia bastante. Os oceanos se constituem no maior destes compartimentos, onde a água tem um tempo de residência de aproximadamente 3 mil anos. Eles são ainda a fonte da maior parte do vapor d’água que aporta no ciclo hidrológico. Sendo grandes acumuladores do calor oriundo do sol, os oceanos desempenham um papel fundamental no clima da Terra. Distribuição da água na Terra O segundo maior reservatório de água do planeta Tabela 2: Distribuição da água em nosso planeta. são as geleiras e 3 calotas polares. Percentual, % Reservatórios Volume, km O continente AnOceanos 1.320.305.000 97,24 tártico contém Geleiras e calotas polares 29.155.000 2,14 cerca de 85% de Águas subterrâneas 8.330.000 0,61 todo o gelo exisLagos 124.950 0,009 tente no mundo. O restante pode Mares 104.125 0,008 ser encontrado Umidade do solo 66.640 0,005 no Oceano ÁrtiAtmosfera 12.911 0,001 co e ainda na Rios 1.250 0,0001 Groenlândia. Total 1.358.099.876 100 As águas Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Águas no planeta Terra 0,77% Água doce acessível 97,5% Água salgada Figura 1: Distribuição da água na Terra. subterrâneas encontram-se abaixo da superfície em formações rochosas porosas denominadas aquíferos. Estas águas têm influência e também são influenciadas pela composição química e pelos minerais com os quais estão em contato. Os aquíferos são reabastecidos pela água que se infiltra no solo e eventualmente flui para reservatórios que se localizam abaixo de seu próprio nível. Corpos de água doce em contato direto com a atmosfera compreendem lagos, reservatórios, rios e riachos. Coletivamente, estas águas são chamadas de superficiais. A concentração de sais na água faz com que as águas superficiais sejam divididas em duas grandes categorias. Águas doces se distinguem de águas salinas pelo seu baixo conteúdo de sais, sendo normalmente encontradas em rios e lagos. O exemplo mais significativo de águas salinas é o das águas oceânicas. Via de regra, águas salinas apresentam níveis de cerca de 35 g.L-1 de espécies dissolvidas, entre as quais as predominantes são formadas por íons de sódio e cloreto. O encontro das águas doces e salinas resulta em regiões denominadas estuários. Nestas regiões, observa-se geralmente um gradiente de salinidade, cujos níveis aumentam à medida que se aproxima da foz do rio. Estuários se caracterizam por sua complexidade, onde espécies particuladas e dissolvidas estão sujeitas a mudanças bastante bruscas nos ambientes químico e físico. As maiores alterações ocorrem em função de fatores tais como pH e salinidade. QualEdição especial – Maio 2001 quer mudança em um deles pode levar à precipitação de espécies dissolvidas ou ainda à redissolução de materiais anteriormente presentes em sólidos suspensos ou nos sedimentos. Os elementos que não sofrem qualquer alteração durante este processo de mistura, ou seja, aqueles que não se precipitam ou não se dissolvem, apresentam um comportamento que é denominado conservativo. Comportamentos não conservativos resultam da precipitação ou ainda da redissolução de espécies através do estuário. Um exemplo típico de comportaInfiltração mento não conservativo é a precipitação do ferro coloidal, que ocorre à medida em que se aumenta a saliniÁgua subterrânea dade da água de um estuário. Como resultado, o ferro acaba sendo depositado nos sedimentos. Figura 2: O ciclo hidrológico. Do ponto de vista ambiental, um importante reservatório são os mangues, nos quais os níveis do lençol freádeve à provável escassez da água no desertos. Em virtude disto, podemos tico se encontram praticamente na futuro. Para tanto, basta mencionar que imaginar volumes bastante variáveis de superfície. Estes ecossistemas supornos últimos 15 anos a oferta de água água circulando sobre diferentes retam uma vasta população de plantas limpa disponível para cada habitante giões do globo. Em regiões com índie animais, constituindo-se em berçádo planeta diminuiu quase 40% (Nebel ces elevados de ocorrência de chuva, rios bastante importantes para a vida e Wright, 2000). existe água suficiente para toda a biota selvagem. Mesmo o Brasil, que conta com cernatural, assim como para Finalmente, a ca de 12% da água doce disponível no os seres humanos. EntreEspecialistas acreditam que atmosfera é o commundo, não deverá escapar da crise tanto, em regiões mais dentro de cerca de 20 partimento que hídrica que está sendo prevista. No secas, especialmente anos, no máximo, teremos contém a menor nosso caso, vale ressaltar que mais de aquelas com elevada no mundo uma crise quantidade de 80% de todo o volume de águas superdensidade populacional, semelhante à do petróleo, água, além de ser ficiais disponíveis no país se encontram existe um número cresem 1973, relacionada com a aquele onde a água na região amazônica. Os 20% restancente de conflitos em disponibilidade de água tem o menor tempo tes estão distribuídos por todo o país, função das necessidade boa qualidade de residência, cerde maneira pouco uniforme, e se desdes humanas e naturais. ca de 10 dias. A tinam a abastecer aproximadamente Existem ao redor do planeta inúmeras atmosfera contribui para a preci95% da população brasileira (Rebousituações de ecossistemas em estrespitação, que em última instância é o ças et al., 1999). se devido à escassez de água. Além meio através do qual a água que se Em todo o mundo, em média, o disso, são também vários os casos de evapora predominantemente dos maior uso que se faz da água é na disputas existentes entre países que oceanos é devolvida à terra. agricultura. A irrigação retira aproximadispõem da mesma fonte de água que O ciclo hidrológico (Figura 2), atradamente 69% da água de boa qualideve atender às demandas oriundas vés da evaporação das águas oceâdade do planeta. A irrigação consiste de atividades agrícolas, urbanas e nicas e da precipitação, principalmenem um tipo de uso denominado conindustriais (Ortolano, 1997). te, é responsável pela reposição da suntivo. Isto quer dizer que o recurso Especialistas acreditam que dentro água doce encontrada no planeta utilizado não retorna para a mesma de cerca de 20 anos, no máximo, (Manahan, 1997). Contudo, como tofonte de onde é proveniente. As ativiteremos no mundo uma crise semedos nós sabemos, a ocorrência de chudades industriais, ao contrário, são lhante à do petróleo, em 1973, relaciova no planeta se dá de forma bastante consideradas não consuntivas, uma nada com a disponibilidade de água diferenciada. Regiões com regimes de vez que a água, embora possa estar de boa qualidade. Assim como ocorreu precipitação bastante abundantes dão contaminada com determinados resícom o petróleo no passado, a água suporte a densas florestas. Outras duos, retorna para sua fonte, permaestá se transformando em uma comregiões têm ocorrência de chuvas necendo disponível. Estas atividades modity 1 em crise. Esta perspectiva praticamente nula e se constituem em preocupante e bastante realista se consomem cerca de 23% e o homem, Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Águas no planeta Terra Edição especial – Maio 2001 33 As primeiras evidências da relação Portanto, qualquer substância causaentre doenças e o consumo de água dora de poluição é denominada polupoluída foram estabelecidas na metaente. de do século passado em Londres, na A poluição das águas é principalInglaterra, através da ocorrência de mente fruto de um conjunto de atividauma epidemia de códes humanas. E os Muitas pessoas atribuem o lera. Sabe-se hoje que poluentes alcançam aumento da expectativa de a água é um dos prináguas superficiais e vida da população mundial cipais vetores na transsubterrâneas de forà medicina moderna. Na missão de doenças. mas bastante diververdade, esta melhora é Cólera e tifo, que são sas. Este aporte é muito mais fruto da transmitidas pela arbitrariamente clasprevenção de doenças, água, mataram misificado como pontual que se tornou possível lhões de pessoas no ou difuso, principalatravés das medidas aqui passado e são ainda mente para efeito de mencionadas uma das principais legislação. Fontes causas de doenças ao pontuais compreenredor do globo, especialmente nos dem a descarga de efluentes a partir países subdesenvolvidos (Glynn Henry de indústrias e estações de tratamento e Heinke, 1996). de esgoto, dentre outras. Estas fontes Desta forma, os poluentes aquátisão de identificação bastante fácil e cos mais sérios são os microorgaportanto podem ser facilmente monitonismos patogênicos, ou seja, aqueles radas e regulamentadas. É relativacausadores de doenças e mortes. mente fácil se determinar a compoEstes microorganismos encontram-se sição destes resíduos, assim como Qualidade e poluição da água freqüentemente presentes nos excredefinir seu impacto ambiental. Além mentos de seres humanos e de anidisso, é possível se responsabilizar o Tão ou mais importante que a quesmais, podendo ser bactérias, vírus, agente poluidor, caso haja necessitão envolvendo a quantidade de água parasitas etc. Através de águas residade. Ao contrário, as fontes difusas disponível, apresenta-se também a duárias, os microorganismos aportam apresentam características bastante questão da qualidade da água dispoem corpos aquáticos receptores e diferenciadas. Elas se espalham por nível. A qualidade da água ao redor podem assim contaminar novos indiinúmeros locais e são particularmente de nosso planeta tem se deteriorado víduos. difíceis de serem determinadas, em de forma crescente, especialmente nos Desde o início deste século, têm função das características intermiúltimos 50 anos. Problemas relasido adotadas medidas de saúde tentes de suas descargas e também cionados com a poluição da água se pública visando minimizar os efeitos da abrangência sobre extensas áreas. intensificaram principalmente após a destas doenças, especialmente nos Fontes difusas incluem o escoamento Segunda Guerra Mundial, quando fopaíses desenvolvidos e em desenvolsuperficial urbano, escoamento superram observados aumentos signifivimento. Tais medidas envolvem priorificial de áreas agrícativos nos processos tariamente duas estratégias: (1) o colas, deposição de urbanização e As primeiras evidências da tratamento e desinfecção da água atmosférica (seca e industrialização. Antes relação entre doenças e o destinada ao abastecimento público e úmida), etc (Bunce, de falar em poluição consumo de água poluída (2) a coleta e tratamento do esgoto. 1994). de águas, entretanto, foram estabelecidas na Muitas pessoas atribuem o aumenExistem duas esé necessário que este metade do século passado to da expectativa de vida da população tratégias adotadas no termo seja definido de em Londres, na Inglaterra, mundial à medicina moderna. Na controle da poluição forma adequada. A através da ocorrência de verdade, esta melhora é muito mais fruaquática: (1) redução Companhia de Tecuma epidemia de cólera to da prevenção de doenças, que se na fonte e (2) tratanologia de Saneatornou possível através das medidas mento dos resíduos mento Ambiental do mencionadas anteriormente. Apesar de forma a remover os contaminantes Estado de São Paulo, a CETESB, dedisto, cerca de 1,4 bilhão de pessoas ou ainda de convertê-los a uma forma fine poluição como “qualquer subsem todo o mundo ainda não têm acesmenos nociva. O tratamento dos tância que possa tornar o meio ambienso à água potável tratada. Da mesma resíduos tem sido a melhor opção no te impróprio, nocivo ou ofensivo à forma, 2,9 bilhões de pessoas vivem caso de contaminantes de fontes saúde, inconveniente ao bem estar em áreas sem que haja coleta ou pontuais. A redução na fonte pode ser público, danoso aos materiais, à fauna, tratamento do esgoto. Em virtude da aplicada a contaminantes provenientes à flora ou prejudicial à segurança, ao falta de condições básicas de saneade ambas as fontes, tanto pontuais uso e gozo da propriedade e às mento, especialmente tratamento da quanto difusas. atividades normais da comunidade”. através do uso direto, é responsável pelo consumo de 8% da água disponível no planeta. Certamente estes valores percentuais podem variar dependendo da disponibilidade da água, do grau de desenvolvimento da região e até mesmo de aspectos culturais. Em algumas partes dos Estados Unidos, por exemplo, o uso doméstico da água pode atingir 600 L por habitante, por dia. Em alguns países africanos, ao contrário, o uso de água per capita não é superior a 10 L ao dia (Nebel e Wright, 2000). Os dados apresentados anteriormente deixam claro que o estresse hídrico previsto não é mera especulação. Ao contrário, para atender a uma demanda crescente por alimentos, frente às estimativas de crescimento populacional feitas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para os próximos anos, a expectativa é de um maior uso de água na irrigação. 34 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Águas no planeta Terra Edição especial – Maio 2001 água e do esgoto, uma fração significativa da população mundial se encontra cronicamente infectada com organismos patogênicos. Mais de 250 milhões de casos de doenças transmitidas pela água são registrados anualmente em nosso planeta, e cerca de 10 milhões destes casos irão resultar em mortes, especialmente de crianças, que são vítimas em 50% dos casos (Nebel e Wright, 2000). Os esgotos doméstico e industrial também introduzem nos sistemas aquáticos diversos tipos de matéria orgânica. Com exceção dos plásticos e outros produtos químicos sintéticos, esta matéria orgânica tem características biodegradáveis. Quando bactérias e outros organismos detritívoros decompõem a matéria orgânica, eles consomem o oxigênio que se encontra dissolvido na água. A quantidade de oxigênio que pode ser dissolvida na água é bastante limitada. Em águas frias, os níveis de oxigênio dissolvido podem atingir cerca de 10 ppm (mg.L-1), sendo que a solubilidade do gás diminui com o aumento da temperatura. O valor acima pode ser considerado bastante baixo se comparado com os níveis de oxigênio no ar, por exemplo, que são da ordem de 210.000 ppmv2 (21%). Assim sendo, mesmo quantidades moderadas de matéria orgânica podem resultar em uma diminuição significativa no oxigênio dissolvido presente em águas naturais. O grau de consumo de oxigênio que ocorre quando uma dada substância é oxidada através de um processo microbiológico é avaliado através de uma análise denominada demanda bioquímica de oxigênio (DBO), explicada em detalhes no texto sobre tratamento de esgoto (p. 28). Outra forma de poluição de águas superficiais, especialmente de lagos e reservatórios, é a eutrofização artificial. Estes corpos aquáticos sofrem um processo de enriquecimento de nutrientes, principalmente fósforo e nitrogênio. Sedimentos e materiais dissolvidos são constantemente carregados para lagos e reservatórios, em um processo bastante lento, que pode durar milhares de anos. Entretanto, a descarga de esgoto não tratado e de resíduos agrícolas e industriais têm Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Fósforo: o vilão da eutrofização O fósforo é o nutriente limitante no crescimento de algas. Microorganismos requerem carbono, nitrogênio e fósforo como nutrientes majoritários. Assim como as reações químicas deixam de se processar quando um reagente limitante é totalmente consumido, o crescimento de algas é limitado pela disponibilidade de nutrientes na água. A transformação de nutrientes em biomassa ocorre em uma proporção média de C:N:P = 110:15:1. O carbono nunca é a espécie limitante na água, uma vez que sua presença é suprida pelo CO2 atmosférico. Algas verde-azuladas podem suprir as necessidades em termos do nitrogênio, pois são capazes de fixar o nitrogênio atmosférico. Assim sendo, o fósforo é usualmente o elemento limitante, embora seja necessário na menor quantidade. Nas décadas de 50 e 60 sais de fosfato eram utilizados em grandes quantidades na formulação de detergentes, visando regular o pH da solução de lavagem e também para manter íons como Ca2+ em solução (abrandando a dureza e produzindo mais espuma). Como conseqüência, são inúmeros os registros de eutrofização em lagos e reservatórios de todo o mundo, contidos na literatura. Os chamados Grandes Lagos, localizados ao norte dos Estados Unidos e sul do Canadá, são exemplos de ambientes aquáticos severamente atingidos pelo fenômeno da eutrofização artificial. São, igualmente, bons exemplos de cooperação internacional entre países. Desde a década de 70 as legislações norte-americana e canadense impuseram sérias restrições ao uso de fosfatos em detergentes, de tal forma que estes lagos têm sido recuperados desde então. Os níveis médios de fosfato no esgoto canadense caíram de 10 mg.L-1 em 1969 para 5 mg.L-1 em 1974, permanecendo abaixo deste valor até os dias atuais (Glynn Henry e Heike, 1996). contribuído para acelerar este processo. No Brasil, as lagoas da Pampulha, em Belo Horizonte, e do Taquaral, em Campinas, assim como o Lago Paranoá, em Brasília, são exemplos de corpos aquáticos eutrofizados. O aporte excessivo de nutrientes tais como fósforo e nitrogênio provoca o crescimento descontrolado de algas. Gerase então uma biomassa maior que aquela que o sistema poderia naturalmente controlar. O aumento excessivo na população e sua posterior degradação no corpo aquático gera uma demanda de oxigênio grande, a qual pode então provocar a morte de animais aquáticos (peixes) e também a proliferação de organismos anaeróbios. Em seu estágio final, estes lagos e reservatórios produzem compostos mal-cheirosos e altamente tóxicos para a biota. Anualmente, milhões de toneladas de compostos orgânicos sintéticos são produzidos globalmente. Estes compostos são largamente empregados na produção de plásticos, fibras sintéticas, borracha sintética, solventes, pesticidas, agentes preservantes de madeira, entre uma centena de outros Águas no planeta Terra produtos. Em função de sua estrutura química, muitos destes compostos são resistentes à biodegradação. Esta é, inclusive, uma das principais propriedades que tornam tais compostos de grande utilidade. Inúmeros destes compostos são considerados poluentes aquáticos. Ao mesmo tempo, muitos deles se constituem em substâncias às quais a biota aquática ainda não foi exposta. Assim sendo, os efeitos destes compostos sobre os mais variados tipos de organismos aquáticos ainda são totalmente desconhecidos, particularmente no caso de exposições prolongadas e em concentração muito baixa. Muitos deles podem ser mutagênicos (causadores de mutação), cancerígenos ou ainda teratogênicos (causadores de defeitos em recém-nascidos). Podem ainda causar disfunções nos rins e fígado, esterilidade e inúmeros problemas de natureza fisiológica ou ainda neurológica. A presença de compostos orgânicos persistentes é causa de grande preocupação, principalmente quando são encontrados em águas destinadas ao abastecimento público. Edição especial – Maio 2001 35 Bioconcentração de substâncias químicas Muitos compostos químicos sintéticos têm sido encontrados em concentrações relativamente elevadas em tecidos de peixes e outros animais aquáticos, especialmente daqueles localizados em rios e lagos próximos a grandes centros industriais. Alguns destes compostos são o DDT, as bifenilas policloradas (PCB) e dioxinas, entre outros (veja suas fórmulas estruturais no texto sobre o lixo). Concentrações relativamente elevadas, neste caso, significam µg.L-1 (ppb) ou até mesmo mg.L-1 (ppm). A evidência dos efeitos tóxicos destas substâncias é causa de grande preocupação e conseqüentemente a legislação tem estabelecido restrições no consumo de peixes provenientes de regiões poluídas. Os peixes que vivem em águas poluídas, quando em contato com substâncias não polares, tendem a acumular muitos destes compostos através de um processo denominado bioacumulação. Isto ocorre quando uma substância não polar presente na água é absorvida pela gordura do peixe. A gordura funciona, neste caso, como um solvente não polar que extrai a substância química da água. Em outras palavras, pode-se formular uma constante de equilíbrio para descrever a distribuição de uma espécie entre dois líquidos imiscíveis, como o óleo e a água, por exemplo. A constante de distribuição, também conhecida como constante de partição (Kd) é definida como: 36 Os valores de Kd para a razão entre as concentrações de substâncias químicas na gordura e na água são elevados. Por esta razão, organismos aquáticos geralmente bioconcentram substâncias químicas não polares presentes nas águas onde eles vivem. Em função disto, as concentrações destas substâncias podem ser, em alguns casos, milhares de vezes mais elevadas nos organismos do que na água. Do ponto de vista experimental, é bastante difícil trabalhar com o tecido de organismos aquáticos. Assim sendo, um solvente químico é utilizado com o propósito de se mimetizar o comportamento químico do tecido animal. O octanol é o solvente mais comumente empregado na previsão do fator de bioconcentração (FBC) de compostos orgânicos presentes na água. Uma estratégia comum consiste em considerar que organismos aquáticos possuem cerca de 5% de gordura, em peso. Sob estas condições pode-se considerar a seguinte aproximação: FBC = 0,05 x Kd A bioconcentração pode elevar os níveis de substâncias potencialmente tóxicas em várias ordens de grandeza. Por esta razão, muitas vezes a água de um determinado local pode ser considerada própria para o consumo humano, enquanto o consumo de peixes e outros animais aquáticos pode ser bastante restrito (Bunce, 1994). Entre os compostos orgânicos sintéticos, uma classe preocupante são os hidrocarbonetos halogenados, ou seja, compostos orgânicos onde um ou mais átomos de hidrogênio são substituídos por átomos de cloro, fluor, bromo ou ainda iodo. Dentre estes, os hidrocarbonetos clorados são os mais comuns. Estes compostos são vastamente empregados na indústria de Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola plásticos (cloreto de polivinila - PVC), pesticidas (DDT), solventes (tetracloroetileno) e de isolamento elétrico (bifenilas policloradas), entre outras. Outra classe de substâncias químicas que não se degradam no ambiente são os metais pesados. A toxicidade de metais é diferenciada daquela dos pesticidas, por exemplo. Pesticidas, em geral, são compostos orgânicos Águas no planeta Terra cuja toxicidade resulta de modificações no arranjo de átomos de carbono, hidrogênio, nitrogênio e oxigênio, dentre outros. Estes elementos não metálicos não são intrinsecamente tóxicos. Conseqüentemente, torna-se possível sua conversão para estruturas não tóxicas, o que pode ser feito através de processos químicos ou ainda biológicos. Esta mesma estratégia não é possível, no entanto, para os metais pesados, onde o elemento é intrinsecamente tóxico, embora esta toxidez dependa, como se verá adiante, da espécie química formada pelo metal. Os metais pesados mais perigosos são o chumbo, mercúrio, arsênio, cádmio, estanho, crômio, zinco e cobre. Estes metais são largamente utilizados na indústria, particularmente na laminação de metais. Alguns deles estão também presentes em determinados pesticidas e até mesmo em medicamentos. São ainda usados em pigmentos, esmaltes, tintas e corantes. Em virtude deste vasto espectro de utilidades, os metais aportam em sistemas aquáticos por várias fontes e espécies diferentes (Manahan, 1997). Um outro aspecto importante a respeito da presença de metais em ambientes aquáticos diz respeito à forma com que a espécie metálica se encontra em solução. Os elementos metálicos se diferenciam pela quantidade com que estão presentes, mas também em função das interações que possuem com outras espécies dissolvidas. Isto significa que um metal pode estar presente em um corpo d’água em várias formas físico-químicas diferentes. A forma físico-química como um metal se apresenta é chamada de especiação química (Howard, 1998). A importância da compreensão da especiação química de um elemento metálico se deve ao fato dela influenciar as propriedades, a disponibilidade biológica e, conseqüentemente, a toxicidade do metal tanto em águas naturais quanto em águas residuárias. No caso do mercúrio, por exemplo, sais como Hg(NO3)2 são bastante solúveis e se estiverem presentes em água, o íon Hg(II) permanecerá em solução e sua concentração deve ser elevada. Exceto se ânions como o sulfeto também estiverem presentes, pois o HgS Edição especial – Maio 2001 é uma espécie altamente insolúvel e provavelmente deve se depositar nos sedimentos de corpos aquáticos. Os compostos orgânicos contendo mercúrio (aqueles que apresentam ligações covalentes C-Hg) são muito mais tóxicos para os mamíferos que os sais simples de Hg(II). Os compostos organo-mercuriais apresentam características não polares e podem ser bioconcentrados em tecidos biológicos. Um íon metálico presente em solução pode se combinar com uma espécie doadora de elétrons para formar um complexo. O doador de um par de elétrons é uma base de Lewis e é definido como o ligante. Um exemplo deste tipo de combinação é mostrado abaixo, para o cádmio: Cd2+ + CN– ↔ Cd(CN)+ (1) Íons cianeto adicionais podem se ligar sucessivamente para formar os complexos Cd(CN) 2 , Cd(CN) 3 – e Cd(CN) 4 2– . Neste exemplo, o íon cianeto é um ligante monodentado, o que significa que ele tem apenas um sítio capaz de se ligar ao íon cádmio. Em águas naturais, no entanto, estão presentes outros tipos de ligantes, que são denominados agentes quelantes. Um agente quelante quando ligado a um íon metálico forma um composto chamado de quelato. Em geral, como um agente quelante pode se ligar ao metal por mais de uma posição simultaneamente, os quelatos são complexos mais estáveis que aqueles envolvendo ligantes monodentados. A estabilidade dos quelatos metálicos tende a ser proporcional ao número de sítios quelantes disponíveis no agente quelante. As substâncias húmicas se constituem na classe mais importante de agentes complexantes naturais. Estas substâncias são bastante persistentes e têm sua origem na decomposição de vegetais que se depositam no solo, em sedimentos etc. São uma mistura complexa de materiais poliméricos, com massas molares acima de 300 g.mol-1. As substâncias húmicas são classificadas de acordo com sua solubilidade em água. As huminas são insolúveis, os ácidos húmicos são solúveis apenas em bases e os ácidos Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola fúlvicos são solúveis em ácidos e bases. Em função de suas propriedades de natureza ácido-base, de adsorção e de complexação, as substâncias húmicas, tanto solúveis quanto insolúveis, têm um efeito importante nas propriedades de águas naturais. Normalmente, os ácidos fúlvicos se dissolvem em água, agindo como uma espécie solúvel. Os ácidos húmicos e huminas, por outro lado, permanecem insolúveis e afetam as características de corpos aquáticos através da troca de espécies, tais como cátions e substâncias orgânicas, com a água. A elevada capacidade de complexação frente a metais é um dos aspectos ambientais mais importantes das substâncias húmicas e se deve, em grande parte, à presença em sua estrutura de um elevado número de grupamentos carboxílicos e fenólicos. Ferro e alumínio formam complexos bastante estáveis com as substâncias húmicas, ao contrário do magnésio, por exemplo. Os complexos envolvendo metais e ácidos fúlvicos desempenham um papel importante em águas naturais, pois são responsáveis pela permanência, em solução, de metais de transição que participam de processos biológicos. Particularmente, estão envolvidos nos mecanismos de solubilização e transporte do ferro em águas naturais. Tratamento da água Um dos grandes benefícios das tecnologias modernas tem sido a drástica redução das doenças transmitidas pela água, entre elas a cólera e o tifo. Nos dias atuais, estas doenças não representam mais a mesma ameaça que já representaram no passado. O aspecto chave para este avanço foi o reconhecimento que a contaminação dos reservatórios de águas destinadas ao abastecimento público, especialmente por resíduos humanos, era a principal fonte de infeção. A partir de então não foi difícil reconhecer que muitas doenças poderiam ser eliminadas através de um tratamento mais efetivo da água, assim como de uma melhor disposição para os rejeitos. A filtração da água potável foi usada, pioneiramente, no início do século XIX, na Escócia e Inglaterra. Atualmente, as estações de tratamento de água (ETA) são projetadas para forne- A doença de Minamata Um episódio bastante trágico envolvendo mercúrio e outros metais pesados, conhecido como “Doença de Minamata”, está largamente registrado na literatura. O episódio recebeu o nome do local onde ocorreu, uma pequena vila de pescadores localizada no Japão. Na metade dos anos 50, os gatos da região começaram a apresentar movimentos espasmódicos estranhos, seguidos de paralisia parcial, estado de coma e morte. Inicialmente, imaginavase que se tratava apenas de uma síndrome peculiar dos gatos e pouca atenção foi dada ao problema. Entretanto, pouco tempo depois, os mesmos sintomas foram observados em habitantes da região, causando grande preocupação. Sintomas adicionais, como insanidade, retardamento mental e defeitos em recém-nascidos também foram observados. Após estudarem vários casos, especialistas diagnosticaram que a causa das doenças era uma intoxicação aguda por mercúrio. Uma indústria química localizada na região estava descartando seus resíduos contendo mercúrio em um rio que seguia pela Baia de Minamata, onde os habitantes locais pescavam. O mercúrio orgânico descartado se acumulava nos sedimentos da baia, sendo ingerido primeiramente por bactérias e sendo transferido pela cadeia alimentar para peixes e finalmente gatos ou seres humanos. Os gatos foram as primeiras vítimas por se alimentarem quase que exclusivamente dos restos de peixes. Quando a situação foi finalmente controlada, cerca de 50 pessoas haviam morrido e outras 150 haviam contraído problemas ósseos e nervosos. Ainda hoje as marcas da tragédia permanecem, nos deficientes físicos e mentais de alguns descendentes de pessoas atingidas (Nebel e Wright, 2000). Águas no planeta Terra Edição especial – Maio 2001 37 38 cer água continuamente, de maneira a procedimento químico e físico onde coagular e flocular as partículas com atender a critérios de potabilidade. No partículas muito pequenas são desesmenor tamanho. Estas partículas, de Brasil, as normas e padrões de potatabilizadas e então agregadas para tamanho coloidal, podem então ser bilidade para a água destinada ao que possam se decantar. Um percenremovidas por decantação, em tanconsumo humano, em vigor nos dias tual significativo das partículas presenques, ou diretamente em filtros. atuais, estão dispostas na Portaria n. tes em águas superficiais são tão A sedimentação é a forma mais 36 do Ministério da Saúde, de 19 de pequenas que demorariam dias ou até antiga e comum de tratamento de mesmo semanas para janeiro de 1990. Cabe ao Ministério da águas e águas rese decantarem natuSaúde, em articulação com as autorisiduárias. Usa a graPor intermédio de ralmente. dades sanitárias competentes dos vidade como agente processos químicos e físicos A coagulação é um Estados e Distrito Federal, exercer a de decantação resda coagulação/floculação, processo químico usafiscalização e o controle do exato cumponsável pela remoas partículas coloidais que do para se desestaprimento das normas e padrões previsção do material partinão iriam se decantar são bilizar partículas coloitos pela portaria. culado suspenso da aglomeradas, formando dais. Adiciona-se um As principais operações consistem água. Trata-se de um sólidos de maior tamanho agente químico para na decantação, coagulação/floculaprocesso simples e chamados flocos gerar íons carregados ção, filtração e desinfecção (Figura 3). de baixo custo e é positivamente na Estas operações têm como principais realizado em tanques água, que contém colóides carregados objetivos a remoção do material partide diferentes tamanhos e formas. negativamente. Como resultado, culado, bactérias e algas; remoção da As partículas presentes em águas ocorre uma redução na repulsão matéria orgânica dissolvida, que contêm diâmetros que variam entre 10-1 e fere cor a água e remoção ou destruiexistente entre as partículas. Inicial10-7 mm. A turbidez é causada por ção de organismos patogênicos tais mente, agita-se rapidamente o sistema partículas maiores que 10-4 mm, encomo bactérias e vírus. Estas opedurante cerca de 30 s, afim de auquanto aquelas menores que 10-4 mm rações podem evidentemente variar mentar a dispersão do coagulante. Em contribuem para a ocorrência de cor e dependendo da fonte de água e igualseguida, o sistema é agitado lentamensabor na água. Do ponto de vista mente dos padrões a serem alcante, permitindo o contato entre as partíoperacional, estas últimas são consiçados (Glynn Henry culas, no processo denominado flocuderadas como dissolUm percentual significativo lação. Esta agitação lenta e constante e Heinke, 1996). vidas, ao contrário de das partículas presentes nas pode ser obtida através de pás moviNo caso do trataparticuladas. águas superficiais apresenta das mecanicamente ou ainda por meio mento de águas suA água contendo o dimensão de tal modo hidráulico, através do direcionamento perficiais, a água se material particulado flui reduzida que demoraria adequado do fluxo de água que entra move pela ação gralentamente para o tandias ou até mesmo semanas no tanque de coagulação/floculação. que de decantação, onvitacional e a pripara se decantar Por intermédio da ação combinada de de fica retida por um meira etapa consiste naturalmente processos químicos e físicos da tempo suficiente para na remoção de macoagulação/floculação, as partículas que as partículas maioterial com maior tacoloidais que não iriam se decantar são res possam decantar para o fundo do manho através de grades. Ocasioaglomeradas, formando sólidos de tanque. O material que lentamente se nalmente, a água que apresenta baixa maior tamanho chamados flocos. O deposita no fundo do tanque é remoturbidez pode ser tratada através da sulfato de alumínio é o agente coaguvido manualmente ou ainda mecadecantação direta, sem adição de lante mais freqüentemente utilizado. nicamente. Aquele material de dimensubstâncias químicas, e posterior Entretanto, outras substâncias químisões muito pequenas que não se filtração, para remoção de partículas cas, tais como sais de ferro(III) ou ainda decanta naturalmente é então remomenores que não se decantam naturalpolímeros orgânicos, podem ser vido por filtração ou outros métodos. mente. Em muitos casos, no entanto, empregados na coagulação. A coagulação/floculação é um um agente químico é adicionado para A química da coagulação é relativamente complexa, mas pode ser ilustraBase e da através de equações químicas coagulante Desinfecção simplificadas. A coagulação usando Al2(SO4)3 pode ser descrita através das seguintes etapas: Água Rede de 1. O sulfato de alumínio em água Decantador Decantador Filtro bruta primário secundário distribuição gera as espécies Al3+ e SO42–. Parte dos íons Al3+ neutraliza as cargas negativas dos colóides. 2. A maior parte dos íons Al3+ se Figura 3: Representação esquemática de uma estação de tratamento de água. combina com íons OH- presentes na Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Águas no planeta Terra Edição especial – Maio 2001 água formando Al(OH)3, que interage de areia fina depositada sobre camaCl2 + H2O ∆ HOCl + H+ + Cl– (5) com outros cátions presentes em das de cascalho ou pedregulho. O O ácido hipocloroso se dissocia, solução: mecanismo da filtração inclui a retengerando os íons H+ e OCl: ção de partículas maiores que os poros Al2(SO4)3 + 6H2O → 2Al(OH)3(s) HOCl ∆ H+ + OCl– (6) + 3– do filtro; floculação, que ocorre quando + 6H + 3SO4 (2) A presença do cloro diminui o pH as partículas são forçadas a se aproxiDeve-se observar que o hidróxido da água pela liberação de íons H+. O mar do leito filtrante; e sedimentação de alumínio formado tem uma conspH do meio é importante porque das partículas nos poros do filtro. Com tante de solubilidade bastante baixa influencia na extensão com que o ácido o passar do tempo, os poros do filtro, (Kps = 3,0x10-34). hipocloroso se ioniza. Sob valores de especialmente os das camadas su3. O Al(OH)3 se caracteriza como pH inferiores a 7,5, o ácido hipocloroso periores, se entopem e então o filtro uma dispersão coloidal (sol) positié a espécie predominante. Seu potentem que ser limpo através de retrolavamente carregada, que neutraliza as cial de desinfecção é cerca de 80 vezes vagem. cargas das partículas superior se comparado ao hipoclorito, Para assegurar que coloidais presentes que é a espécie predominante sob O cloro é uma espécie a água esteja livre de na água. O excesso valores de pH superiores a 7,5. O HOCl química altamente reativa microorganismos pade Al(OH)3 é neutralie o OCl– são denominados cloro livre e quando adicionado à togênicos, ela deve 2zado pelos íons SO4 . disponível, o que em outras palavras água deve oxidar passar por um procesO excesso de íons significa disponíveis para a desinfecsubstâncias orgânicas e so de desinfecção. A H+ formados tende a ção. Assim sendo, o potencial de inorgânicas igualmente cloração é o método diminuir o pH do desinfecção do ácido hipocloroso é de desinfecção mais meio, o que pode significativamente aumentado sob comumente utilizado na maioria dos contribuir para a interrupção da formavalores pH mais baixos, em função da países. Quantidades suficientes de ção do Al(OH)3, que é dependente do maior proporção de HOCl presente no cloro, na forma do gás cloro ou ainda pH. Em alguns casos, o excesso de meio (Sawyer et al., 1994). de hipoclorito, são adicionadas à água H + é removido pela alcalinidade, O cloro é uma espécie química altavisando destruir ou inativar os organispresente em águas naturais na forma mente reativa e quando adicionado a mos alvo. A cloração permanece como de íons HCO3–: água deve oxidar substâncias orgânisendo um método confiável, de relativo + 2– cas e inorgânicas igualmente. Em con6H + 3SO4 + 3Ca(HCO3)2 → baixo custo e de simplicidade de apli2+ 2– seqüência disto, nem todo o cloro adi3Ca + 3SO4 + 6CO2 + 6H2O(3) cação. Outros agentes desinfetantes cionado a água irá produzir o chamado podem ser as cloraminas, dióxido de A reação geral, combinando as cloro livre disponível. A quantidade de cloro, ozônio e radiação ultravioleta. A duas equações anteriores, é: cloro que reage com espécies inorgâozonização tem sido bastante utilizada nicas (Fe2+, Mn2+, NO2– e NH3) e impuAl2(SO4)3.14,3H2O + 3Ca(HCO3)2 → na França e tem ganho popularidade rezas orgânicas é denominada de 2Al(OH)3 + 3CaSO4 + 6CO2 nos Estados Unidos, nos últimos anos demanda de cloro. Esta demanda de+ 14,3H2O (4) (Bunce, 1994). ve ser satisfeita antes da formação do O cloro se apresenta na forma de que revela que 600 partes de sulfato cloro livre disponível. gás, sob condições normais de presde alumínio devem ser adicionadas Os aspectos básicos envolvidos no são e temperatura. para cada 300 partes de alcalinidade sucesso da cloração Este gás pode ser (expressa como CaCO3). Se a alcalinisão a dose e o tempo A água a ser distribuída comprimido para ser dade do meio for insuficiente, o pH do de contato. Uma quanpara a população deve estocado em cilinmeio deve ser aumentado pela adição tidade suficiente de conter um certo teor de dros, na forma líquide base, Ca(OH)2, NaOH ou ainda cloro deve ser adiciocloro residual, de modo a da. Como o cloro é Na2CO3. O pH ideal para a coagulação nada para que a deprevenir que haja nova um gás altamente com sulfato de alumínio é aproximamanda por cloro seja contaminação durante o tóxico, ele é normaldamente 7. satisfeita e para gerar processo de distribuição mente dissolvido em uma concentração de Normalmente, não é possível se água, sob pressão reduzida, e a pelo menos 0,2 mg.L-1 de cloro livre obter uma solução totalmente clarificasolução concentrada resultante é aplidisponível, após um contato de 10 mida apenas através do uso da decannutos, sob pH 7. O excesso de cloro cada a água que vai ser tratada. O cloro tação direta ou ainda pela combinação também deve ser evitado, caso contambém pode ser encontrado na forma da coagulação/floculação e decantrário a água irá apresentar um sabor sólida, como hipoclorito de cálcio, tação. Assim sendo, faz-se necessário característico indesejado. Isto significa Ca(OCl)2, ou ainda na forma de soluo uso da filtração na extensa maioria que em uma ETA devem ser feitos tesção, como hipoclorito de sódio, NaOCl. dos processos de tratamento de água. tes freqüentes visando se determinar O gás cloro reage quase compleNestes casos, a filtração é o processo a dose correta de cloro a ser aplicada. tamente com a água para formar o áciatravés do qual a água passa por um Além destes aspectos, a água a ser do hipocloroso: filtro que se constitui em uma camada Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Águas no planeta Terra Edição especial – Maio 2001 39 distribuída para a população deve conter um certo teor de cloro residual, que pode ser determinado em uma amostra coletada na torneira de nossas casas. Isto é feito para se prevenir que haja nova contaminação da água, principalmente durante o processo de distribuição. Um dos problemas decorrentes do uso do cloro como agente de desinfecção está relacionado com sua capacidade em reagir com as substâncias orgânicas de ocorrência natural, que podem estar presentes na água. Estas reações produzem os trialometanos (THM), entre eles o clorofórmio, que é cancerígeno. Os THM não são removidos da água através do tratamento convencional, e desta forma deve-se assegurar que a matéria orgânica deve estar ausente da água que vai ser submetida a cloração. 40 volvimento industrial e a necessidade por alimentos, deve continuar aumentando a demanda por água, o que deve gerar sérios problemas de abastecimento no futuro próximo. Ao mesmo tempo torna-se evidente uma progressiva deterioração na qualidade das fontes de água doce, decorrente do descarte de resíduos domésticos e industriais para os corpos aquáticos receptores. Todos estes dados apontam para a necessidade de uma mudança drástica de nosso comportamento frente ao uso da água. Do ponto de vista quantitativo, a agricultura, que consome cerca de 70% da água de boa qualidade existente no planeta, constitui-se no setor com as maiores potencialidades em termos de economia, principalmente através do uso de métodos mais eficientes e de menor desperdício. Quantidades significativas de água também Considerações finais podem ser poupadas pelo setor industrial, através de processos efetivos de Os avanços conquistados na área reciclagem e reuso. A adoção de medide saneamento básico, especialmente das que implementem o tratamento de no desenvolvimento de técnicas de resíduos tanto domésticos quanto tratamento de água, têm contribuído industriais também para a melhoria da tende a contribuir para qualidade de vida de Todos os dados com a melhoria da boa parte da popuapresentados aqui qualidade das águas lação de nosso plaapontam para a superficiais, principalneta. Contudo, resnecessidade de uma mente. tam ainda vários obsmudança drástica de nosso Fica portanto evitáculos no estabecomportamento frente ao dente que tanto no plalecimento de um bauso da água no local quanto global, lanço adequado entre todas estas questões nossas necessidades terão que ser resolvidas se o que se e o funcionamento dos diversos ecosalmeja é o uso sustentável da água. Isto sistemas da Terra. Primeiramente, é representa um grande desafio e mediimportante mencionar que uma parcela das de natureza política, assim como se significativa da população mundial ainmostram necessárias mudanças de da não tem acesso a água tratada. No atitude por parte da população. Ao Brasil, esta situação não é diferente, mesmo tempo, novos desafios de pois mais de 50% de nossa população natureza científica e tecnológica estão se encontra nesta situação. sendo colocados frente à comunidade A demanda por água de boa qualicientífica mundial, na busca por inovadade, tanto de populações rurais quanções tecnológicas ambientalmente corto urbanas de países menos desenretas. Neste sentido, a compreensão de volvidos, foi identificada pela ONU processos fundamentais, assim como como o principal desafio mundial exissua interdependência, continuarão tente no início dos anos 80. Passadas sendo essenciais. Todos estes objetivos duas décadas, verifica-se que a situasó serão efetivamente alcançados, ção pouco se modificou. Ao contrário, contudo, se o poder público abandonar observa-se que esta demanda tem medidas meramente paliativas e invesaumentado, em função do crescimento tir profundamente na busca e adoção populacional do planeta. Este crescide novas soluções. O uso sustentável mento populacional, aliado ao desenCadernos Temáticos de Química Nova na Escola Águas no planeta Terra da água é vital para nossa sobrevivência no futuro. Notas 1. Mercadoria em estado bruto ou produto básico de importância comercial, como café, cereais, algodão, petróleo etc., cujo preço é controlado por bolsas internacionais. 2. Para misturas gasosas, 1 ppmv (parte por milhão em volume) corresponde a 10-6 x p(total). Portanto, ao nível do mar, onde p(total) = 1 atm, 1 ppmv = 10-6 atm. Entretanto, se p(total) = 0,01 atm (valor encontrado a 30 km de altitude), 1 ppmv = 10-6 x 0,01 atm, ou seja, 10-8 atm. Marco Tadeu Grassi([email protected]), químico, mestre em química analítica e doutor em química analítica ambiental pela Unicamp, tem pós-doutorado em engenharia ambiental pela Universidade de Delaware (EUA) e é professor na Universidade Federal do Paraná. Referências bibliográficas BUNCE, N. Environmental Chemistry”. 2a ed. Winnipeg: Wuerz Publishing Ltd, 1994. 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Water Science for Schools home page.[Online] Disponível em http://ga.water.usgs.gov/ edu/ Edição especial – Maio 2001 Antonio A. Mozeto O século XX foi marcado por grandes transformações da qualidade do ar não somente das grandes metrópoles e de regiões fortemente industrializadas mas também de áreas remotas devido por exemplo às queimadas de florestas naturais. Fenômenos globais (como o efeito estufa e o buraco na camada de ozônio) foram detectados e ganharam notoriedade. A ciência ambiental da atmosfera tem pela frente, neste novo século, o grande e complexo papel de contribuir para o aprimoramento de nosso entendimento sobre o que são e como se comportam a atmosfera e espécies tóxicas sobre os ecossistemas e sua biota. efeito estufa, ozônio, reações atmosféricas, gases atmosféricos A dois grandes mestres que tive na academia e na vida, Mário Tolentino e Peter Fritz, dedido este modesto trabalho. Oxalá, receba eu, merecidamente, um dia, algo similar dos muitos alunos que também já tive. lizmente está sendo empregada em outro contexto, o contexto de que ‘o á está longe o tempo em que se mundo está ou é realmente pequeno’, considerava o planeta Terra como pois uma série de fenômenos que um mundo muito grande. Os acreditávamos estarem restritos a grandes avanços das tecnologias locais muito específicos (geograficamodernas tornaram-no pequeno, na mente falando), não estão na realimedida em que por uma lado, a dade. Isto faz com que o aviação comercial homem moderno esteja Mais de 99% da massa de nos permite cruzar cara-a-cara com fenômetoda a atmosfera está lagas distâncias nos globais como o posconfinada dentro dos em curto tempo, e sível e provável aqueciprimeiros 30 km sobre por outro, os commento da troposfera ternossas cabeças, e a putadores permirestre, causado pelo autroposfera (camada da tem comunicar mento continuado do gás atmosfera terrestre onde pessoas e emprecarbônico no ar que respivivemos) é uma região de sas bem como ramos, e com a destruipromover a transapenas 15 km de espessura ção da camada de ozônio missão de infore que contém 85% da causada por muitas oumações em altas massa de toda a atmosfera tras substâncias que, delivelocidades. Por beradamente, injetamos no ar. Como último, a rede mundial de compuveremos mais adiante, o ozônio é vital tadores, esta revolução que vivenpara a manutenção da qualidade de ciamos nestes últimos anos, não pára vida na biosfera. de nos surpreender. Hoje, portanto, a Além dos fatos acima mencionaexpressão meio antiga mas tão codos, quando também nos conscientimum, ‘o mundo é realmente muito pezamos de que mais de 99% da massa queno pois nunca esperava encontrarde toda a atmosfera está confinada te aqui’, usada quando se encontrava aproximadamente dentro dos primeialguém que há muito não se via, infe- Introdução J Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Química atmosférica ros 30 km sobre nossas cabeças (Manahan, 1984), e que troposfera (a camada da atmosfera terrestre onde vivemos) é uma região de apenas 15 km de espessura e que contém 85% da massa de toda a atmosfera (Baird, 1998), conclui-se que vivemos em um ‘mundo realmente pequeno’ e que nós humanos, que povoamos a biosfera deste planeta, temos tido um modo de vida, naquilo que convencionou-se chamar de ‘sociedade moderna’, que está definitivamente afetando a qualidade da nossa e de muitas outras formas de vida. Com estas preocupações em mente, e consciente da relevância que este tema possui na atualidade, este capítulo foi planejado com o objetivo de descrever o que é a atmosfera terrestre, sua estrutura (divisão em camadas específicas) e composição, e discutir as principais reações químicas mediadas ou catalisadas pela radiação incidente do Sol, os fenômenos globais como aqueles acima mencionados, alterações na sua composição, métodos de amostragem e análise de espécies e a legislação envolvida no Edição especial – Maio 2001 41 controle da qualidade do ar. A estrutura e composição da atmosfera terrestre 42 A atmosfera terrestre deve ser vista como um grande ‘cobertor’ do planeta. Ela protege a Terra e todas as suas formas de vida de um ambiente muito hostil que é o espaço cósmico, que contém radiações extremamente energéticas. Ela é o compartimento de deposição e acumulação de gases (e de particulados) como o CO2 e o O2, produtos dos processos respiratório e fotossintético de plantas terrestres e aquáticas, macro e micrófitas, e de compostos nitrogenados essenciais à vida na Terra, fabricados por organismos (bactérias e plantas) a partir de N2 atmosférico. Ela também se constitui em um componente fundamental do Ciclo Hidrológico, pois age como um gigantesco condensador que transporta água dos oceanos aos continentes. A atmosfera tem também uma função vital de proteção da Terra, pois absorve a maior parte da radiação cósmica e eletromagnética do Sol: apenas a radiação na região de 3002.500 nm (ultravioleta, a UV, visível e infravermelha, a IV) e 0,01-40 m (ondas de rádio) é transmitida pela atmosfera e atinge nossas cabeças. Com afirma Manahan (1984), ‘é particularmente um fato feliz o fato de a atmosfera filtrar a radiação Ultra Violeta de comprimento de onda (λ) menor que cerca de 300 nm que destrói os tecidos vivos’. Desta forma, é também essencial na manutenção do balanço de calor na Terra, absorvendo a radiação infravermelha emitida pelo sol e aquela reemitida pela Terra. Estabelecem-se assim condições para que não tenhamos as temperaturas extremas que existem em outros planetas e satélites que não têm atmosfera. A estrutura das regiões da atmosfera quase sempre é definida de acordo com as variações da temperatura com a altitude. A Figura 1 apresenta essas regiões com as suas principais espécies químicas e temperaturas típicas (Manahan, 1984; 1993; Moore e Moore, 1976). É importante comentar que há registros de que existem variações na Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola gás, que atinge uma concentração de altitude das regiões limítrofes entre escerca de 10 ppmv (partes por milhão sas camadas. A tropopausa (que sepaem volume) na parte intermediária ra a troposfera da estratosfera), pode desta camada, é o responsável pela variar até mais de 1 km em um único absorção de energia dia em função de A atmosfera tem uma UV, causando assim diversos fatores que função vital de proteção este aumento na temincluem a temperatura da Terra, pois absorve a peratura. Na mesose natureza da camada maior parte da radiação fera, por sua vez, há inferior. A troposfera é cósmica e eletromagnética uma queda na tempecaracterizada por quedo Sol: apenas UV, visível e ratura devido à dimidas na temperatura à IV e ondas de rádio são nuição da concentramedida que a altitude transmitidas pela atmosfera ção de espécies que aumenta, isto é, à e atingem nossas cabeças absorvem energia, medida que aumenta especialmente o ozôa distância da fonte de nio. Nesta e em camadas mais altas calor que é a superfície da Terra. Na (a termosfera) aparecem espécies iônitropopausa, em sua parte mais fria, a cas e atômicas, e nesta última, a temágua atmosférica é solidificada. Isso peratura, devido à absorção de radiaevita a perda do elemento hidrogênio ção de alta de energia de comprimento da Terra para o espaço sideral. de ondas de cerca de 200 nm, chega Na estratosfera há um aumento da a cerca de 1.200 °C. A Figura 1 mostra temperatura com a altitude, que atinge a presença dessas espécies nesta seu máximo na sua parte superior camada, que atingem concentrações devido à presença do ozônio (O3). Este Figura 1: As principais regiões da atmosfera terrestre (adaptada de Manahan, 1984, Moore e Moore, 1976). Química atmosférica Edição especial – Maio 2001 bem maiores que a do oxigênio molecular. A uma altitude de cerca de 100 km da superfície terrestre, a pressão barométrica, que apresenta uma contínua diminuição com o aumento da altitude, atinge um valor tão baixo como cerca de 10-7 atm, dada a baixa concentração de espécies químicas alí existente. Reações químicas e fotoquímicas da atmosfera Os principais componentes da atmosfera são o nitrogênio diatômico (N2) com 78%, o oxigênio diatômico (O2) com 21%, o argônio (Ar) com 1% e o gás carbônico (CO2) com cerca de 0,04%. Essa mistura de gases aparenta ser não-reativa na baixa atmosfera mesmo em temperaturas e intensidade solar muito além daquelas encontradas na superfície da Terra; mas o fato é que muitas reações ambientalmente importantes ocorrem no ar, independente de estar limpo ou poluído. A química da camada de ozônio Diferentes moléculas absorvem a radiação solar em diferentes comprimentos de onda devido aos diferentes estados eletrônicos que estas podem assumir. Muitas espécies absorvem energia na região do visível (de 400 a 750 nm) enquanto outras, como o oxigênio diatômico, absorvem radiação UV (que vai de 50 a 400 nm) preferencialmente na faixa de cerca de 70 a 250 nm. Acima da e na estratosfera, moléculas de O2 e N2 filtram a radiação solar de um modo que nenhuma energia com comprimento de onda (λ) menor que 220 nm atinge a superfície da Terra. Já a radiação na faixa de 220 a 320 nm é filtrada principalmente pelas moléculas do oxigênio triatômico O3, o ozônio (pico de absorção entre 250260 nm), que se distribui na parte média e baixa da estratosfera. A Figura 2 mostra a distribuição do ozônio na atmosfera baixa (para regiões de latitude média) e a correspondente variação da temperatura (Baird, 1998). Os fótons da luz visível ou UV têm energia da ordem de grandeza das entalpias (ou calor de reação) de muitas reações químicas,o que viabiliza a dissociação de moléculas. É o caso do oxigênio diatômico na atmosfera: as moléculas de O2, que absorvem fótons de energia correspondentes a λ ≤ 241 nm, serão dissociadas segundo a equação O2 + UV (λ ≤ 241 nm) → 2O (1) Quando uma reação é iniciada pela ação de fótons, ela é chamada de reação fotoquímica. No caso da reação acima, dizemos tratar-se de uma reação de fotólise, ou de fotodissociação ou ainda de decomposição fotoquímica. Contudo, moléculas de O2 não se dissociarão se a quantidade de energia do fóton for insuficiente. Neste caso, elas acumulam este excesso de energia por um tempo muito curto e dizemos que estão em um estado excitado (de energia maior do que a do estado fundamental), denotado por O2*. Esse excesso de Figura 2: Variações da concentração de ozônio com a altitude para regiões de média latitude e da temperatura para a estratosfera e troposfera (Baird, 1998). Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Química atmosférica energia ou é convertido em um fóton e novamente emitido ao meio, ou é convertido em calor que é transmitido a espécies vizinhas através das colisões. Naturalmente, para que uma quantidade de fótons promova uma reação, a energia dos mesmos tem de ser absorvida pelas moléculas. No entanto, como afirma Baird (1998), a absorção de fótons por espécies com energia suficiente para que uma reação ocorra não é um requisito sine qua non para que a mesma ocorra: a energia dos fótons pode ser divergida pela molécula em outros processos do estado excitado. Portanto, a disponibilidade de luz com suficiente energia dos fótons é uma condição necessária, mas não suficiente para que a reação ocorra. Moléculas de O3 são formadas e destruídas em reações não catalíticas na estratosfera. Estas reações são exotérmicas, conferindo portanto o perfil típico de temperatura desta camada da atmosfera. Acima da estratosfera o ar é muito rarefeito e as moléculas de O2 são decompostas pela radiação UV do Sol; parte dos átomos de oxigênio recombinam-se e formam moléculas diatômicas, que podem novamente sofrer o processo de fotodecomposição. Por estas razões, a intensidade da radiação UV na estratosfera é muito menor. Sendo o ar aí mais denso, essa região contém um maior número de moléculas de O2. Assim, essas moléculas em colisão com átomos de oxigênio resultam na produção de ozônio segundo a equação (2) O + O2 → O3 + calor Esta reação é a principal fonte de geração do O3 da estratosfera. No entanto, uma terceira molécula é requerida para transmitir o calor desta reação. As moléculas de N2, por serem mais abundantes, geralmente desempenham este papel. Portanto, a equação acima é mais realisticamente escrita incluindo-se essas moléculas da forma apresentada abaixo, que é denominada de processo não-catalítico da formação do ozônio. O + O2 + M → O3 + M + calor (3) Assim, apesar da existência de um gradiente de temperatura dentro da estratosfera (o ar é mais quente na parte superior do que na parte inferior desEdição especial – Maio 2001 43 ta camada) a estratosfera mesmo assim é mais quente que o topo da troposfera e a parte inferior da mesosfera, seus limites físicos, como mostrado na Figura 1 A destruição das moléculas de O3 na estratosfera é predominantemente um resultado da fotodecomposição pela absorção de fótons UV com λ < 320 nm que, segundo a equação abaixo, produz moléculas e átomos de oxigênio no estado excitado: O3 + UV (λ < 320 nm) → O2* + O* (4) 44 A maioria dos átomos de oxigênio formados na decomposição do O3 ou do O2 reagem com moléculas de O2 regenerando o O3; alguns átomos de oxigênio reagem com o ozônio, destruindo-o através da conversão em duas moléculas de O2. A combinação dos processos acima referidos de formação do ozônio pela ação da radiação UV e moléculas de O2 (Eq. 3) e sua destruição pela UV formando átomos de oxigênio por um lado e, por outro (Eq. 4), usando esses átomos para formar moléculas de O2, é o chamado Ciclo de Chapman. Os processos catalíticos de destruição do ozônio são de fundamental importância no estudo da química atmosférica e começaram a ser desvendados no início da década de 1960. Várias são as espécies atômicas ou moleculares que fazem esta destruição através da remoção de um átomo de oxigênio da molécula de O3. Essas espécies são denominadas ‘catalisadores da depleção da camada de ozônio’, o chamado ozônio desejável – devido a proteção que exerce, filtrando/absorvendo radiação energética, que tem efeitos deletérios à biosfera (em oposição ao indesejável, que é o O3 da troposfera – dada a sua toxicidade às plantas e organismos). Esses catalisadores são radicais livres, átomos ou moléculas com pelo menos um elétron não emparelhado, o que os torna espécies altamente reativas. Dentre eles podem ser citados: OH•, CH3•, CF2Cl•, H3COO•, H3CO•, ClOO•, ClO•, HCO•, e NO• (Quadro 1). Alguns desses catalisadores têm origem natural em processos bióticos, como é o caso do óxido nitroso (N2O) em áreas alagáveis (no processo da Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola desnitrificação, conforme será mostrado adiante). O N2O, quando é transportado da troposfera à estratosfera, colide com átomos excitados de oxigênio e produz parcialmente radicais NO• (embora a maior parte das moléculas de N2O decomponham-se em N2 + O2). O NO•, por sua vez, decompõe cataliticamente o O3. As equações apresentadas as seguir ilustram este processo: Enquanto os radicais NO• são os mais importantes na destruição do ozônio na parte média e alta da estratosfera, os radicais hidroxila (OH•) dominam as partes muito altas (>45 km) desta camada, em uma seqüência de reações em que se forma o radical peroxila (HOO•), um radical químico ainda mais reativo do que a hidroxila. OH• + O3 → HOO• + O2 (8) (9) NO2• + O → NO• + O2 (5) HOO• + O → OH• + O2 NO• + O3 → NO2• + O2 (6) reação total: O3 + O → 2O2 reação total: O3 + O → 2 O2 (7) (10) O radical hidroxila origina-se na estratosfera a partir de uma reação entre Quadro 1. Controle da concentração de gases traços pela fotoquímica dos radicais hidroxila. A fotoquímica dos radicais livres hidroxila exerce forte controle na taxa que muitos gases traços são oxidados e removidos da atmosfera. Os processos mais importantes no controle da concentração do radical hidroxila estão abaixo da linha pontilhada deste quadro. Aqueles que têm efeitos desprezíveis sobre os níveis de OH– mas que são importantes no controle das concentrações dos reagentes e produtos estão marcados em azul claro. Os círculos indicam os reservatórios ou estoques na atmosfera. As setas indicam as reações de conversão entre as espécies com os reagentes ou fótons necessários para ocorrerem. As reações de vários passos consistem de duas ou mais reações intermediárias. HX=HCl, HBr, HI ou HF. C xHx denota hidrocarbonetos (Chameides & Davis, 1982). Química atmosférica Edição especial – Maio 2001 átomos de oxigênio excitados (O*) com moléculas de água ou metano (que também forma radicais metila, segundo as equações abaixo): O* + H2O → 2OH• (11) O* + CH4 → OH• + CH3 (12) Outras reações, igualmente importantes, ocorrem entre o ozônio e átomos de cloro e bromo (radicais) que são produzidos, por exemplo, em reações que envolvem a fotodecomposição do cloro metano ou por ataque de radicais hidroxila a estas moléculas que têm como fonte natural as interações entre os íons cloreto dos oceanos com a vegetação em decomposição (Baird, 1998). A reação global e final deste processo é, também, a destruição do ozônio. O buraco da camada de ozônio Na Antártida, em 1985, descobriuse que havia uma redução na concentração do ozônio estratosférico de cerca de 50% durante vários meses do ano (de setembro a novembro que corresponde à primavera no Pólo Sul) atribuído principalmente à ação do cloro. Os dados mostram que este processo está acontecendo desde o ano de 1979. No ano 2000, foi detectado o maior buraco de ozônio sobre a Antártida até agora, com uma área de mais de 25 milhões de km2. Espécies cataliticamente não ativas na forma de HCl e de ClONO2 são fotoconvertidas em radicais Cl• e ClO• (ver principais equações químicas abaixo) em um mecanismo complexo que destrói o O3, criando o que se convencionou chamar pelos cientistas de ‘buraco na camada de ozônio’. (13) Cl• + O3 → ClO• + O2 OH• + O3 → HOO• + O2 (14) ClO• + HOO. → HOCl + O2 (15) HOCl (luz solar) → OH + Cl (16) Segundo essas pesquisas, a conversão ocorre na superfície de partículas (frias) de água, ácidos sulfúrico e nítrico (este formado pela interação entre radicais hidroxila e NO2• gasoso). Esse mecanismo é responsável por cerca de três quartos da destruição do ozônio. Um outro mecanismo de destruição envolve átomos de bromo e a formação de radicais BrO•. A Figura 3 mostra a distribuição da concentração de ozônio e de ClO em função da latitude no Pólo Sul (setembro/1987) (Figura 3 ‘a’) e a distribuição vertical de ozônio no inverno (agosto) e primavera (novembro) de 1987 na Antárctica (Figura 3 ‘b’) (Baird, 1998). O efeito estufa e os gases estufa O termo ‘efeito estufa’ refere-se a um fenômeno natural já amplamente reconhecido, e significa o aumento da temperatura da atmosfera global. Alguns gases, como vapor d’água, CO2 (o principal gás estufa) e CH4 (metano) são chamados de gases estufa porque são capazes de reter o calor do Sol na troposfera terrestre. Graças a este fenômeno natural, a temperatura média da Terra é hoje cerca de 4 graus Celsius acima do que era na última idade do gelo (que ocorreu há cerca de 13 mil anos atrás). Nos 4,5 bilhões de anos de existência da Terra, várias idades do gelo (que perduraram por até 100 mil anos) foram intercaladas por curtos períodos mais quentes, como este que vivemos no presente. Devido à liberação de gás carbônico para a atmosfera, em função de processos industriais (queima de combustíveis fósseis), tem sido observado um aumento na concentração desse gás, o que vem sendo correlacionado com o aumento da temperatura média da atmosfera. Segundo vários pesquisadores, a exacerbação do aquecimento global é um efeito que já vem ocorrendo há algum tempo. Reconhece-se hoje que este efeito é responsável pelo aumento na temperatura da troposfera terrestre de cerca de 2/3 a 1 grau Celsius e que vem ocorrendo desde 1860, ano que marca o início da revolução industrial nos países desenvolvidos da Europa e América do Norte. A Figura 4 mostra o aumento da pressão parcial do CO2 na troposfera da Terra para anos recentes segundo dados sistematicamente levantados pelo Observatório de Mauna Loa, no Hawaii. Oscilações anuais são mostradas no gráfico menor onde os picos são representados pelos períodos de primavera e os vales de outono e têm os processos da fotossíntese e respiração como os principais responsáveis. Para o efeito estufa, contrariamente ao mostrado para o buraco de ozônio na atmosfera (que já foi efetivamente • Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Figura 3: a. Concentração de ozônio e ClO em função da latitude no Pólo Sul. b. Distribuição vertical de ozônio no inverno (agosto) e primavera (novembro) de 1987 na Antárctica (Baird, 1998). Química atmosférica Figura 4: Variações na concentração do gás carbônico da troposfera determinadas pelo Laboratório de Oak Ridge em Mauna Loa, Hawaii. Extraída de Baird, 1998 Edição especial – Maio 2001 45 46 detectado), ainda não existem medidas que determinem inequivocamente que ele existe. No entanto, se os modelos matemáticos e computacionais existentes no momento estiverem corretos, significativos aumentos da temperatura da troposfera deverão ser esperados nas próximas décadas. Há que se registrar que poderão ocorrer alguns efeitos positivos em algumas regiões do globo, como a atenuação na temperatura em invernos rigorosos ou a distribuição mais abundante e favorável de chuvas, em outras regiões. No entanto, a previsão mais comum é de efeitos negativos, como por exemplo o alagamento de muitas regiões costeiras do globo devido ao derretimento do gelo das calotas polares (como ao que ocorreria por exemplo com Bangadlesh e Egito que perderiam até um décimo de seus territórios). Várias outras conseqüências negativas poderiam também advir em muitas outras regiões como longos períodos de secas ou devastações por grandes enchentes com sérias repercussões negativas na produção de alimentos, extinção de espécies, ocorrências de epidemias de doenças transmissíveis por insetos etc (consulte por exemplo, www.wwf.org.br). Como mencionado, o efeito estufa em si refere-se a uma contenção de calor (representada pelo redirecionamento de radiação IV à superfície terrestre), que é promovido pelas moléculas dos gases estufa (ver Figura 5). Diga-se de passagem que este fenômeno é o responsável pelo efeito estufa, digamos assim, ‘normal e benéfico’ que existe na Terra, e que tem as moléculas de vapor d’água como principal responsável. Estamos discutindo aqui, então, um efeito estufa aumentado que é causado pelo aumento exacerbado na concentração de outros gases estufa como o CO2 e o CH4. O balanço de CO2 antrópico mostrado por Houghton et al. (1996; 1995) sugere que a queima de combustíveis fósseis é o processo responsável pelo maior fluxo deste gás para a atmosfera com uma perda anual líquida de 5,5 Gt, enquanto o balanço entre a liberação na queima de biomassa de florestas e a absorção pela fotossíntese apresenta perdas de 0,2 Gt.ano-1; no mar, entre as perdas das partes mais rasas e para os sedimentos, e as trocas na interface água-ar, há uma perda líquida de 2,0 Gt.ano-1. A Tabela 1 lista informações sobre alguns dos mais importantes gases estufa da atmosfera. Pode-se ver que alguns desses compostos têm tempos de residência suficientemente altos na atmosfera, o que torna o risco ainda maior. No contexto dos gases estufa há que se considerar o metano, que é um gás emitido por diversas fontes, antrópicas (70%) e naturais, que é também de grande importância. As áreas alagáveis ou os pântanos, ambientes muito reduzidos, são os grandes emissores (como os são de um outro gás de grande importância ambiental, o N2O, que além de ser uma gás estufa – ver a seguir -, é um precursor da destruição da camada de ozônio), embora outras fontes sejam também importantes como os cupins e a flatulência bovina. Este gás tem, por molécula, um poder de absorção de radiação IV cerca de 21 vezes maior que o CO2. No entanto, como o CO2 encontra-se numa concentração muito maior na atmosfera do que o metano, seu efeito como gás estufa é também maior. Os processos sumidouros de metano na natureza são as interações com o solo, perdas do gás à estratosfera e a mais importante é a reação com radicais hidroxila. Esta última acontece segundo a equação: (17) CH4 + OH• → CH3• + H2O Óxido nitroso e os clorofluorcarbonetos O N2O é outro gás estufa de grande significado. Segundo Baird (1998), este gás é 206 vezes mais efetivo na absorção da radiação IV do que o CO2. No período pré-industrial dos países desenvolvidos, a concentração deste gás era constante em um nível de cerca de 275 ppb e atualmente alcançou 312 ppb com uma taxa anual de aumento de 0,25%. Cerca de 60% das emissões são de fontes naturais. Os oceanos são a grande fonte e o resto vem de emanações de solos, especialmente os tropicais. Nos processos da desnitrificação (onde o nitrato é reduzido dominantemente a nitrogênio gasoso) e nitrificação (onde a amônia ou íons amônio são oxidados a nitrito e nitrato) em ambientes terrestres e aquáticos, o N2O é um sub-produto. O óxido nitroso é também um dos precursores da destruição da camada de ozônio de forma indireta através de duas reações: uma em que essas moléculas reagem com átomos de oxigênio fotoquimicamente excitados e que forma NO (que é o principal agente de remoção do O3 da estratosfera) (Manahan, 1984): N2O + O → 2NO (18) Tabela 1: Gases estufa da atmosfera terrestre (Baird, 1998). Gases Figura 5: Esquema de funcionamento do efeito estufa (extraída de Baird, 1998). Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Abundância atual Taxa de aumento (%) Tempo de residência (anos) CO2 365 ppm 0,4 50-200 CH4 1,72 ppm 0,5 12 N2O 312 ppb 0,3 CFC-11 0,27 ppb 0 12.400 206 Halon-1301 0,002 ppb 7 16.000 HCFC-22 0,11 ppb 5 11.000 HFC-134a 2 ppt nd 9.400 Nd = não determinado. Normas Química para atmosférica publicação Edição especial – Maio 2001 que por sua vez destrói moléculas de O3 segundo a equação O3 + NO → NO2 + O2 (19) onde novas moléculas de NO são reconstituídas através da reação NO2 + O → NO + O2 (20) As florestas tropicais - e suas queimadas após o desmatamento - e as áreas alagáveis, que têm significativamente aumentado no mundo todo e em especial no Brasil para gerar energia hidrelétrica onde as represas são construídas sem a remoção da cobertura vegetal original que, lentamente, decai num processo oxidativo anaeróbio –, são sem dúvida, as fontes naturais mais importantes da emissão de N2O para a atmosfera. A queima de combustíveis fósseis é uma fonte antrópica quando o carvão ou biomassa que conhecidamente contêm nitrogênio (gasolina e gás natural não contêm), são oxidados, bem como devido à presença do nitrogênio atmosférico, dada a relativamente alta temperatura do sistema de combustão. Contudo, conforme vários autores afirmam, no total, o uso de fertilizantes na agricultura, é provavelmente, o maior responsável pelas emissões antrópicas deste gás para a atmosfera. Não fosse pelo anulamento do efeito estufa dos CFC’s que têm um poder de absorção de radiação bem maior que o das moléculas do CO2, anulamento este, que ocorre pelo efeito do resfriamento da estratosfera onde agem na destruição de moléculas do ozônio, os CFC’s seriam gases estufa muito importantes. Portanto, o efeito líquido final dos CFC’s no aquecimento global, é pequeno. As previsões para o futuro ficam por conta de uma provável diminuição da emissão desses gases usados em refrigeração (ar condicionado, geladeiras e freezers) que o protocolo de Montreal postulou o banimento nos países desenvolvidos em 1995. Os compostos substituidores dos CFC’s - os HCFC’s e HFC’s - têm tempos de residência menores na natureza, além de absorverem menos eficientemente a radiação IV. Poluição ambiental interna (indoor pollution) A poluição ambiental interna de ediCadernos Temáticos de Química Nova na Escola ficações varia de edifício a edifício, mas existem aqueles poluentes que são mais comuns. Dentre eles podem ser destacados o formaldeído (H2C=O), um dos mais importantes poluentes orgânicos, cujas principais fontes são a fumaça dos cigarros e certos plásticos sintéticos que contêm resinas de formaldeído. Esta molécula é um intermediário do processo de oxidação do metano e de outros compostos orgânicos voláteis (COV) (Baird, 1998). Esta molécula é considerada carcinogênica em animais-testes, podendo também o ser para seres humanos, segundo a U.S. EPA (Agência de Proteção Ambiental dos EUA). Fibras de asbestos constituem-se em outra forma de poluição ambiental indoor e algumas delas são reconhecidamente consideradas cancerígenas ao homem. Acredita-se que estes poluentes agem sinergisticamente com a fumaça dos cigarros na causa do câncer. A presença de isótopos radiativos (ou radionuclídeos) é outra forma muito importante de poluição de atmosferas internas. O gás radônio, um radionuclídeo emissor de partículas alfa, que por terem duas cargas positivas podem ionizar moléculas (no caso, ionizam as moléculas da água gerando radicais hidroxila, altamente reativos) e provocar alterações no DNA dentro das células vivas. Estes radicais são apontados como os responsáveis por um alto número de mortes por câncer, como vários tipos de leucemia e câncer de pulmão (Dillon et al., 1993). Muitas rochas e solos contêm urânio (238U) e seu decaimento ao 234Th constante gera o radônio; essa seqüência de decaimento radioativo, que ocorre em 14 etapas, termina no 206Pb, um nuclídeo estável. Um dos isótopos de grande importância e que envolve o 222Rn, é o radioisótopo 226Ra. Esta parte da seqüência de desintegrações é mostrada no Quadro 2, onde as respectivas partículas emitidas e tempos de meia-vida de decaimento radioativo estão indicadas sobre e sob as setas, respectivamente: A maioria do 222Rn gasoso que vaza para dentro das edificações vem de uma capa do primeiro metro do solo; mas há também outras fontes, como as águas subterrâneas de poços artesianos e os materiais (como o cimento, por exemplo) que servem a construção das edificações (Baird, 1998). Amostragens de ar: análises químicas, padrões de emissão e legislação As preocupações referentes a poluentes gasosos incluem não somente aquelas de atmosferas abertas (outdoor) mas também as de atmosferas internas (indoor). Muitas vezes as concentrações de poluentes são maiores nestas últimas. Evidentemente, ambas as formas de contaminação podem ser prejudiciais à saúde humana. Nas amostragens é muito importante ter-se em conta que as concentrações dos poluentes podem variar rapidamente com o tempo. Segundo muitos autores (como Reeve, 1994), as concentrações médias relativas a um fixo período de tempo (time-weighted averages) são a forma mais apropriada de medida em pesquisas de longa duração. No entanto, a avaliação de incidentes de poluição demanda determinações instantâneas de concentrações. A literatura deste tema recomenda que essas duas abordagens diferentes podem ser tomadas e que as mesmas incluem determinações de concentrações de poluentes de forma direta ou lançando mão de técnicas de análises que requerem o uso de um laboratório químico. Concentrações médias relativas a um período de tempo fixo (timeweighted averages) Essas técnicas incluem sistemas absorvedores de gases, onde um certo volume de atmosfera é borbulhado em Quadro 2. -α -α -α -β -β -α -β 226 Ra → 222Rn → 218Po → 214Pb → 211Bi → 211Po → 210Pb → 210Bi 1600 a 3,8 d 3 m 27 m 20 m <1 s 22 a Química atmosférica Edição especial – Maio 2001 47 48 uma solução absorvedora que é levada ao laboratório para análises que usualmente lançam mão métodos volumétricos ou espectrofotométricos. Assim, podem ser analisados gases como o SO2, Cl2, H2S e NH3. Adsorventes sólidos são também empregados, sendo comumente usados para análises de baixas concentrações de compostos orgânicos. Esses coletores segundo a literatura (Reeve, 1994), são de dois tipos: amostradores passivos e os de amostragens ativas, em que o ar é bombeado para dentro do tubo. Em ambos os casos a espécie a ser analisada é desorvida ou por elevação da temperatura ou pela ação de um solvente adequado que a extrai para a subseqüente transferência ao cromatógrafo a gás. Essa metodologia é bastante complexa mas de grande alcance, pois permite determinações de concentrações bastante baixas, um requisito fundamental em análise de atmosferas nãocontaminadas. A produção de misturas gasosas padrão é uma etapa complexa de todo este processo analítico. Há também, neste tipo de amostragem, os tubos de difusão, que combinam um pouco de cada técnica acima mencionada e que têm tido muitas aplicações nos últimos anos. Nele, um reagente específico é adsorvido em uma tela de aço-inox que está fixa na base de um tubo de acrílico de pequenas dimensões e com o outro lado aberto; o tubo é exposto ao ar a ser amostrado por um dado tempo (várias semanas); o ar difunde pelo tubo até o adsorvedor, e a velocidade de difusão é proporcional à concentração da espécie na atmosfera amostrada. Determinações instantâneas de concentrações As determinações instantâneas de concentrações podem ser feitas através de leituras diretas em instrumentos. A este grupo de técnicas pertencem as espectrométricas, como a quimiluninescência, infravermelho e fluorescência; destas, as duas primeiras são, potencialmente, mais sensíveis e são usadas para as análises de óxidos de nitrogênio, dióxido de enxofre e ozônio. Os tubos detectores de gases são usualmente empregados para gases inorgânicos e compostos orgânicos voláteis (Reeve, 1994) e têm problemas Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola de precisão (desvios padrão relativamente altos para algumas espécies) e de interferências. Após o sugamento de um dado volume de ar através do tubo, uma cor se desenvolve. Ela pode ser produzida por um grande número de métodos, por exemplo: H2S é detectado formando-se um precipitado negro de PbS a partir de um sal incolor de chumbo; em outros casos, indicadores são usados para gerar uma cor. A técnica da cromatografia gasosa, por sua vez, permite que amostras sejam injetadas diretamente no equipamento de análise sem pré-concentração, como acontece na análise de gases como o O2, N2, CO e CO2 e misturas de compostos orgânicos voláteis. E hoje há, ainda, as vantagens de se poder usar um equipamento portátil o que permite determinações in situ com altas sensibilidades analíticas. Padrões de emissão e legislação A Resolução CONAMA 003 de 28 de junho de 1990, do IBAMA, estabeleceu os padrões nacionais de qualidade do ar, ampliando o número de parâmetros anteriormente regulamentados através da Portaria GM n. 0231 de 27 de abril de 1976. Essa legislação define que a coleta de amostras de ar é feita pelo ‘método do amostrador de grandes volumes (Hi-vol) ou método equivalente’. Os padrões de qualidade do ar e as respectivas metodologias empregadas nas análises químicas para as diferentes espécies estipuladas nos padrões nacionais de qualidade do ar estão listados na Tabela 2. Os padrões primários e secundários de qualidade do ar significam respectivamente concentrações máximas desses poluentes (e que podem afetar a saúde da população) e aquelas desejadas (e que causam um dano mínimo ao bem estar da população). Os objetivos de um programa de monitoração da qualidade do ar como o da CETESB são a geração de dados para a ativação de emergência durante períodos de estagnação atmosférica, avaliação da qualidade do ar para estabelecer limites para proteger a saúde e o bem estar das pessoas e finalmente acompanhamento das tendências e mudanças na qualidade do ar devidas a alterações nas emissões dos poluentes. Um outro aliado ao controle da qualidade do ar de grandes cidades é a Resolução CONAMA n. 18 de 6 de maio de 1986, o chamado PROCONVE ou Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores. Este programa estabelece os limites máxi- Tabela 2: Os padrões de qualidade do ar e as respectivas metodologias empregadas nas análises químicas para as diferentes espécies estipuladas nos padrões nacionais de qualidade do ar Poluente Tempo de amostragem Padrão primário µg.m-3 Padrão secundário µg.m-3 Métodos de medição Partículas totais em suspensão 24 h (1) MGA (2) 240 80 150 60 amostrador de grandes volumes SO2 24 h MAA (3) 365 80 100 40 pararosanilina CO 1 h (1) 8h 40.000 35 ppm 40.000 35 ppm 10.000 (9 ppm) O3 infravermelho não dispersivo 10.000 (9 ppm) 1 h (1) 160 160 quimiluminescência Fumaça 24 h (1) MAA (3) 150 60 100 40 refletância Partículas inaláveis 24 h (1) MAA (3) 150 50 150 50 separação inercial/filtração NO2 1 h (1) MAA (3) 320 100 190 100 quimiluminescência (1) não deve ser excedido mais que uma vez ao ano; (2) média geométrica anual; (3) média aritmética anual. Química atmosférica Edição especial – Maio 2001 mos de emissão para motores e veícude poluição da atmosfera, ainda que los novos, bem como as regras e exiem uma escala pequena, mesmo com gências para o licenciamento para o aumento da frota circulante de fabricação de uma configuração de veíveículos e do fato que os carros culo ou motor e para a verificação da estarem muito mais desregulados a conformidade da produção. O PROcada ano, como já comprovado pela CONVE nasceu, segundo a CETESB, da CETESB (CETESB, 1985; 1992; 1993 ‘gravidade do estado de poluição a,b; 1994a,b). provocada por veículos’. O ar que respiramos O PROCONVE foi baseado na experiência internacional de países Se compararmos a qualidade do ar desenvolvidos que exigem que veícuda era pré-industrial ao ar que respiralos e motores atendam a limites máximos hoje, especialmente nas grandes mos de emissão em ensaios padronimetrópoles, deparamo-nos com uma zados e com combustíveis de referênimensa e absurda diferença. E, apesar cia. O programa imdo grande avanço do põe a certificação de aparato tecnológico deOs fabricantes de protótipos e verifisenvolvido nas últimas automóveis vêm cumprindo cações de veículos décadas, as chaminés de forma satisfatória as de linha de produção de nossas fábricas (que exigências legais, o que e autorização do órproduzem bens e servipermitiu a redução média gão ambiental fedeços altamente avanda ordem de 80% na ral para o uso de çados no sentido de emissão de poluentes nos combustíveis alternamelhorar nossa qualidaveículos tivos. Além disto, prede de vida), os escapes vê o recolhimento e de nossos automóveis e reparo de veículos ou motores enconaviões, as queimadas de coberturas trados em desacordo com a produção vegetais, naturais ou plantadas etc, ou o projeto, proibindo também a cocontinuam a lançar na atmosfera granmercialização de veículos não homodes quantidades de espécies químicas logados segundo seus critérios. gasosas e particuladas. Hoje, apesar de Os fabricantes vêm cumprindo de ainda conhecermos uma ínfima parte do forma satisfatória as exigências legais, poder tóxico dessas espécies, já o que permitiu a redução média da sabemos o suficiente para entendermos ordem de 80% na emissão de polueno grande risco que representam para as tes nos veículos. Uma redução mais diferentes formas de vida da biosfera. significativa se dará somente a partir da Nela, o homem é a única espécie viva implantação do I/M – Programa de que, ao mesmo tempo, sofre as conseInspeção e Manutenção de Veículos e qüências de inúmeros impactos negaMotores, que fiscalizará a frota circulante tivos à sua qualidade de vida e assiste a nas grandes cidades, emitindo parequase tudo de braços amarrados, quase ceres que liberem ou reprovem os veísem forças para mudar e melhorar o seu culos que estão em circulação, dependestino neste planeta. dendo das condições dos mesmos. As chamadas tecnologias limpas e É importante ressaltar o jogo políos programas de monitoração da tico envolvido na implantação dessas qualidade ambiental somente alcançamedidas de controle, bem como da rão suas principais e reais metas burocracia e da lentidão da elaboração quando a ciência ambiental souber de leis que retardam uma redução dos valorizar e a sociedade civil cobrar do níveis de poluição mais rápida e eficaz. poder público constituído - a determiMas também cumpre ressaltar que a nação e manutenção da qualidade do implantação do PROCONVE e das ar que respiramos. Esta cobrança será medidas complementares representanto mais efetiva na manutenção da tam um grande avanço em termos da qualidade do ar que respiramos quanto preocupação ambiental e da qualidade mais exigente e especializada ela for. de vida, como também uma demonsAssim, chegará o dia em que saberetração de cidadania que dos países mos avaliar, valorizar e propor/executar desenvolvidos. Também é importante ações corretivas efetivas sobre o risco ressaltar que houve redução dos níveis Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola ecológico de incrementos na concentração de espécies químicas lançadas à atmosfera que coloquem em risco, por menor que seja, a vida do homem e de todos os outros organismos vivos da biosfera. Antonio A. Mozeto ([email protected]), doutor em ciências da Terra, é professor do Departamento de Química da UFSCar e coordenador do Laboratório de Biogeoquímica Ambiental (www.biogeoquimica. dq.ufscar.br). Referências bibliográficas BAIRD, C. Environmental Chemistry. Nova Iorque: W.H. Freeman and Company, 557 p, 1998. BIRKS, J.W. Oxidant formation in the troposphere. In: Macalady, D. L. (ed.). Perspective in Environmental Chemistry. Nova Iorque: Oxford University Press. cap. 10, p. 233-256, 1998. CETESB. A participação dos veículos automores na poluição atmosférica, 1985. CETESB. Controle da poluição veicular no Brasil, 1992. CETESB. 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