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Quando O Sofrimento Do Outro Causa A Minha Dor - Intervenção Psicológica Com...

Trabalho apresentado na II Mostra Nacional de Psicologia, setembro de 2012, Anhembi, São Paulo

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QUANDO O SOFRIMENTO DO OUTRO CAUSA A MINHA DOR: Intervenção psicológica com familiares de pacientes oncológicos Autor: Jonas Araujo de Avila Campos ASPECTOS ESSENCIAIS DA PRÁTICA PROFISSIONAL A experiência do cuidar é herdeira de todas as vivências. No encontro terapêutico ou educativo, ocorre uma atualização de todas as experiências de desamparo, de sofrimento, do medo do desconhecido, da qualidade da presença ou ausência daquele de quem se esperava para aliviar tais sentimentos. O desconhecimento e a doença ao mesmo tempo revelam e reforçam a fragilidade do sujeito. Assim, o cuidador é colocado diante da dificuldade de lidar com processos primitivos e desorganizados de funcionamento psíquico do doente. Os cuidadores formam uma variável significativa para a assistência de pacientes oncológicos, sendo que, tais cuidadores muitas vezes apresentam dificuldade de identificar o que o paciente sente. Estudos recentes apontam que há um inter-relacionamento entre as necessidades do paciente e da família, bem como entre os sintomas psicológicos de ambos, ou seja, o bem-estar do cuidador afeta o paciente e vice-versa. Os resultados deste trabalhos foi condizente com o levantamento realizado na literatura sobre o tema. Mais de 70% dos cuidadores apresentavam ansiedade e mais de 50% depressão e constatou-se que a presença desses sintomas exerce um efeito negativo sobre o bem-estar global do cuidador. A mensuração desses sintomas psicológicos revelou o quanto, no final da vida do paciente, o cuidador está desgastado e com a saúde mental comprometida, sendo que a “ansiedade familiar” foi registrada em um número admirável de cuidadores. Cerca de um terço dos cuidadores alegou que se houvesse disponibilidade, participaria de eventos educativos relacionados aos cuidados a serem dispensados aos pacientes na fase terminal da doença. Outro fator considerável, é que existe um inter-relacionamento entre os sintomas psicológicos apresentados pelo paciente e pela família. A família é afetada pela doença e a dinâmica familiar afeta o paciente. Depressão no paciente pode desencadear depressão no cuidador, e vice-versa. A atenção dada para aliviar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida é chamado de cuidado paliativo. O centro de atenção é o paciente e sua família ao invés da doença. Os cuidados paliativos tratam a dor e outros sintomas causados pela doença. Cuidado Paliativo é entendido pela Organização Mundial de Saúde como uma abordagem ou tratamento que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de doenças que ameacem a continuidade da vida. Para tanto, faz-se necessário perceber não somente a dor trazida pela enfermidade, mas todos os sintomas de natureza física, social, emocional e espiritual. Apesar da conotação negativa ou passiva do termo paliativo, a este tipo de cuidado é eminentemente ativo, principalmente em pacientes em fase avançada, onde algumas modalidades de tratamento cirúrgico e radioterápico são de vital importância para o controle dos sintomas. A carga devastadora de sintomas físicos, emocionais e psicológicos que se avolumam no paciente com doença terminal, faz-se necessário um diagnóstico precoce e condutas terapêuticas antecipadas, dinâmicas e ativas, respeitando-se os limites do próprio paciente. Mas muitas vezes esses limites não são percebidos pelos cuidadores. Foi solicitado à instituição para que entrasse em contato e agendasse o horário com os participantes. Feito isso, ocorreram encontros semanais, no total de 12 encontros, com duração média de 1 hora e 30 minutos cada um. Após cada encontro, foi realizada a análise do ocorrido no dia, no final dos encontros, realizar-se-á a síntese e análise dos dados colhidos no decorrer de todas as intervenções. Cada encontro tinha um tema específico, proposto pelo facilitador. Ao final dos 12 encontros, será feita uma nova triagem e se dará início a um novo grupo. Nos dois primeiros encontros, os participantes mostravam-se apreensivos e ansiosos, visto que falavam de maneira acelerada e contavam angústias de como eram suas vidas depois que o familiar teve a doença. Parecia que todos queriam aproveitar o tempo, como se aquele fosse um espaço precioso para “colocar para fora” tudo o que sentiam. Quando um dos participantes contavam sua história, os demais permaneciam em silencio, por hora balançando a cabeça, por hora disfarçando o choro, como se reconhecessem a dor do outro como sua. No terceiro encontro, o tema foi “o que faço de melhor”, no qual objetiva-se a compreender como o cuidador via a si próprio. Neste encontro houve resistência por quase todos os participantes. A maior parte do grupo fazia uma grande pausa antes de falar sobre o tema, e enquanto um participante falava, os demais pareciam distantes, como quem pensa muito antes de responder a uma pergunta difícil. No final, as pessoas um participante relatou que “nunca havia pensado nisto”, fala que foi seguida por comentários que concordavam com o participante. No quarto encontro, foi discutido o que de bom ou positivo foi aprendido enquanto cuidava do outro. Em suma o grupo relatou que conseguiu ser mais tolerante e que se apegaram à religião ou a Deus. Disseram que haviam situações que pareciam que iriam explodir, e dias que precisavam sentar sozinhos e chorar. No quinto encontro, foi feita uma inversão. Foi solicitado ao grupo que imaginasse como seria se ao invés do familiar, ele mesmo tivesse recebido o diagnóstico de câncer. Somente um participante disse que sua esposa cuidaria dele assim como ele cuida da esposa, os demais ficaram entre a dúvida e a certeza de que se isso ocorre, eles não seriam cuidados ou seriam abandonados pelos familiares. Do sexto e décimo encontro, foram trabalhados temas relacionados à perspectivas futuras. A maioria dos participantes teve dificuldades de imaginar como seria a vida daqui à alguns meses, e era praticamente inconcebível pensar em qualquer coisa daqui a “alguns anos”. No geral, parecem que juntamente com o eclipsar das perspectivas de seus familiares, os cuidadores São Paulo, 21 a 23 de setembro de 2012 também não vislumbravam um novo horizonte de possibilidades, vivendo sempre como se não fizesse sentido fazer planos, pois “chega uma hora e o câncer te pega” [sic]. No décimo primeiro encontro, foi solicitado aos participantes que escrevessem três coisas mais importantes de suas vidas, e depois cada participante colocou os papéis foram dentro de uma bexiga, que foi enchida. O facilitador pediu para que todos brincassem, jogando as bexigas para o alto. Durante este período, observa-se que todos sorriem, como se fizesse muito tempo que não realizaram nenhuma atividade lúdica. Feito isto, o facilitador diz para todos se sentarem, e pergunta: “como vocês se sentiram ao jogar para o alto o que era mais importante para vocês?” Em um primeiro momento ouve um grande silêncio na sala, porém, o discussão foi iniciada por um participante que disse que a pior parte foi escolher três coisas importantes, pois existem tantas, e priorizar somente três foi difícil. Em suma, o grupo chega a conclusão de que sentiram-se livres, pois embora jogassem tudo para o alto, sabiam que o que era importante de verdade sempre voltava, e eles guardavam com esmero. No último encontro foram ensinadas técnicas de relaxamento, e uma discussão de encerramento de tema livre. No final da intervenção, os participantes relataram que estavam mais calmos, pois conseguiram lidar de maneira mais consciente com seus familiares, e que conseguiam expressar seus sentimentos de maneira mais assertiva. POPULAÇÃO ENVOLVIDA Participou das intervenções um grupo de 8 pessoas, de ambos os sexos e sem delimitação etária, que pertençam à família do paciente, e que desempenhem o papel de cuidador principal desta pessoa com câncer. RESULTADOS ALCANÇADOS Cuidar do outro é algo que se faz necessário aprendizado e prática. Os familiares de pacientes oncológicos, na condição de cuidadores, realizam o cuidados paliativos e lidam com situações de extrema angústia, as quais vivenciam todos os dias em tão importante papel para o alívio da dor e do sofrimento do doente. Não raro, os cuidadores esquecem de cuidar de si próprios, e acabam adoecendo devido ao desgaste emocional no qual vivenciam frequentemente. Os cuidadores apresentam um déficit no seu bem-estar físico e emocional, deixam de sentir prazer em coisas que antes viam sentido, como práticas religiosas, trabalho e lazer. O significado do cuidar é percebido de diferentes formas, e é preocupante o fato de que o cuidador familiar sofre repentinas alterações em sua vida, sendo assim necessária a atenção do serviço de Psicologia a essa pessoa, que é uma peça fundamental no tratamento e recuperação do paciente. A impossibilidade de separar a percepção existencial, fazendo assim uma delimitação clara de quem sou eu e quem é o outro, pode trazer inúmeros prejuízos à saúde do cuidador. Somente ao considerar o outro vejo quem sou por completo, pois só existimos com os outros, e em um mundo que ao mesmo tempo é meu e do outro. Saber lidar com as fantasias de adoecimento e morte que o outro causa sobre minha existência é algo de suma importância para a saúde em todos os seus aspectos, podendo fazer com que a minha percepção do outro e de seu sofrimento façam que eu cresça enquanto ser humano, ou que aos poucos também adoeça. Negar o sofrimento do outro é negar parte de mim que nele existe, é negar parte de minha humanidade, porém não conseguir compreender que o outro possui uma existência separada da minha, criando uma simbiose, faz com que a dor do outro seja a minha dor. A cidade de São João da Boa Vista é privilegiada por possuir entidades e centos de atendimento especializados na área oncológica, porém, em nenhuma delas há um trabalho voltado especificamente para os cuidadores, que são de grande importância para a reabilitação e/ou redução do sofrimento provocados pela doença. Este trabalho pioneiro dentro da ABRAPEC desta cidade apontou a importância de se ter um olhar diferenciado e direcionado para as demandas dos cuidadores familiares. Os resultados obtidos neste servirão de modelo para futuras intervenções. INSTIUIÇÃO ABRAPEC, Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Câncer, entidade civil sem fins lucrativos, situada na cidade de São João da Boa Vista, SP. CONTATO ABRAPEC - (19) 3631-5518 / 3635-2462 email: [email protected] site: www.abrapec.org JONAS ARAUJO DE AVILA CAMPOS - email: [email protected] site: jonascampos.com.br CRP 06/103946