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Princípios Implícitos de O Capital
Maylton Rodrigues de Miranda[1]
Graduando em Direito
Universidade Estadual do Piauí
1. INTRODUÇÃO
De valor intelectual universalmente reconhecido, a obra O Capital,
escrita por Karl Marx juntamente com Friedrich Engels e publicada em 1848,
desenvolve uma análise lapidar de como ocorre o funcionamento do sistema
econômico capitalista. Em analogia à Filosofia, na qual Marx também era
versado, enquanto que para Protágoras "O homem é a medida de todas as
coisas", segundo Marx o trabalho é a medida do valor da mercadoria, ao
mesmo tempo em que a mais-valia é, para o capitalista, a causa do
enriquecimento. Em O Capital, Marx demonstra que a vida econômica
capitalista está embasada em uma complexa e delicada teia de relações
sociais que as pessoas travam superficialmente entre si, a sim de
satisfazer suas necessidades ou acumular riquezas. Deste modo, o comercio
apresenta faces diferentes de acordo com a perspectiva que cada um tem a
seu respeito.
Em sua análise econômica, Marx expõe não leis universais ou
princípios categóricos, mas concepções acerca do que geralmente ocorre no
núcleo do sistema capitalista. Entre as suas concepções, certamente a mais
conhecida chama-se mais-valia. Porém, são de igual importância o
entendimento da teoria do valor-trabalho e da necessidade que existe de
cada país especializar-se em um determinado ramo de produção. De qualquer
modo, é interessante e ao mesmo tempo preocupante saber que mesmo não se
tendo conhecimento teórico sobre o capitalismo, ele continuará funcionando,
desde que sejam respeitados seus ditames.
2. TEORIA DO VALOR-TRABALHO
Como se pode perceber, a primeira das concepções de Karl Marx
indica que há uma relação indissociável entre o valor atribuído a uma
mercadoria e o trabalho humano. Esta relação concretiza-se no que Marx
denominou quantum de trabalho, que é o tempo de trabalho socialmente
necessário para a confecção de uma mercadoria. Ser socialmente necessário
indica que este quantum é inevitavelmente humano. Por isso, o tempo
despendido pelas abelhas para a fabricação de mel não pode ser considerado
um quantum de trabalho, já que não é uma atividade teleologicamente
direcionada, isto é, as abelhas não têm consciência da finalidade do mel
que produzem, ao passo que o mais simples objeto extraído do esforço humano
tem uma utilidade.
Segue-se então um segundo desdobramento da idéia de valor de Marx:
o valor de uso e o valor de troca. O valor de uso é toda e qualquer
utilidade que o produto tenha para o seu possuidor, ao passo que valor de
troca é a propriedade da mercadoria que possui valor de uso também para
quem não é seu detentor. Assim, quando um homem fabricar um artefato que
somente possui utilidade para ele, estará diante de um produto que tem
apenas valor de troca. Contudo, se este mesmo homem confeccionar um produto
que, além de valor de uso, possui também valor de troca, ele estará diante
de uma mercadoria, a qual será avaliada no comercio pelo seu quantum de
trabalho, isto é, pelo tempo de esforço humano (físico e/ou mental)
necessário para que ela fosse formada.
Deste modo, é lógico a compreensão de que quanto mais trabalho
empregado em um produto mais este terá valor, pois, conforme Karl Marx, o
valor de uma mercadoria varia na razão direta de seu quantum de trabalho,
ou seja, é o trabalho útil e com vistas direcionadas a um fim que confere
valor ao produto.
3. NECESSIDADE DE CADA PAÍS DE ESPECIALIZAR SUA PRODUÇAO
É de todos sabido que muitas são as variações existentes entre os
diversos países, sejam elas estruturais, climáticas ou culturais. Segue-se
que é conseqüência desta primeira afirmação asseverar que essa inflexão
tanto pode estimular o desenvolvimento de uma atividade econômica quanto
pode inibi-la. Vê-se que isso é apodítico, pois a mercadoria produzida por
um país em quantidade além de sua necessidade de consumo não lhe é
supérflua, uma vez que precisa vendê-la aos países que têm deficiência na
fabricação deste produto, a fim de conseguir recursos para comprar destes a
produção que lhes é demasiada e que é ao mesmo tempo insuficiente para
aquele.
Marx entendia ser fundamental para a manutenção da humanidade esta
especialização de produção. Pode-se perceber que os diversos países
desfrutam dos mais variados meios de produtividade. Para assimilar esta
afirmação, dois exemplos são o bastante.
Imaginemos o Brasil (um país tropical e quente) e a Argentina (de
clima temperado e frio). Sabendo que o arroz é muito mais produtivo em
clima quente que em frio, e que o trigo é o extremo oposto, isto é,
desenvolve-se melhor em clima frio, seria preferível ao Brasil especializar-
se na produção de arroz, a fim de vender o excedente à Argentina e comprar
dela o trigo, a forçar o cultivo do trigo em clima tropical, pois não seria
economicamente viável. Este é um exemplo de como um fenômeno natural pode
estimular a produção de uma única mercadoria (arroz) e, ao mesmo tempo, ser
obstáculo à outra (trigo).
Sabe-se, além disso, que mesmo inconscientemente os diversos
países do mundo estão dedicados a áreas diferentes de produção. Dentre
estes países, aqueles que exportam matérias-primas precisam que estas
estejam em quantidade bem maior que os produtos industrializados para que
seus preços sejam equivalentes, isto porque, visto que o produto
industrializado possui mais trabalho empregado na sua produção, seu preço é
mais alto. Daí o doce de caju ser mais caro que o caju in natura.
4. A MAIS-VALIA
Marx entende que a mais-valia não é outra coisa senão "a produção
de valor prolongada além de um certo ponto", ou seja, é o quantum de
trabalho que não é pago ao operário, mas que é colocado no produto sob o
aspecto de valor de troca. Deste modo, em um dia o operário trabalharia
tanto para seu sustento quanto para o de seu patrão, pois o excedente de
seu trabalho que não lhe é pago entra no valor da mercadoria como se
tivesse vida própria. Some-se a isso que, para o fenômeno do capital se
concretizar, é necessário que, além de ganhar um valor de troca ampliado
pela mais-valia, a mercadoria precisa cumprir seu destino, qual seja,
precisa ser adquirida pelo comprador. Assim, o produto precisa percorrer um
caminho linear, partindo do vendedor e chegando ao comprador por meio da
moeda, que é a expressão de valor de um produto. Este caminho pode ser
representado pela forma D1-M-Dd, pela qual o capital, ou dinheiro inicial
(D1), volta para o vendedor acrescido do valor do trabalho que foi
empregado na produção da mercadoria (M) mas que não foi conhecido pelo
operário, isto é, a mais-valia (Dd).
Ao dinheiro que resulta da mais-valia dá-se o nome de lucro. Este
pode ter dois destinos distintos após o seu surgimento, a saber, o capital
ou o tesouro. Quando se inclina para o capital, o lucro volta para a
circulação de valores da qual é originada, ensejando que uma remessa cada
vez maior de dinheiro chegue ao capitalista. Assim, por meio de um
movimento constante de renovação, o capital percorre todos os setores da
economia, dando a ela um aspecto dinâmico. Por outro lado, tem-se o
fenômeno do entesouramento. Neste, o lucro pára de circular e transforma-se
em tesouro, ocasionando uma economia mais estática, devido a um volume
menor de valor na circulação.
Implícita em O Capital está o entendimento de Karl Marx a respeito
das duas espécies de mais-valia: a absoluta e a relativa. Pela mais-valia
absoluta, o capitalista aumenta a produtividade expandindo a jornada de
trabalho dos operários. De outra forma, a mais-valia relativa eleva o lucro
quando o capitalista fornece ao operário instrumentos de trabalho capazes
de ampliar a produtividade sem que seja necessário esticar seu tempo em
serviço.
Um exemplo de mais-valia absoluta pode ser o seguinte: se um
pescador, em uma jornada de trabalho de dez horas, pescar 50 quilos de
peixe e seu salário diário for capaz de comprar 30 destes quilos, então
seis horas deste dia de trabalho correspondem ao salário de pescador,
enquanto que as quatro horas restantes dizem respeito à mais-valia. Neste
caso, se a jornada de trabalho passar a ser de 12 horas e o salário
permanecer o mesmo, ela passará de 4 para 6 horas.
Na mais-valia relativa ocorre um fenômeno bem mais sofisticado.
Se, ao invés de esticar a jornada de trabalho deste pescador, o capitalista
lhe der um barco mais moderno com redes maiores e mais fortes, a
produtividade de 50 quilos por dia poderá saltar para 100. Assim, embora
não interfira na jornada de trabalho, ele aumenta significativamente a
produção e,consequentemente, o lucro.
Deste modo e por fim, harmonizando o entendimento sobre a teoria
do valor-trabalho, a necessidade de especialização de produção de cada país
e o conceito de mais-valia, é perfeitamente possível ter uma noção bastante
clara de como o sistema capitalista se desenrola perante nossos olhos. Pela
aplicação ao caso teoricamente concreto destas três idéias, pode-se
compreender porque a humanidade está dividida em países pobres e países
ricos. Especificando, pode-se entender porque, dentro de um mesmo país, há
empresas com poder financeiro suficientemente grande para interferir em sua
economia. Especificando ainda mais, é possível dar-se conta de como, em
cada cidade, os empresários dos bairros nobres conseguem conservar e
expandir a riqueza que extraem de suas fábricas.
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[1] Endereço para correspondência:
Rua Floresta Moderna, 109
Bom Jesus – Piauí
E-mail:
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