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Pesquisa - Uma Breve Descrição De Angeli E Sua Personagem Rê Bordosa

Trabalho para conclusão da disciplina Pesquisa em Fontes Primárias (revistas e jornais), no qual optei por falar um pouco de quadrinhos e contra-cultura, com enfoque na personagem Rê Bordosa e no trabalho de Angeli.

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Chiclete com Banana e Rê Bordosa: uma sátira à libertação social dos anos 80 Francine Natasha Alves de Oliveira (aluna do terceiro período do curso de Letras da Universidade Federal de São João del Rei) Resumo: Este artigo é uma análise da cena oitentista brasileira, marcada por um boom no lançamento de revistas em quadrinhos e fanzines que representavam a cultura da época bem como o crescimento das chamadas tribos urbanas. Para tal pesquisa usou-se a publicação Chiclete com Banana com especial foco na personagem Rê Bordosa, criação do cartunista Angeli. Palavras-chave: Histórias em Quadrinhos, contracultura, Angeli, movimento underground. INTRODUÇÃO Chamada, em Portugal, de banda desenhada ou, no Brasil, de gibi, a revista em quadrinhos pode ser considerada um gênero popular de literatura, em especial pelo seu formato e preço extremamente acessíveis. Assim como a fotonovela e o infográfico jornalístico[1], é considerada uma forma de arte seqüencial e, devido a sua surpreendente evolução, passou também a ser aceita como a "nona arte" [2]. No Brasil, os quadrinhos mais bem sucedidos são os infantis e os humorísticos (que normalmente adotam temas adultos) e, no topo da lista, está a publicação Chiclete com Banana, encabeçada pelo cartunista Angeli em parceria com outros nomes que aparecem, até os dias de hoje, em tiras de grandes jornais como a Folha de São Paulo. Foi exatamente devido ao sucesso dessas "tirinhas" que se decidiu por criar uma revista exibindo os mesmos personagens, já conhecidos pelo público. O objetivo deste artigo é localizar a publicação da revista em meio aos anos 80, o que ela significou para a mídia em termos de liberação e luta contra a censura e procurar uma explicação para a dimensão social e cultural alcançada pelos personagens que figuram nesses quadrinhos. UMA BREVE HISTÓRIA DOS QUADRINHOS BRASILEIROS A história dos quadrinhos, no Brasil, tem seu marco inicial no século XIX, com o lançamento de As aventuras de Nhô Quim & Zé Caipora, em 30 de janeiro de 1869, pelo desenhista Angelo Agostini. Mais tarde, em 1905, nasceu a revista O Tico-Tico, publicação semanal que contava com colaborações dos ilustradores J. Carlos, Max Yantock, Paulo Affonso e do próprio Angelo Agostini, além de Luiz Sá, criador da série infantil que obteve maior fama na época, Reco-Reco, Bolão e Azeitona. A revista seguiu em edições periódicas até 1957, sendo publicadas, posteriormente, edições especiais até 1970. Esses nomes duradouros, no entanto, representam uma época em que a força dos quadrinhos brasileiros ainda perdia para os grandes personagens norte- americanos, publicados em revistas infanto-juvenis. No entanto, foi em maio de 1959 que estreou uma das mais duradouras revistas em quadrinhos totalmente produzida no Brasil: As aventuras do Anjo, de Flavio Colin, uma adaptação para um seriado da Rádio Nacional, e que seria responsável pela projeção nacional do artista que é, até hoje, referência inegável de todos os aficionados em HQs (popular redução de Histórias em Quadrinhos). Por seu traço sintético, mas, ao mesmo tempo, quase realista, e a busca pela valorização da cultura e da realidade brasileiras, Colin foi considerado um dos quadrinistas mais originais e reconhecidos no país. Também em 1959, o Brasil ganharia o gibi de seu primeiro herói, Capitão 7, que desde 1954 aparecia em forma de minissérie homônima, na TV Record (o número 7 refere-se ao número do próprio canal da emissora) e que teve cerca de 54 edições publicadas pela editora Continental/Outubro. O personagem seria seguido por vários outros, dentre eles Raio Negro, criado por Gedeone Malagola em 1965. No caso dos anos 60, o marco mais importante talvez seja a revista Pererê, uma das mais autênticas experiências dos quadrinhos brasileiros, criação de Ziraldo publicada em cores, mensalmente, pela mesma editora de O Cruzeiro, entre os anos de 1960 e 1964. Nessa mesma época, Maurício de Sousa também já projetava as primeiras histórias do que seria a Turma da Mônica, através de tirinhas que apresentavam o cachorro Bidu. Havia, nesse período, certamente, uma influência modernista acoplada ao nacionalismo da Era JK. Mas foram nos anos de Ditadura Militar que, para a surpresa de muitos, apareceram incríveis forças de resistência lançadas por jornais como O Pasquim, o que mudaria a visão dos quadrinhos como simples forma de "distração". Entravam para a história os quadrinhos de Henfil (criador dos Fradins e da Graúna) e de outros talentos do cartum, como Jaguar, Nilson, Lor e Edgar Vasques, que se baseavam na estética da literatura de cordel e da xilogravura. Viriam ainda, do Nordeste, Antônio Cedraz e Henrique Magalhães, além do recém chegado Jô Oliveira, que chegava da Hungria com seu marcante A Guerra do Divino, que foi publicado em 1976 pelo próprio Pasquim. Estava lançada a publicação alternativa, que abraçaria editoras independentes e privilegiaria o underground, largamente influenciado pelo americano Robert Crumb, mas que passaria a tratar de assuntos da cultura local por uma visão pessoal e, até mesmo, subversiva. O Brasil conheceria Angeli, Laerte, Glauco e o artístico trabalho de Luiz Gê, que até hoje colecionam fãs de todas as idades devido ao inegável carisma de suas obras. Nos anos 80 a retração do mercado de quadrinhos levou ao surgimento de vários fanzines e revistas independentes que continuaram a trajetória quadrinista brasileira até que houvesse, nos anos 90, uma crise econômica que, apesar de inibir as grandes produções, trouxe recursos da computação e abriu facilidades editoriais, principalmente nos meados da década, quando o país retomava a estabilidade. Seguiu-se, a partir de então, um lançamento massivo de coletâneas que traziam nomes como Ofeliano, Lourenço Mutarelli, Fernando Gonsales (criador do rato Níquel Náusea), Marcelo Lelis, Fábio Zimbres, Miguel Paiva (autor de Radical Chic) e muitos outros, além de re- edições que ganharam muita força com a vinda do novo século. Em 2007, uma parceria entre a editora Sampa e a livraria Devir presentearia os leitores com a Antologia Chiclete com Banana, uma edição definitiva dos quadrinhos mais marcantes da história underground brasileira. ANGELI E SUA TRAJETÓRIA NO HUMOR Arnaldo Angeli Filho nasceu em 1956 e já aos quatorze anos, expulso da escola em que estudava, começou a trabalhar na revista Senhor[3] e a colaborar em alguns fanzines. Foi contratado pelo jornal Folha de São Paulo em 1973, no qual trabalha até hoje e ainda colabora diariamente com o Diário de Notícias de Lisboa. Seguindo a cultura da informatização, tem um contrato exclusivo com o portal da internet Universo On-line (UOL), onde suas novas tirinhas são publicadas a cores. Sua fama vem de criações lendárias; personagens que refletem a cultura underground (ou contracultura[4]) urbana, com destaque para Os Skrotinhos, Wood & Stock, Meiaoito, Ozzy, Osgarmo, Bob Cuspe e Rê Bordosa, sendo esta última objeto de maior análise ao decorrer deste trabalho. Em 1983 lançou, pela Circo Editorial, a revista Chiclete com Banana, um fenômeno dos quadrinhos brasileiros que, de uma tiragem inicial de vinte mil exemplares, chegou a atingir cento e dez mil tiragens, vendendo mais de 3 milhões de revistas, e contava com a colaboração de Luiz Gê, Glauco, Roberto Paiva, Glauco Mattoso e Laerte Coutinho, entre outras participações. Até hoje é considerada a mais influente publicação de quadrinhos para adultos do país, sendo re-editada em forma de antologia no ano de 2007 pelo selo Sampa-Devir. Já teve suas tiras publicadas na Alemanha, França, Itália, Espanha e Argentina, mas foi em Portugal que obteve mais destaque, quando uma compilação de seu trabalho foi lançada pela editora Devir em 2000, resultando em vários livros. Naquele ano também viu a estréia de uma série de animação com seus personagens numa co-produção da TV Cultura com a produtora portuguesa Animanostra. Trabalhou ainda para a Rede Globo como redator do programa infantil TV Colosso. Em 2006 produziu e lançou um longa metragem de animação chamado Sexo, Orégano e Rock'n'Roll, com o diretor Otto Guerra, no qual o tema principal gira em torno dos hippies Wood & Stock e tem a participação de Rê Bordosa, Meiaoito e do guia espiritual Rhalah Rikota. Em 2008, um curta metragem de dezesseis minutos intitulado Dossiê Rê Bordosa, animação em stop-motion, que usa modernas técnicas gráficas, é a exibição mais esperada para o festival Animamundi[5]. Com direção de César Cabral, o filme pretende investigar a morte da personagem que dá título à obra (fato que será descrito mais adiante nesta pesquisa), exibindo entrevistas com o próprio Angeli e outras figuras emblemáticas, todos apresentados na forma de bonecos feitos de massa de modelar. O FENÔMENO CHICLETE COM BANANA 1. Informações técnicas: Publicação: de 1985 a 1995 pela Circo Editorial; Primeiro número publicado em outubro de 1985; 24 edições normais, 10 edições especiais e 10 edições da série Tipinhos Inúteis, cada uma com cerca de 50 a 60 páginas; Antologia Chiclete com Banana: Edição definitiva em dezesseis fascículos, cada um contendo 48 páginas, cujo primeiro número foi lançado a junho de 2007 pela editora Sampa em parceria com a livraria Devir, também responsável pela publicação da Chiclete com Banana em Portugal; o material foi selecionado pelo jornalista Toninho Mendes, editor da Chiclete com Banana original. 2. Exemplares acessados: Livro: Angeli apresenta Chiclete com Banana, cenas de sexo, drogas e rock'n'roll; editado por Chico Caruso e Toninho Mendes; 2ª edição da Série Traço e Riso, publicada pela Circo Editorial; São Paulo, 1984. "As tiras deste livro foram criadas originalmente, uma a uma, dia após dia para a Folha de São Paulo. São também publicadas diariamente no Jornal do Brasil." (texto de Angeli, na contracapa) Chiclete com Banana, "edição pré-histórica n°5"; ano I – nº1; Circo Editorial, São Paulo, outubro de 1985 (versão digitalizada em formato ".JPG"). Chiclete com Banana, "2º clichê: edição pré-histórica nº4"; ano I – nº2; Circo Editorial, São Paulo, dezembro de 1985 (versão digitalizada em formato ".JPG"). Chiclete com Banana Especial: Rê Bordosa, A morte da porraloca; 64 páginas; publicada pela Circo Editorial; São Paulo, outubro de 1987. Chiclete com Banana; ano II – nº13; primeira edição com o título "Histórias de Amor"; Circo Editorial, São Paulo, março/abril de 1988 Chiclete com Banana Especial: Histórias de Amor, uma coletânea de histórias passionais de Angeli; quadrinhos publicados no jornal Folha de São Paulo no período de 1984 a 1989; Circo Editorial, São Paulo (versão digitalizada em formato ".PDF"). The Best of Chiclete com Banana; número 1; edição comemorativa dos dez anos da revista em doze fascículos; Circo Editorial, São Paulo, outubro de 1995 (versão digitalizada em formato ".JPG"). Livro: Sexo é uma coisa suja; reúne tiras produzidas entre 2000 e 2002 para a coluna "Let's talk about sex?", publicada no site oficial do portal UOL (www.uol.com.br); lançado pela Devir Livraria em dezembro de 2003 (versão digitalizada em formato ".JPG"). Antologia Chiclete com Banana; números 1 a 5, publicados pela Devir Livraria de junho de 2007 a abril de 2008; o lançamento da coleção ainda se encontra em andamento; com a pretensão de dezesseis fascículos, sua freqüência tem sido, até então, bimestral. 3. Transgressão de valores Superficialmente uma crônica do mundo paulistano e daqueles que nele vivem, as tirinhas que ganharam fama nos anos 80 traziam "tipinhos" bem conhecidos, a começar pelo punk indignado com o sistema, retratado em Bob Cuspe. A essa crônica da vida paulistana publicada na própria Folha de São Paulo Angeli deu o título de Chiclete com Banana. Foram nas páginas do próprio jornal que outros personagens ganharam vida, no caso, os hippies velhos e barrigudos Wood & Stock, o inveterado comunista Meiaoito, o machista Bibelô e, no meio de tantos, o que talvez tenha sido o maior destaque da carreira do cartunista, a típica garota dos anos 80 que adorava os prazeres da vida, Rê Bordosa. Apesar de socialmente típicos, aqueles personagens não deixavam de ser subversivos no que diz respeito a suas atitudes, um tanto quanto imorais – afinal, o que caracterizava e, até mesmo, identificava aqueles indivíduos não eram suas virtudes, mas seus defeitos mais odiosos que, por estarem no papel, tornavam-se cômicos. Esse cinismo gerado, de certa forma, pela linha marginal que não podia se expressar abertamente durante a Ditadura Militar acompanhou as produções posteriores, em um período de redemocratização e crise econômica chamado, por muitos, de "a década perdida". Musicalmente, o Brasil era assolado por engajadas bandas de rock que dividiam o cenário com discotecas resultando numa época que até hoje é lembrada com nostalgia. Foi, ainda nos anos 80, que se consolidaram as tribos urbanas, que representam a busca da individualidade pela coletivização tanto de idéias quanto de visuais: a sociedade passou a usar largamente termos como punk, new wave ou disco, na tentativa de se definir os chamativos estilos dos jovens. Àquele que não seguia o mainstream, literalmente, a linha principal ditada pela mídia, foi dado o nome de movimento underground[6], no qual se abriu um grande espaço para a arte alternativa em geral, que fugia dos padrões comerciais, influenciados pelo que até então se conhecia simplesmente como contracultura. No caso das histórias em quadrinhos, os super-heróis norte-americanos eram cultuados como modelos de força e moral; cidadãos politicamente corretos, sempre otimistas em relação ao mundo. As tirinhas publicadas nos jornais nada tinham a ver com aqueles personagens; ao contrário, além de propositalmente desleixados, mostravam indivíduos sem virtudes, que apenas viviam suas vidas de uma forma relativamente pessimista. No Brasil, essa linguagem alternativa refletia-se no trabalha de Angeli que, após o sucesso de vendagem das edições encadernadas daquelas tirinhas as quais ele deu o nome de Chiclete com Banana, decidiu produzir e lançar a revista de mesmo título, mas que trazia, além das histórias, fotonovelas – das quais o próprio autor participava sob o nome de Angeli em crise, título também de quadrinhos nos quais o autor mostrava seus dilemas trabalhistas e sexuais, quase sempre conectados entre si –, textos, piadas, anúncios de eventos alternativos e, posteriormente, cartas e desenhos enviados pelos leitores. Figuravam na revista todas as mentes tão geniais quanto sarcásticas daquele tempo, que mantiveram a publicação bimestral até o ano de 1995. "Em suas 24 edições, a revista presenciou a volta das eleições diretas, o recuo da sacanagem por causa da aids, a inflação delirante, o movimento punk, o congelamento de preços, o modismo new wave e, por incrível que pareça, quatro moedas circulantes: o cruzado, o cruzado novo, a URV e o real." (trecho do texto Humor também é história, que aparece na contracapa da Antologia Chiclete com Banana, número 1, junho de 2007, autor não especificado) Chiclete com Banana imortalizou os "maus costumes" e questionou os valores vigentes, satirizando-os à exaustão, utilizando-se de uma estética contestadora para mostrar o cotidiano que se tornava caricatural. A seção "Polititica", criada por Glauco, trazia frases e citações contra a política e a atitude dos candidatos e políticos vigentes, aos quais, em todos os números, eram direcionadas críticas não só fortes, mas descaradas. Nem mesmo os próprios cartunistas escapavam de seu humor negro, aparecendo fotografados na revista ou como personagens, a exemplo da colaboração entre Laerte, Glauco e Angeli, chamada de Los Tres Amigos, na qual os mesmos protagonizavam infames aventuras num deserto recheado de familiares elementos urbanos. Por ser uma publicação adulta, o sexo sempre aparecia como tema, satirizado no cotidiano paulista da forma mais inusitada possível, a exemplo de dois pôsteres publicados na revista número 4 da Antologia Chiclete com Banana, um de autoria de Angeli e Laerte intitulado "Paulista também trepa", tomando as duas páginas centrais da publicação e outro, uma ilustração a cores que parodia a famosa marca Levi's, fabricante americana de calças jeans "five pockets"[7], na qual o logotipo é substituído pelo nome Skrot's, em referência aos insanos Skrotinhos, aparentemente, dois irmãos gêmeos, baixinhos, de óculos, ambos vestindo camisas havaianas, desbocados e desprovidos de bom senso que, no pôster, aparecem a cores, sentados em um bar e vestindo as referidas calças. Ao canto do pôster, uma descrição: "O jeans five pockets de três pernas". Esses mesmos personagens apareceram, em 2001, na propaganda da cerveja Kaiser Summer, segundo os publicitários criadores, a fim de atrair o público jovem. Eles aparecem em oito segmentos de mais ou menos trinta segundos cada, interagindo com pessoas e, claro, fazendo suas piadinhas impagáveis. No comercial de estréia, os Skrotinhos assediam uma garota acompanhada na praia, que pergunta, então, se os dois não percebem a presença do namorado, ao que eles respondem: "Claro que estamos! Mas não tem comparação! Você é muito mais gostosa!". A campanha contou também com impressos em revistas, descansos para copo e extenso material feito para os pontos de venda. A criação é de Aaron Sutton, Sérgio Gordilho e Angeli, com direção de criação de Silvio Matos, sendo a Equipe Terracota, sob direção de Rita Figueredo, responsável pela produção. Em outra campanha de sucesso, a marca Havaianas lançou, em 2004, apenas para adultos, seus chinelos contendo desenhos de diversos cartunistas brasileiros como os próprios Angeli, Laerte e Glauco, provando que os autores ainda colecionavam inúmeros fãs, sejam antigos leitores da Chiclete com Banana ou jovens que eram apresentados às tirinhas e que tinham curiosidade de conhecer mais daqueles simpáticos desenhos, donde se conclui que, no que diz respeito ao público, a re-edição da revista será tão bem sucedida quanto as anteriores, o que já vem acontecendo: a primeira edição da Antologia Chiclete com Banana teve uma tiragem de cinqüenta e três mil cópias. No presente ano de 2008, o destaque ficará, sem dúvida, para Rê Bordosa, uma das mais controversas personagens de Angeli, que ganha um documentário na forma de animação stop-motion[8] a respeito de sua morte. RÊ BORDOSA EM REVISÃO Criada em 1984, Rê Bordosa aparece, em sua primeira história, já deitada na banheira, lamentando não se lembrar de nada do que acontecera na noite anterior. Naquele momento, tinha início a saga da personagem que Angeli chamaria de "pin-up dos anos 80", numa brincadeira com as sensuais ilustrações de belas mulheres, que se tornaram mania a partir dos anos 50, principalmente entre os soldados americanos que levavam esses desenhos consigo, como um "alívio" à realidade das guerras decorrentes. No entanto, Rê Bordosa não se parecia muito com as tradicionais pin-ups, nem fisicamente, nem ideologicamente, uma vez que sua discutível sensualidade era fruto exatamente da sua não-feminilidade no que diz respeito a padrões. Representa a mulher indefinida da época, que, numa sociedade pós-feminista, se permite entregar aos prazeres mundanos da bebida e do sexo casual e, no caso da personagem, admite a aversão ao casamento e à vida doméstica, apesar de lamentos repentinos assim que acorda no dia seguinte – não são raras as tirinhas em que ela decide se casar ou, em um determinado momento, realmente se casa, mas o humor está exatamente no fato de ser inevitável que o relacionamento se desfaça. A complexidade de Rê Bordosa pulsa em seu crônico sentimento de culpa agravado pelas visitas da mãe e pelas palavras do garçom Juvenal, outrora parceiro sexual de Rê durante uma de suas noites, mas que passa a insistir para que os dois se casem – o que, inusitadamente, acontece, mas com um desfecho ainda mais inusitado. O que se vê é a amante insaciável, com atitudes masculinizadas – como na tirinha em que ela aparece no banheiro masculino, fazendo xixi em pé, ou no próprio "pouco caso" que ela faz da monogamia, trocando incansavelmente de parceiros – que traduzem um dos traços humorísticos mais fortes da tirinha, mas que não deixa de ser objeto de desejo dos homens e de desejar ter uma vida "normal", confrontando, então, características da mulher "liberada" com traços da mulher tradicional, conservadora. Em 1987 a personagem vivia seu auge, mas, em meio ao surto da AIDS, Angeli decide assassinar a personagem nas páginas de uma edição especial da Chiclete com Banana, chamada de A morte da porraloca – que foi lançada, em 1989, pela Circo Editorial, na forma de mais um livro da Série Traço e Riso, que acompanhava ainda um pôster colorido. Na história, ela escapa à tentativa de Angeli em crise de matá-la e, ao fugir do convento e, depois, de uma batida policial, Rê encontra a AIDS na forma de espermatozóides que são chamados de "os terríveis vírus do mundo moderno" e se abriga em um bar – o próprio bar que freqüentava, no qual é recebida pelo garçom Juvenal que insiste no casamento como a única cura possível para a doença. Casam-se, então, dentro do bar, mas Juvenal revela-se um marido controlador que proíbe as bebidas e o cigarro, até que em pouco tempo Rê Bordosa sucumbe ao vírus tédius matrimonius e finalmente morre. O cartunista passou a receber cartas indignadas com a morte de Rê e foram feitos protestos na televisão, por parte de fãs ilustres como Jô Soares e Rita Lee, contudo, ela não reapareceria até o ano de 2006, quando a proposta de colocá-la no roteiro do longa metragem dirigido por Otto Guerra foi aceita por Angeli. O filme recebeu o nome de Wood & Stock: sexo, orégano e rock'n'roll e, embora protagonizado pelos velhos hippies, retoma as histórias de outros personagens que chegam a contracenar com os "bichos- grilos" perdidos no tempo. Na história, Rê Bordosa já aparece como "morta- viva", retomando sua infância – na qual ganhava mamadeiras cheias de vodka dos pais – e adolescência – quando perdeu a virgindade em uma festa hippie que se tornou uma orgia – até seu casamento com um homem que a espancou até a morte – diferente do que aconteceu na revista original. O sucesso de Rê no filme fica por conta de sua dublagem, na voz da lendária roqueira Rita Lee. No mesmo ano de lançamento do longa metragem, Angeli escreve, para seu endereço virtual no site UOL, a novela A morta-viva, que relata a volta de Rê Bordosa causada acidentalmente por um adolescente ao clicar em um "link" indevido na Internet. Ainda que não haja uma forma de receber a visita de Rê Bordosa em carne e osso – na verdade, em papel e tinta – como acontece ao adolescente Gino, na novela virtual, é certo que o ano de 2008 ressuscitará a fama da personagem com o lançamento, em abril, do documentário Dossiê Rê Bordosa, que já foi premiado em mostras brasileiras de cinema e é a estréia mais aguardada para o festival Animamundi, que ocorrerá em julho. Dirigido por Cesar Cabral e trazendo a voz da atriz e humorista Grace Gianoukas para a "persona" de Rê, o curta metragem investiga a morte da "diva underground" através de entrevistas com Angeli, Laerte, Toninho Mendes e com outros envolvidos na produção de Chiclete com Banana, retomando cenas das antigas tirinhas, dessa vez, em 3D. Portanto, ainda que o autor tenha assassinado a personagem, Rê Bordosa continua viva, talvez mais viva que nas páginas da revista, pois agora aparece também na Internet e nas telas do cinema, pronta para conquistar muito mais fãs que a própria já sonhou desejarem passar por sua banheira. BIBLIOGRAFIA -------------------. Rê Bordosa. In: http://www.devir.com.br/hqs/rebordosa.php. Último acesso: 18 de junho de 2008. -------------------. Wood & Stock, Rê Bordosa e sua trupe na telona!. In: http://eupodo.com.br/2006/09/08/wood-stock-re-bordosa-e-sua-trupe-na- telona/. Publicado em 8 de setembro de 2006. Último acesso: 15 de junho de 2008. --------------------. Rê Bordosa ganha documentário. In: Os melhores do mundo. http://www.interney.net/blogs/melhoresdomundo/2008/03/24/re_bordosa_ganha_do cumentario/. Publicado em 24 de março de 2008. Último acesso: 15 de junho de 2008. ---------------------. Angeli. In: Wikipédia, a enciclopédia livre. http://pt.wikipedia.org/wiki/Angeli. Último acesso: 12 de junho de 2008. CAVALCANTI, Martina. Seção Profundezas. In: Escafandro.org. http://escafandro.blogtvbrasil.com.br/2008/04/09/re-bordosa-demarca- territorio-em-livro-curta-teatro-e-novela. Publicado em 9 de abril de 2008. Último acesso: 12 de junho de 2008. MARTINI, Maíra. Anti-Heroínas. In: Os Armênios. http://www.osarmenios.com.br/?p=139. Publicado em 12 de junho de 2006. Último acesso: 17 de junho de 2008. DANTAS, Daiany Ferreiras. Rê Bordosa: morte, vodca e fetiche. In: Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Pernambuco: UFPE, 2006. http://www.ppgcomufpe.com.br/alunos.asp. Último acesso: 12 de junho de 2008. FONTANA, Mônica. Sacadas e estocadas: o cotidiano urbano nos quadrinhos de Angeli. XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Núcleo de História em Quadrinhos. Belo Horizonte: INTERCOM, setembro de 2003. ANGELI. Angeli apresenta Chiclete com Banana – cenas de sexo, drogas e rock'n'roll. São Paulo: Circo, 1984. 2ª ed. ANGELI. Sexo é uma coisa suja. São Paulo: Jacarandá/Devir, 2003. Revistas Chiclete com Banana n. 1-24. São Paulo: Circo/Sampa. Chiclete com Banana Especial - Rê Bordosa, A Morte da Porraloca. São Paulo: Circo, dezembro de 1987. Chiclete com Banana Especial - Histórias de amor. São Paulo: Circo, 1990. The Best of Chiclete com Banana n. 1. São Paulo: Circo, 1995. Revistas Antologia Chiclete com Banana n. 1-5. São Paulo: Sampa/Devir. ----------------------- [1] Representações visuais, esses gráficos são usados onde a informação precisa ser explicada de forma mais dinâmica, como em mapas, jornalismo e manuais técnicos, educativos ou científicos. [2] Em uma visão cultural elitista, as outras oito artes são a música, a dança, a pintura, a escultura, a literatura, o teatro, o cinema e a fotografia. [3] Editada no Rio de Janeiro no período de março de 1959 a janeiro de 1964, teve como editor-fundador o escritor, jornalista e crítico cultural Paulo Francis. [4] Surgida nos Estados Unidos dos anos 50/60, – projetada, primeiro, pelo movimento Beat (ou Geração Beatnik) e, nos anos 60, pelo movimento hippie – pode ser entendida como um movimento de contestação de caráter social e cultural que luta principalmente contra o estabelecimento de parâmetros da sociedade. [5] O Festival Internacional de Animação do Brasil está em sua décima sexta edição que acontece anualmente, sempre no mês de julho, nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo e os melhores curtas são exibidos para o país apenas pela Rede Globo. [6] Termo que, em inglês, significa "subsolo". [7] Esse modelo de cinco bolsos ficou famoso nos anos 50 por traduzir o visual rock'n'roll, que dava preferência a calças justas. [8] Nesse tipo de animação os bonecos feitos de massa de modelar são filmados passo a passo, em todas as posições necessárias e de todos os ângulos possíveis, para posterior edição em computadores de alta resolução gráfica. ----------------------- Na foto, o cartaz oficial do curta: Rê Bordosa tem a imagem de Angeli refletida nos óculos. Fonte: site de divulgação do filme (www.dossierebordosa.com.br) Capa da primeira edição portuguesa da revista. Fonte: Universo HQ (www.universohq.com.br) Prefácio da edição especial Histórias de Amor, escrito pelo cartunista e colaborador da revista, Laerte. Fonte: http://rapaduradoeudes.blogspot.com.br Foto digitalizada de quadrinho publicado no número 1 da Antologia Chiclete com Banana, p. 17. Na foto, uma imagem da propaganda veiculada pela televisão. Fonte: http://www.universohq.com/quadrinhos/n29092001_04.cfm Fonte: sistema de busca de imagens do Google Foto digitalizada de tirinha que aparece no número 4 da Antologia Chiclete com Banana, p. 21. Foto digitalizada da edição especial A morte da porraloca, p. 61. Fotos digitalizadas da edição especial A morte da porraloca, pp. 62-63. Foto digitalizada da edição especial A morte da porraloca, p. 66. www2.uol.com.br/angeli/rebordosa Fonte: www.dossierebordosa.com.br Fonte: www.dossierebordosa.com.br Fonte: www.woodstock.etc.br