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afinal, o que é sustentabilidade?
muito mais que abraçar árvores, beijar baleias e salvar macacos...
Marcelo Tôrres (jun/2007)
A moda é nova mas já pegou. Todo mundo agora diz que é sustentável. Nos
jornais, revistas e até no planejamento estratégico das empresas. Verdade
ou não, por convicção ou conveniência, é fato que, de tempos em tempos,
novas expressões são rapidamente incluídas no nosso vocabulário,
especialmente no ambiente corporativo onde a busca de novos métodos para
maiores resultados a menores custos, faz do neologismo um amigo íntimo. Ser
uma empresa sustentável hoje tem sido um título tão almejado que muitas
vezes é auto-concedido.
Mas o quê é sustentabilidade?
Ser sustentável é mais complexo que complicado. Do latim, complexus é
aquilo que é tecido junto, significa fazer as coisas interligando as
necessidades e expectativas de cada uma das partes interessadas. Se no dia-
a-dia empresarial o cliente é o rei, no mundo da sustentabilidade
empresarial todas as partes são alçadas ao posto de reis e rainhas. É a
busca dos resultados ambientais e sociais ao mesmo tempo - e com a mesma
dedicação – com que se buscam os resultados econômicos e financeiros.
Outra definição é o, também já batido, conceito dos 3Ps – profit, people e
planet. Ou a sua versão mais financista: triple bottom line - enxergar no
final do demonstrativo de resultados os ganhos obtidos para os acionistas e
também para as pessoas e para o planeta.
Embora o assunto não seja novo - os gregos já falavam da biofilia (cuidar
do equilíbrio da vida) muitos séculos atrás - a sua aplicação empresarial é
bastante recente. O pensamento cartesiano e analítico, de separar os
problemas em partes e focar naquilo que é mais importante (ou que dá mais
resultado), moldou os modelos econômicos e de pensamento estratégico que
usamos até hoje. Se por um lado, serviram para desenvolver as ciências que
levaram o homem à lua e permitiram o incessante crescimento da riqueza
mundial, por outro não foram capazes de prever a velocidade com que o
planeta entraria em colapso e o imenso desequilíbrio na distribuição da
riqueza que seria gerado. Acreditava-se que a atividade econômica era
neutra para a natureza e que a tecnologia seria suficiente para fazer
chegar comida, energia e água para os humanos mais pobres do mundo.
Estes são os desafios que já bateram à porta da humanidade no início deste
novo século, para os quais são necessários novos modelos de economia e
estratégia, que considerem todas as partes e que operem na complexidade da
interação dos diferentes agentes. É preciso um modelo de desenvolvimento
sustentável que respeite (e até recupere) o equilíbrio da vida na terra,
para esta e as futuras gerações.
Bons exemplos já começam a mostrar que é possível fazer diferente: a
InterfaceFloor, uma das gigantes mundiais do setor de carpetes, graças à
estratégia de negócios baseada em sustentabilidade, já consegue fabricar
produtos inovadores consumindo metade da energia e emitindo 1/4 de gases
estufa que nos processos anteriores. Na Amazônia já há tecnologia que
planeja e gerencia a colheita de árvores adultas para beneficiamento,
mantendo a floresta de pé e gerando 18 postos de trabalho por hectare (ao
contrário da agropecuária extensiva que gera de 1 a 5 postos). Indústrias
químicas, de papel, bancos, mineradoras e muitas outras estão indo muito
além da filantropia e do apoio a causas ambientais, estão inovando seus
modelos de atuação e recebendo, merecidamente, reconhecimentos por práticas
de sustentabilidade.
Muito mais que abraçar árvores, beijar baleias e salvar macados, mostram
que é possível revolucionar o modo de gerar resultados, reinventando o
conceito de resultado, e de desenvolvimento.
PAPEL PESQUISA E DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS UMA PROSPECÇÃO DE FUTURO
ACERCA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O que reserva o futuro para as empresas no campo da sustentabilidade?
AERTON PAIVA
11/06/2007
UMA PROSPECÇÃO DE FUTURO ACERCA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O que reserva o futuro para as empresas no campo da sustentabilidade?
ALGUMAS PALAVRAS INICIAIS
Discutir o futuro é um desafio. Ainda mais em tema tão complexo como o da
sustentabilidade. Não é incomum, nos dias de hoje, ainda sermos indagados
por executivos de alto escalão de
empresas consideradas "de ponta" sobre a divisão de responsabilidades entre
o capital privado e as estruturas públicas de governo. Diante desses
questionamentos, não nos resta outra alternativa a não ser respirar fundo e
nos imaginar como um pai ensinando a seu filho, carinhosamente, as noções
elementares da matemática.
O caminho a ser percorrido no campo da mudança de modelo mental, penso ser
o principal
desafio. E não é simples, pois somos todos "crias" de uma forma de pensar
linear, de uma forma de organização fragmentada e de uma forma de interação
individualista. A sustentabilidade, como modelo de comportamento, exige a
inversão destes (ao menos) três fatores: o "sistêmico" em lugar do linear,
o "complexo" em lugar do fragmentado e o "interdependente" em lugar do
individualizado.
Imagino não restarem dúvidas para aqueles que já percorreram algum passos
na trajetória da
sustentabilidade que as pressões futuras não serão menores das atuais. As
partes interessadas tendem a ser e estar cada vez mais "interessadas" no
tema, principalmente no impacto nelas próprias. Se não é uma questão de
presente, é uma questão de tempo... e pouco tempo, dado
que os sistemas educacionais, a mídia e outros atores pontuais
disponibilizam à sociedade, cada vez mais, instrumentos e informações que
possibilitam aos cidadãos tomarem consciência das questões críticas para a
sustentabilidade no que lhes afeta. Portanto, um dos eixos que estará cada
vez mais passando por profundas mudanças será o crescimento de um conjunto
de cidadãos-consumidores mais atentos aos significados implícitos do
consumo e da pressão potencial que ele pode exercer sobre as organizações.
Diversas podem ser as perspectivas de abordagem para esta prospecção de
futuro. Neste
ensaio, procurarei assumir que a tendência acima relatada, ou seja, a
pressão externa às
organizações empresariais e governos, será um fato num futuro não muito
distante. E mais
especificamente, procurarei focar no ente corporativo, as empresas, e seu
modelo de gestão.
Portanto, não discorrerei sobre dados que comprovem as pressões das partes
interessadas,
considerando-os apenas como dados de realidade no futuro próximo.
O que deverá se intensificar em termos de mudança nas corporações neste
futuro projetado?
Vamos tomar outro aspecto da realidade: o aumento em escala mundial de dois
fatores, a
saber: (i) a diminuição da intervenção do estado nas economias (tornando-
as, cada vez mais
orientadas a mercado) e por outro lado, (ii) o aumento do mercado de
capitais, mais
notadamente o advento de que as empresas passarão a ser, cada vez mais,
possuídas por uma
massa de pessoas de variadas classes econômicas (grandes investidores,
especuladores,
fundos de pensão, pequenos investidores).
Todos estes movimentos, como destacados por Mészáros [1995]1, cria um novo
capitalismo,
desprovido de atores centrais, que se movimenta como massa e que, ao menor
movimento de
um dos seus integrantes, move-o todo em forma de guinada, para uma nova
direção em pouco
tempo. Exemplos desse comportamento podem ser observados no sobe e desce
das bolsas de
valores (curtíssimo prazo) ou na transformação de países orientais como
China e Índia (longo
prazo), como apresenta Friedman [2005]2.
O mercado ditará, portanto e cada vez mais, as regras do jogo. Os Estados
operarão e serão
operados, em grande medida, pelos mercados. As ideologias terão cada vez
menos espaço no
palco deste jogo de desenvolvimento, se não conseguirem efetivar seus
conceitos e opiniões
na linguagem de mercado. Qualquer que seja o cenário projetado para o
desenvolvimento
sustentável, certamente não poderá estar descasado da lógica de mercado.
Este é, portanto,
outro desafio.
A partir destes elementos introdutórios, apresentaremos nossa visão de
futuro em quatro
blocos argumentativos: (i) essências do mercado no que tange a abertura do
capital da
empresas, (ii) como as empresas reagem ao modo de operar do mercado, (iii)
como as
empresas deveriam operar com o mercado em um contexto de desenvolvimento
sustentável.
Por fim, (iv) as conclusões.
1 Beyound Capital, Towards a Theory of Transition, István Mészáros, Merlin
Press, London, 1995
2 O Mundo é Plano: uma Breve História do Século XXI, Thomas L. Friedman,
Objetiva, 2005
Essências do mercado: abertura do capital das empresas
Passemos a analisar o fluxo dos recursos destinados aos investimentos nas
iniciativas privadas
como forma de rentabilizar patrimônios. As empresas, ícones do modelo de
orientação a
mercado, são cada vez mais dependentes de recursos financeiros advindos do
próprio
mercado (investidores). O processo de ingresso de recursos a partir da
abertura do capital
parece ser um caminho sem volta para grande parte das organizações. E,
sendo este o
principal fluxo de investimentos, a principal lógica operando no background
do modelo está
centrada na relação risco X retorno. Neste contexto, diversos são os
operadores, os
intermediários deste processo: os bancos, os analistas de investimentos, os
asset managers, os
fundos de pensão. Todos eles, de forma mais ou menos parecida, focam a
relação risco X
retorno em seu processo de tomada de decisão.
Se, por um lado, o retorno é um dado projetável e mensurável, os riscos são
hoje o principal
vetor de desenvolvimento de metodologias. Os modelos de análise de riscos
tornam-se mais
complexos, e novas variáveis de risco não consideradas em modelos
anteriores são
incorporadas para melhor compreensão da volatilidade decorrente do risco
analisado. Um
exemplo que pode ser citado para ilustrar este fato são as variáveis
relacionadas aos impactos
nas mudanças climáticas, afetando a volatilidade dos modelos de previsão de
sinistros para as
companhias de resseguros3. Outros casos podem ser citados e até mesmo
imaginados, não
sendo aqui o caso de estressar o argumento.
O fato é que, toda empresa, em qualquer que seja o segmento de negócio e
região em que
atua, está exposta a estes riscos. Podemos afirmar que o conceito do
tripple bottom line, como
vem há tempos apresentado como a essência da sustentabilidade, não passa de
single bottom
line, na medida que os impactos nas dimensões sociais e ambientais do hoje
se converterão
em impactos econômicos do amanhã. Deste modo, em perspectiva de longo
prazo, tudo se
traduz (ou deveria se traduzir) em impactos econômicos. Este é, portanto,
um novo desafio
para o futuro: traduzir as conseqüências da sustentabilidade em variáveis
econômicas,
sempre que possível.
O mercado tem procurado proceder desta forma, porém de maneira ainda muito
primária. A
criação de fundos de empresas sustentáveis (DOW JONES SUSTAINABLE INDEXES,
ISE, FUNDOS RESPONSÁVEIS, etc...) tem sido uma constante.
A fragilidade destes instrumentos reside em aspectos muito vulneráveis a
críticas elementares:
3 Para maiores informações, consultar informações sobre a empresa Swiss-Re,
do segmento de
resseguros, que em 2005 iniciou o desenvolvimento de uma política de
resseguros com base em
modelos de impactos climáticos para a costa norte americana afetada por
tufões e furacões com maior
intensidade.
(i) Empresas que apresentam melhores resultados assim o são por serem
excelentes
em gestão, tanto que configuram em outros rankings como: empresas melhores
para se trabalhar, destaques em inovação, destaques em modelos de gestão,
dentre outros, e não necessariamente por implantarem políticas e processos
que
tenham a sustentabilidade como diretriz estratégica. É natural que uma
empresa,
excelente em termos de qualidade de gestão, estará mais preparada para
inserir a
sustentabilidade em seu modelo de gerenciamento.
(ii) Em outra ponta, fundos de contraposição a essa abordagem, os vice-
funds (fundos
que investem em papéis de empresas de jogos, cigarro, álcool e armamentos -
http://www.vicefund.com) apresentam rentabilidade em longo prazo igual ou
superior aos fundos considerados éticos (28º lugar no ranking de
rentabilidade
americano para aplicações superiores a 3 anos, entre um total de mais de
600
fundos comparados).
(iii) Decorrente das questões acima é suposto pensar que os bons resultados
dos negócios advêm de uma boa gestão, independente do vínculo com a
sustentabilidade. Poderíamos questionar sobre o valor de longo prazo das
empresas não sustentáveis, como as do vice funds acima descritas, no que se
refere à continuidade da manutenção dos resultados favoráveis. Será que
estas manteriam ou aumentariam seu valor em 30 anos, considerando-se a
pressão do
consumidor por uma atitude diferente? Talvez sim, talvez não, tudo
dependendo da pressão dos consumidores, dos cidadãos e dos governos. É uma
aposta de longo prazo a ser feita versus o custo de oportunidade do
presente. Em sendo rentável no presente e garantindo bons resultados de
curto prazo, dificilmente a empresa conseguirá explicar aos acionistas
atuais que eventuais perdas (e existem4) decorrentes de adoção de práticas
sustentáveis se converterão em
ganhos futuros.
4 As perdas existem na medida em que estamos aqui considerando a realidade
brasileira, de sonegação de impostos em larga escala, práticas de
corrupção, trabalho não descente, baixa preocupação com impactos ambientais
da atividade produtiva, dentre outros. Adotar práticas sustentáveis nesta
realidade, certamente trará perdas que deverão ser compensadas por outras
linhas do balanço. Exemplo atual que pode ser citado é a constante
comparação entre os mercados internacionais e o mercado de China e Índia,
supostamente mais eficientes por terem menores custos sociais e ambientais
por determinação de seus governos ou por negligência operacional amparada
por uma fiscalização pouco interessada e empenhada.
A questão que fica no momento, é em que medida essa abordagem de associar
sustentabilidade com rentabilidade será uma força motriz para que as
empresas optem para
um novo caminho. É fato dizer que, qualquer que seja o cenário, o resultado
dos negócios
jamais será deixado de lado. E neste sentido, penso que seria mais lógico
centrar a estratégia
da sustentabilidade nos resultados econômicos (e riscos associados) e nada
mais. Imaginar
que, em algum momento, os mercados terão qualquer motivação ética para
mudar, pode até
ser uma aposta, mas penso que com baixa chance de vingar.
Como as empresas reagem ao modo de operar dos mercados
As empresas têm reagido a este modelo de distintas formas. Todavia, ninguém
questiona o
fato de que o modelo de reação tende para o sentido de aumentar vendas e
participação de
mercado, reduzir custos diretos e indiretos, terceirizar com o intuito de
tornarem variáveis os
custos fixos, pressionar toda a cadeia produtiva para um novo patamar de
produtividade e, por
último mas não menos importante, identificar, mensurar e mitigar os riscos
associados.
Neste contexto, os gestores têm buscado formas de pressionarem por
resultados em toda a
cadeia produtiva. Estão fazendo não o papel deles, mas respondendo às
pressões do mercado.
Não duvido que esses mesmos gestores, naqueles instantes que antecedem o
descanso
noturno, pensem: "onde isso irá parar?".
E encaramos tudo isso como um processo "normal".
Vemos a cada dia empresas se utilizado de técnicas sofisticadas de criação
de percepção de
bem-estar no ambiente de trabalho, como convenções, comemorações,
disponibilização de
infra-estruturas de relaxamento e conveniência para os colaboradores. Criam
espaços de
convivência em sua infra-estrutura, disponibilizam academias, creches,
restaurantes, clubes.
Tudo isso acaba por fazer com que o colaborador fique cada vez mais
internalizado na
empresa. E entendem que a "motivação" do colaborador tende a crescer quanto
mais
disponibilizarem a ele uma situação em que ele sinta o "pertencimento" a um
grupo, a um
time com uma dada identidade. Infelizmente, as empresas não percebem que
com isso estão
afastando os colaboradores de suas famílias, de seus sonhos não ligados à
corporação, de sua
capacidade efetivamente criativa. "Coisificam" as pessoas, tratando-as
preventivamente como
se trata preventivamente de todos os demais ativos da empresa.
Paradoxalmente, desperdiçam recursos consideráveis pela falta de
objetividade e praticidade.
Investem recursos vultosos em todas estas iniciativas, em projetos que nem
sempre são
concluídos, em planos de negócio nem sempre atingidos. Criam múltiplos
focos e ações, como
que com tal decisão, mantendo as pessoas ocupadas, os resultados melhorem.
No campo da
sustentabilidade, abrem diversos focos de ação e, justamente por isso,
resultando em baixa
efetividade em termos de relevância e materialidade para o desenvolvimento
sustentável.
Em certa medida a culpa não é das empresas, mas de uma prática de
desenvolvimento da
gestão criada historicamente pelas corporações. Os executivos não têm tempo
para refletir,
para planejar, para dar passos seguros. Estão, a todo tempo, com minutos
contatos para
tomarem decisões importantes.
Mas parece haver movimentos distintos em segmentos relevantes da economia
mundial.
Recentemente, o modelo da Toyota veio à tona como uma referência5. Alçada
ao posto de 1ª
montadora mundial, o modelo desta organização é a antítese daquele em que a
velocidade
passou a ser a suposta causa do sucesso. Nesta organização, o planejamento,
a fidelidade da
empresa com seus colaboradores, a prudência ao tomar as decisões e,
principalmente, a
disciplina do planejamento integrado com objetivos claros e atingíveis,
levou a comprovação
de que a velocidade não é o fator determinante para o sucesso.
Portanto, um novo desafio para o futuro: a inserção da sustentabilidade no
modelo de
gestão das organizações prescinde da criação de espaços e tempos para o
diálogo e reflexão
em profundidade, envolvendo as partes interessadas. Não podemos imaginar
que trataremos
destas questões da forma como vimos tratando as demais tomadas de decisão
do dia-a-dia. A
mudança tem que ser profunda (atitudes que influenciam as práticas diárias)
e ao mesmo
tempo objetiva, pois precisam trazer os resultados econômicos esperados
pelos acionistas (ao
menos).
5 Matéria publicada na Revista Exame, em 24.04.07 -
http://portalexame.abril.com.br/internacional/m0127514.html (para acessar a
matéria)
Mas como criar tais espaços e tempos? É preciso deixar o que não é
relevante, não colocar
recursos (humanos e financeiros) onde o valor agregado será pouco
representativo para a
empresa e para a sociedade (aí incluído o meio ambiente). Colocar em
prática a perspectiva do
"foco estratégico". Mais importante do que ter uma dezena de ações em
curso, cujos
resultados são podem ser questionáveis, focar naquelas poucas ações que,
tratadas em
profundidade, selecionadas a partir de critérios de relevância e
materialidade, mensuradas e
traduzidas em termos econômicos (sobretudo), possam efetivar a diferença
provocada pela
sustentabilidade. E, por fim, dizer ao mercado: "o que fazíamos, ou
dizíamos que fazíamos,
deixaremos de fazer ou faremos de outra forma. O que deveríamos estar
fazendo, faremos em
maior profundidade e com conseqüências relevantes e materiais para a
sociedade."6
Uma vez criadas as condições de atuar com foco, liberando recursos para a
construção de uma
agenda positiva de impacto material, um novo desafio estará associado à re-
conceituação do
que é sua razão de ser, inserindo-lhe "sentido" mais o que outra coisa. A
pergunta deixará de
ser "qual a razão de ser da empresa" para "qual o sentido de ser uma
empresa com uma dada
razão de ser?". As empresas, como organizações humanas e para os seres-
humanos,
precisarão achar o sentido de sua existência no futuro. E, certamente, caso
neste "sentido"
não exista alguma associação com a criação de um mundo melhor para se viver
hoje no futuro,
algo estará errado, insustentável e, portanto, questionável.
Daí decorre um novo desafio para o futuro: definir o sentido de existência
da organização,
mais do que sua razão de ser.
Neste processo de "atribuir-se de sentidos", as empresas deverão mais uma
vez se questionar:
"o que torna o mundo impróprio para a vida em sociedade e como nossa
organização pode
contribuir para que essa condição se reverta?".
Deverão surgir novas soluções, compostas por uma conjunção de produtos e
serviços
destinados a segmentos da sociedade, viventes de situações insustentáveis e
que desta
insustentabilidade derivem oportunidades de negócios que justifiquem o
sentido e a razão de
ser da organização.
Existem (ainda em pequena escala) casos desta natureza, como: (i) soluções
para a base da
pirâmide, (ii) soluções para pessoas de idade avançada, (iii) soluções para
povos sem acesso à
água potável ou combustível renovável, (iv) soluções para o transporte
sustentável, ou para a
substituição da necessidade de transporte, etc... Empresas como Gramin
Bank, France
Telecom, Pfizer, Philips, Siemens, dentre outras, fazem parte desse pequeno
grupo de
organizações que estão buscando tais soluções.
A forma pela qual estas organizações percorreram o processo de inovação
apresenta aspectos
em comum: (i) buscam entender o contexto de forma ampliada, além dos
limites que estavam
até então habituadas, (ii) buscam parcerias com organizações das mais
variadas competências,
orientações e setores e, por fim, mas não menos importante, (iii) procuram
por oportunidades
onde usualmente se visualizam problemas que não competem às empresas,
usualmente,
responsabilizarem-se (e sim ao governo).
6 Impacto no modelo de comunicação institucional da empresa com seus
públicos. Para maiores
informações sobre os conceitos de relevância e materialidade, sugere-se a
leitura atenta dos capítulos
introdutórios do Global Reporting Intiative – GRI, revisão G3 – no que
tange aos princípios de relevância
e materialidade.
Certamente deste processo surgirá um novo desafio futuro: uma "reinvenção"
do que se
entende por organização corporativa. A começar pela necessidade de
considerar as múltiplas
partes interessadas e o equilíbrio constante de seus interesses. Esta nova
organização, dotada
de "sentido de humanidade e tendo o humano como o centro de sua razão de
ser" deverá se
construir com base na solidariedade. Não me refiro a questões de
solidariedade até então
conhecidas, como a religiosa, mas sim à solidariedade sistêmica, da
integração de todos com
todos (interdependência). Ser solidário será, em última instância, colocar-
se em lugar do
outro (partes interessadas) e entender que os desequilíbrios nas relações
poderão ser
prejudiciais ou benéficos, trarão riscos e oportunidades que devem ser
identificados,
mensurados e mitigados/oportunizados, gerando maior ou menor
sustentabilidade em
perspectivas de tempo distintas, afetando, sobretudo, os resultados
econômicos de médio e
longo prazo.
Pode dizer que, no futuro, o desenvolvimento de novas soluções de produtos
e serviços,
quando pautados pela "solidariedade da sustentabilidade", tenderá a ser
mais sistêmico e
dotado de sentido, pois as empresas passarão a "ouvir e considerar" um
conjunto maior de
opiniões as quais, querendo ou não, nos dias de hoje já interagem de uma ou
outra forma com
a organização. Será, acima de tudo, uma atitude preventiva, de menor risco,
de maior
possibilidade de impacto positivo.
Como as empresas deveriam operar com o mercado em um contexto de
desenvolvimento sustentável
Penso que os pontos acima expostos já dão uma clara noção dos desafios
futuros para a
sustentabilidade. É importante ressaltar que, quando do lançamento do GRI
G3, através de
processo extensivo de uma consulta pública mundial, dentre um conjunto de
"princípios"
aceitos por todos, dois se destacam: os princípios de relevância e de
materialidade para a
sustentabilidade naquilo o que a empresa faz.
Por relevante, e de forma aqui resumida, entende-se um dado tema cujo
modelo de gestão (da
forma como se encontra, ou da forma como pode ser), provoca uma mudança
positiva para a
sustentabilidade em questões consideradas críticas: água, energia, gases do
efeito estufa,
desigualdade, etc... Um tema é relevante quando endereça uma questão
crítica da
sustentabilidade, portanto.
Por materialidade entende-se aquilo que a empresa pode representar de um
"todo", quando
provoca uma mudança em uma questão considerada relevante. Deste modo, podem
existir
diversos temas que são relevantes, mas a empresa é detentora de baixa
materialidade em sua
cadeia produtiva.
Da combinação de variáveis por esses dois critérios, tem-se que:
. Aspectos relevantes e materiais – deveriam ser o foco da empresa no
futuro, em se
tratando de sustentabilidade. Ela deveria ter de forma clara em seu
planejamento
estratégico, o seu posicionamento, suas diretrizes, seus objetivos e metas.
Deveria
investir o que fosse necessário (e em bases economicamente viáveis) para
garantir que
esses temas sejam adequadamente considerados e estejam presentes na agenda
da
alta administração.
. Aspectos relevantes e não materiais – deveriam ser alvo de discussão.
Pois, em não
sendo materiais, o impacto da empresa no todo é pouco expressivo.
Entretanto, caso a
empresa entenda que pela relevância deva se posicionar para seus públicos,
este
posicionamento e as ações decorrentes devem ser segregadas em termos de
custo e
investimentos, para que fique claro aos acionistas que os custos associados
a estas
iniciativas não tem impactos materiais, mas justificam as crenças e valores
da
organização.
. Os demais casos, ou seja, os que sejam de pouca relevância e
materialidade, deveriam
ser, simplesmente, deixados de lado. Com isto, abririam espaço e
disponibilizariam
recursos para que os casos acima descritos pudessem ser conduzidos de forma
a
garantir a profundidade e conseqüências necessárias.
Conclusões
As empresas não são hipócritas ou pouco focadas conscientemente. É difícil
discernir, em um
mundo tão conturbado, tão veloz, tão superficial, o que efetivamente
importa. Entretanto,
penso que nosso papel na sustentabilidade é alertar para essas questões.
Elas são
insustentáveis, elas não se manterão por muito tempo. Precisamos ter
coragem, foco e
transparência para dizer que o que fizemos até então não estava errado, mas
estava certo na
medida do seu tempo. Evoluímos, aprendemos e não faz sentido, deste
processo de evolução
e aprendizado, que não tiremos nenhuma conclusão que mude a forma como
vimos até então
conduzindo a sustentabilidade nas organizações.