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Faculdade Anísio Teixeira
Disciplina – Oficina de Texto Jornalístico I
Professora: Marly Caldas
Reportagem Contextualizada I
O QUE É REPORTAGEM
Prof. MS Pedro Celso Campos
Reportagem não é notícia grande. Certamente é uma grande
notícia porque sem um fato importante, um grande fato, não se tem
reportagem de interesse para o leitor. Ter-se-á, talvez, uma espécie de
picaretagem, ou uma matéria paga, que interessa a algumas pessoas, não ao
universo de leitores do jornal.
Na definição de Amaral (1997) "reportagem é a representação de
um fato ou acontecimento enriquecida pela capacidade intelectual,
observação atenta, sensibilidade, criatividade e narração fluente do
autor".
Para Alberto Dines, "a reportagem também é uma arte porque nela
entra toda a bagagem subjetiva de quem a faz". Muitos autores situam a
reportagem a meio caminho da literatura, na verdade já dentro da literatura
como se pode notar, inclusive, na modalidade do livro-reportagem que faz
tanto sucesso, mesmo quando o volume ostenta 500 páginas e mais, tamanha a
leveza do texto e a habilidade de narrar os fatos jornalisticamente.
No dia-a-dia da imprensa, um texto maior - nestes apressados
tempos da informação on line - precisa se justificar para ser lido.
Justificar-se por si mesmo, sendo um bom assunto, e justificar-se através
de sua construção lingüística e de sua programação visual. Do contrário,
não será lido, apenas ocupará o caro espaço do jornal.(Todavia cabe citar
aqui a exceção de produtos claramente dirigidos a públicos específicos que
procuram retomar o Jornalismo de Autor – como na Revista Caros Amigos - em
que o texto fala por si mesmo tal a sua qualidade técnica e o seu conteúdo,
independente de acessórios gráficos, conforme veremos adiante).
Quando o repórter conta com um espaço maior, não basta ampliar
a notícia com "cascatas" ou "enchendo lingüiça". O leitor não é bobo. Ele
está cada vez mais exigente. E antes dele há o editor cobrando qualidade o
tempo todo. A reportagem é o caminho para a consagração de um repórter logo
em seus primeiros anos de carreira. Mas também é a sepultura de quem tem
preguiça de apurar. Pesquisar, checar dados, rechecar com outras fontes,
cruzar informações, descobrir mentiras antes que elas sejam publicadas,
enterrar-se em calhamaços de documentos, pedir ajuda a quem entende para
estudar papéis técnicos e balanços, andar muito, ouvir muito, perguntar
muito e ter a sorte de contar com uma boa equipe, com um editor competente
e um programador visual ainda mais...eis o caminho da boa reportagem.
É preciso sorte, também, para estar numa empresa que acredita
no valor da reportagem e por isto investe recursos nela, ao invés de optar
por um jornalismo rapidinho, baratinho, inutilzinho, destinado a ser
varrido do mapa pelo concorrente em questão de tempo...A boa reportagem é
trabalho demorado. O livro-reportagem, por exemplo, leva meses, anos para
ser concluído.
Por isto os bons jornais têm sempre uma equipe com os melhores
profissionais trabalhando assuntos em profundidade que vão resultar em
grandes matérias. Na fase de levantamentos o trabalho exige discrição,
sigilo mesmo, para que o assunto não vaze, o que poderia abortar a matéria
por ferir algum interesse inconfessável. Imagine-se a pressão dos corruptos
sobre um repórter se souberem que ele está prestes a revelar fatos
escabrosos do Detran, da Polícia, de uma empreiteira, de grupos políticos,
ministérios etc. O repórter deve ter a habilidade de não "abrir" totalmente
para suas fontes o teor da matéria; apenas o suficiente para obter as
informações de que precisa. Ao mesmo tempo deve ter o zelo ético de ouvir
todos os envolvidos para não ser injusto, deixando claro quando a pessoa
citada se recusou a falar.
Boas reportagens transformam-se em pauta para os demais jornais
e para a televisão. Na verdade, em muitos casos o repórter de jornal tem
mais facilidade para levantar informações porque pode se infiltrar melhor
nos ambientes, enquanto a equipe de TV exige, forçosamente, uma
parafernália enorme que logo chama a atenção e muitas vezes afugenta fontes
preciosas...a não ser quando se usa câmara secreta, ilegalmente, claro....
De um modo geral a dinâmica da TV não comporta detalhes de
documentação que o jornal pode apresentar. Números, documentos, dados
comparativos alcançam melhor entendimento quando impressos, preto no
branco, onde as pessoas podem ler, reler, conferir, arquivar. É inegável
que a TV tem outras vantagens como o alcance imediato do país inteiro. Como
negar o impacto das imagens da PM paulista espancando pessoas indefesas na
Favela Naval? Ou as cenas de trombadinhas em plena ação na Praça da Sé? Mas
no dia seguinte os interessados vão procurar o jornal para conferir
detalhes que escapam no vídeo.
Ainda no campo das definições, devemos concordar com Dines: a
reportagem é uma arte. Ela não pode ater-se apenas ao relato factual
porque não pode ser um relatório frio, como um processo judicial ou um
inquérito policial, nos quais há muitos dados mas não há reportagem, pois
não está presente ali a arte de escrever, não há um estilo, uma
interpretação jornalística dos fatos. Pelo menos não há um sentido para os
fatos, uma contextualização, uma humanização do relato. "O retrato quadrado
de um acontecimento não é jornalismo, é registro. O retrato de um
acontecimento engrandecido pela técnica da narração, argúcia e cultura de
quem observa, isto sim é jornalismo", comenta Alberto Dines, citado por
Amaral (1997).
Em "A Arte da Reportagem-Vol I" (Igor Fuser-org.São Paulo:
Scritta, 1996) o apresentador da obra, Eugênio Bucci, define: " A
reportagem, como a arte, tem a necessária pretensão de iluminar o
significado, de apontar uma direção acima do caos dos eventos cotidianos".
Para alcançar este objetivo, "o repórter deve entender o que tem a narrar.
E, para entender, precisa sentir. Só então ele ordena o caos (e escreve,
encadeando os fatos como são encadeadas as palavras). Porque o repórter
sente, as reportagens emocionam. Porque ele entende, elas informam.
(Informação, não custa repetir, é um dado que contém sentido para o leitor.
Ou não será informação, mas apenas um dado a mais, perdido)".
"A arte da reportagem é trazer à luz a informação que é notícia
– aquela cujas repercussões tendem a alterar a expectativa dos fatos
futuros. Vivemos um momento em que a imprensa proporciona uma gigantesca
oferta de dados, mas carece de informações; anda atulhada de opiniões, mas
raquítica em visão de mundo; lista fatos e mais fatos, mas quase não tem
reportagem. A reportagem só é arte (e bom jornalismo) quando foge da
indiferença e traz, em sua narrativa, a pretensão de compreender o que se
passa", conclui.
2. O QUE É NECESSÁRIO
Amaral (1997) relaciona os seguintes requisitos para a
reportagem:
Capacidade intelectual – O profissional tem que pôr à prova
todas as suas aptidões, a fim de abordar convenientemente o tema e esgotá-
lo até os últimos limites.
Observação atenta – Aí entra em jogo a capacidade que tem o
repórter de ver. A bagagem intelectual e as informações prévias sobre a
questão facilitarão ao repórter discernir o que é principal e secundário
durante o trabalho de campo e em meio a um mundo de informações. Agir com
toda a curiosidade exigida pelo jornalismo.
Sensibilidade – Embora influenciada pela bagagem cultural, é
pessoal, íntima, não pode ser ampliada com simples regras de comportamento.
Esta faculdade ou o repórter a tem ou não a tem, é o caso do músico, do
pintor ou do escritor.
Criatividade – Toda a articulação e exposição do tema precisa
assentar-se em bases reais, do contrário seria uma negação mesma do
jornalismo. Impõe-se a reconstituição honesta dos fatos e do clima em que
se desenrolam. Por maiores que sejam a imaginação e a técnica narrativa do
repórter, seu dever fundamental é com a verdade. Para cumpri-lo, necessita
ter coragem e dizer "isto eu vi", "isto me contaram", tal como fez Pero Vaz
Caminha.
Narração fluente – A informação bruta transforma-se em
reportagem através da narração fluente. O repórter não deve mostrar muita
preocupação com a forma, mas tem que saber expor os fatos de maneira que o
leitor se sinta atraído do princípio ao fim do texto.
A boa reportagem pode e deve ser o diferencial entre os meios
impressos e a mídia eletrônica (Internet, rádio, tv) uma vez que
possibilita descer a fundo na questão abordada. Quanto à Internet, cabe
lembrar que, através do hipertexto, é possível oferecer ao interessado um
aprofundamento ainda mais amplo interligando o texto com links relacionados
em sucessivas camadas de aprofundamento. Nos atentados de 11 de setembro de
2001, nos EUA, a Internet chegou a ficar congestionada, tal o volume de
pessoas buscando detalhes on line sobre o fato. Isto significa que a
disputa entre o impresso e a Internet não está no conteúdo, mas na dimensão
espaço-tempo, que permite à rede sair na frente com a notícia e, ao mesmo
tempo, aprofundar-se mais antes que o jornal do dia seguinte comece a
circular.
Entretanto, como em tudo na vida, uma boa reportagem começa com uma
boa idéia, com a intuição do repórter para farejar fatos sensacionais ou
muito graves. Depois que todos os jornais estão criticando o uso de aviões
da Força Aérea para ministros e presidentes de Tribunais passarem férias
com a família em Fernando de Noronha fica muito fácil e até redundante
escrever sobre o assunto. Mas o primeiro a atacar o problema, a pesquisar e
revelar o que descobriu, com coragem, clareza e transparência, este sim não
será visto como mais um repórter.
O start para a grande idéia vem da percepção para entender o
que está por trás de uma simples nota de coluna, de uma declaração em off,
de uma frase solta numa entrevista coletiva, de uma conversa de bastidores,
de um encontro sindical. Às vezes a suspeita não se confirma, mas o
repórter deve estar sempre atento, antenado, ligado.
Depois da grande idéia é preciso planejar uma boa pauta, montar
um bom roteiro, traçar um plano de ação, partir para a pesquisa, botar o pé
na estrada sem medo de enfrentar todo e qualquer tipo de dificuldade, como
ensina o saudoso Marcos Faerman no livro "Repórteres", (organizado por
Audálio Dantas. São Paulo: Editora Senac-SP, 1998). O sacrifício se paga,
por maior que seja, quando o jornalista vê seu texto publicado e gerando
reações positivas na sociedade para melhorar as pessoas, as instituições, o
país. Ser jornalista não é ganhar dinheiro (porque vender carro usado dá
mais ). É mudar o mundo. "Fare il giornalista è molto faticoso, ma è meglio
che lavorare", pilheriam os italianos, segundo conta Mauro Santayana, no
livro "Repórteres". É uma profissão para grandes mentes e grandes corações.
Sobre a reportagem, Audálio Dantas adverte: "É preciso ter
coragem para ver, coragem para contar o que viu, coragem para espantar o
medo, coragem para conviver com o medo".
Quem parte para a investigação jornalística deve "domesticar a
arrogância de pensar que sabe tudo. Ela é inimiga da boa investigação",
orienta Carlos Wagner, de "Zero Hora". E completa: "A prepotência é inimiga
mortal do repórter".
José Hamilton Ribeiro (ex- Realidade ) define a boa reportagem
como "uma vitória repentina", ou, então, como "um ato de amor, de ilusão,
de crença no ser humano...mas o jornalista tem de ter fé".
Para fazer a boa reportagem o jornalista deve escapar dos
limites da redação e não se prender à rodinha dos amigos porque a grande
notícia tem que ser buscada, checada, conferida ali onde o homem está, no
meio do povo, na rua, nas esquinas do mundo.
José Hamilton tem uma fórmula para este tipo de jornalismo no
qual se consagrou:
BC + BF
GR = -----------------
( T x T )"
Grande Reportagem (GR) é igual a um Bom
Começo (BC) mais Bom Final (BF), em cima de Trabalho (T) vezes Talento (T)
elevados à enésima potência.
Também ensina ao repórter iniciante: "Olho aberto para o
mundo...com os sentidos todos aguçados para captar cada detalhe e, com
eles, compor um bom conjunto. Aí é sair para o abraço ou o brinde".
Ele também orienta que se deve ter muito cuidado com as fontes:
"O que se ouve, convém registrar como versão. O fato mesmo depende de mais
observação".
Ganhador de prêmios internacionais no exercício da profissão,
Lúcio Flávio Pinto diz que "boa informação nunca fez mal à sociedade. Mas,
para encontrá-la, é preciso muito esforço, persistência, aplicação e
criatividade. Ela não se oferece fácil. Pode estar oculta, prosaicamente,
num balanço contábil, por exemplo. É preciso desfazer a maquiagem dos
números para saber o que ocultam".
Segundo ele, "jornalismo é impulso movido, principalmente, pela
indignação".
Marcos Faerman define a reportagem como "a arte de reconstruir
os fatos através da documentação. É um método de investigação da realidade
que difere da historiografia, da sociologia ou da antropologia e que tem
como centro a arte de investigar os fatos e saber descrevê-los. Isto se faz
com melhor ou pior qualidade e tem muito a ver com a formação cultural de
quem escreve".
Mauro Santayana (ex-Jornal do Brasil), também citado no livro
"Repórteres", acha que o jornalista iniciante deve lidar com a reportagem
policial e com a cobertura de hospitais, pronto-socorros e necrotérios.
Segundo ele, "a conduta da reportagem policial revela o caráter do
jornalista e a emoção dos fatos ajuda-o a construir seu texto pessoal, ao
exigir o equilíbrio entre a emoção e a verdade. Na reportagem de polícia, o
jornalista faz, e para toda a vida, sua opção ética e política. Fica de um
lado ou do outro da sociedade. Com a reivindicação de justiça ou na
cumplicidade com o poder do dinheiro".
Santayana diz que "um jornalista sofre com o mundo quando leva
seu ofício a sério". Lembra que todos nós temos uma posição diante do mundo
associada a nossa identidade essencial. Por fim, aconselha:
- Se você não conseguir ter uma visão muito clara da situação e
não tiver tempo para investigar a fundo, fique com a parte mais débil. A
injustiça contra o forte, mesmo que seja detestável, como toda injustiça, é
melhor do que a injustiça contra o fraco. O forte consegue restabelecer a
verdade e recuperar a credibilidade. O pobre, ao perder a reputação,
desgraça-se para sempre.
Ricardo Kotscho tem a convicção de que "repórter é repórter em
qualquer lugar, não importam as circunstâncias, os veículos, os tempos
históricos. Tem de estar preparado para escrever sobre qualquer assunto, em
qualquer lugar, a qualquer hora".
Para ele o trabalho terá resultado tanto melhor se o repórter
perguntar sempre, não desistir nunca, tiver a humildade de reconhecer que
não domina todos os assuntos e disposição para descobrir o que, afinal,
está acontecendo. Se der sorte de estar no lugar certo, na hora certa,
então, melhor ainda.
Kotscho é um dos que critica a falta de apoio das empresas,
hoje, para a grande reportagem, saudoso dos anos 60, quando, com o
surgimento do Novo Jornalismo no Brasil, "o repórter era o coração e o
pulmão de qualquer veículo".
Os que acolhem esse tipo de crítica dos grandes jornalistas
vêem na empresa atual a única preocupação de manter um bom saldo bancário,
privilegiando o "marketing de guerrilha" que acaba transformando os
jornalistas em meros coadjutores no bazar ambulante do jornal atual, cheio
de quinquilharias para atrair o cliente. Capítulos de enciclopédia e de
livros, CDs e até sementes são distribuídos aos leitores, quando bastaria
um jornalismo mais investigativo, mais interpretativo, mais voltado à
prestação de serviço para dar resultados muito melhores.
Tudo isto justifica e valoriza a importância da reportagem no
jornal impresso. Daí a responsabilidade de quem se põe a produzi-la.