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O Imperialismo Semiológico, Por Carlos Filho

Reflexão sobre o poder das marcas

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1 2 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho UMA REFLEXÃO SOBRE O PODER DAS MARCAS 3 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho Sumário Apresentação ........................................................................................................... 5 Justificativa ............................................................................................................. 6 Objetivo ................................................................................................................... 7 Metodologia ............................................................................................................. 8 Referencial Teórico ................................................................................................. 9 A palavra ................................................................................................................. 11 O substantivo .......................................................................................................... 24 A marca .................................................................................................................... 49 Conclusão ................................................................................................................ 60 Bibliografia e Filmografia ...................................................................................... 61 4 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho Apresentação Este trabalho reflete questionamentos a respeito do potencial da comunicação nos dias de hoje e da influência da comunicação corporativa no comportamento social. Ao defender seus interesses como empresa, as organizações disseminam conceitos, impõem modelos de comportamento e influenciam a vida dos indivíduos na sociedade. Conceitos trabalhados pelas corporações são assimilados pelo público de forma a contribuir para o crescimento de uma compreensão nova de cultura, voltada para o capital e para o consumo. Considerações iniciais sobre os principais emissores das mensagens publicitárias e de seu público-alvo, um pouco de história para contextualizar o leitor cronologicamente, e até mesmo com o assunto a ser desenvolvido. Finalmente uma abordagem mais técnica do fenômeno das marcas, algumas definições, descrições, importâncias e funções. Uma realidade em que as empresas e a sociedade coexistem, mas que estão longe de representarem ideais de qualidade de vida e de comprometimento social. 5 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho Justificativa Esta obra é fruto de experiências pessoais, ainda que não de uma carga temporal muito expressiva, de uma carga emocional bastante marcante. Tem como importância primária aprofundar o conhecimento no estudo de concepção de marcas e de fixação delas nas mentes dos indivíduos. A preocupação social com a mente dos consumidores é importante para que nunca sejam tratados como se fossem “…roaches – you spray them and spray them and they get immune after a while” como disse David Lubars, do Omnicom Group. 6 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho Objetivo A concepção, a criação, e o desenvolvimento das associações ao redor de um substantivo, a marca, que na mente dos consumidores, e por que não dizermos dos seres humanos, provocam tanto rebuliço, tanto desejo, tanta carência é o objeto de estudo desse trabalho. Pretende-se por ele, uma reflexão a respeito do poder das marcas no mundo contemporâneo, passando por um pouco da história dessa nova realidade, e de suas tendências ao correr da evolução da sociedade atual. 7 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho Metodologia Esta publicação é de natureza eminentemente teórica. É fruto de reflexões suscitadas por minha prática profissional em agências de publicidade, pelo conhecimento adquirido em um curso de especialização em branding, na Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo e pelo acompanhamento da mídia especializada em propaganda nos últimos anos. Meu método de trabalho é constituído de pesquisa bibliográfica e audiovisual de cunho crítico para contextualizar as leituras de cunho técnico concernentes à área de publicidade e especificamente de comunicação corporativa e branding. O assunto do trabalho foi escolhido após uma observação da relevância humana e operativa das marcas para as sociedades e economias atuais, convergindo assim um interesse pessoal pelo assunto e uma bagagem histórica de conhecimento sobre as marcas. Posterior à escolha do tema, o levantamento da bibliografia consistiu em uma busca por teóricos em comunicação, corporativismo e marketing. Sem uma escolha por escolas definidas, uma leitura técnica fez-se necessária associada à uma base crítica dos próprios autores. A pesquisa bibliográfica, direcionada por autores, em sua maioria, de origem estrangeira, reflete a pouca variedade bibliográfica nacional com relação ao tema. Do aprendizado do curso de graduação em comunicação à aplicação dos conhecimentos adquiridos com a prática no mercado, tentei valer-me do que mais me impressionou ao longo de minha curta trajetória. O trabalho referencia-se pela execução conjugada entre as empresas de comunicação e anunciantes na construção das imagens de marca. Uma tarefa essencialmente criativa que resume o que de mais importante se tem na publicidade. A marca. 8 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho Referencial Teórico Este trabalho inicia-se com as observações de um professor americano, de nome Walter Ong Jr., e de seus estudos a respeito das origens da comunicação humana. De sua síntese inicial, partindo da primária manifestação intelectual entre os seres humanos caracterizada pela linguagem. O trabalho de Walter Ong Jr. é baseado em estudos na área de psicologia, psiquiatria e comunicação, possuindo um cunho muito mais informativo que crítico. São estudos fundamentados na vasta amplitude da comunicação em suas manifestações verbais, não-verbais, orais, visuais e simbólicas. Os estudos do professor Norbert Elias e suas considerações filosóficas, baseados em um conhecimento prévio em psicologia, medicina e filosofia ilustram um cotidiano em que o relógio é o maior inimigo da sociedade. Das considerações de Elias sobre a experiência do tempo brotam reflexões esobre um aspecto fundamental do “processo civilizador”. O volume intelectual e financeiro inerentes ao mercado editorial, foi de fundamental relevância para a realização deste projeto. Dos modelos e teorias da comunicação, definições, descrições analíticas e expositivas, e as funções dos mass media, que são tratadas de forma singular por Mauro Wolf, a antológicas e consolidadas teorias de Adorno, Geertz, Lasswell etc. De teóricos clássicos da comunicação corporativa e do marketing, como Aaker - e seu trabalho desenvolvido sobre as marcas e as técnicas desenvolvidas ao longo do tempo com relação a esse assunto - e Kotler - e suas quase que inquestionáveis constatações mercadológicas e quase que inconfundíveis conceitos e metodologias. O estudo sobre as marcas e seu contexto histórico e mais cotidiano é o objeto de estudo de uma jovem teórica canadense que, por um único trabalho de cunho amplamente jornalístico, lançado em 2000, consegue fazer uma bela representação do que 9 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho representam as corporações de hoje e sua consolidação partindo do ontem: ela se chama Naomi Klein. Com uma característica crítica muito presente em todo o seu discurso, a obra de Klein nos alerta para uma realidade que aos poucos desperta não só a curiosidade mas também o apoio de intelectuais do mundo inteiro, de jornalistas a cineastas. O filme “The corporation” corrobora a idéia e o legado da obra da canadense, apimentando ainda mais a idéia de que as marcas atingiram uma força grande e que uma iniciativa social se torna, se não uma necessidade, uma possibilidade iminente. Um estudo mais direcionado ao mercado, e que desde a década de 80 ilumina a mente de publicitários no mundo todo, é obra de uma dupla que já tem uma consistente obra. Al Ries e Jack Trout permanecem ainda hoje como nomes importantes e donos de idéias marcantes, que são atualmente disseminadas por meio de uma vasta e consistente realização, com livros lançados em diversos idiomas pelo mundo. Ambos são, atualmente, nomes freqüentes em palestras e publicações especializadas, divulgando novos conceitos, aprimorando o conhecimento em publicidade e revitalizando a indústria da propaganda, da comunicação corporativa, dos conceitos e dos desejos. Da literatura nacional, a principal referência é a da obra de Jurandir Freire Costa e suas relexões a respeito do comportamento de consumo, das motivações desse processo, e fazem parte deste trabalho de forma mais conclusiva. O estudo do antropólogo Everardo Rocha, complementa o trabalho com uma alusão ao uso de ícones e de sua representação aplicada à publicidade. Ao aplicar o conhecimento técnico e histórico à psiché, ao lado emocional humano, aproximamos o branding e a mercadologia do contexto psicológico e, por que não, da filosofia. 10 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho A palavra “Man communicates with his whole body, and yet the word is his primary medium. Communications, like knowledge itself, flowers in speech.” J. Ong, Walter. O capitalismo e sua lógica alimentam o cenário econômico, político e social de forma hegemônica e quase homogênea nos últimos 15 anos. E isso não acontece de forma localizada em algumas partes do globo, na verdade, o que podemos observar, é uma crescente unificação das linguagens e dos pensamentos na sociedade humana do século XXI. De certa forma, os meios de comunicação ganharam muito em eficácia nesse período recente, posterior à consolidação da imprensa de forma geral, não só com o intuito de informar e de transmitir conhecimento de forma mais abrangente, mas também com uma outra abordagem mais ousada, calcada nos fundamentos da coerção, da influência e da manipulação. Nesse contexto, podemos, na menos provável das hipóteses, definir a comunicação de modo que, ao nos colocarmos como seres capacitados em transmitir mensagens, nos utilizamos deste artifício diariamente nas mais diversas situações e possibilidades.Um evento, e por que não dizer, um fenômeno, composto por 5 elementos fundamentais, cuja análise permite perceber sua complexidade e utilidades mais precisas. (cf. Lasswell, 1948) O emissor, aquele que formula a mensagem, que controla o que é difundido. É dele o poder sobre o que está sendo comunicado em sua origem, começa ali um longo processo de causalidades, efeitos, conseqüências, enfim, a semente ou a arma, a benção ou a maledicência, segundo as intenções do emissor. Estes podem variar desde os politicamente corretos, como por exemplo os dotados de preceitos éticos e de moral 11 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho apurada, sejam os comercialmente intencionados, publicitariamente direcionados para construir desejos, sejam os de cunho meramente lúdico ou de entretenimento, como por exemplo os desenhos animados ou as caríssimas produções audiovisuais recentes, o fato é que somos parte de um processo evolutivo que depende da comunicação desde que nascemos, pois somos submetidos a uma necessária carga de experiências, dentre elas, fundamentalmente, a de nos expressarmos e de sermos entendidos. O conteúdo da mensagem pode assumir formas diversas. Conteúdos explícitos, com um quê de simplicidade, mas mesmo assim ricos em significação, em sentidos; mensagens implícitas, mas ainda assim importantes nesse processo de transmissão de informações, desde a perpetuação das nossas capacidades intelectuais de geração a geração a enganos; e até mesmo subliminares, propositadamente escondidas na realidade aparente, mas presentes na realidade oculta de nossas percepções. Os meios de comunicação, diante dessa análise, satisfazem portanto necessidades estruturais da sociedade. Necessidades cognitivas, em que assumem a postura de alimentadores e de reforçadores do conhecimento. É o caso por exemplo dos inúmeros títulos sobre os mais variados assuntos presentes hoje em livrarias, dos programas televisivos que respeitam uma cadeia de elementos a serem tomados como importantes para os diferentes contextos nacionais e ao mesmo tempo para um contexto único mundial, a famosa “agenda”, ou uma simples conversa entre um pai e um filho em uma mesa de café-da-manhã. Necessidades afetivas e estéticas, em que são reforçadores das experiências estéticas e emotivas. Afetivas por poderem, por exemplo, nos relembrar das semelhantes sensações experimentadas ao ver um filme de comédia e ao darmos um gostoso sorriso no amanhecer do dia, ou mais massificamente falando de disseminar valores em sua agenda ou seu conteúdo. E estéticas, por terem o poder intrínseco de mostrar uma realidade a um número grande de pessoas que possivelmente irão se adequar a pelo menos àquela maneira de pensar, muitas vezes não podendo desenvolver voz ativa, ou até mesmo algum tipo de contra-cultura ou uma cultura alternativa àquela já presente 12 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho nos meios. Necessidades de integração, em nível de personalidade (segurança, estabilidade emocional, posição social, incremento de credibilidade) e em nível social (reforço de contatos). E necessidades de evasão (entretenimento, abrandamento das tensões e conflitos). (cf. Wolf, 1985) Essas mensagens se utilizam de um canal, de um meio que possibilita uma comunicação. Seja o nosso próprio corpo, um outdoor, uma televisão, um livro, esse meio possui diferentes características inerentes à sua existência como transmissor da mensagem. Na história recente, a humanidade dispõe de uma enorme gama de possíveis transmissores de sinais, da caneta e papel à complexidade das transmissões digitalizadas e mobilizadas diariamente no ambiente virtual, ou como conhecemos popularmente, a World Wide Web. Os canais podem exigir mais de um de nossos sentidos para serem percebidos, podem nos levar a tomar decisões imediatas, ou simplesmente tornar aquela informação parte do universo cognitivo do receptor. As audiências, o público, o destino final das mensagens. Àquele que, intencionalmente ou não, está exposto à origem do momento sublime iniciado em todo processo comunicativo pelo emissor. Em um mundo globalizado as distâncias que antes poderiam até ser colocadas como barreiras para uma comunicação fluente já não são mais obstáculo. Na verdade, como podemos perceber ao longo de nossa existência, o homem sempre buscou uma diminuição das distâncias entre possíveis emissores e receptores, buscando uma comunicação eficiente e eficaz entre as partes localizadas nos limites do horizonte. Desde a época dos sinais de fogueira entre tribos indígenas à realidade das transmissões por fibras ópticas que tornam o mundo algo pequeno, minúsculo. Mas esses horizontes na verdade, já não são inalcançáveis, tornaram-se uma realidade próxima. Finalmente, o último elemento integrante do processo comunicativo: os efeitos da 13 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho comunicação. Os efeitos provocados pelos meios de comunicação “dependem das forças sociais que predominam num determinado período" (cf. Lazarsfeld, 1940: 330). Atuando nesse âmbito socialmente delimitado, podem adquirir diferentes características. Os efeitos de ativação, são aqueles que transformam as tendências latentes em comportamento efetivo, têm a capacidade de desencadear processos subseqüentes ao ato de tornar públicas mensagens dos emissores. Em propaganda isso é muito válido ao trabalharmos com lançamentos de marcas novas no mercado, produtos ou serviços que chegam para disputar o seu lugar na mente do consumidor. Os efeitos de reforço preservam as decisões tomadas, evitando mudanças de atitude. Com uma precisa observação da perspectiva de comportamentos dos consumidores ou da medição da participação deles no reflexo dos ativos da empresa, esse efeito torna-se desejável a empresas que fazem um pleno acompanhamento de suas proximidades e de suas potencialidades com relação à sua parcela de consumidores do mercado. E finalmente, os efeitos de conversão são aqueles que fazem as audiências questionarem-se acerca da cultura que estão vivenciando, mas ainda assim, sendo direcionadas em uma primeira instância, por um emissor. Movimentos de contra-cultura ou de culturas alternativas provavelmente são boas possibilidades de observação e de mensuração desse tipo de efeito, já que são exemplos explícitos da diversidade cultural ainda possível de serem percebidos. (cf. Wolf, 1985: 52) Estes elementos estão presentes tanto nas relações entre dois indivíduos como naqueles em que um único emissor atinge grandes audiências. Contudo, supôr que eles esgotam as considerações sobre a comunicação, como fazem os teóricos formuladores da teoria do projétil, também denominada teoria hipodérmica, seria hoje uma ingenuidade. Outras teorias problematizam a constituição da mensagem – as reais intenções dos emissores, e o processo de recepção que encerra a enorme complexidade das interpretações, sempre condicionadas pelas idiossincrasias individuais e pelas variações culturais. (cf. Goldman, 1973) 14 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho A compreensão do fenômeno da comunicação adotada neste trabalho a identifica com a própria noção de cultura, pois é a comunicação que possibilita a constituição da rede de interações que formam o tecido da sociedade. O indivíduo é uma mente a todo momento emissora e receptora que, enlaçando com os outros, consitui a sociedade. Globalização “Antes mundo era pequeno, porque Terra era grande. Hoje mundo é muito grande, porque Terra é pequena. Do tamanho da antena parabólica.” Gilberto Gil Desde as viagens desbravadoras de Colombo, a nossa civilização vem experimentando um processo de globalização em etapas, que sempre marcaram um momento de grande mudança no comportamento humano e de forte impacto no modo de vida em nosso planeta. Num primeiro momento, o tamanho do mundo diminuiu de grande para médio. Longe de situarem-se em uma contemporaneidade ditada pela imprensa e pelos meios de comunicação, a conquista por territórios era o que importava às grandes nações. Mapear o desconhecido, expandir os limites até então muito estreitos para as nações hegemônicas da Europa, em busca de fiéis, e de terras a serem exploradas, constituindo assim um próspero terreno para a posterior Revolução Industrial. Com a industrialização, surge uma segunda necessidade de expansão. Esse processo diminuiria o mundo de tamanho médio para pequeno, e teria como força 15 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho dinâmica as empresas multinacionais, que expandiram em busca de mercados e de mãode-obra. Primeiramente propiciada por uma queda nos custos de transporte (com o surgimento das ferrovias e do motor a vapor) e posteriormente pela queda nos custos de comunicação (com a difusão do telégrafo, da telefonia, dos PCs, dos satélites, dos cabos de fibra óptica e da World Wide Web em sua versão inicial). Pela primeira vez na história podemos visualizar uma noção de economia global, de movimentação de bens e de informações entre os continentes. Praticamente uma inexistência inicial de barreiras e obstáculos para a informação, bem como para a todo e qualquer tipo de transação, forma de comunicação e de compartilhamento de conhecimento e trocas de experiências. Paralelamente à noção de industrialização, a comunicação também vive uma readaptação de seus conceitos e de suas fundamentações, adequando-se a esse novo âmbito mundial. Termos como cultura de massa, passam a ser substituídos por uma também indústria, a cultural. A Indústria Cultural substitui a expressão cultura de massa. Uma cultura dominada pela elite, que se utiliza para tanto, do uso manipulativo dos meios de comunicação de massa. A massa não tem opinião própria, auto-comando, e nem se expressa documentalmente através de formas expressivas, como a cultura popular. Assim teorizava Adorno sobre essa nova realidade, muito condizente com o momento em que o modo de produção capitalista se firmava e que a informação passou a ter valor de mercadoria. (Adorno, 1973) A partir dessa percepção integrada do mundo, o indivíduo de certa forma não pode ser visto como o único foco desse fenômeno. A visão sociológica da comunicação ganha espaço. A comunicação de certa forma passa também a fazer parte de um mercado global. Por exemplo, a comunicação organiza a convivência humana através da cultura. O que se evidencia também no ambiente virtual, onde podemos perceber a segmentação dos grupos por interesses intelectuais ou de mera troca de informações. A comunicação passa a ter valor de troca. E, na mais metafísica das análises, realiza utopicamente o nosso desejo de diálogo. 16 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho Voltando a uma análise mais fria com base nos estudos de teóricos, o que dizer de argumentos como a reprodutibilidade técnica de Walter Benjamin em tempos de fibras ópticas carregando milhares de informações codificadas ao redor do globo e sendo projetadas virtualmente em telas de máquinas IBM, com processadores Intel, rodando em um sistema operacional da Microsoft, com o auxílio de softwares livres utilizando tecnologia de códigos abertos? Parece que a verdadeira aura que hoje em dia se faz presente é a aura do poder capitalista, em que, um balanço lançado por uma empresa na Europa é analisado, em segundos, por uma equipe de jornalistas na Índia, refletindo imediatamente no mercado de capital aberto dos Estados Unidos ou do Brasil. Do emissor, aos receptores “primários” e, finalmente, aos receptores “secundários”, em questão de segundos. “Nos dias atuais, o “tempo” é um instrumento de orientação indispensável para realizarmos uma multiplicidade de tarefas variadas.” (Elias, 1984: 15) Imaginemos essa noção de tempo aplicada aos processos da comunicação, coexistindo em uma realidade na qual a informação é considerada por muitos o bem mais valioso de nossa contemporaneidade. Estamos vivenciando uma etapa significativa da diminuição do mundo como nunca vimos anteriormente. O mundo está se tornando minúsculo. E o tempo não é mais fator limitante para nada. Vivenciamos hoje um momento em que o indivíduo, e as possibilidades de interação entre ele e qualquer pessoa ao redor do mundo, a qualquer momento, é uma realidade. Os indivíduos possuem a capacidade de colaborarem e concorrerem no âmbito mundial. Interligados por hardwares e softwares e dotados do poder de manifestar suas opiniões, criativas ou transformadas, originais ou adaptadas, cada indivíduo torna-se um potencial modificador do processo mercantil, social, político ou de qualquer outro âmbito existente. Mais ainda, conectados por uma rede de fibra óptica, de dimensões planetárias, que nos torna todos vizinhos de porta, ao nos associarmos com pessoas de qualquer lugar do planeta com mesmos interesses e objetivos, nos organizamos finalmente em núcleos intelectuais dotados de muito poder de transformação, ou, na pior das hipóteses, de 17 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho manifestação de idéias. É claro que, por estarem tecnologicamente na frente de todos os outros países do mundo, os Estados Unidos estarão sempre no melhor lugar da sala de cinema, na cadeira VIP, ou seja, na crista da onda criativa. Desse fato decorre algo interessante, porém desanimador para as culturas ainda não tão favorecidas tecnologicamente. Hoje, tudo que pode ser digitalizado pode ser terceirizado. O que, invariavelmente, nos coloca muito atrás do “poderio intelectual capitalista” criado pelos norte-americanos. Nossa mão-de-obra barata do terceiro mundo atende perfeitamente às necessidades braçais dos serviços não mais apetitosos aos olhos dos americanos, sobrando aos países menos desenvolvidos renderem-se ao poder do dinheiro. O aspecto cultural das diferentes organizações sociais que existem hoje no mundo (entenda-se organizações sociais por países, continentes, Estados, povos, nações, ou simplesmente vizinhanças, ou um clube de amigos), ganha importância vital para a inserção dos países menos desenvolvidos no cenário contemporâneo. A cultura, a priori, é desenvolvida a partir de um número de pessoas, que caracterizariam um aspecto social qualquer, possuindo algo de valor testemunhal, como por exemplo obras realizadas, e dotadas de uma característica valorativa, ou seja, de valores, de idéias. Cultura é um conjunto de práticas, saberes, costumes, através de cuja institucionalização se realiza a convivência. É aqui que fazemos valer de nossos aspectos únicos como cidadãos globalizados, com contribuições significativas de nossas origens e com bases fincadas em raízes atemporais. O sublime se revela na percepção diferente, que podemos não só manifestar diante de pensamentos outrora impostos por um mercado dominante, mas também materializar em ações concretas que buscam uma maior harmonia entre as diferentes culturas existentes em nossa civilização. As diferentes culturas, em uma abordagem mais fundalmente baseada em análises teóricas, acabam por coexsitir em ambientes ilimitados. A inexistência de limites para que 18 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho experimentemos os efeitos de atitudes e de decisões acaba por, de certa forma, nos tornar inconseqüentes, o que nos leva a buscar apoio em comunidades e indivíduos em que vemos que nossos valores são também respeitados. Assim como em cabos de fibra óptica, ou em mensagens digitalizadas nas telas dos computadores, toda mensagem codificada, precisa ser decodificada para ser plenamente entendida pelo receptor. Emissor e receptor precisam de conhecimentos compatíveis. (Goldman, op. cit.) Aspecto inicial do processo comunicativo. É óbvio que ao nos expressarmos buscamos um anteparo em que possamos ver o resultado de nossas ações. Daí a virtude singular inerente ao ser humano em suas várias possibilidades de se expressar oralmente, gestualmente e, até mesmo que inconscientemente, com expressões e feições que revelam suas mais íntimas percepções do mundo. “O conceito de cultura que eu defendo é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise. Portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, a procura de significado.” (Geertz, 1973 – A interpretação das culturas) Ao nos situarmos analiticamente no poder dos signos e na vasta rede de interpretações criadas pelas diferentes audiências, sejam pessoais, individuais, ou sejam sociais, comunitárias, a experiência é o evento divisor do que é a realidade vivenciada naquele momento por determinada cultura. Para Kant, por exemplo, a experiência é a principal fonte do conhecimento. Embora todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo conhecimento se origine da experiência. A diferenciação de um conhecimento que se origine de uma experiência de um conhecimento independente dela e de todas as impressões dos sentidos nos traria dois distintos nomes para os conhecimentos, são eles: conhecimentos a priori, e conhecimentos empíricos, que possuem suas fontes a posteriori, ou seja, na experiência. Dificilmente poderíamos entrar nesses méritos com relação à 19 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho origem da linguagem e sua perpetuação. O que podemos perceber é que somos submetidos inicialmente a uma realidade social, em que ao nascermos nos comunicamos com indivíduos de nossa espécie e absorvemos premissas importantes para a vida subsequente a que estaremos expostos, e que a comunicação é um dos elementos primários dessa composição de caráter e de personalidade. Depois adquirimos uma coerção natural em que absorvemos uma cultura externa à que estamos submetidos, um movimento de “fora para dentro” ocasionado muitas vezes pela instituição social do tempo. Em uma sociedade com valores extremamente pontuais, teremos obviamente a tendência a percebermos uma realidade dinâmica ao extremo, o que não aconteceria por exemplo em sociedades mais focadas no conhecimento natural que no material, por assim dizer. Por fim, a semiótica e a semiologia, nos dão uma perfeita noção do vasto universo a que a linguagem nos submete. Cria-se a partir daí um enredo em que o subjetivismo é a força dominante dessa nova etapa da industrialização intelectual. As palavras ganham valores devido à posteriorização do conhecimento. Não é a coisa em si, mas seu conteúdo e seu signo nos remetem a um significado. Significado esse que pode ter valor de coisa, de um ser, de um objeto ou ainda de uma abstração. Ao pegarmos como referência o tempo, a mais abstrata das representações humanas, vemos que isso é perfeitamente alusivo a uma enorme carga de percepções e experiências anteriores a seu entendimento pelo indivíduo socialmente relacionado. “Podemos legitimamente afirmar que o relógio indica o tempo, mas ele o faz através de uma representação contínua de símbolos que só têm significação num mundo em cinco dimensões, num mundo habitado por homens, isto é, por seres que aprenderam a associar às figuras perceptíveis imagens mnêmicas específicas, e portanto, um sentido bem determinado. A particularidade do tempo está no fato de que se utilizam símbolos – hoje em dia, símbolos essencialmente numéricos – como meios de orientação no seio do fluxo incessante do devir, e isso em todos os níveis de integração, tanto física quanto 20 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho biológica, social e individual.” (Elias, 1984: 16) O relógio é um belo exemplo da realidade semiológica que nos cerca, a partir do momento em que ao nos depararmos com a simbologia desenvolvida ao redor deste aparelho e uma unificação da percepção do tempo ao indivíduo e à realidade social que ele pertence. É a referência a ele e ao conjunto da sociedade em questão. Mas não passa de símbolos e de interpretações. O signo, ao ser referenciado como uma síntese entre o significante e o significado, entre a representação física, a escrita e a compreensão subjetiva dessa representação, nos revela ainda mais pertinente a idéia de que as culturas caminham para uma idéia de unificação global com a ausência de distâncias a serem percorridas, de barreiras a serem transpostas. Estamos caminhando para uma unificação da linguagem por parte das palavras orais e por parte dos códigos digitais utilizados em computadores e na realidade virtual. O signo é o sêmen, a fonte de comunicação da linguagem humana. E a linguagem é tudo quanto serve para expressar idéias, sentimentos e modos de comportamento. Ao dotar-se dessa faculdade integralizadora de realidades e percepções que é a comunicação, a informação visa mostrar as diferenças, e a significação visa também mostrar as diferenças, mas que possam ter qualidades análogas, semelhanças. Informar, em sua gênese, é uma linguagem em forma de mensagem. Significar é uma composição interpretativa da linguagem, subjetiva, e diretamente associada ao universo cognitivo de emissor e receptor. Em publicidade, a necessidade da experiência, da composição do universo cognitivo ao longo da formação do profissional que, acima de tudo, busca sempre uma aprovação em massa de suas idéias, de seus pontos de vista, sempre criticados por quem não quer ser atingido pelas mensagens, é de suma importância para que este profissional consiga uma maior difusão de seus conceitos, de uma maior facilidade ao expressar e ao tentar atingir de certa forma um público-alvo seleto, ou simplesmente delimitado por pesquisas, ou pelo desejo de um anunciante que com certeza se preocupa com seu 21 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho investimento. A coragem, acima de tudo, ao ousarmos, ao tentarmos buscar o diferente, o inovador, é sempre o caminho mais curto para atingirmos as mentes de consumidores, que antes de tudo são indivíduos. Também compostos por um universo cognitivo amplo e dirigido por suas intenções mais íntimas, o público-alvo nunca pode ser considerado como homogêneo. Cada cidadão carrega consigo cargas emotivas, cargas experienciadas anteriormente e que influenciarão no modo que, ao captar a mensagem, esse “anteparo” sirva como um espelho crítico, porém, se bem aceita a mensagem, um forte elemento difusor dos conceitos principais intrínsecos a qualquer processo comunicativo. Mais que nos focarmos na importância da comunicação corporativa, a troca de informações entre pessoas, de diferentes etnias, culturas originárias, ambientes sociais, é a preocupação desta reflexão. Principalmente porque, ao projetarmos o fenômeno da comunicação nos dias atuais, se resume a um processo de difusão de conceitos e de percepção e de absorção pelos elementos alvo. As corporações adquirem características quase que pessoais nos dias de hoje. Até porque são compostas por mão-de-obra humana, inteligente (ainda mais em tempos tão competitivos), e que, por fazerem parte de uma realidade mercantil, do ponto de vista do trabalhador como a verdadeira força dinâmica das corporações, em primeira instância, e do capital, em sua instância mais abstrata, como nos casos de necessidades de postura das empresas no mercado de capital aberto. Nessa última consideração, vê-se o capital como a necessidade fundamental para a sobrevivência e para o melhor desempenho destas corporações em todos os momentos do processo de atuação das corporações nos mercados, e dos indivíduos, nos diversos âmbitos sociais. A posição das marcas nesse cenário, de certo modo é muito confortável. Adquirem poderes, ilusórios, sempre, mas que acabam por serem legitimados pela inércia da sociedade diante de algo abstrato mas que, há muito tempo, já se caracteriza como a principal forma de, na mais simplista das interpretações, diferenciar produtos e serviços em uma realidade saturada de informações e de significações. Nomes simples, próprios, 22 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho compostos, enfim, palavras que impulsionam essas máquinas criadoras ou executoras de produtos e serviços de um tempo em que o ter se confunde com o ser. De que o devir se resume ao instante fugaz do segundo, como por exemplo na troca de valiosas informações via Web, do presente existente no décimo de segundo, em competições esportivas infladas pelos milhões em patrocínios de marcas variadas, apresentando-nos seres quase que inumanizados, como os atletas explorados pelas grandes marcas, evidenciando-nos sempre seus feitos mais heróicos e limítrofes no que diz respeito à capacidade do nosso organismo. Em uma realidade nada abstrata, o absurdo da medição das capacidades sintetizadas do homem e da potência e da precisão das máquinas, ainda complementando seus layouts com logomarcas, carregadas de associações, e aspectos quase que espaciais no que diz respeito a design e a aspectos físicos e de tecnologia de ponta, o instante e o fugaz se fundem, em milésimos de segundo, ao retórico e ao persuasivo, por exemplo em competições de automobilismo. É a imporância de vender sonhos, de criar desejos, de subverter o que se apresenta aos nossos sentidos, buscando utilizar da comunicação e de todas as suas vertentes, sejam verbais, não-verbais, instintivas, para uma compreensão cada vez mais capitalista da nossa realidade. Nas palavras de Michael Jordan: “What Phil Knight and Nike have done to me is turn me into a dream”. (Klein, 2000: 52) 23 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho O substantivo “Se ao invés de enchermos os bolsos, enchermos a cabeça, jamais seremos roubados.” Provérbio chinês O começo Desde que o dinheiro se tornou a principal fonte de poder de ação nas sociedades em que o capitalismo é o pré-requisito de sobrevivência de indivíduos e de empresas, as denominações de produtos e serviços prestados pelas entidades que compõem esse universo mercantil, no que diz respeito à dominação de mercados e de mentes, são seus principais ativos. Com o período de consolidação da fabricação de produtos industrializados, um fenômeno até que recente, com pouco mais de 200 anos de existência, exigiu-se, pelas vias normais do capitalismo, em que sobrevive quem se adequa mais claramente às leis de oferta e de procura, uma crescente organização multiintegrada entre os modelos de produção. Da matéria-prima, à manipulação dela e à comercialização posterior, as etapas são cruciais em sua execução, acompanhadas desde o início para um caminho único: as prateleiras de lojas de esquina ou, mais atualmente, as gôndolas de mega-lojas. No começo, por volta de 1800, a industrialização se limitava por fatores como a real demanda de produtos, pelos meios de transporte que as empresas possuíam para distribuir suas mercadorias, pela quantidade de pontos de distribuição, enfim, a logística ainda se iniciava como algo crucial para a viabilização de produtos e sua comercialização. Simples seria entender o capitalismo como um mero sistema, se não estivéssemos expostos ao que ele se tornou. A produção de coisas, de produtos, foi a base desta consolidação que se evidencia 24 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho nos dias de hoje. Com a evolução natural, afetada diretamente pela injeção de capital, as empresas se estruturaram de forma a cada vez mais lucrar. A necessidade primária neste processo cíclico é a de produzir e colocar o seu produto pronto para ser consumido. Esta base foi algo bem estruturado, de forma que, ao longo dos anos, com a produção de “coisas” se expandindo, tomando vigor e forma de algo colossal, fomos obrigados a conviver com estruturas de tamanho inigualável, como as gigantescas fábricas e indústrias espalhadas ao redor do mundo, passando às complexas redes de distribuição, uma já vasta malha ferroviária e rodoviária crescendo em proporções exponenciais e uma dinâmica aeroviária nunca antes vista. Em 1938, surgem questionamentos acerca do berço do capitalismo e especulações a respeito dos porquês da economia americana estar enfrentando momentos de instabilidade, e por que não, uma possível decadência. Perfeitamente plausível que, depois de momentos em que uma profunda crise atinja as principais indústrias e que o mercado mais poderoso do mundo veja-se em frangalhos, especulações e questionamentos fundamentados em bases filosóficas, estudos de mercado, ou simplesmente na observação do cenário em que se encontrava o berço do capitalismo, floresçam no âmbito intelectual. Uma possível interpretação desse momento histórico, é a de que a economia americana no início do século XX perdeu a noção da importância de produzir. Entende-se por essa produção, o funcionamento típico de um sistema industrial. Necessidade de matéria-prima, manipulação desse material, comercialização e obtenção de lucros. A transformação desse processo em algo grandioso acabou por tornar, de certa forma, essa realidade em algo muito grande, com muitas pessoas trabalhando, muitas coisas sendo produzidas, metas astronômicas a serem atingidas, estruturas de produção enormes, enfim, muito. Produtos nas prateleiras, os consumidores agora são o alvo. Surge uma 25 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho necessidade inicial de mostrar ao mercado seu produto, de mostrar a cara e de fazer parte do universo de desejos existenciais de cada indivíduo. É simples: ao tomarmos conhecimento, por que não experimentar? A necessidade evidente é a de diferenciação do que vai ser consumido. Algo melhor que uma palavra para diferir? Um símbolo estampado na cara do produto? Desde que somos condicionados a perceber o mundo pela visão, já que é nosso mais complexo aparato de captação de estímulos do ambiente externo a ser codificado pelo cérebro, a marca se torna o cartão de visita de produtos e serviços. Ao pensarmos a marca como principal significado do mercado corporativo atual e a publicidade como o meio de integração com os compradores das qualidades oferecidas pelas empresas, está implantada a condição para que o limite, agora, seja o desconhecido. As primeiras campanhas maciças de publicidade, compostas em sua origem por palavras e imagens, viriam a acabar com algo simplista, porém vital: a liberdade. Desde seu início, as marcas sempre tiveram uma característica de muita proximidade com seu público-alvo. A marca deveria ser algo familiar, percebido como se fosse uma extensão da vida do consumidor, que, ao se expor a uma massa de consumo, precisa suprir suas carências com aquilo que os deixam seguros. Elas seriam a interface principal de comunicação entre o produto ou serviço e o consumidor. Essa interface, posteriormente, subverteria algo importante nesse modo de produção, criando a terceirização. Sim, empresas comprando produtos pré-fabricados e estampando um nome. Um substantivo. Mesmo sem dominar sequer os métodos de produção, sem ter sequer entrado em uma fábrica, um CEO 1 poderia comercializar o que quisesse, estampando sua corporação na identidade deste material comercializável. O produto ou o serviço, em sua essência material já não é o diferencial em sua apresentação ao mercado, mas sim a essência de sua identidade percebida pelo consumidor. A essência desse substantivo estampado em seu rosto. Algumas empresas produzem bens, outras terceirizam, os serviços compõem essa complexa e não preenchida balança comercial, mas, no fim do 1 Chief Executive Officer: Termo que designa o mais alto escalão das grandes corporações multinacionais atualmente. Por exemplo, Phil Knight é CEO e fundador da Nike. 26 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho processo de compra, o que se percebe é que os consumidores compram marcas. Esse fato ocasionaria uma necessidade maior de atenção às estruturas internas da empresa, que se vêem obrigadas a investir cada vez mais na imagem do produto no mercado, estruturando equipes, investindo em P&D, enfim, profissionalizando suas bases estruturais. Aqui percebemos uma relação direta, em que quanto mais você investe, mais você amplia sua capacidade de atuação e mais se faz presente a sua existência na cabeça do consumidor. Como tudo o que é novo, que traz consigo uma alta capacidade de subversão e que se firma como um movimento duradouro na sociedade, sendo não apenas um modismo, algo passageiro, as marcas foram expostas a momentos em que sua real importância foi questionada. Por esse caráter inovador, especuladores mais céticos e conservadores, por exemplo, aqueles industriais que já atuavam em grandes mercados e possuíam uma complexa rede de comercialização de seus produtos, não se acanharam diante da nova tendência e começaram a pregar que seriam testemunhas de um fenômeno interessante: a morte precoce do costume de dar nomes a produtos e serviços. Com o surgimento da marca, viu-se uma enormidade de novas possibilidades de movimentação, de apresentação de comercialização e de consolidação de elementos no mercado. Muitos se questionaram da real fixação desta nova perspectiva e continuaram apostando em seus tradicionais métodos de produção, em que a quantidade, que sempre havia sido sinônimo de maior lucro, manteria sua força natural pela complexidade de seus processos e pelo volume absurdo de produtos com que as indústrias abasteciam a sociedade. Porém, outros começaram a visualizar novas maneiras de evoluir no mercado, sem que utilizassem de complexas formas de produção de bens ou, ainda que usando os métodos já conhecidos e toda a estrutura já envolvida, adequando-se a essa nova realidade. O que se viu foi uma bifurcação entre os caminhos a serem seguidos pelo modelo de produção capitalista. Empresas tradicionais continuaram apostando no antigo modo de produção, bem sucedido até o momento: voltadas para o produto, continuaram a expandir seus domínios com base no volume de vendas, sempre com a necessidade de 27 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho aumentar vertiginosamente seus lucros com base na quantidade de mercadorias em circulação. Outras empresas, talvez um pouco mais visionárias no momento de uma profunda crise, apostaram na consolidação da marca. Criou-se aí um novo panorama de atuação no mercado, desenvolvendo-se de forma sólida, a cultura da empresa voltou-se para sua reputação, para sua performance diante da crítica do público, enfim, para sua imagem diante do consumidor. As corporações que optaram por esse caminho começaram a desenvolver uma cultura de cuidado com a marca, de estudo ao redor de suas possibilidades, de maior entendimento deste novo fenômeno, bem como de sua melhor utilização junto ao mercado e à sociedade. Deste embate entre os modos de interpretação da realidade do mercado capitalista do meio do século XX aos dias atuais, resultam elementos que sintetizam os resultados atuais deste longo processo. Em uma leitura exemplar, as grandes lojas de varejo, consolidadas em seu volume de vendas, em seu poder de negociação junto a fornecedores e em sua política agressiva de preços rivalizam, em uma análise primária, com as corporações que têm em seus nomes seus maiores patrimônios. De um lado, a monopolização com base em volume de vendas, em super lojas, disseminando a cultura do preço mais barato, a cultura do desconto; e de outro, a cultura à imagem, ao conceito, às essências dos modos de vida e ao completo contato com o consumidor. Essa nova forma de se manifestar no mercado, de se movimentar em seus tortuosos caminhos, de certa forma virtualizou o dinheiro e seu poder. O que se pode perceber, é que a comercialização de bens materiais dá espaço a uma nova forma de comércio, em que a mente do consumidor, a aura ao redor do produto, a essência cultivada pela marca é que revela em muitos casos o fator decisivo de compra. É claro que nem tudo fluiu sempre tão bem assim para as marcas, até porque o valor metafísico ao redor dela tem que ser convertido em valor monetário, sempre. Na história, existem momentos em que, para se ajustar aos preços de uma quantidade enorme de concorrentes em uma mesma categoria, grandes marcas líderes isolados de mercado diminuíram seus 28 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho preços, deixando os especuladores de plantão aptos a sentenciarem a menor importância da marca ou mesmo a sua morte, argumentando que, se líderes não valorizam suas marcas, ou se elas não têm o poder que deveriam ter, na verdade todo esse estudo é uma ilusão, algo abstrato. O que dizer desta hipótese ao nos depararmos com fenômenos massivos de valor agregado a um substantivo, como é o caso de Nike, Tommy Hilfiger, Levi’s, Apple, The Body Shop, Calvin Klein, Starbucks, Mc Donald’s, Coca-Cola e Disney? Sim, as marcas prevaleceram a esses momentos de incertezas. Mais que isso, consolidaram-se. A expansão “Nunca antes, num campo de golfe, alguém tinha me dito para mirar “na Microsoft ou na IBM”. Estávamos no primeiro tee do KGA Golf Club, no centro de Bangalore, sul da Índia, quando o meu parceiro indicou dois edifícios de aço e vidro que reluziam ao longe, atrás do primeiro green. Pena que o prédio da Goldamn Sachs ainda não estava pronto, senão ele poderia tê-lo apontado também e feito uma trinca. Os escritórios da HP e da Texas Instrtuments ficavam no back nine, junto ao décimo buraco. Mas não acabava por aí: as marcações dos tees eram da Epson (a fabricante de impressoras) e um dos nossos caddies estavam usando um boné da 3M. Na rua, algumas placas de trânsito também eram patrocinadas pela Texas Instruments – e, acima delas, o outdoor da Pizza Hut exibia uma pizza fumegante e anunciava: “Gigabites de Sabor!”. Não, definitivamente acho que não estamos mais no Kansas. E, para dizer a verdade, parece que não estamos nem na Índia. Seria este o Novo Mundo? O Velho Mundo? Ou o Próximo Mundo?” (Friedman, 2005: 11) Esse comportamento agressivo das corporações, paralelamente ao enorme aumento da importância da publicidade nos PIBs de alguns países, proporcionou a elas uma possibilidade de comportamento global, rompendo barreiras estatais, chegando à viável forma de “fazer” cultura munida de seus valores e de seus potenciais financeiros e de investimento. Baseando-se na principal forma de venda, que é a experiência de uso da marca, de seus produtos ou serviços, vê-se terreno aberto para a aplicação de uma nova 29 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho forma de comunicação corporativa. “Os produtos que irão se manter no futuro serão aqueles que não se apresentarão como “commodities” mas como conceitos: a marca como experiência, como um estilo de vida.” (Klein, 2000: 21) Algo com essa importância obviamente seria a força transformadora por trás da estruturação e da departamentalização das corporações recentes. O que se vê, atualmente, são verdadeiros quartéis generais que cuidam de seus maiores ativos relacionados às marcas. O que se busca, é um poder cada vez mais ligado à marca, ao se manifestar no mercado assinando seus nomes em seus produtos. Tanto investimento só poderia ocasionar um resultado: a relação mais profissional entre a marca e sua equipe, e a busca mais íntima, mais emocional na relação entre a marca e o consumidor. Com toda essa estrutura montada e todo esse aparato tecnológico a favor das grandes corporações, o desafio passa a tornar a experiência da marca uma realidade. Sair do papel e atingir o público. Tornar a experiência algo real. O segredo dessa expansão das marcas em seu crescimento vertiginoso nos últimos 20 anos constitui-se basicamente na aproximação do público-alvo ao conto-de-fadas que os substantivos comercialmente direcionados são por natureza. O efeito, se não a intenção inicial, é a subversão entre a cultura e as marcas, colocando a cultura como pano de fundo e tornando a rede de associações e sensações relacionados aos produtos como a cultura propriamente dita. Para isso, o marketing já se encontra apto o bastante para poder desenvolver, nas mais diversas frentes de atuação (seja esportiva, seja social, seja com o uso de celebridades testemunhando o uso de um produto), essa proximidade com seus mantenedores mais importantes, os clientes. Num exemplo deste evento recente, podemos citar a enormidade de situações de promoções nos pontos de venda, que buscam uma resposta imediata dos consumidores diante da exposição à marca, reduzindo seu poder de reação e, conseqüentemente modificando possivelmente seu ato no momento da compra. A marca torna-se o verdadeiro bem da empresa, e seus produtos e serviços, ferramentas do marketing corporativo. 30 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho Um dos principais métodos utilizados pelas grandes corporações ao trabalharem suas marcas e difundi-las, aproximando-se de seu público de maneira eficiente, cultivando assim um carisma e também iniciando uma forma de relacionamento com seus mercados alvos, é o patrocínio. A variedade ampla de abordagens propiciadas por esse método de trabalho evidencia-se em diferentes fontes de atuação utilizadas pelas empresas. Desde eventos esportivos a campanhas sociais, o patrocínio de certa forma contribuiu muito eficazmente para que as corporações construíssem um ótimo cenário para a sua penetração na sociedade, de forma a camuflar reais intenções de busca de novos mercados. Os interessados neste tipo de parceria visam sempre a viabilização de idéias que, a primeira vista, podem ser consideradas difíceis de se concretizarem, mas que, diante da capacidade de exposição a que as marcas envolvidas visualizam, tornam-se atraentes e podem sempre ocasionar tanto um lucro financeiro substancial quanto uma composição de valores agregados ao redor dos substantivos e símbolos que as denominam. O maior problema, é quando alguns “limites” são relegados a segundo plano. A participação das empresas, tornando eventos e possibilidades viáveis comercialmente, sempre exigirá um enorme comprometimento de carregar, junto a seu conteúdo natural, os valores e conceitos disseminados pelas empresas patrocinadoras do projeto, bem como sua cultura interna. A partir do momento em que as marcas se dispõem a participar deste contexto, elegem uma enorme gama de concorrentes, desde seus concorrentes diretos de categoria de produtos, mas também, ampliando ainda mais este espectro de análise, todas as marcas que compõem o universo cognitivo dos consumidores e, mais especificamente, parcelas específicas da sociedade que podem ser a favor ou contra a participação de grandes empresas em eventos culturais. O que brota desse pensamento, portanto, é uma dicotomia inerente a essa prática, que muitas vezes começa com uma boa vontade de ambas as partes envolvidas e posteriormente se dilui em uma usurpação da capacidade de exposição de conceitos e valores, ficando à mercê de seus funcionários, proprietários e acionistas. 31 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho A Nike, por exemplo, desde o início de sua difusão trabalha constantemente com o mundo esportivo como seu principal campo semântico a ser explorado. É no campo esportivo que podemos perceber as maiores transações entre valores monetários em busca de associações sempre mais ousadas que podem exponencializar o contato da marca com o público-alvo. Usando um método em que consistentemente criam-se celebridades esportivas (tornando a marca algo metafísico, poderoso, transcendental, ilusório e sublime), passando a uma desconstrução da competição (trazendo esse clima de combate para o âmbito comercial, entre as marcas); enfatizando apenas o lado físico, de superação de nossos próprios limites e depois desintegrando a marca em seus produtos mais diversos (formando uma verdadeira barreira de bens que protegem a instituição superior às suas existências, a marca); utilizando um dos mais conhecidos símbolos comerciais da atualidade, (como se fossem vistos ou marcações de um controle de qualidade), a Nike atingiu patamares de conhecimento mundial. Hoje, trabalha a essência de sua marca, elaborando conceitualmente aquilo que desperta a atenção e o desejo de seus consumidores. Desde a produção dos primeiros tênis que deram origem à empresa, aos caríssimos contratos com celebridades esportivas, a fórmula utilizada pela empresa aos poucos cria na mente de seu público um sentimento de engrandecimento da marca e proximidade dela com seu público consumidor. Eventos esportivos, que desde as maratonas gregas são vistas como celebrações únicas dos talentos físicos dos seres humanos, têm um enorme apelo junto à sociedade, colocando, por exemplo, 1 bilhão de espectadores na frente de suas televisões na Copa do Mundo de Futebol de 2002, não escapam dos olhares predatórios dos maiores fabricante de materiais esportivos atuais. Movimentando cifras astronômicas ano após ano, o poderio dessas empresas é tão grande que podemos considerar que, em alguns momentos, assumem características sobrehumanas que podem solapar valores fundamentais. Não diferente do meio esportivo, a música, outro âmbito de riqueza cultural de forte penetração social, tornou-se alvo dos quartéis-generais que trabalham as marcas. 32 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho Evidenciando-se mais nitidamente no final do século XX, os patrocínios a eventos culturais, bem como de seus protagonistas, tornou-se uma enorme fonte de riquezas para os mais diversos produtos e marcas. Desde nomes consagrados como Eric Clapton a bandas pré-fabricadas, como Back Street Boys, Spice Girls, o que se percebe é uma constante evolução no que diz respeito à integração de músicos, produtoras, grandes gravadoras, e marcas fortes no mercado. Exemplos como o da Tommy Hilfiger, produzindo coleções inteiras em parceria com os Rolling Stones, lançando catálogos em que a marca divide o lugar de estrela com as próprias constelações de artistas, traduzem bem o que essas parcerias podem conseguir ao longo de uma construção sólida e bem trabalhada dos conceitos explorados pelas bandas e dos modos de vida ambicionados pelas grandes corporações com relação a seu público-alvo. Não resta dúvida de que, ao participarem de uma realidade em que um dos principais meios de disseminação cultural e de idéias originais, como é a música, as marcas ganham uma exposição muito lucrativa do ponto de vista de evolução de seu conhecimento e de associações ao seu redor. Exemplos não faltam: “In 1996, Molson Held its first Blind Date Concert. The concept, which has since been exported to the U.S. by sister company Miller Beer, is simple: hold a contest in which winners get to attend an exclusive concert staged by Molson and Miller in a small club – much smaller than the venues one would otherwise see these megastars. And here’s the clincher: keep the name of the brand until it steps on stage… “In a funny way”, says Universal Concerts’ Steve Herman, “The beer is bigger than the band””. (Klein, 2000: 49) Aspectos também muito contundentes para a sociedade vêm à tona quando a prática do patrocínio envolve os difusores de informação, os emissores de maior amplitude de cobertura sociais: os meios de comunicação. Decisões a portas fechadas é que selam o que será veiculado e os teores possíveis de interpretações que serão levados ao público. No caso da televisão uma frase de Roberto Marinho define bem essa percepção de manipulação praticada pelos veículos de comunicação e empresas patrocinadoras, ofuscando de certa forma e polarizando o que chega aos ouvidos do púbico. “Olhe, vocês em relação ao mundo, vocês vêem como um oceano. Vocês estão 33 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho percebendo as borbulhas, mas não sabem a batalha que está se travando lá embaixo. O que está acontecendo lá embaixo, só eu sei.” (Bial, 2005: 26) O escritor indonésio Y.B. Mangunwijava, em 1998, nos exemplifica isso de forma simples e direta, ao proferir as seguintes palavras: “You might not see things yet on the surface, but underground, it’s already on fire.” (apud Klein, 2000: 5). Com esses exemplos tem-se uma clara noção de como interesses políticos, comerciais e de grandes corporações podem influenciar o conteúdo ideológico a ser veiculado pelas emissoras. Com o surgimento de um meio de comunicação, se não mais acessível aos cidadãos comuns, mais democrático ao menos, a participação de indivíduos com potencial transformador na sociedade se ampliou. A World Wide Web carrega desde a sua implantação uma forte característica de liberdade de expressão. É na Internet que o marketing e a publicidade encontram seu êxtase, buscando um trabalho em um ambiente novo, com novas possibilidades, um público seleto e, o principal, sem um controle rigoroso sobre o que pode ou não ser feito. Em virtude de ser o mais novo meio de comunicação existente, a Internet ainda se organiza a passos lentos neste sentido, o que de certa forma favorece a liberdade de expressão. “Globalização é a palavra que criamos para descrever as relações em transformação entre governos e grandes empresas. Mas o que está acontecendo hoje é um fenômeno muito mais amplo e profundo. Não se trata de simplesmente de como governos, empresas e pessoas se comunicam, nem de como as organizações interagem, mas da emergência de modelos sociais, políticos e empresariais inéditos. Trata-se de fatores que vão impactar alguns dos aspectos mais profundos e arraigados da sociedade, afetando até mesmo a natureza do contrato social. O que acontece se a entidade política em que você se situa deixa de coincidir com determinado emprego, que agora se dá no ciberespaço, ou de compreender profissionais que agora colaboram com outros nos confins do planeta, ou deixa de abranger produtos, agora gerados ao mesmo tempo em diversos lugares? Quem regula o trabalho? Quem o tributa? E quem deve se beneficiar desses impostos?” (Friedman, 2005: 58) Na internet, o território de trabalho das marcas amplia-se. Qualquer marca que 34 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho tenha um website cria o seu próprio mundo virtual. Explora as capacidades deste veículo do jeito que bem imagina, cadastrando clientes, expondo produtos, lançando novas linhas, enfim, não utilizando as possibilidades apenas de comercialização de suas qualidades, mas de disseminar estilos de vida, de colocar à disposição de seus usuários um contato direto com a marca e seus valores. O trabalho que as corporações desenvolvem on-line são experiências para o contexto real da empresa, a ser desenvolvido off-line. A pureza Jamais poderíamos imaginar a sociedade em sua íntegra composição como uma massa que pensa e age uniformemente. O indivíduo, seja o fruto do meio em que cresce e se desenvolve, ou uma mente única e diferente de todas as outras que compõem o ambiente social, por fim, demonstra ser, acima de tudo, um ser só. Partindo dessa célula do “tecido” social, até uma compreensão mais ampla, que é a convivência deste indivíduo em comunidade, possivelmente com mesmos interesses e desejos, ou simplesmente com uma semelhante formação cultural ao longo de suas experiências vividas, podemos observar que a toda manifestação de cultura ou de modo de pensar e de agir, coexiste uma maneira diferente, antitética, análoga, ou simplesmente alheia ao que ocorre de forma mais amplamente evidente. Os movimentos de minoria ou movimento underground, querendo ou não, são verdadeiras amostras públicas do que se pode experar de uma parcela da sociedade com um pensamento se não oposto, ao menos diferente do da maioria. É muito comum ouvirmos falar que aquilo que se torna comercial, popular, perde seus valores essenciais. Daí uma possível percepção de que, ao virem à tona, esses movimentos são na verdade uma nova leitura de crises de identidades anteriores a esses momentos. Curioso, portanto, é notar que desses movimentos surgem inúmeras características que vão se massificando posteriormente. Desde o grunge de Seattle, ao movimento funk do Rio de Janeiro, o que podemos notar é uma constante renovação do ambiente social, de modo que a integração entre esses indivíduos sociais de camadas 35 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho diferentes é sempre algo relevante. Talvez, como fator mais importante deste fenômeno estejam os jovens e suas virtudes subversivas, inconseqüentes, talvez, mas que transformam a sociedade de alguma maneira. E por esse motivo, não podem ser ignorados. Por comporem uma parte tão ativa da sociedade, a mão-de-obra jovem, escassa de muita experiência, porém cheia de energia, ambições, enfim, uma nova composição de opiniões e atitudes, é alvo constante para observação de tendências para mercados e oportunidades a serem trabalhadas pelas corporações. Do ponto de vista interno, os jovens somam-se aos experientes membros do mercado. Do ponto de vista externo à realidade da empresa, trata-se de uma parcela rica em condições para serem trabalhadas a longo prazo pelas grandes marcas. Nos Estados Unidos, por exemplo, a camada jovem da sociedade é observada de perto por institutos especializados em analisar modas e tendências e traduzi-las de forma precisa para o mercado. No Brasil, podemos até não esperar tanto conhecimento por parte das empresas com relação a seus mercados-alvo, porém, em alguns aspectos, percebemos muitas semelhanças. É comum vermos jovens concluindo os estudos e serem abordados por inúmeras empresas, sempre buscando seu interesse como consumidor ou a sua mãode-obra. É o que ocorre por exemplo no caso de empresas que investem cedo na capacidade intelectual de potenciais mentes com mão-de-obra barata, o que ocorre na Índia, com os engenheiros formados naquele país, ou no Brasil, com o recrutamento de jovens bem apessoados dispostos a trabalharem como garotos propaganda de marcas de telefonia. Reduzindo ainda mais a faixa etária alvo destas análises, o que dizer de uma cada vez maior penetração das marcas e de seus valores nas vidas cotidianas de crianças ao redor do mundo. Nos Estados Unidos: nas salas de aula, como casos em que disciplinas da High School, matemática por exemplo, são ensinadas com modelos reais de muffins a 36 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho serem medidos, ou no mais extremo dos casos, redes de televisão que são obrigatoriedade na rede de ensino, como o caso do Channel One, programação freqüente em mais de 12.000 escolas (Klein, 2000: 86); no Brasil: nas prateleiras e gôndolas, com produtos estrategicamente colocadas nas alturas perceptíveis para crianças, ou nos grupos de amigos, em que as marcas são sempre um símbolo de status e de auto afirmação; na China: empregando milhares de trabalhadores infantis e com mão-de-obra muito mal remunerada. A realidade é que a comunicação corporativa pode nascer, crescer e se desenvolver lado a lado com seus públicos. Ainda não se pode afirmar se esse efeito é devastador ou positivo para as crianças, o que se sabe é que sob a bandeira de que o mercado com que elas irão se deparar futuramente está dominado pelas marcas, isso é, no “mundo lá fora” vê-se uma precoce exposição de seres humanos a símbolos comerciais, conseqüentemente, a uma forma de manipulação, uma forma de disseminação de costumes, de princípios. Ocorre aí, querendo ou não, uma fusão cultural enorme. Diria até, uma confusão cultural. Exemplos disso não faltam. Desde contratos entre Cocas e Pepsis da vida e Centros Universitários, limitando completamente o trânsito livre de mercadorias em ambientes públicos, a testes de qualidade envolvendo cientistas acadêmicos e grandes marcas, patrocinadoras de pesquisas, por exemplo, que por serem mantenedoras financeiras de tais projetos com certeza se consideram no direito de limitar ou não atitudes, prestações de conta à sociedade, ou até mesmo manipular situações a seu favor. Trata-se de eventos inescrupulosos, porém reais. E o mais curioso, é que isso tende a acontecer cada vez mais. Os governos, o Estado, perdendo autonomia sobre o ambiente acadêmico, cedendo seu lugar ao capital privado. E o próximo passo? Ações da Universidade de Brasília na Bovespa? Sendo assim, contempla-se um novo momento em que, inseridos num contexto amplamente comercializável, e em alguns casos, já totalmente comercializado, as diferenças vêm à tona. O valor da diversidade cultural em um ambiente globalizado vive 37 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho uma situação em que do ponto de vista do capitalismo mercantil, exploratório, dominador é um obstáculo, uma fronteira a ser eliminada ou ao menos comprada, se não possível de outra maneira. Agora, do ponto de vista da comunicação corporativa, atingiu-se um novo degrau, uma nova escala de amplitude social, em que as campanhas de publicidade e as marcas desenvolvem uma identidade não só das empresas, mas refletem os anseios sociais e espelham seus públicos-alvos. Trabalhando os resultados de pesquisas minuciosas, em que os consumidores são detalhadamente estudados, desde suas necessidades aos seus costumes na hora da compra, a sociedade se despe diante das reais intenções corporativas. O marketing, ao se valer da diversificação cultural para alimentar-se, para se regenerar, diante das possibilidades apresentadas atualmente nos amplos mercados que o envolve, transforma a mídia no espelho da sociedade. Ao atingir de forma ampla as camadas sociais, os meios de comunicação refletem valores culturais, desde os mais conservadores aos mais ousados. Percebe-se, portanto, uma tentativa não só de criação de identidades, mas também de afirmação das identidades existentes na sociedade que são insistentemente exploradas pelo marketing. São tentativas de aproximar a realidade utópica do mundo das marcas aos consumidores, e para isso, o trabalho ao redor das marcas deve possuir essa flexibilidade interior à sua essência, de modo que possa ser confirmada e absorvida pelo público-alvo. A diversidade na comunicação corporativa não deixa de ser um perigo, do ponto de vista da comunicação baseada em foco, em uma linha contínua de mensagens direcionadas ao receptor, pois trata-se de uma tarefa um tanto quanto delicada caminhar entre desejos dos consumidores, valores culturalmente aceitos e disseminados, movimentos de contra-cultura e balança comercial favorável. Em contrapartida, ao agregar este tipo de prática ao seu portfolio de ações junto ao mercado, as marcas adquirem confiança, e fixam-se como instituições que possuem uma boa estrutura e uma boa reputação. Ao conseguir atingir uma coesão deste tipo, as corporações começam a 38 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho participar de um cenário em que suas atitudes revelam mais que suas imagens. Seus passos são observados, cria-se uma empatia entre o trabalho da marca e o reflexo dele na sociedade. Em muitos casos, a juventude que compõe o público consumidor merece atenção especial, pois dela vem uma característica talvez intangível mas de forte apelo comercial. Ao se ganhar a confiança da juventude, pode se ter tranqüilidade para trabalhar por anos, décadas, ou talvez gerações. As crianças influenciam muito na decisão de compra da família, são elas que absorvem grande parte da cultura imposta pelas corporações de maneira inocente. E os jovens, por outro lado, vivem as marcas, experimentam-nas, e passam ao próximo o resultado desta experiência. A camada mais jovem da sociedade está muito mais suscetível ao turbilhão que as corporações hoje em dia provocam em suas mentes. Natural que seja assim: a insegurança, comum a esse público, ocasiona uma busca natural por referências que se assemelhem aos seus momentos de vida ou que tragam um reflexo social do indivíduo. As marcas, ao desenvolverem uma relação íntima com o público, suprem vazios deixados pelo passado, e criam expectativas sobre o futuro. Os clientes dão mais lucro com o tempo se bem trabalhados e bem estudados pelas empresas, acabando assim, com o vazio que antes existia entre as corporações e o conhecimento de seu público consumidor. As pesquisas são ferramentas importantes para essa coleta de informações e posterior aplicação deste conhecimento ao mercado. Talvez por estarmos atingindo uma compreensão de que ao trabalharmos as marcas construímos a possibilidade de resultados efetivos por um prazo muito maior de tempo, as pesquisas tornem-se pré-requisitos efetivamente usados pelas empresas antes de investirem em campanhas. Esse tipo de postura, até certo ponto perigosa, é muito comum em empresas pequenas, esquecendo que devem conhecer seu público, seu mercado-alvo, antes de partirem para uma real comunicação com ele. 39 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho O vírus O crescimento da comunicação corporativa e de suas marcas depende de fatores relacionados à exposição, à solidez da comunicação de seus produtos, à manutenção do foco designado como prioritário para o trabalho da organização, entre outros. O fato é que, com a cultura voltada para o consumo, a sociedade se obriga a cultivar ambientes propícios para tal fim. Os pontos de venda, de certa forma, ganham status de espaços de origem de uma realidade utópica, a da marca. Sendo os produtos uma importante ferramenta nessa guerrilha de atitudes comerciais ousadas, dificilmente as marcas são atingidas por concorrentes que não se ajustem ajustem a esse contexto comercial. Em um mundo corporativizado, as lojas de esquina não têm como competir com grandes organizações. Desde um volume de vendas muito inferior, o que ocasiona um menor poder de negociação com fornecedores, uma menor estrutura de vendas, enfim, um menor complexo capitalista, o comerciante estabilizado na vizinhança ao longo de anos, a locadora do bairro, ou a pizza de mais de 30 anos de tradição acabam por resumir suas atividades à sobrevivência, sem capacidades reais de expansão. Podemos perceber com relação à história do crescimento de algumas marcas, que um elemento fundamental para esse desenvolvimento até que chegue a amplitudes colossais, é o imperialismo da marca, uma centralização de decisões muito forte. Munidos de CEOs completos e experientes com anos de mercado e passagens memoráveis entre as mais diversas corporações, é natural que ao redor destes personagens crie-se uma certa mistificação. Querendo ou não, são eles que direcionam os modos de vida de milhares de pessoas; decidem o que os consumidores vão amanhecer querendo adquirir, sob quais condições de pagamento, enfim, movimentam a economia e a vida dos consumidores. Peculiaridades à parte, o que se percebe por trás de tal crescimento é sempre uma enorme capacidade estratégica e um minucioso conhecimento sobre as práticas do mercado e a desenvoltura com que a marca pode agir nele. Conhecer bem as estratégias diferenciadas de atuação no mercado e dominá-las prontamente 40 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho possibilita às empresas escolher como, quando e para onde crescer. Uma das principais formas de crescimento absoluto das marcas, é a modalidade de franquias. O que se pode perceber é uma redefinição do espaço público em função do elevado número de possibilidades existentes no mercado. As empresas, vão se espalhando como se fossem vírus pela sociedade, buscando atingir o maior espaço possível no menor período de tempo. Talvez sob a bandeira de que se você não está em todos os lugares, você não está em nenhum, as corporações optem por caminhos diferentes de crescimento, mas sempre objetivando o todo. Lojas como a Wal Mart, por exemplo, só permitem a abertura de novas unidades depois que uma central de distribuição estrategicamente posicionada não consiga atender a demanda de uma determinada região. Já a rede de café Starbucks, dona de conceitos enraizados na experiência única que é tomar uma xícara de café, abordando até o lado espiritual nessa vivência consumidor-marca, opta por uma política agressiva mas muito eficiente no mercado americano. A Starbucks só permite a abertura de novos pontos de venda se uma determinada região geográfica obtiver um número expressivo de franqueados e delimita datas possíveis, em um curto espaço de tempo para que as lojas comecem suas atividades quase que simultaneamente. Convenhamos, muita disciplina e muito comprometimento com a marca, e mais que isso, muita confiança no trabalho desenvolvido ao redor dela e de seus valores agregados. Do mesmo modo, ao observarmos uma rígida organização no interior da empresa, podemos esperar que o impacto cultural e social, diante de uma decisão de abertura de pontos de venda em uma determinada região do globo, seja também algo grandioso, e não um simples ato meramente imperceptível. Diante de posturas tão transformadoras, não seria exagero denominar alguns protagonistas desta realidade extremamente competitiva de “Category Killers”. O problema é que “onde as grandes lojas de departamentos trocaram valores de comunidade por valores de descontos, as redes de marcas irão recriar esses valores e depois revendêlos, mas por um preço.” (Klein, 2000: 135) Curiosamente, ao ser seduzida pelo desconto, 41 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho a sociedade se encolhe diante de uma briga de gigantes, iniciada há tempos e que com certeza nos trará novos capítulos tragicômicos, ou até mesmo dramáticos. O que se pode dizer de antemão é que a capacidade de escolha está sendo substituída pela capacidade de seleção. Os pontos de venda, que por si só já são grandes marcas, negociam com as grandes corporações que não possuem uma grande rede de distribuição Businness to Consumer, mas que são eficientes e eficazes no Business to Business. Não é difícil perceber, muito menos prematuro dizer, que, definitivamente, o capitalismo torna a sociedade refém das grandes corporações. A utopia “Como dois lados de um mesmo projeto, a sinergia e o branding são ambos uma forma de cruzar experências de promoção baseadas em marcas que combinem o ato da compra com elementos da mídia, entretenimento e esportes profissionais com a intenção de criar um ciclo ao redor da marca. Disney e Mattel sempre souberam disso. Agora, todos estão aprendendo também.” (Klein, 2000: 146) Diante de tantas possibilidades bem sucedidas ao longo do estudo de algumas marcas específicas e do branding como uma valiosa ferramenta de marketing, revela-se aos olhos do mercado uma perfeita sincronia entre as corporações e a realidade de seus consumidores. A experiência de uso da marca, sua principal força de venda quando propicia uma boa lembrança ao consumidor em potencial, agora está devidamente contextualizada por elementos visuais, temáticos, com cheiros, com gostos, enfim, com o seu mundo próprio e estabelecido de forma a transmitir ao mercado segurança, organização, ousadia. O retorno deste tipo de apresentação ao mercado é, de forma segura, uma forma de relacionamento com o consumidor muito próxima, capaz de estabelecer elos entre a sociedade e as marcas de elevado poder de transformação. A sociedade passa a viver a marca, a fazer parte de uma realidade utópica criada por corporações, a experienciar momentos proporcionados com a específica finalidade de vender, ou na mais provável das hipóteses, colocar na mente do 42 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho consumidor a perfeita idéia do que determinada marca e corporação significam para o contexto social do qual ele é parte. Ao trazê-lo para seu ambiente próprio à marca, as corporações podem, por conseguinte, desenvolver o marketing de relacionamento com seus consumidores em potencial. Ao longo da estruturação do marketing como uma ferramenta fundamental na movimentação das empresas nos mercados, o cliente se tornou o foco principal numa história recente. Como pudemos observar, inicialmente o foco era na produção, concentrando-se na eficiência da fabricação. Posteriormente a esse momento, as vendas dos produtos existentes é que direcionavam as empresas e suas decisões. Mais recentemente, o foco se vira para o cliente. As necessidades e desejos dos clientes foram as linhas-guia, as premissas do mercado ao longo de anos. Um momento contemporâneo aos crescimentos e às consolidações de corporações que viram, nos seus clientes, as reais oportunidades de mercado a serem exploradas dali pra frente, um período que, cronologicamente, seria representado pela segunda metade do Século XX. Finalmente, as corporações vêem-se diante de uma realidade em que as relações com a manutenção dos clientes é o objetivo principal, manter o público que tão arduamente foi conquistado, concentrando-se agora, nas possibilidades, oportunidades e relações com fornecedores. A sinergia, de certa forma, não se baseia nos modelos de promoção antigos, em que uma situação de abordagem ao cliente é criada. Agora, o cliente procura a marca em suas dimensões reais, como em lojas e parques temáticos, por exemplo, e virtuais, em websites ou hotsites. Na verdade, é a completa utilização das extensões que a marca possibilita para criarmos uma rede ao redor dela, de forma a criar uma situação em que ela sustente um conceito de modo de vida único, intrínseco à sua existência. Transformar a marca em algo onde o consumidor possa viver a sua vida dentro desta realidade. Diante dessa nova manifestação das corporações, as lojas tornam-se templos de culto às marcas. Ao entrar em lojas exclusivas de marcas, e vivenciar seus produtos, seus serviços, essa interação é real, com uma enorme capacidade de formar nas mentes do público em geral, uma verdadeira rede de idéias e concepções ao redor das corporações e de seus valores. 43 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho Superlojas, por exemplo, nunca devem ser visualizadas como investimentos a curto prazo. Assim como todo o trabalho ao redor da marca trata-se de implantes nas mentes de consumidores, atitudes que trarão retorno para a corporação a longo prazo. E as possibilidades de transformar esse conhecimento adquirido e vivenciado pelo consumidor em vendas são muito evidentes. A prática da sinergia, sendo realizada de forma organizada e com um planejamento de longo prazo, pode atingir níveis de importância relevantes e significativos demais para as empresas. Bons exemplos disso são a utilização de lojas como primeira instância de uma realidade utópica e de uma integração marcaconsumidor, atingindo posteriormente a condição de verdadeiras cidades comerciais, vilas corporativas, como é o caso da Nike Town, em Manhattan, ou os parques temáticos em que vivenciamos a marca Disney de forma a nos imaginarmos em um mundo de ilusão, e interagirmos com ele, e, finalmente, a fusão completa entre a corporação e a vida social, como é o caso da cidade Celebration, na Flórida, nos Estados Unidos. “The meticulously planned development arrives complete with picket fences, a Disneyappointed homeowners’ association and a phony water tower. For the families who live there year-round, Disney has achieved the ultimate goal of lifestyle branding: for the brand to become life itself.” (Klein, 2000: 154-5) Com uma penetração de proporções intangíveis na vida social, as responsabilidades tanto da marca como da sociedade diante dessa realidade tornam-se explícitas no presente, preocupantes a curto prazo e misteriosas a longo prazo. Um dos problemas mais evidentes e presentes, desde as prateleiras das lojas às capas de jornais, é quando o poder dessas megacorporações se confunde com um tipo de censura, amparado pela lei em muitos casos. Parece contraditório, mas, ao mesmo tempo que somos convidados a vivenciar a marca, esses substantivos são protegidos contra qualquer tipo de uso que não esteja vinculado à empresa. É um convite a uma série de experiências previamente delimitadas pelos CEOs e pelos departamentos jurídicos de 44 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho grandes corporações. As marcas, ao serem trabalhadas cuidadosamente durante um longo período de tempo, viram algo intocável, metafisicamente protegido. Este tipo de conscientização imposta pelas marcas aos indivíduos, existe de fato. Na indústria fonográfica, por exemplo, há limitações sobre que cds serão comercializados em determinadas gôndolas, situação que já obrigou uma série de bandas a mudarem capas de discos, retirarem faixas em alguns álbuns, para brigarem pela fatia de mercado que são propriedades de WalMarts da vida e de Virgins Stores ao redor do planeta. Situação semelhante ocorre no cinema, quando as fusões de estúdios com focos de trabalho muito diferentes mas que, ao vislumbrarem possibilidades de maior lucratividade, juntam as forças ou fundem seus capitais, mas conservam suas marcas independentes. Por exemplo, certos filmes distribuídos pela Miramax, que foi comprada pela Disney, jamais são associados a essa última por não refletirem os valores que compõem a marca Disney. O mesmo ocorre com a rede BlockBuster, que só permite em suas prateleiras filmes que priorizam os valores de família prezados pela corporação de origem Texana. Aliás, valores familiares são sempre usados para descrever o que as marcas buscam para a sociedade, mas isso não deixa de ser algo bem relativo, o que acaba por inibir de certa forma movimentos alternativos, ou que não compartilhem de pensamentos congruentes com os de algumas marcas ou convergentes com as idéias de grandes corporações. Sob essa desculpa, grandes marcas abominam e denigrem de forma unilateral aqueles que, por qualquer que seja a razão, não compactuem com os valores das grandes empresas, exclusivos a cada uma delas. “The medium will change from a mass-produced and a mass-consumed commodity to an endless feast of niches and specialties… A new age of individualism is coming and it will bring on eruption of culture unprecedented in human history.” (apud Klein, 2000:173) Essa citação de George Gilder representa bem a forma cíclica e dicotômica em que a sociedade se encontra atualmente, ora refém dos formadores de opinião, mas ao mesmo tempo munida de todo o aparato para criar movimentos de 45 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho contracultura, ou simplesmente de manifestação de opiniões contrárias aos interesses da maioria, quase sempre manipulados para que recebam tal rótulo. A partir daí, pode-se esperar que a utopia criada pelas grandes corporações confronte-se com as opiniões dos indivíduos ao redor do planeta, desde que iniciativas não se coloquem isoladamente, buscando sempre uma exposição ao seu público de interesse, ou ao menos se mostrando acessível, como a internet o faz de maneira ainda elitizada, aos espectadores do “teatro da vida”. Uso essa expressão para mostar que uma realidade utópica criada pelas marcas ao longo de anos se faz presente aos nossos olhos, de forma pura, perfeita e fortalecida pelas agendas dos meios de comunicação, mas, em suas entranhas, de forma muitas vezes contrárias aos valores familiares que pregam, distantes de condições humanas de trabalho e, por fim, iludindo uma grande camada da população mundial. O mercantilismo A força de trabalho do século XXI está longe de ser algo possível de ser categorizado, as possibilidades são muitas, os requisitos também. Distribuindo-se ao redor do planeta de forma a minimizar custos para as corporações e potencializar níveis de produção a níveis elevadíssimos, os empregos e a força de trabalho são fortemente atingidos por essa nova mentalidade capitalista. A verdade é que, enquanto a população mundial cresce, a política das empresas e a lógica do mercado tendem a diminuir cada vez mais a mão-de-obra necessária para se atingir uma meta. Vivenciamos um momento em que um novo mercantilismo ocorre não somente entre nações, mas entre contratantes e contratados. Diante de uma oferta de força de trabalho tamanha, só resta aos CEOs tratarem o mercado como a lógica pede, exigindo sempre mais e mais de seus trabalhadores, deixando sempre evidente a eles que um batalhão de substitutos podem tomar seu lugar ao menor lampejo de inapropriação para o trabalho a ser executado. É certo que hoje existe uma maior segmentação do mercado, com uma possibilidade enorme de vagas a serem preenchidas, mas ainda assim, uma realidade em que, em sua grande maioria, a oferta de mão de obra é superior à demanda por profissionais. 46 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho Em busca de lucros efetivos e atingindo não mais os 100% em cima do produto produzido, mas em alguns casos buscando lucros de até 400%, e compondo um cenário em que os limites nacionais não são obstáculos há um bom tempo, as grandes corporações, ao se aprimorarem nesta arte de reduzir custos, acabaram por encontrar porto seguro nos países menos desenvolvidos com mão-de-obra barata, com muita corrupção por parte de governos, e uma quase nula frente de combate a políticas agressivas de exploração do ser humano em jornadas de trabalho intensas e mal remuneradas. Desde o mercado de manufaturas no oriente ao mercado publicitário brasileiro, o que se vê é a produção em primeiro lugar, e o ser humano longe de ter seus limites respeitados e mais distante ainda de uma realidade em que sua satisfação ao trabalhar o traga a plena realização profissional e pessoal. No mundo globalizado, acentuando um pouco a questão dos empregos e contextualizando no cenário de grandes corporações, o que aconteceu de fato foi um fechamento em série de fábricas nos países desenvolvidos, onde as marcas se originaram, transferindo seus estabelecimentos de produção a centros que “melhor” receberiam essa demanda de produção. Seduzidos pela falsa promessa de que os investimentos retornem para a sociedade posteriormente, os governos facilitam a entrada de corporações em seus países, com taxas reduzidíssimas de tributação e atrativos de primeiro mundo para os altos funcionários, como campos de golfe, centros de compras e hotéis de luxo em detrimento da qualidade de vida de seus próprios cidadãos, obrigados a seguirem rígidas normas de conduta impostas pelas grandes empresas. Numa visão radical, porém realista, decisões tomadas em Nova Iorque ou Chicago, podem ressoar de tal forma a proibir na Indonésia ou na China que trabalhadores sorriam em seu horário de trabalho. Sem sair do âmbito empregatício imposto por grandes corporações, um novo modelo de possibilidades de trabalho se revela. A mecanização a que somos submetidos, dominados pelo poder do relógio, bem como pelo senso de produção de trabalho, nos 47 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho torna alienados pela capacidade de realização de tarefas. O trabalho temporário, por exemplo, cria uma espécie de fuga temporária de uma realidade em que os empregos não são suficientes, mas que dão uma certa segurança para enfrentar a vida severa que nos espera à frente. Quantos casos não conhecemos, próximos a nós, em que pessoas formadas em engenharia ou em qualquer outra profissão que exija uma enorme capacidade intelectual, ao verem-se seduzidos por ofertas de um trabalho não menos digno, mas com certeza inferior à suas capacidades de transformação e de realização. A mecanização do mundo em conjunto com a mentalidade capitalista, aplaina o terreno para uma realidade que está próxima, a diminuição do poder do Estado perante seus cidadãos e a constante participação das corporações de forma ativa na sociedade, alterando seus valores, suas crenças, seus costumes e sua rotina. 48 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho A marca “Os produtos são construídos nas fábricas, mas as marcas são construídas nas mentes.” Walter Landor Curiosamente, como a maioria dos assuntos relacionados ao marketing recentemente, o branding, que era um montinho de areia, tornou-se uma montanha de idéias, de aplicações, de interpretações. Trata-se de um conceito novo que tanto empresas quanto profissionais começam a valorizar respectivamente em seus quadros de funcionários e em seus currículos, adaptando-se a um novo momento em que o valor ilusório da percepção da marca materializa-se em sorrisos, em experiências positivas, em soluções para os clientes e em resultados para as empresas. “Branding significa diferenciar de forma clara seu produto ou sua empresa na mente do seu cliente.” (Trout, 2005: 43) A arquitetura da marca, no caso de empresas com extensões de linha com vários produtos e categorias, organizando-os sempre mantendo o foco nos conceitos a serem desenvolvidos pela marca; o conhecimento da imagem que o consumidor possui da marca e o trabalho com a identidade dela; a busca posterior de uma personalidade de marca, ainda complementada por um posicionamento da marca no mercado. O ambiente de mercado – o microambiente e o macroambiente –, o comportamento do consumidor – o uso de pesquisas, de pré-testes –, os produtos e os serviços – da sua criação mediante o estudo do mercado ao desenvolvimento e à posterior comercialização – e suas respectivas dimensões são os pré-requisitos para a prática do branding. O patrimônio de marca, chamado brand equity, é talvez um dos mais recentes termos utilizados no branding e compreende a lealdade à marca, o conhecimento de marca, a qualidade percebida e as associações da marca. O brand equity é o que mais se aproxima do real valor que a marca possui no mercado. A maneira pela qual uma medição 49 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho do seu potencial e de sua atuação torna-se possível. A publicidade é o principal método de divulgação de conceitos, de disseminação de informações a respeito das marcas e suas ofertas ao mercado. Do rótulo ao comercial de televisão, da degustação no ponto de venda ao patrocínio de mega-eventos culturais. Da precificação à satisfaçãpo plena de um desejo momentâneo do consumidor psicologicamente voltado ao consumo. Operando de forma a expôr e a levar produtos e serviços ao mercado num primeiro momento, e posteriormente passando a fazer parte da vida das pessoas, a marca assume a sua posição de importante fator cultural no século XXI. Diante disso, a marca possui funções sociais evidentes: capacidade de formar opinião, de transformação e de modelagem de comportamentos e hábitos de compra e de vida e de disseminação de ideologias. Possui ainda funções econômicas: a diferenciação de produtos, a segmentação por categorias nos mercados, a politização do espaço de venda e a fidelização de um universo de consumo formado pelo público-alvo e pela base leal de consumidores. A caracterização, utilizando nomes e elementos visuais ou sonoros, consiste na principal forma de diferenciação dos produtos ou serviços no mercado. As marcas são um elemento primário na constituição de uma empresa. “Uma marca é um nome diferenciado e/ou símbolo (tal como um logotipo, marca registrada, ou desenho de embalagem) destinado a identificar os bens ou serviços de um vendedor ou de um grupo de vendedores e diferenciar esses bens e serviços daqueles dos concorrentes. Assim, uma marca sinaliza ao consumidor a origem do produto e protege, tanto o consumidor quanto o fabricante, dos concorrentes que oferecem produtos que pareçam idênticos.” (Aaker, 1991: 7) Tanto no mercado de produtos como no de serviços a importância da diferenciação com o uso da marca é um importante fator que possibilita que o consumidor adquira conhecimento e informações sobre o produto, aproximando-o de sua realidade. A constituição de uma cadeia de elementos que são agregados à organização, 50 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho que fazem parte da formação da empresa, é composta sob a bandeira da marca. Por ser a marca um dos ativos mais importantes das empresas, seja através de licenciamentos, de extensões de linha ou do o uso da propaganda, as empresas vêm trabalhando de forma a possibilitar uma contínua expansão das possibilidades de utilização do seu nome. Tendo ativos de qualificação com uma qualidade comprovada, como as suas características tangíveis, suas equipes, seus pontos de venda, enfim, a complexa rede que as compõem, as organizações possibilitam uma tranqüila e bem sucedida movimentação no mercado. Desde a embalagem ao comercial de televisão, sendo protagonistas, os produtos carregam em si a possibilidade de passar mensagens ao consumidor, de mostrar a ele um pouco de sua potencialidade para que uma posterior adoção seja efetivada. O comportamento do consumidor vem despertando a curiosidade das empresas há mais de 40 anos, os fatores que o influenciam na hora da compra e os métodos de abordagem a serem utilizados são uma importante ferramenta a favor da organização. Na medida em que o consumidor está mais próximo do produto ou serviço, o fator surpresa está sempre naquilo que a organização pode fazer por ele, por conhecê-lo bem, por ter construído uma base de lealdade junto a ele, e por ter feito isso de forma consistente. Ao construir uma marca no mercado, a empresa passa a se valer de uma base leal de consumidores. A lealdade à marca traduz de forma prática a experiência positiva do consumidor e possibilita às organizações uma barreira para os concorrentes. A qualidade, que é diferente da satisfação, é uma das principais características nessa contrução de uma imagem positiva entre a empresa e o consumidor. Entendendo a imagem da marca como a percepção que os consumidores têm dela, cabe aos profissionais de marketing envolver os diversos âmbitos possíveis de associações do produto, buscando construir uma verdadeira identificação do público com a marca. No caso de um produto, valer-se da embalagem, do design, da performance, enfim, de características tangíveis que remetam 51 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho ao consumidor uma imagem positiva, que o faça lembrar positivamente de seu uso. No caso de serviços, a empatia, o trabalho da equipe, o foco no cliente, enfim, características que são positivas e que possibilitam ao público uma segurança ao utilizarem-se da marca. Esse desenvolvimento de como a marca deve ser percebida pelo público é a busca da identidade da marca. O consumidor ao procurar um produto que atenda um desejo imediato, depois da identificação de sua necessidade e da verificação das ofertas no mercado, procura algo que reflita o seu “eu”. Nesse processo, ele acaba por fazer uso das marcas para se mostrar ao mundo, buscando uma auto-afirmação através delas, uma condição de demonstração de status ou simplesmente de diferenciação dos outros indivíduos da sociedade. Na sociedade de mercado, as marcas interferem nas relações que se estabelecem entre as pessoas, como elementos de constituição de identidades. “A identidade burguesa encontrou na compra de objetos um esteio similar ao que a identidade do nobre encontrava nos vínculos de sangue. O ponto de estofo da identidade aristocrática era a aparência compatível com a linhagem; o da identidade burguesa era o intimismo sentimental projetado nos produtos industriais.” (Freire, 2004:157) Se existe algo que carrega em si a capacidade de atrair a atenção do público, criando assim uma possibilidade de impactação imediata, é a inovação. “É a lei da liderança: é melhor ser o primeiro do que ser o melhor. É muito mais fácil entrar na mente das pessoas antes dos outros do que tentar convencer alguém de que você tem um produto melhor do que aquele já conhecido antes do seu. A marca mais importante em qualquer categoria, quase sempre é a primeira marca que entrou na mente do cliente potencial” (Trout, 2005: 48). O caminho é mais curto quando não existe barreira a ser contornada. Na cabeça do cliente, os espaços a serem preenchidos são como lacunas deixadas em aberto esperando para serem ocupadas de forma que a marca, ao se dirigir ao público, utilizando-se da comunicação e de suas ferramentas, é o mais simples meio de interação entre a oferta comercial e o mercado de consumo. Por outro lado, algo que 52 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho dificulta o trabalho da marca no mercado, aumentando a concorrência, além de outros fatores, é a utilização de produtos que as empresas comercializam apenas para fazer parte de categorias já existentes, buscando fatias de mercado das marcas líderes e segmentando o público, oferecendo diferenciais às vezes inexistentes, mas que, ao serem expostos de forma inteligente pela comunicação, conseguem gerar lucratividade para as empresas, mesmo com a briga com outras marcas. Produtos deste tipo dificilmente chegam à liderança do mercado, mas compõem o portfólio de empresas no competitivo cenário de hoje. São produtos novos no mercado mas já conhecidos do público. “Produtos vencedores são o número 1 ou o número 2 em uma categoria. Ou devem começar uma nova subcategoria.” (Trout, 2005: 55) É consenso entre os teóricos de publicidade que um produto é aquilo que a empresa ou organização oferece a um mercado. “É qualquer oferta que possa satisfazer a uma necessidade ou um desejo” (Kotler, 2000: 33) e podem ser classificados quanto à tangibilidade como duráveis, não duráveis e serviços. Atualmente, vê-se uma unificação de elementos ao redor das marcas como fator central, sendo ampliada por conceitos e valores. Ao ser apresentado a um novo produto, o consumidor passa inicialmente por um momento em que a única coisa que se faz presente em sua relação com o produto é a consciência de sua existência. Diante dessa apresentação, o indivíduo pode despertar interesse pela sua utilização, situação que proporcionará a capacidade de avaliação de suas características. Se bem aceito pelo consumidor, o produto pode atingir um outro nível mais aproximado de seu público que é o da experimentação e percepção de suas qualidades, sendo essa a porta de entrada para a adoção contínua, por parte do consumidor, do produto que satisfizer suas necessidades mais amplamente. Em todas as situações o produto tem que seduzir o consumidor, de forma a ter o seu respeito e sua admiração. O que se percebe é que, possuindo tal poderio, o marketing e a comunicação constituem forças que subvertem a noção de produção orientada para as vendas, 53 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho nascendo, assim, a possibilidade de uma criação ideológica de necessidades e desejos. Metodologias e atitudes agressivas que bombardeiam o indivíduo com mensagens direcionadas, amplamente utilizadas pelas organizações, inventam a nova cara do consumo do século XXI. Um consumo em que as pessoas já saem de casa orientadas pelas lógicas do mercado e por uma ininterrupta guerra por suas mentes. O que vive-se hoje é uma possibilidade cada vez mais real de direcionamento pelas grandes empresas de modas e tendências, condicionando o público para a próxima novidade imprescindível. As empresas bem sucedidas conhecem bem seus ambientes de atuação e respondem rentavelmente às demandas e tendências do macroambiente, que sempre existem. Toda empresa se insere em um ambiente composto pelo seu âmbito de ação imediato, denominado microambiente, e por uma gama de cicunstâncias mais amplas, de caráter social, político, cultural e tecnológico, ou macroambiente. O microambiente das empresas, perfeitamente acessível e influenciado diretamente por suas decisões e manipulável de acordo com seus interesses, pode ser melhor entendido, por exemplo, como a distribuição de seus departamentos, de acordo com as necessidades primárias demandadas pelo negócio praticado pela organização. Um pouco mais além, mas ainda compondo o microambiente, as relações com o mercado desenvolvidas e praticadas por seus profissionais, bem como as relações com consumidores, fornecedores, intermediários e concorrentes constituem possibilidades em que a organização deve estar apta a compreender e a manter sua autonomia para que defenda seus interesses e possa atuar com soberania em um contexto mais amplo. A disciplina e a importância de valorizar as premissas básicas de uma empresa – como sua missão, o respeito a seu organograma interno, o entendimento da organização como um elemento ativo na sociedade e no mercado e que, por isso, deve ser meticulosamente estruturado de forma a possibilitar a segurança na participação da organização no macroambiente – são fatores determinantes e há muito já conhecidos e praticados por empresas bem sucedidas em seus ramos de negócio. Seguras de seu 54 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho funcionamento interno, as organizações passam a visualizar um âmbito em que suas práticas e posturas, na maioria dos casos, já não serão efetivamente influenciadoras, mas influenciadas pelas diferentes dimensões que compõem o macroambiente. São forças externas que, ao oferecerem condições limitantes ao desenvovimento do trabalho da empresa e afetarem diretamente sua realidade, devem ser plenamente conhecidas e monitoradas pelas organizações. A política, a cultura, a legislação, a economia, as inovações tecnológicas, enfim, a ampla rede de elementos irá doravante, limitar suas ações e poderá tornar-se oportunidades ou possibilidades reais de diferenciação e de estratégia de atuação. A diferenciação significativa Ao se valer de características mais nucleares, como seus atributos diretos, seus âmbitos possíveis de utilização pelo consumidor e sua qualidade, a marca passa a um nível mais expansivo de interação e de relacionamento com os clientes. Benefícios racionais recorrentes ao uso de um produto, certamente ocasionarão benefícios psicológicos aos consumidores. “É útil distinguir entre um benefício racional e um benefício psicológico. O primeiro está estreitamente vinculado a um atributo do produto e faria parte de um processo decisório “racional”. O último, com freqüência conseqüente no processo de atitude-formação, relaciona-se aos sentimentos que são despertados no ato da compra e/ou uso da marca” (Aaker, 1991: 124). Desde a era da produção, passando pela era das vendas, chegando à era do marketing, vivenciando a era em que o relacionamento com os clientes é o foco das empresas, esse tipo de atribuições relacionadas à marca é que assume a condição de formar opinião e de mostrá-la ao mercado, conceituando-a junto ao consumidor. Utilizando campos semânticos favoráveis e compondo-se por uma rede de qualificações que passam do concreto ao abstrato, a marca adquire uma importância social que, na menos provável das hipóteses, se resume a formar opiniões em uma escala local. O dimensionamento de um trabalho com base na comunicação corporativa – por atingir diversos públicos e por carregar a potencialidade 55 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho de abstração da experiência do consumidor – quanto mais amplo, mais consolida a condição de expansão do substantivo a um símbolo que adquire valor, mediante uma qualificação comprovada pelo uso. Algumas marcas, por terem uma identidade forte, com valores definidos e uma comunicação estruturada de forma a ampliar seu universo de atuação, são relacionadas a características humanas, traduzindo de forma simbólica características dos seres humanos e trazendo para seus círculos de associações, definições emocionais fortes e definidas. Daí, se dizer que algumas marcas adquirem personalidade. Uma marca de personalidade possui uma base leal de consumidores, exigentes, mas que são um reflexo do que a marca projeta de sua identidade no mercado. Competência, sinceridade, enfim, traços que compõem a marca em um âmbito que vai além de suas características primárias, como cor, logomarca, desenho. A experiência carrega em si a possibilidade de vivenciar a marca. De uma primeira possibilidade de remetimento a uma lembrança positiva, com o atestamento e a verificação de suas qualidades, o consumidor tira e carrega consigo uma certeza de que foi bem atendido. Essa associação com fatores que positivamente colocam o produto na cabeça do consumidor é efetivada com a percepação da marca pelo consumidor acerca de valores e de conceitos que a complementam. A esse implante, a essa colocação do produto ou do serviço na mente do consumidor, define-se como “posicionamento”. O posicionamento é o que a marca faz na mente do comprador em potencial. É a parcela da identidade da marca que deve ser ativamente comunicada ao público alvo, demonstrando uma vantagem em relação às demais. Posicionamento não é o que a empresa faz com o produto. É o que ela faz na mente do cliente em perspectiva. Esse termo, desde o seu surgimento, em 1981, revolucionou o mundo da propaganda por uma mudança do ponto de vista da percepção do produto/serviço apenas pela possibilidade da venda e de sua experiência pelo consumidor, e por ser uma solução ao bombardeio de informações a que somos submetidos diariamente. “Para enfrentar a explosão do produto, as pessoas 56 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho aprenderam a classfificar mentalmente produtos e marcas. Talvez isto possa ser melhor visualizado imaginando uma porção de escadinhas de mão dentro da cabeça. Em cada degrau, o nome de uma marca. E cada escadinha diferente representa uma categoria diferente de produtos.” (Ries & Trout, 1981: 23) Uma boa escolha no nome da empresa, por exemplo, já é metade do caminho na mente do consumidor, carregando já na síntese de sua existência a possibilidade de associações diversas. As associações que a marca carrega consigo podem ser originadas de seu uso, de seus benefícios, de sua origem etc., mas o que percebemos é que a idéia de relacionar o campo das palavras com o mundo visual torna mais efetiva a troca de informações entre a marca e o consumidor. Inevitavelmente, os indivíduos estão submetidos a cargas ideológicas vindas de todos os lado e representando a máquina que tornou o capitalismo em sua versão dos novos tempos. Apoiadas por meios de comunicação, veículos, o início de uma democratização da informação (com o uso da Internet), com maior liberdade de expressão, as empresas vivenciam um cenário em que o seu crescimento praticamente não tem limites na sociedade. Munidas de técnicas de mapeamento perceptivo do mercado por meio de pesquisas qualitativas e quantitativas, as corporações de hoje possuem um conhecimento de seu público como nunca antes visto. A sociedade, por conseguinte, fica subjugada a empresas e ao conteúdo ideológico de suas mensagens. Produtos são lançados como soluções, opções inevitáveis de consumo, mas o que percebe-se, na verdade, é que a busca por uma elasticidade da demanda em busca de lucros maiores e de uma consolidação das marcas torna o indivíduo e a sociedade reféns das organizações e do capitalismo. A diferenciação significativa revela a dualidade sintética presente entre a eficiência e eficácia da novidade e a pluralidade condicionada à existência de significados que agreguem valores e associações às marcas. O tom emocional que a marca adquire ao 57 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho longo de sua concepção e de seu trabalho bem sucedido, reflete os anseios do consumidor que supre suas necessidades com base na satisfação. A satisfação está subjugada a uma qualidade na experiência. A alta qualidade percebida não é compatível com nível de satisfação, sendo esse uma expectativa do cliente com relação ao produto, podendo ser não muito elevado. A experiência tem o dever de passar credibilidade e segurança associados a uma alta qualidade, o que se reflete na importância das marcas para a sociedade de mercado. Do consumo do produto à capacidade empregatícia das grandes corporações. Adquirindo identidade e personalidade, as marcas, ao criarem a elasticidade da demanda, iniciam sua mais contundente influência no consumidor. O consumidor precisa comprar. Seja uma necessidade primária, de sobrevivência, à auto-estima plenamente atendida, o indivíduo vive de forma hedonista, mas um hedonismo não relacionado aos prazeres sexuais, freudiano, e sim um hedonismo alimentado por prazeres de consumo que satisfaçam-no diariamente. “Para Arendt, o consumismo era o resultado da justaposição casual de dois fenômenos históricos simultâneos: a fabricação em larga escala de produtos industriais e a invenção filosófica do princípio da felicidade.” (Freire, J. 2005: 155) O que se percebe é que a marca tem a capacidade de formar a opinião, de criar uma necessidade e por fim, satisfazê-la. O narcizismo do consumidor, e sua eterna busca por uma satisfação plena e utópica de suas necessidades, é alimentado de forma emocional e psicológica pelas marcas e seus conceitos e valores. (cf. Freire, J. 2005) Essa identificação emocional com as marcas já foi observada pelo antropólogo Everardo Rocha que aplicou ao mundo do capitalismo o mecanismo de identidade totêmica estudada por Levistrauss. Segundo este último, o mesmo princípio de construção de identidades por meio de um totem, característica de sociedades primitivas, se reproduz nas sociedades modernas, quando o indivíduo se auto-representa como pertencente a uma agremiação qualquer, como uma universidade ou um time de futebol. Rocha inclui entre esses novos totens as marcas, que terminam por constituir marcos de 58 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho referência na construção de identidades dos consumidores. (cf. Rocha, 1995) O nascimento recente da cultura do capitalismo, em grande parte desenvolvida pela difusão das marcas – delineadas por interesses políticos, financeiros e de cunho altamente ideológico a favor de suas premissas –, ocasiona uma crise de identidade social que, curiosamente, periga ser direcionada pelos ideais empresariais. Vive-se hoje um momento de redefinição de valores e de diretrizes, posterior a uma consolidação da terceirização – da produção à mão-de-obra especializada – e a uma expansão gigantesca dos meios de transmissão de informações, de encurtamento entre distâncias, em que as corporações, pela sua ação na mídia, e pela dimensão de suas campanhas, obtêm uma exposição absurda e permanente. A soberania social corre um risco grande de perda de características fundamentais e estruturais diante das ideologias disseminadas pelas corporações. Se o mundo já vive momentos em que as diferenças estão em conflito, por motivos religiosos, políticos, enfim, a acentuação dessa ausência de diplomacia reflete também a iminente possibilidade de uma nova ordem mundial. O que preocupa, portanto, é a evidente massificação do mercantilismo corporativista colocando o indivíduo, a sociedade, como protagonistas de uma era do consumo. Guiada por desejos emocionais e satisfações físicas e mentais, inicia-se uma era em que o capital, sendo gerenciado e controlado por grandes empresas, inescrupulosamente dita comportamentos, impõe regras e limites. Assiste-se, assim, a um deslocamento de valores éticos que tradicionalmente visavam ao bem estar das sociedades para valores eminentemente mercantis. Nas palavras de Jurandir Freire Costa: “o comprismo se tornou um fator de dissolução da solidariedade e coesão coletivas”. 59 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho Conclusão Ao longo do estudo das marcas evidencia-se a divergência entre o comprometimento social das empresas e seus interesses políticos e financeiros. Sendo as empresas a força motriz de uma nova era em que o cidadão se confunde com o consumidor, e as organizações possuem forte influência sobre governos e Estados “soberanos”, o poder das marcas ao difundir conceitos e ideais fomenta na sociedade uma enorme carga de transformações ainda por acontecerem. A publicidade, por sua característica intrínseca de exposição e por sua valorização recente, desperta na sociedade os desejos e as necessidades de hoje, moldando o comportamento de amanhã. Com o uso e a disseminação da prática da propaganda, “o modo de produção material de crenças emocionais” (Freire, 2005: 155) se consolida como uma tendência significativa para as próximas gerações. O pleno conhecimento de técnicas de atendimento, aliado a uma participação ativa na mídia, valendo-se de conceitos criativos que primam pela originalidade, favorecem a uma nova forma de relacionamento entre indivíduos e sociedades, entre cidadãos e empresas e entre consumidores e mercados. A necessidade iminente de uma maior preocupação com os valores disseminados pela propaganda e com as funções desempenhadas por empresas e indivíduos atuantes nas sociedades de mercado aflora tardiamente, pois a máquina capitalista encontra-se devidamente equipada para continuar sua expansão colonialista. O que se confunde hoje é a veracidade do mundo real, com o mundo fictício das marcas e do capital. Valhamonos, portanto, da consciência das futuras gerações, que são desenvolvidas em meio a manipulações ideológicas e sobrecarregada de informações, porém munidas da percepção de uma atual possibilidade de um colapso social, já inicialmente ilustrado por guerras, escravização, mercantilismo e corrupção. 60 O imperialismo semiológico Carlos A. B. Filho Bibliografia Aaker, D. (1998) - Marcas Brand Equity, gerenciando o valor da marca. Negócio Editora -10ª Edição. Adorno, T. (1973) – A Indústria Cultural, in Gabriel Cohn – Sociologia da Comunicação Teoria e Ideologia, São Paulo, Ed. Pioneira. Bial, Pedro. (2005) - Roberto Marinho. Jorge Zahar Editor. 1ª Edição. Rio de Janeiro Elias, Norbert (1984) – Sobre o tempo. Jorge Zahar Editor – 1ª Edição. Rio de Janeiro Goldman, L (1973) – Consciência possível e comunicação, in Gabriel Cohn – Sociologia da Comunicação Teoria e Ideologia, São Paulo, Ed. Pioneira. Klein, Naomi (2000) – No logo. Harper Collins Publishers. Reino Unido. Kotler, P. 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