Preview only show first 10 pages with watermark. For full document please download

Medida Livro

Livro de teoria de integral de Lebesgue, teoria de la medida

   EMBED


Share

Transcript

Medida e Integra¸ c˜ ao Manuel Ricou Departamento de Matem´atica Instituto Superior T´ecnico Abril 2009 Pref´ acio Mas antes do mais: o que entendemos por Bernhard Riemann, 1854 Rb a f (x)dx? A pergunta acima foi formulada por Bernhard Riemann no trabalho em que definiu o que hoje chamamos o “integral de Riemann”. O objectivo do presente texto ´e, sobretudo, o de expor respostas que esta pergunta tem tido no decurso dos u ´ltimos 150 anos, e sugerir, mesmo que parcialmente, o enorme impacto que as correspondentes investiga¸c˜oes tiveram na evolu¸c˜ao da Matem´atica, durante este mesmo per´ıodo. A compreens˜ ao de qualquer ´ area da Matem´atica ´e facilitada pelo reconhecimento pr´evio do contexto que a viu nascer. No caso da Teoria da Integra¸c˜ao, esse contexto abrange um per´ıodo temporal particularmente longo. Na realidade, diversos problemas de Geometria e Est´atica, resolvidos na Antiguidade Cl´ assica com recurso ao chamado “m´etodo de exaust˜ao”, e envolvendo o c´ alculo de determinadas ´areas, volumes, e centros de massa, correspondem, na terminologia moderna, ao c´alculo de integrais. Por esta raz˜ ao, a Teoria da Integra¸c˜ ao ´e certamente uma das mais antigas ´areas da Matem´atica, e beneficia de ra´ızes heur´ısticas muito sugestivas, que ajudam ao seu entendimento. A Teoria da Integra¸c˜ ao come¸cou a tomar a sua forma moderna no s´eculo XVII, com os trabalhos de Newton e Leibnitz, e de percursores como Fermat e Barrow. Data deste per´ıodo a surpreendente descoberta que, mais do que qualquer outra, marca o nascimento do C´ alculo Infinitesimal: a integra¸ca ˜o e a diferencia¸ca ˜o s˜ ao opera¸co ˜es inversas uma da outra, o que ainda hoje descrevemos no que dizemos serem os “Teoremas Fundamentais do C´ alculo”. Datam tamb´em deste per´ıodo as primeiras aplica¸c˜oes do C´ alculo a quest˜oes cient´ıficas fundamentais, muito em especial a Teoria da Gravita¸c˜ao Universal, do pr´ oprio Newton, um marco ´ımpar na hist´ oria do pensamento humano. Foi apenas nos finais do s´eculo XVIII que a sofistica¸c˜ao dos problemas a estudar se come¸cou a revelar incompat´ıvel com a informalidade e falta de rigor com que at´e a´ı tinham sido tratadas as no¸c˜oes mais b´ asicas do C´ alculo Infinitesimal. Nos primeiros anos do s´eculo XIX, o grande matem´ atico Cauchy iniciou um cuidadoso exame das ideias mais centrais do C´ alculo, como as de limite, derivada, integral, e continuidade, efectivamente lan¸cando i ii Pref´ acio as bases da nossa pr´ actica actual. Neste processo, apresentou a primeira defini¸c˜ ao satisfat´ oria de integral, se bem que restringindo a sua aplica¸c˜ao a fun¸c˜ oes cont´ınuas. O desenvolvimento da Teoria da Integra¸c˜ao acelerou-se novamente a partir dos meados do s´eculo XIX, em especial a partir da publica¸c˜ ao do trabalho de Riemann que mencion´amos, desta vez sob a press˜ao de dif´ıceis problemas de natureza te´orica, suscitados pelas ideias de Fourier sobre as s´eries que hoje tˆem o seu nome. Muito naturalmente, a quest˜ao de saber quais as fun¸c˜ oes que podem ser representadas por s´eries de Fourier, originada por sua vez por quest˜oes mais “pr´ aticas” relativas `a resolu¸c˜ao das principais equa¸c˜ oes diferenciais parciais da F´ısica Matem´atica, levava inevitavelmente a uma reaprecia¸c˜ao da pr´ opria no¸c˜ao de “fun¸c˜ao”. Requeria tamb´em a integra¸c˜ ao de fun¸c˜oes sobre as quais n˜ ao parecia razo´ avel impˆ or condi¸c˜ oes de continuidade, sob pena de se desvirtuarem alguns dos principais objectivos das investiga¸c˜oes em curso. A pergunta de Riemann que cit´ amos acima ´e um reflexo deste tipo de preocupa¸c˜oes. A Teoria da Integra¸c˜ao tornou-se desde ent˜ao um motor importante na crescente axiomatiza¸c˜ ao e abstrac¸c˜ao da Matem´atica, estas u ´ltimas particularmente evidentes desde os finais do s´eculo XIX. A t´ıtulo de ilustra¸c˜ao, o cl´ assico Teorema de Riesz-Fischer, demonstrado sob diversas formas no per´ıodo 1907-1910, revelou uma profunda analogia entre, por um lado, sofisticadas constru¸c˜ oes matem´ aticas formadas por (classes de equivalˆencia de) fun¸c˜ oes som´ aveis e, por outro, objectos t˜ao “simples” como a recta real, estudados h´ a mais de 25 s´eculos. Em certo sentido, este teorema mostra que as fun¸c˜ oes som´ aveis “no sentido de Lebesgue” completam as fun¸c˜oes integr´ aveis “no sentido de Riemann”, precisamente como os n´ umeros reais completam os n´ umeros racionais. Resultados desta natureza foram, e s˜ ao, convites abertos ` a cria¸c˜ ao e estudo de novas entidades abstractas, que permitem a explora¸c˜ ao deste tipo de analogia de forma sistem´atica, rigorosa, e muito eficiente do ponto de vista intelectual. Hoje, a Teoria da Integra¸c˜ao ´e certamente um dos blocos fundamentais da Matem´atica, e ´e especialmente relevante para m´ ultiplas das suas ´areas fundamentais e aplicadas, como a An´alise Funcional, o C´ alculo de Varia¸c˜oes, as Equa¸c˜ oes Diferenciais, e a Teoria das Probabilidades. As suas ideias repercutem-se em algumas das teorias mais centrais da F´ısica Moderna, e s˜ ao prevalentes no esclarecimento de quest˜oes oriundas da Engenharia. Afinal de contas, o “espa¸co de estados” do ´atomo de hidrog´enio, o mais simples atomo da natureza, ´e um espa¸co de (classes de equivalˆencia de) fun¸c˜oes ´ de quadrado som´ avel no sentido de Lebesgue, e o exemplo mais cl´assico na literatura actual de um problema variacional de “descontinuidade livre” resulta de trabalhos sobre reconhecimento de imagens por computador.(1 ) Pelas raz˜ oes acima, a Teoria da Integra¸c˜ao ´e naturalmente uma parte 1 D.Mumford e J.Shaw, Boundary Detection by Minimizing Functionals, IEEE Conference on Computer Vision and Pattern Recognition, San Francisco 1985. Pref´ acio iii importante da forma¸c˜ ao dos alunos da Licenciatura em Matem´atica Aplicada e Computa¸c˜ ao (LMAC) do IST, e foi sobretudo para estes alunos que o presente texto foi escrito. O ensino da Teoria da Integra¸ca˜o no contexto do 3o ano da LMAC sempre representou para o autor um desafio e uma oportunidade muito interessantes, que se pode resumir nas seguintes quest˜oes: • Como conciliar a necessidade pr´ atica de apresentar uma ´area dif´ıcil e extensa, indispens´ avel ` a forma¸c˜ao dos alunos, sem a desligar da sua base intuitiva, e sem a tornar demasiado dif´ıcil para a maioria dos estudantes? • Como transformar o n´ıvel de abstrac¸c˜ao da teoria, de um obst´ aculo `a sua compreens˜ ao, em uma oportunidade de entender melhor o crescente papel da abstrac¸c˜ ao na Matem´atica contemporˆ anea? • Como aproveitar o estudo desta teoria para apresentar a Matem´atica n˜ ao como um saber est´ atico, mas como um processo dinˆ amico e apaixonante de constru¸c˜ ao de poderosas met´ aforas da realidade f´ısica, de crescente sofistica¸c˜ ao e subtileza? Na sua modesta tentativa de responder a estas quest˜oes, o autor socorreuse com frequˆencia de ideias e coment´arios dos principais criadores da teoria, em especial Henri Lebesgue e Emile Borel. Em particular, o texto est´ a escrito, mesmo nas sec¸c˜ oes mais abstractas, no respeito rigoroso pelo que Lebesgue chamava a “defini¸c˜ ao geom´etrica” do integral, que n˜ ao ´e outra sen˜ ao a ideia, desde sempre muito satisfat´oria do ponto de vista intuitivo, que, para qualquer fun¸c˜ ao n˜ ao-negativa f , Integral da fun¸c˜ ao f = Medida da regi˜ ao de ordenadas de f . Entendemos aqui a palavra “medida” como significando “´area”, “volume”, ou o an´ alogo apropriado destas no¸c˜oes em espa¸cos de dimens˜ao mais elevada. A apresenta¸c˜ ao da teoria n˜ ao segue assim o percurso que ´e hoje mais tradicional, e ´e importante entender que alguns resultados b´ asicos assumem por vezes um papel diferente, menos convencional, no seu desenvolvimento: veja-se como ilustra¸c˜ ao o Teorema de Fubini-Lebesgue, tal como ´e enunciado ´ apenas e demonstrado no Cap´ıtulo 3, para a medida de Lebesgue em RN . E ap´ os a sua apresenta¸c˜ ao que encontramos neste texto, pela primeira vez, o resultado, aqui um teorema, que ´e usualmente tomado como a defini¸ca ˜o de “fun¸c˜ao Lebesgue-mensur´ avel”. A t´ecnica que seguimos permite ainda uma demonstra¸c˜ ao muito simples dos resultados cl´assicos sobre “limites e integrais”, o teorema de Beppo Levi, ou da Convergˆencia Mon´otona, o lema de Fatou, e o teorema de Lebesgue, ou da Convergˆencia Dominada, e evidencia a sua rela¸c˜ ao directa com as ideias mais b´ asicas da Teoria da Medida. Por outras palavras, revela que estas propriedades s˜ ao essencialmente a chamada iv Pref´ acio “σ-aditividade”, esta uma propriedade comum a qualquer medida, e observada e registada com muita clareza por Borel. A exposi¸c˜ ao inspira-se em m´ ultiplos aspectos no desenvolvimento hist´ orico da Teoria, e esfor¸ca-se por deixar clara a continuidade entre as teorias de integra¸c˜ ao de Riemann e de Lebesgue. Em especial, e repetindo fielmente o pr´ oprio Lebesgue, a sua teoria ´e apresentada como uma evolu¸c˜ao “natural” da de Riemann, sobretudo enquanto adapta¸c˜ao de ideias de Peano e Jordan, entretanto melhoradas por Borel. Discutimos algumas das principais dificuldades t´ecnicas da teoria de Riemann, e a respectiva resolu¸c˜ao pela teoria de Lebesgue, em especial as relacionados com os Teoremas Fundamentais do C´ alculo. Estes s˜ ao aqui tratados com amplo recurso a t´ecnicas e resultados da Teoria da Medida, i.e., com base no “modelo geom´etrico” da integra¸c˜ao. Neste contexto, o grande teorema de diferencia¸c˜ao de Lebesgue ´e provado por uma adapta¸c˜ ao simples do belo argumento de Riesz (o seu “Lema do Sol Nascente”), mas a demonstra¸c˜ao do teorema de Banach-Zaretski afastase bastante das t´ecnicas usadas por Banach. As m´ ultiplas referˆencias a Cantor feitas neste texto devem ainda recordar-nos que a sua genial Teoria dos Conjuntos ´e mais um exemplo de abstrac¸c˜oes fundamentais entradas na Matem´atica em grande parte pela necessidade de enunciar e estudar com clareza quest˜ oes suscitadas pela Teoria da Integra¸c˜ao. A apresenta¸c˜ ao dos resultados principais da Teoria, incluindo o Teorema de Radon-Nikodym-Lebesgue, o Teorema de Fubini-Lebesgue, e os Teoremas de Representa¸c˜ ao de Riesz, n˜ ao faz qualquer concess˜ao `a tenta¸c˜ao de tornar estas magn´ıficas constru¸c˜oes intelectuais mais simples do que efectivamente o s˜ ao. Naturalmente apenas a leitura atenta do texto poder´ a revelar se este responde de forma satisfat´oria `as preocupa¸c˜oes acima manifestadas, e se representa um equil´ıbrio razo´ avel entre os diversos objectivos que pretende atingir. Ao autor resta somente desejar que outros encontrem na sua leitura um prazer compar´avel a` satisfa¸c˜ao que a sua escrita lhe trouxe. Lisboa, Fevereiro de 2008 Manuel Ricou Departamento de Matem´atica Instituto Superior T´ecnico 1096 Lisboa Codex PORTUGAL [email protected] Conte´ udo 1 Integrais de Riemann 1.1 Rectˆ angulos e Conjuntos Elementares em RN . . ´ ´ 1.2 Algebras, Semi-Algebras e Fun¸c˜oes Aditivas . . . 1.3 Conjuntos Jordan-Mensur´ aveis . . . . . . . . . . 1.4 O Integral de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . 1.4.1 O Espa¸co das Fun¸c˜oes Integr´ aveis . . . . 1.4.2 Integrais Indefinidos . . . . . . . . . . . . 1.4.3 Continuidade e Integrabilidade . . . . . . 1.5 Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo . . . . . . 1.6 O Problema de Borel . . . . . . . . . . . . . . . . 2 A Medida de Lebesgue 2.1 Espa¸cos Mensur´ aveis e Medidas . . 2.2 A Medida de Lebesgue . . . . . . . 2.3 Os Espa¸cos de Borel e de Lebesgue 2.4 Conjuntos N˜ao-Mensur´ aveis . . . . 2.5 Medidas Exteriores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 8 19 25 35 44 48 52 60 71 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 90 97 114 129 139 3 Integrais de Lebesgue 3.1 O Integral de Lebesgue . . . . . . . . 3.2 Limites, Mensurabilidade e Integrais 3.3 O Teorema de Fubini-Lebesgue . . . 3.4 Fun¸c˜ oes Mensur´ aveis . . . . . . . . . 3.5 Fun¸c˜ oes Som´ aveis . . . . . . . . . . . 3.6 Continuidade e Mensurabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 150 162 171 186 200 209 4 Outras Medidas 4.1 A Decomposi¸c˜ ao de Hahn-Jordan . . 4.2 A Varia¸c˜ ao Total de uma Medida . . 4.3 Medidas Absolutamente Cont´ınuas . 4.4 Medidas Regulares . . . . . . . . . . 4.5 Medidas de Lebesgue-Stieltjes em R 4.6 Fun¸c˜ oes de Varia¸c˜ ao Limitada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217 218 228 234 236 245 255 v vi Pref´ acio 4.7 4.6.1 Fun¸c˜ oes Absolutamente Cont´ınuas . . . . . . . Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo em R . . . . . 4.7.1 O Teorema de Diferencia¸c˜ao de Lebesgue . . . 4.7.2 A Decomposi¸c˜ao de Lebesgue . . . . . . . . . . 4.7.3 Diferencia¸c˜ao de Fun¸c˜oes de Varia¸c˜ao Limitada 5 Outros Integrais de Lebesgue 5.1 A Medida µ ⊗ m . . . . . . . . . . . . . . 5.2 Fun¸c˜ oes Mensur´ aveis e Integrais . . . . . . 5.3 O Teorema de Radon-Nikodym-Lebesgue 5.4 Os Espa¸cos Lp . . . . . . . . . . . . . . . 5.5 Teoremas de Representa¸c˜ao de Riesz . . . 5.6 Teoremas de Egorov, Lebesgue e Riesz . . 5.7 O Teorema de Fubini-Lebesgue . . . . . . ´ Indice Remissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263 268 268 277 285 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 295 296 309 319 327 338 352 358 368 Cap´ıtulo 1 Integrais de Riemann A teoria da integra¸c˜ ao evoluiu rapidamente na segunda metade do s´eculo XIX. Por um lado, e sobretudo como resultado das descobertas fundamentais de Fourier sobre s´eries trigonom´etricas, hoje ditas s´eries de Fourier, a dificuldade dos problemas a esclarecer com esta teoria ultrapassou, definitivamente, os recursos pouco sofisticados da teoria existente, at´e ent˜ao assente, essencialmente, numa base informal e intuitiva. Em 1854, quando Riemann quis caracterizar as fun¸c˜ oes que podem ser representadas por s´eries de Fourier, foi-lhe necess´ario analisar a no¸c˜ao de “fun¸c˜ao integr´ avel” `a luz de mais exigentes crit´erios de generalidade, exactid˜ao e rigor. A defini¸c˜ao que apresentou ainda hoje deve ser conhecida por quem quer que deseje compreender os conceitos mais centrais da An´alise Matem´atica. Por outro lado, em paralelo com estes estudos de Riemann, mas ainda no contexto da escola Alem˜a, o genial Cantor descobriu a Teoria dos Conjuntos e, simultaneamente, atingiu-se um novo patamar de precis˜ao na forma como s˜ ao definidos os pr´ oprios n´ umeros reais. Ao procurar respostas a quest˜oes suscitadas tanto pela nova teoria de Riemann, como pela teoria de Fourier, retomaram-se problemas t˜ ao antigos como a pr´ opria Matem´atica, conhecidos da Geometria elementar, mas que podiam agora ser estudados `a luz destas novas ideias. O que ´e a ´ area de uma figura plana? O que ´e o volume de um s´ olido? Qualquer figura plana limitada tem ´area? Qualquer subcon´ poss´ıvel calcular, por exemplo, junto de uma recta tem comprimento? E o comprimento do conjunto dos n´ umeros racionais? Uma primeira solu¸c˜ao para este tipo de problemas foi descoberta pelo matem´ atico italiano Peano, j´a perto do final do s´eculo XIX. O pr´ oprio Peano compreendeu a rela¸c˜ao directa entre a sua teoria, que definia a medida de conjuntos, e a de Riemann, que definia o integral de fun¸co ˜es, e sabia que as duas teorias s˜ ao, em certo sentido, completamente equivalentes. Neste primeiro cap´ıtulo, estudamos sobretudo as ideias de Riemann e de Peano, mas n˜ ao seguimos a cronologia da sua descoberta, nem usamos sempre os conceitos exactamente como originalmente definidos. Procuramos, 7 8 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann em vez disso, evidenciar o mais directamente poss´ıvel a sua equivalˆencia. Apontaremos tamb´em algumas das deficiˆencias t´ecnicas que apresentam e que est˜ ao na origem da sua substitui¸c˜ao, j´a no s´eculo XX, pela teoria descoberta por Henri Lebesgue. Uma observa¸c˜ ao simples sobre terminologia: ´e comum usar as palavras “medida” ou “conte´ udo”, em vez de “comprimento”, “´area” ou “volume”, porque estas u ´ltimas est˜ ao irremediavelmente associadas `a dimens˜ao dos conjuntos em causa (respectivamente, um, dois ou trˆes), e a teoria que aqui estudamos ´e basicamente independente dessa dimens˜ao e aplic´ avel mesmo quando essa dimens˜ao ´e superior a trˆes. Neste cap´ıtulo, usaremos sobretudo o termo “conte´ udo”, normalmente na forma “conte´ udo-N ”, onde N ´e a dimens˜ao do espa¸co subjacente, reservando a palavra “medida”, que como veremos tem um sentido t´ecnico muito preciso, para utiliza¸c˜ao posterior. 1.1 Rectˆ angulos e Conjuntos Elementares em RN A determina¸c˜ ao do conte´ udo-N de subconjuntos de RN ´e muito simples para os conjuntos que s˜ ao rectˆ angulos ou uni˜ oes finitas de rectˆ angulos. O principal objectivo desta sec¸c˜ao ´e o de definir o conte´ udo dos conjuntos deste tipo e identificar e demonstrar as suas propriedades mais b´ asicas. Figura 1.1.1: Uni˜ao finita de rectˆ angulos. O c´ alculo da ´ area de um rectˆ angulo no plano ´e imediato, porque sabemos da geometria elementar que essa a ´rea ´e o produto dos comprimentos dos seus lados. Em particular, e como ilustrado na figura seguinte, um rectˆ angulo bidimensional (em R2 ) da forma R = I × J, onde I e J s˜ ao intervalos em R, tem ´ area igual ao produto dos comprimentos de I e de J. Claro que usaremos o termo “rectˆ angulo” com um sentido mais geral, independente da dimens˜ao N do espa¸co RN em causa: qualquer produto cartesiano (finito) de intervalos na recta R ´e um rectˆ angulo: 1.1. Rectˆ angulos e Conjuntos Elementares em RN 9 R J I ´ Figura 1.1.2: Area de R = (comprimento de I)×(comprimento de J). ˆngulo se e Defini¸ c˜ ao 1.1.1 (Rectˆ angulos em RN ). R ⊆ RN ´e um recta s´ o se R = I1 × I2 × · · · × IN , onde I1 , I2 , · · · , IN s˜ ao intervalos em R. Sempre que nos referirmos a um rectˆ angulo e for conveniente indicar explicitamente a dimens˜ao N do respectivo espa¸co RN , usamos a express˜ ao “rectˆ angulo-N ”. Em particular, um rectˆ angulo-1 ´e um intervalo, um “rectˆangulo” no sentido mais usual do termo ´e, nesta terminologia, um rectˆ angulo-2, e um rectˆ angulo-3 ´e um prisma rectangular. Reservamos o termo “intervalo” apenas para rectˆ angulos-1. Notamos que o conjunto vazio ∅ ´e um rectˆ angulo-N para qualquer N . Na verdade, se R = I1 × I2 × · · · × IN , ent˜ao um ou mais dos intervalos Ik pode conter apenas um ponto ou ser vazio, caso em que o rectˆ angulo se diz degenerado. Por exemplo, um rectˆ angulo-2 degenerado pode ser um segmento de recta, um ponto ou vazio. ´do-1 do intervalo I ⊆ R designa-se por O comprimento ou conteu c1 (I). Se I ´e limitado com extremos a ≤ b, do tipo [a, b], [a, b[, ]a, b] ou ]a, b[, ent˜ao c1 (I) = b − a. Se I ´e ilimitado, i.e., se a = −∞ e/ou b = +∞, ent˜ao c1 (I) = +∞. Se J ´e tamb´em um intervalo, ent˜ao R = I × J ´e ´ rea ou conteu ´do-2 designa-se por c2 (R), onde um rectˆ angulo-2 e a sua a c2 (R) = c1 (I) × c1 (J). Analogamente, o produto cartesiano de trˆes intervalos I, J e K ´e um ´do-3 ´e dado por prisma rectangular P em R3 e o seu volume ou conteu c3 (P ) = c1 (I) × c1 (J) × c1 (K). Nestes como noutros produtos envolvendo factores que podem ser infinitos, usaremos as seguintes conven¸c˜ oes, salvo men¸c˜ao em contr´ ario: • Qualquer produto que inclua pelo menos um factor nulo ´e nulo, mesmo que todos os outros factores sejam infinitos. 10 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann • Qualquer produto de factores n˜ ao nulos que inclua pelo menos um factor infinito ´e infinito. • O sinal do produto ´e calculado pelas habituais “regras dos sinais”. A t´ıtulo de exemplo, o eixo dos yy em R2 ´e um rectˆ angulo-2 com conte´ udo-2 igual a 0, j´a que este eixo ´e o produto cartesiano R = [0, 0]×] − ∞, +∞[, e portanto c2 (R) = 0 × ∞ = 0. ´ imediato generalizar as observa¸c˜oes anteriores para o caso de RN : E Defini¸ c˜ ao 1.1.2 (Conte´ udo de Rectˆ angulos em RN ). Se R = I1 ×I2 ×· · ·×IN ´do-N de R designa-se por cN (R), ou ´e um rectˆ angulo em RN , o conteu apenas c(R), e ´e dado por cN (R) = c1 (I1 ) × c1 (I2 ) × · · · × c1 (IN ). O conte´ udo-N ´e portanto uma fun¸c˜ao definida numa classe de conjuntos, ˜ o de conjuntos. ou seja, ´e um exemplo do que chamamos uma func ¸a Neste caso, ´e uma fun¸c˜ ao com valores no intervalo [0, +∞] definida, para j´a, na classe de todos os rectˆ angulos-N . Uma das propriedades mais fundamentais da no¸c˜ao de conte´ udo ´e a sua aditividade. Especializada para rectˆ angulos, esta propriedade significa simplesmente que, quando um rectˆ angulo R ´e dividido em dois rectˆ angulos disjuntos A e B, a soma dos conte´ udos de A e de B ´e o conte´ udo de R, i.e., c(R) = c(A) + c(B). Esta propriedade ´e intuitivamente evidente para as no¸c˜oes usuais de comprimento, ´ area e volume, mas deve ser demonstrada como v´alida para o conte´ udo-N , independentemente de N . A proposi¸c˜ao seguinte generalizaa para uma fam´ılia finita de rectˆ angulos e a respectiva demonstra¸c˜ao est´ a esbo¸cada nos exerc´ıcios 13 a 16 desta sec¸c˜ao. Proposi¸ c˜ ao 1.1.3 (Aditividade do Conte´ udo). Se R1 , · · · , Rm s˜ ao rectˆ angulos-N disjuntos e R = ∪m R ´ e tamb´ e m um rectˆ a ngulo-N , temos i i=1 cN (R) = m X cN (Ri ). i=1 No c´ alculo de somas que podem incluir parcelas infinitas, usamos as seguintes conven¸c˜ oes: • Se a soma inclui parcelas infinitas todas com o mesmo sinal, ent˜ao o seu resultado ´e infinito, com o sinal das parcelas em causa. 1.1. Rectˆ angulos e Conjuntos Elementares em RN 11 • Se a soma inclui parcelas infinitas com sinais diferentes, ent˜ao o seu resultado n˜ ao est´ a definido, ou seja, a soma ´e uma indetermina¸ca ˜o. Quando R ´e um conjunto e P ´e uma fam´ılia de conjuntos disjuntos cuja ˜o de R. Se R ´e um rectˆ uni˜ ao ´e R, dizemos que P ´e uma partic ¸a angulo e P ´e uma parti¸c˜ ao finita de R em subrectˆangulos, podemos escrever a identidade em 1.1.3 na forma X cN (R) = cN (r). r∈P ˆmetro de R ⊆ RN ´e definido por O dia diam(R) = sup {kx − yk : x, y ∈ R} . ˆmetro da partic ˜ o P do conjunto R ´e definido por O dia ¸a diam(P) = sup {diam(r) : r ∈ P} . O diˆ ametro de uma parti¸c˜ ao ´e um indicador simples da sua granularidade. Exemplos 1.1.4. 1. A fam´ılia {[0, 1[, [1, 1], ]1, 2]} ´e uma parti¸ca˜o de I = [0, 2].  2. A fam´ılia P = P1 = [0, 1] × [0, 12 ], P2 = [0, 1]×] 21 , 1], P3 =]1, 2] × [0, 1] ´e uma √ a ilustrada parti¸ca˜o de R = [0, 2] × [0, 1], com diam(P) = diam(P3 ) = 2, e est´ ´ ´ na figura abaixo. E obvio que c2 (R) = c2 (P1 ) + c2 (P2 ) + c2 (P3 ). P3 P1 di am = √ 2 P2 Figura 1.1.3: Parti¸c˜ ao P do rectˆ angulo R = [0, 2] × [0, 1]. refinar uma parti¸c˜ ao ´e, simplesmente, subdividir cada um dos conjuntos que a constituem. Mais formalmente, se P e R s˜ ao parti¸c˜oes de R, dizemos que R ´e um refinamento de P, ou que R ´e mais fina do que P, se e 12 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann R1 R2 R4 R6 R5 R7 R3 Figura 1.1.4: Refinamento R da parti¸c˜ao P da figura 1.1.3. s´ o se cada conjunto r ∈ R est´ a contido em algum conjunto p ∈ P. Neste ´ claro que se R ´e um caso, Rp = {r ∈ R : r ⊆ p} ´e uma parti¸c˜ao de p. E refinamento de P ent˜ ao diam(R) ≤ diam(P). Se P e Q s˜ ao duas quaisquer parti¸c˜ oes do mesmo conjunto R, qualquer parti¸c˜ao R de R simultaneamente mais fina do que P e do que Q diz-se um refinamento comum das parti¸c˜oes ´ f´acil obter um refinamento comum de quaisquer duas parti¸c˜oes do P e Q. E mesmo conjunto: Proposi¸ c˜ ao 1.1.5. Se P e Q s˜ ao parti¸co ˜es de R, ent˜ ao R = {p ∩ q : p ∈ P, q ∈ Q} ´e um refinamento comum de P e Q. Se P e Q s˜ ao parti¸c˜ oes de R em rectˆ angulos, ent˜ao o refinamento comum mencionado em 1.1.5 ´e tamb´em uma parti¸c˜ao em rectˆ angulos, porque a intersec¸c˜ ao de dois rectˆ angulos ´e sempre um rectˆ angulo. Esta observa¸c˜ao ´e ali´ as aplic´ avel a qualquer fam´ılia finita de parti¸c˜oes de R em rectˆ angulos. P Q R Figura 1.1.5: Parti¸c˜oes P e Q, e um refinamento comum R. Se S ⊆ R ´e um subrectˆangulo de R, existem parti¸c˜oes P de R em rectˆ angulos que incluem o rectˆ angulo S. A figura 1.1.6 ilustra esta ideia, que implica em particular: 1.1. Rectˆ angulos e Conjuntos Elementares em RN R R1 S R2 13 R5 R3 = S R4 Figura 1.1.6: Rectˆ angulos S ⊆ R e uma parti¸c˜ao P de R com S ∈ P. Proposi¸ c˜ ao 1.1.6. Se S e R s˜ ao rectˆ angulos, ent˜ ao R\S (1 ) ´e uma uni˜ ao finita de rectˆ angulos. ˜ es No que se segue, referimo-nos com frequˆencia a conjuntos que s˜ ao unio ˆ finitas de rectangulos (´e muito f´acil mostrar, com base na proposi¸c˜ao 1.1.6, que estes rectˆ angulos podem sempre ser supostos disjuntos, como ´e referido no exerc´ıcio 4). Defini¸ c˜ ao 1.1.7 (As classes U(RN ) e E(RN )). a) U(RN ) ´e a classe formada pelos conjuntos que s˜ ao uni˜ oes finitas de rectˆ angulos-N , b) E(RN ) ´e a classe formada pelos conjuntos limitados em U(RN ), ou seja, pelos conjuntos que s˜ ao uni˜ oes finitas de rectˆ angulos limitados. Os conjuntos em E(RN ) dizem-se elementares,  N) : E ⊆ S e c) Mais geralmente, se S⊆ RN ent˜ao U(S) = E ∈ U(R analogamente E(S) = E ∈ E(RN ) : E ⊆ S . A proposi¸c˜ ao seguinte regista que as classes U(RN ) e E(RN ) s˜ ao fechadas em rela¸c˜ ao ` as opera¸c˜ oes de uni˜ ao, intersec¸c˜ao e diferen¸ca de conjuntos. A respectiva demonstra¸c˜ ao ´e o exerc´ıcio 9. Proposi¸ c˜ ao 1.1.8. Se C = U(RN ) ou C = E(RN ) ent˜ ao A, B ∈ C =⇒ A ∪ B, A ∩ B, A\B ∈ C. ´ f´acil definir o conte´ E udo de qualquer conjunto em U(RN ). Basta decompor o conjunto em causa numa uni˜ ao finita de rectˆ angulos disjuntos, i.e., escolher uma sua parti¸c˜ ao em rectˆ angulos, e adicionar os conte´ udos desses rectˆ angulos. Por exemplo, • Se A = [0, 1]∪]3, +∞[ ent˜ ao c1 (A) = 1 + ∞ = ∞, e 1 Se X e Y s˜ ao conjuntos, X\Y = {x ∈ X : x 6∈ Y } ´e a diferen¸ca de X e Y . 14 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann • Se B = [0, 1]∪]2, 5[, ent˜ao c1 (B) = 1 + 3 = 4. ´ no entanto evidente que a decomposi¸c˜ao de um dado conjunto S numa E uni˜ ao finita de rectˆ angulos disjuntos pode ser feita de m´ ultiplas maneiras, como ilustrado na figura 1.1.7. Portanto, a ideia referida s´ o pode ser a base de uma correcta defini¸c˜ao se a soma obtida depender apenas do pr´ oprio conjunto S, e n˜ ao da parti¸ca ˜o utilizada para decompor S em subrectˆangulos. A demonstra¸c˜ ao deste facto assenta somente na aditividade do conte´ udo para rectˆ angulos, expressa em 1.1.3, e est´ a feita imediatamente a seguir. Figura 1.1.7: Parti¸c˜ oes distintas do conjunto S, e um refinamento comum. Proposi¸ c˜ ao 1.1.9. Se P e Q s˜ ao parti¸co ˜es de S ∈ U(RN ) em rectˆ angulos, ent˜ ao X X cN (p) = cN (q). p∈P q∈Q Demonstra¸ca ˜o. A fam´ılia R = {p ∩ q : p ∈ P, q ∈ Q} ´e um refinamento comum das parti¸c˜ oes P e Q (ver figura 1.1.7). Observamos que • Fixado p ∈ P, a fam´ılia Rp = {r ∈ R : r ⊆ p} ´e uma parti¸c˜ao de p e • Fixado q ∈ Q, a fam´ılia Rq = {r ∈ R : r ⊆ q} ´e uma parti¸c˜ao de q. Segue-se de 1.1.3 que cN (p) = X cN (r) e cN (q) = X cN (r). r∈Rq r∈Rp Por agrupamento das parcelas das somas finitas em causa, temos X p∈P cN (p) = X X p∈P r∈Rp cN (r) = X r∈R cN (r) = X X q∈Q r∈Rq cN (r) = X cN (q). q∈Q Conclu´ımos que a defini¸c˜ao seguinte n˜ ao ´e amb´ıgua e generaliza 1.1.2. 1.1. Rectˆ angulos e Conjuntos Elementares em RN 15 ´do-N de U ´e dado por Defini¸ c˜ ao 1.1.10. Se U ∈ U(RN ) o conteu X cN (U ) = cN (r), r∈R onde R ´e uma qualquer parti¸c˜ ao finita de U em rectˆ angulos-N . A proposi¸c˜ ao seguinte regista propriedades do conte´ udo em U(RN ). Proposi¸ c˜ ao 1.1.11. Se A, B e C s˜ ao uni˜ oes finitas de rectˆ angulos-N ent˜ ao: a) Aditividade: A ∩ B = ∅ =⇒ cN (A ∪ B) = cN (A) + cN (B), b) Positividade: cN (A) ≥ 0, c) Monotonia: A ⊆ B =⇒ cN (A) ≤ cN (B), d) Subaditividade: A ⊆ B ∪ C =⇒ cN (A) ≤ cN (B) + cN (C). Demonstra¸ca ˜o. a) Se P e Q s˜ ao parti¸c˜oes finitas dos conjuntos A e B em rectˆ angulos, ent˜ ao R = P ∪ Q ´e uma parti¸c˜ao de A ∪ B e temos X X X cN (A ∪ B) = cN (r) = cN (r) + cN (q) = cN (A) + cN (B). r∈R p∈P q∈Q ´ evidente que cN (A) ≥ 0. b) E As propriedades c) e d) nesta proposi¸c˜ao podem obter-se de a) e b) e das propriedades indicadas em 1.1.8. Temos assim: c) Se A ⊆ B ent˜ ao B = A ∪ (B\A), onde B\A ´e disjunto de A e B\A ´e uma uni˜ ao finita de rectˆ angulos-N . Segue-se de a) e b) que cN (B) = cN (A) + cN (B\A) ≥ cN (A). d) B ∪ C e C\B s˜ ao uni˜ oes finitas de rectˆ angulos e B ∪ C = B ∪ (C\B), onde B e C\B s˜ ao disjuntos. Segue-se de a), b) e c) que cN (A) ≤ cN (B ∪ C) = cN (B) + cN (C\B) ≤ cN (B) + cN (C). A afirma¸c˜ ao seguinte pode ser encarada como uma outra generaliza¸c˜ao da defini¸c˜ ao 1.1.2, ou como uma generaliza¸c˜ao da regra elementar “o volume de um prisma ´e o produto da a ´rea da base pela altura”. Na realidade, de um ponto de vista intuitivo, deve ser t˜ao natural e “´obvia” como a propriedade de aditividade, mesmo quando N + M > 3. De um ponto de vista mais formal, ´e na verdade uma vers˜ ao muito preliminar do Teorema de Fubini, que discutiremos repetidas vezes no que se segue. 16 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Proposi¸ c˜ ao 1.1.12 (Conte´ udo do Produto Cartesiano). Se A ∈ U(RN ) e B ∈ U(RM ), ent˜ ao A × B ∈ U(RN +M ) e cN +M (A × B) = cN (A) × cM (B). Al´em disso, se A e B s˜ ao elementares ent˜ ao A × B ´e tamb´em elementar. Demonstra¸ca ˜o. O resultado ´e evidente quando A e B s˜ ao rectˆ angulos. Basta notar que se A = I1 × · · · × IN e B = J1 × · · · × JM , onde os conjuntos Ii e Jj s˜ ao intervalos em R, ent˜ao A × B = I1 × · · · × IN × J1 × · · · × JM ´e um rectˆ angulo-(N + M ), e cN +M (A × B) = c(I1 ) × · · · × c(IN ) × c(J1 ) × · · · × c(JM ) = cN (A) × cM (B). Se P e Q s˜ ao parti¸c˜ oes finitas dos conjuntos A e B em rectˆ angulos, ´e f´acil verificar que R = {p × q : p ∈ P, q ∈ Q} ´e uma parti¸c˜ao finita de A × B em rectˆ angulos, e em particular A × B ∈ U(RN +M ). Temos assim    X X XX cN (A)cM (B) =  cN (p)  cM (q) = cN (p) cM (q) = p∈P = XX p∈P q∈Q q∈Q cN +M (p × q) = X r∈R p∈P q∈Q cN +M (r) = cN +M (A × B) S+x S x Transla¸ca ˜o de S Reflex˜ ao de S Figura 1.1.8: Transla¸c˜ ao e reflex˜ao (em x2 = 0) do conjunto elementar S. Convencionamos aqui que, se S ⊆ RN e x ∈ RN , ent˜ao S + x designa ˜o {y + x : y ∈ S}. Notamos que qualquer transla¸c˜ao de um a translac ¸a rectˆ angulo ´e um rectˆ angulo com o conte´ udo do rectˆ angulo original. A mesma ˜ observa¸c˜ ao ´e verdadeira para qualquer reflexao de um rectˆ angulo num qualquer dos hiperplanos de equa¸c˜ao xk = 0. A pr´ oxima proposi¸c˜ao formaliza esta ideia, ilustrada na figura 1.1.8 para conjuntos elementares. A sua demonstra¸c˜ ao ´e o exerc´ıcio 17. 1.1. Rectˆ angulos e Conjuntos Elementares em RN 17 Proposi¸ c˜ ao 1.1.13 (Invariˆ ancia sob Transla¸c˜oes e Reflex˜ oes). Se E ∈ N U(R ) e T ´e uma transla¸ca ˜o de E ou a reflex˜ ao de E num dos hiperplanos xk = 0, ent˜ ao T ∈ U(RN ) e cN (T ) = cN (E). Se E ´e elementar ent˜ ao T ´e igualmente elementar. Se I ´e um intervalo limitado de extremos a < b e b − a > 2ε > 0, os intervalos F = [a+ ε, b− ε] e U =]a− ε, b+ ε[ s˜ ao, respectivamente, fechado e aberto, F ⊆ I ⊆ U e c(U \F ) = 4ε. Dizemos por isso que qualquer intervalo pode ser aproximado, por defeito, por um intervalo fechado, e por excesso, por um intervalo aberto, com “erro arbitrariamente pequeno”. A generaliza¸c˜ao desta afirma¸c˜ ao para conjuntos elementares fica igualmente como exerc´ıcio (18): cN (U ) − ε cN (S) − ε cN (F ) cN (F ) + ε cN (S) cN (U ) cN (S) + ε Proposi¸ c˜ ao 1.1.14. Se S ⊆ RN ´e elementar e ε > 0, existem conjuntos elementares F (fechado) e U (aberto) tais que F ⊆ S ⊆ U e cN (U \F ) < ε, donde cN (S) − ε < cN (F ) ≤ cN (S) ≤ cN (U ) < cN (S) + ε. Exerc´ıcios. 1. Quantos v´ertices, arestas e faces tem um rectˆangulo-N ? 2. Existem 4 intervalos limitados com extremos a e b, que s˜ao [a, b], ]a, b], [a, b[, e ]a, b[. Quantos rectˆangulos-N limitados existem com os mesmos v´ertices? 3. Existem conjuntos ilimitados E ⊂ RN com conte´ udo finito arbitr´ario? 4. Demonstre a proposi¸ca˜o 1.1.6 e mostre que qualquer conjunto que seja uma uni˜ao finita de rectˆangulos ´e uma uni˜ao finita de rectˆangulos disjuntos. 5. Calcule c4 (U ), onde U = R1 ∪ R2 ∪ R3 , R1 = [0, 6] × [0, 5] × [0, 6] × [0, 10], R2 = [−1, 4] × [2, 6] × [3, 8] × [4, 12] e R3 = [−2, 3] × [−1, 4] × [−1, 4] × [−2, 7]. 6. Mostre que se E ∈ U(RN ) ent˜ ao cN (∂E) = 0. Conclua que cN (E) = cN (int(E)) e portanto int(E) = ∅ ⇔ cN (E) = 0.(2 ) Se X ⊆ RN , designamos a fronteira de X por ∂X e o fecho de X por X. O interior e o exterior de X designam-se, respectivamente, por int(X) e ext(X). Temos, em particular, que ∂X = X\int(X). 2 18 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann 7. Mostre que se E ∈ U(R) ent˜ ao c(E) = 0 se e s´o se E ´e finito. 8. Mostre que se E ⊂ RN ´e infinito numer´avel(3 ) ent˜ ao E 6∈ U(RN ). 9. Demonstre a proposi¸ca˜o 1.1.8. 10. Generalize as al´ıneas 1.1.11 a) e 1.1.11 d) para fam´ılias finitas de conjuntos. 11. Sejam A e B rectˆangulos e considere R = A × B. Mostre que a) Se RA e RB s˜ao parti¸co˜es de A e de B, ent˜ ao R = {a × b : a ∈ RA , b ∈ RB } ´e uma parti¸ca˜o de R. b) Se P ´e uma parti¸ca˜o qualquer de R em rectˆangulos, existe um refinamento R para a parti¸ca˜o P do tipo referido em a). 12. Mostre que, se C ∈ U(RN +M ), ent˜ ao existem rectˆangulos-N R1 , · · · , Rn , disjuntos e conjuntos Bi ∈ U(RM ) tais que C= n [ i=1 Ri × Bi . 13. Seja I ⊆ R um intervalo e I = {I1 , I2 , · · · , In } uma parti¸ca˜o finita de I em intervalos. Prove que c(I) = X c(i) = i∈I n X c(Ik ). k=1 14. Seja R = I × J ⊆ R2 um rectˆangulo-2, onde I e J s˜ao intervalos em R. Dadas parti¸co˜es P = {I1 , I2 , · · · , In } de I e Q = {J1 , J2 , · · · , Jm } de J, onde os Ik e Jj s˜ao intervalos, definimos ∆xk = c(Ik ) e ∆yj = c(Jj ) e R = {i × j : i ∈ P, j ∈ Q}. Prove que c2 (R) = n X m X ∆xk ∆yj = k=1 j=1 X c2 (r). r∈R 15. Sendo R = I × J ⊆ R2 um rectˆangulo, onde I e J s˜ao intervalos em R, e P uma parti¸ca˜o de R em rectˆangulos, prove que X c2 (R) = c2 (p). p∈P ˜o: Mostre que P tem um refinamento R do tipo referido no exerSugesta c´ıcio anterior e no exerc´ıcio 11. Aplique em seguida o resultado anterior ao rectˆangulo R e a cada rectˆangulo p ∈ P. 3 ´ vel se e s´ O conjunto X ´e numera o se existe uma fun¸c˜ ao sobrejectiva φ : N → X, sendo que X pode ser finito ou infinito. X ´e infinito numer´ avel se e s´ o existe uma bijec¸c˜ ao ˜ o dos elementos de X. φ : N → X, e dizemos neste caso que φ ´e uma enumerac ¸a ´ ´ 1.2. Algebras, Semi-Algebras e Fun¸c˜oes Aditivas 19 ˜o: Proceda por indu¸ca˜o em N , generalizando as 16. Demonstre 1.1.3. sugesta ideias nos exerc´ıcios 14 e 15 e aproveitando os exerc´ıcios 11 e 13. 17. Demonstre a proposi¸ca˜o 1.1.13. 18. Demonstre a proposi¸ca˜o 1.1.14. 1.2 ´ ´ Algebras, Semi-Algebras e Fun¸c˜ oes Aditivas Introduzimos nesta sec¸c˜ ao um conjunto de no¸c˜oes abstractas, mas relativamente elementares, que s˜ ao u ´teis no estudo de fun¸c˜oes de conjuntos e s˜ ao extensivamente utilizadas na teoria da medida. Estas ideias ser˜ ao ainda enriquecidas e completadas nas sec¸c˜oes 1.6 e 2.1. Come¸camos por uma classifica¸ca ˜o para classes de conjuntos, parcialmente inspirada em propriedades das classes E(RN ) e U(RN ). ´ Defini¸ c˜ ao 1.2.1 (Algebras e Semi-´ algebras de Conjuntos). Seja X um conjunto arbitr´ario e S uma fam´ılia n˜ ao-vazia de subconjuntos de X. S diz-se ´lgebra (em X) se e s´ uma semi-a o se: a) Fecho em rela¸c˜ ao ` a uni˜ ao: A, B ∈ S ⇒ A ∪ B ∈ S, e b) Fecho em rela¸c˜ ao ` a diferen¸ca: A, B ∈ S ⇒ A\B ∈ S. ´ lgebra (em X) se, al´em disso, A semi-´ algebra S diz-se uma a c) X ∈ S. Exemplos 1.2.2. 1. As classes U(RN ) e E(RN ) s˜ao semi-´algebras, de acordo com 1.1.8. 2. A classe E(RN ) n˜ ao ´e uma ´ algebra, porque RN n˜ ao ´e elementar. 3. A classe U(RN ) ´e uma ´ algebra, porque RN ´e um rectˆangulo. 4. Se S ⊆ RN , a classe E(S) ´e uma semi-´algebra. Se S ´e um conjunto elementar, ent˜ ao E(S) ´e uma ´ algebra em S. 5. A classe dos rectˆangulos em RN n˜ ao ´e uma semi-´algebra em RN , porque n˜ ao ´e fechada nem para a uni˜ ao nem para a diferen¸ca. 6. A classe dos conjuntos abertos em RN n˜ ao ´e uma semi-´algebra em RN , porque n˜ ao ´e fechada para a diferen¸ca (apesar de ser fechada para a uni˜ao e a intersecc¸a˜o). O mesmo se passa com a classe dos conjuntos fechados em RN . 7. Sendo X um qualquer conjunto, a classe de todos os subconjuntos de X, que designamos P(X), ´e a maior ´ algebra de conjuntos em X. 8. A classe {∅, X} ´e a menor ´ algebra de conjuntos em X. 20 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann O pr´ oximo teorema indica propriedades alg´ebricas que s˜ ao comuns a qualquer semi-´ algebra de conjuntos. Teorema 1.2.3. Seja S uma semi-´ algebra no conjunto X. Temos, ent˜ ao: a) ∅ ∈ S. b) Fecho em rela¸ca ˜o a ` intersec¸ca ˜o: A, B ∈ S ⇒ A ∩ B ∈ S. c) Fecho em rela¸ca ˜o a uni˜ oes e intersec¸co ˜es finitas: A1 , A2 , · · · , An ∈ S ⇒ n [ Ak , k=1 n \ k=1 Ak ∈ S. Se S ´e uma a ´lgebra em X, temos ainda: d) Fecho em rela¸ca ˜o a ` complementa¸ca ˜o: A ∈ S ⇒ Ac ∈ S.(4 ) Demonstra¸ca ˜o. a) A classe S ´e por defini¸c˜ao n˜ ao-vazia. Sendo A ∈ S, temos ∅ = A\A ∈ S. b) A ∩ B = A\(A\B) ∈ S. ´ facilmente demonstr´avel por indu¸c˜ao. c) E d) Como por hip´ otese X ∈ S, conclu´ımos que Ac = X\A ∈ S. Alguma da terminologia definida a seguir j´a foi informalmente utilizada na sec¸c˜ ao anterior. Note-se que nos referimos a fun¸c˜oes de conjuntos com valores em [0, +∞], como por exemplo o conte´ udo-N na classe dos rectˆ angulos, ou com valores reais. Defini¸ c˜ ao 1.2.4 (Propriedades de fun¸c˜oes de conjuntos). Seja λ : S → Y uma fun¸c˜ ao, onde S ´e uma classe de subconjuntos de um conjunto fixo X e Y = R ou Y = [0, +∞]. Supondo que as afirma¸c˜oes seguintes s˜ ao v´alidas para quaisquer conjuntos A, B, C ∈ S, a fun¸c˜ao de conjuntos λ diz-se: a) Aditiva: Se A ∪ B ∈ S e A e B disjuntos ⇒ λ(A ∪ B) = λ(A) + λ(B). b) Subaditiva: Se C ⊆ A ∪ B ⇒ λ(C) ≤ λ(A) + λ(B). c) Mon´otona: Se A ⊆ B ⇒ λ(A) ≤ λ(B). d) N˜ao-negativa: Se λ(A) ≥ 0. Exemplos 1.2.5. 1. Conte´ udo-N: O conte´ udo-N , tal como o definimos em E(RN ), ´e uma fun¸ca˜o aditiva, subaditiva, mon´ otona e n˜ ao-negativa. 4 Quando o conjunto “universal” X ´e evidente do contexto da discuss˜ ao, usamos a nota¸c˜ ao Ac = X\A. ´ ´ 1.2. Algebras, Semi-Algebras e Fun¸c˜oes Aditivas 21 2. Cardinal: Dado um conjunto Y , o cardinal de Y designa-se por #(Y ) e ´e igual ao n´ umero de elementos de Y , se Y ´e finito, ou igual a +∞ , se Y ´e infinito. Qualquer que seja o conjunto X, o cardinal ´e uma fun¸ca˜o de conjuntos aditiva, subaditiva, mon´ otona e n˜ ao-negativa definida na classe P(X). 3. Probabilidades: Na Teoria das Probabilidades, associamos uma probabilidade, que ´e um n´ umero entre 0 e 1, a acontecimentos. Os acontecimentos s˜ao subconjuntos de um conjunto fixo X e formam uma ´algebra A (porquˆe?). A probabilidade p : A → [0, 1] ´e portanto uma fun¸ca˜o de conjuntos, que ´e sempre aditiva, subaditiva, mon´ otona e n˜ ao-negativa. Por exemplo, o conjunto X, que ´e um acontecimento certo, tem probabilidade 1, ou seja, p(X) = 1. 4. Muitas grandezas f´ısicas, ditas extensivas, como a massa, carga el´ectrica, energia, entropia, momento linear, etc., podem ser representadas por fun¸co˜es aditivas de conjuntos. Os conjuntos em causa s˜ao normalmente regi˜oes do espa¸co ou partes de um dado corpo material. 5. Introduzimos aqui uma fam´ılia de exemplos que referiremos com frequˆencia nos Cap´ıtulos seguintes. Consideramos: • A classe C formada pelos intervalos do tipo ]a, b] com −∞ < a ≤ b < ∞, • Uma qualquer fun¸ca˜o real f : R → R, e • A fun¸ca˜o de conjuntos λ : C → R dada por λ(]a, b]) = f (b) − f (a). A classe F (R) formada pelas uni˜ oes finitas de intervalos em C ´e uma semia´lgebra, como ´e f´ acil verificar. Para alargar a defini¸ca˜o de λ a toda a classe F (R), basta observar que qualquer conjunto A ∈ F(R) ´e uma uni˜ao finita de intervalos disjuntos I1 , I2 , · · · , In em C e tomar λ(A) = n X λ(Ik ). k=1 (Para mostrar que esta defini¸ca˜o n˜ ao ´e amb´ıgua, observe que λ ´e obviamente ´ ainda imediato aditiva em C e adapte o argumento que utiliz´amos em 1.1.9.). E que • λ ´e aditiva em F (R) e • λ ´e n˜ ao-negativa, mon´ otona e subaditiva se e s´o se f ´e crescente. Casos t´ıpicos desta fam´ılia de exemplos s˜ao as distribui¸co˜es de probabilidade na recta real, onde ´e comum escolher para f a chamada distribui¸ca ˜o (comulativa) de probabilidade. Neste caso, o valor f (x) ´e a probabilidade do acontecimento E = {X ∈ R : X ≤ x}, e por isso f ´e uma fun¸ca˜o crescente em R tal que ´ tamb´em claro que f (b)−f (a) ´e a probabilidade do acontecimento 0 ≤ f ≤ 1. E A = {X ∈ R : a < X ≤ b}, que podemos designar por λ(]a, b]). O pr´oprio conte´ udo de Jordan (restrito `a classe F (R)) resulta de escolher f (x) = x. 6. Os seguintes casos espec´ıficos do exemplo anterior s˜ao muito simples mas interessantes: 22 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann ˜ o de Heaviside(5 ) (a fun¸ca˜o caracter´ıstica do intervalo • Se f ´e a func ¸a ˜o de dirac(6 ). [0, +∞[), ent˜ ao λ ´e o impulso, medida ou distribuic ¸a O c´ alculo de λ ´e imediato:  1, se 0 ∈ A λ(A) = 0, se 0 6∈ A • Se f (x) = int(x), onde int(x) = max{k ∈ Z : k ≤ x} ´e a parte inteira de x, ent˜ ao λ(A) conta os inteiros que pertencem a A, i.e., λ(A) = #(A ∩ Z) e λ tem o pitoresco nome de pente de dirac. Estes exemplos s˜ao frequentemente utilizados na F´ısica para representar distribui¸co˜es de massas (ou cargas) pontuais unit´ arias numa recta. Repare-se de passagem que em qualquer destes exemplos ´e f´acil alargar a defini¸ca˜o de λ a classe de todos os subconjuntos de R, como ´e igualmente simples adaptar ` as respectivas defini¸co˜es a contextos mais gerais (e.g., referindo outros pontos que n˜ ao 0 e outros conjuntos que n˜ ao Z, substituindo R por outro qualquer conjunto X, etc.). 7. Continuando o exemplo 5, note-se que n˜ ao s´o ´e verdade que qualquer fun¸ca˜o f : R → R determina uma fun¸ca˜o de conjuntos λ aditiva na semi-´algebra F (R), como ´e igualmente verdade que qualquer fun¸ca˜o aditiva λ definida e finita em F (R) determina uma correspondente fun¸ca˜o f , que na realidade ´e u ´ nica a menos de uma constante aditiva arbitr´aria. Para obter f , podemos sempre tomar  +λ(]0, x], se x ≥ 0 f (x) = −λ(]x, 0]), se x < 0 B A A∩B A\B Figura 1.2.1: λ(A) = λ(A ∩ B) + λ(A\B) Indicamos abaixo propriedades comuns a quaisquer fun¸c˜oes aditivas definidas em semi-´ algebras, de que a figura 1.2.1 ilustra um exemplo. Teorema 1.2.6. Se λ : S → Y ´e uma fun¸ca ˜o aditiva definida na semia ´lgebra S e Y = R ou Y = [0, ∞], ent˜ ao: 5 De Oliver Heaviside (1850 - 1925), engenheiro, f´ısico e matem´ atico inglˆes. Do c´elebre f´ısico inglˆes Paul Adrien Maurice Dirac (1902 - 1984), pr´emio Nobel em 1933. Foi um dos distintos ocupantes da C´ atedra Lucasiana da Universidade de Cambridge (1932-1969), hoje ocupada pelo famoso f´ısico Stephen Hawking. Terminou a sua vida nos Estados Unidos, onde ensinou nas Universidades de Miami e do Estado da Fl´ orida. 6 ´ ´ 1.2. Algebras, Semi-Algebras e Fun¸c˜oes Aditivas 23 a) λ(∅) = 0, ou λ(A) = +∞ para qualquer A ∈ S.(7 ) b) Se A, B ∈ S ent˜ ao (8 ) λ(A ∩ B) + λ(A ∪ B) = λ(A) + λ(B) e λ(A) = λ(A ∩ B) + λ(A\B). c) λ ´e n˜ ao-negativa ⇐⇒ λ ´e mon´ otona ⇐⇒ λ ´e subaditiva. d) Se A1 , A2 , · · · , An ∈ S e A1 , A2 , · · · , An s˜ ao disjuntos ent˜ ao λ( n [ k=1 Ak ) = n X λ(Ak ). k=1 Demonstra¸ca ˜o. a) Se A ∈ S, segue-se, por aditividade, que λ(A) = λ(A) + λ(∅). Se existe algum conjunto A tal que λ(A) 6= +∞, ´e claro que λ(∅) = 0. b) A\B e B s˜ ao disjuntos e A ∪ B = (A\B) ∪ B, donde (1) λ(A ∪ B) = λ(A\B) + λ(B). Analogamente, A ∩ B e A\B s˜ ao disjuntos e A = (A ∩ B) ∪ (A\B), donde (2) λ(A) = λ(A ∩ B) + λ(A\B). Conclu´ımos de (1) e (2) que λ(A ∩ B) + λ(A ∪ B) = λ(A ∩ B) + λ(A\B) + λ(B) = λ(A) + λ(B). c) Se λ ´e n˜ ao-negativa e A ⊇ B, ent˜ao λ(A\B) ≥ 0 e λ(A) = λ(A ∩ B) + λ(A\B) = λ(B) + λ(A\B) ≥ λ(B), i.e., λ ´e mon´ otona. Se λ ´e mon´ otona e C ⊆ A ∪ B ent˜ao λ(C) ≤ λ(A ∪ B) = λ(A ∪ (B\A)) = λ(A) + λ(B\A) ≤ λ(A) + λ(B), ou seja, λ ´e subaditiva. Finalmente, se λ ´e subaditiva e como ∅ ⊆ A ∪ A ent˜ao λ(∅) ≤ 2λ(A) e λ ´e n˜ ao-negativa. d) A demonstra¸c˜ ao fica como exerc´ıcio. No caso das fun¸c˜ oes subaditivas, deixamos como exerc´ıcio obter: 7 ˜ o s˜ Em geral, consideramos apenas fun¸c˜ oes λ que na ao constantes e iguais a +∞. Estas identidades devem ser manipuladas com cuidado quando λ toma valores infinitos. Note que s´ o podemos escrevˆe-las na forma λ(A ∪ B) = λ(A) + λ(B) − λ(A ∩ B) e λ(A\B) = λ(A) − λ(A ∩ B) quando n˜ ao conduzem a indetermina¸c˜ oes do tipo (∞ − ∞). 8 24 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Teorema 1.2.7. Se λ : S → Y ´e uma fun¸ca ˜o subaditiva definida na semia ´lgebra S e Y = R ou Y = [0, ∞], ent˜ ao: a) λ ´e n˜ ao-negativa, b) A1 , A2 , · · · , An ∈ S ⇒ λ( n [ k=1 Ak ) ≤ n X λ(Ak ), e k=1 c) Se λ(∅) = 0 ent˜ ao λ ´e mon´ otona. Exerc´ıcios. 1. Sendo A uma classe de subconjuntos de X, prove que A ´e uma ´algebra em X se e s´o se A ´e n˜ ao-vazia, fechada em rela¸ca˜o `a uni˜ao (ou intersec¸ca˜o), e `a complementa¸ca˜o. 2. Pode substituir-se a uni˜ao pela intersec¸ca˜o na defini¸ca˜o 1.2.1? 3. Mostre que a classe S dos conjuntos limitados ´e uma semi-´algebra em RN . Considere a fun¸ca˜o λ : S → R, dada por λ(A) = diam(A) = sup {kx − yk : x, y ∈ A} , para A ∈ S. Quais das propriedades referidas em 1.2.4 s˜ao satisfeitas por λ? 4. Os subconjuntos finitos do conjunto X formam uma semi-´algebra? Uma algebra? ´ 5. Sendo R um rectˆangulo-N limitado, mostre que E(R) ´e a menor ´algebra em R que cont´em os subrectˆangulos de R. 6. Demonstre as afirma¸co˜es feitas no texto a respeito do exemplo 1.2.5.5. 7. Generalize o exemplo 1.2.5.5 para o plano R2 , sendo agora f uma fun¸ca˜o de duas vari´aveis. 8. Considere a seguinte experiˆencia aleat´ oria, para selec¸ca˜o de um n´ umero no intervalo [0, 6]. Primeiro, usamos uma moeda para decidir um de dois m´etodos: no caso “caras”, escolhemos ao acaso um n´ umero no intervalo [0, 6] (com uma densidade de probabilidade constante); no caso “coroas”, rolamos um dado para escolher um n´ umero do conjunto {1, 2, 3, 4, 5, 6}. Descreva a distribui¸ca˜o de probabilidade λ associada a esta experiˆencia, calculando a correspondente fun¸ca˜o de distribui¸ca˜o cumulativa f . 9. Conclua a demonstra¸ca˜o de 1.2.6 e prove 1.2.7. 1.3. Conjuntos Jordan-Mensur´ aveis 1.3 25 Conjuntos Jordan-Mensur´ aveis A teoria desenvolvida no in´ıcio deste Cap´ıtulo ´e manifestamente demasiado pobre para esclarecer de modo satisfat´orio a no¸c˜ao de conte´ udo de um conjunto. Afinal de contas, uma regi˜ ao t˜ao simples como um triˆ angulo n˜ ao ´e elementar e portanto por enquanto ainda n˜ ao definimos a sua a´rea! Nesta sec¸c˜ao, definimos o conte´ udo-N para os conjuntos Jordan-mensur´ aveis(9 ), que formam uma classe bastante mais extensa do que a classe dos conjuntos elementares. Veremos em particular que muitas figuras geom´etricas comuns (triˆ angulos, c´ırculos, elipses, etc.) s˜ ao conjuntos Jordan-mensur´aveis. Exploramos aqui a aproxima¸ca ˜o de conjuntos n˜ ao-elementares por conjuntos elementares, tal como ilustrado na figura 1.3.1 para um c´ırculo. Note-se Figura 1.3.1: 2 < π < 4 que esta ideia de aproxima¸c˜ ao, se bem que formalizada por Jordan e Peano apenas no final do s´eculo XIX, ´e na realidade uma descoberta fundamental muito antiga, usualmente atribu´ıda a Arquimedes(10 ). Observe-se a este respeito que, se J ⊆ RN ´e um conjunto limitado, ent˜ao existem conjuntos elementares K e U tais que K ⊆ J ⊆ U. Os conjuntos K e U aproximam J, respectivamente, por defeito e por excesso. Por esta raz˜ ao, qualquer defini¸ca ˜o “razo´ avel” de cN (J) deve conduzir a `s desigualdades 1.3.1. cN (K) ≤ cN (J) ≤ cN (U ). Como K e U s˜ ao elementares, sabemos de 1.1.11 c) que K ⊆ J ⊆ U =⇒ K ⊆ U =⇒ cN (K) ≤ cN (U ). Tomando nesta desigualdade o conjunto K como fixo, conclu´ımos que, se K ∈ E(J), ent˜ ao  cN (K) ´e minorante do conjunto cN (U ) : U ∈ E(RN ), J ⊆ U . 9 De Camille M.E. Jordan (1838 - 1922), matem´ atico francˆes, professor da Escola Polit´ecnica de Paris. As ideias apresentadas nesta sec¸c˜ ao foram, no entanto, introduzidas pelo matem´ atico italiano Giuseppe Peano, 1858-1932, professor da Universidade de Turim. 10 Arquimedes, matem´ atico e engenheiro, viveu em Siracusa (Sic´ılia) em 287-212 A.C., no tempo em que esta cidade era uma col´ onia grega. Foi, certamente, um dos mais geniais cientistas de todos os tempos. 26 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann U K J Figura 1.3.2: K e U s˜ ao aproxima¸c˜oes de J. Como o ´ınfimo de um conjunto ´e o maior dos seus minorantes, temos  cN (K) ≤ inf cN (U ) : U ∈ E(RN ), J ⊆ U . A desigualdade anterior ´e v´alida para qualquer K ∈ E(J), ou seja,  inf cN (U ) : U ∈ E(RN ), J ⊆ U ´e majorante de {cN (K) : K ∈ E(J)} . O supremo de um conjunto ´e o menor dos seus majorantes, e portanto  sup {cN (K) : K ∈ E(J)} ≤ inf cN (U ) : U ∈ E(RN ), J ⊆ U . O supremo e o ´ınfimo mencionados acima merecem designa¸c˜ao especial: Defini¸ c˜ ao 1.3.2 (Conte´ udo Interior e Exterior). Se J ⊆ RN ´e um conjunto ´do ´do interior, designado cN (J), e o seu conteu limitado, o seu conteu ao dados por exterior, designado cN (J), s˜ cN (J) = sup {cN (K) : K ∈ E(J)} e  cN (J) = inf cN (U ) : U ∈ E(RN ), J ⊆ U . Notamos agora que se cN (J) satisfaz 1.3.1 ent˜ao temos igualmente cN (J) ≤ cN (J) ≤ cN (J). O ponto de partida para a teoria de Jordan ´e a seguinte observa¸c˜ao, genial pela sua simplicidade: Se os conte´ udos interior e exterior de J s˜ ao iguais, ent˜ ao o conte´ udo do conjunto J s´ o pode ser igual a esse valor comum. Esta ´e a ideia formalizada na pr´ oxima defini¸c˜ao. Defini¸ c˜ ao 1.3.3 (Conte´ udo de Jordan). (11 ) Se J ⊆ RN ´e limitado, 11 Esta defini¸c˜ ao foi primeiro apresentada por Peano em 1887 num trabalho muito original que inclui, igualmente pela primeira vez, as no¸c˜ oes de interior, exterior e fronteira de um subconjunto de RN e uma defini¸c˜ ao abstracta de “fun¸c˜ ao aditiva de conjuntos”, que Peano chamava “fun¸c˜ ao distributiva”. O correspondente artigo de Jordan ´e de 1892. 1.3. Conjuntos Jordan-Mensur´ aveis 27 ´vel se e s´ a) Dizemos que J ´e jordan-mensura o se cN (J) = cN (J). ´do de jordan de J, designado cN (J), ´e dado b) Neste caso, o conteu por cN (J) = cN (J) = cN (J). c) A classe dos conjuntos Jordan-mensur´aveis de RN designa-se por J (RN ). Mais geralmente, a classe de todos os subconjuntos Jordan-mensur´aveis de R ⊆ RN designa-se por J (R). Se o pr´ oprio conjunto J referido em 1.3.3 ´e elementar, ´e indispens´ avel verificar que esta defini¸c˜ ao ´e compat´ıvel com a que apresent´amos em 1.1.10 para estes conjuntos. Por outras palavras, ´e necess´ario provar que: • Os conjuntos elementares s˜ ao Jordan-mensur´aveis e • O respectivo conte´ udo pode ser indistintamente determinado usando 1.1.10 ou 1.3.3. Para isso, supomos J elementar e tomamos K = J = U , para observar que cN (K) ≤ cN (J) ≤ cN (J) ≤ cN (U ) = cN (K). Quando J n˜ ao ´e elementar, a defini¸c˜ao 1.3.3 pode ser dif´ıcil de aplicar directamente, porque exige o c´ alculo expl´ıcito dos conte´ udos interior e exterior ´ frequentemente mais pr´ de J. E atico utilizar a proposi¸c˜ao seguinte: Teorema 1.3.4. J ∈ J (RN ) se e s´ o se existem para cada ε > 0 conjuntos K, U ∈ E(RN ) tais que K ⊆ J ⊆ U e cN (U \K) < ε. K e U podem ser supostos fechados ou abertos e temos ainda que cN (U ) − ε < cN (K) ≤ cN (J) ≤ cN (U ) < cN (K) + ε. Demonstra¸ca ˜o. Supomos que ε > 0 e os conjuntos elementares K e U s˜ ao tais que K ⊆ J ⊆ U e cN (U \K) = cN (U ) − cN (K) < ε. Como cN (K) ≤ cN (J) ≤ cN (J) ≤ cN (U ), temos cN (J) − cN (J) ≤ cN (U ) − cN (K) < ε, donde 0 ≤ cN (J) − cN (J) < ε Sendo esta u ´ltima desigualdade v´alida para qualquer ε > 0, ´e claro que cN (J) = cN (J), i.e., J ∈ J (RN ). Deixamos a conclus˜ao da demonstra¸c˜ao para o exerc´ıcio 4. 28 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann U K cN (J) − ε J cN (K) cN (U ) − ε cN (U ) cN (J) cN (J) + ε cN (K) + ε Figura 1.3.3: Aproxima¸c˜ao de um conjunto Jordan-mensur´ avel por conjuntos elementares. Conclu´ımos que os conjuntos Jordan-mensur´aveis s˜ ao os conjuntos que podem ser aproximados por defeito e por excesso por conjuntos elementares, “com erro arbitrariamente pequeno”. Pode tamb´em ser u ´til a seguinte alternativa a 1.3.4, cuja demonstra¸c˜ao deixamos para o exerc´ıcio 5: Teorema 1.3.5. J ∈ J (RN ) se e s´ o se existem sucess˜ oes de conjuntos elementares Kn e Un tais que Kn ⊆ J ⊆ Un e cN (Un \Kn ) → 0 donde lim cN (Kn ) = lim cN (Un ) = cN (J). n→+∞ n→+∞ Exemplo 1.3.6. Um dos problemas originalmente resolvidos por Arquimedes foi o do c´ alculo da ´ area da regi˜ ao entre um arco da par´ abola y = x2 e o eixo dos xx. Mostramos aqui que esta regi˜ ao ´e Jordan-mensur´avel, deixando o c´ alculo da sua ´area para o exerc´ıcio 2. Na verdade, provamos a seguir que a regi˜ao de ordenadas de qualquer fun¸ca ˜o mon´ otona ´e sempre Jordan-mensur´avel, se bem que o c´ alculo da respectiva ´ area possa ser um problema de mais dif´ıcil resolu¸ca˜o. Considere-se a figura 1.3.4. A regi˜ao de ordenadas da fun¸ca˜o n˜ ao-negativa f no intervalo [a, b] ´e o conjunto Ω = {(x, y) : a ≤ x ≤ b, 0 < y < f (x)} . Supomos que f ´e crescente, mas o argumento ´e aplic´ avel com modifica¸co˜es evidentes a fun¸co˜es decrescentes. Fixado n ∈ N, dividimos o intervalo [a, b] em n subintervalos de comprimento ∆x = (b−a) n , utilizando pontos igualmente espa¸cados a = x0 < x1 < · · · < xn = b. Definimos intervalos Ik e rectˆangulos auxiliares Ak e Bk para 1 ≤ k ≤ n, tomando Ik = [xk−1 , xk ], Ak = Ik ×]0, f (xk−1 )[ e Bk = Ik ×]0, f (xk )[. Sejam Kn e Un os conjuntos elementares dados por Kn = n [ k=1 Ak e Un = n [ k=1 Bk donde Kn ⊆ Ω ⊆ Un . 29 1.3. Conjuntos Jordan-Mensur´ aveis f (b) f (b) − f (a) Bk Ak f (a) ∆x = a b−a n b Figura 1.3.4: A regi˜ ao de ordenadas de f ´e Jordan-mensur´avel. Como a figura 1.3.4 sugere, ´e f´ acil verificar que c2 (Un \Kn ) = (f (b) − f (a))∆x = (f (b) − f (a)) (b − a) → 0. n Segue-se de 1.3.5 que Ω ´e Jordan-mensur´avel. O argumento anterior pode ser adaptado para provar que triˆ angulos, c´ırculos e, em geral, regi˜ oes limitadas por c´onicas e/ou segmentos de recta s˜ ao Jordan-mensur´aveis. O pr´ oximo exemplo ilustra o c´alculo do comprimento de subconjuntos da recta real R. Exemplo 1.3.7. ∞ [ 1 1 , ]. A n˜ ao ´e 2n 2n − 1 n=1 elementar, mas ´e natural aproxim´ a-lo pelos conjuntos elementares Consideramos o conjunto A = KN = N [ n=1 An , onde An = [ An , onde ´e evidente que KN ⊂ A. Por outro lado, temos ainda An ⊆ [0, 1 ] =⇒ 2n − 1 ∞ [ n=N +1 An ⊆ [0, 1 1 ] =⇒ A ⊆ KN ∪ [0, ]. 2N + 1 2N + 1 O conjunto UN = KN ∪ [0, 2N1+1 ] ´e tamb´em elementar e temos KN ⊆ A ⊆ UN . Al´em disso, 1 1 ]) = → 0, quando N → ∞. 2N + 1 2N + 1 Conclu´ımos de 1.3.5 que A ´e Jordan-mensur´avel, com comprimento dado por c(UN \KN ) = c([0, c(A) = lim c(KN ) = lim N →∞ N →∞ N X n=1 c(An ) = ∞ X n=1 c(An ) = ∞ X 1 . 2n(2n − 1) n=1 30 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann U3 K3 U6 K6 Figura 1.3.5: Aproxima¸c˜ao do conjunto A por conjuntos elementares. O seguinte corol´ ario de 1.3.4 ´e u ´til para identificar conjuntos Jordanmensur´ aveis de conte´ udo nulo. A respectiva demonstra¸c˜ao ´e o exerc´ıcio 8. Corol´ ario 1.3.8. Sendo J ⊆ RN , ent˜ ao J ´e Jordan-mensur´ avel e cN (J) = 0 se e s´ o se para qualquer ε > 0 existe um conjunto elementar U tal que J ⊆ U e cN (U ) < ε. Exemplo 1.3.9. Introduzimos aqui o conjunto de Cantor(12 ), um exemplo cl´assico que utilizaremos com frequˆencia neste texto. Este conjunto obt´em-se por um engenhoso processo iterativo de divis˜ao de intervalos em trˆes subintervalos iguais, seguido da remo¸ca˜o do subintervalo m´edio, como sugerido na figura 1.3.6. F0 F1 F2 F3 F4 U4 U3 U4 U2 U4 U3 U4 U1 U4 U3 U4 U2 U4 U3 U4 Figura 1.3.6: A constru¸c˜ao de Cantor. Seja I um qualquer intervalo limitado fechado e ψ(I) o intervalo aberto de comprimento c(I) edio de I. Definimos T (I) = I\ψ(I), e nota3 centrado no ponto m´ mos que T (I) ´e a uni˜ ao de dois intervalos limitados fechados e c(T (I)) = 23 c(I). De forma an´aloga, se E = ∪nk=1 Ik ´e uma uni˜ao finita de intervalos limitados fechados disjuntos Ik , definimos T (E) = ∪nk=1 T (Ik ), donde c(T (E)) = 32 c(E). 12 De Georg F.L. Cantor (1845 - 1918), matem´ atico alem˜ ao nascido na R´ ussia, criador da Teoria dos Conjuntos. Este conjunto foi introduzido num trabalho de Cantor publicado em 1883. Note-se que a primeira referˆencia ` a no¸c˜ ao de conte´ udo exterior, e mesmo o termo “conte´ udo”, s˜ ao igualmente de Cantor, e aparecem numa sua publica¸c˜ ao de 1884. 31 1.3. Conjuntos Jordan-Mensur´ aveis O conjunto de Cantor, que designamos C(I), ´e dado por C(I) = ∞ \ Fn , onde Fn = n=0  [a, b] , se n = 0, T (Fn−1 ) se n > 0. Fn ´e a uni˜ ao de 2n intervalos disjuntos limitados e fechados, cada um com comprimento c(I)/3n . Fn ´e portanto um conjunto elementar com c(Fn ) = (2/3)n c(I) e temos por raz˜ oes evidentes que C(I) = ∞ \ n=0 Fn ⊂ Fn e c(Fn ) = (2/3)n c(I) → 0. Segue-se assim do corol´ ario anterior que C(I) ´e um conjunto Jordan-mensur´ avel de conte´ udo nulo. Deixamos para o exerc´ıcio 16 verificar que C(I) ´e um conjunto fechado e infinito n˜ ao-numer´ avel. Note-se igualmente que se Un = Fn−1 \Fn para n ≥ 1 ent˜ ao Un ´e um conjunto elementar aberto formado por 2n intervalos, cada um com comprimento 31n c(I). Temos ainda que U = I\C(I) = ∪∞ e uma uni˜ ao numer´ avel de intervalos abertos disjuntos. n=0 Un ´ Exemplo 1.3.10. ´ relativamente simples indicar conjuntos que n˜ E ao s˜ao Jordan-mensur´aveis, e apresentamos a seguir o conjunto de Dirichlet (13 ). Trata-se do conjunto formado pelos racionais num dado intervalo [a, b] que, para simplificar, supomos ser o intervalo [0, 1], ou seja, consideramos o conjunto D = Q ∩ [0, 1]. Qualquer intervalo n˜ ao degenerado (i.e., com interior n˜ ao-vazio) cont´em racionais e irracionais (14 ). Portanto, se um conjunto elementar E cont´em apenas racionais ou apenas irracionais, ent˜ ao E ´e formado por intervalos que se reduzem cada um a um s´o ponto. Neste caso, E ´e um conjunto finito e tem conte´ udo nulo. Se D ´e o conjunto de Dirichlet e K e U s˜ao quaisquer conjuntos elementares tais que K ⊆ D ⊆ U , ent˜ ao: • Como K ´e elementar e s´ o cont´em racionais, temos c(K) = 0. • Como V = [0, 1]\U ´e elementar e s´ o cont´em irracionais, temos c(V ) = 0 e segue-se facilmente que c(U ) ≥ 1. Conclu´ımos que c(U ) − c(K) ≥ 1 e portanto D n˜ ao ´e Jordan-mensur´ avel. Indic´ amos em 1.1.8 e 1.1.11 algumas propriedades elementares b´ asicas da N ´ classe U(R ) e do conte´ udo-N , tal como definido nesta classe. E importante verificar que essas propriedades se mantˆem v´alidas na classe J (RN ). 13 Peter Gustav Lejeune Dirichlet (1805-1859), matem´ atico alem˜ ao. O exemplo de Dirichlet original ´e a fun¸c˜ ao caracter´ıstica dos racionais, e foi publicado em 1829. 14 Dizemos que o conjunto S ⊆ RN ´e denso em RN se e s´ o se qualquer conjunto aberto n˜ ao-vazio U ⊆ RN cont´em pontos de S, i.e., se e s´ o se S = RN . Nesta terminologia, os conjuntos Q e R\Q s˜ ao densos em R. 32 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Proposi¸ c˜ ao 1.3.11. A classe J (RN ) ´e uma semi-´ algebra e o conte´ udo de N Jordan ´e aditivo e n˜ ao-negativo em J (R ). Em particular, cN ´e mon´ otono e subaditivo em J (RN ). Demonstra¸ca ˜o. a) Provamos apenas o fecho da classe J (RN ) em rela¸c˜ao a uni˜ ` ao, deixando o caso da diferen¸ca para os exerc´ıcios. Dados A, B ∈ J (RN ), sabemos de 1.3.5 que existem sucess˜oes de conjuntos elementares Kn , Kn′ , Un e Un′ tais que Kn ⊆ A ⊆ Un , Kn′ ⊆ B ⊆ Un′ , cN (Un \Kn ) → 0, cN (Un′ \Kn′ ) → 0. ao elementares, de 1.1.8, e Os conjuntos Kn′′ = Kn ∪ Kn′ e Un′′ = Un ∪ Un′ s˜ observamos que Kn′′ ⊆ A ∪ B ⊆ Un′′ e Un′′ \Kn′′ = [Un \(Kn ∪ Kn′ )] ∪ [Un′ \(Kn ∪ Kn′ )] ⊆ (Un \Kn ) ∪ (Un′ \Kn′ ). Temos de 1.1.11 que 0 ≤ cN (Un′′ \Kn′′ ) ≤ cN (Un \Kn ) + cN (Un′ \Kn′ ) → 0, e conclu´ımos de 1.3.5 que A ∪ B ´e Jordan-mensur´avel. b) Se A e B s˜ ao disjuntos, os conjuntos Kn e Kn′ mencionados acima s˜ ao igualmente disjuntos e portanto, de acordo com 1.3.5 e 1.1.11, temos cN (Kn′′ ) → cN (A ∪ B) e cN (Kn′′ ) = cN (Kn ) + cN (Kn′ ) → cN (A) + cN (B), ´ evidente que o conte´ ou seja, cN (A ∪ B) = cN (A) + cN (B). E udo de Jordan ´e n˜ ao-negativo, e as restantes afirma¸c˜oes seguem-se de 1.2.6. Deixamos para o exerc´ıcio 9 a adapta¸c˜ao das proposi¸c˜oes 1.1.12 e 1.1.13 aos conjuntos Jordan-mensur´aveis, que enunciamos da seguinte forma: Teorema 1.3.12. Se A ∈ J (RN ) e B ∈ J (RM ), ent˜ ao a) A × B ∈ J(RN +M ) e cN +M (A × B) = cN (A) × cM (B). b) Se x ∈ RN ent˜ ao A + x ∈ J (RN ) e cN (A + x) = cN (A). c) Se C ´e uma reflex˜ ao de A num dos hiperplanos xk = 0, ent˜ ao C ∈ J (RN ) e cN (A) = cN (C). Os conjuntos Jordan-mensur´aveis podem ser tamb´em caracterizados pelo conte´ udo das respectivas fronteiras. Veremos mais adiante que esta condi¸c˜ao ´e um caso particular do resultado que relaciona a integrabilidade de uma fun¸c˜ ao com o conjunto de pontos onde essa fun¸c˜ao ´e descont´ınua. 33 1.3. Conjuntos Jordan-Mensur´ aveis Teorema 1.3.13. Se J ⊂ RN ´e limitado, ent˜ ao J ∈ J (RN ) ⇐⇒ cN (∂J) = 0. Em particular, se J ´e Jordan-mensur´ avel temos cN (J) = cN (int(J)), e temos ainda cN (J) = 0 se e s´ o se int(J) = ∅. Demonstra¸ca ˜o. Supomos que J ⊂ RN ´e Jordan-mensur´avel. Dado ε > 0, existem conjuntos elementares K e U tais que K ⊆ J ⊆ U e cN (U \K) < ε. Supomos sem perda de generalidade que K ´e aberto e U ´e fechado. Neste caso, ´e f´acil verificar que K ⊆ int(J) ⊆ J ⊆ U , donde ∂J ⊆ U \K. O conjunto U \K ´e elementar e cN (U \K) < ε, onde ε ´e arbitr´ario. Temos portanto, de acordo com 1.3.8, que cN (∂J) = 0. Deixamos para o exerc´ıcio 10 a conclus˜ao desta demonstra¸c˜ ao. Exemplos 1.3.14. 1. Note-se do anterior que os conjuntos Jordan-mensur´aveis, tal como os conjuntos elementares, n˜ ao podem ter simultaneamente interior vazio e conte´ udo positivo. 2. Vimos j´ a que o conjunto de Dirichlet n˜ ao ´e Jordan-mensur´avel, mas este facto ´e tamb´em consequˆencia do resultado anterior, porque se D = Q ∩ [0, 1] ent˜ ao ∂D = [0, 1], donde c(∂D) = 1 e D n˜ ao ´e Jordan-mensur´avel. Exerc´ıcios. 1. Generalize a desigualdade 2 < π < 4 (ver figura 1.3.1) de R2 para RN . 2. Prove que a ´ area da regi˜ ao de ordenadas de f (x) = x2 no intervalo [0, 1] ´e 13 . ˜o: Use a identidade: sugesta n X k=1 3. Mostre que J = 1 n k2 = n3 n2 n + + . 3 2 6 : n ∈ N ´e Jordan-mensur´avel e tem conte´ udo nulo. 4. Conclua a demonstra¸ca˜o do teorema 1.3.4. Porque raz˜ ao os conjuntos K e U podem ser supostos abertos ou fechados? 5. Demonstre o teorema 1.3.5. 34 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann 6. Seja f : RN → RN dada por f (x) = rx. Prove que se K ∈ J (RN ) ent˜ ao f (K) ∈ J (RN ) e cN (f (K)) = rN cN (K). 7. Prove que a ´ area de um c´ırculo de raio r ´e πr2 e a ´area da regi˜ao limitada por uma elipse de semi-eixos a e b ´e πab.(15 ) 8. Prove o corol´ ario 1.3.8. 9. Conclua a demonstra¸ca˜o de 1.3.11 e prove o teorema 1.3.12. ˜o: Prove que se o rectˆangulo 10. Conclua a demonstra¸ca˜o de 1.3.13. sugesta R intersecta tanto int(A) como ext(A) ent˜ ao R intersecta tamb´em ∂(A). 11. Sendo A ⊆ RN limitado, prove que cN (A) − cN (A) = cN (∂A). 12. Mostre que se A ⊂ RN , tanto A como Ac s˜ao densos em RN e R ´e um rectˆangulo-N limitado com cN (R) > 0 ent˜ ao A ∩ R e R\A n˜ ao s˜ao Jordanmensur´aveis (16 ). 13. Mostre que se J ∈ J (RN ), cN (J) = 0 e K ⊆ J, ent˜ ao K ∈ J (RN ) e cN (K) = 0. 14. Mostre que, se A ⊆ RN , B ⊆ RM , cN (A) = 0 e A e B s˜ao limitados, ent˜ ao A × B ´e Jordan-mensur´avel e cN +M (A × B) = 0. 15. Suponha que K ∈ J (R2 ) e seja V o s´olido de revolu¸ca˜o obtido rodando K em torno do eixo dos xx. Mostre que V ∈ J (R3 ). 16. Seja C(I) o conjunto de Cantor, tal como definido no exemplo 1.3.9. a) Prove que C(I) ´e um conjunto limitado e fechado com interior vazio e conclua que C(I) ´e a fronteira do seu complementar. b) Verifique que C(I) ´e Jordan-mensur´avel, com conte´ udo nulo. c) Mostre que os pontos de C(I) s˜ao os pontos de acumula¸ca˜o de C(I), raz˜ ao pela qual C(I) se diz um conjunto perfeito(17 ). ˜o: d) Prove que C(I) ´e infinito n˜ ao-numer´avel e n˜ ao ´e elementar. sugesta Determine uma bijec¸ca˜o entre C(I) e o conjunto das sucess˜oes bin´arias. e) Mostre que {x + y : x, y ∈ C(I)} = [0, 2]. N 17. nPDados vectores a1 , a2o, · · · , aN em R , considere o “paralelep´ıpedo” P = N e Jordan-mensur´avel, com cN (P ) = k=1 tk ak : 0 ≤ tk ≤ 1 . Prove que P ´ | det(a1 , a2 , · · · , aN )| (o valor absoluto do determinante da matriz formada ˜o: Mostre que: pelos vectores a1 , · · · , aN ). sugesta 15 π ´e naturalmente definido como a ´ area do c´ırculo de raio 1. O exemplo de Dirichlet resulta de tomar A = Q e N = 1. 17 ˜ o do conjunto A ⊆ RN se e s´ O ponto x ∈ RN ´e ponto de acumulac ¸a o se qualquer vizinhan¸ca de x cont´em pontos de A distintos de x. As no¸c˜ oes de “ponto de acumula¸c˜ ao” e de “conjunto perfeito” devem-se igualmente a Cantor. 16 35 1.4. O Integral de Riemann a) Se a1 , · · · , aN s˜ao linearmente dependentes, ent˜ ao cN (P ) = 0. ˜o: Considere equa¸co˜es cartesianas para P . sugesta b) P ´e Jordan-mensur´avel porque a sua fronteira tem conte´ udo nulo. c) Se Q resulta de P substituindo ai por a′i = ai + λaj , com i 6= j, ent˜ ao ˜o: Suponha primeiro que 0 ≤ λ ≤ 1. Note que cN (Q) = cN (P ). sugesta neste caso Q\P ´e uma transla¸ca˜o de P \Q. Considere em seguida λ ∈ N. ˜o: d) O conte´ udo de P ´e o valor absoluto do determinante indicado. sugesta Reduza a matriz cujas linhas s˜ao os vectores ai `a forma diagonal, pelo processo de elimina¸ca˜o de Gauss-Jordan. 18. Seja T : RN → RN uma transforma¸ca˜o linear, e K ∈ J (RN ). Mostre que T (K) ∈ J (RN ), e cN (T (K)) = |J|cN (K), onde J ´e o determinante de T . 1.4 O Integral de Riemann Como diss´emos, o problema da defini¸c˜ao do integral de fun¸co ˜es est´ a directamente relacionado com o problema da defini¸c˜ao do conte´ udo de conjuntos. Dada uma fun¸c˜ ao f : I → R, onde para simplificar supomos que I = [a, b] ´e um intervalo, designamos aqui por Ω+ e Ω− os conjuntos ilustrados na figura 1.4.1, que s˜ ao dados por  Ω+ = (x, y) ∈ R2 : x ∈ I e 0 < y < f (x) e  Ω− = (x, y) ∈ R2 : x ∈ I e 0 > y > f (x) . O integral de f , dito unidimensional ou simples, porque f ´e fun¸c˜ao de uma vari´ avel real, e designado usualmente por Z a b f (x)dx, Z b f, a Z I f (x)dx ou Z f, I ´reas ou conte´ ´e a diferenc ¸ a das a udos-2 dos conjuntos Ω+ e Ω− . Estas ideias generalizam-se facilmente a fun¸c˜oes de N vari´ aveis: Defini¸ c˜ ao 1.4.1 (Regi˜ ao de Ordenadas). Se R ⊆ S ⊆ RN e f : S → R, definimos os conjuntos:  N +1 : x ∈ R, 0 < y < f (x) , e • Ω+ R (f ) = (x, y) ∈ R  N +1 : x ∈ R, 0 > y > f (x) . • Ω− R (f ) = (x, y) ∈ R ˜o de ordenadas de f no conjunto R ´e o conjunto A regia − N +1 . ΩR (f ) = Ω+ R (f ) ∪ ΩR (f ) ⊆ R 36 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann R R2 f Ω+ b a Ω− Figura 1.4.1: Z b a f (x)dx = c2 (Ω+ ) − c2 (Ω− ). Neste caso mais geral, devemos ainda ter 1.4.2. Z R − f (x)dx = cN +1 (Ω+ R (f )) − cN +1 (ΩR (f )). O integral ´e agora a diferen¸ca dos conte´ udos-(N +1) dos conjuntos Ω+ R (f ) e e diz-se um integral-N . Por exemplo, um integral-2, ou duplo, ´e a − diferen¸ca dos volumes, ou conte´ udos-3, dos conjuntos Ω+ R (f ) e ΩR (f ). De acordo com 1.4.2, podemos concluir que: Ω− R (f ) 1.4.3. As fun¸c˜ oes de N vari´ aveis para as quais podemos calcular o respectivo integral-N s˜ ao determinadas pelos conjuntos em RN +1 cujo conte´ udo-(N + 1) est´ a definido. Na sec¸c˜ ao anterior, definimos o conte´ udo de conjuntos Jordan-mensur´aveis. Podemos agora definir o integral de fun¸c˜oes para as quais os conjuntos − ao Jordan-mensur´aveis, i.e., para as quais o conjunto ΩR (f ) Ω+ R (f ) e ΩR (f ) s˜ ´e Jordan-mensur´ avel(18 ). S˜ ao estas as fun¸co ˜es Riemann-integr´ aveis. Defini¸ c˜ ao 1.4.4 (Integral de Riemann). Seja R ⊆ S ⊆ RN e f : S → R. ´vel (em R) se e s´ a) f ´e riemann-integra o se ΩR (f ) ´e Jordan-mensur´ avel. b) Neste caso, o integral de riemann de f em R ´e dado por Z − f = cN +1 (Ω+ R (f )) − cN +1 (ΩR (f )). R 18 Deve verificar no exerc´ıcio 1 desta sec¸c˜ ao que ΩR (f ) ´e Jordan-mensur´ avel se e s´ o se − Ω+ ao Jordan-mensur´ aveis. R (f ) e ΩR (f ) s˜ 1.4. O Integral de Riemann 37 c) O conjunto das fun¸c˜ oes definidas em R e Riemann-integr´ aveis em R ´e designado por I(R). Se f ´e Riemann-integr´ avel em R ent˜ao, em particular, o conjunto ΩR (f ) ´e necessariamente limitado, ou seja, f ´e limitada em R e o subconjunto de R onde f ´e diferente de zero ´e tamb´em limitado. N˜ao ´e f´acil indicar crit´erios de integrabilidade razoavelmente gerais mas, recordando as observa¸c˜ oes feitas na sec¸c˜ao anterior a prop´osito do exemplo 1.3.6, quando mencion´amos a par´ abola y = x2 , ´e simples mostrar que Proposi¸ c˜ ao 1.4.5. Se f ´e limitada e mon´ otona no intervalo limitado I, ent˜ ao f ´e Riemann-integr´ avel em I. Exemplos 1.4.6. 1. A fun¸ca˜o f (x) = ex ´e integr´avel em qualquer intervalo limitado porque f ´e crescente em R. ˜o de Dirichlet dir ´e a fun¸ca˜o caracter´ıstica (19 ) do conjunto 2. A func ¸a dos racionais, isto ´e,  1, quando x ∈ Q, dir(x) = 0, quando x 6∈ Q. Deixamos como exerc´ıcio verificar que esta fun¸ca˜o n˜ ao ´e integr´avel em nenhum intervalo I com c(I) > 0. ˜ o de Riemann(20 ) r ´e definida como se segue: 3. A func ¸a   0, quando x 6∈ Q, 1, quando x = 0, r(x) =  1 , quando x = p , onde p e q s˜ao inteiros primos entre si e q > 0. q q Deixamos tamb´em como exerc´ıcio verificar que r ´e Riemann-integr´avel em qualquer intervalo limitado e o respectivo integral ´e nulo, apesar de r ser descont´ınua em todos os pontos racionais. Sendo f : X → R uma fun¸c˜ ao, definimos as suas partes positiva e negativa, respectivamente f + e f − , por • f + (x) = max {f (x), 0} e f − (x) = max {−f (x), 0}, donde • f = f + − f − e |f | = f + + f − . 19 ˜ o caracter´ıstica de A ´e a fun¸c˜ Se X ´e um conjunto arbitr´ ario e A ⊆ X, a func ¸a ao χA : X → R, que ´e constante e igual a 1 para x ∈ A, sendo igual a 0 para x 6∈ A. 20 Este exemplo foi descoberto em 1875 pelo matem´ atico alem˜ ao Johannes Karl Thomae, 1840-1921, professor em G¨ ottingen. Riemann foi no entanto o primeiro matem´ atico a mostrar que existem fun¸c˜ oes integr´ aveis descont´ınuas em conjuntos densos, como ´e o caso da fun¸c˜ ao r. 38 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann As propriedades do integral de Riemann que se seguem reflectem propriedades geom´etricas elementares do conte´ udo. Teorema 1.4.7. Supondo R ⊆ S ⊆ RN e f, g : S → R, ent˜ ao a) f ´e Riemann-integr´ avel em R se e s´ o se f + e f − s˜ ao Riemannintegr´ aveis em R e neste caso Z Z Z f −, f+ − f= R R R b) Desigualdade triangular: Se f ´e Riemann-integr´ avel em R, ent˜ ao |f | ´e Riemann-integr´ avel em R e Z Z Z Z + f −, f + |f | = f| ≤ | R R R R c) Monotonia: Se f e g s˜ ao Riemann-integr´ aveis em R e f ≤ g ent˜ ao Z Z g, f≤ R R avel em R e c ∈ R, ent˜ ao cf d) Homogeneidade: Se f ´e Riemann-integr´ ´e Riemann-integr´ avel em R e Z Z f. (cf ) = c R f f+ R |f | f− Figura 1.4.2: Regi˜ oes de ordenadas de f , f + , f − , e |f |. 39 1.4. O Integral de Riemann Demonstra¸ca ˜o. Provamos apenas, a t´ıtulo de exemplo, a afirma¸c˜ao a). Para ´ evidente que: isso, observe-se a figura 1.4.2. E + + ao iguais, e • Os conjuntos Ω+ R (f ) e ΩR (f ) s˜ − e a reflex˜ ao de Ω− • O conjunto Ω+ R (f ) no hiperplano xN +1 = 0. R (f ) ´ Deve ser claro que f ´e Riemann-integr´ avel se e s´ o se f + e f − s˜ ao Riemannintegr´ aveis e Z − f = cN +1 (Ω+ R (f )) − cN +1 (ΩR (f )) R Z Z + + − + + f −. f − = cN +1 (ΩR (f )) − cN +1 (ΩR (f )) = R R Registe-se desde j´a que a defini¸c˜ao do integral de Riemann apresentada em 1.4.4 ´e (essencialmente) equivalente `a defini¸c˜ao original de Riemann de 1854, mas ´e distinta desta. Actualmente, ´e ali´as mais comum definir o integral de Riemann usando uma terceira alternativa, com recurso `as no¸c˜oes de integral superior e integral inferior, e que passamos a descrever. Para introduzir estas no¸c˜ oes auxiliares, seja f : R → R uma fun¸c˜ao limitada no rectˆ angulo-N limitado R. Se r ⊆ R, escrevemos mr = inf {f (x) : x ∈ r} e Mr = sup {f (x) : x ∈ r} . Quando P ´e uma parti¸c˜ ao finita de R em rectˆ angulos n˜ ao-vazios, definimos 21 as somas superior e inferior de Darboux( ) da fun¸c˜ao f para a parti¸c˜ao P, designadas respectivamente por S d (f, P) e S d (f, P), por X X mr cN (r). S d (f, P) = Mr cN (r) e S d (f, P) = r∈P r∈P Volterra(22 ) introduziu as no¸c˜ oes de integral superior e de integral inferior em 1881. S˜ ao definidas como se segue: Defini¸ c˜ ao 1.4.8 (Integral Superior, Integral Inferior). Seja f limitada em R e designe-se por PR a classe angulos. R de todas as parti¸ R c˜oes finitas de R em rectˆ Os integrais superior R f e inferior f s˜ ao dados por: R Z 21 R  f = inf S d (f, P) : P ∈ PR e Z R f = sup {S d (f, P) : P ∈ PR } Jean Gaston Darboux (1842 - 1917), matem´ atico francˆes, professor na Escola Normal e na Sorbonne, e um dos principais divulgadores das ideias de Riemann em Fran¸ca. Estas somas aparecem referidas em trabalhos de v´ arios autores, todos publicados em 1875. 22 Vito Volterra, 1860-1940, matem´ atico italiano. Volterra criou a no¸c˜ ao de “funcional”, e ensinou nas Universidades de Pisa, Turim e Roma. Foi for¸cado a exilar-se (com 71 anos!), por se recusar a prestar juramento de fidelidade ao regime fascista de Mussolini. 40 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Estas no¸c˜ oes reduzem-se facilmente aos conceitos que introduzimos na sec¸c˜ ao anterior. Em particular, o c´alculo de somas de Darboux reduz-se ao c´ alculo do conte´ udo de conjuntos elementares que aproximam a regi˜ ao de ordenadas de f . Para precisar esta u ´ltima observa¸c˜ao ´e apenas necess´ario interpretar as parcelas onde mr < 0 ou Mr < 0 como fazemos no pr´ oximo lema. Note que, sendo A ⊆ RN +1 , seguimos a conven¸c˜ao natural de designar por A+ (e A− ), respectivamente, as partes de A acima (e abaixo) do hiperplano xN +1 = 0, ou seja, escrevendo x = (x1 , x2 , · · · , xN +1 ), tomamos A+ = {x ∈ A : xN +1 > 0} e A− = {x ∈ A : xN +1 < 0} U+ K+ K− U− Figura 1.4.3: Conjuntos K e U determinados por uma parti¸c˜ao R. Lema 1.4.9. Se f : R → R ´e limitada no rectˆ angulo-N limitado R, R ´e uma parti¸ca ˜o de R em rectˆ angulos e Ω = ΩR (f ), ent˜ ao existem conjuntos elementares K ⊆ Ω ⊆ U tais que S d (f, R) = cN +1 (K + ) − cN +1 (U − ) e S d (f, R) = cN +1 (U + ) − cN +1 (K − ). Demonstra¸ca ˜o. Consideramos as seguintes subparti¸c˜oes de R: S + = {r ∈ R : Mr > 0}, S − = {r ∈ R : Mr < 0} e I + = {r ∈ P : mr > 0}, I − = {r ∈ P : mr < 0}. Os conjuntos elementares U + e K − s˜ ao dados por (ver figura 1.4.3) U+ = [ r∈S + r×]0, Mr [ e K − = [ r∈S − r×]Mr , 0[ 41 1.4. O Integral de Riemann Analogamente, os conjuntos elementares K + e U − s˜ ao dados por [ [ K+ = r×]0, mr [ e U − = r×]mr , 0[ r∈I − r∈I + ´ f´acil constatar que K + ⊆ Ω+ ⊆ U + , K − ⊆ Ω− ⊆ U − , e um c´alculo E imediato mostra que S d (f, R) = S d (f, I + ) + S d (f, I − ) = cN +1 (K + ) − cN +1 (U − ) e S d (f, R) = S d (f, S + ) + S d (f, S − ) = cN +1 (U + ) − cN +1 (K − ). O lema anterior conduz directamente a: Lema 1.4.10 (de Peano). Se f : R → R ´e limitada no rectˆ angulo-N limitado R e Ω = ΩR (f ) ent˜ ao Z − + R f = cN +1 (Ω ) − cN +1 (Ω ) e Z R f = cN +1 (Ω+ ) − cN +1 (Ω− ). Demonstra¸ca ˜o. Se P ´e uma parti¸c˜ao de R, segue-se do lema anterior e das defini¸c˜oes de cN e cN que S d (f, P) = cN +1 (K + ) − cN +1 (U − ) ≤ cN (Ω+ ) − cN (Ω− ) e S d (f, P) = cN +1 (U + ) − cN +1 (K − ) ≥ cN (Ω+ ) − cN (Ω− ). Podemos assim concluir que Z Z + − − + (1) f ≤ cN +1 (Ω ) − cN +1 (Ω ) ≤ cN +1 (Ω ) − cN +1 (Ω ) ≤ R f. R Suponha-se agora que K − , K + e V, W s˜ ao conjuntos elementares tais que K + ⊆ Ω+ ⊆ V e K − ⊆ Ω− ⊆ W . Podemos sempre tomar V = U + e W = U − , onde U ´e elementar (porquˆe?), e recordamos do exerc´ıcio 12 da sec¸c˜ao 1.1 que existe uma parti¸c˜ ao P tal que [ [ K= r × Ir e U = r × Jr , r∈R r∈R onde os Ir e Jr s˜ ao conjuntos elementares em R. Um momento de reflex˜ao revela que, para qualquer r ∈ P, temos necessariamente Ir ⊆]mr , Mr [⊆ Jr , donde Mr − mr ≤ c(Jr ) − c(Ir ) e portanto X X S d (f, P) − S d (f, P) = (Mr − mr )cN (r) ≤ [c(Jr ) − c(Ir )] cN (r) = r∈P r∈P 42 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann X r∈P c(Jr )cN (r) − X r∈P c(Ir )cN (r) = cN +1 (U ) − cN +1 (K). Segue-se facilmente que     S d (f, P)−S d (f, P) ≤ cN +1 (U + ) − cN +1 (K − ) − cN +1 (K + ) − cN +1 (U − ) , donde obtemos ainda Z Z     f− f ≤ cN +1 (U + ) − cN +1 (K − ) − cN +1 (K + ) − cN +1 (U − ) , R R e finalmente Z Z (2) f− R R     f ≤ cN +1 (Ω+ ) − cN +1 (Ω− ) − cN +1 (Ω+ ) − cN +1 (Ω− ) . As desigualdades em (1) e (2) estabelecem a igualdade a provar. ´ o seu conte´ O pr´ oximo resultado ´e um corol´ ario directo deste lema. E udo que ´e actualmente a mais tradicional defini¸ca ˜o do integral de Riemann. Corol´ ario 1.4.11. Se f : R → R ´e limitada no rectˆ angulo-N limitado R ent˜ ao f ´e Riemann-integr´ avel em R se e s´ o se Z Z Z Z Z f f , e neste caso f= f= f= R R R Demonstra¸ca ˜o. De acordo com 1.4.10, temos R R R Rf = R R f se e s´ o se cN +1 (Ω+ ) − cN +1 (Ω− ) = cN +1 (Ω+ ) − cN +1 (Ω− ) ⇐⇒ ⇐⇒ cN +1 (Ω+ ) − cN +1 (Ω+ ) = cN +1 (Ω− ) − cN +1 (Ω− ) = 0 R R ´ portanto claro que E f se e s´ o se os conjuntos Ω+ e Ω− s˜ ao Rf = R Jordan-mensur´ aveis, e neste caso temos Z Z Z + − f. f = cN +1 (Ω ) − cN +1 (Ω ) = f= R R R ´ tamb´em poss´ıvel verificar a integrabilidade de f sem calcular expliciE tamente os seus integrais superior e inferior. Podemos em vez disso recorrer a ideia subjacente a 1.3.4, que referimos a prop´osito do problema an´ ` alogo de caracteriza¸c˜ ao dos conjuntos Jordan-mensur´aveis. Deixamos como exerc´ıcio a demonstra¸c˜ ao da proposi¸c˜ao seguinte. Proposi¸ c˜ ao 1.4.12. Se f : R → R ´e limitada no rectˆ angulo-N limitado R ent˜ ao f ´e Riemann-integr´ avel em R se e s´ o se existe para cada ε > 0 uma parti¸ca ˜o P de R tal que S d (f, P) − S d (f, P) < ε. 43 1.4. O Integral de Riemann Em abono da verdade hist´ orica, sublinhe-se a terminar que as ideias sobre integrais de fun¸c˜ oes de Riemann (1854), Darboux (1875) e Volterra (1881), obviamente precederam os trabalhos sobre o conte´ udo de conjuntos de Cantor (1884), Peano (1887) e Jordan (1892). Quase certamente, os trabalhos de Darboux e Volterra foram inspira¸c˜ao decisiva em especial para Cantor e Peano. Em qualquer caso, as ideias abordadas nesta sec¸c˜ao eram seguramente familiares a Peano, que conhecia, por exemplo, o lema 1.4.10, aqui identificado com o seu nome. Mostr´amos que a defini¸c˜ao 1.4.4 ´e equivalente ` a afirma¸c˜ ao no corol´ ario 1.4.11, mas a sua equivalˆencia `a defini¸c˜ao original de Riemann, que ali´ as ainda n˜ ao apresent´amos, s´ o ser´ a estabelecida mais adiante. Exerc´ıcios. − 1. Prove que ΩR (f ) ´e Jordan-mensur´avel se e s´o se os conjuntos Ω+ R (f ) e ΩR (f ) s˜ao ambos Jordan-mensur´aveis. 2. Mostre que se f 6= ao f ´e RiemannR 0 apenas num subconjunto finito de R ent˜ integr´avel em R e R f = 0. 3. Suponha que o conjunto onde f 6= 0 ´e uma uni˜ao de conjuntos Jordanmensur´aveis disjuntos A1 , A2 , · · · , Am em RN , e que f (x) = ak , quando x ∈ Ak . Mostre que Z m X f= ak cN (Ak ). RN k=1 4. Mostre que a fun¸ca˜o f (x) = sen( x1 ) ´e integr´avel em ]0, 1]. 5. Suponha que f est´ a definida em R, R ⊇ S, g ´e a restri¸ca˜o de f a S e f (x) = 0 quando x 6∈ S. Mostre que f ´e integr´avel em R se e s´o se g ´e integr´avel em S e que, neste caso, Z Z f= R g. S 6. Prove que se f e g s˜ao fun¸co˜es Riemann-integr´aveis em R, ent˜ ao as fun¸co˜es m e M definidas por m(x) = min {f (x), g(x)} e M (x) = max {f (x), g(x)} s˜ao igualmente integr´aveis em R. 7. Suponha que f ´e Riemann-integr´avel no conjunto limitado R. Prove que ´fico de f em R, i.e., o conjunto G = {(x, y) : x ∈ R, y = f (x)}, tem o gra conte´ udo nulo. Se o gr´ afico da fun¸ca˜o f tem conte´ udo nulo, podemos concluir que f ´e integr´avel? 8. Seja f Riemann-integr´avel em RN , a ∈ RN e b ∈ R. O que pode dizer sobre a integrabilidade e o valor dos integrais das fun¸co˜es dadas por g(x) = f (x − a), h(x) = bf (x) e u(x) = f (bx)? 44 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann 9. Calcule os integrais superior e inferior da fun¸ca˜o de Dirichlet num qualquer intervalo limitado I ⊂ R. 10. Demonstre a proposi¸ca˜o 1.4.12. Como se pode adaptar 1.4.12 para contemplar regi˜ oes de integra¸ca˜o “arbitr´ arias”? 11. Demonstre as seguintes propriedades da fun¸ca˜o de Riemann (exemplo 1.4.6.3): a) Se ε > 0, ent˜ ao o conjunto {x ∈ I : r(x) ≥ ε} ´e finito. b) A fun¸ca˜o de Riemann r ´e integr´avel em qualquer intervalo limitado I. ˜o: Dado ε > 0, e sendo Rε = I × [0, ε], mostre que Rε ∪ ΩI (r) sugesta ´e um conjunto elementar. c) A fun¸ca˜o r ´e cont´ınua em x se e s´o se x ´e irracional. 12. Se a fun¸ca˜o f ´e Riemann-integr´avel em R, os respectivos conjuntos de n´ıvel, i.e., os conjuntos {x ∈ R : f (x) = a} s˜ao sempre Jordan-mensur´aveis? E os conjuntos {x ∈ R : f (x) > a}? 13. Mostre que o produto de fun¸co˜es Riemann-integr´aveis ´e Riemann-integr´avel. ˜o: Comece por supor que as fun¸co˜es em causa n˜ sugesta ao tomam valores negativos. 14. Verifique que a composi¸ca˜o de fun¸co˜es Riemann-integr´aveis pode n˜ ao ser ˜o: Determine uma fun¸ca˜o Riemann-integr´avel f Riemann-integr´avel. sugesta tal que dir = f ◦ r. 15. Sendo f Riemann-integr´avel em [0, R] ep C = {(x, y) : x2 +y 2 < R}, considere a fun¸ca˜o g definida em C por g(x, y) = f ( x2 + y 2 ). Mostre que g ´e integr´avel em C e (23 ) Z R Z f (r)rdr. g(x, y)dxdy = 2π 0 C 1.4.1 O Espa¸co das Fun¸c˜ oes Integr´ aveis A aditividade do integral em rela¸c˜ao `a fun¸ca ˜o integranda ´e a identidade Z Z Z g, f+ (f + g) = R R R que, como veremos, ´e v´alida desde que f e g sejam ambas Riemann-integr´ aveis em R. A aditividade do integral tem ainda um significado geom´etrico claro, mas j´a n˜ ao ´e t˜ ao simples de demonstrar a partir de propriedades do conte´ udo de Jordan. Provamo-la a seguir usando somas de Darboux para as 23 Este c´ alculo ´e um exemplo simples de “mudan¸ca de vari´ aveis” para coordenadas polares, dadas por x = r cos θ, y = r sen θ. 45 1.4. O Integral de Riemann diversas fun¸c˜ oes integrandas. No que se segue, o integral definido (de Riemann, em R) ´e o funcional φ : I(R) → R, dado por (24 ) Z f. φ(f ) = R Teorema 1.4.13. Sendo R ⊆ RN e f, g : R → R fun¸co ˜es Riemannintegr´ aveis em R, ent˜ ao f + g ´e Riemann-integr´ avel em R e: Z Z Z g. f+ (f + g) = R R R Temos ainda que I(R) ´e um espa¸co vectorial e o integral definido φ : I(R) → R ´e um funcional linear. Demonstra¸ca ˜o. Supomos para simplificar que R ´e um rectˆ angulo limitado. Designando aqui por Mr (h) o supremo da fun¸c˜ao h no conjunto r, e por mr (h) o ´ınfimo de h em r, deve ser claro que, para qualquer r ⊆ R, temos mr (f ) + mr (g) ≤ mr (f + g) ≤ Mr (f + g) ≤ Mr (f ) + Mr (g). Resulta destas desigualdades que se R ´e uma parti¸c˜ao de R ent˜ao S d (f, R) + S d (g, R) ≤ S d (f + g, R) ≤ S d (f + g, R) ≤ S d (f, R) + S d (g, R) Conclu´ımos que S d (f, R) + S d (g, R) ≤ Z R (f + g) ≤ Z R (f + g) ≤ S d (f, R) + S d (g, R) Como R ´e uma parti¸c˜ ao arbitr´aria de R obtemos igualmente Z Z Z Z Z Z f+ g≤ (f + g) ≤ (f + g) ≤ f+ R R R R R g R ´ portanto claro que se f e g s˜ E ao integr´ aveis em R ent˜ao f + g ´e tamb´em integr´ avel em R e Z Z Z g. f+ (f + g) = R R R Combinando este resultado com a propriedade de homogeneidade estabelecida em 1.4.7, resulta finalmente que I(R) ´e um espa¸co vectorial(25 ) e φ ´e um funcional linear. 24 A fun¸c˜ ao φ diz-se um funcional, precisamente porque o seu dom´ınio ´e uma classe de fun¸c˜ oes. Um funcional ´e linear se ´e uma transforma¸c˜ ao linear de espa¸cos vectoriais. 25 O conjunto de todas as fun¸c˜ oes f : X → R, por vezes designado RX , ´e sempre um espa¸co vectorial real, com as opera¸c˜ oes usuais de soma de fun¸c˜ oes e de produto de fun¸c˜ oes por n´ umeros reais, qualquer que seja o conjunto X. Portanto, qualquer subconjunto n˜ ao vazio de RX que seja fechado em rela¸c˜ ao a estas opera¸c˜ oes ´e um seu subespa¸co vectorial. 46 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann f g Figura 1.4.4: kf − gk1 ´e o conte´ udo da regi˜ ao entre os gr´ aficos de f e g. R O funcional ν : I(R) → R dado por ν(f ) = kf k1 = R |f | tem tamb´em um papel importante na An´alise, porque ´e frequentemente utilizado como medida da distˆ ancia entre fun¸c˜oes integr´ aveis f e g, tomando essa distˆ ancia como sendo kf − gk1 . Este funcional diz-se a norma L1 de f , por raz˜ oes que esclareceremos mais adiante(26 ). A propriedade de aditividade indicada em 1.4.13 a) pode ser generalizada para quaisquer somas finitas por um argumento elementar de indu¸c˜ao. ´ no entanto fundamental reconhecer que n˜ E ao ´e facilmente generaliz´ avel a s´eries de fun¸co ˜es, porque em geral as opera¸c˜oes de integra¸c˜ao e de passagem ˜o comutam, i.e., ao limite (impl´ıcita no c´alculo da soma de uma s´erie) na Z Z lim fn (x)dx. fn (x)dx ´e distinto de lim I n→+∞ n→+∞ I Exemplos 1.4.14. 1. Considerem-se as fun¸co˜es fn dadas por:  n, se x ∈]0, 1/n[ e fn (x) = 0, se x 6∈]0, 1/n[. R1 Como fn (x) → 0 para qualquer x ∈ R e 0 fn (x)dx = 1 para qualquer n ∈ N, temos que Z 1 Z 1 lim fn (x)dx = 1 ´e obviamente distinto de lim fn (x)dx = 0. n→+∞ 0 n→+∞ 0 Para obter fun¸co˜es Riemann-integr´aveis g e gn tais que Z 1 ∞ ∞ Z 1 X X g(x) = g(x)dx 6= gn (x)dx, gn (x) e n=1 0 n=1 0 podemos por exemplo tomar gn (x) = fn (x) − fn−1 (x) com f0 = 0, e g(x) = 26 ∞ X gn (x). n=1 Este funcional ´e na realidade uma semi-norma no espa¸co I(R). Veja a este respeito o exerc´ıcio 6. 47 1.4. O Integral de Riemann Note-se que a dificuldade ilustrada neste exemplo nada tem a ver com eventuais deficiˆencias t´ecnicas da defini¸ca˜o de Riemann, porque os c´ alculos em causa s˜ao inteiramente elementares. 2. A passagem ao limite sob o sinal de integral pode tamb´em ser imposs´ıvel porque o limite f n˜ ao ´e Riemann-integr´avel. Para ilustrar esta possibilidade, seja I = [0, 1] e D = {q1 , · · · , qn , · · · } = Q∩I o conjunto de Dirichlet. Tomamos Qn = {qk : k ≤ n} e definimos fn : [0, 1] → R por  1, se x ∈ Qn e fn (x) = 0, se x 6∈ Qn . Deve ser quase ´ obvio que • fn ´e Riemann-integr´avel em qualquer intervalo e tem integral nulo, porque ´e diferente de zero apenas num conjunto finito, mas • fn (x) → f (x) = dir(x) para qualquer x ∈ R, e esta fun¸ca˜o n˜ ao ´e Riemann-integr´avel em nenhum intervalo com mais de um ponto. A dificuldade exibida neste exemplo est´ a directamente ligada com insuficiˆencias da defini¸ca˜o de Riemann, e veremos adiante como ´e minimizada pela introduc¸a˜o da defini¸ca˜o de Lebesgue. O exemplo pode ser igualmente adaptado para ilustrar dificuldades do mesmo tipo com a integra¸ca˜o de s´eries, ou seja, para determinar fun¸co˜es Riemann-integr´aveis gn tais que g(x) = ∞ X gn (x), n=1 ∞ Z X n=1 1 gn (x)dx converge e 0 Z 1 g(x)dx n˜ ao existe, 0 porque g n˜ ao ´e Riemann-integr´avel. Exerc´ıcios. 1. Sendo R = [0, 1], determine fun¸co˜es fn , gn ∈ I(R), tais que: a) g(x) = b) lim n→∞ c) lim n→∞ Z ∞ X n=1 ZR R gn (x) 6∈ I(R), mas ∞ Z X n=1 1 gn (x)dx converge. 0 fn = 0, mas lim fn (x) n˜ ao existe, para nenhum x ∈ R. n→∞ fn n˜ ao existe, mas lim fn (x) existe, para qualquer x ∈ R. n→∞ 2. Mostre que a fun¸ca˜o de Dirichlet dir ´e dada por: dir(x) = lim lim (cos m!πx)2n . m→∞ n→∞ P n 3. Suponha que a s´erie de potˆencias ∞ n=1 an x converge para |x| < r, e mostre que esta s´erie pode ser integrada termo-a-termo em qualquer intervalo [a, b] ⊂ ˜o: Prove que a s´erie converge uniformemente em [a, b]. ] − r, r[. sugesta 48 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann n P∞ 4. A fun¸ca˜o f (x) = n=0 (−1) e Riemann-integr´avel em [0, 1]? Qual ´e 2n int(nx) ´ o conjunto de pontos onde f ´e cont´ınua? 5. Sendo H a fun¸ca˜o de Heaviside (a fun¸ca˜o caracter´ıstica do intervalo [0, ∞[), e Q ∩ [0, 1] = {qn : n ∈ N}, considere-se: f (x) = ∞ X (−1)n H(x − qn ). 2n n=1 A fun¸ca˜o f ´e Riemann-integr´avel em [0, 1]? Qual ´e o seu conjunto de pontos de descontinuidade? Recorde que se V ´e um espa¸co vectorial real, ou complexo, ent˜ ao uma fun¸c˜ao ν : V → R diz-se uma norma se e s´o se ν tem as seguintes propriedades: a) Desigualdade triangular: ν(u+v) ≤ ν(u)+ν(v), para quaisquer vectores u, v ∈ V, b) Homogeneidade: ν(αu) = |α|ν(u), para qualquer vector u e escalar α, c) Positividade: ν(u) ≥ 0, e ν(u) = 0 se e s´o se u = 0. Sendo ν uma norma no espa¸co vectorial V, que se diz neste caso um espac ¸o vectorial normado, a distˆancia entre vectores u e v em V ´e definida por d(u, v) = ν(u − v). Se o funcional ν goza das propriedades acima indicadas, com a u ´ nica excep¸ca˜o que podem existir vectores n˜ ao-nulos u para os quais ν(u) = 0, ent˜ ao ν diz-se uma semi-norma. 6. Mostre que o funcional ν(f ) = kf k1 ´e uma semi-norma em I(R). 1.4.2 Integrais Indefinidos ´ usual dizer que a fun¸c˜ao real de vari´ E avel real f ´e um “integral indefinido” quando f ´e da forma Z x g(t)dt, f (x) = a onde g ´e uma fun¸c˜ ao Riemann-integr´ avel num dado intervalo I, a vari´ avel x ∈ I e a ∈ I est´ a fixo. Respeitamos aqui a usual conven¸c˜ao de tomar Z a Z x g(t)dt quando x < a. g(t)dt = − a x A mesma terminologia aplica-se a fun¸c˜oes de v´arias vari´aveis, usando agora integrais em rectˆ angulos, e.g., quando Z xZ y G(s, t)dsdt. F (x, y) = a b Introduzimos aqui uma ideia ligeiramente mais geral, que corresponde a considerar o integral indefinido como uma fun¸ca ˜o de conjuntos, cuja vari´ avel 49 1.4. O Integral de Riemann independente ´e uma regi˜ ao de integra¸ca ˜o “arbitr´aria”, que em particular n˜ ao ´e necessariamente um intervalo ou um rectˆ angulo. Mais especificamente, e dada uma qualquer fun¸c˜ ao f : R → R, consideramos a classe dos subconjuntos de R onde f ´e Riemann-integr´ avel, que designamos por Jf (R), notamos que Jf (R) nunca ´e uma classe vazia (porquˆe?), e introduzimos Defini¸ c˜ ao 1.4.15 (Integral Indefinido). O integral indefinido (de Riemann) de f em R ´e a fun¸c˜ ao de conjuntos λ : Jf (R) → R dada por: Z f. λ(E) = E Se a fun¸c˜ ao f ´e Riemann-integr´ avel em R, ´e f´acil verificar que f ´e igualmente integr´ avel pelo menos em qualquer subconjunto Jordan-mensur´avel de R, i.e., temos neste caso que J (R) ⊆ Jf (R). Teorema 1.4.16. Seja f : R → R uma fun¸ca ˜o Riemann-integr´ avel em R ⊆ RN . Se E ⊆ R ´e Jordan-mensur´ avel, ent˜ ao f ´e Riemann-integr´ avel em E, e Z Z f χE . f= E R E×J ΩR (f ) J ΩE (f ) E Figura 1.4.5: ΩE (f ) = ΩR (f ) ∩ (E × J) = ΩR (f χE ). Demonstra¸ca ˜o. A fun¸c˜ ao f ´e limitada em R, i.e., existe m ∈ R tal que −m < f (x) < m. Se J = [−m, m], ent˜ao E ×J ´e Jordan-mensur´avel, porque ´e um produto de conjuntos Jordan-mensur´aveis (veja-se 1.3.12). Deve ser evidente que ΩE (f ) = ΩR (f ) ∩ (E × J) = ΩR (f χE ). O conjunto ΩR (f ) ∩ (E × J) ´e portanto Jordan-mensur´avel, porque ´e a intersec¸c˜ ao de conjuntos Jordan-mensur´aveis (1.3.11). Por outras palavras, f ´e Riemann-integr´ avel em E e ´e o´bvio que Z Z f χE . f= E R 50 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Podemos generalizar a qualquer integral indefinido os resultados indicados para o conte´ udo de Jordan em 1.3.11. Teorema 1.4.17. Jf (R) ´e uma semi-´ algebra e λ ´e aditivo em Jf (R). Temos ainda que: a) Se f ≥ 0 em R ent˜ ao λ ´e n˜ ao-negativo, mon´ otono e subaditivo, b) Se f ´e integr´ avel em R ent˜ ao Jf (R) ⊇ J (R) ´e uma a ´lgebra. Demonstra¸ca ˜o. Tal como fiz´emos em 1.3.11, verificamos apenas a t´ıtulo de exemplo que a classe Jf (R) ´e fechada em rela¸c˜ao `a uni˜ ao e provamos a aditividade de λ. Simplificamos a nota¸c˜ao, escrevendo abreviadamente, e.g., ΩA em vez de ΩA (f ). Sendo C = A ∪ B, onde A, B ∈ Jf (R), temos ent˜ao que (ver Figura 1.4.6): • f ´e Riemann-integr´ avel em A e em B, i.e., os conjuntos ΩA e ΩB s˜ ao Jordan-mensur´ aveis. • O conjunto ΩC = ΩA ∪ ΩB ´e igualmente Jordan-mensur´avel. • Portanto, f ´e Riemann-integr´ avel em C, i.e., C ∈ Jf (R). + ao igualmente disjuntos, assim Se A e B s˜ ao disjuntos, ent˜ao Ω+ A e ΩB s˜ − − udo de Jordan ´e aditivo, temos como ΩA e ΩB . Como o conte´ + + + + cN +1 (Ω+ C ) = cN +1 (ΩA ∪ ΩB ) = cN +1 (ΩA ) + cN +1 (ΩB ), e − − − − cN +1 (Ω− C ) = cN +1 (ΩA ∪ ΩB ) = cN +1 (ΩA ) + cN +1 (ΩB ). Subtraindo estas identidades, conclu´ımos que λ(C) = λ(A) + λ(B). A B A∪B Figura 1.4.6: Regi˜ oes de ordenadas em A, B e A ∪ B. A regi˜ ao de ordenadas de uma fun¸c˜ao caracter´ıstica χE ´e o produto cartesiano E×]0, 1[. Se E ⊆ R ⊆ RN ´e Jordan-mensur´avel, temos portanto: Z χE = cN +1 (E×]0, 1[) = cN (E) × 1 = cN (E). R N˜ao ´e dif´ıcil mostrar que se χE ´e integr´ avel em RN ent˜ao E ´e Jordanmensur´ avel, pelo que temos na verdade: 51 1.4. O Integral de Riemann Teorema 1.4.18. O conte´ udo-N ´e o integral indefinido da fun¸ca ˜o f idenN ticamente igual a 1 no conjunto R . O teorema acima ´e de uma simplicidade quase trivial, mas encerra uma ideia que complementa de forma muito interessante o que diss´emos em 1.4.3. De um ponto de vista intuitivo, e como a identidade cN +1 (ΩR ) = cN (E)×1 = cN (E) deve ser sempre v´alida, ´e tamb´em natural esperar que a seguinte identidade seja sempre v´alida: Z χE . cN (E) = R Por outras palavras, determinar o conte´ udo-N do conjunto E deve ser equivalente a determinar o integral-N da respectiva fun¸c˜ao caracter´ıstica χE e, portanto, tamb´em ´e verdade que 1.4.19. Os conjuntos em RN para os quais podemos calcular o respectivo conte´ udo-N s˜ ao determinados pelas fun¸c˜oes (de N vari´ aveis) cujo integral-N est´ a definido. Exemplos 1.4.20. 1. A teoria desenvolvida at´e aqui n˜ ao atribui um integral a` fun¸ca˜o de Dirichlet, por exemplo, quando a regi˜ ao de integra¸ca˜o ´e o intervalo [0, 1]. De forma equivalente, n˜ ao atribui um comprimento ao conjunto Q ∩ [0, 1], formado pelos racionais do mesmo intervalo. 2. Recorde-se do exemplo 1.3.7 que se A= ∞ ∞ [ X 1 1 1 [ , ], ent˜ ao A ∈ J (RN ) e c(A) = . 2n 2n − 1 2n(2n − 1) n=1 n=1 Portanto, se f ´e a fun¸ca˜o caracter´ıstica do conjunto A, temos igualmente Z ∞ X 1 f= . 2n(2n − 1) R n=1 Exerc´ıcios. 1. Complete a demonstra¸ca˜o da proposi¸ca˜o 1.4.17. 2. Suponha que f ´e Riemann-integr´avel no conjunto R e que g ´e limitada em R. Mostre que, se o conjunto udo nulo, ent˜ ao R{x ∈ R : f (x) 6= g(x)} tem conte´ R g ´e integr´avel em R e R f = R g. ˜o: Mostre que S(χE , P) ≤ 3. Demonstra¸ca˜o a proposi¸ca˜o 1.4.18. sugesta cN (E) ≤ cN (E) ≤ S(χE , P). 52 1.4.3 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Continuidade e Integrabilidade Desde cedo se suspeitou que a integrabilidade no sentido de Riemann de uma fun¸c˜ ao limitada depende fortemente da “extens˜ao” do conjunto de pontos onde a fun¸c˜ ao ´e descont´ınua. Por outras palavras, se f : R → R ´e limitada num rectˆ angulo compacto R e descont´ınua apenas em S ⊂ R, onde S ´e “pequeno”, esperava-se que f fosse integr´ avel em R. O exemplo de Riemann 1.4.6.3 mostra no entanto que n˜ ao ´e f´acil tornar rigorosa esta ideia. Afinal de contas, a fun¸c˜ ao de Riemann ´e descont´ınua no conjunto dos racionais, que n˜ ao ´e Jordan-mensur´ avel. Por outro lado, o conjunto dos racionais ´e denso em R e era tamb´em opini˜ ao corrente entre muitos matem´ aticos que qualquer teoria razo´ avel sobre a “extens˜ao” de conjuntos devia considerar os conjuntos densos como “grandes”. N˜ao ´e por isso surpreendente que o esclarecimento da rela¸c˜ ao entre continuidade e integrabilidade tenha sido uma fonte de trabalhos inovadores, que revelaram muitas das pistas conduzindo `a moderna teoria da medida. Supomos aqui conhecida a seguinte famosa caracteriza¸c˜ao dos conjuntos compactos em RN : Teorema 1.4.21 (Heine-Borel). (27 )O conjunto K ⊆ RN ´e compacto se e s´ o se ´e limitado e fechado. Em particular, os rectˆ angulos compactos s˜ ao os rectˆ angulos limitados e fechados. ´ conveniente introduzir a no¸c˜ao de oscila¸ca E ˜o de uma fun¸c˜ao f : R → R. N Se s ⊆ R ⊆ R ´e n˜ ao-vazio, designamos por Ms e ms , como usualmente, respectivamente o supremo e ´ınfimo de f em s, e definimos a fun¸c˜ao (de conjuntos) Oscf por: 1.4.22. Oscf (s) = Ms − ms . Dado x ∈ RN e r > 0, designamos por B(x, r) ou Br (x) a Bola Aberta de raio r e centro em x, ou seja, B(x, r) = Br (x) = {y ∈ RN : kx − yk < r}. ao φ(x, r) = Oscf (Br (x) ∩ R) ≥ 0 est´ a definida para r > 0 Se x ∈ R, a fun¸c˜ e ´e crescente em r. Em particular, com x fixo existe sempre o limite de φ(x, r) quando r → 0: 27 Heinrich Eduard Heine, matem´ atico alem˜ ao, 1821-1881, referiu pela primeira vez a ideia subjacente a este teorema, ao provar que uma fun¸c˜ ao cont´ınua num intervalo limitado ´ e fechado ´e uniformemente cont´ınua. F´elix Edouard Justine Emile Borel, matem´ atico e pol´ıtico francˆes, 1871-1956, deixou uma obra muita extensa, e foi um dos principais criadores da Teoria da Medida. Borel introduziu este teorema na sua tese, publicada como Sur quelques points de la th´eorie des fonctions, em Annales Scientifiques de l’E.N.S., 3e s´erie, tome 12 (1895), pp. 9-55. O teorema de Heine-Borel, na sua forma actual, em RN , foi apresentado por Vitali em 1905, num dos principais artigos sobre a moderna teoria da integra¸c˜ ao. 53 1.4. O Integral de Riemann Defini¸ c˜ ao 1.4.23 (Oscila¸c˜ ao de uma fun¸c˜ao limitada). Se f : R → R ´e uma ˜ o ´e a fun¸c˜ao ωf : R → R dada por: fun¸c˜ao limitada, a sua oscilac ¸a ωf (x) = lim φ(x, r) = lim Oscf (Br (x) ∩ R). r→0 r→0 Note-se para posterior referˆencia que definimos igualmente: lim sup f (y) = lim sup {f (z) : z ∈ Br (x) ∩ R} , e y→x r→0 lim inf f (y) = lim inf {f (z) : z ∈ Br (x) ∩ R} . y→x r→0 Exemplos 1.4.24. 1. Se f (x) = x, ent˜ ao Oscf (Br (x)) = 2r, e ωf (x) = lim Oscf (Br (x)) = 0. r→0 2. Se f ´e a fun¸ca˜o de Dirichlet e I ´e um conjunto aberto n˜ ao-vazio, temos sup {f (x) : x ∈ I} = 1 e inf {f (x) : x ∈ I} = 0. Conclu´ımos que Oscf (I) = 1 e ωf (x) = 1, para qualquer x ∈ R. 3. Se f ´e uma fun¸ca˜o limitada, ent˜ ao: ωf (x) = lim sup f (y) − lim inf f (y). y→x y→x A demonstra¸c˜ ao das seguintes propriedades fica como exerc´ıcio. Lema 1.4.25. Se R ⊆ RN e f : R → R ´e limitada em R ent˜ ao: a) Para qualquer x ∈ R, f ´e cont´ınua em x se e s´ o se ωf (x) = 0, e nesse caso lim sup f (y) = lim inf f (y) = f (x). y→x y→x ao ωf (x) ≤ Oscf (U ∩ R), b) Se U ´e aberto e x ∈ U ∩ R, ent˜ c) Para qualquer x ∈ R, se ωf (x) < ε ent˜ ao existe um aberto U tal que x ∈ U e ωf (y) < ε para qualquer y ∈ U ∩ R, e d) O conjunto {x ∈ R : ωf (x) ≥ ε} ´e fechado. Demonstra¸ca ˜o. Deixamos a demonstra¸c˜ao de a) e b) para o exerc´ıcio 3. • Para provar c), notamos que existe ρ > 0 tal que Oscf (Bρ (x)∩ R) < ε, e tomamos U = Bρ (x). • Para provar d), seja Uε = {x ∈ R : ωf (x) < ε}. Temos de c) que, se ωf (x) < ε, ent˜ ao existe ρx > 0 tal que Oscf (B(x, ρx) ∩ R) < ε. Notamos que [ B(x, ρx) ´e aberto e {x ∈ R : ωf (x) < ε} = V ∩ R. V = x∈Uε F = V c ´e fechado e {x ∈ R : ωf (x) ≥ ε} = F ∩ R ´e tamb´em fechado. 54 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Convencionamos que se R ´e uma parti¸c˜aS o de R e T ⊆ R ent˜ao RT = {r ∈ R : r ∩ T 6= ∅}, e notamos que T ⊆ K = r∈RT r. O seguinte resultado auxiliar ser´ a muito u ´til no que se segue. Lema 1.4.26. Se ωf < ε em T ⊆ R e T ´e compacto, ent˜ ao existe δ > 0 tal que, para qualquer parti¸ca ˜o R de R em subrectˆ angulos, [ r. diam(R) < δ =⇒ S d (f, RT ) − S d (f, RT ) ≤ εcN (K), onde K = r∈RT Demonstra¸ca ˜o. De acordo com a defini¸c˜ao 1.4.23, ∀x∈T ∃ρx >0 0 < ρ < ρx ⇒ Oscf (Bρ (x) ∩ R) < ε. A fam´ılia de bolas abertas B(x, ρ2x ) ´e uma cobertura de T . Como T ´e compacto, existe uma subfam´ılia finita de bolas centradas em x1 , x2 , · · · , xn , que ´e, ainda, uma cobertura de T . Tomamos δ = 12 min {ρx1 , ρx2 , · · · , ρxn } e supomos que R ´e uma parti¸c˜ao de T com diam(R) < δ. Fixado r ∈ RT , existe x ∈ r ∩ T , e portanto existe xi tal que x ∈ ρ B(xi , x2 i ). Para qualquer y ∈ r (mesmo que y 6∈ T ), temos ent˜ao ky − xi k ≤ ky − xk + kx − xi k < δ + ρxi < ρxi , i.e., r ⊆ B(xi , ρxi ). 2 Conclu´ımos que Oscf (r) < ε, ou Mr − mr < ε, e portanto S d (f, RT ) − S d (f, RT ) = X r∈RT (Mr − mr )cN (r) ≤ ε X cN (r) = εcN (K). r∈RT Se f : R → R ´e uma fun¸c˜ao limitada num rectˆ angulo-N compacto e D ´e o seu conjunto de pontos de descontinuidade, ent˜ao segue-se de 1.4.25 que D= ∞ [ n=1   1 . Dn , onde Dn = x ∈ R : ωf (x) ≥ n A condi¸c˜ ao de integrabilidade indicada abaixo est´ a enunciada em termos dos conjuntos Dn . Mostra que o conjunto de pontos de descontinuidade de uma fun¸c˜ ao Riemann-integr´ avel n˜ ao ´e necessariamente Jordan-mensur´avel, mas ´e sempre uma uni˜ ao numer´ avel de conjuntos de conte´ udo nulo. Teorema 1.4.27 (Integrabilidade e Continuidade). Se f : R → R ´e limitada no rectˆ angulo-N compacto R, as seguintes afirma¸co ˜es s˜ ao equivalentes: a) f ´e Riemann-integr´ avel em R, e 55 1.4. O Integral de Riemann b) Os conjuntos Dn s˜ ao Jordan-mensur´ aveis e tˆem conte´ udo nulo. Demonstra¸ca ˜o. a) =⇒ b): Como f ´e integr´ avel, para quaisquer n ∈ N e ε > 0 existe uma parti¸c˜ ao P de R em rectˆ angulos tal que (1) S d (f, P) − S d (f, P) < ε . n Dado qualquer rectˆ angulo r ∈ P, segue-se de 1.4.25 b) que x ∈ int(r) =⇒ ωf (x) ≤ Oscf (int(r)) ≤ Oscf (r) = Mr − mr . Definimos agora A = {r ∈ P : Mr − mr < n1 }, B = {r ∈ P : Mr − mr ≥ [ [ ˜ = R\A. A= int(r), B = reB r∈A 1 n }, r∈B ˜ Por Observamos que ωf (x) < n1 para qualquer x ∈ A, e portanto Dn ⊆ B. ˜ outro lado, ´e claro que B\B ⊆ ∂A e cN (∂A) = 0, donde ˜ = cN (B). (2) cN (Dn ) ≤ cN (B) Para estimar cN (B), notamos primeiro que (3) S d (f, B) − S d (f, B) = X r∈B (Mr − mr )cN (r) ≥ X1 1 cN (r) = cN (B). n n r∈B Temos por outro lado de (1) que (4) S d (f, B) − S d (f, B) ≤ S d (f, P) − S d (f, P) < ε . n Segue-se de (3) e (4) que cN (B) < ε, e de (2) que cN (Dn ) < ε. Como ε ´e arbitr´ario, conclu´ımos que cN (Dn ) = 0. Para provar a implica¸c˜ ao b) =⇒ a), supomos que todos os conjuntos Dn tˆem conte´ udo nulo. Observamos que: • Fixado n e dado ε > 0, existe um conjunto elementar aberto U tal que Dn ⊆ U e cN (U ) < ε. • T = R\U ´e compacto (e elementar) e ωf (x) < 1 n para x ∈ T . • Pelo lema 1.4.26, existe δ > 0 tal que se R ´e uma parti¸c˜ao de R em rectˆ angulos com diam(R) < δ ent˜ao S d (f, RT ) − S d (f, RT ) ≤ [ 1 cN (K), onde K = r ⊇ T. n r∈RT • Como f ´e limitada, existe M tal que |f (x)| ≤ M para x ∈ R. 56 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann ˜ = R\RT e U ˜ = R\K, ´e claro que U ˜ ⊆ U , donde cN (U ˜) ≤ • Sendo R ˜ ˜ cN (U ) < ε, e R ´e uma parti¸c˜ao de U . Temos portanto ˜ − S d (f, R) ˜ S d (f, R) − S d (f, R) =S d (f, RT ) − S d (f, RT ) + S d (f, R) 1 ˜ ) ≤ 1 cN (R) + 2M ε. ≤ cN (K) + 2M cN (U n n Como ε e n s˜ ao arbitr´arios, conclu´ımos que f ´e Riemann-integr´ avel. ´ f´acil adaptar a demonstra¸c˜ao do resultado anterior para obter um E resultado intimamente relacionado com a defini¸c˜ao original do integral de Riemann. Deixamos a sua verifica¸c˜ao para o exerc´ıcio 11. Corol´ ario 1.4.28. Se f : R → R ´e limitada no rectˆ angulo-N compacto R, ent˜ ao f ´e Riemann-integr´ avel em R se e s´ o se S d (f, P) − S d (f, P) → 0 quando diam(P) → 0 Vimos que se f ´e Riemann-integr´ avel em R ent˜ao os conjuntos Dn s˜ ao Jordan-mensur´ aveis e tˆem conte´ udo nulo. Se ε > 0, existem conjuntos elementares En ⊇ Dn tais que cN (En ) < 2εn . Podemos supor sem perda de generalidade que os conjuntos En s˜ ao abertos e temos: D⊆ ∞ [ En e ∞ X n=1 n=1 ∞ X ε cN (En ) < = ε. 2n n=1 Foi a prop´osito de conjuntos com esta propriedade que Borel introduziu(28 ) a no¸c˜ ao de conjunto de medida nula, ou conjunto nulo: Defini¸ c˜ ao 1.4.29 (Conjunto Nulo). E ⊆ RN ´e um conjunto nulo se e s´ o se para qualquer ε > 0 existem rectˆ angulos abertos Rn tais que: E⊆ ∞ [ n=1 Rn e ∞ X cN (Rn ) < ε. n=1 Exemplos 1.4.30. 1. Se f ´e Riemann-integr´avel em R, ent˜ ao o conjunto D dos pontos de descontinuidade de f ´e evidentemente um conjunto nulo. 2. Qualquer conjunto numer´ avel E ´e nulo, e em particular Q ´e nulo. Sendo x1 , x2 , · · · , xn , · · · os elementos de E, e dado ε > 0, tomamos 0 < ε′ < ε e, supondo para simplificar que E ⊂ R, Un =]xn − 28 ε′ ε′ 2 , xn + n+1 2 [, donde E ⊆ n+1 ∞ [ n=1 Un , e ∞ X c(Un ) = ε′ < ε. n=1 Em 1895, no artigo que j´ a referimos a prop´ osito do teorema de Heine-Borel. 57 1.4. O Integral de Riemann 3. Deve notar-se (exerc´ıcio 8) que a defini¸ca˜o 1.4.29 n˜ ao se altera, se nela referirmos rectˆangulos quaisquer, em lugar de rectˆangulos abertos. Por esta raz˜ ao, ´e inteiramente ´ obvio que qualquer conjunto numer´avel ´e de medida nula, j´a que cada um dos rectˆangulos Rn se pode reduzir a um ponto. ´ claro que qualquer conjunto Jordan-mensur´avel de conte´ E udo nulo ´e nulo no sentido de Borel, mas o exemplo do conjunto dos racionais mostra que existem conjuntos nulos no sentido de Borel que n˜ ao s˜ ao Jordan-mensur´aveis. A este respeito, registamos que Proposi¸ c˜ ao 1.4.31. Se K ⊂ RN ´e compacto, ent˜ ao K ´e nulo no sentido de Borel se e s´ o se K ´e Jordan-mensur´ avel e cN (K) = 0. Demonstra¸ca ˜o. Suponha-se que K ´e compacto e nulo no sentido de Borel e seja ε > 0. Existem rectˆ angulos abertos Rn tais que K⊆ ∞ [ Rn e n=1 ∞ X cN (Rn ) < ε. n=1 Como K ´e compacto e os Rn ’s s˜ ao abertos, existe um natural m tal que K⊆ m [ n=1 Rn e m X n=1 cN (Rn ) ≤ ∞ X cN (Rn ) < ε. n=1 ´ evidente que ∪m Rn ´e elementar e segue-se imediatamente que K ´e E n=1 Jordan-mensur´avel e tem conte´ udo nulo. Lebesgue introduziu a sugestiva conven¸c˜ao de usar a express˜ ao “quase em toda a parte”, abreviada “qtp”, como sin´ onimo de “excepto num conjunto nulo”(29 ). Nesta terminologia, o teorema 1.4.27 enuncia-se de forma sucinta: Teorema 1.4.32 (Integrabilidade e Continuidade). Se f : R → R ´e limitada no rectˆ angulo-N compacto R, ent˜ ao f ´e Riemann-integr´ avel em R ⇐⇒ f ´e cont´ınua qtp em R. Demonstra¸ca ˜o. Resta-nos provar que se o conjunto D dos pontos de descontinuidade ´e nulo, ent˜ ao f ´e Riemann-integr´ avel. Recorde-se que   ∞ [ 1 . Dn , onde Dn = x ∈ R : ωf (x) ≥ D= n n=1 Os conjuntos Dn s˜ ao nulos no sentido de Borel, porque D ´e nulo, e s˜ ao compactos, pelo lema 1.4.25. Conclu´ımos de 1.4.31 que os conjuntos Dn tˆem conte´ udo nulo, e de 1.4.27 que f ´e Riemann-integr´ avel. 29 No francˆes original, diz-se “presque partout”, abreviado “pp”, e em inglˆes usa-se a express˜ ao “almost everywhere”, que se abrevia para “ae”. 58 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Terminamos esta sec¸c˜ao com uma breve referˆencia `a defini¸c˜ao de integral introduzida por Riemann em 1854, que recorre ao que chamamos “somas de Riemann”. Dada uma parti¸c˜ao P do rectˆ angulo R, para calcular uma soma de Riemann ´e necess´ario seleccionar em cada rectˆ angulo r um ponto xr ∈ r, ou seja, fixar uma fun¸ca˜o “de escolha” φ : P → R tal que xr = φ(r) ∈ r para qualquer r ∈ P. A soma de riemann depende de P e de φ e ´e dada por X X f (xr )cN (r). SR (f, P, φ) = f (φ(r))cN (r) = r∈P r∈P A defini¸c˜ ao original de Riemann de 1854 ´e a seguinte(30 ): Defini¸ c˜ ao 1.4.33 (Integral de Riemann). Supondo que R ´e um rectˆ angulo limitado e f : R → R, ent˜ao f ´e integr´ avel (em R) se e s´ o se existe α ∈ R tal que SR (f, P, φ) → α quando diam(P) → 0(31 ). Neste caso, Z f = α. R A defini¸c˜ ao de Riemann ´e na realidade uma generaliza¸c˜ao de uma pr´evia defini¸c˜ ao, formulada por Cauchy(32 ) em 1821, apenas para fun¸co ˜es cont´ınuas f : [a, b] → R. Cauchy demonstrou que, dada uma parti¸c˜ao P de [a, b] determinada por pontos a = x0 < x1 < · · · < xn = b, se xk−1 ≤ x∗k ≤ xk ent˜ ao existe α ∈ R tal que n X k=1 f (x∗k )(xk − xk−1 ) → α, quando diam(P) → 0. O valor de α define assim o integral de f . Na terminologia de Riemann, podemos dizer que Cauchy demonstrou que as fun¸c˜oes cont´ınuas em intervalos limitados e fechados s˜ ao Riemann-integr´ aveis. Em certo sentido, tamb´em ´e verdade que Riemann se limitou a considerar a classe de todas as fun¸c˜oes as quais a defini¸c˜ ` ao de Cauchy poderia ser aplic´ avel, uma generaliza¸c˜ao que hoje nos pode parecer pouco significativa. Mas, ao fazˆe-lo, levou a discuss˜ao sobre as no¸c˜ oes b´ asicas da An´alise, incluindo a pr´ opria ideia de “fun¸c˜ao”, a n´ıveis superiores de abstrac¸c˜ao e rigor. Pelo menos por esta raz˜ ao, foi certamente um importante factor de progresso e renova¸c˜ao na Matem´atica da segunda metade do s´eculo XIX. 30 Neste como em muitos outros casos que temos referido, os trabalhos originais contemplam apenas fun¸c˜ oes reais definidas em intervalos. Os integrais m´ ultiplos s´ o foram estudados com rigor bastante mais tarde, em particular por Jordan. 31 Ou seja, para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que para qualquer parti¸c˜ ao P e qualquer fun¸c˜ ao de escolha φ : P → R, temos |SR (f, P, φ) − α| < ε quando diam(P) < δ. 32 Augustin Louis Cauchy, 1789-1857, francˆes, foi um dos grandes matem´ aticos de sempre, como o atesta o facto do seu nome aparecer ligado a ideias fundamentais, em tantos dom´ınios distintos. O matem´ atico Abel, que Cauchy tratou de forma particularmente injusta, disse dele que “´e louco, mas ´e o u ´nico que sabe como se deve fazer a Matem´ atica”. 59 1.4. O Integral de Riemann A equivalˆencia entre as defini¸c˜oes 1.4.33 e 1.4.4 resulta facilmente do corol´ ario 1.4.28, mas deixamos o esclarecimento desta observa¸c˜ao para o exerc´ıcio 11. Exerc´ıcios. 1. Calcule a oscila¸ca˜o da fun¸ca˜o de Riemann. 2. Considere a fun¸ca˜o f , dada por: ( sen( sen(1 1 ) ), quando x 6= 0, e sen( x1 ) 6= 0, x f (x) = . 0, em todos os outros casos Calcule a oscila¸ca˜o ωf . A fun¸ca˜o f ´e integr´avel em [0, 1]? 3. Demonstre as al´ıneas a) e b) do lema 1.4.25. 4. Mostre que o teorema 1.3.13 ´e um caso particular do teorema 1.4.27. 5. Prove que se J ∈ J (RN ) ´e fechado, ent˜ ao as fun¸co˜es cont´ınuas em J s˜ao integr´aveis em J. 6. Prove que se f ´e limitada no rectˆangulo compacto R, ent˜ ao Z R f− Z f= R Z ωf . R 7. Prove que se os conjuntos An ⊂ RN s˜ao nulos no sentido de Borel, ent˜ ao A = ∪∞ A ´ e igualmente nulo no mesmo sentido. n n=1 8. Mostre que a defini¸ca˜o 1.4.29 n˜ ao se altera se considerarmos rectˆangulos quaisquer, em lugar de rectˆangulos abertos. 9. Mostre que se E ∈ J (RN ), ent˜ ao E ´e nulo no sentido de Borel se e s´o se cN (E) = 0. 10. Seja D o conjunto onde f : R → R ´e descont´ınua. Prove que a) Se U ⊆ R ´e aberto, ent˜ ao f −1 (U ) = (R ∩ V ) ∪ N , onde V ´e aberto e N ⊆ D. R ˜o: Mostre que ao f (x) = 0 qtp em R. sugesta b) Se f ≥ 0 e R f = 0, ent˜ {x ∈ R : f (x) > 0} ⊆ D. R c) Se f (x) = 0 qtp em R e f ´e integr´avel em R ent˜ ao R f = 0. A hip´otese “f ´e integr´avel em R” ´e mesmo necess´aria? 11. Prove o corol´ ario 1.4.28, e conclua que as defini¸co˜es de integral em 1.4.33 e 1.4.4 s˜ao equivalentes. 60 1.5 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo As opera¸c˜ oes de integra¸c˜ao e de diferencia¸c˜ao s˜ ao inversas uma da outra. Esta ideia central da An´alise, vislumbrada j´a por alguns dos precursores de Newton e Leibnitz, ´e tradicionalmente descrita em dois resultados, ditos os Teoremas Fundamentais do C´ alculo. De forma por enquanto pouco precisa, estes teoremas reduzem-se aos seguintes enunciados, que descrevem respectivamente a diferencia¸ca ˜o de um integral e a integra¸ca ˜o de uma derivada. 1.5.1 (1o Teorema Fundamental do C´ alculo). Z x d f (t)dt = f (x) dx a 1.5.2 (2o Teorema Fundamental do C´ alculo, ou Regra de Barrow(33 )). Z x F ′ (t)dt = F (x) − F (a) a Diferencia¸c˜ao Integrais indefinidos Fun¸co˜es integr´aveis Integra¸c˜ao Figura 1.5.1: Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo. Nenhum destes resultados ´e particularmente surpreendente de um ponto de vista intuitivo. Supondo Z x f (t)dt e h > 0, F (x) = a ent˜ ao devemos ter F (x + h) − F (x) = Z x x+h f (t)dt ≃ f (x)h, 33 De Isaac Barrow, 1630-1677, o primeiro professor da Universidade de Cambridge nomeado para a C´ atedra Lucasiana. Barrow tomou a extraordin´ aria iniciativa de se demitir, para dar o lugar ao seu aluno Newton, em quem justamente reconhecia qualidades excepcionais. 61 1.5. Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo (x) = f (x). Analogamente, se F ′ (t) = f (t) donde F ′ (x) = limh→0 F (x+h)−F h e a = x0 < x1 < · · · < xn = x ´e uma parti¸c˜ao do intervalo [a, x], ent˜ao Z n n X X F (x) − F (a) = [F (xk ) − F (xk−1 )] ≃ f (xk−1 )∆xk ≃ k=0 x f (t)dt. a k=0 N˜ao ´e dif´ıcil demonstrar resultados deste tipo usando a teoria de Riemann, desde que se coloquem suficientes hip´ oteses sobre a regularidade das fun¸c˜oes f e F . Come¸camos por provar: Lema 1.5.3. Se f ´e Riemann-integr´ avel em I, a ∈ I e F ´e dada em I por Z x f (t)dt + F (a), temos ent˜ ao que: F (x) = a a) F ´e uniformemente cont´ınua em I, e b) Se f ´e cont´ınua em c ∈ I ent˜ ao F ′ (c) = f (c). Demonstra¸ca ˜o. A fun¸c˜ ao F est´ a bem definida, porque f ´e integr´ avel em qualquer subintervalo de I, e temos para quaisquer x, y ∈ I que Z y f (t)dt. (1) F (y) − F (x) = x a) f ´e limitada em I, ou seja, existe M tal que |f (x)| ≤ M para x ∈ I. Supondo sem perda de generalidade que y > x, temos Z y Z y |F (y) − F (x)| = f (t)dt ≤ |f (t)|dt ≤ M |y − x|. x x Conclu´ımos que F ´e (uniformemente) cont´ınua em I. b) Sendo ρ > 0, designamos por Mρ e mρ respectivamente o supremo e o ´ınfimo de f em Bρ (c) ∩ I. Se x ∈ Bρ (x) ∩ I ´e imediato verificar que 1 F (x) − F (c) = mρ ≤ x−c x−c Z x c f (t)dt ≤ Mρ Se f ´e cont´ınua em c temos de 1.4.25 que Mρ → f (c) e mρ → f (c) quando ρ → 0, e ´e portanto ´ obvio que F (x) − F (c) = f (c), ou seja, F ′ (c) = f (c). x→c x−c lim Combinando este lema com o teorema 1.4.32, obtemos imediatamente: 62 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Teorema 1.5.4 (1o Teorema Fundamental do C´ alculo (I)). Se f ´e Riemannintegr´ avel em I = [a, b] e F ´e dada em I por Z x f (t)dt + F (a), F (x) = a ent˜ ao F ´e cont´ınua em I e F ′ (x) = f (x) qtp em I. ´ mais dif´ıcil identificar hip´ E oteses igualmente “naturais” para o 2o Teorema Fundamental, uma quest˜ao que tem sido fonte de problemas sofisticados muito interessantes. Demonstramos a seguir uma vers˜ ao do 2o Teorema, por enquanto longe de ser o rec´ıproco de 1.5.4, porque n˜ ao contempla a possibilidade de F n˜ ao ser diferenci´ avel num conjunto “excepcional”. Teorema 1.5.5 (2o Teorema Fundamental do C´ alculo (I)). Se F ´e cont´ınua em I = [a, b], diferenci´ avel em ]a, b[, F ′ = f ´e Riemann-integr´ avel em I e c, d ∈ I ent˜ ao(34 ) Z d f (x)dx. F (d) − F (c) = c Demonstra¸ca ˜o. Dada uma qualquer parti¸c˜ao de [c, d] em intervalos Ik , onde supomos que Ik tem extremos xk−1 < xk e c = x0 < x1 < · · · < xn = d, observamos que F (d) − F (c) = n X k=0 [F (xk ) − F (xk−1 )], porque a soma ` a direita ´e telesc´ opica. Do Teorema de Lagrange (35 ), temos F (xk ) − F (xk−1 ) = F ′ (x∗k )(xk − xk−1 ), onde xk−1 < x∗k < xk , e portanto F (d) − F (c) = n X k=0 f (x∗k )(xk − xk−1 ). F (d) − F (c) ´e assim uma soma de Riemann da fun¸c˜ao f , e ´e claro que S d (f, P) ≤ F (d) − F (c) ≤ S d (f, P). Como a parti¸c˜ ao P ´e arbitr´aria, podemos tamb´em concluir que Z d Z d f. f ≤ F (d) − F (c) ≤ c c Como f ´e integr´ avel, segue-se que F (d) − F (c) = Z d f (x)dx. c Note que a existˆencia de F ′ (x) nos pontos x = a e x = b ´e irrelevante. Se F ´e cont´ınua em [a, b] e diferenci´ avel em ]a, b[, existe θ tal que a < θ < b e F (b) − F (a) = F ′ (θ)(b − a). Este teorema tem o nome de Joseph-Louis Lagrange, (17361813), matem´ atico francˆes de origem italiana, um dos primeiros professores das Escolas Polit´ecnica e Normal de Paris. 34 35 1.5. Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo 63 A respeito deste teorema, o pr´ oximo exemplo exibe uma fun¸c˜ao f que ´ evidente deste n˜ ao ´e integr´ avel, apesar de ter uma primitiva cont´ınua. E exemplo que a hip´ otese de integrabilidade de f ´e indispens´ avel no resultado que acab´ amos de provar. Entenda-se tamb´em do mesmo exemplo que a opera¸ca ˜o de integra¸ca ˜o ´e distinta da opera¸ca ˜o de primitiva¸ca ˜o e, em particular, a integra¸c˜ ao e a diferencia¸c˜ ao n˜ ao s˜ ao exactamente opera¸c˜oes inversas uma da outra. Exemplo 1.5.6. Definimos g : R → R por g(x) =  x2 sen( x12 ), quando x 6= 0, e . 0, quando x = 0 A fun¸ca˜o g ´e diferenci´ avel em R e a sua derivada ´e dada por  2x sen( x12 ) − x2 cos( x12 ), quando x 6= 0, e g ′ (x) = . 0, quando x = 0 A fun¸ca˜o g ´e diferenci´ avel em R, mas o integral da sua derivada g ′ em qualquer intervalo I que contenha a origem n˜ ao existe, porque g ′ ´e ilimitada em I. De um ponto de vista “pr´ atico”, deve ser em qualquer caso claro que o 2o Teorema Fundamental ´e, antes do mais, um processo de c´ alculo de integrais pela determina¸ca ˜o de primitivas cuja importˆ ancia ´e dif´ıcil de sobrestimar. Desta perspectiva, o enunciado em 1.5.5 ´e evidentemente pouco satisfat´orio, porque ´e demasiado restritivo e portanto dif´ıcil de aplicar directamente, excepto em casos muito simples. Em geral, ´e simplesmente imposs´ıvel determinar uma “primitiva” F que seja diferenci´ avel e igual `a integranda em o todo o intervalo de integra¸c˜ ao, ali´ as como o 1 Teorema fortemente sugere. No entanto, tal n˜ ao impede que a regra de Barrow se mantenha aplic´ avel. Exemplos 1.5.7. 1. Seja f (x) = sgn(x) a fun¸ca˜o sinal de x, dada por  +1 para x ≥ 0, e sgn(x) = −1 para x < 0. A fun¸ca˜o sgn n˜ ao ´e cont´ınua na origem, mas ´e integr´avel em qualquer R x intervalo [a, b]. Se F (x) = |x|, ent˜ ao F ′ (x) = sgn(x) para x 6= 0 e F (x) = a f (t)dt + F (a) para qualquer x. 2. Se f ´e a fun¸ca˜o de Riemann e F = 0, ent˜ ao F ´e diferenci´ avel em R, mas ′ F (x) = f (x) apenas se x ∈ 6 Q. Apesar disso, temos novamente F (x) = Rx f (t)dt + F (a), para qualquer x. Este exemplo evidencia tamb´ e m que a cona tinuidade da integranda ´e uma condi¸ca˜o suficiente, mas n˜ ao necess´aria, para a diferenciabilidade do integral indefinido. 64 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann ´ simples generalizar o teorema 1.5.5 para o caso em que a igualdade E = f (x) falha apenas num conjunto finito de pontos, o que bem entendido ´e suficiente para justificar c´alculos elementares como os referidos no exemplo 1.5.7.1. Deixamos para o exerc´ıcio 2 a demonstra¸c˜ao da seguinte vers˜ ao do 2o Teorema. F ′ (x) Teorema 1.5.8 (2o Teorema Fundamental do C´ alculo (II)). Se F ´e cont´ınua em I = [a, b], f ´e Riemann-integr´ avel em I e F ′ (t) = f (t) excepto num conjunto finito D, ent˜ ao F (x) − F (a) = Z x f (t)dt. a Claro que mesmo nesta forma o 2o Teorema Fundamental ´e ainda insa´ inteiramente evidente que, se a fun¸c˜ao f ´e Riemann-integr´ tisfat´orio. E avel no intervalo I, ent˜ ao existem “primitivas” de f apropriadas ao c´alculo do integral de f por aplica¸c˜ao da regra de Barrow, ou seja, existem sempre fun¸c˜ oes cont´ınuas F tais que F ′ = f qtp em I e que satisfazem F (d) − F (c) = Z c d f (x)dx, para quaisquer c, d ∈ I, Rx porque basta para isso tomar, e.g., F (x) = a f (t)dt. Seria aqui especialmente conveniente substituir em 1.5.8 a express˜ ao “excepto num conjunto finito D” por “qtp em I”, o que ali´as teria a virtude de transformar o 2o Teorema num perfeito e elegante rec´ıproco do 1o Teorema. No entanto, e surpreendentemente, o exemplo seguinte revela que esta altera¸c˜ao de hip´ oteses conduz a uma afirma¸c˜ ao incorrecta. Exemplo 1.5.9. ˜o de CanA fun¸ca˜o aqui definida, a chamada “escada do diabo”, func ¸a 36 tor ou de Cantor-Lebesgue, ´e outro exemplo cl´assico( ). Recorde-se que o conjunto de Cantor foi definido como C(I) = ∩∞ n=0 Fn , onde os conjuntos Fn formam uma sucess˜ao decrescente obtida pelo processo de “remo¸ca˜o do intervalo m´edio” descrito em ao o comprin1.3.3. Tomando I = F0 = [0, 1], ent˜ mento de Fn ´e c(Fn ) = 23 . Sendo fn a fun¸ca˜o caracter´ıstica do conjunto Fn , definimos as fun¸co˜es gn por gn (x) =  n Z x  n Z 1 3 3 fn (t)dt, donde gn (1) = fn (t)dt = 1. 2 2 0 0 As fun¸co˜es gn s˜ao cont´ınuas e crescentes, satisfazendo ainda gn (1) = 1. A ´ simples figura 1.5.2 ilustra os gr´aficos das fun¸co˜es gn , para 0 ≤ n ≤ 5. E mostrar que a sucess˜ao gn converge uniformemente para uma fun¸ca˜o F , que ´e cont´ınua e crescente, com F (0) = 0 e F (1) = 1, e F ´e a “escada do Diabo”. 65 1.5. Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo g0 g1 g2 g3 g4 g5 1 1 Figura 1.5.2: |gn (x) − gn−1 (x)| < n e |gn (x) − F (x)| < n . Os segmentos 2 2 horizontais pertencem ao gr´ afico de F . Deixamos para o exerc´ıcio 8 a verifica¸c˜ao detalhada do seguinte resultado: Proposi¸ c˜ ao 1.5.10. A “escada do Diabo” F satisfaz F ′ (x) = 0 quando x 6∈ C, onde C ´e o conjunto de Cantor. Se F ´e a “escada do Diabo” e f ´e uma qualquer fun¸c˜ao limitada em R tal que f (x) = 0 quando x 6∈ C, ´e evidente que f ´e Riemann-integr´ avel e ′ ′ F (x) = f (x) quando x 6∈ C, ou seja, F (x) = f (x) excepto num conjunto de conte´ udo nulo. Apesar disso, ´e tamb´em evidente que 1 = F (1) − F (0) 6= Z 1 f (t)dt = 0. 0 A determina¸c˜ ao de “primitivas” F apropriadas ao c´alculo do integral de uma fun¸c˜ ao integr´ avel f por aplica¸c˜ao da regra de Barrow revela-se, assim, um problema bem mais dif´ıcil do que uma leitura r´ apida do 1o Teorema Fundamental na forma 1.5.4 nos pode fazer supor. Resumimos a quest˜ao com que nos deparamos na seguinte forma: 36 Para uma aplica¸c˜ ao talvez surpreendente, mas “pr´ atica”, deste tipo de fun¸c˜ oes, veja-se por exemplo o artigo Devil’s Staircase-Type Faceting of a Cubic Lyotropic Liquid Crystal, de Pawel Pieranski, Paul Sotta, Daniel Rohe, e Marianne Imperor-Clerc, em Phys. Rev. Lett. 84, 2409, de 13 de Mar¸co de 2000. 66 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Quando f ´e integr´ avel em [a, b], existem fun¸c˜oes F tais que F ′ = f qtp em [a, b]. Quais dessas fun¸co ˜es satisfazem a regra de Barrow F (b) − F (a) = Z b f (x)dx? a Mais geralmente, que fun¸co ˜es F s˜ ao integrais indefinidos? Conclu´ımos para j´a, do exemplo da “escada do Diabo”, que • Existem fun¸c˜ oes cont´ınuas em toda a parte e diferenci´ aveis qtp (ali´as, diferenci´ aveis excepto num conjunto de conte´ udo nulo), como a fun¸c˜ao de Cantor-Lebesgue, que n˜ ao s˜ ao o integral da respectiva derivada. • Dadas fun¸c˜ oes F e G cont´ınuas em toda a parte e diferenci´ aveis qtp, ´e falso que F ′ (x) = G′ (x) qtp =⇒ F (x) = G(x) + C, porque F − G pode ser, em particular, a fun¸c˜ao de Cantor-Lebesgue. ´ portanto evidente que a express˜ • E ao “excepto num conjunto finito D” em 1.5.8 n˜ ao pode ser substitu´ıda por “qtp em I”. Estudaremos adiante as solu¸c˜oes encontradas pela teoria de Lebesgue para estas quest˜ oes, que envolvem de forma crucial a no¸c˜ao de continuidade absoluta e o grande Teorema de Diferencia¸c˜ao do pr´ oprio Lebesgue, descoberto em 1904. ´ tamb´em muito interessante reconhecer que o c´alculo do comprimento E do gr´ afico de uma fun¸ca˜o F est´ a intimamente relacionado com a quest˜ao de saber se F ´e ou n˜ ao o integral da sua derivada. Para definir o comprimento do gr´ afico de F , observamos que, se F ´e uma fun¸c˜ao real definida pelo menos no intervalo J ⊆ R, a selec¸c˜ao de um qualquer conjunto finito P = {x0 , x1 , · · · , xn } ⊆ J determina uma linha poligonal L(F, P) inscrita no gr´ afico de F , formada pelos segmentos de recta que unem pontos Pk = (xk , F (xk )) consecutivos (ver a figura 1.5.3)(37 ). Supondo que x0 ≤ x1 ≤ · · · ≤ xn , esta linha poligonal tem comprimento s(L(F, P)) = n p X k=1 (xk − xk−1 )2 + (F (xk ) − F (xk−1 ))2 O comprimento da linha poligonal L(F, P) ´e uma aproxima¸c˜ao por defeito do comprimento do gr´ afico de F , sendo por isso o erro menor quando s(L(F, P)) ´e maior. Segue-se que a melhor aproxima¸c˜ao do comprimento do gr´ afico de F que podemos obter a partir destas linhas poligonais ´e o supremo dos seus comprimentos, o que formalizamos na pr´ oxima defini¸c˜ao: 37 Note-se a t´ıtulo de curiosidade que os gr´ aficos na figura 1.5.2 s˜ ao linhas poligonais inscritas no gr´ afico da “escada do diabo”. 67 1.5. Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo P4 P5 P2 P6 P3 P7 P8 P9 P1 P10 Figura 1.5.3: Aproxima¸c˜ ao do gr´ afico de F pela linha poligonal L(F, P). Defini¸ c˜ ao 1.5.11 (Comprimento do gr´ afico de F ). Se F : I → R e o intervalo J ⊆ I ent˜ ao o comprimento do gr´ afico de F em J ´e dado por(38 ) ΛJ (F ) = sup{s(L(F, P)) : P ⊆ J, P finito }. ´vel em J. Se ΛJ (F ) < ∞ dizemos que o gr´ afico de F ´e rectifica Mostramos desde j´a como calcular o comprimento do gr´ afico de uma fun¸c˜ao que satisfaz as condi¸c˜ oes do 2o Teorema Fundamental na forma 1.5.5. ´ tamb´em poss´ıvel mostrar que a f´ormula em causa ´e v´alida desde que F E seja o integral da sua derivada F ′ , mas deixamos o completo esclarecimento desta quest˜ ao para depois de desenvolvermos a teoria de Lebesgue, dada a especial elegˆ ancia dos resultados que s˜ ao apenas poss´ıveis nesse contexto. Teorema 1.5.12. Se F ´e cont´ınua em I = [a, b], diferenci´ avel em ]a, b[ e ′ F ´e integr´ avel em I ent˜ ao ΛI (F ) = Z bp 1 + F ′ (x)2 dx. a Demonstra¸ca ˜o. Dada uma qualquer parti¸c˜ao P = {x0 , x1 , · · · , xn } do intervalo I = [a, b], onde a = x0 < x1 < · · · < xn = b, escrevemos ∆xk = xk − xk−1 , yk = F (xk ) e ∆yk = yk − yk−1 , donde s   n p n X X ∆yk 2 2 2 s(L(F, P)) = ∆xk . (∆xk ) + (∆yk ) = 1+ ∆xk k=1 k=1 Esta defini¸c˜ ao adapta-se sem dificuldades a curvas em RN , onde uma “curva” ´e a imagem de uma fun¸c˜ ao F : I → RN e I ⊆ R ´e um intervalo. 38 68 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Pelo Teorema de Lagrange, existe x∗k ∈]xk−1 , xk [ tal que F (xk ) − F (xk−1 ) ∆yk = = F ′ (x∗k ) e portanto ∆xk xk − xk−1 s(L(F, P)) = e temos n q X 1 + F ′ (x∗k )2 ∆xk ´e uma soma de Riemann de g = √ 1 + F ′2 , k=1 p p (1) S d ( 1 + F ′2 , P) ≤ s(L(F, P)) ≤ S d ( 1 + F ′2 , P) Deixamos a conclus˜ao desta demonstra¸c˜ao para o exerc´ıcio 7. Exemplos 1.5.13. ´ f´ 1. E acil mostrar que o teorema anterior ´e igualmente v´alido quando F satisfaz apenas as hip´ oteses de 1.5.8. Como diss´emos, o resultado mant´em-se mesmo no contexto da teoria de Riemann desde que a fun¸ca˜o F seja o integral indefinido da sua derivada, mas a verifica¸ca˜o deste facto j´a n˜ ao ´e t˜ ao simples. 2. O gr´ afico de qualquer integral indefinido ´e rectific´avel em intervalos limitados (exerc´ıcio 3). 3. O gr´ afico de qualquer fun¸ca˜o mon´ otona ´e rectific´avel em intervalos limitados (exerc´ıcio 6). Em particular, a “escada do Diabo” ´e uma fun¸ca˜o cont´ınua com gr´ afico rectific´ avel ` a qual a identidade do teorema 1.5.12 n˜ ao se aplica (exerc´ıcio 8), tal como n˜ ao se aplica o 2o Teorema Fundamental. Descrevemos aqui mais um exemplo cl´assico, devido a van der Waerden(39 ), de uma fun¸c˜ ao cont´ınua em toda a parte que n˜ ao ´e diferenci´ avel em ponto nenhum. Este exemplo sugere fortemente que a usual no¸c˜ao de continuidade ´e pouco u ´til para identificar as fun¸c˜oes que s˜ ao “integrais indefinidos” mas, como veremos, ilustra tamb´em a existˆencia de fun¸c˜oes cont´ınuas com outras propriedades apenas aparentemente paradoxais: • O gr´ afico desta fun¸c˜ao n˜ ao ´e rectific´ avel em nenhum intervalo com mais de um ponto (exerc´ıcio 9), e em particular • A fun¸c˜ ao n˜ ao ´e mon´ otona em nenhum intervalo com mais de um ponto. Exemplo 1.5.14. ˜o de van der Waerden: A fun¸ca˜o f0 : R → R dada por f0 (x) = ¸a a func x − int(x + 1 ) , onde int(x) ´e a parte inteira de x, exprime a distˆ ancia de x 2 ao inteiro mais pr´oximo. Observamos que 39 De Bartel Leendert van der Waerden, 1903-1996, matem´ atico holandˆes, grande algebrista contemporˆ aneo, que estudou e ensinou na Alemanha at´e ` a 2a Guerra Mundial. Era desde 1951 professor na Universidade de Zurique. O exemplo aqui referido foi publicado em 1930. Na literatura em l´ıngua inglesa, ´e comum identificar fun¸c˜ oes como a deste exemplo pela sigla ecnd, de “everywhere continuous nowhere differentiable”. 69 1.5. Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo • f0 ´e uma fun¸ca˜o cont´ınua, com per´ıodo 1. • 0 ≤ f0 (x) ≤ Tomando fn (x) = 1 2 e f0 (k) = 0 para qualquer inteiro k ∈ Z. 1 n 2n f0 (2 x) para n ≥ 0, temos igualmente • fn ´e uma fun¸ca˜o cont´ınua, com per´ıodo • 0 ≤ fn (x) ≤ 1 2n+1 , 1 2n , e fn ( 2kn ) = 0, para qualquer k ∈ Z e n ∈ N. A fun¸ca ˜o de van der Waerden ´e definida por f (x) = ∞ X n=0 fn (x) donde 0 ≤ f (x) ≤ ∞ X n=0 1 2n+1 = 1. A fun¸ca˜o de van der Waerden ´e cont´ınua em R, porque as fun¸co˜es fn s˜ao cont´ınuas e a respectiva s´erie ´e uniformemente convergente. A figura 1.5.4 ilustra os gr´ aficos das fun¸co˜es fn para 0 ≤ n ≤ 3 e sugere o gr´afico de f (40 ). 10 X fn n=0 f0 f1 f2 f3 Figura 1.5.4: As fun¸c˜oes fn (0 ≤ n ≤ 3) e 10 X fn . n=0 O gr´afico de cada fun¸ca˜o fn ´e “em dente de serra”, formado por segmentos de recta de declive ±1, e deste facto resulta que: Proposi¸ c˜ ao 1.5.15. A fun¸ca ˜o de van der Waerden n˜ ao ´e diferenci´ avel em ponto nenhum. Demonstra¸ca ˜o. Fixado x ∈ R, se in = int(2n x) para n ∈ N ent˜ ao: an = in in + 1 1 ≤x< = bn = an + n e an → x, bn → x. 2n 2n 2 Se a fun¸ca˜o f ´e diferenci´ avel em x teremos portanto: lim n→∞ 40 Note que |f (x)− P10 n=0 fn | ≤ f (bn ) − f (an ) = f ′ (x). b n − an 1 , 2048 diferen¸ca que na escala desta figura ´e impercept´ıvel. 70 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann A fun¸ca˜o de van der Waerden ´e f´acil de calcular nos pontos da forma 2in com i ∈ Z, porque para k ≥ n temos fk ( 2in ) = 0. Dito doutra forma, a s´erie que define a fun¸ca˜o f reduz-se nestes pontos a uma soma finita com n termos: f( n−1 n−1 n−1 X i f (bn ) − f (an ) X fk (bn ) − fk (an ) X i ) = f ( ) e = = ck,n . k 2n 2n b n − an b n − an k=0 k=0 k=0 Fixado k, os declives ck,n s˜ao constantes para n > k, ou seja, ck,n = dk , onde dk = ±1, porque o gr´ afico de fk (um “dente de serra”, como referimos) ´e linear i em qualquer intervalo da forma [ 2k+1 , 2i+1 k+1 ] com declive ±1. Temos assim n−1 f (bn ) − f (an ) X = dk . b n − an k=0 Como dk = ±1 n˜ ao tende para zero quando k → ∞, o limite ∞ f (bn ) − f (an ) X = dk , n→∞ b n − an lim k=0 n˜ ao pode existir e ser finito. Portanto, f n˜ ao ´e diferenci´ avel em x. Exerc´ıcios. R∞ ´ prio(41 ) −∞ 1. Suponha que o integral impro f (t)dt ´e convergente. A fun¸ca˜o Rx F (x) = a f (t)dt para x ∈ R ´e uniformemente cont´ınua em R? 2. Demonstre a vers˜ao do 2o Teorema Fundamental indicada em 1.5.8. Rx 3. Suponha que f ´e integr´avel no intervalo I, a ∈ I e F (x) = a f (t)dt para x ∈ I. Mostre que o gr´ afico de F ´e rectific´avel em qualquer intervalo limitado em I. 4. Mostre que o gr´ afico da fun¸ca˜o definida no exemplo 1.5.6 n˜ ao ´e rectific´avel no intervalo [0, 1], e portanto a fun¸ca˜o em causa n˜ ao ´e um integral indefinido. Rx 5. Suponha que F ´e uma fun¸ca˜o crescente no intervalo I, e F (x) = a f (t)dt + F (a), onde f ´e Riemann-integr´avel em I. Mostre que se A ⊆ I e c(A) = 0, ent˜ ao c(F (A)) = 0. Prove igualmente que se A ´e nulo no sentido de Borel, ent˜ ao F (A) ´e tamb´em nulo. 6. Suponha que f est´ a definida num intervalo compacto I. Mostre que a) Se f ´e mon´ otona em I ent˜ ao o seu gr´afico ´e rectific´avel em I. b) Se x < y < z s˜ao pontos de I ent˜ ao Λ[x,z] (f ) = Λ[x,y](f ) + Λ[y,z] (f ). R∞ O integral impr´ oprio de Riemann −∞ f (t)dt diz-se convergente se o integral de Ry Riemann F (x, y) = x f (t)dt existe para quaisquer −∞ < x ≤ y < ∞ e a fun¸c˜ ao F tem limite finito quando x → −∞ e y → +∞. 41 71 1.6. O Problema de Borel 7. Complete a demonstra¸ca˜o de 1.5.12 (verifique as afirma¸co˜es feitas no final do argumento apresentado, que envolvem somas de Darboux da integranda em causa). 8. Considere a defini¸ca˜o da “escada do Diabo” F apresentada em 1.5.9. a) Calcule o m´aximo de |gn (x)−gn−1 (x)|. Conclua que a sucess˜ao de fun¸co˜es gn converge uniformemente para uma fun¸ca˜o cont´ınua e crescente F . b) Demonstre a proposi¸ca˜o 1.5.10. c) Calcule o integral de F sobre o intervalo [0, 1]. d) Calcule o comprimento do gr´ afico de F no intervalo [0, 1]. e) Sendo C(I) o conjunto de Cantor, mostre que F (C(I)) = I. Conclua directamente do exerc´ıcio 5 que F n˜ ao ´e um integral indefinido. f) Prove que F n˜ ao ´e diferenci´ avel em nenhum ponto de C(I). 9. Prove que o gr´ afico da fun¸ca˜o de van der Waerden (exemplo 1.5.14) n˜ ao ´e rectific´ avel em qualquer intervalo I n˜ ao trivial, i.e., com mais de um ponto. Conclua em particular que esta fun¸ca˜o n˜ ao ´e mon´ otona em nenhum intervalo ˜o: Na nota¸ca˜o do exemplo 1.5.14, seja n˜ ao trivial. sugesta gm (x) = m X fn (x). n=0 Note que o gr´ afico de gm ´e uma linha poligonal inscrita no gr´afico de f . Sendo Γm o comprimento dessa linha no intervalo I = [0, 1], note que Z 1 ′ Γm ≥ λm = |gm |. 0 Mostre que λm → ∞. Pode aqui ser conveniente usar a aproxima¸ca ˜o de Stirling para o factorial de n, na forma: n!en √ =1 n→∞ nn 2πn lim 10. Sendo f a fun¸ca˜o de van der Waerden (exemplo 1.5.14) mostre que o conjunto onde f tem extremos locais ´e denso. 11. Suponha que f : I → R ´e diferenci´ avel em I e ε > 0. Mostre que existem fun¸co˜es cont´ınuas g : I → R que n˜ ao s˜ao diferenci´ aveis em ponto nenhum de I e satisfazem |f (x) − g(x)| < ε, para qualquer x ∈ I. 1.6 O Problema de Borel ´ justo sublinhar que a no¸c˜ E ao de “aditividade”, reconhecidamente na forma algo vaga de princ´ıpios como “o todo ´e a soma das partes”, ´e uma quest˜ao j´a intensamente debatida por fil´ osofos gregos da Antiguidade Cl´ assica, e.g., em torno dos famosos paradoxos de Zen˜ ao. O chamado paradoxo da seta(42 ) 42 “Imagine-se uma seta em voo. Em cada instante de tempo, que n˜ ao tem dura¸c˜ ao, a seta n˜ ao se move. Como o tempo ´e uma sucess˜ ao de instantes, a seta nunca se move!” 72 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann observa essencialmente que um segmento de recta de comprimento positivo ´e formado por pontos de comprimento zero. Portanto, neste caso n˜ ao ´e razo´ avel sustentar que “o comprimento do todo ´e a soma dos comprimentos das partes”. O paradoxo do corredor (43 ) envolve por sua vez a parti¸c˜ao de um segmento de recta numa fam´ılia numer´ avel de subintervalos. A t´ıtulo de ilustra¸c˜ ao, considere-se a parti¸c˜ao de I =]0, 1] dada por P = {Ik =] ∞ ∞ k=1 k=1 X 1 X 1 1 , k−1 ] : k ∈ N}, onde c(I) = 1 = = c(Ik ). k k 2 2 2 Pelo menos neste caso, a propriedade de aditividade ´e aplic´ avel desde que se considerem s´eries em lugar das usuais somas com um n´ umero finito de parcelas, ou seja, continua a ser verdade que “o comprimento do todo ´e a soma (da s´erie) dos comprimentos das partes”. Muito naturalmente, este facto n˜ ao parece ter sido entendido pelos Antigos, que nunca dominaram a no¸c˜ ao de limite, sem a qual ´e imposs´ıvel o correcto tratamento de s´eries, e n˜ ao ter˜ ao suspeitado da subtil diferen¸ca entre o infinito numer´avel e o infinito n˜ ao-numer´avel(44 ), que ´e a verdadeira justifica¸c˜ao para a diferen¸ca de conclus˜oes nos dois paradoxos referidos. Do nosso ponto de vista, o paradoxo do corredor ´e especialmente not´ avel porque a sua solu¸c˜ ao sugere como se pode definir o “conte´ udo” de alguns conjuntos que n˜ ao s˜ ao Jordan-mensur´ aveis. A ideia em causa ´e a base conceptual da moderna Teoria da Medida e aparece explicitamente na tese de doutoramento de Borel. Consiste em observar que a aditividade do conte´ udo 45 se aplica igualmente a parti¸co ˜es infinitas numer´ aveis( ), um resultado que pode ser enunciado como se segue: 43 O corredor deve correr uma distˆ ancia fixa. Demora um tempo finito a percorrer a primeira metade, um tempo finito a percorrer metade do restante, e assim sucessivamente. O tempo da corrida ´e uma soma infinita de termos positivos, ` a qual se julgava dever atribuir um valor infinito. Ambos os paradoxos, entre muitos outros, s˜ ao atribu´ıdos ao fil´ osofo Zen˜ ao (de Eleia, no sul de It´ alia), que viveu no s´eculo V AC. Os paradoxos parecem ter sido criados para exibir dificuldades l´ ogicas da ideia de “cont´ınuo”, hoje ub´ıqua na Matem´ atica, atrav´es de exemplos como a recta real R. 44 Foi apenas em 1873 que Cantor esclareceu esta diferen¸ca, provando em particular que Q ´e numer´ avel e R ´e n˜ ao-numer´ avel. 45 A tese de Borel, de 1895, que curiosamente n˜ ao faz qualquer referˆencia ` a teoria da integra¸c˜ ao, introduz pelo menos trˆes ideias relacionadas entre si e fundamentais para essa teoria: a aditividade do conte´ udo para parti¸c˜ oes numer´ aveis (na realidade, o lema 1.6.2 para intervalos), o teorema de Heine-Borel, e a no¸c˜ ao de conjunto de medida nula. O teorema de Heine-Borel ´e indispens´ avel para provar a propriedade de aditividade referida e a defini¸c˜ ao de conjunto de medida nula usa parti¸c˜ oes numer´ aveis para atribuir uma “medida” a conjuntos que podem n˜ ao ser Jordan-mensur´ aveis. Esta u ´ltima defini¸c˜ ao tem ali´ as um dom´ınio de aplica¸c˜ ao t˜ ao geral que cedo conduziu Borel a delicadas reflex˜ oes sobre a ideia de “conjunto”. Registe-se a t´ıtulo de curiosidade que o orientador de tese de Borel foi o j´ a referido Darboux. 73 1.6. O Problema de Borel Teorema 1.6.1. Se os conjuntos An ∈ J (RN ) s˜ ao disjuntos, ent˜ ao A= ∞ [ n=1 An ∈ J (RN ) =⇒ cN (A) = ∞ X cN (An ). n=1 Este teorema ´e uma consequˆencia imediata dos dois lemas que passamos a enunciar e demonstrar (1.6.2 e 1.6.3): Lema 1.6.2. Dados conjuntos An ∈ J (RN ), ent˜ ao A⊆ ∞ [ n=1 N An e A ∈ J (R ) =⇒ cN (A) ≤ ∞ X cN (An ). n=1 Demonstra¸ca ˜o. Seja ε > 0. De acordo com 1.3.4, existem conjuntos elementares K (compacto) e U (aberto) tais que (i) K ⊆ A ⊆ U e cN (U \K) < ε donde cN (A) − ε < cN (K). Pela mesma raz˜ ao, existem conjuntos elementares Kn (compactos) e Un (abertos), tais que Kn ⊆ An ⊆ Un e cN (Un \Kn ) < (ii) ∞ X cN (Un ) < n=1 ε ε e cN (Un ) < cN (An ) + n donde n 2 2 ∞  ∞ X ε X cN (An ) + n = cN (An ) + ε. 2 n=1 n=1 Como K ´e compacto, segue-se do teorema de Heine-Borel que existe m ∈ N tal que m ∞ ∞ [ [ [ Un . Un =⇒ K ⊆ An ⊆ (iii) K ⊆ A ⊆ n=1 n=1 n=1 Como o conte´ udo de Jordan ´e subaditivo, conclu´ımos de (i), (ii) e (iii) que cN (A) − ε < cN (K) ≤ m X n=1 cN (Un ) ≤ ∞ X cN (Un ) < ∞ X cN (An ) + ε. n=1 n=1 Temos assim que cN (A) − ε < ∞ X cN (An ) + ε, ou cN (A) < n=1 ∞ X cN (An ) + 2ε, n=1 onde finalmente fazemos ε → 0. Lema 1.6.3. Se os conjuntos An ∈ J (RN ) s˜ ao disjuntos, ent˜ ao A⊇ ∞ [ n=1 An e A ∈ J (RN ) =⇒ cN (A) ≥ ∞ X n=1 cN (An ). 74 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Demonstra¸ca ˜o. Notamos que, como cN ´e aditivo, Bk = k [ An =⇒ cN (Bk ) = k X cN (An ). n=1 n=1 Como cN ´e mon´ otono e Bk ⊆ A, temos tamb´em cN (Bk ) ≤ cN (A), donde k X n=1 cN (An ) ≤ cN (A) para qualquer k ∈ N e portanto ∞ X n=1 cN (An ) ≤ cN (A). Conforme diss´emos, ´e evidente que os lemas 1.6.2 e 1.6.3 estabelecem o teorema 1.6.1. Este u ´ltimo resultado permite definir o “conte´ udo” de alguns conjuntos que n˜ ao s˜ ao Jordan-mensur´aveis por raz˜ oes f´ aceis de explicar. Observamos que, Sde acordo com 1.6.1, se os conjuntos An ∈ J (RN ) s˜ ao disjuntos e A = ∞ A , ent˜ a o uma das seguintes alternativas ´ e sempre n=1 n v´alida: 1) A ´e Jordan-mensur´avel e neste caso cN (A) = ∞ X cN (An ), ou n=1 2) A n˜ ao ´e Jordan-mensur´avel e neste caso n˜ ao podemos ter cN (A) = ∞ X cN (An ), n=1 apenas porque o lado esquerdo desta identidade n˜ ao est´ a definido. (Fazemos aqui a conven¸c˜ao natural de atribuir `a s´erie a soma +∞, se esta divergir no sentido usual do termo.) A ideia de Borel ´e muito simples: No caso 2), a identidade cN (A) = ∞ X cN (An ) deve ser a defini¸ca ˜o de cN (A). n=1 Exemplo 1.6.4. ´ ´obvio que os conjuntos An Seja A = Q = {q1 , q2 , · · · , qn , · · · } e An = {qn }. E s˜ao Jordan-mensur´aveis e c(An ) = 0. O conjunto Q n˜ ao ´e Jordan-mensur´avel, mas a ideia de Borel sugere que se defina c(Q) = 0. ´ naturalmente necess´ario verificar que esta ideia n˜ E ao conduz a ambiguidades, mas isso resulta de uma adapta¸c˜ao simples do argumento que utiliz´ amos a prop´osito dos conjuntos elementares, j´a na proposi¸c˜ao 1.1.9. 75 1.6. O Problema de Borel Lema 1.6.5. Se P = {An : n ∈ N} e P ′ = {Bm : m ∈ N} s˜ ao parti¸co ˜es do N conjunto A ⊆ R em conjuntos Jordan-mensur´ aveis, ent˜ ao ∞ X cN (An ) = ∞ X cN (Bm ). m=1 n=1 Demonstra¸ca ˜o. Observamos que A= ∞ [ An = ∞ [ Bm =⇒ An = m=1 m=1 n=1 ∞ [ An ∩ Bm e Bm = ∞ [ n=1 An ∩ Bm . Como os conjuntos An ∩ Bm s˜ ao Jordan-mensur´aveis e disjuntos e os conjuntos An e Bm s˜ ao Jordan-mensur´aveis, obtemos de 1.6.1 que: cN (An ) = ∞ X m=1 cN (An ∩ Bm ) e cN (Bm ) = ∞ X n=1 cN (An ∩ Bm ). Segue-se imediatamente que ∞ X n=1 cN (An ) = ∞ X ∞ X n=1 m=1 cN (An ∩ Bm ) = ∞ X ∞ X m=1 n=1 cN (An ∩ Bm ) = ∞ X cN (Bm ). m=1 A seguinte terminologia complementa a introduzida na sec¸c˜ao 1.2. Defini¸ c˜ ao 1.6.6 (Fun¸c˜ oes σ-Aditivas e σ-Subaditivas). Seja S uma classe de subconjuntos do conjunto X e λ : S → [0, +∞] uma fun¸c˜ao. Ent˜ao λ ´e a) σ-aditiva se e s´ o se, para quaisquer conjuntos An ∈ S disjuntos, ∞ [ n=1 An ∈ S =⇒ λ( ∞ [ An ) = n=1 ∞ X λ(An ). n=1 b) σ-subaditiva (46 ) se e s´ o se para quaisquer conjuntos C, An ∈ S, C⊆ 46 ∞ [ n=1 An =⇒ λ(C) ≤ P∞ ∞ X λ(An ). n=1 Recorde-se que a soma da s´erie n=1 λ(An ) est´ a sempre definida, podendo, claro, ser +∞. A no¸c˜ ao de σ-aditividade tamb´em se aplica a fun¸c˜ oes com valores reais ou complexos, mas, nestes casos, ´e necess´ ario supˆ or que as s´eries em causa s˜ ao sempre convergentes no ´ f´ sentido usual do termo. E acil verificar que a no¸c˜ ao de σ-subaditividade requer λ ≥ 0 (porquˆe?), e mais uma vez a quest˜ ao da convergˆencia da s´erie em quest˜ ao ´e irrelevante. 76 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Nesta terminologia, o teorema 1.6.1 afirma que o conte´ udo de Jordan cN N ´e σ-aditivo na classe J (R ), e o lema 1.6.2 diz que cN ´e σ-subaditivo na mesma classe J (RN ). Deixamos como exerc´ıcio a demonstra¸c˜ao do resultado seguinte, que pode ser usado para exibir muitos outros exemplos de fun¸c˜oes σ-aditivas e σ-subaditivas em classes de conjuntos apropriadas. Teorema 1.6.7. Se R ⊆ RN e f : R → R, ent˜ ao o integral indefinido λ de f ´e σ-aditivo em Jf (R). Se f ≥ 0 em R, ent˜ ao λ ´e σ-subaditivo. Exemplo 1.6.8. Apresentamos aqui um conjunto aberto limitado que n˜ ao ´e Jordan-mensur´avel. Seja D = {q1 , q2 , · · · , qn , · · · } = Q ∩ [0, 1] o exemplo de Dirichlet, ε > 0, e considerem-se os conjuntos abertos Un =]qn − ∞ [ ε ε , q + [ e U = Un . n 2n 2n n=1 Como o conte´ udo de Jordan ´e σ-subaditivo, se U ´e Jordan-mensur´avel ent˜ ao: c(U ) ≤ ∞ X c(Un ) = n=1 ∞ X ε = 2ε. n−1 2 n=1 ´ evidente que D ⊆ U e sabemos que c(D) = 1. Podemos assim concluir que E ao U n˜ ao ´e Jordan-mensur´avel. Note-se c(U ) ≥ 1. Segue-se que, se ε < 21 , ent˜ de passagem que U n˜ ao cont´em o intervalo [0, 1], contrariamente ao que a nossa intui¸ca˜o nos pode fazer supor. Qualquer uni˜ ao numer´avel de conjuntos em E(RN ) ou J (RN ) ´e uma uni˜ ao de conjuntos disjuntos na classe em quest˜ao, porque estas classes s˜ ao semi-´ algebras. A ideia de Borel permite por isso atribuir um “conte´ udo”, ou “extens˜ ao”, que designamos temporariamente por c˜N , pelo menos aos conjuntos que s˜ ao uni˜ oes numer´ aveis de conjuntos Jordan-mensur´ aveis, conforme registamos na pr´ oxima defini¸c˜ao: Defini¸ c˜ ao 1.6.9 (As classes Eσ (RN ) e Jσ (RN ) e a fun¸c˜ao c˜N ). a) Jσ (RN ) ´e a classe formada pelos conjuntos que s˜ ao uni˜ oes numer´ aveis N de conjuntos Jordan-mensur´ aveis em R , b) Eσ (RN ) ´e a classe formada pelos conjuntos que s˜ ao uni˜ oes numer´ aveis N N de conjuntos elementares em R . Os conjuntos E ∈ Eσ (R ) dizem-se σ-elementares. N c) Se A ∈ JS ao existem conjuntos An ∈ J (RN ) disjuntos tais σ (R ) ent˜ ∞ que A = n=1 An , e definimos c˜N (A) = ∞ X n=1 cN (An ). 77 1.6. O Problema de Borel Exemplos 1.6.10. 1. Qualquer conjunto numer´ avel ´e σ-elementar. Se E = {x1 , x2 , · · · , xn , · · · }, ent˜ ao E = ∪∞ E , onde os conjuntos En = {xn } s˜ao elementares. Dado que n n=1 cN (En ) = 0, temos c˜N (E) = 0. Em particular, Q ´e σ-elementar. 2. Mais geralmente, E ⊆ RN ´e σ-elementar se e s´o se E ´e uma uni˜ao numer´avel de rectˆangulos limitados. ´ f´acil verificar que RN ´e um conjunto σ-elementar, e c˜N (RN ) = ∞. 3. E 4. O conjunto (aberto) do exemplo 1.6.8 ´e σ-elementar, mas n˜ ao ´e Jordan-mensur´ avel. ˜o(47 ) do conte´ 5. A fun¸ca˜o c˜N ´e uma extensa udo de Jordan, i.e., se A ⊆ RN ´e Jordan-mensur´avel, ent˜ ao c˜N (A) = cN (A). 6. Seja f : R → R limitada e cont´ınua qtp no rectˆangulo compacto R, e D o conjunto de pontos de descontinuidade de f . Recorde-se que D ´e uma uni˜ao numer´ avel de conjuntos de conte´ udo nulo, donde D ∈ Jσ (RN ) e c˜N (D) = 0. As observa¸c˜ oes seguintes s˜ ao u ´teis no que se segue. Proposi¸ c˜ ao 1.6.11. Seja E ∈ Jσ (RN ). Temos ent˜ ao: a) Se E ∈ Eσ (R), ent˜ ao c˜(E) = 0 ⇐⇒ E ´e numer´ avel. b) c˜N (E) = 0 ⇐⇒ int(E) = ∅. c) c˜N ´e σ-subaditiva em Jσ (RN ), ou seja, se E, Fn ∈ Jσ (RN ) ent˜ ao E⊆ ∞ [ n=1 Fn =⇒ c˜N (E) ≤ ∞ X c˜N (Fn ). n=1 Demonstra¸ca ˜o. Deixamos a verifica¸c˜ao de a) e b) para o exerc´ıcio 9. Relativamente a c), consideramos parti¸c˜ oes de E e dos conjuntos Fn em conjuntos Jordan-mensur´aveis Ei e Fnk , donde E= ∞ [ Ei , Fn = i=1 ∞ [ Fnk . k=1 ′ = ∪m E ⊆ E s˜ ao Jordan-mensur´aveis, segue-se do Como os conjuntos Em i=1 i lema 1.6.2 que ′ Em ⊆ ∞ [ n=1 Fn = ∞ [ ∞ [ n=1 k=1 Fnk =⇒ ′ cN (Em ) ≤ ∞ X ∞ X n=1 n=1 cN (Fnk ) = ∞ X c˜N (Fn ) n=1 P ′ )→c ´ imediato que cN (Em E ˜N (E), e portanto c˜N (E) ≤ ∞ ˜N (Fn ). n=1 c 47 ˜ o de f : A → X se e s´ A fun¸c˜ ao g : B → Y diz-se uma extensa o se A ⊆ B, X ⊆ Y e g(x) = f (x) para qualquer x ∈ A. 78 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Exemplos 1.6.12. 1. O conjunto de Cantor C(I) n˜ ao ´e σ-elementar porque tem conte´ udo nulo e n˜ ao ´e numer´ avel. 2. O conjunto U = [0, 1] \C(I) ´e σ-elementar, porque U = ∪∞ e n=1 En , onde En ´ um conjunto elementar formado por 2n−1 subintervalos, cada um de compri˜o ´e uma semi-´algebra. mento 31n . Repare-se por isso que Eσ (R) na O pr´ oximo teorema indica mais algumas propriedades das classes Eσ (RN ) N e Jσ (R ) e da fun¸c˜ ao c˜N : Teorema 1.6.13. As classes Eσ (RN ) e Jσ (RN ) s˜ ao fechadas em rela¸ca ˜o a uni˜ oes finitas ou numer´ aveis e intersec¸co ˜es finitas, e a fun¸ca ˜o c˜N ´e aditiva e σ-aditiva em Jσ (RN ). Demonstra¸ca ˜o. Para mostrar que a classe Jσ (RN ) ´e fechada relativamente a uni˜ oes numer´aveis, consideramos conjuntos En ∈ Jσ (RN ) e notamos que existem conjuntos Enm ∈ J (RN ) tais que En = ∪∞ m=1 Enm . Segue-se que E= ∞ [ En = n=1 ∞ [ ∞ [ Enm n=1 m=1 ´e uma uni˜ ao numer´avel de conjuntos Enm ∈ J (RN ), i.e., E ∈ Jσ (RN ). (Note que este argumento se aplica sem altera¸c˜oes `a classe Eσ (RN ).) Para verificar a σ-aditividade de c˜N , supomos que os conjuntos En s˜ ao ´ disjuntos e que para cada n os conjuntos Enm s˜ ao igualmente disjuntos. E imediato da defini¸c˜ ao de c˜N (E) e de c˜N (En ) que c˜N (E) = c˜N ( ∞ [ ∞ [ n=1 m=1 Enm ) = ∞ X ∞ X cN (Enm ) = n=1 m=1 ∞ X c˜N (En ). n=1 ´ muito simples verificar a aditividade de cN e o fecho das classes Eσ (RN ) E e Jσ (RN ) relativamente a intersec¸c˜oes finitas. De acordo com a observa¸c˜ao feita no exemplo 1.6.10.5 acima, e para evitar sobrecarregar a nota¸c˜ao utilizada, passamos a escrever “cN (E)” em lugar de “˜ cN (E)” mesmo quando E ∈ Jσ (RN ). Exemplo 1.6.14. Seja D o exemplo de Dirichlet e I = [0, 1] \D o conjunto dos irracionais em [0, 1]. Sabemos que D ´e σ-elementar, c(D) = 0 e c([0, 1]) = 1. Se I ∈ Jσ (R), segue-se pela propriedade de aditividade referida no teorema anterior que 1 = c([0, 1]) = c(I) + c(D) ⇒ c(I) = 1. Sabemos que int(I) = ∅ e, como referimos acima, se I ∈ Jσ (R) ent˜ ao c(I) = 0. ˜o ´ ´lgebra. Conclu´ımos que I 6∈ Jσ (R). Em particular, Jσ (R) na e uma semi-a 79 1.6. O Problema de Borel Jσ (RN ) Eσ (RN ) E(RN ) J (RN ) Figura 1.6.1: As classes E(RN ), Eσ (RN ), J (RN ) e Jσ (RN ). O pr´ oximo exemplo ´e um conjunto perfeito muito semelhante ao de Cantor, mas uma aparentemente ligeira modifica¸c˜ao na sua constru¸c˜ao faz com que n˜ ao perten¸ca a Jσ (R). Este conjunto revela que Jσ (R) n˜ ao cont´em todos os conjuntos compactos, e pode ser usado, tal como o exemplo de Dirichlet, para mostrar que Jσ (R) n˜ ao ´e uma semi-´ algebra. Exemplo 1.6.15. o conjunto de volterra(48 ) - O conjunto de Cantor C(I) (exemplo 1.3.9) ´e C(I) = ∩∞ e uma uni˜ao de 2n intervalos fechados disjuntos n=0 Fn , onde Fn ´ Ik,n , e F0 = I = [a, b] ´e o “intervalo inicial”. A sucess˜ao de conjuntos Fn foi definida recursivamente: dividimos cada subintervalo Ik,n de Fn em trˆes intervalos de igual comprimento 13 c(Ik,n ), e designamos por Jk,n o subintervalo m´edio (aberto) Jk,n ⊂ Ik,n . O conjunto Fn+1 resulta de extrair de Fn os subintervalos Jk,n , i.e., n Fn+1 = Fn \Un , onde Un = 2 [ Jk,n . k=1 ´ claro que nada nos impede de extrair, em cada passo e de cada subintervalo E Ik,n , um intervalo aberto Jk,n , ainda centrado no ponto m´edio de Ik,n , mas agora com comprimento c(Jk,n ) 6= 31 c(Ik,n ). Exactamente como no procedimento original de Cantor, ´e f´ acil verificar que (exerc´ıcio 14) V = ∞ \ Fn ´e um conjunto perfeito n˜ ao-numer´ avel com interior vazio. n=o Sendo I = F0 o intervalo inicial, temos igualmente que U = I\V = ∞ [ Un ´e σ-elementar e aberto. n=0 48 Vito Volterra descobriu exemplos an´ alogos a este e ` a “fun¸c˜ ao de Volterra” descrita mais adiante em 1881, quando era ainda estudante. Actualmente ´e comum dizer que conjuntos deste tipo s˜ ao “de Cantor”. 80 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Para simplificar a nota¸ca˜o, escrevemos an = c(Jk,n ). A escolha da sucess˜ao an ´e em larga medida arbitr´aria, mas para efeitos do presente exemplo ´e suficiente seleccionar primeiro um qualquer 0 ≤ ε < 1 e definir:  1−ε 3 c(I), se n = 0, an = 1 3 an−1 , se n > 0. Dizemos que V ´e um conjunto de volterra, que passamos a designar por Cε (I) (nesta nota¸ca˜o, o conjunto de Cantor do exemplo 1.3.9 ´e C0 (I)). O conjunto U ´e σ-elementar e por isso ´e f´acil calcular o seu conte´ udo. Cada conjunto Un ´e formado por 2n subintervalos de comprimento an = 31−ε n+1 c(I), 2n c(I) e donde c(Un ) = (1 − ε) 3n+1 ∞  n X 1−ε 2 c(U ) = c(Un ) = ( = (1 − ε)c(I). )c(I) 3 3 n=0 n=0 ∞ X Designando o conjunto U por Uε (I) para maior clareza, observamos que, se Cε (I) ∈ Jσ (RN ), ent˜ ao • c(I) = c(Cε (I)) + c(Uε (I)) ⇒ c(Cε (I)) = c(I) − (1 − ε)c(I) = εc(I), e • Como Cε (I) tem interior vazio, temos c(Cε (I)) = 0. Conclu´ımos assim que Cε (I) 6∈ Jσ (RN ) quando ε > 0. F0 F1 F2 F3 F4 U4 U3 U4 U2 U4 U3 U4 U1 U4 U3 U4 U2 U4 U3 U4 Figura 1.6.2: A constru¸c˜ao de Volterra com ε = 41 . A fun¸c˜ ao cN : Jσ (RN ) → [0, ∞] ´e claramente uma extens˜ao n˜ ao-trivial do conte´ udo de Jordan, mas os exemplos 1.6.14 e 1.6.15 revelam que n˜ ao ´e ainda uma base satisfat´ oria para o desenvolvimento da teoria. Na verdade, quando A ⊆ B ⊆ RN e cN (A) e cN (B) est˜ ao definidos, ent˜ao devemos ter, tal como observ´ amos acima, cN (B\A) = cN (B)− cN (A). No entanto, vimos em ambos os exemplos referidos que podemos ter B\A 6∈ Jσ (RN ), mesmo que A, B ∈ Jσ (RN ). Em particular, estes exemplos sugerem que uma extens˜ao apropriada da fun¸c˜ ao cN deve estar definida numa classe de conjuntos que seja uma semi-´ algebra, al´em de ser fechada em rela¸ca ˜o a uni˜ oes numer´ aveis. 81 1.6. O Problema de Borel Borel teve o enorme m´erito de analisar e identificar com total clareza estas dificuldades e enunciar com muita precis˜ao o problema que entendia dever ser resolvido, listando o que referia como “propriedades essenciais”(49 ) a satisfazer. Borel foi assim um not´ avel pioneiro do tipo de procedimento que hoje chamamos de “axiom´atico”. 1.6.16 (Problema de Borel). Determinar uma classe MN de subconjuntos de RN e uma fun¸ca˜o κN : MN → [0, ∞] tais que: a) A classe MN cont´em os conjuntos elementares. b) Se E ⊂ RN ´e elementar ent˜ao κN (E) = cN (E). c) MN ´e uma ´ algebra fechada em rela¸c˜ao a uni˜ oes numer´aveis. d) κN ´e uma fun¸c˜ ao σ-aditiva. Repare-se que a referˆencia neste enunciado a uma a ´lgebra em vez de semia ´lgebra ´e f´acil de entender: como RN ´e σ-elementar, qualquer semi-´ algebra em RN fechada relativamente a uni˜ oes numer´aveis e que contenha os conjuntos elementares cont´em RN , ou seja, ´e uma ´algebra. κN = ? Eσ (RN ) E(RN ) cN MN = ? Figura 1.6.3: O Problema de Borel N˜ao vamos descrever imediatamente a solu¸c˜ao que Borel descobriu para este problema(50 ). Estudamos para j´a alguns resultados auxiliares importantes, em especial o seguinte, descoberto por Cantor em 1883: 49 As suas palavras, em Le¸cons sur la th´eorie des fonctions, s˜ ao muito claras: “... definir os elementos novos que s˜ ao introduzidos a partir das suas propriedades essenciais, ou seja, daquelas que s˜ ao estritamente indispens´ aveis aos racioc´ınios que se seguem”. 50 Veremos adiante que a classe MN = B(RN ) descoberta por Borel, formada pelos con´ veis, ´e a menor solu¸c˜ juntos que hoje se dizem Borel-mensura ao deste problema. Esta classe ´e uma extens˜ ao de Eσ (RN ), mas n˜ ao cont´em todos os conjuntos Jordan-mensur´ aveis, facto que Borel conhecia e sublinhava com cuidado, porventura em sinal de prudente respeito por Jordan, que gozava de grande influˆencia. 82 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Teorema 1.6.17 (de Cantor). Qualquer aberto ´e uma uni˜ ao numer´avel de rectˆ angulos abertos limitados e por isso ´e um conjunto σ-elementar. Demonstra¸ca ˜o. Seja Q(R) = {]q, r[: q, r ∈ Q} a classe formada pelos intervalos abertos de extremos racionais e, mais geralmente, considerem-se as classes Q(RN ), formadas pelos rectˆ angulos-N com v´ertices de coordenadas racionais, i.e., os rectˆ angulos da forma I1 × I2 × · · · × IN , com Ik ∈ Q(R). Como Q ´e numer´ avel, as classes Q(RN ) s˜ ao igualmente numer´ aveis. N Se U ⊆ R ´e um aberto e x ∈ U , existe um rectˆ angulo aberto limitado Rx, tal que x ∈ Rx ⊆ U . Suponha-se que Rx = I1 × I2 × · · · × IN , onde Ik =]ak , bk [ e x = (x1 , x2 , · · · , xN ) . ´ claro que existem racionais qk e rk tais que E ak < qk < xk < rk < bk e Jk =]qk , rk [∈ Q(R). ´ tamb´em evidente que E J1 × J2 × · · · × JN = Qx ∈ Q(RN ) e x ∈ Qx ⊆ Rx ⊆ U. [ Conclu´ımos assim que U = Qx . x∈U b2 Rx r2 (x1 , x2 ) x2 Qx q2 a2 a1 q1 x1 r1 b1 Figura 1.6.4: Os rectˆ angulos Qx e Rx. Os rectˆ angulos Qx s˜ ao limitados e abertos e a classe U = {Qx : x ∈ U } ⊆ N N Q(R ). Como Q(R ) ´e numer´avel, a classe U s´ o pode ser numer´avel. Do nosso ponto de vista nesta sec¸c˜ao e nos termos da defini¸c˜ao 1.6.9, conclu´ımos que cN (U ) est´ a definida para qualquer conjunto aberto U ⊆ RN . 1.6. O Problema de Borel 83 Al´em disso, e de acordo com as condi¸c˜oes a) e c) no enunciado do “Problema de Borel”, resulta que qualquer solu¸c˜ao MN deste problema cont´em necessariamente todos os conjuntos abertos e todos os conjuntos fechados. ´ muito interessante notar que o argumento usado para demonstrar E 1.6.17 ´e igualmente v´alido se substituirmos os intervalos abertos de extremos racionais ]q, r[ pelos correspondentes intervalos fechados, e portanto compactos, [q, r]. O pr´ oximo teorema indica esta e outras propriedades an´ alogas, a demonstrar nos exerc´ıcios desta sec¸c˜ao. Teorema 1.6.18. Seja U ⊆ RN um aberto. Ent˜ ao, a) U ´e uma uni˜ ao numer´ avel de rectˆ angulos compactos(51 ). b) U ´e uma uni˜ ao numer´ avel de rectˆ angulos limitados disjuntos. c) Se N = 1, ent˜ ao U ´e uma uni˜ ao numer´ avel de intervalos abertos 52 disjuntos( ). O pr´ oximo exemplo, que chamamos de fun¸ca ˜o de Volterra, ´e an´ alogo ao que vimos em 1.5.6, porque ´e uma fun¸c˜ao diferenci´ avel em toda a parte cuja derivada n˜ ao ´e Riemann-integr´ avel. Mais uma vez, a regra de Barrow n˜ ao ´e ′ aplic´ avel a f = F porque o integral de Riemann de f n˜ ao existe, apesar de f ter uma primitiva. A fun¸c˜ ao de Volterra ´e particularmente interessante porque F ′ ´e limitada, o que sugere que o facto de F ′ n˜ ao ser integr´ avel n˜ ao reflecte uma dificuldade “natural” como a do exemplo 1.5.6, mas reflecte em vez disso uma deficiˆencia da pr´ opria defini¸c˜ao do integral de Riemann(53 ). Exemplo 1.6.19. ˜o de volterra - Consideramos primeiro a fun¸ca˜o f definida por a func ¸a  2 x sen( x1 ), se x 6= 0, f (x) = 0, se x = 0. A fun¸ca˜o f ´e diferenci´ avel em R e a sua derivada ´e  2x sen( x1 ) − cos( x1 ), se x 6= 0, f ′ (x) = 0, se x = 0. Por raz˜ oes evidentes, f ′ n˜ ao ´e cont´ınua em 0, onde a respectiva oscila¸ca˜o ´e 2. No entanto, f ′ ´e limitada em qualquer intervalo limitado. 51 As uni˜ oes numer´ aveis de conjuntos compactos dizem-se conjuntos σ-compactos. Este ´e o resultado descoberto por Cantor em 1883. Note (exerc´ıcio 7) que esta decomposi¸c˜ ao em intervalos abertos disjuntos ´e u ´nica. 53 O pr´ oprio Henri Lebesgue considerava este exemplo como uma das suas mais importantes motiva¸c˜ oes na busca de uma teoria de integra¸c˜ ao mais geral do que a de Riemann. Como veremos mais adiante, a regra de Barrow ´e v´ alida para a fun¸c˜ ao de Volterra na teoria da integra¸c˜ ao de Lebesgue. Veja-se ali´ as no exerc´ıcio 15 desta sec¸c˜ ao que a regi˜ ao de ordenadas de F ′ ´e σ-elementar e o gr´ afico de F ´e rectific´ avel. 52 84 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Dado a > 0, podemos facilmente adaptar esta defini¸ca˜o para obter uma fun¸ca˜o g : R → R, nula fora do intervalo ]0, a[, diferenci´ avel em R, com derivada limitada, mas descont´ınua nos pontos x = 0 e x = a, onde ωg′ (0) = ωg′ (a) = 2. Para isso, escolhemos um ponto 0 < b < a/2 tal que f ′ (b) = 0 e tomamos  f (x), se 0 < x < b,    f (b), se b ≤ x ≤ c = a − b, g(x) = f (a − x), se c < x < a,    0, se x 6∈ ]0, a[. g ´e diferenci´ avel em R mas g ′ ´e descont´ınua tanto em x = 0 como x = a, onde tem oscila¸ca˜o igual a 2. f (b) c b b c a a Figura 1.6.5: Os gr´ afico de g e g′ . Designamos por U = I\Cε (I)S o complementar do conjunto de Volterra no inter∞ valo I e recordamos que U = n=1 ]an , bn [ ´e uma uni˜ao numer´avel de intervalos abertos disjuntos, obviamente limitados. A defini¸ca˜o de g pode ser modificada para obter uma fun¸ca˜o gn nula fora do intervalo ]an , bn [, diferenci´ avel em R, com derivada limitada, mas descont´ınua nos pontos x = an e x = bn , onde a ˜ o de volterra F ´e ent˜ oscila¸ca˜o ´e 2. A func ¸a ao dada por: F (x) = ∞ X gn (x). n=1 Deixamos para o exerc´ıcio 15 mostrar que • F ´e diferenci´ avel em R, com F ′ (x) = 0 quando x 6∈ U , e • F ′ ´e descont´ınua em todos os pontos de Cε (I) e por isso n˜ ao ´e Riemannintegr´avel em I quando ε > 0. No entanto, e em u ´ltima an´ alise, este exemplo apenas ilustra novamente a fragilidade da integrabilidade de Riemann em rela¸c˜ao a opera¸c˜oes de passagem ao limite. Afinal de contas, F ′ ´e o limite pontual de uma sucess˜ao de 85 1.6. O Problema de Borel fun¸c˜oes Riemann-integr´ aveis, porque F (x + n1 ) − F (x) F (x + h) − F (x) = lim 1 n→∞ h→0 h n 1 = lim gn (x), onde gn (x) = n(F (x + ) − F (x)). n→∞ n F ′ (x) = lim As fun¸c˜ oes gn s˜ ao Riemann-integr´ aveis desde que F o seja, mas daqui n˜ ao podemos concluir a integrabilidade da fun¸c˜ao limite F ′ , como bem sabemos. Observamos ainda, para posterior referˆencia, que a proposi¸c˜ao 1.3.12 se generaliza sem dificuldades de maior `as classes Eσ (RN ) e Jσ (RN ): Lema 1.6.20. Se U ∈ Jσ (RN ) e V ∈ Jσ (RM ), ent˜ ao a) Fecho em rela¸ca ˜o ao produto: U × V ∈ Jσ (RN +M ) e cN +M (U × V ) = cN (U )cM (V ). b) Invariˆ ancia sob translac¸co ˜es: Se x ∈ RN ent˜ ao U + x ∈ Jσ (RN ) e cN (U + x) = cN (U ), ao de U num dos hiperc) Invariˆ ancia sob reflex˜ oes: Se W ´e uma reflex˜ planos xk = 0, ent˜ ao W ∈ Jσ (RN ) e cN (W ) = cN (U ). Estas afirma¸co ˜es s˜ ao igualmente verdadeiras substituindo Jσ (RN ), Jσ (RM ) N +M e Jσ (R ) respectivamente por Eσ (RN ), Eσ (RM ) e Eσ (RN +M ). Demonstra¸ca ˜o. As afirma¸c˜ oes b) e c) s˜ ao consequˆencias imediatas de 1.3.12. Para provar a), supomos que U= ∞ [ Un e V = ∞ [ Vm , m=1 n=1 onde os conjuntos Un ∈ J (RN ) e Vm ∈ J (RM ) formam parti¸c˜oes, respecti´ evidente que vamente, de U e de V . E U ×V = ∞ [ n=1 Un ! × ∞ [ m=1 Vm ! = ∞ [ ∞ [ n=1 m=1 Un × Vm , e segue-se de 1.3.12 que Un × Vm ∈ J (RN +M ) e cN +M (Un × Vm ) = cN (Un )cM (Vm ). 86 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Conclu´ımos que U × V ∈ Jσ (RN +M ). Como os conjuntos Un × Vm formam uma parti¸c˜ ao de U × V , temos cN +M (U × V ) = = ∞ X ∞ X n=1 m=1 ∞ X cN +M (Un × Vm ) = cN (Un ) n=1 ∞ X ∞ X ∞ X cN (Un )cM (Vm ) = n=1 m=1 cM (Vm ) = cN (U )cM (V ). m=1 A adapta¸c˜ ao destes argumentos a conjuntos σ-elementares ´e muito simples. Exerc´ıcios. 1. Seja C uma classe de conjuntos tal que ∅ ∈ C e λ : C → [0, +∞] uma fun¸ca˜o σ-aditiva em C. a) Mostre que λ(∅) = 0, ou λ ´e identicamente +∞. b) Prove que λ ´e aditiva. 2. Seja S uma semi-´ algebra de conjuntos e λ : S → [0, +∞] uma fun¸ca˜o aditiva. Mostre que λ ´e σ-aditiva se e s´o se λ ´e σ-subaditiva. 3. Prove que qualquer conjunto numer´avel tem conte´ udo nulo. 4. Mostre que E ∈ Jσ (RN ) ´e nulo no sentido de Borel se e s´o se cN (E) = 0. 5. Suponha que 0 ≤ anm ≤ ∞ para quaisquer n, m ∈ N e prove que ! ! ∞ ∞ ∞ ∞ X X X X anm . anm = n=1 m=1 m=1 n=1 6. Sendo R ⊆ RN e f : R → R Riemann-integr´avel em R, mostre que o integral indefinido λ de f ´e σ-aditivo em Jf (R). (teorema 1.6.7). ˜o: No caso de c) e dado x ∈ U , seja Ix 7. Demonstre o teorema 1.6.18. sugesta a uni˜ ao de todos os intervalos abertos abertos V tais que x ∈ V ⊆ U . Mostre que os conjuntos Ix formam uma fam´ılia de intervalos abertos disjuntos, que s´o pode ser numer´ avel. Mostre em particular que a decomposi¸ca˜o referida em c) ´e u ´nica. 8. Prove que, se E ∈ J (R), ent˜ ao E tem subconjuntos que n˜ ao s˜ao Jordan˜o: Mostre que qualquer intervalo mensur´aveis se e s´o se c(E) > 0. sugesta aberto n˜ ao-vazio cont´em subconjuntos que n˜ ao s˜ao Jordan-mensur´aveis. 9. Prove que se E ∈ Jσ (RN ) ent˜ ao cN (E) = 0 se e s´o se int(E) = ∅. Mostre igualmente que se E ∈ Eσ (R), ent˜ ao cN (E) = 0 se e s´o se E ´e numer´avel. 1.6. O Problema de Borel 87 10. Mostre que as classes Eσ (RN ) e Jσ (RN ) s˜ao fechadas em rela¸ca˜o a intersec¸co˜es finitas. Estas classes s˜ao fechadas em rela¸ca˜o a intersec¸co˜es numer´aveis? 11. Verifique que cN ´e mon´ otona, aditiva e subaditiva em Jσ (RN ). 12. Suponha que E ∈ Jσ (RN ) ´e limitado e prove que cN (E) ≤ cN (E) ≤ cN (E). 13. Determine o cardinal da classe dos abertos em RN . (54 ) 14. Considere o conjunto de Volterra Cε (I) (exemplo 1.6.15). a) O conjunto Fn ´e elementar e ´e formado por 2n intervalos. Sendo J um desses 2n subintervalos, mostre que J ∩ Cε (I) = Cδ (J), onde δ ´e um parˆ ametro que deve calcular. Conclua em particular que J\Cε (I) ´e σelementar e calcule o seu conte´ udo. b) Mostre que Cε (I) ´e perfeito n˜ ao-numer´avel e tem interior vazio. c) Calcule c(Cε (I)), c(Cε (I)), c(Uε (I)) e c(Uε (I)). 15. Verifique as afirma¸co˜es feitas no texto a prop´ osito da fun¸ca˜o de Volterra. Em particular, mostre que a) g ´e diferenci´ avel em R e g ′ ´e limitada em R, com oscila¸ca˜o 2 em 0 e a. b) F ´e diferenci´ avel em R, com F ′ limitada em R e F ′ (x) = 0 para x 6∈ U . ˜o: Suponha que x 6∈ U e estabele¸ca a desigualdade seguinte: sugesta F (x + h) − F (x) ≤ |h|. h c) O gr´ afico de F ´e rectific´ avel em [0, 1]. ′ ˜o: Recorde que qualquer ponto de d) F ´e descont´ınua em Cε (I). sugesta Cε (I) ´e limite de sucess˜oes de pontos fronteira dos Fn . e) F ′ n˜ ao ´e Riemann-integr´avel, i.e., a sua regi˜ao de ordenadas n˜ ao ´e Jordanmensur´avel, mas ´e um conjunto σ-elementar limitado. Como definiria e calcularia o integral de F ′ em I? 16. Considere a fun¸ca˜o f definida tal como a “escada do diabo”, mas utilizando o conjunto de Volterra Cε (I) com ε > 0 em vez do conjunto de Cantor C0 (I). Calcule o comprimento do gr´ afico de f no intervalo I = [0, 1]. Pode existir alguma fun¸ca˜o Riemann-integr´avel g que satisfa¸ca f ′ (x) = g(x) qtp em I? Quais s˜ao os poss´ıveis valores de f ′ (x) nos pontos onde esta derivada exista? 17. O conjunto U do exemplo 1.6.8 ´e Jordan-mensur´avel quando ε = 12 ? 18. Seja U ainda o aberto referido no exemplo 1.6.8 e F a fun¸ca˜o de Volterra nula fora de U . O que pode concluir sobre a integrabilidade de F ′ ? 54 Usamos as seguintes designa¸c˜ oes para cardinais infinitos: ℵ0 ´e o cardinal de N, ℵ1 ´e o cardinal de R, ℵ2 ´e o cardinal de P(R), ℵ3 ´e o cardinal de P(P(R)), etc. 88 Cap´ıtulo 1. Integrais de Riemann Cap´ıtulo 2 A Medida de Lebesgue As dificuldades t´ecnicas associadas ao integral de Riemann, algumas das quais temos vindo a apontar, eram bem conhecidas no final do s´eculo XIX, mas certamente prevalecia a opini˜ ao que eram inevit´aveis, e inultrapass´aveis. Apenas um grupo restrito de jovens matem´ aticos(1 ) parece ter-se apercebido, por volta de 1900, que era poss´ıvel e desej´avel alargar a classe das fun¸c˜oes `as quais atribu´ımos um integral, e que dessa forma se podiam ultrapassar algumas das limita¸c˜ oes do integral de Riemann. Por um lado, os trabalhos de Jordan e Peano tinham revelado que este problema se reduz ao de alargar a classe de conjuntos aos quais atribu´ımos um conte´ udo. Por outro lado, e como vimos, Borel tinha descoberto que certos conjuntos que n˜ ao s˜ ao Jordan-mensur´ aveis podem ser “medidos” usando parti¸c˜oes infinitas numer´aveis em rectˆ angulos, e tinha igualmente identificado com muito rigor e clareza o que ele pr´ oprio considerava como as “propriedades essenciais” a satisfazer por qualquer poss´ıvel extens˜ao do conte´ udo de Jordan. Em 1902, o ent˜ ao jovem professor de liceu Henri L´eon Lebesgue apresen´veis e de medida, numa tou a sua pr´ opria defini¸c˜ ao de conjuntos mensura excepcional tese de doutoramento, com o t´ıtulo “Integral, ´area, volume”, que submeteu ` a Universidade de Nancy. A ideia de Lebesgue combinava de forma muito natural o trabalho de Jordan com o de Borel, retomando a ideia de aproxima¸c˜ ao usada por Jordan, mas substituindo os conjuntos elementares pelos conjuntos σ-elementares, cuja medida Lebesgue calculava pela t´ecnica de Borel. Os conjuntos mensur´aveis “no sentido de Lebesgue” ´veis, dizem-se conjuntos de Lebesgue, ou conjuntos Lebesgue-mensura e formam a classe L(RN ), que inclui a classe J (RN ). A medida de Lebesgue designa-se “mN ”, ou apenas “m”, ´e uma fun¸c˜ao mN : L(RN ) → [0, ∞], e ´e uma extens˜ ao do conte´ udo de Jordan cN . 1 ´ Al´em de Henri Leon Lebesgue, 1875-1941, formado em 1897 pela Ecole Normale Sup´erieure, donde conhecia Borel, pelo menos o matem´ atico italiano Giuseppe Vitali, 1875-1941, na altura assistente na Scuola Normale de Pisa, e o matem´ atico inglˆes William Henry Young, 1863-1942, ent˜ ao em G¨ ottingen. 89 90 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue Em 1913, Radon(2 ) deu um passo decisivo no caminho da generaliza¸c˜ao crescente, ao aperceber-se que a medida de Lebesgue ´e apenas um exemplo de um tipo de objecto matem´ atico que hoje tem o nome gen´erico de medida, e que qualquer medida pode ser utilizada para definir integrais de fun¸c˜oes. Na realidade, as ideias de Borel, Lebesgue e Radon, acompanharam, e frequentemente precederam, a vaga de fundo de abstrac¸c˜ao que come¸cou a varrer os mais diversos dom´ınios da Matem´atica no in´ıcio do s´eculo XX, e rapidamente conduziram `a identifica¸c˜ao de uma base axiom´atica apropriada para a chamada Teoria da Medida. Na teoria axiom´atica da medida, os conjuntos mensur´ aveis s˜ ao, simplesmente, elementos de ´algebras de conjuntos de um tipo especial, ditas ´lgebras, das quais a classe L(RN ), descoberta por Lebesgue, ´e apenas σ-a um exemplo, se bem que de importˆ ancia capital. As medidas s˜ ao fun¸c˜oes aditivas definidas em σ-´algebras, mas para as quais a propriedade de aditividade ´e ainda v´alida para parti¸c˜oes numer´aveis. O principal objectivo deste Cap´ıtulo ´e a defini¸c˜ao da medida de Lebesgue propriamente dita, e a identifica¸c˜ao das suas propriedades mais relevantes. Aqui introduzimos tamb´em a base axiom´atica da Teoria da Medida, uma das mais importantes ferramentas de trabalho em todo este texto, e que em muitos aspectos simplifica desde j´a o nosso estudo da medida de Lebesgue. 2.1 Espa¸ cos Mensur´ aveis e Medidas Esta sec¸c˜ ao apresenta algumas das ideias mais b´ asicas da Teoria da Medida, todas relacionadas com a no¸c˜ao de σ-aditividade, e em grande parte sugeridas pelo enunciado do “Problema de Borel”. A primeira defini¸c˜ao que apresentamos resume-se ali´as a abstrair a condi¸c˜ao (c) desse problema: ´ Defini¸ c˜ ao 2.1.1 (σ-Algebra). Seja M uma classe de subconjuntos em X. ´lgebra (em X) se e s´ Dizemos que M ´e uma σ-a o se M ´e uma ´algebra de conjuntos fechada em rela¸c˜ao a uni˜ oes numer´aveis, i.e., E1 , E2 , · · · , En , · · · ∈ M =⇒ E = ∞ [ n=1 En ∈ M. Exemplos 2.1.2. 1. Nesta terminologia, a condi¸ca˜o c) do Problema de Borel pode enunciar-se: “MN ´e uma σ-´algebra em RN ”. 2. Sendo I = [0, 1], a classe J (I) ´e uma ´algebra, mas o conjunto de Dirichlet D = Q ∩ I mostra que J (I) n˜ ao ´e fechada em rela¸ca˜o a uni˜oes numer´ aveis, e portanto n˜ ao ´e uma σ-´algebra. 2 Johann Radon (1887-1956), matem´ atico austr´ıaco. Foi professor em diversas universidades alem˜ as, e terminou a sua carreira na Universidade de Viena, onde se tinha doutorado em 1910. 91 2.1. Espa¸cos Mensur´ aveis e Medidas 3. A classe Jσ (RN ) ´e fechada em rela¸ca˜o a uni˜oes numer´aveis, mas n˜ ao ´e uma σ-´algebra, porque n˜ ao ´e uma semi-´ algebra. 4. Qualquer semi-´ algebra em RN que contenha os rectˆangulos limitadas e seja fechada em rela¸ca˜o a uni˜ oes numer´aveis cont´em necessariamente o pr´oprio ´ por isso uma ´ conjunto RN . E algebra e uma σ-´algebra. 5. De acordo com o teorema de Cantor (1.6.17), qualquer σ-´algebra em RN que contenha os rectˆangulos limitadas cont´em todos os conjuntos abertos e portanto todos os conjuntos fechados. 6. Sendo X um qualquer conjunto, a classe de todos os subconjuntos de X, designada P(X), ´e, por raz˜ oes ´obvias, a maior σ-´algebra em X. A classe {∅, X} ´e a menor σ-´algebra em X. A defini¸c˜ ao 2.1.1 ´e complementada pela seguinte: Defini¸ c˜ ao 2.1.3 (Espa¸co Mensur´ avel, Conjuntos Mensur´ aveis). Um espac ¸o ´vel ´e um par (X, M), onde M ´e uma σ-´algebra no conjunto X. mensura ´vel se e s´ Se E ⊆ X, dizemos que E ´e M-mensura o se E ∈ M. Quando a σ-´ algebra M ´e ´ obvia do contexto da discuss˜ao, dizemos ape´vel”, em vez de “M-mensur´avel”. Das nas que o conjunto E ´e “mensura propriedades seguintes, apenas o fecho em rela¸c˜ao a intersec¸c˜oes numer´aveis requer ainda demonstra¸c˜ ao, o que fica como exerc´ıcio. ´ Teorema 2.1.4 (Propriedades Alg´ebricas de σ-Algebras). Se M ´e uma σ-´ algebra em X, i.e., se (X, M) ´e um espa¸co mensur´ avel, temos: a) ∅, X ∈ M. b) Fecho em rela¸ca ˜o a ` diferen¸ca: E, F ∈ M =⇒ E\F ∈ M. c) Fecho em rela¸ca ˜o a uni˜ oes e intersec¸co ˜es, finitas e numer´ aveis: En ∈ M, ∀n∈N =⇒ m [ n=1 En , m \ n=1 En , ∞ [ n=1 En , ∞ \ n=1 En ∈ M. O objectivo da teoria da medida ´e o estudo de fun¸c˜oes σ-aditivas, definidas em σ-´algebras, e s˜ ao estas as fun¸co˜es que chamamos medidas. Defini¸ c˜ ao 2.1.5 (Medidas: Reais, Complexas e Positivas). Supondo que Y = R, Y = C ou Y = [0, +∞] e (X, M)) ´e um espa¸co mensur´avel, dizemos que µ ´e uma medida se e s´ o se µ : M → Y ´e uma fun¸c˜ao σ-aditiva com µ(∅) = 0(3 ). A medida µ diz-se, respectivamente, real, complexa ou positiva se Y = R, Y = C ou Y = [0, +∞]. A medida positiva µ ´e finita se e s´ o se µ(E) 6= ∞ para todos os E ∈ M. 3 Esta condi¸c˜ ao s´ o n˜ ao se segue automaticamente da σ-aditividade quando Y = [0, +∞], e nesse caso ´e equivalente ` a condi¸c˜ ao de µ n˜ ao ser constante e igual a +∞. 92 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue Observa¸ co ˜es 2.1.6. 1. As medidas reais n˜ ao-negativas s˜ao as medidas positivas finitas. 2. Se π e ν s˜ao medidas positivas finitas, ent˜ ao µ = π − ν ´e uma medida real. 3. Qualquer medida complexa α ´e da forma α = µ + iλ, onde µ e λ s˜ao medidas reais. 4. S´ o as medidas positivas podem tomar valores infinitos, e mesmo neste caso apenas o valor +∞. As rela¸c˜ oes entre estes tipos de medidas ilustram-se na figura 2.1.1. Positivas finitas Reais Complexas Positivas Figura 2.1.1: Tipos de medidas. Demonstraremos mais adiante o chamado Teorema da Decomposi¸c˜ao de Hahn-Jordan. Este resultado mostra que qualquer medida real µ ´e da forma µ = µ+ − µ− , onde µ+ e µ− s˜ ao medidas positivas finitas. De acordo com as observa¸c˜ oes acima e o teorema de Hahn-Jordan, as medidas positivas s˜ ao naturalmente elementos base da teoria da Medida. Exemplos 2.1.7. ˜o de dirac δ, definida em P(R) por 1. A distribuic ¸a  1, se 0 ∈ A, e δ(A) = 0, se 0 6∈ A, ´e uma medida em P(R), e diz-se, tamb´em, a medida de dirac. Conforme referimos no exemplo 1, ´e frequentemente utilizada para representar a distribui¸ca˜o de massa associada a um u ´ nico ponto material, de massa unit´ aria, colocado na origem. Mais geralmente, se X ´e um conjunto e x0 ∈ X, a distribui¸ca˜o de Dirac (em x0 ) define-se por  1, se x0 ∈ A, e δx0 (A) = 0, se x0 6∈ A, e ´e uma medida em P(X). 93 2.1. Espa¸cos Mensur´ aveis e Medidas 2. Sendo X um conjunto, o cardinal ´e uma medida em P(X). O cardinal ´e uma medida positiva, que ´e finita se e s´o se o conjunto X ´e finito. Diz-se, frequentemente, a medida de contagem, e ´e aqui designada por “#”. 3. Uma medida de probabilidade π no conjunto X 6= ∅ ´e, simplesmente, uma medida positiva satisfazendo a condi¸ca˜o π(X) = 1. Em certo sentido, ´e leg´ıtimo dizer que a Teoria das Probabilidades n˜ ao passa de um subcap´ıtulo da Teoria da Medida! Um dos exemplos mais simples de medida de probabilidade resulta de tomar π(E) = #(E)/#(X), para qualquer E ∈ P(X), onde X ´e um conjunto finito. Neste caso, os diversos elementos de X correspondem a acontecimentos igualmente prov´ aveis, o que ´e o modelo mais comum no estudo de muitas quest˜ oes elementares sobre, por exemplo, jogos de azar com cartas e dados. A pr´opria medida de Dirac ´e um exemplo trivial de medida de probabilidade. 4. O usual pente de Dirac em R ´e a medida positiva π(E) = #(E ∩ Z). Defini¸ c˜ ao 2.1.8 (Espa¸co de Medida). Um espac ¸ o de medida ´e um terno (X, M, µ), onde (X, M) ´e um espa¸co mensur´avel e µ ´e uma medida positiva definida em M. Exemplos 2.1.9. 1. (R, P(R), δ) ´e um espa¸co de medida. 2. O espa¸co da medida de contagem em N ´e (N, P(N), #). 3. Um espac ¸ o de probabilidade ´e um espa¸co de medida (X, M, µ) em que µ(X) = 1, ou seja, em que µ ´e uma medida de probabilidade. Neste caso, ´e tradicional dizer que os conjuntos mensur´aveis, i.e., os conjuntos E ∈ M, s˜ao os acontecimentos. Utilizaremos, no que se segue, a seguinte terminologia: Defini¸ c˜ ao 2.1.10 (Espa¸co de Medida Finito, σ-Finito). O espa¸co de medida (X, M, µ) diz-se finito se e s´ o se µ ´e finita. Diz-se σ-finito, se e s´ o se existem conjuntos Xn ∈ M, tais que µ(Xn ) < ∞ e X = ∞ [ Xn . n=1 Dizemos tamb´em neste u ´ltimo caso que a medida µ ´e σ-finita. Exemplos 2.1.11. 1. Qualquer espa¸co de probabilidades ´e um espa¸co de medida finito, porque, neste caso, µ(X) = 1. 2. O espa¸co (N, P(N), #) da medida de contagem em N ´e σ-finito mas n˜ ao ´e finito. Sendo X = {1, 2, · · · , n}, ´ e claro que #(N) = +∞, #(X ) < +∞ e n n S∞ N = n=1 Xn . 94 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue 3. O pente de Dirac (exemplo 2.1.7.4) ´e uma medida σ-finita que n˜ ao ´e finita. 4. O espa¸co da medida de contagem (X, P(X), #), em qualquer conjunto X ˜o ´e σ-finito. Basta notar que, se os conjuntos Xn ⊆ infinito n˜ ao-numer´ avel, na X tˆem medida finita, i.e., se s˜ao conjuntos finitos, ent˜ ao o conjunto ∪∞ e n=1 Xn ´ ∞ finito, ou infinito numer´avel, e portanto X 6= ∪n=1 Xn . Os pr´ oximos teoremas indicam propriedades v´alidas para qualquer medida, que utilizaremos quase constantemente no que se segue. Come¸camos por resumir alguns dos resultados elementares que j´a apresent´amos at´e aqui. Teorema 2.1.12. Seja µ uma medida definida na σ-´ algebra M em X. Se os conjuntos E, F, E1 , E2 , · · · , En , · · · s˜ ao M-mensur´ aveis, temos: a) µ(∅) = 0. ao disjuntos, b) Aditividade e σ-aditividade: Se os conjuntos En s˜ µ( m [ En ) = m X µ(En ) e µ( En ) = ∞ X µ(En ). n=1 n=1 n=1 n=1 ∞ [ Se µ ´e n˜ ao-negativa, i.e., se µ ´e uma medida positiva, temos ainda: c) Monotonia: E ⊆ F =⇒ µ(E) ≤ µ(F ). d) Subaditividade e σ-subaditividade: µ( m [ n=1 En ) ≤ m X n=1 µ(En ) e µ( ∞ [ n=1 En ) ≤ ∞ X µ(En ). n=1 Recordamos que o conjunto R = [−∞, +∞] se diz a “recta acabada”, + otona em e escrevemos analogamente R = [0, +∞]. Qualquer sucess˜ao mon´ R converge para algum α ∈ R, e introduzimos aqui as seguintes conven¸c˜oes: • Se a sucess˜ao de termo geral xn ´e crescente, ent˜ao α = sup xn , e escrevemos “xn ր α”. • Quando a sucess˜ao ´e decrescente, α = inf xn , e escrevemos “xn ց α”. Se os conjuntos En formam uma sucess˜ao crescente, escrevemos En ր E, onde se entende que E = ∞ [ En . n=1 Se os conjuntos En formam uma sucess˜ao decrescente, escrevemos En ց E, onde se entende que E = ∞ \ n=1 En . 95 2.1. Espa¸cos Mensur´ aveis e Medidas Se os conjuntos En s˜ ao M-mensur´aveis e formam uma sucess˜ao crescente, ´e poss´ıvel usar indirectamente a σ-aditividade de µ para calcular a medida do conjunto ∪∞ n=1 En . Teorema 2.1.13 (da Convergˆencia Mon´otona de Lebesgue). Se os conjuntos En ∈ M e En ր E, ent˜ ao E ∈ M e µ(En ) → µ(E). Demonstra¸ca ˜o. Sendo Fk+1 = Ek+1 \Ek e F1 = E1 , notamos que os conjuntos Fk s˜ ao disjuntos e verificam En = n [ Fk e E = ∞ [ En = n=1 k=1 ∞ [ Fk . k=1 Como os conjuntos Fk s˜ ao disjuntos e µ ´e aditiva e σ-aditiva, temos µ(En ) = µ( n [ Fk ) = n X µ(Fk ) e µ(E) = µ( Fk ) = ∞ X µ(Fk ). k=1 k=1 k=1 k=1 ∞ [ ´ portanto ´ E obvio que µ(En ) → µ(E). Se os conjuntos En formam uma sucess˜ao decrescente, temos Teorema 2.1.14. Se os conjuntos En ∈ M e En ց E, ent˜ ao E ∈ M. Se, al´em disso, µ(E1 ) 6= +∞, ent˜ ao µ(En ) → µ(E). Demonstra¸ca ˜o. Os conjuntos Fn = E1 \En s˜ ao M-mensur´aveis e formam uma sucess˜ao crescente. Portanto, µ(Fn ) → µ( ∞ [ n=1 Fn ), ou seja, µ(E1 \En ) → µ( ∞ [ n=1 (E1 \En )). Por outro lado, ∞ [ (E1 \En ) = E1 \ n=1 ∞ \ n=1 En =⇒ µ(E1 \En ) → µ(E1 \ ∞ \ En ). n=1 Dado que En ⊆ E1 e ∩∞ em n=1 En ⊆ E1 , se todos os conjuntos em causa tˆ medida finita, ´e claro que µ(En ) = µ(E1 ) − µ(E1 \En ) e µ( ∞ \ n=1 En ) = µ(E1 ) − µ(E1 \ Obtemos imediatamente que µ(En ) → µ( ∞ \ ∞ \ En ). n=1 En ). n=1 A hip´ otese adicional µ(E1 ) 6= +∞, referida no teorema anterior, s´ o n˜ ao ´e automaticamente satisfeita quando µ ´e uma medida positiva. O exemplo seguinte mostra que, neste caso, a hip´ otese ´e indispens´ avel. 96 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue Exemplo 2.1.15. Considerem-se os conjuntos En = {k ∈ N : k ≥ n} no espa¸co de medida (de ´ claro que contagem) (N, P(N), #). E En ց ∞ \ n=1 En = ∅ mas #(En ) = +∞ n˜ ao converge para #(∅) = 0. Exerc´ıcios. 1. Seja X um conjunto infinito. Diga, para cada um dos exemplos seguintes, se a fun¸ca˜o de conjuntos em causa µ : P(X) → [0, +∞] ´e aditiva, subaditiva, σ-aditiva, σ-subaditiva. a) µ(E) = 0, se E ´e finito, com µ(E) = 1, se E ´e infinito, b) µ(E) = 0, se E ´e finito, com µ(E) = +∞, se E ´e infinito. 2. Suponha que M ´e uma σ-´algebra em X e E1 , E2 , · · · , En , · · · s˜ao conjuntos em M. Prove que E = ∩∞ n=1 En pertence igualmente a M (Teorema 2.1.4). 3. Suponha que µ ´e uma medida definida na σ-´algebra M e E ´e M-mensur´ avel. Prove que a fun¸ca˜o λ definida por λ(F ) = µ(F ∩ E) ´e igualmente uma medida. 4. Em cada um dos casos seguintes, prove que a fun¸ca˜o µ : P(X) → [0, +∞] dada ´e uma medida na σ-´algebra P(X). a) A medida de contagem #. b) a medida de Dirac δx0 , onde x0 ∈ X. 5. Suponha que (X, M) ´e um espa¸co mensur´avel e µ ´e uma medida complexa definida em M. Prove que a) Existem medidas reais α e β tais que µ = α + iβ. b) µ(∅) = 0. c) µ ´e aditiva. 6. Suponha que, para cada n ∈ N, µn : Mn → [0, +∞] ´e uma medida positiva na σ-´algebra Mn em X. Considere M= ∞ \ n=1 Mn e µ : M → [0, +∞] dada por µ(E) = ∞ X n=1 µn (E), para E ∈ M. Prove que M ´e uma σ-´algebra em X e µ ´e uma medida positiva em M. 7. (O Lema de Borel-Cantelli)(4 ): Seja (X, M, µ) um espa¸co de medida. P∞ Suponha que os conjuntos En s˜ao M-mensur´ aveis e n=1 µ(En ) < ∞. Sendo 4 De Borel, e Francesco Paolo Cantelli, 1875-1966, matem´ atico italiano, professor na Universidade de Roma. 97 2.2. A Medida de Lebesgue E o conjunto dos x ∈ X que pertencem a um n´ umero infinito de conjuntos ˜o: Prove primeiro que En ’s, prove que E ∈ M e µ(E) = 0. Sugesta E= ∞ [ ∞ \ Ek . n=1 k=n ˜o: Comece por provar 8. Existe alguma σ-´algebra infinita numer´avel? Sugesta que qualquer σ-´algebra infinita cont´em uma fam´ılia infinita de conjuntos mensur´ aveis disjuntos. 2.2 A Medida de Lebesgue Passamos a descrever a solu¸c˜ ao do Problema de Borel descoberta por Lebesgue, que envolve: • A classe L(RN ), dos conjuntos ditos Lebesgue-mensur´ aveis, e • A medida de Lebesgue mN , que ´e uma fun¸c˜ao mN : L(RN ) → [0, +∞]. Notamos primeiro que qualquer solu¸c˜ao (MN , κN ) do Problema de Borel ´e ˜o do conte´ uma extensa udo de Jordan tal como o definimos em 1.6.9 para a classe dos conjuntos σ-elementares: • Por um lado, como MN ´e uma σ-´algebra que cont´em os conjuntos elementares, temos necessariamente Eσ (RN ) ⊂ MN . • Por outro lado, se E ∈ Eσ (RN ), existem conjuntos elementares disjunS∞ tos En tais que E = n=1 En , donde κN (E) = ∞ X κN (En ) = ∞ X cN (En ) = cN (E). n=1 n=1 Como RN ´e σ-elementar, ´e tamb´em claro que qualquer subconjunto de RN pode ser aproximado por excesso por conjuntos σ-elementares, i.e., Se E ⊆ RN , existe U ∈ Eσ (RN ) tal que E ⊆ U. Se κN (E) ´e uma qualquer solu¸c˜ ao do Problema de Borel, temos ent˜ao, por monotonia, κN (E) ≤ κN (U ) = cN (U ). Conclu´ımos que cN (U ) ´e uma aproxima¸c˜ao por excesso de κN (E), i.e., κN (E) ´e minorante do conjunto  cN (U ) : E ⊆ U, U ∈ Eσ (RN ) . 98 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue Como j´a mencion´amos, a pr´ oxima defini¸c˜ao (de Lebesgue) para o que hoje chamamos de medida exterior de Lebesgue resulta da defini¸c˜ao de Jordan e Peano para o conte´ udo exterior pela simples substitui¸c˜ao dos conjuntos elementares pelos conjuntos σ-elementares. Resume-se a observar que a melhor aproxima¸c˜ ao por excesso que podemos calcular para κN (E) usando apenas conjuntos σ-elementares ´e  inf cN (U ) : E ⊆ U, U ∈ Eσ (RN ) . Defini¸ c˜ ao 2.2.1 (Medida Exterior de Lebesgue ). A medida exterior de Lebesgue em RN ´e a fun¸c˜ao m∗N : P(RN ) → [0, +∞], dada por  m∗N (E) = inf cN (U ) : E ⊆ U, U ∈ Eσ (RN ) . A pr´ oxima proposi¸ca˜o compara a medida exterior de Lebesgue com o conte´ udo interior, exterior, e com a fun¸c˜ao cN . Proposi¸ c˜ ao 2.2.2. Se E ⊆ RN , ent˜ ao a) Se E ´e limitado, cN (E) ≤ m∗N (E) ≤ cN (E), b) Se E ∈ J (RN ), m∗N (E) = cN (E). Demonstra¸ca ˜o. Sendo E limitado, consideramos os conjuntos A = {cN (K) : K ⊆ E, K ∈ E(RN )}, B = {cN (U ) : U ⊇ E, U ∈ E(RN )} e C = {cN (U ) : U ⊇ E, U ∈ Eσ (RN )}. ´ evidente que B ⊆ C, e portanto m∗ (E) = inf C ≤ inf B = cN (E). a) E N Para provar que cN (E) ≤ m∗N (E), supomos que K ⊆ E ⊆ U , onde K ´e elementar e US´e σ-elementar. Existem conjuntos elementares disjuntos Un tais que U = ∞ n=1 Un , e segue-se da σ-subaditividade de cN que cN (K) ≤ ∞ X cN (Un ) = cN (U ), ou seja, n=1 cN (K) ´e minorante de C, donde cN (K) ≤ inf C = m∗N (E). Temos assim que m∗N (E) ´e majorante de A, e conclu´ımos que m∗N (E) ≥ sup A = cN (E). ´ uma consequˆencia evidente de a). b) E Exemplos 2.2.3. 1. O conjunto Q ´e σ-elementar, e portanto 0 ≤ m∗ (Q) ≤ c1 (Q) = 0, ou seja, m∗ (Q) = 0. Note-se que escrevemos m∗ em vez de m∗1 . 99 2.2. A Medida de Lebesgue 2. Sendo D = Q ∩ [0, 1] o exemplo de Dirichlet, temos 0 = c(D) = c1 (D) = m∗ (D) < c(D) = 1. As propriedades mais essenciais da medida exterior da Lebesgue s˜ ao as seguintes, que veremos mais adiante serem a base da defini¸c˜ao axiom´atica de “medida exterior ”. Proposi¸ c˜ ao 2.2.4. Dados E, En , F ⊆ RN , temos: ao m∗N (E) ≤ m∗N (F ), a) Monotonia: Se E ⊆ F ent˜ b) m∗N (∅) = 0, c) σ-subaditividade: E ⊆ ∞ [ n=1 En =⇒ m∗N (E) ≤ ∞ X m∗N (En ). n=1 Demonstra¸ca ˜o. As afirma¸c˜ oes em a) e b) s˜ ao muito f´aceis de verificar. Relativamente a c), dados conjuntos σ-elementares Un tais que En ⊆ Un , temos E⊆ ∞ [ n=1 En ⊆ ∞ [ Un = U. n=1 O conjunto U ´e σ-elementar, e segue-se de 1.6.11 c) (σ-subaditividade) que: m∗N (E) ≤ cN (U ) ≤ ∞ X cN (Un ). n=1 Como os conjuntos Un s˜ ao arbitr´arios, podemos agora concluir que: m∗N (E) ≤ ∞ X m∗N (En ). n=1 Observa¸ c˜ ao 2.2.5. A medida exterior de Lebesgue coincide com o conte´ udo de Jordan em Jσ (RN ): Se E ∈ Jσ (RN ), existem conjuntos disjuntos En ∈ J (RN ) tais que E= ∞ [ n=1 En , donde m∗N (E) ≤ ∞ X m∗N (En ), de 2.2.4. n=1 Segue-se de 2.2.2 que (1) ∞ X n=1 m∗N (En ) = ∞ X n=1 cN (En ) = cN (E), e por isso m∗N (E) ≤ cN (E). 100 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue Por outro lado, como Fm = Sm n=1 En ´e Jordan-mensur´avel e Fm ⊆ E, temos (2) m∗N (E) ≥ m∗N (Fm ) = cN (Fm ) = m X n=1 cN (En ) → ∞ X cN (En ) = cN (E). n=1 Conclu´ımos de (1) e (2) que cN (E) = m∗ (E). ´ por vezes conveniente calcular a medida exterior de Lebesgue usando E procedimentos distintos do que opt´ amos por referir em 2.2.1. Proposi¸ c˜ ao 2.2.6. Dado E ⊆ RN , temos: ) (∞ ∞ [ X Rn , Rn rectˆ angulo limitado , m∗N (E) = inf cN (Rn ) : E ⊆ n=1 n=1  inf cN (U ) : E ⊆ U ⊆ RN , U aberto . Demonstra¸ca ˜o. Escrevemos para simplificar ) (∞ ∞ [ X Rn , Rn rectˆ angulo limitado , cN (Rn ) : E ⊆ R= n=1 n=1  A = cN (U ) : E ⊆ U ⊆ RN , U aberto . S Dados rectˆ angulos limitados Rn tais que E ⊆ ∞ n=1 Rn , deve ser claro que ˜ n tais que existem rectˆ angulos limitados disjuntos R (1) E ⊆ ∞ [ ˜ = Rn = U ∞ [ ˜ n onde R n=1 n=1 ∞ X n=1 ˜ n ) = cN (U ˜) ≤ cN (R ˜ ´e σ-elementar, e temos assim que O conjunto U (2) m∗N (E) ˜) ≤ ≤ cN (U ∞ X n=1 ∞ X cN (Rn ). n=1 cN (Rn ) donde m∗N (E) ≤ inf R. Qualquer conjunto σ-elementar ao numer´avel de rectˆ angulos Rn P U ´e uma uni˜ disjuntos, e como cN (U ) = ∞ c (R ) ≥ inf R, segue-se tamb´ em que n n=1 N m∗N (E) ≥ inf R, ou seja, m∗N (E) = inf R. ´ f´acil verificar que, dado ε > 0, existem rectˆ E abertos Rn′ ⊇ Rn tais S∞ angulos ′ n ′ que cN (Rn \Rn ) < ε/2 . O conjunto V = n=1 Rn ´e aberto e portanto inf A ≤ cN (V ) ≤ ∞ X n=1 cN (Rn′ ) ≤ ∞ h X n=1 cN (Rn ) + εi = cN (U ) + ε. 2n Como inf A ≤ cN (U )+ε, conclu´ımos que inf A ≤ m∗N (E)+ε, e fazemos ε → 0 para obter inf A ≤ m∗N (E). Por outro lado, qualquer aberto ´e σ-elementar, donde ´e ´ obvio que m∗N (E) ≤ inf A, e portanto m∗N (E) = inf A. 101 2.2. A Medida de Lebesgue Observa¸ c˜ ao 2.2.7. Segue-se do resultado anterior que E ´e um conjunto nulo no sentido de Borel se e s´o se m∗N (E) = 0. A medida exterior de Lebesgue providencia apenas uma aproxima¸c˜ao por excesso da medida de Lebesgue. Lebesgue descobriu, igualmente, uma aproxima¸c˜ao por defeito apropriada, dita hoje a medida interior de Lebesgue, e definiu os conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis, imitando Jordan e Peano, como os conjuntos cujas medidas interior e exterior de Lebesgue s˜ ao iguais. No entanto, n˜ ao se deve inferir da relativa facilidade com que introduzimos a medida exterior de Lebesgue que a defini¸c˜ao da correspondente medida interior ´e imediata, e deixamos para os exerc´ıcios 8 e 10 desta sec¸c˜ao verificar que esta quest˜ ao n˜ ao ´e trivial, e a sua solu¸c˜ao est´ a longe das ideias de Jordan e Peano. Preferimos aqui n˜ ao seguir exactamente o procedimento original de Lebesgue, e observar que: Seja qual for a “correcta” defini¸c˜ao de medida interior de Lebesgue, devemos ter, para os conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis, que mN (E) = m∗N (E), exactamente como temos, para os conjuntos Jordan-mensur´aveis, que cN (E) = cN (E). De acordo com esta observa¸ca˜o, a medida exterior m∗N deve coincidir com a medida positiva mN na classe dos conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis L(RN ) e ser´ a portanto σ-aditiva em L(RN ). Por outras palavras, a medida exterior de Lebesgue ´e aditiva na classe L(RN ). Por esta raz˜ ao, e em vez de nos ocuparmos da defini¸c˜ ao da medida interior de Lebesgue, propomo-nos resolver o seguinte problema:(5 ) 2.2.8 (O Problema “F´acil” de Lebesgue). Determinar uma σ-´algebra MN ⊇ E(RN ) onde a medida exterior de Lebesgue seja aditiva. Come¸camos o nosso estudo detalhado do problema “f´acil” de Lebesgue 2.2.8 por uma observa¸c˜ ao muito simples, sugerida pela figura 2.2.1. 5 Recorde ali´ as do exerc´ıcio 2 da sec¸c˜ ao 1.6 que a medida exterior, que ´e σ-subaditiva, ´e tamb´em σ-aditiva em qualquer semi-´ algebra onde seja aditiva. 102 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue E R R∩E R\E Figura 2.2.1: Decomposi¸c˜ao do rectˆ angulo R. Proposi¸ c˜ ao 2.2.9. Se MN ´e solu¸ca ˜o do problema 2.2.8 ent˜ ao, para qualquer E ∈ MN e qualquer rectˆ angulo-N limitado R, temos: cN (R) = m∗N (R ∩ E) + m∗N (R\E). Demonstra¸ca ˜o. Seja MN uma solu¸c˜ao do problema 2.2.8. Temos ent˜ao: (1) R ∩ E, R\E ∈ MN , porque MN ´e uma semi-´ algebra que cont´em o conjunto E e o rectˆ angulo limitado R. (2) m∗N (R) = m∗N (R ∩ E) + m∗N (R\E), porque m∗N ´e aditiva em MN , os conjuntos R ∩ E e R\E s˜ ao disjuntos e R = (R ∩ E) ∪ (R\E). (3) cN (R) = m∗N (R) = m∗N (R ∩ E) + m∗N (R\E), de acordo com 2.2.2. A condi¸c˜ ao referida em 2.2.9 pode ser reformulada de diversas maneiras, e ´e especialmente u ´til reconhecer que o rectˆ angulo R pode ser substitu´ıdo por um qualquer subconjunto arbitr´ ario de RN . Neste caso, esta reformula¸c˜ ao ´e uma consequˆencia directa e quase trivial da defini¸c˜ao da medida exterior de Lebesgue. No entanto, a medida exterior de Lebesgue ´e, como j´a mencion´amos, apenas um exemplo concreto de uma no¸c˜ao mais abstracta de medida exterior e, nesse contexto mais geral, o resultado abaixo sugere ideias muito u ´teis para a defini¸c˜ao e estudo de outras medidas de interesse. Proposi¸ c˜ ao 2.2.10. Se E ⊆ RN as seguintes afirma¸co ˜es s˜ ao equivalentes: a) cN (R) = m∗N (R∩E)+m∗N (R\E), para qualquer rectˆ angulo-N limitado R. b) m∗N (F ) = m∗N (F ∩ E) + m∗N (F \E), para qualquer F ⊆ RN . 103 2.2. A Medida de Lebesgue ´ evidente que b) ⇒ a) e portanto limitamo-nos a provar Demonstra¸ca ˜o. E que a) ⇒ b). Recordamos que m∗N ´e subaditiva, donde m∗N (F ) ≤ m∗N (F ∩ E) + m∗N (F \E). Por esta raz˜ ao, temos a provar apenas a desigualdade m∗N (F ) ≥ m∗N (F ∩ E) + m∗N (F \E). ´ Considerem-se rectˆ angulos limitados Rn tais que F ⊆ ∪∞ n=1 Rn . E claro que F ∩E ⊆ ∞ [ (Rn ∩ E) e F \E ⊆ n=1 ∞ [ (Rn \E). n=1 Como m∗N ´e σ-subaditiva, sabemos que m∗N (F ∩ E) ≤ ∞ X n=1 m∗N (Rn ∩ E) e m∗N (F \E) ≤ ∞ X n=1 m∗N (Rn \E). Adicionando as desigualdades precedentes, obtemos m∗N (F ∩ E) + m∗N (F \E) ≤ ∞ X [m∗N (Rn ∩ E) + m∗N (Rn \E)]. n=1 Por hip´ otese, temos m∗N (Rn ∩ E) + m∗N (Rn \E) = cN (Rn ). Conclu´ımos que m∗N (F ∩ E) + m∗N (F \E) ≤ ∞ X cN (Rn ). n=1 Segue-se da proposi¸c˜ ao 2.2.6 que m∗N (F ∩ E) + m∗N (F \E) ≤ m∗N (F ). As defini¸c˜ oes fundamentais da teoria de Lebesgue s˜ ao as seguintes: Defini¸ c˜ ao 2.2.11 (Conjuntos de Lebesgue, Medida de Lebesgue). Sendo N E⊆R , ´vel (em RN ) se e s´ a) E diz-se Lebesgue-mensura o se(6 ) m∗N (F ) = m∗N (F ∩ E) + m∗N (F \E), para qualquer F ⊆ RN . b) L(RN ) ´e a classe dos conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis em RN . 6 O trabalho original de Lebesgue contemplava conjuntos E ⊆ I, onde I ´e um intervalo limitado. A medida interior de E ´e neste caso c(I) − m∗(I\E), e a igualdade entre medida interior e medida exterior ´e a identidade c(I) = m∗ (E) + m∗ (I\E), que ´e claramente um caso especial da aqui referida. Por outras palavras, a ideia original de Lebesgue estava certamente muito pr´ oxima da que aqui opt´ amos por seguir. 104 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue c) A medida de Lebesgue mN : L(RN ) → [0, ∞] ´e a restri¸c˜ao de m∗N a L(RN ). Exemplos 2.2.12. 1. RN ´e Lebesgue-mensur´ avel: Tomando E = RN na defini¸ca˜o 2.2.11, ´e claro que F ∩ E = F e F \E = ∅, donde m∗N (F ∩ E) + m∗N (F \E) = m∗N (F ) + m∗N (∅) = m∗N (F ). 2. Qualquer conjunto com medida exterior nula ´e Lebesgue-mensur´ avel: Se F ⊆ N ∗ ∗ ∗ R e mN (E) = 0 e ent˜ ao mN (F ∩E) = 0, porque F ∩E ⊆ E e mN ´e mon´ otona. Temos assim que m∗N (F ∩ E) + m∗N (F \E) = m∗N (F \E) ≤ m∗N (F ). Por outro lado, e como m∗N ´e subaditiva, temos m∗N (F ∩ E) + m∗N (F \E) ≥ m∗N (F ). 3. O conjunto Q dos racionais ´e Lebesgue-mensur´ avel: porque tem medida exterior nula, como vimos no exemplo 2.2.3. 4. Qualquer conjunto Jordan-mensur´avel ´e Lebesgue-mensur´ avel: se E ∈ J (RN ) e R ´e um rectˆangulo-N limitado ent˜ ao cN (R) = cN (R ∩ E) + cN (R\E) = m∗N (R ∩ E) + m∗N (R\E). 5. A classe L(RN ) ´e fechada relativamente a complementa¸co˜es: porque a condi¸ca˜o em 2.2.11 a) ´e evidentemente sim´etrica em E e E c . Passamos a mostrar que L(RN ) ´e solu¸c˜ao do problema “f´acil” de Lebesgue, come¸cando por alguns resultados parciais mais f´aceis de estabelecer: Proposi¸ c˜ ao 2.2.13. Sejam A, B ⊆ RN : a) L(RN ) ´e uma a ´lgebra. b) Aditividade: A ∩ B = ∅ e A ∈ L(RN ) =⇒ m∗N (A ∪ B) = m∗N (A) + m∗N (B). c) Em particular, se A1 , · · · , An ∈ L(RN ) s˜ ao disjuntos ent˜ ao n [ k=1 Ak ∈ L(RN ) e m∗N ( n [ k=1 Ak ) = n X m∗N (Ak ). k=1 Demonstra¸ca ˜o. Vimos nos exemplos 2.2.12 que RN ∈ L(RN ) e que L(RN ) ´e fechada relativamente a complementa¸c˜oes. Basta-nos por isso provar que L(RN ) ´e fechada em rela¸c˜ao `a intersec¸c˜ao (ver figura 2.2.2). 105 2.2. A Medida de Lebesgue A B A∩B R ∩ A\B R R\A Figura 2.2.2: R\(A ∩ B) = (R ∩ A\B) ∪ (R\A). a) Usamos 2.2.11 a) de duas formas: (1) E = A e F = R ⇒ m∗N (R) = m∗N (R ∩ A) + m∗N (R\A). (2) E = B e F = R∩A ⇒ m∗N (R∩A) = m∗N (R∩A∩B)+m∗N (R∩A\B). Usamos (2) em (1), para obter: (3) m∗N (R) = m∗N (R ∩ A ∩ B) + m∗N (R ∩ A\B) + m∗N (R\A). Como sugerido na figura 2.2.2, temos R\(A∩B) = (R\A)∪(R∩A\B), e portanto, como a medida exterior ´e subaditiva, (4) m∗N (R\(A ∩ B)) ≤ m∗N (R ∩ A\B) + m∗N (R\A). Segue-se agora de (3) e (4) que m∗N (R) ≥ m∗N (R ∩ A ∩ B) + m∗N (R\(A ∩ B)), e conclu´ımos que A ∩ B ∈ L(RN ). b) Tomamos E = A e F = A ∪ B em 2.2.11 a), e obtemos m∗N (A ∪ B) = m∗N ((A ∪ B) ∩ A) + m∗N ((A ∪ B)\A). ´ claro que (A ∪ B) ∩ A = A e (A ∪ B)\A = B, ou seja, E m∗N (A ∪ B) = m∗N (A) + m∗N (B). c) Segue-se de uma indu¸c˜ ao evidente que se os conjuntos A1 , · · · , An ∈ N L(R ) s˜ ao disjuntos, ent˜ ao n [ k=1 Ak ∈ L(RN ) e m∗N ( n [ k=1 Ak ) = n X k=1 m∗N (Ak ). 106 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue O pr´ oximo teorema mostra que L(RN ) ´e efectivamente uma solu¸c˜ao do problema “f´acil” de Lebesgue, dita a σ-´ algebra de Lebesgue. Teorema 2.2.14. m∗N ´e σ-aditiva em L(RN ) e L(RN ) ´e uma σ-´ algebra. Demonstra¸ca ˜o. Dados conjuntos En ∈ L(RN ), definimos E= ∞ [ En e Fn = n=1 n [ Ek . k=1 Os conjuntos Fn s˜ ao Lebesgue-mensur´ aveis, porque L(RN ) ´e uma ´algebra (2.2.13 c)), e podemos supor que os conjuntos En s˜ ao disjuntos sem perder generalidade (porquˆe?). Para provar que m∗N ´e σ-aditiva em L(RN ), bastanos notar que ∞ X n=1 m∗N (En ) ≥ m∗N (E) ≥ m∗N (Fn ) = n X k=1 m∗N (Ek ) → ∞ X m∗N (En ). n=1 Para verificar que E ∈ L(RN ), seja R um rectˆ angulo limitado. Observamos N primeiro que, como Fn ∈ L(R ) e E ⊇ Fn , temos (i) cN (R) = m∗N (R ∩ Fn ) + m∗N (R\Fn ) ≥ m∗N (R ∩ Fn ) + m∗N (R\E). Como os conjuntos R∩Ek s˜ ao mensur´aveis e disjuntos, usamos a σ-aditividade que acab´ amos de demonstrar para obter (ii) m∗N (R ∩ Fn ) = n X k=1 m∗N (R ∩ Ek ) → ∞ X n=1 m∗N (R ∩ En ) = m∗N (R ∩ E). Conclu´ımos de (i) e (ii) que cN (R) ≥ m∗N (R ∩ E) + m∗N (R\E), o que, como j´a observ´ amos, garante que E ´e Lebesgue-mensur´ avel. Usando o resultado anterior, registamos desde j´a que: Observa¸ co ˜es 2.2.15. 1. A classe L(RN ) cont´em as classes Eσ (RN ) e Jσ (RN ): Qualquer conjunto Jordan-mensur´ avel ´e Lebesgue-mensur´ avel, como vimos no exemplo 2.2.12.4. Como L(RN ) ´e uma σ-´algebra, ´e claro que Eσ (RN ) ⊆ Jσ (RN ) ⊆ L(RN ). 2. Os conjuntos abertos s˜ao Lebesgue-mensur´ aveis, porque s˜ao σ-elementares. Os conjuntos fechados, que s˜ao os respectivos complementares, s˜ao igualmente Lebesgue-mensur´ aveis, porque L(RN ) ´e uma ´algebra. 107 2.2. A Medida de Lebesgue 3. O conjunto do exemplo 1.6.8 ´e Lebesgue-mensur´ avel: O conjunto ´e da forma Uε = ∞ [ ]qn − n=1 ε ε , qn + n [, n 2 2 onde q1 , q2 , · · · , qn , · · · s˜ao os racionais de [0, 1]. Uε ´e Lebesgue-mensur´ avel, porque ´e aberto, mas n˜ ao ´e Jordan-mensur´avel, pelo menos quando ε < 1/2, 4. O conjunto de Volterra Cε (I) ´e Lebesgue-mensur´ avel, porque ´e fechado. Sendo Uε (I) = I\Cε (I), temos m(Uε (I)) = (1−ε)c(I), e como m(I) = m(Cε (I))+ m(Uε (I)) ´e claro que m(Cε (I)) = εc(I). Recorde que Cε (I) 6∈ Jσ (RN ) quando ε > 0. 5. (L(RN ), mN ) ´e uma solu¸ca˜o do problema de Borel. Poder˜ao existir outras solu¸co˜es (MN , κN ) do problema de Borel com κN 6= m∗N , mas teremos sempre κn (E) ≤ m∗N (E) para qualquer E ∈ MN . amos 6. L(RN ) ´e a maior solu¸ca˜o do problema “f´ acil” de Lebesgue, como verific´ na proposi¸ca˜o 2.2.9. O pr´ oximo resultado revela uma rela¸c˜ao essencial entre os conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis e os conjuntos abertos: os conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis s˜ ao os que podem ser aproximados por excesso por conjuntos abertos com erro arbitrariamente pequeno, sendo este erro quantificado pela medida exterior do conjunto diferen¸ca. Teorema 2.2.16. E ∈ L(RN ) se e s´ o se para qualquer ε > 0 existe um conjunto aberto U ⊆ RN tal que E ⊆ U e m∗N (U \E) < ε. Demonstra¸ca ˜o. Consideramos as afirma¸c˜oes (1) ∀ε>0 ∃U ⊆RN tal que U ´e aberto, E ⊆ U e m∗N (U \E) < ε, e (2) E ∈ L(RN ). ∗ • (1) ⇒ (2): Existem neste T∞ caso abertos Un ⊇ E tais que mN (Un \E) < 1/n, e definimos B = n=1 Un . Note-se que (figura 2.2.3) B ∈ L(RN ), B ⊇ E e B\E ⊆ Un \E. Como m∗N (B\E) ≤ m∗N (Un \E) < 1/n → 0, temos m∗N (B\E) = 0, e portanto B\E ∈ L(RN ), donde E = B\(B\E) ∈ L(RN ). ´ conveniente separar o argumento em dois subcasos, • (2) ⇒ (1): E a) mN (E) < +∞: de acordo com 2.2.6, existe para qualquer ε > 0 um aberto U tal que E ⊆ U , e m∗N (E) = mN (E) ≤ cN (U ) = mN (U ) ≤ mN (E) + ε. Temos de 2.2.13 b) que mN (U ) = mN (E)+mN (U \E), e portanto m∗N (U \E) = mN (U \E) = mN (U ) − mN (E) < ε. 108 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue b) mN (E) = +∞: tomamos En = E∩Rn , onde Rn ´e, por exemplo, o rectˆ angulo formado pelos x = (x1 , · · · , xN ) com |xk | ≤ n. Como En ∈ L(RN ) e tem medida finita, temos de a) que existe um ´ claro que aberto Un ⊇ En tal que mN (Un \En ) < ε/2n . E E= ∞ [ n=1 En ⊆ ∞ [ n=1 Un = U , e U \E = ∞ [ (Un \E) ⊆ n=1 ∞ [ (Un \En ). n=1 U ´e aberto, e como a medida exterior ´e σ-subaditiva, temos m∗N (U \E) ∞ X ε mN (Un \En ) < Un \En ) ≤ ≤ mN ( < ε. 2n n=1 n=1 n=1 ∞ X ∞ [ Un E B Um Figura 2.2.3: Os conjuntos E, B, e os abertos Un . O teorema anterior ´e muitas vezes utilizado na forma Corol´ ario 2.2.17. E ∈ L(RN ) se e s´ o se existem conjuntos abertos Un ⊆ N ∗ R tais que E ⊆ Un e mN (Un \E) → 0, donde mN (Un ) → mN (E). Os conjuntos Un podem sempre ser supostos formar uma sucess˜ ao decrescente. Demonstra¸ca ˜o. De acordo com o teorema anterior, E ∈ L(RN ) se e s´ o se existe uma sucess˜ao de abertos Un ⊇ E tais que m∗N (Un \E) → 0. A sucess˜ao pode ser suposta decrescente, porque podemos substituir os conjuntos Un pelos conjuntos Vn = ∩nk=1 Uk . Temos ainda que mN (E) ≤ mN (Un ) = mN (E) + mN (Un \E) =⇒ mN (Un ) → mN (E). 2.2. A Medida de Lebesgue 109 Este corol´ ario permite-nos obter facilmente um resultado de unicidade parcial para as solu¸c˜ oes do Problema de Borel. Corol´ ario 2.2.18. Se (MN , κN ) ´e solu¸ca ˜o do Problema de Borel, ent˜ ao κN (E) = m∗N (E) para qualquer E ∈ MN ∩ L(RN ). Demonstra¸ca ˜o. Qualquer solu¸c˜ ao κN do Problema de Borel coincide com cN nos rectˆ angulos limitados, e portanto, por σ-subaditividade, κN (U ) = cN (U ) para qualquer aberto U ⊆ RN . Como κN ´e mon´ otona, temos ainda, para 7 qualquer E ∈ MN ,( ) κN (E) ≤ inf{mN (U ) : E ⊆ U , U aberto } = m∗N (E) De acordo com 2.2.17, se E ∈ MN ∩ L(RN ) existem conjuntos abertos Un ⊇ E tais que mN (Un \E) → 0, e notamos que κN (E) + κN (Un \E) = κN (Un ) = mN (Un ) = mN (E) + mN (Un \E). Dado que κN (Un \E) ≤ m∗N (Un \E) = mN (Un \E), ´e claro que κN (Un \E) → 0, e conclu´ımos que κN (E) = mN (E). Antes de generalizar a proposi¸c˜ao 1.3.12, sobre produtos cartesianos, e a invariˆ ancia do conte´ udo sob transla¸c˜oes e reflex˜oes, aos conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis, investigamos as correspondentes propriedades da medida exterior de Lebesgue. Proposi¸ c˜ ao 2.2.19. Sejam E ⊆ RN , F ⊆ RM e x ∈ RN . Seja ainda R a reflex˜ ao de E no hiperplano xk = 0. Temos ent˜ ao: a) Invariˆ ancia sob transla¸co ˜es: m∗N (E + x) = m∗N (E). b) Invariˆ ancia sob reflex˜ oes: m∗N (R) = m∗N (E). c) Medida exterior do produto: m∗N +M (E × F ) ≤ m∗N (E) × m∗M (F ).(8 ) Demonstra¸ca ˜o. A verifica¸c˜ ao de a) e de b) ´e um exerc´ıcio muito simples. Por exemplo, ´e muito f´acil mostrar que   cN (U ) : E ⊆ U, U ∈ Eσ (RN ) = cN (V ) : E + x ⊆ V, V ∈ Eσ (RN ) , porque os conjuntos V s˜ ao da forma V = (U + x), e cN (U + x) = cN (U ). Para provar c), sejam Un ⊆ RN e Vn ⊆ RM conjuntos abertos tais que Un ⊇ E, Vn ⊇ F, cN (Un ) → m∗N (E) e cM (Vn ) → m∗M (F ). 7 Existem solu¸c˜ oes do problema de Borel que n˜ ao s˜ ao solu¸c˜ oes do problema “f´ acil” de Lebesgue, i.e., para as quais existem conjuntos E ∈ MN tais que κN (E) < m∗N (E). Veremos adiante que as solu¸c˜ oes do problema “f´ acil” de Lebesgue se dizem as solu¸c˜ oes regulares do problema de Borel. 8 Temos na realidade que m∗N+M (E × F ) = m∗N (E) × m∗M (F ), mas s´ o estabeleceremos esta afirma¸c˜ ao no pr´ oximo Cap´ıtulo. 110 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue ´ claro que E × F ⊆ Un × Vn , e portanto, usando o lema 1.6.20, temos E (i) m∗N +M (E × F ) ≤ cN +M (Un × Vn ) = cN (Un )cM (Vn ) → m∗N (E)m∗M (F ), desde que o produto m∗N (E)m∗M (F ) n˜ ao corresponda a uma indetermina¸c˜ao do tipo (0)(∞). Suponha-se agora que o produto m∗N (E) × m∗M (F ) ´e da forma 0 × ∞, e que m∗N (E) = 0 e m∗M (F ) = ∞ (o argumento para o caso m∗N (E) = ∞ e m∗M (F ) = 0 ´e inteiramente an´ alogo). Definimos os conjuntos auxiliares Fn = {y ∈ F : kyk ≤ n} , donde F = ∞ [ n=1 Fn e E × F = ∞ [ n=1 E × Fn . Os conjuntos Fn tˆem medida exterior finita, porque s˜ ao limitados. Segue-se de (i) que m∗N +M (E × Fn ) = 0 × m∗M (Fn ) = 0 e portanto m∗N +M (E × F ) ≤ ∞ X n=1 m∗N +M (E × Fn ) = 0. Exemplo 2.2.20. Se E ⊂ RN tem medida exterior nula e F ⊆ RM ´e arbitr´ ario, ent˜ ao E × F ´e Lebesgue-mensur´ avel, porque tem medida exterior nula, como acab´ amos de verificar. Podemos agora generalizar a proposi¸c˜ao 1.3.12 aos conjuntos Lebesguemensur´ aveis. Teorema 2.2.21. Sejam A ∈ L(RN ) e B ∈ L(RM ). a) Invariˆ ancia sob translac¸co ˜es: Se x ∈ RN , A + x ∈ L(RN ) e mN (A + x) = mN (A), b) Invariˆ ancia sob reflex˜ oes: Se C ´e a reflex˜ ao de A no hiperplano xk = 0, ent˜ ao C ∈ L(RN ), e mN (A) = mN (C), e c) Fecho em rela¸ca ˜o ao produto: A × B ∈ L(RN +M ) e mN +M (A × B) = mN (A) × mM (B). 2.2. A Medida de Lebesgue 111 Demonstra¸ca ˜o. As afirma¸c˜ oes a) e b) s˜ ao consequˆencias muito simples das correspondentes afirma¸c˜ oes em 2.2.19 e a sua verifica¸c˜ao fica para o exerc´ıcio 12. Passamos a provar apenas a afirma¸c˜ao c). De acordo com 2.2.17, existem conjuntos abertos Un ⊇ A e Vn ⊇ B, tais que mN (Un \A) → 0 e mM (Vn \B) → 0. Notamos que Un × Vn ´e aberto, A × B ⊆ Un × Vn e (Un × Vn )\(A × B) = [Un × (Vn \B)] ∪ [(Un \A) × Vn ]. Se os conjuntos A e B tˆem ambos medida finita, deve ser claro que m∗N +M (Un × (Vn \B)) → 0 e m∗N +M ((Un \A) × Vn ) → 0, e portanto m∗N +M ((Un × Vn )\(A × B)) → 0. Segue-se do corol´ ario 2.2.17 que A × B ´e Lebesgue-mensur´ avel e mN +M (Un × Vn ) → mN +M (A × B). ´ tamb´em claro que mN +M (Un × Vn ) = cN (Un )cM (Vn ) → mN (A)mM (B) e E temos assim que mN +M (A × B) = mN (A)mM (B). Se A ou B tˆem medida infinita, basta-nos considerar os conjuntos An = {x ∈ A : ||x|| < n} e Bn = {x ∈ B : ||x|| < n}, e notar que An ր A, Bn ր B e An × Bn ր A × B. Aplicando o teorema da convergˆencia mon´ otona 2.1.13 e o resultado que demonstr´amos para conjuntos de medida finita, conclu´ımos que A × B ´e mensur´avel e(9 ) mN +M (An × Bn ) = mN (An )mM (Bn ) ր mN (A)mM (B) = mN +M (A × B). Relativamente a produtos de conjuntos, a seguinte proposi¸c˜ao ´e tamb´em ´ ali´ u ´til. E as v´alida para qualquer B ∈ L(RM ) (ver o exerc´ıcio 14), e como j´a diss´emos ´e mesmo v´alida para quaisquer conjuntos, observa¸c˜ao que ser´ a verificada no pr´ oximo Cap´ıtulo. Proposi¸ c˜ ao 2.2.22. Se A ⊆ RN e B ⊆ RM ´e um rectˆ angulo-M ent˜ ao ∗ mN +M (A × B) = m∗N (A)mM (B). 9 Neste caso n˜ ao h´ a qualquer indetermina¸c˜ ao, porque se mN (A)mM (B) = (0)(∞) ent˜ ao mN (An )mM (Bn ) = 0 para qualquer n. 112 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue Demonstra¸ca ˜o. Temos a provar que m∗N +M (A × B) ≥ m∗N (A) × mM (B). Supomos primeiro que B ´e um rectˆ angulo compacto. Dado um aberto U ⊇ A × B, sabemos que U= ∞ [ n=1 Rn × Tn , onde Rn ⊂ RN e Tn ⊂ RM s˜ ao rectˆ angulos abertos. Fixado x ∈ A, notamos que a classe T = {Tn : x ∈ Rn } ´e, por raz˜ oes ´obvias, uma cobertura aberta do compacto B. Existe por isso uma subcobertura finita T ′ = {Tn1 , Tn2 , · · · , Tnk } ⊆ T de B. Observamos que Qx = k \ i=1 O conjunto V = [ x∈A Rni =⇒ Qx × B ⊆ k [ i=1 Rni × Tni ⊆ U. ´ evidente que Qx ´e aberto, e A × B ⊆ V × B ⊆ U. E m∗N (A) ≤ mN (V ) e portanto m∗N (A)mM (B) ≤ mN (V )mM (B) = mN +M (V × B) ≤ mN +M (U ). Por outras palavras, m∗N (A)mM (B) ≤ mN +M (U ) para qualquer aberto U ⊇ A × B, donde m∗N (A)mM (B) ≤ m∗N +M (A × B). Deixamos como exerc´ıcio a generaliza¸c˜ ao deste resultado para qualquer conjunto mensur´avel B. Qx × B A×B B x Qx A Figura 2.2.4: Qx × B ⊆ U . Exerc´ıcios. U 113 2.2. A Medida de Lebesgue 1. Prove que a medida exterior de Lebesgue ´e invariante sob translac¸co˜es, e conclua que a classe dos conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis ´e igualmente invariante sob translac¸co˜es. 2. Prove que qualquer conjunto numer´avel E ⊆ RN verifica m∗N (E) = 0. 3. Determine conjuntos E ⊆ R tais que c(E) < m∗ (E) = c(E) e c(E) < m∗ (E) < c(E). 4. Prove que se m∗N (E) = 0 ent˜ ao qualquer subconjunto de E ´e Lebesguemensur´avel. 5. Prove que se I ⊆ R ´e um intervalo ilimitado ent˜ ao I ∈ L(R) e m(I) = +∞. 6. Prove que R\Q ´e Lebesgue-mensur´ avel, com m(R\Q) = ∞. 7. Prove que se K ´e compacto, ent˜ ao m∗N (K) = cN (K). 8. Mostre que podemos ter mN (E) > 0 e int E = ∅. ˜o: Considere o 9. Determine o cardinal das classes J (RN ) e L(RN ). sugesta conjunto de Cantor. 10. Podemos definir a medida interior de Lebesgue do conjunto E ⊆ RN usando sup{cN (K) : K ∈ Eσ (E)}? 11. Suponha que E ⊆ R ⊂ RN , e R ´e um rectˆangulo limitado. Mostre que E ´e Lebesgue-mensur´ avel se e s´o se m∗N (E) + m∗N (R\E) = cN (R).(10 ) 12. Complete a demonstra¸ca˜o do teorema 2.2.21. 13. Generalize a propriedade de σ-aditividade da medida de Lebesgue da seguinte forma: suponha que os conjuntos En ⊆ RN s˜ao mensur´aveis e disjuntos, e considere quaisquer conjuntos An ⊆ En . Mostre que: m∗ ( ∞ [ n=1 An ) = ∞ X m∗ (An ). n=1 Aproveite para mostrar que se os conjuntos Fn s˜ao mensur´aveis e Fn ր F ent˜ ao ˜o: Considere m∗N (A ∩ Fn ) ր m∗N (A ∩ F ) para qualquer A ⊆ RN . sugesta primeiro o caso de uma uni˜ ao finita. 14. Seja A ⊆ RN e B ∈ L(RM ). Mostre que m∗N +M (A × B) = m∗N (A)mM (B). ˜o: Use a proposi¸ca˜o 2.2.22, e suponha primeiro que B ´e aberto. Pode sugesta ser conveniente usar o exerc´ıcio anterior. 10 Mostramos assim que a defini¸c˜ ao original de Lebesgue, aplic´ avel apenas a conjuntos limitados, ´e nesse caso equivalente ` a defini¸c˜ ao que referimos em 2.2.11. 114 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue P∞ 15. Suponha que n=1 |cn | < ∞, seja D = {xn : n ∈ N} um conjunto infinito numer´ avel em R, e considere a fun¸ca˜o f : R → R nula fora de D, tal que f (xn ) = cn . ˜o: Aplique o lema de Borela) Prove que f ′ (x) = 0 qtp em R. sugesta Cantelli aos conjuntos:   ∞ [ ∞ \ |cn | 1 An,k = x ∈ R : , e Ak = An,k . > |x − xn | k m=1 n=m b) Mostre que a conclus˜ao anterior ´e igualmente v´alida desde que, para qualquer intervalo limitado I, e tomando K = {n ∈ N : xn ∈ I}, se tenha X |cn | < ∞. n∈K 2.3 Os Espa¸ cos de Borel e de Lebesgue Passamos a definir os conjuntos de Borel a que j´a aludimos diversas vezes, e esclarecemos a rela¸c˜ ao entre estes conjuntos e os conjuntos Lebesguemensur´ aveis. N˜ao usamos aqui a defini¸c˜ao original de Borel, que ´e construtiva(11 ), e bastante complexa. Sabemos hoje que os conjuntos de Borel formam a menor σ-´ algebra em RN que cont´em os conjuntos abertos, e este facto permite uma defini¸c˜ao muito mais sucinta. Precisamos apenas de provar um resultado abstracto preliminar: Proposi¸ c˜ ao 2.3.1. Se {Mα : α ∈ J} ´e uma fam´ılia n˜ ao-vazia de σ-´ algebras em X, a classe M = ∩a∈J Mα ´e uma σ-´ algebra em X. Demonstra¸ca ˜o. Sabemos que qualquer σ-´algebra Mα ⊇ {∅, X}, e portanto M ⊇ {∅, X}. Em particular, M = 6 ∅. Para verificar que M ´e fechada em rela¸c˜ ao ` a complementa¸c˜ao, basta-nos notar que, como cada σ-´algebra Mα ´e fechada em rela¸c˜ ao ` a complementa¸c˜ao, A ∈ M ⇔ A ∈ Mα , ∀α∈J ⇒ Ac ∈ Mα , ∀α∈J ⇔ Ac ∈ M. Analogamente, e para demonstrar que M ´e fechado em rela¸c˜ao a uni˜ oes numer´ aveis, observamos que cada σ-´algebra Mα ´e fechada em rela¸c˜ao a uni˜ oes numer´aveis, donde An ∈ M ⇐⇒ An ∈ Mα , ∀α∈J =⇒ 11 ∞ [ n=1 An ∈ Mα , ∀α∈J ⇐⇒ ∞ [ n=1 An ∈ M. A op¸c˜ ao de Borel parece ter sido motivada, pelo menos parcialmente, por raz˜ oes filos´ oficas. Borel revela algum desconforto com no¸c˜ oes demasiado abstractas da ideia de “conjunto”, e prefere referir conjuntos que podem ser definidos usando apenas rectˆ angulos, e opera¸c˜ oes de intersec¸c˜ ao, uni˜ ao e complementa¸c˜ ao sobre fam´ılias numer´ aveis de conjuntos. Naturalmente, este facto n˜ ao o impede de reconhecer que a sua pr´ opria defini¸c˜ ao de conjunto de medida nula n˜ ao se coaduna com estas reservas. 2.3. Os Espa¸cos de Borel e de Lebesgue 115 Se C ´e uma fam´ılia inteiramente arbitr´ aria de subconjuntos de X, ent˜ao a σ-´algebra P(X) que cont´em todos os subconjuntos de X cont´em certamente todos os conjuntos em C. Portanto, existem sempre σ-´algebras de X que cont´em todos os conjuntos em C. A intersec¸c˜ao de todas as σ-´algebras que contˆem C ´e, de acordo com a proposi¸c˜ao anterior, a menor σ-´algebra de X que cont´em C (porquˆe?). Introduzimos por isso: ´ Defini¸ c˜ ao 2.3.2 (σ-Algebra Gerada pela Classe C). Se C ´e uma classe de subconjuntos do conjunto X, a intersec¸c˜ao de todas as σ-´algebras em X que ´lgebra gerada por C. contˆem a classe C diz-se a σ-a Exemplo 2.3.3. Se C = {E}, onde E ⊆ X, a σ-´algebra gerada por C ´e M = {∅, E, E c , X}. Definimos os conjuntos Borel-mensur´aveis usando 2.3.2, com X = RN , e sendo C a classe dos subconjuntos abertos de RN : Defini¸ c˜ ao 2.3.4 (Conjuntos Borel-Mensur´ aveis). A σ-´algebra gerada pelos N ´lgebra de borel, e designa-se subconjuntos abertos de R diz-se a σ-a ´veis, ou por B(RN ). Os conjuntos em B(RN ) dizem-se borel-mensura 12 conjuntos de borel.( ) Exemplos 2.3.5. 1. Qualquer conjunto aberto (ou fechado) ´e Borel-mensur´ avel. Em particular, sendo S ⊆ RN um conjunto qualquer, o seu interior, exterior e fronteira s˜ao sempre Borel-mensur´ aveis. 2. O conjunto de Cantor C(I) e o conjunto de Volterra Cε (I) s˜ao Borel-mensur´aveis, porque s˜ao fechados. e Borel-mensur´ avel, 3. Se os conjuntos Un s˜ao abertos, ent˜ ao G = ∩∞ n=1 Un ´ apesar de G n˜ ao ser necessariamente aberto, ou fechado. Analogamente, se os e Borel-mensur´ avel, apesar de conjuntos Fn s˜ao fechados, ent˜ ao F = ∪∞ n=1 Fn ´ F n˜ ao ser necessariamente fechado, ou aberto. 4. Se B = {x1 , x2 , · · · , xn , · · · } ´e um conjunto numer´avel em RN , tomamos Fn = {xn } (um conjunto fechado, logo Borel-mensur´ avel), e notamos que F ´ e Borel-mensur´ a vel. B = ∪∞ n n=1 Os conjuntos dos tipos mencionados em 2.3.5.3 tˆem nomes especiais: Defini¸ c˜ ao 2.3.6 (Conjuntos Fσ e Gδ ). Se E ⊆ RN , dizemos que a) E ´e um conjunto Fσ , ou de tipo Fσ , se e s´ o se E ´e a uni˜ ao de uma fam´ılia numer´avel de fechados, e 12 Esta defini¸c˜ ao ´e aplic´ avel em qualquer espa¸co topol´ ogico (X, O): sendo O a fam´ılia dos conjuntos abertos em X, B(X) ´e a σ-´ algebra gerada por O. 116 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue b) E ´e um conjunto Gδ , ou de tipo Gδ , se e s´ o se E ´e a intersec¸c˜ao de 13 uma fam´ılia numer´avel de abertos.( ) Exemplos 2.3.7. 1. De acordo com 1.6.18, qualquer conjunto aberto em RN ´e um conjunto Fσ . 2. O conjunto dos racionais ´e um conjunto Fσ , porque ´e numer´avel. 3. O conjunto dos irracionais ´e um conjunto Gδ , porque ´e o complementar dum conjunto Fσ . Sabemos que L(RN ) ´e uma σ-´algebra que cont´em os abertos. Como a σ-´ algebra de Borel ´e a menor σ-´algebra que cont´em os abertos, temos Corol´ ario 2.3.8. B(RN ) ⊆ L(RN ). Note-se em particular que • Se MN ´e solu¸c˜ ao do problema de Borel, temos B(RN ) ⊆ MN , porque MN ´e uma σ-´ algebra que cont´em os abertos. • Se MN ´e solu¸c˜ ao do problema de Lebesgue, temos B(RN ) ⊆ MN ⊆ L(RN ), porque (RN , MN , mN ) ´e uma solu¸c˜ao do problema de Borel, e porque L(RN ) ´e a maior solu¸c˜ao do problema de Lebesgue. • Veremos na pr´ oxima sec¸c˜ao que B(RN ) 6= L(RN ) 6= P(RN ). Vimos no teorema 2.2.16 que os conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis podem ser aproximados por excesso por conjuntos abertos. Obtemos a seguir mais alguns tipos de aproxima¸c˜oes de conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis, mostrando em particular que estes conjuntos: • Podem ser aproximados por defeito por conjuntos fechados, e • Diferem de conjuntos Borel-mensur´ aveis por conjuntos de medida nula. Teorema 2.3.9. As seguintes afirma¸co ˜es s˜ ao equivalentes: a) E ⊆ RN ´e Lebesgue-mensur´ avel. b) Para qualquer ε > 0, existem F (fechado), e U (aberto), tais que F ⊆ E ⊆ U , e mN (U \F ) < ε. c) Existem A, B ∈ B(RN ), onde A ´e um Fσ , e B um Gδ , tais que A ⊆ E ⊆ B e mN (B\A) = 0. 13 As letras “s” (σ) e “d” (δ) s˜ ao as iniciais de “uni˜ ao” e “intersec¸c˜ ao” na l´ıngua alem˜ a. 117 2.3. Os Espa¸cos de Borel e de Lebesgue Demonstra¸ca ˜o. a) ⇒ b) Se E ´e Lebesgue-mensur´ avel ent˜ao E c ´e, igualmente, Lebesgue-mensur´ avel. Dado ε > 0 temos, de acordo com 2.2.16, que • Existe um aberto U tal que E ⊆ U e mN (U \E) < 2ε , e • Existe um aberto V tal que E c ⊆ V e mN (V \E c ) < 2ε . ´ claro que F = V c ´e fechado e F ⊆ E. Basta-nos agora notar que E U \F = (U \E) ∪ (E\F ) = (U \E) ∪ (V \E c ) ⇒ mN (U \F ) < ε ε + = ε. 2 2 b) ⇒ c): Se n ∈ N, existem conjuntos Fn (fechado) e Un (aberto) tais que Fn ⊆ E ⊆ Un e mN (Un \Fn ) < 1 . n ∞ ao, respectivamente, um Fσ e Os conjuntos A = ∪∞ n=1 Fn e B = ∩n=1 Un s˜ um Gδ , temos A ⊆ E ⊆ B e B\A ⊆ Un \Fn , donde mN (B\A) ≤ mN (Un \Fn ) < 1 , para qualquer n ⇒ mN (B\A) = 0. n c) ⇒ a): E = A ∪ D, onde D = E\A ⊆ B\A. A ´e Borel-mensur´avel, logo Lebesgue-mensur´ avel, e D ´e Lebesgue-mensur´ avel, porque m∗N (D) = 0. Segue-se que E ´e Lebesgue-mensur´ avel. Os conjuntos com medida finita podem ainda ser aproximados por conjuntos compactos, e mesmo por conjuntos elementares: Teorema 2.3.10. Se E ⊆ RN e m∗N (E) < +∞, ent˜ ao as seguintes afirma¸co ˜es s˜ ao equivalentes: a) E ´e Lebesgue-mensur´ avel. b) Para qualquer ε > 0, existem K (compacto) e U (aberto) tais que K ⊆ E ⊆ U e mN (U \K) < ε. c) Para qualquer ε > 0, existe um conjunto elementar J tal que (14 ) m∗N (E∆J) < ε. ´ evidente de 2.3.9 que b) ⇒ a), e deixamos para o exerc´ıcio Demonstra¸ca ˜o. E 5 mostrar que a) ⇒ b), ou seja, que o conjunto fechado referido em 2.3.9 pode ser substitu´ıdo por um compacto. 14 Se A e B s˜ ao conjuntos, o conjunto A∆B = (A\B)∪(B\A) ´e a diferenc ¸a sim´ etrica de A e B. 118 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue Para provar que b) ⇒ c), notamos que o aberto U ´e uma uni˜ ao numer´ avel de rectˆ angulos abertos limitados Rn . Os rectˆ angulos Rn formam, por raz˜ oes ´ obvias, uma cobertura aberta do compacto K. Existe por isso uma subcobertura finita de K por rectˆ angulos R1 , · · · , Rm , e o conjunto m J = ∪n=1 Rn ´e elementar. Observamos que (ver figura 2.3.1) K ⊆ E ⊆ U e K ⊆ J ⊆ U =⇒ E∆J ⊆ U \K =⇒ m∗N (E∆J) < ε. J U E K Figura 2.3.1: E∆J ⊆ U \K • m∗N (E\A) ≤ m∗N (E\Jn ) < • m∗N (A\E) = m∗N ( ∞ [ n=1 ε , donde m∗N (E\A) = 0, e 2n (Jn \E)) ≤ ∞ X n=1 m∗N (Jn \E) < ∞ X ε =ε 2n n=1 B = A∪(E\A) ´e Lebesgue-mensur´ avel, cont´em E e m∗N (B\E) < ε. Prov´amos assim que, para qualquer ε > 0, existe um conjunto Lebesgue-mensur´ avel ∗ ´ B ⊇ E tal que mN (B\E) < ε. E f´acil concluir daqui que E ´e igualmente Lebesgue-mensur´ avel (exerc´ıcio 5). As propriedades dos conjuntos Jordan- e Lebesgue-mensur´ aveis relacionadas com produtos cartesianos e com a invariˆ ancia sob translac¸c˜oes e reflex˜oes, que vimos em 1.3.12 e 2.2.21, s˜ ao tamb´em comuns aos conjuntos de Borel. Teorema 2.3.11. Sejam A ∈ B(RN ), B ∈ B(RM ) e x ∈ RN . a) Fecho em rela¸ca ˜o ao produto: A × B ∈ B(RN +M ). b) Invariˆ ancia sob translac¸co ˜es: A + x ∈ B(RN ). c) Invariˆ ancia sob reflex˜ oes: Se C ´e a reflex˜ ao de A no hiperplano xk = N 0, ent˜ ao C ∈ B(R ). 119 2.3. Os Espa¸cos de Borel e de Lebesgue Demonstra¸ca ˜o. Demonstramos aqui a), deixando as observa¸c˜oes em b) e c) para o exerc´ıcio 9. Suponha-se primeiro que U ⊆ RN ´e um conjunto aberto, e considere-se a classe de conjuntos BU , dada por:  BU = V ⊆ RM : U × V ∈ B(RN +M ) . Deve ser claro que neste caso (1) A classe BU cont´em todos os subconjuntos abertos de RM . Temos, por raz˜ oes ´ obvias, que V = ∞ [ m=1 Vm ⇒ U × V = ∞ [ m=1 U × Vm . Se os conjuntos Vm ∈ BU , ent˜ ao os conjuntos U × Vm s˜ ao Borel-mensur´aveis. N +M Como B(R ) ´e uma σ-´ algebra, ´e claro que, neste caso, U ×V ´e igualmente Borel-mensur´ avel. Por outras palavras, (2) A classe BU ´e fechada em rela¸ca ˜o a uni˜ oes numer´ aveis.  Por outro lado, temos que U × V c = (U × V )c ∩ U × RM . Se V ∈ BU , ent˜ao (U × V )c ´e Borel-mensur´ avel, porque ´e o complementar do conjunto Borel-mensur´ avel U × V . Sendo U aberto, deve ser evidente que U × RM ´e aberto, e conclu´ımos que U × V c ´e Borel-mensur´avel. Temos assim, (3) A classe BU ´e fechada em rela¸ca ˜o a complementa¸co ˜es. Podemos concluir de (1), (2) e (3) que: (4) A classe BU ´e uma σ-´ algebra que cont´em os abertos, e portanto cont´em os conjuntos Borel-mensur´ aveis. Dito doutra forma, (5) Se U ∈ RN ´e aberto e B ∈ B(RM ), ent˜ao U × B ∈ B(RN +M ). Para terminar a demonstra¸c˜ ao de a), supomos que B ∈ B(RM ) e considera∗ mos a classe de conjuntos BB dada por:  ∗ BB = U ⊆ RN : U × B ∈ B(RN +M ) . ∗ cont´ Como vimos em (5), a classe BB em os abertos de RN , e ´e simples adaptar os argumentos acima para mostrar que esta classe ´e, tamb´em, uma σ-´algebra: S S∞ ∗ e fechada em • U = ∞ n=1 Un ⇒ U × B = n=1 Un × B e, por isso, BB ´ rela¸c˜ ao a uni˜ oes numer´aveis.  ∗ ´ • U c × B = (U × B)c ∩ RN × B , donde BB e fechada em rela¸c˜ao a complementa¸c˜ oes. 120 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue Podemos concluir, mais uma vez, que ∗ ´ (6) A classe BB e uma σ-´algebra que cont´em os abertos, e portanto cont´em os conjuntos Borel-mensur´aveis. Dito doutra forma, (7) Se A ∈ B(RN ) e B ∈ B(RM ), ent˜ao A × B ∈ B(RN +M ). Vimos em 2.2.6 que a medida exterior de Lebesgue pode ser calculada recorrendo apenas a conjuntos abertos. Como os conjuntos abertos s˜ ao mensur´ aveis, esta observa¸c˜ao pode ser reformulada como se segue: Teorema 2.3.12. Se E ∈ L(RN ), ent˜ ao  mN (E) = inf mN (U ) : E ⊆ U ⊆ RN , U aberto . Esta propriedade da medida de Lebesgue ´e na realidade partilhada por muitas outras medidas definidas em RN , e ´e por isso conveniente introduzir a seguinte: Defini¸ c˜ ao 2.3.13 (Medida Regular). Seja µ uma medida positiva definida na σ-´ algebra M ⊇ B(RN ). Dizemos que µ ´e regular(15 ) em N ⊆ M se e s´ o se  µ(E) = inf µ(U ) : E ⊆ U, U ⊆ RN aberto , para qualquer E ∈ N . Se N ´e uma σ-´ algebra, dizemos tamb´em que o espa¸co (RN , N , µ) ´e regular. Exemplos 2.3.14. 1. A medida de Lebesgue ´e regular em L(RN ). 2. A medida de Dirac ´e regular em P(R). 3. Se a medida µ ´e o cardinal, temos inf {µ(U ) : E ⊆ U, U aberto } = +∞ para qualquer E 6= ∅, porque qualquer aberto n˜ ao-vazio ´e n˜ ao-numer´avel. Como qualquer conjunto finito ´e Borel-mensur´ avel, µ n˜ ao ´e regular em B(RN ). 4. O pente de Dirac dado por µ(E) = #(E ∩ Z) ´e regular. Em contrapartida, o pente dado por λ(E) = #(E ∩ Q) n˜ ao ´e regular. 5. As solu¸co˜es do problema “f´ acil” de Lebesgue s˜ao as solu¸co˜es regulares do problema de Borel. 15 Mais exactamente, esta propriedade diz-se a regularidade exterior da medida µ. Esta no¸c˜ ao ´e efectivamente aplic´ avel em qualquer espa¸co topol´ ogico (X, O), e a qualquer medida µ definida numa σ-´ algebra M ⊇ B(X) ⊇ O, tal como a de regularidade interior, que ´e a afirma¸c˜ ao que µ(E) = sup{µ(K) : K ⊆ E, K compacto }. A distin¸c˜ ao entre regularidade, regularidade interior e regularidade exterior n˜ ao ´e especialmente importante em RN , e em particular deve estabelecer-se no exerc´ıcio 4 a regularidade interior da medida de Lebesgue, mas ´e mais relevante noutros espa¸cos topol´ ogicos. 2.3. Os Espa¸cos de Borel e de Lebesgue 121 Veremos mais adiante que muitas das propriedades da medida de Lebesgue indicadas nesta sec¸c˜ ao, depois de convenientemente reformuladas, s˜ ao comuns a todas as medidas regulares σ-finitas definidas em B(RN ), e em especial s˜ ao comuns a todas as medidas que s˜ ao finitas em conjuntos N 16 compactos de R .( ) Se E ´e um conjunto Lebesgue-mensur´ avel de medida nula e F ⊆ E, sabemos que F ´e igualmente Lebesgue-mensur´ avel, por raz˜ oes muito simples. Esta ´e uma propriedade do espa¸co de Lebesgue que n˜ ao ´e partilhada por todos os espa¸cos de medida, e introduzimos a este respeito a Defini¸ c˜ ao 2.3.15 (Espa¸co Completo). O espa¸co (X, M, µ) ´e completo se e s´ o se todos os subconjuntos de conjuntos de medida nula s˜ ao mensur´aveis, ou seja, se µ(C) = 0 e N ⊆ C ⇒ N ∈ M, donde µ(N ) = 0. Dizemos tamb´em que a medida µ ´e completa. Exemplos 2.3.16. 1. O espa¸co de medida de Lebesgue ´e completo. ˜o ´e completo. 2. Veremos na pr´oxima sec¸ca˜o que o espa¸co de Borel na ´ f´acil mostrar que qualquer espa¸co de medida (X, M, µ) tem uma exE tens˜ ao completa. Come¸camos por definir a classe de conjuntos(17 ) Mµ = {E ⊆ X : Existem A, B ∈ M tais que A ⊆ E ⊆ B e µ(B\A) = 0} . Passamos a verificar que a medida dos conjuntos A e B referidos acima depende apenas do conjunto E ∈ Mµ . Sejam A1 , A2 , B1 , B2 ∈ M tais que Ai ⊆ E ⊆ Bi e µ(Bi \Ai ) = 0 para i = 1 e i = 2. Com A′ = A1 ∪ A2 e B ′ = B1 ∩ B2 , temos por raz˜ oes ´obvias que Ai ⊆ A′ ⊆ E ⊆ B ′ ⊆ Bi donde µ(Ai ) = µ(A′ ) = µ(B ′ ) = µ(Bi ). Definimos µ : Mµ → R+ tomando µ(E) = µ(A), sempre supondo que A ⊆ E ⊆ B, A, B ∈ M e µ(B\A) = 0, e observamos que µ ´e uma evidente extens˜ao de µ. Teorema 2.3.17 (Menor Extens˜ ao Completa). (X, Mµ , µ) ´e a menor extens˜ ao completa de (X, M, µ). Mais especificamente, a) (X, Mµ , µ) ´e uma extens˜ ao completa de (X, M, µ), 16 Estas propriedades s˜ ao tamb´em frequentes em medidas definidas em σ-´ algebras B(X) noutros espa¸cos topol´ ogicos, mas a sua aplicabilidade depende de condi¸c˜ oes adicionais sobre o espa¸co X. 17 Quando M = B(RN ) e µ = mN , ´e claro que Mµ = L(RN ), como vimos em 2.3.9. 122 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue b) Qualquer extens˜ ao completa de (X, M, µ) ´e uma extens˜ ao de (X, Mµ , µ), c) Se (X, N , ρ) ´e uma extens˜ ao de (X, M, µ), ent˜ ao ρ(E) = µ(E), para os conjuntos E ∈ N ∩ Mµ . N Nρ M Mµ ρ ρ µ µ Figura 2.3.2: Extens˜ oes do espa¸co (X, M, µ) Demonstra¸ca ˜o. Come¸camos por mostrar que (X, Mµ , µ) ´e um espa¸co de medida. (1) Mµ ´e fechada em rela¸ca ˜o a uni˜ oes numer´ aveis: Supomos que os conjuntos En ∈ Mµ , ou seja, existem conjuntos An , Bn ∈ M tais que: An ⊆ En ⊆ Bn e µ(Bn \An ) = 0. S S∞ S∞ Sendo E = ∞ e claro que A ⊆ n=1 En , A = n=1 An e B = n=1 Bn , ´ E ⊆ B, A, B ∈ M, e B\A ⊆ ∞ [ n=1 (Bn \An ) , donde 0 ≤ µ(B\A) ≤ ∞ X n=1 µ(Bn \An ) = 0. Conclu´ımos que E ∈ Mµ . (2) µ ´e σ-aditiva em Mµ : Se os conjuntos En s˜ ao disjuntos, ent˜ao os conjuntos An s˜ ao igualmente disjuntos, e temos µ(E) = µ(A) = µ( ∞ [ n=1 An ) = ∞ X n=1 µ(An ) = ∞ X µ(En ). n=1 (3) Mµ ´e fechada em rela¸ca ˜o a uni˜ oes numer´ aveis: Se A ⊆ E ⊆ B e c c c c c µ(B\A) = 0 ent˜ ao B ⊆ E ⊆ A e A \B = B\A. Prov´amos assim que (X, Mµ , µ) ´e um espa¸co de medida e uma extens˜ao de (X, M, µ). Deixamos a conclus˜ao da demonstra¸c˜ao para o exerc´ıcio 6. 2.3. Os Espa¸cos de Borel e de Lebesgue 123 Aproveitamos para sumarizar aqui diversas propriedades interessantes das solu¸c˜ oes dos problemas de Borel e de Lebesgue. Observa¸ co ˜es 2.3.18. Se (MN , κN ) ´e solu¸ca˜o do problema de Borel, ent˜ ao: 1. Unicidade: κN (E) = mN (E), para qualquer E ∈ MN ∩ L(RN ). Em particular, κN (E) = mN (E) quando E ∈ B(RN ). Esta observa¸ca˜o ´e o corol´ ario 2.2.18. 2. Solu¸co˜es regulares: Se κN ´e regular, i.e., se κN ´e solu¸ca˜o do problema “f´ acil” de Lebesgue, ent˜ ao κN ´e uma restri¸ca˜o de mN , tal como definida em L(RN )(18 ). Em particular, (L(RN ), mN ) ´e a maior solu¸ca˜o regular do problema de Borel. Esta observa¸ca˜o ´e, como not´ amos, consequˆencia imediata de 2.2.9 e 2.2.10. 3. Solu¸co˜es completas: Se κN ´e completa, ent˜ ao κN ´e uma extens˜ao de mN , tal como definida em L(RN ). (L(RN ), mN ) ´e portanto a menor solu¸ca˜o completa do problema de Borel. Esta observa¸ca˜o resulta do teorema 2.3.17 e da c) do teorema 2.3.9. 4. (L(RN ), mN ) ´e a u ´ nica solu¸ca˜o completa e regular do problema de Borel, como ´e evidente de 2. e 3. acima. Exemplo 2.3.19. o conjunto de Volterra generalizado - Introduzimos aqui um outro exemplo interessante, que ´e uma uni˜ao numer´avel de conjuntos de Volterra no sentido em que estes conjuntos foram definidos em 1.6.15, e ´e por isso Borelmensur´avel. Come¸camos por observar que o procedimento usado para definir o conjunto de Volterra Cε (I) ´e igualmente aplic´ avel mesmo quando o conjunto inicial I ´e uma uni˜ ao numer´ avel de intervalos disjuntos In , i.e., Se I = ∞ [ n=1 In , tomamos Cε (I) = ∞ [ Cε (In ), e temos ainda m(Cε (I)) = εm(I). n=1 S∞ Sendo Jn = Cε (In ) ⊂ In , ´e claro que I\Cε (I) = n=1 (In \Jn ). Deve notar-se que o conjunto In \Jn ´e uma uni˜ ao numer´avel de intervalos abertos disjuntos, independentemente do tipo de cada um dos intervalos In , e portanto o conjunto I\Cε (I) ´e tamb´em uma uni˜ ao numer´avel de intervalos abertos disjuntos. Esta opera¸ca ˜o pode assim ser aplicada recursivamente, i.e., • Fixamos um “intervalo inicial” U1 = I = [a, b]. • Seleccionamos uma sucess˜ao de reais 0 < εn < 1. • Definimos, para n ∈ N, Fn = Cεn (Un ), e Un+1 = Un \Fn . 18 ˜ o regulares da medida de Lebesgue Registe-se, a este respeito, as extens˜ oes na a σ-´ algebras M ⊃ L(RN ), M 6= L(RN ), descobertas em 1950 (Kakutani,S. e Oxtoby, J., Construction of a non-separable invariant extension of the Lebesgue measure space, e Kodaira, K., Kakutani, S., A non-separable translation invariant extension of the Lebesgue measure space, ambos em Ann. of Math. (2) 52, (1950). 124 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue O exemplo que desejamos introduzir aqui ´e o conjunto F (I) = ∞ [ Fn , e referimos igualmente G(I) = n=1 ∞ \ Un . n=1 O mecanismo de defini¸ca ˜o do conjunto G(I) ´e an´ alogo ao que us´ amos para definir os conjuntos de Cantor e de Volterra. A diferen¸ca est´ a em que, em vez de extrair, em cada passo, uma uni˜ao finita de “intervalos m´edios”, aqui extra´ımos, em cada passo, uma uni˜ao numer´avel de conjuntos de Volterra. Por esta raz˜ ao, para n > 1 os conjuntos Un s˜ao abertos que n˜ ao s˜ao elementares. Segue-se que G(I) ´e de tipo Gδ , F (I) ´e de tipo Fσ , e G(I) e F (I) s˜ao Borelmensur´aveis. Note-se de passagem que os conjuntos ∪N ao compactos. n=1 Fn s˜ F1 = Cε1 (U1 ) F2 = Cε2 (U2 ) F3 = Cε3 (U3 ) F4 = Cε4 (U4 ) U1 U2 U3 U4 Figura 2.3.3: Fn = Cεn (Un ), Un+1 = Un \Fn , F (I) = ∞ [ Cεn (Un ). n=1 A medida dos conjuntos G(I) P∞e F (I) depende da sucess˜ao ε1 , ε2 , · · · , mas em qualquer caso m(F (I)) = n=1 m(Fn ). Fixado 0 < ε < 1, podemos tomar ε1 = 12 ε, e ´e simples definir εn para n > 1 de forma a que(19 ) m(Fn ) = 1 1 εn 1 . m(Fn−1 ) = n εc(I), que resulta de εn+1 = 2 2 2 1 − εn Passamos a escrever Fε (I) e Gε (I), e obtemos: m(Fε (I)) = ∞ X 1 εc(I) = εc(I), e m(Gε (I)) = (1 − ε)c(I). n 2 n=1 O que torna este exemplo not´avel ´e a seguinte propriedade, aparentemente paradoxal: qualquer subintervalo n˜ ao-trivial de I intercepta tanto Fε (I) como Gε (I) em conjuntos de medida positiva. Registamos este facto na: εn Se ε1 = 12 ε < 12 e εn+1 = 12 1−ε ´e f´ acil mostrar que εn ց 0, mas ´e tamb´em simples n calcular explicitamente o valor de εn . 19 2.3. Os Espa¸cos de Borel e de Lebesgue 125 Proposi¸ c˜ ao 2.3.20. Se J ⊆ I, e c(J) > 0, ent˜ ao m(J ∩ Fε (I)) > 0 e m(J ∩ Gε (I)) > 0. Demonstra¸ca ˜o. Apenas esbo¸camos a demonstra¸c˜ao, deixando os detalhes ´ necess´ario verificar cada uma das seguintes afirma¸c˜oes: para o exerc´ıcio 7. E (1) O interior de Gε (I) ´e vazio, e portanto Fε (I) ´e denso em I, porque o comprimento de cada um dos intervalos abertos que constituem Un n˜ ao excede 1/3n . S ′ (2) Sendo Un = ∞ k=1 In,k , e tomando K = In,k , existe ε > 0 tal que Fε (I) ∩ K = Fε′ (K) e Gε (I) ∩ K = Gε′ (K). Temos em particular m(Fε (I) ∩ K) = ε′ c(K) > 0 e m(Gε (I) ∩ K) = (1 − ε′ )c(K) > 0 O c´ alculo de ε′ , que depende de ε e de n, fica como exerc´ıcio. (3) Se ∅ = 6 J ⊂ I ´e aberto ent˜ ao existem naturais n′ , k′ tais que In′ ,k′ ⊂ J. • De acordo com (1), Fε (I) ´e denso em I e portanto se ∅ = 6 J ⊂I ent˜ ao existe x ∈ J ∩ Fε (I). S e claro que existe n tal que x ∈ Fn . • ComoSFε (I) = ∞ n=1 Fn , ´ Fn = ∞ C (I ), e portanto existe k tal que x ∈ Cεn (In,k ). k=1 εn n,k • O conjunto Cεn (In,k ) ´e um conjunto de Volterra “normal”. Restanos mostrar que, como x ∈ J, ent˜ao J cont´em um dos intervalos abertos que constituem o conjunto In,k \Cεn (In,k ) ⊂ Un+1 . Esse intervalo ´e claramente do tipo In+1,k′ . Observamos agora que J ∩Fε (I) ⊇ In+1,k′ ∩Fε (I) e J ∩Gε (I) ⊇ In+1,k′ ∩Gε (I) e aplicamos (2). Conforme referimos no Cap´ıtulo anterior, existem no¸c˜oes sobre a “extens˜ ao” de conjuntos que n˜ ao s˜ ao baseadas na Teoria da Medida, mas usam em lugar dela conceitos de natureza topol´ogica, sobretudo o de densidade, e est˜ ao associadas ` as chamadas categorias de Baire(20 ), que afloramos aqui. Come¸camos por observar que, deste ponto de vista topol´ogico, os conjuntos E ⊆ RN mais “insignificantes” s˜ ao os que satisfazem a condi¸c˜ao ao s˜ ao densos em nenhum conjunto aberto n˜ aoint(E) = ∅, i.e., os que n˜ 21 vazio. Dizemos por isso que estes conjuntos s˜ ao raros( ), e apresentamos a seguir alguns exemplos deste tipo de conjuntos: 20 Ren´e-Louis Baire, 1874-1932, matem´ atico francˆes, foi professor nas universidades de Montpellier e de Dijon. As suas obras mais conhecidas s˜ ao Th´eorie des Nombres Irrationels, des Limites et de la Continuit´e, de 1905, e Le¸cons sur les Th´eories G´en´erales de l’Analyse, de 1907-1908. A defini¸c˜ ao de “categorias de Baire” (2.3.22) ´e naturalmente aplic´ avel em qualquer espa¸co topol´ ogico. 21 O termo “raro” tem sido usado em Portuguˆes, mas afasta-se um pouco da terminologia usada noutras l´ınguas para designar o mesmo tipo de conjuntos: “nowhere dense”, “nulle part dense”, “denso en ninguna parte”, etc. 126 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue Exemplos 2.3.21. 1. Os conjuntos finitos. 2. Os conjuntos de conte´ udo nulo. 3. Qualquer conjunto fechado de interior vazio, em particular os conjuntos de Cantor e de Volterra. As seguintes defini¸co˜es devem-se a Baire. Defini¸ c˜ ao 2.3.22 (Categorias de Baire). E ⊆ RN ´e de primeira categoria se e s´ o se E ´e uma uni˜ ao numer´avel de conjuntos raros. Caso contr´ ario, E ´e de segunda categoria. ´ f´acil apresentar exemplos de conjuntos de primeira categoria: E Exemplos 2.3.23. 1. Qualquer conjunto numer´avel, em particular Q. Note que um conjunto de primeira categoria pode ser denso. 2. O conjunto de pontos de descontinuidade de uma fun¸ca˜o Riemann-integr´avel, porque ´e uma uni˜ ao numer´avel de conjuntos de conte´ udo nulo. Mais geralmente, qualquer conjunto nulo em Jσ (RN ) ´e um conjunto de primeira categoria. 3. O conjunto Fε (I) do exemplo 2.3.19, porque ´e uma uni˜ao numer´avel de conjuntos de Volterra, no sentido do exemplo 1.6.15. O principal resultado sobre categorias de Baire deve-se ao pr´ oprio Baire, e ´e hoje usualmente enunciado em termos abstractos numa das seguintes formas:(22 ) Teorema 2.3.24 (de Baire). Seja X um espa¸co m´etrico completo, ou um espa¸co de Hausdorff(23 ) localmente compacto. Temos ent˜ ao que: a) A intersec¸ca ˜o de qualquer fam´ılia numer´ avel de conjuntos abertos densos em X ´e um conjunto denso em X. b) X ´e de segunda categoria. Note que o teorema ´e v´ alido quando X ´e um qualquer subconjunto fechado de RN , em particular quando X = RN . 23 Felix Hausdorff, 1868-1942, matem´ atico alem˜ ao de origem judaica, criou as bases da Topologia Geral. For¸cado a reformar-se em 1935 pelo regime nazi, suicidou-se com a fam´ılia mais pr´ oxima em 1942, para evitar o transporte para um dos campos de exterm´ınio. 22 127 2.3. Os Espa¸cos de Borel e de Lebesgue Sendo certo que os conjuntos nulos e os conjuntos de primeira categoria s˜ ao, em certo sentido, “pequenos”, deve ser claro que estas no¸c˜oes s˜ ao distintas(24 ). Por exemplo, o conjunto Fε (I) do exemplo 2.3.19 ´e de primeira categoria, mas ´e dif´ıcil sustentar a “pequenez” de Fε (I) do ponto de vista da Teoria da Medida! Existem tamb´em conjuntos de segunda categoria que s˜ ao nulos, como passamos a mostrar. Em particular, existem conjuntos nulos que n˜ ao pertencem a Jσ (RN ), o que certamente n˜ ao ´e um facto ´obvio. Exemplos 2.3.25. 1. Tal como no exemplo 1.6.8, tomamos Uε = ∞ [ ]qn − n=1 ε ε , qn + n [, 2n 2 onde q1 , q2 , · · · , qn , · · · s˜ao agora todos os racionais de R. Tomamos Vk = U1/k e G = ∞ \ k=1 Vk , donde m(Vk ) < 2 e m(G) = 0. k Sendo F = R\G = Gc , ´e claro que F ´e um conjunto de primeira categoria (Vkc ´ f´acil verificar que ´e raro, porque ´e fechado e n˜ ao cont´em qualquer racional). E a uni˜ao (finita ou numer´ avel) de conjuntos de primeira categoria ´e ainda de primeira categoria. Como R ´e de segunda categoria (pelo teorema de Baire), segue-se que G n˜ ao pode ser de primeira categoria. G ´e portanto um conjunto nulo de segunda categoria.(25 ) 2. Continuando o exemplo anterior, observamos que R = F ∪ G, ou seja, R ´e a uni˜ ao de um conjunto nulo com um conjunto de primeira categoria, observa¸ca˜o que mostra mais uma vez como estas no¸co˜es devem ser interpretadas e usadas com precau¸ca˜o. 24 Existe, apesar disso, um resultado fascinante de dualidade entre os conjuntos de primeira categoria e os conjuntos nulos (que requer a hip´ otese do cont´ınuo!), e que se deve a Sierpinski e ao extraordin´ ario matem´ atico h´ ungaro Paul Erd¨ os, 1913-1996. A referˆencia essencial aqui ´e o livro Measure and Category, de 1971, do j´ a mencionado John Oxtoby. Erd¨ os ´e um dos personagens mais interessantes da Matem´ atica do s´eculo XX, em nome de quem se inventou o “n´ umero de Erd¨ os” (o n´ umero de Erd¨ os de um qualquer matem´ atico ´e 1 se esse matem´ atico publicou um artigo com Erd¨ os, e de n + 1 se publicou um artigo com algum matem´ atico com n´ umero de Erd¨ os n). Mais de 1.000 matem´ aticos atingiram o n´ umero de Erd¨ os 1! Entre muitas outras ideias originais e saudavelmente excˆentricas, Erd¨ os ´e recordado pelo seu m´ıtico e divino “Livro”, onde Deus supostamente escreveu as demonstra¸c˜ oes “correctas” para todos os teoremas relevantes da Matem´ atica (Erd¨ os achava mais importante acreditar na existˆencia do Livro do que na existˆencia de Deus!). Recomenda-se vivamente a obra O Homem Que S´ o Gostava de N´ umeros, de Paul Hoffman, j´ a publicada em Portuguˆes. 25 Este facto parece ter sido usado por ilustres matem´ aticos dos finais do s´eculo XIX para atacar as ideias de Borel, precisamente por permitirem considerar como “insignificantes” conjuntos de segunda categoria. Curiosamente, a primeira aplica¸c˜ ao que Borel deu ` a sua defini¸c˜ ao de medida nula, na sua tese de doutoramento, envolveu um conjunto de segunda categoria. 128 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue Exerc´ıcios. 1. Mostre que os conjuntos elementares s˜ao de tipo Gδ . 2. Supondo que f : K → R ´e limitada no rectˆangulo-N compacto K, mostre que o conjunto de pontos de descontinuidade de f ´e um Fσ . 3. Qual ´e a σ-´algebra gerada em RN pelos conjuntos finitos? 4. Prove que se E ∈ L(RN ) ent˜ ao mN (E) = sup{mN (K) : K ⊆ E, K compacto }, o que dizemos ser a regularidade interior da medida de Lebesgue. ˜o: 5. Conclua a demonstra¸ca˜o do teorema 2.3.10. sugesta • Verifique que se F ´e um conjunto fechado com medida finita ent˜ ao existem conjuntos compactos Kn ր tais que Kn ⊆ F e mN (F \Kn ) → 0. Conclua que 2.3.10 a) ⇒ 2.3.10 b). • Para concluir a demonstra¸ca˜o, mostre que se existem conjuntos mensur´ aveis Bn ⊇ E tais que m∗N (Bn \E) → 0 ent˜ ao E ´e Lebesgue-mensur´ avel. 6. Complete a demonstra¸ca˜o do teorema 2.3.17. 7. Este exerc´ıcio diz respeito ao exemplo 2.3.19, e `a proposi¸ca˜o 2.3.20. 1 ε ց 0, quando ε < 1. Calcule o valor 2 2n−1 (1 − ε) + ε de ε′ referido no ponto (2) da demosntra¸ca˜o de 2.3.20. a) Mostre que εn = b) Cada conjunto Un ´e uma uni˜ao numer´avel de intervalos disjuntos In,k . Calcule αn = max{c(In,k ) : k ∈ N} e mostre que αn → 0 quando n → ∞. Conclua que G(I) tem interior vazio. c) Calcule m(Fε (I) ∩ In,k ) > 0 e m(Gε (I) ∩ In,k ) > 0, para quaisquer n, k ∈ N. d) Para provar o ponto (3) da demonstra¸ca˜o de 2.3.20, mostre S∞que se J ´e um intervalo aberto, Cε (I) ∩ J 6= ∅ e I\Cε (I) = Uε (I) = n=1 In , onde os In′ s s˜ao intervalos abertos disjuntos n˜ ao-vazios, ent˜ ao existe um intervalo In ⊂ J. 8. Determine uma fun¸ca˜o f : R → R tal que, se g(x) = f (x) qtp em R, ent˜ ao g ˜o: Suponha primeiro que f ´e descont´ınua em todos os pontos x ∈ R. sugesta ´e a fun¸ca˜o caracter´ıstica de Fε (I). 9. Conclua a demonstra¸ca˜o do teorema 2.3.11. 10. Mostre que o complementar de um conjunto raro ´e denso, mas o complementar de um conjunto denso n˜ ao ´e necessariamente raro. O que pode dizer sobre o complementar de um conjunto de primeira categoria? 129 2.4. Conjuntos N˜ao-Mensur´ aveis 11. Suponha que a) do teorema 2.3.24 ´e v´alido quando X ´e um subconjunto fechado de RN , e mostre que nesse caso qualquer rectˆangulo com medida positiva ´e um conjunto de segunda categoria em RN . 2.4 Conjuntos N˜ ao-Mensur´ aveis ´ f´acil enunciar m´ E ultiplas quest˜ oes sobre os problemas de Borel e de Lebesgue para as quais ainda n˜ ao obtiv´emos qualquer tipo de resposta: • Existem conjuntos que n˜ ao s˜ ao Lebesgue-mensur´ aveis, ou seja, temos N N L(R ) 6= P(R )? • Existem conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis que n˜ ao s˜ ao Borel-mensur´aN N veis, ou seja, temos B(R ) 6= L(R )? • Existem solu¸c˜ oes do problema de Borel definidas na classe P(RN )? Veremos nesta sec¸c˜ ao que as duas primeiras quest˜oes acima tˆem resposta afirmativa, i.e., B(RN ) 6= L(RN ) 6= P(RN ). Relativamente ` au ´ltima quest˜ ao, passamos a estudar um problema an´ alogo, mas refor¸cado com a usual invariˆ ancia sob translac¸c˜oes, enunciado pelo pr´ oprio Lebesgue em 1904, e que aqui chamamos(26 ): 2.4.1 (O Problema “Dif´ıcil” de Lebesgue). Determinar uma fun¸c˜ao m : P(R) → [0, ∞] com as seguintes propriedades: 1. Normaliza¸c˜ ao: Se I ´e um intervalo de extremos a, b, m(I) = b − a. 2. Invariˆ ancia sob translac¸c˜ oes: Se x ´e um real e E ⊆ R, m(E + x) = m(E). 3. σ-aditividade: Se {En } ´e uma sucess˜ao de conjuntos disjuntos em R, m( ∞ [ n=1 En ) = ∞ X m(En ). n=1 Vitali(27 ) rapidamente descobriu que este problema n˜ ao tem solu¸ca ˜o, pelo menos no contexto da Teoria dos Conjuntos tal como ´e normalmente concebida hoje. 26 Em “Le¸cons Sur L’Integration et La Recherche de Fonctions Primitives”, de H. Lebesgue, Paris 1904 e 1928. Lebesgue enunciou a condi¸c˜ ao 1. na forma (equivalente) de “m([0, 1]) 6= 0”. 27 Vitali, G.: Sul problema della misura dei gruppi di punti di una retta. Bologna (1905). De Giuseppe Vitali, 1875-1941, matem´ atico italiano, professor nas Universidades de P´ adua e Bolonha. Tamb´em publicado em “Moderna Teoria Delle Funzioni di Variabile Reale”, de G.Vitali e G.Sansone, 1935, Parte 1, pp. 58-60 da edi¸c˜ ao de 1943. 130 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue Exemplo 2.4.2. o exemplo de Vitali: A rela¸ca˜o ∼ definida em R por x∼y ⇔x−y ∈Q ´e de equivalˆencia. Fixado um real x, a classe de equivalˆencia de x ´e o conjunto [x] = {x + q : q ∈ Q} e, por isso, tem representantes (elementos) em qualquer intervalo aberto n˜ ao-vazio. Em particular, existe um racional q tal que −x < q < −x + 1, i.e., 0 < x + q < 1. Se tomarmos v = x + q, ent˜ ao x ∼ v e v ∈ ]0, 1[. Por outras palavras, 2.4.3. Qualquer classe de equivalˆencia [x] tem pelo menos um representante v no intervalo ]0, 1[. De acordo com o axioma da escolha, (28 ) 2.4.4. Existe um conjunto V que cont´em exactamente um representante de cada classe de equivalˆencia [x], representante esse sempre em ]0, 1[. Sendo r1 , · · · , rn , · · · os racionais de ] − 1, 1[, definimos Vn = V + rn = {v + rn : v ∈ V } , e G = ∞ [ Vn . n=1 Provamos, em seguida, que 2.4.5. Os conjuntos Vn s˜ao disjuntos entre si, i.e., Vn ∩ Vm 6= ∅ ⇒ n = m. Demonstra¸ca ˜o. Se x ∈ Vn ∩ Vm , existe v ∈ V tal que v + rn = x, porque x ∈ Vn , e existe tamb´em v ∗ ∈ V tal que v ∗ + rm = x, porque x ∈ Vm . Mas x = v + rn = v ∗ + rm ⇒ v − v ∗ = rm − rn ∈ Q ⇒ v ∼ v ∗ ⇒ [v] = [v ∗ ]. Como V tem exactamente um representante de cada classe [v], temos v = v ∗ e rn = rm , donde n = m. Suponha-se que o Problema 2.4.1 tem solu¸ca˜o. Como m ´e invariante sob translac¸co˜es (propriedade 2), temos m(Vn ) = m(V ). Como os conjuntos Vn s˜ao disjuntos entre si, temos, por σ-aditividade, (propriedade 3), que: m(G) = ∞ X m(Vn ) = n=1 ∞ X m(V ). n=1 Conclu´ımos que m(G) s´o pode tomar um de dois valores, dependendo do valor de m(V ): (1) m(V ) 6= 0 =⇒ m(G) = +∞, ou (2) m(V ) = 0 =⇒ m(G) = 0. 28 Ver nota complementar sobre o axioma da escolha, no final desta sec¸c˜ ao. 2.4. Conjuntos N˜ao-Mensur´ aveis 131 Demonstramos que o problema “dif´ıcil” de Lebesgue n˜ ao tem solu¸ca˜o, verificando que qualquer uma destas alternativas conduz a contradi¸co˜es. Provamos primeiro que a alternativa (1) ´e imposs´ıvel: 2.4.6. G ⊆] − 1, 2[, donde m(G) ≤ m(] − 1, 2[) = 3 < +∞. Demonstra¸ca ˜o. Basta observar que V ⊆ ]0, 1[ e −1 < rn < +1, donde Vn ⊆ ] − 1, 2[ e G ⊆] − 1, 2[. Como m ´e mon´ otona, temos m(G) ≤ m(] − 1, 2[) e, de acordo com 1. (Normaliza¸ca˜o), m(] − 1, 2[) = 3. Provamos, finalmente, que a alternativa (2) ´e igualmente imposs´ıvel, porque 2.4.7. ]0, 1[⊆ G, donde 1 ≤ m(G) e m(G) 6= 0. Se x ∈ ]0, 1[, existe algum v ∈ V que ´e equivalente a x, porque V cont´em um representante de qualquer classe, incluindo [x]. Naturalmente, x = v + r, onde r ∈ Q. Sabemos tamb´em que v ∈ ]0, 1[. Como tamb´em x ∈ ]0, 1[, ´e claro que r = x − v ∈] − 1, 1[. Por outras palavras, existe um natural n tal que r = rn e x ∈ Vn , donde x ∈ G. Como acab´ amos de ver, o problema 2.4.1 n˜ ao tem solu¸c˜ao, ou seja, n˜ ao ´e poss´ıvel atribuir um comprimento a todos os subconjuntos da recta real de modo a satisfazer as trˆes propriedades que indic´ amos. Como tamb´em vimos, a medida de Lebesgue satisfaz as condi¸c˜oes (1), (2) e (3) do Problema 2.4.1, pelo que podemos concluir, desde j´a, que L(R) 6= P(R). Por outras palavras, Existem subconjuntos de R que n˜ ao s˜ ao Lebesgue-mensur´ aveis. A medida de Lebesgue ´e invariante sob translac¸c˜oes, e sabemos que se V ´e Lebesgue-mensur´ avel ent˜ ao V +x ´e igualmente Lebesgue-mensur´ avel. Seguese imediatamente que o conjunto V do exemplo de Vitali n˜ ao ´e Lebesgue-mensur´ avel. Deixamos como exerc´ıcio verificar que o argumento de Vitali pode ser adaptado para demonstrar o seguinte Teorema 2.4.8. Existem conjuntos n˜ ao-mensur´ aveis VE ⊆ E ⊆ R se e s´ o ∗ se mN (E) > 0. Aproveitamos para uma breve descri¸c˜ao do chamado axioma da escolha da Teoria dos Conjuntos, e para esclarecer um pouco melhor o seu papel na defini¸c˜ ao do exemplo de Vitali. Uma das maneiras de enunciar este axioma ´e a seguinte: 2.4.9 (Axioma da Escolha). Seja F uma fam´ılia de conjuntos n˜ ao-vazios, e T = ∪C∈F C. Ent˜ ao existe uma fun¸c˜ao f : F → T tal que f (C) ∈ C, para qualquer C ∈ F. 132 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue Intuitivamente, a fun¸c˜ao f “escolhe” um elemento de cada conjunto C ´ por isso comum que pertence ` a fam´ılia F, e da´ı o nome do axioma. E ˜ o de escolha”. referirmo-nos a f como uma “func ¸a No caso do exemplo de Vitali, come¸camos por tomar Cx = [x]∩]0, 1[ para qualquer x ∈ R. Temos, ent˜ao, (porquˆe?) Para qualquer x ∈ R, Cx = {y ∈ ]0, 1[: x ∼ y} , Cx 6= ∅, e ainda [ T = Cx =]0, 1[. x∈R Seja agora F = {Cx : x ∈ R}. Pelo axioma da escolha, existe uma fun¸c˜ao f : F →]0, 1[ tal que f (C) ∈ C, para qualquer C ∈ F. O conjunto A usado no exemplo de Vitali ´e, exactamente, A = f (F) = {f (C) : C ∈ F} . Este conjunto verifica as seguintes propriedades: (1) A cont´em um representante de cada classe de equivalˆencia: Se x ∈ R, existe a ∈ A tal que a ∼ x: basta considerar a = f (Cx ). (2) A cont´em apenas um representante de cada classe de equivalˆencia: Se a, a∗ ∈ A, ent˜ ao a = f (C), e a∗ = f (C ∗ ). Se a 6= a∗ ent˜ao C 6= C ∗ . ∗ Como a e a pertencem a classes de equivalˆencia distintas, n˜ ao podem ser equivalentes entre si. A rela¸c˜ ao entre o axioma da escolha e o problema “dif´ıcil” de Lebesgue ´e uma quest˜ ao delicada, e n˜ ao completamente compreendida, envolvendo os fundamentos da Teoria dos Conjuntos. Sabe-se (29 ) que a existˆencia de uma solu¸c˜ ao para o problema “dif´ıcil” de Lebesgue ´e compat´ıvel com a nega¸ca ˜o do axioma da escolha, mas n˜ ao ´e consequˆencia dessa nega¸c˜ao. Existem, mesmo, diferen¸cas subtis em quest˜oes semelhantes em RN , dependendo da dimens˜ao N . Por exemplo, se substituirmos no problema de Lebesgue a σ-aditividade pela aditividade, ent˜ao existem solu¸c˜oes em R e R2 (30 ), mas, sempre como consequˆencia do axioma da escolha, n˜ ao h´ a solu¸c˜ao em R3 . A este respeito, ´e conhecido o: 2.4.10 (Paradoxo de Banach-Tarski). (31 ) Se A ´e uma esfera em R3 de raio R, existem conjuntos Cn , Dn , 1 ≤ n ≤ 6, tais que: 29 Solovay, R.M.: A model of set-theory in which every set of reals is Lebesgue measurable, Ann. of Math. 92 (1970). 30 Banach, S. “Sur le Probl`eme de la Mesure”, Fundamenta Mathematicae, 1923, 4, pp.633. Stefan Banach, 1892-1945, polaco, foi um dos grandes matem´ aticos do s´eculo XX. A sua tese de doutoramento (1920), intitulada “Sobre Opera¸c˜ oes em Conjuntos Abstractos e as suas Aplica¸c˜ oes a Equa¸c˜ oes Integrais” ´e frequentemente tomada como marcando a cria¸c˜ ao da An´ alise Funcional. 31 Alfred Tarski, 1902-1983, tamb´em de origem polaca, foi professor nas Universidades de Vars´ ovia e Harvard, e associou-se ` a Universidade de Berkeley, na Calif´ ornia, desde 1942. O trabalho original de Banach e Tarski ´e “Sur la d´ecomposition des ensembles de points en parties respectivement congruentes”, Fundamenta Mathematicae, 1924, 6, pp.244-277. 133 2.4. Conjuntos N˜ao-Mensur´ aveis a) Os conjuntos Cn s˜ ao disjuntos, e a sua uni˜ ao ´e a esfera A, b) Os conjuntos Dn s˜ ao disjuntos, e a sua uni˜ ao consiste em duas esferas disjuntas B e C, cada uma de raio R. c) Os conjuntos Cn e Dn s˜ ao isom´etricos (i.e., existem fun¸c˜oes bijectivas fn : Cn → Dn tais que kf (x) − f (y)k = kx − yk). L(RN ) B(RN ) Eσ (RN ) Jσ (RN ) Figura 2.4.1: Rela¸c˜ oes entre classes de subconjuntos de RN . ´ muito interessante reconhecer que L(R) 6= P(R) implica B(R) 6= L(R). E Antes de estabelecermos este facto, provamos alguns resultados auxiliares que nos ser˜ ao tamb´em u ´teis mais adiante, quando estudarmos outras medidas na recta real. Lema 2.4.11. Se f : R → R ´e cont´ınua e crescente e M ´e uma σ-´ algebra em R que cont´em os intervalos (e.g., M = B(R) ou M = L(R)), ent˜ ao a classe A = {E ∈ R : f (E) ∈ M} ´e uma σ-´ algebra que cont´em B(R). ´ claro que B(R) ⊆ M, e passamos a mostrar que A ´e uma Demonstra¸ca ˜o. E σ-´algebra que cont´em os intervalos, para concluir que B(R) ⊆ A. Notamos primeiro que: (1) A cont´em todos os intervalos: As fun¸c˜oes cont´ınuas transformam intervalos em intervalos(32 ), e por hip´ otese qualquer intervalo pertence a M. (2) A ´e fechada para uni˜ oes numer´aveis: Para qualquer fun¸c˜ao f , temos f ∞ [ n=1 32 En ! = ∞ [ f (En ) . n=1 Esta afirma¸c˜ ao ´e o cl´ assico Teorema do Valor Interm´edio. 134 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue A fun¸c˜ ao f pode n˜ ao ser injectiva, e designamos por N o conjunto dos y ∈ R para os quais a equa¸c˜ao y = f (x) tem m´ ultiplas solu¸c˜oes x ∈ R (os pontos y ∈ N correspondem a segmentos horizontais no gr´ afico de f ). Temos ent˜ ao: (3) N ´e finito ou infinito numer´avel, donde N ´e Borel-mensur´avel: y ∈ N se e s´ o se existem x1 6= x2 tais que f (x1 ) = f (x2 ) = y. Supomos sem perda de generalidade que x1 < x2 e notamos que, como f ´e crescente, temos f (x) = y para qualquer x ∈ [x1 , x2 ]. Existe por isso um racional ry tal que x1 < ry < x2 , donde f (ry ) = y (figura 2.4.2). A fun¸c˜ ao ψ : N → Q dada por ψ(y) = ry ´e obviamente injectiva, e portanto o cardinal de N n˜ ao excede o cardinal de Q. y ′′ y′ y x1 ry x2 ry′ ry′′ Figura 2.4.2: Os pontos y, y ′ , y ′′ ∈ N , e os pontos ry , ry′ , ry′′ ∈ Q (4) A ´e fechada para complementa¸c˜oes: Dado E ⊆ R, o conjunto K = f (E) ∩ f (E c ) ⊆ N , por raz˜ oes evidentes, e K ´e finito ou infinito numer´avel, de acordo com (3). Segue-se que K ´e Borel-mensur´avel, donde K ∈ M. Como f (E)∪f (E c ) = f (R), temos ent˜ao (figura 2.4.3) f (E c ) = [f (R)\f (E)] ∪ K f (R) ´e um intervalo, porque R o ´e, e f (E) ∈ M quando E ∈ A. Podemos neste caso concluir que f (E c ) ∈ M, ou seja, E c ∈ A. Conclu´ımos de (1), (2) e (4) que A ´e uma σ-´algebra que cont´em os intervalos, e portanto A cont´em os abertos e os conjuntos Borel-mensur´aveis. Tomando M = B(R) conclu´ımos em particular que as fun¸co ˜es cont´ınuas crescentes transformam conjuntos Borel-mensur´ aveis em conjuntos Borelmensur´ aveis, ou seja, 135 2.4. Conjuntos N˜ao-Mensur´ aveis f (E) K = f (E) ∩ f (E c ) f (E c ) Figura 2.4.3: f (E c ) = [f (R)\f (E)] ∪ K, e K ⊆ N ´e numer´avel. Teorema 2.4.12. Se f : R → R ´e uma fun¸ca ˜o cont´ınua crescente e E ∈ B(R) ent˜ ao f (E) ∈ B(R). Exemplo 2.4.13. O resultado anterior permite-nos apresentar um conjunto E nulo, e por isso Lebesgue-mensur´ avel, que n˜ ao ´e Borel-mensur´ avel. Usamos um engenhoso argumento indirecto, que combina diversos exemplos que j´a mencion´amos: a “escada do diabo” F (1.5.9), o conjunto de Cantor C (1.3.9), e o exemplo de Vitali V (2.4.4). Limitamo-nos a observar que: a) Como F (C) = [0, 1] e V ⊂ [0, 1], existe E ⊂ C tal que F (E) = V . b) E ⊂ C ´e um conjunto Jordan-mensur´avel de conte´ udo nulo, e portanto E ´e Lebesgue-mensur´ avel. C ´e evidentemente um conjunto de Borel de medida nula. c) Pelo teorema 2.4.12, se E ∈ B(R) ent˜ ao F (E) ∈ B(R). d) V = F (E) n˜ ao ´e Borel-mensur´ avel, j´a que nem sequer ´e Lebesgue-mensur´ avel. Segue-se de c) que E n˜ ao ´e Borel-mensur´ avel. Mostr´ amos assim que • Existem conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis que n˜ ao s˜ao Borel-mensur´ aveis, • Existem conjuntos Jordan-mensur´aveis que n˜ ao s˜ao Borel-mensur´ aveis, • O espa¸co de Borel n˜ ao ´e completo, e ´ poss´ıvel que uma fun¸ca˜o cont´ınua transforme conjuntos Lebesgue-men• E sur´ aveis em conjuntos n˜ ao-mensur´ aveis. Exemplo 2.4.14. O Exemplo de Sierpinski(33 ): Retomamos a rela¸ca˜o de equivalˆencia referida no exemplo de Vitali, ou seja, se x, y ∈ R, ent˜ ao x ∼ y se e s´o se x − y ∈ Q. Notamos que, se x 6∈ Q, ent˜ ao x 6∼ −x, ou seja, as classes de equivalˆencia 33 Este exemplo ´e uma adapta¸c˜ ao do apresentado em Sierpinski, W. Sur un probl`eme conduisant ` a un ensemble non mesurable. Fund. Math. 10 (1927) 177-179. Waclaw Sierpinski, 1882-1969, professor na Universidade de Vars´ ovia, foi um dos mais produtivos matem´ aticos polacos do s´eculo XX. 136 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue [x] e [−x] s˜ao distintas, porque x − (−x) = 2x ∈ Q ´e equivalente a x ∈ Q. Designamos o conjunto de todas as classes [x] por R/Q (34 ). • Consideramos a fam´ılia W = {{[x], [−x]} : x ∈ R}, e mais uma vez usamos o axioma de escolha para seleccionar em cada conjunto {[x], [−x]} uma das classes de equivalˆencia que o constituem (claro que quando x ∈ Q existe apenas uma classe para seleccionar, que ´e [0]). Mais precisamente, observamos que existe uma fun¸ca˜o “de escolha” f : W → R/Q tal que f (ω) ∈ ω para qualquer ω ∈ W . • O exemplo de Sierpinski ´e o conjunto S = {x ∈ R : [x] ∈ f (W )}, ou seja, ´e formado pelos reais cujas classes de equivalˆencia foram seleccionadas pela fun¸ca˜o de escolha f . Note-se que, se r ∈ Q, (1) S + r = S e S c + r = S c , e (2) Se x 6∈ Q, ent˜ ao r + x ∈ S ⇐⇒ r − x ∈ S c . ´ f´acil obter de (2) que a reflex˜ao do conjunto S em qualquer racional E ´e o conjunto Q ∪ S c , e a reflex˜ao de S c em qualquer racional ´e o conjunto S\Q. Como a medida exterior de Lebesgue ´e invariante sob reflex˜ oes e Q ´e um conjunto nulo, podemos alargar esta observa¸c˜ao para Lema 2.4.15. Se I ´e um intervalo de extremos racionais, ent˜ ao m∗ (S ∩ I) = m∗ (S c ∩ I). Demonstra¸ca ˜o. Seja F = I\Q, q ∈ Q o ponto m´edio do intervalo I, e F − e + F os conjuntos formados pelos pontos de F respectivamente `a esquerda e a direita de q, ou seja, ` F − = {x ∈ F : x < q} e F + = {x ∈ F : x > q}. Sendo ρ : R → R a reflex˜ ao em q, i.e., ρ(q + x) = q − x, notamos que q + x ∈ S ∩ F + ⇐⇒ q − x ∈ S c ∩ F − , ou seja, S c ∩ F − = ρ(S ∩ F + ) q + x ∈ S c ∩ F + ⇐⇒ q − x ∈ S ∩ F − , ou seja, S c ∩ F + = ρ(S ∩ F − ) Como a medida exterior de Lebesgue ´e invariante sob reflex˜oes, temos m∗ (S c ∩ F − ) = m∗ (S ∩ F + ) e m∗ (S c ∩ F + ) = m∗ (S ∩ F − ). Os conjuntos F + e F − s˜ ao mensur´aveis, disjuntos e F = F + ∪F − , e portanto m∗ (S ∩ F ) = m∗ (S ∩ F + ) + m∗ (S ∩ F − ) = = m∗ (S c ∩ F − ) + m∗ (S c ∩ F + ) = m∗ (S c ∩ F ). m∗ (I\F ) = 0, donde m∗ (S ∩I) = m∗ (S ∩F ) = m∗ (S c ∩F ) = m∗ (S c ∩I). 34 R/Q ´e na verdade um grupo quociente do grupo aditivo dos reais, porque Q ´e um subgrupo normal de R, mas n˜ ao usamos esse facto aqui. 137 2.4. Conjuntos N˜ao-Mensur´ aveis A medida exterior de Lebesgue ´e tamb´em invariante sob translac¸c˜oes, o que nos permite obter Lema 2.4.16. Se I ´e um intervalo de extremos racionais ent˜ ao m∗ (S ∩I) = ∗ λ m(I), onde λ = m (S ∩ [0, 1]) ≥ 1/2. Demonstra¸ca ˜o. No que se segue, I e J s˜ ao intervalos de extremos racionais. Come¸camos por mostrar que (i) m(I) = m(J) =⇒ m∗ (S ∩ I) = m∗ (S ∩ J). ´ claro que se m(I) = m(J) ent˜ao J ´e uma translac¸c˜ao de I, e no caso E presente existe r ∈ Q tal que J = I + r. Not´amos em (2) que S e S c s˜ ao invariantes sob translac¸c˜ oes racionais, e conclu´ımos que S ∩ J ´e uma translac¸c˜ ao de S ∩ I, j´a que (S ∩ I) + r = (S + r) ∩ (I + r) = S ∩ J, donde m∗ (S ∩ I) = m∗ (S ∩ J). Mostramos agora que, se n ∈ N, (ii) m(I) = n m(J) =⇒ m∗ (S ∩ I) = n m∗ (S ∩ J). ´ claro que existe uma parti¸c˜ E ao de I em n subintervalos I1 , I2 , · · · , In , cada um de extremos racionais e comprimento m(J), e temos assim que m∗ (S ∩ I) = n X k=1 m∗ (S ∩ Ik ) = n X k=1 m∗ (S ∩ J) = n m∗ (S ∩ J). Para terminar, continuamos a supor que I ´e um intervalo de extremos racionais, e notamos sucessivamente de (i) e (ii) que • Se m(I) = n ent˜ ao m∗ (S ∩ I) = n m∗ (S ∩ [0, 1]) = n λ, • Se m(I) = 1/n ent˜ ao m∗ (S ∩ I) = λ/n, e • Em qualquer caso, m∗ (S ∩ I) = λ m(I). ´ evidente que m∗ (S ∩ [0, 1]) ≤ 1, i.e., λ ≤ 1, mas temos tamb´em E m(I) ≤ m∗ (S ∩ I) + m∗ (S c ∩ I) = 2λ m(I) =⇒ λ ≥ 1/2. Os resultados anteriores podem ser generalizados na seguinte forma: Lema 2.4.17. Se E ∈ L(R) ent˜ ao m∗ (S ∩ E) = m∗ (S c ∩ E) = λ m(E). 138 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue Demonstra¸ca ˜o. Observamos primeiro que se A ⊂ B s˜ ao conjuntos mensur´aveis e T ´e um conjunto arbitr´ario ent˜ao m∗ (T ∩ B) = m∗ (T ∩ A) + m∗ (T ∩ (B\A)) ≤ m∗ (T ∩ A) + m(B\A). Em particular, se m(B\A) < ε ent˜ao (i) m∗ (T ∩ A) ≤ m∗ (T ∩ B) ≤ m∗ (T ∩ A) + ε. Se I ´e um qualquer intervalo limitado ´e evidente que existem intervalos de extremos racionais In ⊇ I tais que m(In \I) → 0. Tomando em (i) A = I e B = In obtemos m∗ (T ∩ In ) → m∗ (T ∩ I). Conclu´ımos dos lemas 2.4.15 e 2.4.16 que (ii) Se I ´e um intervalo limitado ent˜ao m∗ (S ∩ I) = λ m(I) = m∗ (S c ∩ I). ´ imediato generalizar (ii) para intervalos ilimitados. E Qualquer aberto U ⊆ R ´e uma uni˜ ao numer´avel de intervalos disjuntos In . De acordo com o exerc´ıcio 13 da sec¸c˜ao 2.2 e (ii) temos m∗ (S ∩ U ) = ∞ X n=1 m∗ (S ∩ In ) = ∞ X λ m(In ) = λ m(U ). n=1 A mesma observa¸c˜ ao ´e v´alida substituindo S por S c e portanto (iii) Se U ´e um aberto ent˜ao m∗ (S ∩ U ) = λ m(I) = m∗ (S c ∩ U ). A conclus˜ao da demonstra¸c˜ao ´e parte do exerc´ıcio 5. O principal resultado sobre o exemplo de Sierpinski ´e o seguinte: Teorema 2.4.18. Se E ∈ L(R) ent˜ ao m∗ (S ∩ E) = m∗ (S c ∩ E) = m(E). Em particular, S n˜ ao ´e Lebesgue-mensur´ avel. Demonstra¸ca ˜o. Sabemos que 1/2 ≤ λ ≤ 1, e provamos que na realidade λ = 1, argumentando por contradi¸c˜ao. Supomos assim que m∗ (S ∩ [0, 1]) = λ < 1. ´ claro que existe um aberto U ⊇ S ∩ [0, 1] tal que m(U ) < 1, e considE eramos o conjunto K = [0, 1]\U . Notamos que K ´e fechado, m(K) > 0 e K ∩ S = ∅, e conclu´ımos que λ = 1, porque 0 6= λ m(K) = m∗ (S ∩ K) = m∗ (∅) = 0 ´e imposs´ıvel. Para mostrar que S n˜ ao ´e mensur´avel, argumentamos igualmente por contradi¸c˜ ao: Se S ´e mensur´avel e E ´e tamb´em mensur´avel com 0 < m(E) < ∞ ent˜ ao m(E) = m(S ∩ E) + m(S c ∩ E) = 2 m(E), o que ´e imposs´ıvel. 2.5. Medidas Exteriores 139 O conjunto de Sierpinski S permite-nos construir outros exemplos interessantes, alguns dos quais referidos no pr´ oximo teorema, cuja demonstra¸c˜ao deixamos para o exerc´ıcio 5. Teorema 2.4.19. Definimos a classe M e a fun¸ca ˜o µ : M → [0, ∞] por M = {(E ∩ S) ∪ (F ∩ S c ) : E, F ∈ L(R)} e 1 ∗ 1 m (A ∩ S) + m∗ (A ∩ S c ). 2 2 Temos ent˜ ao que (R, M, µ) ´e um espa¸co de medida, uma extens˜ ao n˜ ao trivial do espa¸co de Lebesgue e uma solu¸ca ˜o n˜ ao regular do Problema de Borel. µ(A) = Exerc´ıcios. 1. Mostre que o conjunto A referido na discuss˜ ao do exemplo de Vitali n˜ ao ´e Lebesgue-mensur´ avel. 2. Mostre que o conjunto A indicado na discuss˜ ao do exemplo de Vitali pode ser definido de modo que m∗ (A) < ε, onde ε > 0 ´e arbitr´ario. 3. Adapte a defini¸ca˜o do exemplo de Vitali para obter um subconjunto n˜ aomensur´avel de um qualquer conjunto E ⊆ RN com m∗N (E) > 0. Conclua que E tem subconjuntos n˜ ao-mensur´ aveis se e s´o se m∗N (E) > 0. 4. Suponha que f : R → R ´e uma fun¸ca˜o cont´ınua crescente. Prove que f transforma conjuntos nulos em conjuntos nulos se e s´o se transforma conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis em conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis. 5. Este exerc´ıcio refere-se ao exemplo de Sierpinski S: a) Mostre que m∗ (S ∩ E) = m∗ (S c ∩ E) = λ m(E) para qualquer E ∈ R, ˜o: Recorde que a para concluir a demonstra¸ca˜o do lema 2.4.17. sugesta afirma¸ca˜o est´ a demonstrada quando E ´e um aberto. b) Mostre que os conjuntos T ⊆ S com m∗ (T ) > 0 n˜ ao s˜ao Lebesguemensur´aveis. Observe que se m(E) > 0 ent˜ ao E ∩ S ´e um subconjunto de E que n˜ ao ´e Lebesgue-mensur´ avel, o que ´e outra forma de esclarecer a quest˜ ao do exerc´ıcio 3. c) Qual ´e a σ-´algebra gerada por S e pelos conjuntos elementares? ˜o: Verifique que M ´e uma σd) Demonstre o teorema 2.4.19. sugesta ´algebra e µ ´e uma medida. 2.5 Medidas Exteriores A medida exterior de Lebesgue ´e apenas um exemplo concreto de uma classe de fun¸c˜ oes σ-subaditivas, ditas medidas exteriores, que tˆem um papel auxiliar, mas importante, na Teoria da Medida. S˜ ao definidas como se segue: 140 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue Defini¸ c˜ ao 2.5.1 (Medidas Exteriores). A fun¸c˜ao λ : P(X) → [0, +∞] diz-se uma medida exterior em X se e s´ o se λ ´e σ-subaditiva, e λ(∅) = 0. A principal restri¸c˜ ao na defini¸c˜ao anterior ´e, para al´em da σ-subaditividade, o facto de λ estar definida para todos os subconjuntos de X. A importˆ ancia das medidas exteriores resulta, como veremos nesta sec¸c˜ao, de que qualquer medida exterior λ determina uma σ-´algebra de conjuntos, ditos λ-mensur´ aveis, e a restri¸c˜ao de λ a essa classe ´e sempre uma medida. De forma mais sucinta, Qualquer medida exterior determina um espa¸co de medida. Exemplos 2.5.2. 1. A fun¸ca˜o λ : P(X) → [0, +∞], dada por  0, se E = ∅, e λ(E) = 1, se E 6= ∅, ´e uma medida exterior. A fun¸ca˜o λ n˜ ao ´e aditiva, e n˜ ao ´e uma medida, excepto nos casos triviais em que X ´e vazio, ou tem apenas um elemento. 2. Se R ´e um subconjunto limitado de RN , o conte´ udo exterior de Jordan est´ a definido para qualquer subconjunto E de R, e vimos, nos exerc´ıcios do cap´ıtulo anterior, que ´e uma fun¸ca˜o subaditiva. Deixamos para os exerc´ıcios desta sec¸ca˜o verificar que, no entanto, o conte´ udo exterior de Jordan n˜ ao ´e σ-subaditivo, e, portanto, n˜ ao ´e uma medida exterior em R. O pr´ oximo resultado ´e muito simples de provar. Teorema 2.5.3. Qualquer medida exterior ´e mon´ otona e subaditiva. Utilizaremos com alguma frequˆencia o seguinte procedimento de defini¸c˜ao de medidas exteriores. Teorema 2.5.4. Seja X um conjunto, S uma classe de subconjuntos de X, e λ : S → [0, ∞] uma fun¸ca ˜o. Suponha-se que: a) ∅ ∈ S, e λ(∅) = 0, 35 b) Existem conjuntos Sn ∈ S, tais que X = ∪∞ n=1 Sn ( ), e c) λ∗ : P(X) → [0, ∞] ´e dada por ) (∞ ∞ [ X Sn , Sn ∈ S . λ(Sn ) : E ⊆ λ∗ (E) = inf n=1 35 n=1 Dizemos neste caso que S ´e uma cobertura sequencial de X. 141 2.5. Medidas Exteriores Ent˜ ao λ∗ ´e uma medida exterior em X. Demonstra¸ca ˜o. Como ∅ ∈ S, tomamos Sn = ∅ para qualquer n ∈ N, para concluir que λ∗ (∅) = 0. Para provar que λ∗ ´e σ-subaditivo, consideramos conjuntos E, En ⊆ X, onde E⊆ ∞ [ En . n=1 Dado ε > 0 arbitr´ario, existem conjuntos Smn , com n, m ∈ N, tais que En ⊆ ∞ [ m=1 ∞ X Smn , e λ∗ (En ) ≤ m=1 λ(Smn ) ≤ λ∗ (En ) + ε . 2n A fam´ılia {Smn : n, m ∈ N} ´e uma cobertura numer´avel de E por conjuntos ∞ em S, i.e., E ⊆ ∪∞ n=1 ∪m=1 Smn , e portanto λ∗ (E) ≤ ∞ X ∞ X n=1 m=1 λ(Smn ) ≤ ∞ X ∞ [λ∗ (En ) + n=1 X ε λ∗ (En ). ]≤ε+ n 2 n=1 Fazendo ε → 0, obtemos o resultado pretendido. Exemplos 2.5.5. 1. Designando por R(RN ) a classe dos rectˆangulos-N limitados, ´e claro que R(RN ) ´e uma cobertura sequencial de X = RN . A medida exterior de Lebesgue em RN pode ser obtida fazendo S = R(RN ), e λ = cN . 2. Generalizando o exemplo anterior, qualquer fun¸ca˜o λ : R(RN ) → [0, ∞] que satisfa¸ca λ(∅) = 0 determina uma medida exterior λ∗ em RN , dada por (∞ ) ∞ X [ λ∗ (E) = inf λ(Rn ) : E ⊆ Rn , Rn ∈ R(RN ) . n=1 n=1 3. A classe F (R) formada pelos intervalos da forma ]a, b] ´e uma cobertura sequencial de R. Vimos no exemplo 1.2.5.5 que qualquer fun¸ca˜o F : R → R determina uma fun¸ca˜o λ : F (R) → R, dada por λ(]a, b]) = F (b) − F (a). Supondo que F ´e crescente, a fun¸ca˜o λ∗ : P(R) → [0, ∞], dada por (∞ ) ∞ X [ λ∗ (E) = inf [F (bn ) − F (an )] : E ⊆ ]an , bn ], n=1 n=1 ´e uma medida exterior em R. 4. Dados espa¸cos de medida (X, M, µ) e (Y, N , ν), ´e por vezes conveniente definir uma medida “produto” em X × Y , que aqui designaremos por µ ⊗ ν. Esta medida deve ser tal que(36 ) se A ∈ M e B ∈ N ent˜ ao (µ ⊗ ν)(A × B) = µ(A)ν(B). 36 Note que a condi¸c˜ ao indicada ´e especialmente natural quando os espa¸cos em causa s˜ ao espa¸cos de probabilidade independentes. 142 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue Para definir a medida µ ⊗ ν, consideraremos primeiro a classe S formada pelos conjuntos que s˜ao produtos cartesianos da forma A × B, com A ∈ M e B ∈ N . Esta classe cont´em o conjunto X ×Y , e ´e portanto uma cobertura sequencial de X ×Y . Definimos λ : S → [0, ∞] por λ(A×B) = µ(A)ν(B). A medida exterior λ∗ determinada pela fun¸ca˜o λ nos termos do teorema 2.5.4 ser´a utilizada para definir os conjuntos mensur´aveis em X × Y e a medida µ ⊗ ν. 5. Seja µ uma medida positiva em RN definida numa σ-´algebra M que cont´em os abertos. Se E ⊆ RN , definimos µ∗ (E) = inf{µ(U ) : E ⊆ U, U aberto }. ´ f´ E acil verificar que µ∗ ´e uma medida exterior (exerc´ıcio 5), e notamos da defini¸ca˜o 2.3.13 que µ ´e regular em N ⊆ M se e s´o se µ(E) = µ∗ (E), para qualquer E ∈ N . Os resultados desta sec¸c˜ao s˜ ao como diss´emos aplic´ aveis a qualquer medida exterior, e devem-se sobretudo a Caratheodory(37 ). Dada uma medida exterior µ∗ , propomo-nos aqui: • Definir os conjuntos ditos “µ∗ -mensur´aveis”, • Mostrar que µ∗ ´e aditiva na classe dos conjuntos µ∗ -mensur´aveis, e • Provar que a classe dos conjuntos µ∗ -mensur´aveis ´e uma σ-´algebra. Deve ser claro que neste caso a restri¸c˜ao de µ∗ `a classe dos conjuntos µ∗ mensur´ aveis ´e uma medida, ou seja, a medida exterior µ∗ determina um espa¸co de medida, como referimos no in´ıcio desta sec¸c˜ao. Come¸camos por abstrair do problema “f´acil” de Lebesgue (2.2.8) o que chamamos: 2.5.6 (Problema de Caratheodory). Dada uma medida exterior µ∗ em X, determinar uma σ-´ algebra M onde µ∗ seja aditiva. Resolveremos este problema usando uma ideia directamente sugerida pela defini¸c˜ ao 2.2.11. Defini¸ c˜ ao 2.5.7 (Conjuntos µ∗ -Mensur´ aveis). Dada uma medida exterior ∗ ´vel se e s´ µ em X, o conjunto E ⊆ X diz-se µ∗ -mensura o se µ∗ (F ) = µ∗ (F ∩ E) + µ∗ (F \E), para qualquer conjunto F em X. Designamos a classe dos conjuntos µ∗ -mensur´aveis por Mµ∗ . Exemplos 2.5.8. aveis s˜ao, 1. No caso da medida exterior de Lebesgue, os conjuntos m∗N -mensur´ evidentemente, os conjuntos que s˜ao Lebesgue-mensur´ aveis no sentido de 2.2.11. 37 Constantin Caratheodory (1873-1950), matem´ atico alem˜ ao, professor na Universidade de Munique. 2.5. Medidas Exteriores 143 2. A medida de Dirac δ num qualquer conjunto X est´ a definida em toda a classe ´ portanto, tamb´em uma medida P(X), e ´e σ-subaditiva, porque ´e σ-aditiva. E, exterior. Neste caso, qualquer conjunto E ⊆ X ´e δ-mensur´ avel, porque sendo δ aditiva em P(X), a condi¸ca˜o em 2.5.7 ´e satisfeita por qualquer E ⊆ X. 3. Se X 6= ∅ ´e um conjunto e E ⊆ X, definimos  0, se E = ∅, e µ∗ (E) = 1, se E 6= ∅. ´ simples verificar que µ∗ ´e uma medida exterior no conjunto X (trata-se do E exemplo 2.5.2.1 referido atr´ as). Sendo E ⊆ X µ∗ -mensur´ avel, tomamos F = X em 2.5.7, para concluir que µ∗ (X) = µ∗ (E) + µ∗ (E c ). Como X 6= ∅, sabemos que µ∗ (X) = 1, e a igualdade anterior s´o pode ser v´alida se µ∗ (E) = 0 ou µ∗ (E c ) = 0, ou seja, se E = ∅ ou E c = ∅ ( i.e., se E = X). Por outras palavras, os u ´nicos conjuntos que podem ser µ∗ -mensur´ aveis s˜ao ∅ e X. Como estes conjuntos s˜ao sempre µ∗ -mensur´ aveis (porquˆe?), neste caso os conjuntos µ∗ -mensur´ aveis reduzem-se exactamente a ∅ e X. ´lgebra, utilizando Passamos a demonstrar que Mµ∗ ´e sempre uma a uma adapta¸c˜ ao ´ obvia do argumento que us´ amos na proposi¸c˜ao 2.2.13. Teorema 2.5.9. A classe Mµ∗ ´e uma a ´lgebra em X, i.e., a) X ∈ Mµ∗ , b) Fecho em rela¸ca ˜o a ` complementa¸ca ˜o: A ∈ Mµ∗ =⇒ Ac ∈ Mµ∗ , e c) Fecho em rela¸ca ˜o a ` intersec¸ca ˜o: A, B ∈ Mµ∗ =⇒ A ∩ B ∈ Mµ∗ . Demonstra¸ca ˜o. Deixamos as demonstra¸c˜oes de a) e b) como exerc´ıcio. Para provar c), temos a mostrar que se A, B ∈ Mµ∗ ent˜ao A ∩ B ∈ Mµ∗ , ou seja, µ∗ (F ) = µ∗ (F ∩ (A ∩ B)) + µ∗ (F ∩ (A ∩ B)c ), para qualquer F ⊆ X. Como µ∗ ´e, por hip´ otese, subaditiva, temos apenas que mostrar que µ∗ (F ) ≥ µ∗ (F ∩ (A ∩ B)) + µ∗ (F ∩ (A ∩ B)c ). Para estimar µ∗ (F ∩ (A ∩ B)c ), notamos que F ∩ (A ∩ B)c = (F ∩ Ac ) ∪ (F ∩ A ∩ B c ). (Observe-se a figura 2.2.2). Como µ∗ ´e subaditiva, temos µ∗ (F ∩ Ac ) + µ∗ (F ∩ A ∩ B c ) ≥ µ∗ (F ∩ (A ∩ B)c ). Somando µ∗ (F ∩ A ∩ B) a ambos os membros desta desigualdade, temos (i ) µ∗ (F ∩ Ac ) + µ∗ (F ∩ A ∩ B) + µ∗ (F ∩ A ∩ B c ) ≥ ≥ µ∗ (F ∩ A ∩ B) + µ∗ (F ∩ (A ∩ B)c ). 144 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue Como B ∈ Mµ∗ e F ∩ A ⊆ X, usamos a defini¸c˜ao 2.5.7, com B em vez de E e F ∩ A em vez de F , para concluir que µ∗ (F ∩ A ∩ B) + µ∗ (F ∩ A ∩ B c ) = µ∗ (F ∩ A). A desigualdade (i) pode, portanto, escrever-se na forma (ii) µ∗ (F ∩ Ac ) + µ∗ (F ∩ A) ≥ µ∗ (F ∩ A ∩ B) + µ∗ (F ∩ (A ∩ B)c ). Como A ∈ Mµ∗ e F ⊆ X, temos µ∗ (F ∩Ac ))+µ∗ (F ∩A) = µ∗ (F ), e segue-se finalmente de (ii) que µ∗ (F ) ≥ µ∗ (F ∩ A ∩ B) + µ∗ (F ∩ (A ∩ B)c ). ´ extremamente simples mostrar que a fun¸c˜ao µ∗ ´e aditiva na ´algebra E Mµ∗ , e ´e sobretudo de sublinhar que, para que seja v´alida a identidade µ∗ (A ∪ B) = µ∗ (A) + µ∗ (B), com A e B disjuntos, basta que um dos conjuntos A e B seja µ∗ -mensur´avel. Lema 2.5.10. Se A e B s˜ ao disjuntos e A ∈ Mµ∗ , ent˜ ao µ∗ (A ∪ B) = µ∗ (A) + µ∗ (B). Demonstra¸ca ˜o. Utilizamos a defini¸c˜ao 2.5.7, com A no lugar de E e A ∪ B no lugar de F . Sendo A e B disjuntos, temos (A ∪ B) ∩ A = A e (A ∪ B)\A = B, donde, como A ´e mensur´avel, se segue que µ∗ (A ∪ B) = µ∗ ((A ∪ B) ∩ A) + µ∗ ((A ∪ B)\A) = µ∗ (A) + µ∗ (B). Este resultado pode ser generalizado, fazendo intervir um segundo conjunto arbitr´ario C, que tamb´em n˜ ao necessita ser µ∗ -mensur´avel. A B C Figura 2.5.1: B e C s˜ ao arbitr´arios, A ∈ Mµ∗ . Proposi¸ c˜ ao 2.5.11. Se A e B s˜ ao disjuntos, C ⊆ X e A ∈ Mµ∗ , ent˜ ao µ∗ (C ∩ (A ∪ B)) = µ∗ (C ∩ A) + µ∗ (C ∩ B). 145 2.5. Medidas Exteriores Demonstra¸ca ˜o. Consideramos o conjunto D dado por: D = C ∩ (A ∪ B) = (C ∩ A) ∪ (C ∩ B). Por hip´ otese, A ∈ Mµ∗ , donde temos, mais uma vez, que µ∗ (D) = µ∗ (D ∩ A) + µ∗ (D\A). Como, obviamente, D ∩ A = C ∩ A, e D\A = C ∩ B, conclu´ımos que µ∗ (D) = µ∗ (D ∩ A) + µ∗ (D ∩ B). Este u ´ltimo resultado generaliza-se, por um simples argumento de indu¸c˜ao finita, ao seguinte: Corol´ ario 2.5.12. Se os conjuntos En ∈ Mµ∗ s˜ ao disjuntos e F ⊆ X,ent˜ ao µ∗ ( m [ (F ∩En )) = n=1 m X n=1 µ∗ (F ∩En ) e em particular µ∗ ( m [ En ) = n=1 m X µ∗ (En ). n=1 ´ claro do lema 2.5.10 que a fun¸c˜ao µ∗ ´e aditiva na ´algebra Mµ∗ . ProvaE mos a seguir uma forma generalizada da propriedade de σ-aditividade(38 ), com a particularidade muito interessante de n˜ ao necessitarmos supor, no seu ∗ ∞ enunciado, que o conjunto E = ∪n=1 En ´e µ -mensur´avel. Teorema 2.5.13. Se os conjuntos En ∈ Mµ∗ s˜ ao disjuntos e F ⊆ X, ent˜ ao ∞ ∞ ∞ ∞ [ X [ X µ∗ ( (F ∩En )) = µ∗ (F ∩En ) e em particular µ∗ ( En ) = µ∗ (En ). n=1 n=1 n=1 n=1 Demonstra¸ca ˜o. Mais uma vez, temos a provar apenas que µ∗ (F ∩ E) ≥ ∞ X n=1 µ∗ (F ∩ En ). ˜m no lugar de ˜m = ∪m En . Usamos o corol´ 2.5.12, com E Tomamos E n=1 Pm ario ∗ ∗ ˜ E, para concluir que µ (F ∩ Em ) = n=1 µ (F ∩ En ). Notamos que ˜m ⊆ E ⇒ F ∩ E ˜m ⊆ F ∩ E ⇒ E m X n=1 ˜m ) ≤ µ∗ (F ∩ E). µ∗ (F ∩ En ) = µ∗ (F ∩ E Obtemos, finalmente, que lim m→+∞ 38 m X n=1 ∗ ∗ µ (F ∩ En ) ≤ µ (F ∩ E), i.e., Recorde o exerc´ıcio 13 da sec¸c˜ ao 2.2. ∞ X n=1 µ∗ (F ∩ En ) ≤ µ∗ (F ∩ E). 146 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue J´ a demonstr´ amos para qualquer medida exterior µ∗ que: • Mµ∗ ´e uma ´ algebra, • µ∗ ´e aditiva, e portanto σ-aditiva, em Mµ∗ . Para mostrar que Mµ∗ ´e solu¸c˜ao do Problema 2.5.6, resta-nos provar que • Mµ∗ ´e uma σ-´ algebra, i.e., ´e fechada em rela¸c˜ao a uni˜ oes numer´aveis. ´ precisamente o facto de termos demonstrado o teorema anterior sem E supor que ∪∞ n=1 En ∈ Mµ∗ que agora nos permite provar que, na realidade, camos por verificar esta afirma¸c˜ao, no temos sempre ∪∞ n=1 En ∈ Mµ∗ . Come¸ caso especial de uma fam´ılia de conjuntos disjuntos. Lema 2.5.14. Se os conjuntos En ∈ Mµ∗ s˜ ao disjuntos, ent˜ ao E= ∞ [ n=1 En ∈ Mµ∗ . Demonstra¸ca ˜o. Sendo F ⊆ X arbitr´ario, temos a provar que µ∗ (F ) ≥ µ∗ (F ∩ E) + µ∗ (F ∩ E c ). ˜m ∈ Mµ∗ , porque ˜m = ∪m En , e notamos que E Definimos, novamente, E n=1 ∗ ∗ c ). ˜m ) + µ∗ (F ∩ E ˜m Mµ∗ ´e uma ´ algebra. Temos portanto µ (F ) = µ (F ∩ E ´ evidente da monotonia de µ∗ que E c ˜m ) + µ∗ (F ∩ E ˜m ˜m ) + µ∗ (F ∩ E c ). µ∗ (F ) = µ∗ (F ∩ E ) ≥ µ∗ (F ∩ E ˜m ) = Pm µ∗ (F ∩ En ) e, por isso, De acordo com 2.5.12, temos µ∗ (F ∩ E n=1 ∗ µ (F ) ≥ m X n=1 µ∗ (F ∩ En ) + µ∗ (F ∩ E c ). ∞ X µ∗ (F ∩ En ) + µ∗ (F ∩ E c ). n=1 P∞ ∗ Observamos finalmente de 2.5.13 que µ∗ (F ∩ E) = n=1 µ (F ∩ En ), e conclu´ımos assim que µ∗ (F ) ≥ µ∗ (F ∩ E) + µ∗ (F ∩ E c ). Fazendo m → +∞, obtemos µ∗ (F ) ≥ O principal resultado desta sec¸c˜ao ´e agora quase evidente. Teorema 2.5.15. Mµ∗ ´e uma σ-´ algebra e a restri¸ca ˜o de µ∗ a Mµ∗ ´e uma medida positiva. 147 2.5. Medidas Exteriores Demonstra¸ca ˜o. Para verificar que Mµ∗ ´e fechada em rela¸c˜ao a uni˜ oes nu∗ mer´ aveis, supomos que os conjuntos En ∈ Mµ , e definimos ˜1 = E1 e, para m > 1, E˜m = Em \ E m−1 [ En . n=1 ˜m pertencem a Mµ∗ , porque Mµ∗ ´e uma ´algebra. Estes Os conjuntos E S S∞ ˜ conjuntos s˜ ao, evidentemente, disjuntos. Como E = ∞ n=1 En = n=1 En , ∗ ∗ conclu´ımos de 2.5.14 que E ∈ Mµ , i.e., Mµ ´e uma σ-´algebra. Exerc´ıcios. 1. Mostre que, se µ∗ ´e uma medida exterior e µ∗ (E) = 0, ent˜ ao F ⊆ E ⇒ F ´e µ∗ -mensur´ avel e µ(F ) = 0. 2. Complete a demonstra¸ca˜o do teorema 2.5.9. 3. Se R ´e um subconjunto limitado de RN , o conte´ udo exterior de Jordan est´ a definido para qualquer subconjunto E de R. Verifique que o conte´ udo exterior de Jordan, apesar de subaditivo, n˜ ao ´e σ-subaditivo e portanto n˜ ao ´e uma medida exterior em R.(Exemplo 2.5.2.2) 4. Em cada um dos casos seguintes, prove que a fun¸ca˜o µ∗ : P(X) → [0, +∞] dada ´e uma medida exterior e descreva os conjuntos µ∗ -mensur´ aveis. a) µ∗ (E) = #(E).  0, se E ´e finito ou numer´avel, ∗ b) µ (E) = 1, se E ´e n˜ ao-numer´avel. (Suponha, aqui, X infinito n˜ ao-numer´avel.) 5. Seja µ uma medida positiva em RN definida numa σ-´algebra M que cont´em os abertos. Sendo µ∗ (E) = inf{µ(U ) : E ⊆ U, U aberto }, mostre que µ∗ ´e uma medida exterior. 6. Suponha que µ∗ ´e uma medida exterior em X, F ⊆ X, e λ∗ : P(X) → [0, +∞] ´e dada por λ∗ (E) = µ∗ (E ∩ F ). Mostre que λ∗ ´e uma medida exterior. Qual ´e a rela¸ca˜o entre os conjuntos µ∗ -mensur´ aveis e os conjuntos λ∗ -mensur´ aveis? 7. Suponha que µ∗n : P(X) → [0, +∞] ´e umaPmedida exterior para qualquer ∞ ∗ n ∈ N e prove que µ∗ , dada por µ∗ (E) = e igualmente uma n=1 µn (E), ´ medida exterior em X. 8. Dado o espa¸co de medida (X, M, µ), definimos a fun¸ca˜o λ∗ : P(X) → [0, +∞] por λ∗ (E) = inf {µ(S) : E ⊆ S, S ∈ M}. Prove as seguintes afirma¸co˜es: a) λ∗ ´e uma medida exterior e, sendo Mλ∗ a classe dos conjuntos λ∗ mensur´aveis, M ⊆ Mλ∗ , 148 Cap´ıtulo 2. A Medida de Lebesgue b) λ∗ (F ) = 0 se e s´o se existe E ∈ M tal que F ⊆ E e µ(E) = 0. Em particular, (X, M, µ) ´e completo se e s´o se λ∗ (E) = 0 ⇒ E ∈ M. c) Se o espa¸co (X, M, µ) ´e finito e λ ´e a restri¸ca˜o de λ∗ a Mλ∗ , prove que (X, Mλ∗ , λ) = (X, Mµ , µ), tal como este espa¸co foi definido em 2.3.17. d) Mostre que a conclus˜ao da al´ınea anterior ´e ainda v´alida, supondo apenas que o espa¸co (X, M, µ) ´e σ-finito. e) Verifique que, quando (X, M, µ) n˜ ao ´e σ-finito, podemos ter (X, Mλ∗ , λ) 6= (X, Mµ , µ). Cap´ıtulo 3 Integrais de Lebesgue A exposi¸c˜ ao que se segue ´e, em certo sentido, uma adapta¸c˜ao directa das ideias de Jordan e Peano apresentadas no Cap´ıtulo 1: resulta destas pela simples substitui¸c˜ ao do conte´ udo de Jordan pela medida de Lebesgue. A correspondente defini¸c˜ ao do integral ´e a que Lebesgue chamava de “geom´etrica”, e tem como principal vantagem a de tornar evidente a rela¸c˜ao entre alguns dos principais resultados da Teoria da Medida e da Teoria da Integra¸c˜ao. Neste contexto, as fun¸co ˜es Lebesgue-mensur´ aveis s˜ ao as fun¸c˜oes cujas regi˜ oes de ordenadas s˜ ao conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis. Analogamente, as fun¸c˜oes Borel-mensur´ aveis s˜ ao aquelas cujas regi˜ oes de ordenadas s˜ ao conjuntos Borel-mensur´ aveis. Os respectivos integrais de Lebesgue s˜ ao definidos usando a medida de Lebesgue das suas regi˜ oes de ordenadas, e dizem-se, por isso, “em ordem a ` medida de Lebesgue”. Estabelecemos muito rapidamente algumas das propriedades mais relevantes do integral de Lebesgue, usando frequentemente argumentos conhecidos do Cap´ıtulo 1. As vantagens t´ecnicas do integral de Lebesgue come¸car˜ ao a tornar-se aparentes quando estudarmos os resultados cl´assicos sobre limites e integrais, hoje conhecidos como o teorema da convergˆencia mon´ otona, ou de Beppo Levi, e o teorema da convergˆencia dominada, ou de Lebesgue. Estes resultados s˜ ao centrais na moderna teoria da integra¸c˜ao, e s˜ ao reflexos directos das “propriedades essenciais” identificadas no enunciado do Problema de Borel. Estudamos, em seguida, o teorema de Fubini-Lebesgue. Este teorema estabelece a mensurabilidade das sec¸co ˜es de qualquer conjunto mensur´avel, e exprime a medida desse conjunto como o integral da medida das suas sec¸c˜oes, convenientemente escolhidas. Um corol´ ario directo, mas fundamental, do teorema de Fubini-Lebesgue permite-nos caracterizar as fun¸c˜oes mensur´aveis de uma forma mais conveniente para o desenvolvimento da teoria: as fun¸c˜oes mensur´ aveis s˜ ao limites de sucess˜oes de fun¸c˜oes simples mensur´aveis. Os integrais destas fun¸c˜ oes simples desempenham, na teoria de Lebesgue, o papel das somas de Darboux na teoria de Riemann. 149 150 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue A aproxima¸ca ˜o de fun¸c˜oes mensur´aveis por fun¸c˜oes simples, combinada com a relativa facilidade de estudo das pr´ oprias fun¸c˜oes simples, vai-nos ainda permitir provar neste Cap´ıtulo mais algumas propriedades importantes das fun¸c˜ oes mensur´aveis e dos respectivos integrais. Repetimos aqui argumentos conhecidos do Cap´ıtulo 1 mas, neste caso, os teoremas sobre integra¸c˜ ao e passagem ao limite conduzem-nos a resultados muito elegantes e f´aceis de aplicar, em particular sobre a integra¸c˜ao de s´eries. Como corol´ ario destes, obtemos uma vers˜ ao preliminar do cl´assico Teorema de Riesz-Fischer. Terminamos o Cap´ıtulo estudando a aproxima¸c˜ao de fun¸co˜es mensur´aveis por fun¸c˜ oes cont´ınuas. Como veremos, os resultados associados a esta quest˜ ao reflectem, essencialmente, os que j´a estud´amos sobre a aproxima¸c˜ao de conjuntos mensur´ aveis por conjuntos fechados e por conjuntos abertos, ou seja, reflectem a regularidade da medida de Lebesgue. 3.1 O Integral de Lebesgue A figura 3.1.1 ´e o ponto de partida da teoria de Lebesgue, como o foi para ´ de notar que, em resultado directo de substituir os a teoria de Riemann. E R RN +1 f Ω+ E Figura 3.1.1: Ω− Z E RN f dmN = mN +1 (Ω+ ) − mN +1 (Ω− ) conjuntos Jordan-mensur´aveis, e o conte´ udo de Jordan, pelos conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis, e pela medida de Lebesgue, as nossas defini¸c˜oes b´ asicas passam a ser aplic´ aveis a fun¸c˜oes ilimitadas, ou mesmo com valores infinitos, e podendo ser, al´em disso, diferentes de zero em conjuntos igualmente ilimitados. Em particular, e como veremos, muitos dos integrais que se dizem impr´ oprios na teoria de Riemann s˜ ao integrais de Lebesgue, no sentido aqui definido. 151 3.1. O Integral de Lebesgue Defini¸ c˜ ao 3.1.1 (Fun¸c˜ oes mensur´aveis, Integrais de Lebesgue). Se E ⊆ N S ⊆ R , e f : S → R, ent˜ ao ´vel em E se e s´ a) f ´e lebesgue-mensura o se o conjunto ΩE (f ) ´e Lebes´vel gue-mensur´ avel em RN +1 . Analogamente, f ´e borel-mensura N +1 em E se e s´ o se o conjunto ΩE (f ) ´e Borel-mensur´avel em R . b) Se f ´e Lebesgue-mensur´ avel em E, e pelo menos um dos conjuntos + (f ) tem medida finita, o integral de lebesgue de f (f ) e Ω Ω+ E E (em ordem a mN ) em E ´e dado por Z Z − f (x)dx = mN +1 (Ω+ f dmN = E (f )) − mN +1 (ΩE (f )). E E ´vel em E se e s´ c) f ´e lebesgue-soma o f ´e Lebesgue-mensur´ avel em E, e mN +1 (ΩE (f )) < ∞. ´ evidente que as fun¸c˜ E oes Borel-mensur´aveis s˜ ao Lebesgue-mensur´ aveis, e ´e simples exibir fun¸c˜ oes Lebesgue-mensur´ aveis, e mesmo Riemann˜o s˜ integr´ aveis, que na ao Borel-mensur´aveis (exerc´ıcio 4). Exemplificamos abaixo o c´ alculo de alguns integrais de Lebesgue: Exemplos 3.1.2. ˜ es Riemann-integra ´veis: A fun¸ca˜o f : E → R ´e Riemann-integr´avel 1. Func ¸o em E se e s´o se ΩE (f ) ´e Jordan-mensur´avel. Neste caso, ΩE (f ) ´e, evidentemente, Lebesgue-mensur´ avel, e portanto f ´e Lebesgue-mensur´ avel em E. O integral de Riemann de f sobre E ´e dado por Z − + − f = cN +1 (Ω+ E (f )) − cN +1 (ΩE (f )) = mN +1 (ΩE (f )) − mN +1 (ΩE (f )). E Por outras palavras, qualquer integral de Riemann ´e um integral de Lebesgue, e o integral de Lebesgue ´e uma extens˜ao do integral de Riemann, tal como a medida de Lebesgue ´e uma extens˜ao do conte´ udo de Jordan. 2. Se os conjuntos An ր B ⊆ RN e a fun¸ca˜o f est´ a definida pelo menos em B, ´e evidente que ΩAn (f ) ր ΩB (f ). Em particular, se f ´e mensur´avel e n˜ ao-negativa em cada conjunto An ent˜ ao segue-se do teorema da convergˆencia mon´ otona de Lebesgue que f ´e mensur´avel em B e Z Z f dmN . f = mN (ΩAn (f )) = mN (ΩAn (f )) ր mN (ΩB (f )) = An B Esta observa¸ca˜o permite-nos calcular m´ ultiplos exemplos de integrais de Lebesgue que n˜ ao s˜ao integrais de Riemann: a) f (x) = √1x ≥ 0 ´e Riemann-integr´avel em An =] n1 , 1], e B = ∪∞ n=1 An = ]0, 1]. Conclu´ımos que f ´e Lebesgue-mensur´ avel em ]0, 1], e que   Z 1 Z 1 √ x=1 1 1 1 √ dm = lim √ dx = lim 2 x x= 1 = lim 2 1 − √ = 2. n→∞ 1 n→∞ n→∞ n x x n 0 n 152 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue b) A fun¸ca˜o f (x) = e−x ´e Riemann-integr´avel em An = [0, n] ր [0, +∞[, e Z n Z ∞ Z e−x dx = e−x dx = 1 − e−n → 1 = e−x dx. An 0 0 O integral ` a direita ´e um integral de Lebesgue, e f ´e Lebesgue-som´ avel em [0, ∞[. 3. A fun¸ca˜o de Dirichlet dir em R n˜ ao ´e Riemann-integr´avel em nenhum intervalo n˜ ao-trivial. No entanto, dir ´e a fun¸ca˜o caracter´ıstica dos racionais Q, e, portanto, a sua regi˜ ao de ordenadas ´e ΩR (dir) = Q×]0, 1[. O conjunto ΩR (dir) ´e Borel-mensur´ avel, porque ´e um produto cartesiano de conjuntos Borel-mensur´ aveis. Temos, ainda, m2 (ΩR (dir)) = 0 × 1 = 0. Conclu´ımos que a fun¸ca˜o de Dirichlet ´e Borel-mensur´ avel, e Z dir dm = 0. R 4. Mais geralmente, se f ´e a fun¸ca˜o caracter´ıstica de um conjunto E ⊆ RN Borel-mensur´ avel (respectivamente, Lebesgue-mensur´ avel), ent˜ ao f ´e uma fun¸ca˜o Borel-mensur´ avel (respectivamente, Lebesgue-mensur´ avel), e o seu integral ´e a medida do conjunto E: Z f dmN = mN (E). RN ´ prios de Riemann: As defini¸co˜es de integral que referimos 5. integrais impro no Cap´ıtulo 1 n˜ ao contemplam a integra¸ca˜o de fun¸co˜es que s˜ao ilimitadas na regi˜ ao de integra¸ca˜o e/ou que s˜ao diferentes de zero em regi˜oes de integra¸ca˜o ilimitadas. Apesar disso, e ainda antes da introdu¸ca˜o da teoria de Lebesgue, os chamados integrais impr´ oprios de Riemann foram usados para ultrapassar este tipo de dificuldades, pelo menos em alguns casos particulares(1 ). A sua defini¸ca˜o (quando a regi˜ao de integra¸ca˜o B ⊆ RN , N > 1) sup˜oe que i) Existem conjuntos Jordan-mensur´aveis An ր B, tais que f ´e Riemannintegr´avel, no sentido usual, em cada conjunto An . ii) Existe α ∈ R tal que, se a sucess˜ao de conjuntos An satisfaz i), ent˜ ao Z f α = lim n→∞ An ´ prio de Riemann de f em B ´e dado por: iii) Neste caso, o integral impro Z Z f f = α = lim B 1 n→∞ An ´cie se a integranda ´e ilimitada, e de O integral impr´ oprio diz-se de primeira espe segunda esp´ ecie se a regi˜ ao de integra¸c˜ ao ´e ilimitada. Os integrais impr´ oprios simultaneamente de 1a e 2a esp´ecie dizem-se mistos. Cauchy introduziu integrais impr´ oprios em R, mas em RN a teoria ´e mais complexa, e deve-se sobretudo ao matem´ atico alem˜ ao Harnack, que a desenvolveu nos finais do s´eculo XIX. 3.1. O Integral de Lebesgue 153 Quando f ≥ 0, e de acordo com a observa¸ca˜o no exemplo 2, a condi¸ca ˜o ii) ´e autom´ atica, e o valor de α ´e o integral de Lebesgue de f em B. Dito doutra forma, se f ≥ 0 e a condi¸ca˜o i) ´e satisfeita, o integral impr´ oprio de Riemann de f em B existe, e ´e o integral de Lebesgue de f em B. Temos assim que qualquer integral impr´ oprio de Riemann de uma fun¸ca ˜o n˜ ao-negativa ´e um integral de Lebesgue, e pode ser calculado usando uma qualquer sucess˜ao de conjuntos Jordan-mensur´aveis que satisfa¸ca i). Deixamos para o exerc´ıcio 5 a an´alise do caso em que f muda de sinal, mas resumimos aqui as principais conclus˜oes: • O integral impr´ oprio de f existe, e ´e finito, no sentido indicado acima, se e s´o se o integral impr´ oprio de |f | tamb´em existe, e ´e finito. Dizemos neste caso que o integral impr´ oprio de Riemann de f ´e absolutamente convergente e, mais uma vez, qualquer integral impr´ oprio de Riemann absolutamente convergente ´e um integral de Lebesgue. • Se f : R → R, o integral impr´ oprio de f pode existir no sentido que referimos no exerc´ıcio 1 da sec¸ca˜o 1.5 sem ser absolutamente convergente. Neste caso, f n˜ ao ´e Lebesgue-som´ avel, e o seu integral de Lebesgue n˜ ao est´ a definido. No que se segue, e para simplificar a nossa terminologia, escreveremos com frequˆencia “B-mensur´ avel”, e “L-mensur´avel”, em lugar de “Borel-mensur´avel”, e “Lebesgue-mensur´ avel”. Usaremos esta conven¸c˜ao com fun¸c˜oes, e com conjuntos. Por outro lado, muitos dos teoremas, demonstra¸c˜oes e defini¸c˜oes que estudamos s˜ ao aplic´ aveis, sem qualquer altera¸c˜ao, quando a express˜ ao “Lebesgue-mensur´ avel” ´e substitu´ıda, em todas as suas ocorrˆencias, ´ este o caso da pr´ por “Borel-mensur´avel”. E opria defini¸c˜ao de fun¸c˜ao “Lebesgue-mensur´ avel/Borel-mensur´ avel”, que apresent´amos em 3.1.1 a). Mais uma vez para simplificar a nossa terminologia, e evitar repeti¸c˜oes ´obvias e triviais, convencionamos que, at´e men¸c˜ao em contr´ ario, a utiliza¸c˜ao da express˜ao “mensur´ avel”, sem mais qualificativos, no contexto de um teorema, demonstra¸c˜ ao, ou defini¸c˜ ao, significa que esta pode ser identicamente substitu´ıda, em todas as suas ocorrˆencias nesse mesmo contexto, tanto por “Lmensur´ avel”, como por “B-mensur´avel”. Tamb´em at´e men¸c˜ao em contr´ ario, a palavra “som´ avel” entende-se como “Lebesgue-som´avel”, no sentido de 3.1.1 c). Seguimos estas conven¸c˜ oes j´a na pr´ oxima defini¸c˜ao, que generaliza M 3.1.1 a fun¸c˜ oes vectoriais f : S → R . Defini¸ c˜ ao 3.1.3 (Fun¸c˜ oes Vectoriais: Mensurabilidade e Integral). Se E ⊆ M N S ⊆ R , e f : S → R , donde f = (f1 , f2 , · · · , fM ), com fk : S → R, ent˜ao ´vel em E se e s´ a) f ´e mensura o se as fun¸c˜oes fk s˜ ao mensur´aveis em E, para 1 ≤ k ≤ M , no sentido de 3.1.1. ´vel em E se e s´ b) f ´e soma o as fun¸c˜oes fk s˜ ao som´ aveis em E. 154 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue c) Se f ´e mensur´ avel em E, o integral de lebesgue de f (em ordem a mN ) em E ´e dado por  Z Z Z Z fM dmN , f2 dmN , · · · , f1 dmN , f dmN = E E E E sempre que todos os integrais de Lebesgue `a direita est˜ ao definidos. Exemplo 3.1.4. ˜ es mensura ´veis complexas: Seja f : RN → C uma fun¸ca˜o complexa, func ¸o donde f (x) = u(x) + iv(x), com u, v : RN → R. A fun¸ca˜o f ´e mensur´avel se e s´o se as fun¸co˜es u, e v s˜ao mensur´aveis, e o integral de f ´e dado por Z Z Z vdmN , udmN + i f dmN = E E E sempre que existem os integrais de u e de v no conjunto E. Se as fun¸c˜ oes f e g est˜ ao definidas pelo menos no conjunto E ⊆ RN , dizemos que f e g s˜ ao equivalentes em E, e escrevemos “f ≃ g”, se e s´ o se f (x) = g(x), qtp em E. Note-se a seguir que a substitui¸c˜ao de uma fun¸c˜ ao por outra que lhe seja equivalente, ou seja, a modifica¸c˜ao dos seus valores num conjunto de medida nula, n˜ ao altera a sua L-mensurabilidade nem o valor do respectivo integral. Em particular, a L-mensurabilidade de f em E pode ser decidida mesmo quando f est´ a apenas definida qtp em E: Proposi¸ c˜ ao 3.1.5. Sejam G ⊆ E ⊆ RN , f : E → R, g : G → R, onde mN (E\G) = 0 e f ≃ g em G. Temos ent˜ ao: a) f ´e L-mensur´ avel em E ⇐⇒ g ´e L-mensur´ avel em G. Neste caso, b) O integral de f em E existe ⇐⇒ o integral de g em G existe, e Z Z gdmN . f dmN = E G Demonstra¸ca ˜o. Se D = {x ∈ G : f (x) 6= g(x)} ∪ (E\G) ent˜ao mN (D) = 0. Seja F a “faixa vertical” em RN +1 dada por F = D × R. Temos mN +1 (F ) = mN (D)m1 (R) = 0, e ´e f´acil verificar que ΩE (f )∆ΩG (g) = (ΩE (f )\ΩG (g)) ∪ (ΩG (g)\ΩE (f )) ⊆ F. As regi˜ oes de ordenadas de f e g diferem assim por um conjunto nulo. Conclu´ımos que ΩF (f ) ´e L-mensur´avel se e s´ o se ΩE (g) ´e L-mensur´avel, e neste caso os integrais de f (em F ) e g (em E) s˜ ao iguais, sempre que algum deles exista. Observa¸ co ˜es 3.1.6. 155 3.1. O Integral de Lebesgue 1. A rela¸ca˜o “f ≃ g” ´e efectivamente de equivalˆencia, por exemplo na classe das fun¸co˜es reais definidas em E ⊆ RN . Deve ser evidente que ´e reflexiva, ou seja, f ≃ f , e sim´etrica, i.e., f ≃ g ⇐⇒ g ≃ f . Para verificar que a rela¸ca˜o ´e transitiva, suponha-se que f ≃ g e g ≃ h, e sejam A = {x ∈ E : f (x) 6= g(x)} e B = {x ∈ E : g(x) 6= h(x)}. Como A ∪ B tem medida nula e f (x) = g(x) = h(x) quando x 6∈ A ∪ B, ´e claro que f ≃ h. 2. Se fn (x) → f (x) qtp em E e gn ≃ fn tamb´em em E, ent˜ ao gn (x) → f (x) qtp em E. Para verificar esta afirma¸ca˜o, sejam B = {x ∈ E : lim fn (x) = f (x)}, An = {x ∈ E : fn (x) 6= gn (x)}, A = n→∞ ∞ [ An . n=1 Os conjuntos An e C = E\B s˜ao nulos por hip´otese, e ´e claro que A e A ∪ C s˜ao igualmente nulos. Temos al´em disso que x 6∈ A ∪ C =⇒ gn (x) = fn (x) → f (x), ou seja, gn (x) → f (x) qtp em E. 3. As seguintes observa¸co˜es s˜ao u ´ teis, e.g., na demonstra¸ca˜o das proposi¸co˜es 3.1.9 e 3.1.10. a) Se f ´e L-mensur´ avel em E e f (x) ≥ 0 qtp em E, ent˜ ao existe uma fun¸ca˜o f˜ ≃ f tal que f˜ ´e L-mensur´ avel em E e f˜(x) ≥ 0 para qualquer x ∈ E. Basta considerar  f (x), se f (x) ≥ 0 ˜ f (x) = 0, se f (x) < 0 b) Se f e g s˜ao L-mensur´ aveis em E e f (x) ≤ g(x) qtp em E, existem fun¸co˜es f˜ ≃ f e g˜ ≃ g, ambas L-mensur´ aveis em E, tais que f˜(x) ≤ g˜(x) para qualquer x ∈ E. Tome-se agora   f (x), se f (x) ≤ g(x) g(x), se f (x) ≤ g(x) ˜ f (x) = g˜(x) = 0, se f (x) > g(x) 0, se f (x) > g(x) 4. A proposi¸ca˜o 3.1.5 n˜ ao ´e v´alida para fun¸co˜es B-mensur´ aveis: se f ≃ g e g ´e B-mensur´ avel ent˜ ao f pode n˜ ao ser B-mensur´ avel (exerc´ıcio 4), porque o espa¸co de Borel (RN , B(RN ), mN ) n˜ ao ´e completo. oes de ordenadas de f Se E ⊆ RN e f : RN → R, ´e evidente que as regi˜ N em E, e de f χE em R , s˜ ao iguais. Conclu´ımos que Proposi¸ c˜ ao 3.1.7. Se E ⊆ RN , e f : RN → R, ent˜ ao a) f ´e mensur´ avel em E se e s´ o se f χE ´e mensur´ avel em RN . b) Se f ´e mensur´ avel em E, e algum dos seguintes integrais existe, o outro existe igualmente, e Z Z f χE dmN . f dmN = E RN 156 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue O resultado seguinte inclui a usual desigualdade triangular. A sua demonstra¸c˜ ao, uma adapta¸c˜ao directa da de 1.4.7), ´e o exerc´ıcio 9. ao Proposi¸ c˜ ao 3.1.8. Se E ⊆ RN , e f : E → R, ent˜ a) f ´e mensur´ avel em E se e s´ o se as fun¸co ˜es f + e f − s˜ ao mensur´ aveis em E. Neste caso, a fun¸ca ˜o |f | ´e mensur´ avel em E, e Z E |f | dmN = Z f + dmN + Z f − dmN . E E b) f ´e som´ avel em E se e s´ o se as fun¸co ˜es f + e f − s˜ ao som´ aveis em E. Neste caso, Z Z Z Z Z − + f dmN , e f dmN ≤ f dmN − f dmN = |f | dmN . E E E E E As duas proposi¸c˜ oes seguintes indicam as propriedades fundamentais de monotonia do integral de Lebesgue, em rela¸c˜ao `a regi˜ ao de integra¸ca ˜o, e em rela¸c˜ ao ` a fun¸ca ˜o integranda. avel em E, e F ⊆ E Proposi¸ c˜ ao 3.1.9. Se E ⊆ RN , f : E → R ´e mensur´ ´e mensur´ avel, ent˜ ao f ´e mensur´ avel em F . Se f ≥ 0 qtp, temos ainda Z Z f dmN . f dmN ≤ E F Demonstra¸ca ˜o. Se G = F × R, ´e claro que ΩF (f ) = ΩE (f ) ∩ G ⊆ ΩE (f ). Como os conjuntos ΩE (f ) e G s˜ ao mensur´aveis, segue-se que ΩF (f ) ´e mensur´avel, i.e., f ´e mensur´ avel em F . Caso f ≥ 0 qtp, seja f˜ a fun¸c˜ao definida como na observa¸c˜ ao 3.1.6.3 a). Temos ent˜ao Z F f dmN = Z F + ˜ ˜ f˜dmN = mN +1 (Ω+ F (f )) ≤ mN +1 (ΩE (f )), e ˜ mN +1 (Ω+ E (f )) = Z f˜dmN = E Z f dmN . E Proposi¸ c˜ ao 3.1.10. Se E ⊆ RN , f, g : E → R s˜ ao mensur´ aveis em E, f (x) ≤ g(x) qtp em E, e os integrais de f e de g em E existem, ent˜ ao Z E f dmN ≤ Z gdmN . E 157 3.1. O Integral de Lebesgue Demonstra¸ca ˜o. Supomos primeiro que f (x) ≤ g(x), para qualquer x ∈ E. − − + Temos, ent˜ ao, Ω+ E (f ) ⊆ ΩE (g) e ΩE (g) ⊆ ΩE (f ), donde se segue que Z − f dmN =mN +1 (Ω+ E (f )) − mN +1 (ΩE (f )) ≤ E Z − + gdmN . ≤mN +1 (ΩE (g)) − mN +1 (ΩE (g)) = E Para adaptar este argumento ao caso em que f (x) ≤ g(x) apenas qtp em E, consideramos fun¸c˜ oes f˜ e g˜ definidas como em 3.1.6.3 b). Aplicando o resultado que acab´ amos de provar a f˜ e g˜, temos Z Z Z Z gdmN . g˜dmN = f˜dmN ≤ f dmN = E E E E As seguintes propriedades s˜ ao f´aceis de estabelecer (exerc´ıcio 6), e ser˜ ao utilizadas com muita frequˆencia: Proposi¸ c˜ ao 3.1.11. Se f ≥ 0 ´e uma fun¸ca ˜o mensur´ avel em E ⊆ RN , ent˜ ao a) f ´e som´ avel em E =⇒ f ´e finita qtp em E. R b) E f dmN = 0 ⇐⇒ f ≃ 0 em E. Note-se em particular que se f : E → R ´e som´ avel ent˜ao existe f˜ : E → R ˜ tal que f ≃ f . A mensurabilidade e o integral da fun¸c˜ao f no conjunto E foram definidos − em termos do conjunto ΩE (f ) = Ω+ E (f ) ∪ ΩE (f ), onde N +1 : x ∈ E, 0 < y < f (x)}, e Ω+ E (f ) = {(x, y) ∈ R N +1 : x ∈ E, 0 > y > f (x)}. Ω− E (f ) = {(x, y) ∈ R ´ evi´fico de f em E ´e GE (f ) = {(x, y) ∈ RN +1 : x ∈ E, y = f (x)}. E O gra dente que ΩE (f ) n˜ ao inclui quaisquer pontos de GE (f ), mas na realidade a inclus˜ao ou exclus˜ ao de pontos do gr´ afico de f no conjunto ΩE (f ) ´e em larga medida irrelevante porque, como veremos, o gr´ afico de uma fun¸c˜ao mensur´ avel tem sempre medida nula(2 ). Em alternativa a ΩE (f ), considerem-se − os conjuntos ΣE (f ) = Σ+ E (f ) ∪ ΣE (f ), onde N +1 : x ∈ E, e 0 < y ≤ f (x)}, e Σ+ E (f ) = {(x, y) ∈ R N +1 Σ− : x ∈ E, e 0 > y ≥ f (x)}. E (f ) = {(x, y) ∈ R Notamos que ΓE (f ) = ΣE (f )\ΩE (f ) ⊆ GE (f ), porque ΓE (f ) ´e o gr´ afico de f no subconjunto de E onde f (x) 6= 0. Passamos a provar: 2 Ali´ as, analogamente ao que ocorre para as fun¸c˜ oes Riemann-integr´ aveis, cujo gr´ afico ´e sempre um conjunto de conte´ udo nulo. 158 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue ao Teorema 3.1.12. Se E ⊆ RN , e f : E → R, ent˜ a) ΩE (f ) ´e mensur´ avel se e s´ o se ΣE (f ) ´e mensur´ avel. avel e mN +1 (GE (f )) = 0. b) Se f ´e mensur´ avel ent˜ ao ΓE (f ) ´e mensur´ Em particular, mN +1 (ΣE (f )) = mN +1 (ΩE (f )). Demonstra¸ca ˜o. Seja g a fun¸c˜ao definida por g(x) = f (x), quando x ∈ E, e g(x) = 0, quando x 6∈ E. A fun¸c˜ao g ´e mensur´avel em RN , e definimos Ω = ΩE (f ) = ΩRN (g), Σ = ΣE (f ) = ΣRN (g), e Γ = ΓE (f ) = ΓRN (g). Mostramos primeiro que: (1) Se g ≥ 0 e Ω ´e mensur´avel ent˜ao Σ ´e mensur´avel: ˜o vertical O conjunto Ωn = {(x, y + n1 ) : (x, y) ∈ Ω} ´e uma transla¸ca de Ω. Ωn ´e mensur´avel, e mN +1 (Ωn ) = mN +1 (Ω). ∆n = Ω ∪ Ωn ´e mensur´ avel e ∆n ց Σ, donde Σ ´e mensur´avel. (2) Se g ≥ 0 e Σ ´e mensur´avel ent˜ao Ω ´e mensur´avel: Σn = {(x, y − n1 ) : (x, y) ∈ Σ} ´e uma transla¸c˜ao vertical de Σ, e ´e por ˜ n = Σn ∩ Σ ´e mensur´avel e ∆ ˜ n ր Ω, isso mensur´ avel. O conjunto ∆ donde Ω ´e mensur´ avel. Notamos de passagem que ˜ n ) → mN +1 (Ω), porque ∆ ˜ n ր Ω. (3) Se g ≥ 0 ent˜ ao mN +1 (∆ As implica¸c˜ oes (1) e (2) concluem a demonstra¸c˜ao de a) para g ≥ 0. Provamos agora b), mantendo a restri¸c˜ao g ≥ 0. Um c´alculo simples mostra que ˜ n ) + mN +1 (Σn \Σ) e (4) mN +1 (Σ) = mN +1 (Σn ) = mN +1 (∆ (5) (Σn \Σ) ⊆ E×] − n1 , 0] Supondo que E tem medida exterior finita, podemos concluir de (5) que ˜ n ) → mN +1 (Σ), e mN +1 (Σn \Σ) → 0, e segue-se ent˜ao de (4) que mN +1 (∆ de (3) que mN +1 (Ω) = mN +1 (Σ). Se suposermos al´em disso que g ´e som´ avel, podemos ainda concluir que mN +1 (Γ) = mN +1 (Σ) − mN +1 (Ω) = 0. Estabelecemos assim em particular (6) m∗N (E) < ∞ e g som´ avel =⇒ mN +1 (Σ) = mN +1 (Ω) e mN +1 (Γ) = 0. Para eliminar as restri¸c˜ oes que fiz´emos sobre E e g, consideramos rectˆ angulos limitados Rk ր RN , onde k ∈ N, e definimos  0, se x 6∈ Rk gk (x) = min{k, g(x)}, se x ∈ Rk 159 3.1. O Integral de Lebesgue A fun¸c˜ao gk ´e mensur´ avel, porque ΩRN (gk ) = ΩRN (g) ∩ (Rk ×]0, k[). Como gk ´e limitada (n˜ ao excede k) e ´e nula fora de Rk , ´e ´obvio que ´e som´ avel. Escrevendo para simplificar ˜ k = ΓRN (gk ), temos de (6) que ˜ k = ΣRN (gk ) e Γ ˜ k = ΩRN (gk ), Σ Ω ˜ k ) = mN +1 (Σ ˜ k ) − mN +1 (Ω ˜ k ) = 0. (7) mN +1 (Γ ˜ k ր Σ, Ω ˜ k ր Ω e Γ ⊆ S∞ Γ ˜ Notamos que Σ k=1 k , donde mN +1 (Σ) = mN +1 (Ω) e mN +1 (Γ) = 0. O conjunto GE (f )\ΓE (f ) ´e nulo em RN +1 , e por isso ´e L-mensur´avel. Seguese que GE (f ) ´e L-mensur´ avel e tem medida nula. Observe-se tamb´em que quando g muda de sinal basta aplicar os resultados j´a obtidos a g+ e g− . A no¸c˜ ao de integral indefinido de Lebesgue pode tamb´em ser introduzida por uma adapta¸c˜ ao ´ obvia do que fiz´emos a prop´osito do integral de Riemann. Supondo f : E → R, onde E ⊆ RN , seja Lf (E) a classe dada por: Z f existe } Lf (E) = {A ⊆ E : f ´e L-mensur´avel em A e A O integral indefinido de Lebesgue de f ´e a fun¸c˜ao λ : Lf (E) → R, onde: Z f dmN . λ(E) = E avel em E ⊆ RN , onde f ≥ 0 qtp Teorema 3.1.13. Seja f : E → R mensur´ em E e/ou f ´e som´ avel em E. Temos ent˜ ao que a) L(E) ⊆ Lf (E) e Lf (E) ´e uma σ-´ algebra em E, b) λ ´e uma medida em Lf (E), c) Para qualquer E ∈ L(E), mN (E) = 0 =⇒ λ(E) = 0. Demonstra¸ca ˜o. avel em E e A ⊆ E, deve R Se f ≥ 0 qtp em E e/ou f ´e som´ ser claro que A f existe se e s´ o se f ´e mensur´avel em A, ou seja, Lf (E) = {A ⊆ E : f ´e mensur´avel em A} a) Se B, An ∈ Lf (E), os conjuntos ΩB (f ) e ΩAn (f ) s˜ ao L-mensur´aveis. Para S mostrar que Lf (E) ´e uma σ-´algebra em E, consideramos C = E\B e A= ∞ ao L-mensur´aveis, porque n=1 An , e notamos que ΩC (f ) e ΩA (f ) s˜ ΩC (f ) = ΩE (f )\ΩB (f ) e ΩA (f ) = ∞ [ n=1 ΩAn (f ). 160 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue A inclus˜ao L(E) ⊆ Lf (E) foi estabelecida em 3.1.9. ´ evidente que λ ≥ 0 e b) Consideramos apenas o caso f ≥ 0 qtp em E. E λ(∅) = 0, e supomos que os conjuntos An referidos em a) s˜ ao disjuntos. Os conjuntos ΩAn (f ) s˜ ao igualmente disjuntos, e temos Z f = mN +1 (ΩA (f )) = mN +1 ( A ∞ [ ΩAn (f )) = n=1 λ(A) = Z f= A ∞ X mN +1 (ΩAn (f )) = n=1 Conclu´ımos que λ ´e uma medida positiva. ∞ X mN +1 (ΩAn (f )), ou n=1 ∞ Z X n=1 An f= ∞ X λ(An ). n=1 Deixamos a conclus˜ao da demonstra¸c˜ao para o exerc´ıcio 10. Exerc´ıcios. 1. Seja f : RN → R cont´ınua em RN , e E ⊆ RN B-mensur´ avel. Prove que f ´e Borel-mensur´ avel em E. 2. Mostre que se ER ⊆ RN , e mN (E) = 0, ent˜ ao qualquer fun¸ca˜o f : RN → R ´e som´avel em E, e E f dmN = 0. 3. Em cada um dos seguintes casos, diga • Se f ´e B-mensur´ avel em E, e R oprio de Riemann e/ou • Se o integral E f existe, como um integral impr´ como um integral de Lebesgue. a) f (x) = 1 x2 , E = [1, +∞[. b) f (x) = log(|x|), E = [−1, +1]. c) f (x) = x1 , E = [0, +∞[. d) f (x) = sen x x , E = [0, +∞[. e) f (x) = (+∞) dir(x), E = R. f) f (x, y) = log(x2 + y 2 ), E = B1 (0). g) f (x) = g ′ (x), onde g(x) = x2 sen( x12 ), para x 6= 0, e g(0) = 0, com E = [−1, 1]. 4. Prove que a fun¸ca˜o de Volterra (exemplo 1.6.19) satisfaz a regra de Barrow, se o integral de F ′ for interpretado no sentido da defini¸ca˜o 3.1.1. 5. Suponha que f : RN → R ´e Riemann-integr´avel em qualquer E ∈ J (RN ). a) Mostre que f ´e cont´ınua qtp em RN . 161 3.1. O Integral de Lebesgue b) Prove que o integral impr´ oprio de Riemann de f em RN existe e ´e finito se e s´o se ´e absolutamente convergente. c) Mostre que as fun¸co˜es f : RN → R com integral impr´ oprio de Riemann em RN absolutamente convergente formam um espa¸co vectorial, onde o integral impr´ oprio ´e uma transforma¸ca˜o linear. d) Prove que o integral impr´ oprio de Riemann de f em RN existe e ´e finito se N e s´o se f ´e som´avel em R , e neste caso o integral impr´ oprio de Riemann de f ´e o integral de Lebesgue de f . e) Determine oprio de RieR ∞ uma fun¸ca˜o f : R → R tal que o integral impr´ mann −∞ f (x)dx (no sentido referido no exerc´ıcio 1 da sec¸ca˜o 1.5) existe e ´e finito, mas f n˜ ao ´e som´avel. ˜o: Sendo Fα = {x ∈ E : f (x) ≥ α} 6. Demonstre a proposi¸ca˜o 3.1.11. sugesta e α > 0, aplique a proposi¸ca˜o 2.2.22 ao conjunto Fα × ]0, α[. 7. Mostre que E ⊆ RN ´e L-mensur´ avel se e s´o se χE ´e L-mensur´ avel, e nesse caso, Z χE dmN = mN (E). RN ˜o: Recorde a demonstra¸ca˜o da proposi¸ca˜o 2.2.22. sugesta 8. Seja f : R → R Lebesgue-mensur´ avel. a) Se f ≃ g e g ´e cont´ınua em R, f ´e sempre cont´ınua qtp? b) Se f ´e cont´ınua qtp, existe sempre g cont´ınua em R tal que f ≃ g? ˜o: Como referido no texto, adapte 9. Demonstre a proposi¸ca˜o 3.1.8. sugesta a demonstra¸ca˜o de 1.4.7. 10. Complete a demonstra¸ca˜o do teorema 3.1.13. Rx 11. Seja f : R → R som´avel, e F (x) = −∞ f dm. Mostre que F ´e uniforme˜o: Mostre mente cont´ınua em R. Generalize este resultado para RN . sugesta que F ´e cont´ınua em R e tem limites em ±∞. 12. Seja f ≥ 0 uma fun¸ca˜o L-mensur´ avel em RN e λ : Lf (RN ) → [0, ∞] o respectivo integral indefinido de Lebesgue. a) Mostre que λ ´e uma medida completa. ˜o: Considere o integral inb) λ ´e sempre regular em B(RN )? sugesta definido de f (x) = 1/x2 em R, e o conjunto E = {0}. c) Suponha que f ´e som´avel em qualquer compacto K ⊂ RN (dizemos neste caso que f ´e localmente som´avel em RN ). Mostre que o integral indefinido λ ´e regular em L(RN ). 162 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue 3.2 Limites, Mensurabilidade e Integrais As vantagens t´ecnicas do integral de Lebesgue sobre o integral de Riemann tornam-se evidentes quando reconhecemos a facilidade com que a teoria de Lebesgue trata diversas opera¸c˜oes de passagem de limite. Esta facilidade adv´em, naturalmente, das propriedades da pr´ opria medida de Lebesgue e da classe dos conjuntos Lebesgue-mensur´ aveis. A t´ıtulo de exemplo, vimos na sec¸c˜ ao anterior que o integral indefinido de Lebesgue ´e uma medida, simplesmente porque a medida de Lebesgue tamb´em o ´e (3.1.13). Veremos nesta sec¸c˜ ao como os teoremas sobre sucess˜oes mon´ otonas de conjuntos mensur´aveis (2.1.13 e 2.1.14) tˆem como consequˆencia directa trˆes resultados cl´ assicos sobre integrais e limites: • O teorema de Beppo Levi, • O lema de Fatou, e • O teorema da convergˆencia dominada de Lebesgue. R f g RN Figura 3.2.1: ΩE (m) = ΩE (f ) ∩ ΩE (g), ΩE (M ) = ΩE (f ) ∪ ΩE (g) Os resultados referidos aplicam-se, essencialmente sem quaisquer altera¸c˜oes, tanto a fun¸c˜ oes Lebesgue-mensur´ aveis, como a fun¸c˜oes Borel-mensur´aveis, porque resultam de propriedades comuns a qualquer espa¸co de medida. Por esta raz˜ ao, e como veremos mais adiante, o seu dom´ınio de aplicabilidade ´e muito mais geral do que esta primeira exposi¸c˜ao poderia fazer supor. Not´amos ainda no Cap´ıtulo 1 que, se f e g s˜ ao fun¸c˜oes n˜ ao-negativas, as regi˜ oes de ordenadas das fun¸c˜oes m(x) = min{f (x), g(x)} e M (x) = max{f (x), g(x)} s˜ ao, respectivamente, a intersec¸ca ˜o e a uni˜ ao das regi˜ oes de ordenadas de f e de g. Convenientemente generalizada, esta observa¸c˜ao ´e v´alida para qualquer fam´ılia numer´avel de fun¸c˜oes e ´e a chave para mostrar que a mensurabilidade de fun¸c˜ oes ´e sempre preservada em opera¸c˜oes de passagem ao limite. 163 3.2. Limites, Mensurabilidade e Integrais Lema 3.2.1. Dadas fun¸co ˜es fn : E → R, onde E ⊆ RN , sejam g(x) = sup{fn (x) : n ∈ N}, e h(x) = inf{fn (x) : n ∈ N}. Temos ent˜ ao: a) ΩE (g+ ) = b) ΣE (h+ ) = ∞ [ n=1 ∞ \ ΩE (fn+ ), e ΣE (g− ) = ΣE (fn+ ), e ΩE (h− ) = ∞ \ n=1 ∞ [ ΣE (fn− ), e ΩE (fn− ). n=1 n=1 Demonstra¸ca ˜o. Supomos primeiro que fn ≥ 0 para qualquer n e escrevemos para simplificar: Ωn = ΩE (fn ), Ω = ΩE (g), Σn = ΣE (fn ) e Σ = ΣE (h). Notamos como ´ obvio que (1) Ω ⊇ Temos agora ∞ [ n=1 Ωn e Σ ⊆ ∞ \ Σn . n=1 (2) Se (x, y) ∈ Ω ent˜ ao 0 < y < g(x), e existe n tal queS0 < y < fn (x) ≤ g(x), ou seja, (x, y) ∈ Ωn . Segue-se assim que Ω ⊆ ∞ n=1 Ωn . T∞ ao 0 < y ≤ fn (x) para qualquerTn, e portanto (3) Se (x, y) ∈ n=1 Σn ent˜ 0 < y ≤ h(x), ou seja, (x, y) ∈ Σ. Por outras palavras, ∞ n=1 Σn ⊆ Σ. Conclu´ımos de (1), (2) e (3) que Ω= ∞ [ n=1 Ωn e Σ = ∞ \ Σn . n=1 Se as fun¸c˜ oes fn mudam de sinal, o lema resulta de aplicar as observa¸c˜oes que acab´ amos de provar, depois de observar (ver exerc´ıcio 1) que g+ = sup fn+ , g− = inf fn− , h+ = inf fn+ e h− = sup fn− . O pr´ oximo teorema ´e uma consequˆencia directa deste lema. Teorema 3.2.2. Se as fun¸co ˜es fn : E → R s˜ ao mensur´ aveis em E, ent˜ ao as seguintes fun¸co ˜es s˜ ao mensur´ aveis em E: a) g(x) = sup{fn (x) : n ∈ N}, h(x) = inf{fn (x) : n ∈ N}, b) G(x) = lim sup fn (x) e H(x) = lim inf fn (x). n→∞ n→∞ Se f (x) = lim fn (x) para qualquer x ∈ E, ent˜ ao f ´e mensur´ avel em E, e n→∞ se a convergˆencia ´e apenas v´ alida qtp, ent˜ ao f ´e L-mensur´ avel em E. 164 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue Demonstra¸ca ˜o. Para verificar a) no que diz respeito `a fun¸c˜ao g, observamos que, de acordo com o lema anterior, ΩE (g+ ) = ∞ [ ΩE (fn+ ) e ΣE (g− ) = ∞ \ ΣE (fn− ). n=1 n=1 • Como as fun¸c˜ oes fn s˜ ao mensur´aveis, os conjuntos ΩE (fn+ ) e ΣE (fn− ) s˜ ao mensur´ aveis. ao mensur´aveis, os conjuntos • Como os conjuntos ΩE (fn+ ) e ΣE (fn− ) s˜ ΩE (g+ ) e ΣE (g− ) s˜ ao mensur´aveis, porque as uni˜ oes e intersec¸c˜oes numer´aveis de conjuntos mensur´aveis s˜ ao conjuntos mensur´aveis. Conclu´ımos que as fun¸co˜es g+ e g− s˜ ao mensur´aveis, ou seja, g ´e mensur´avel. O caso da fun¸c˜ ao h ´e inteiramente an´ alogo, e resulta de recordar que + ΣE (h ) = ∞ \ ΣE (fn+ ) − e ΩE (h ) = ∞ [ ΩE (fn− ). n=1 n=1 A al´ınea b) deste teorema ´e uma consequˆencia directa de a). Tomamos gn (x) = sup{fk (x) : k ≥ n} e hn (x) = inf{fk (x) : k ≥ n}, ´ uma propriedade elee observamos de a) que gn e hn s˜ ao mensur´aveis. E mentar das sucess˜oes num´ericas que G(x) = lim sup fn (x) = lim gn (x) = inf{gn (x) : n ∈ N}, e n→∞ n→∞ H(x) = lim inf fn (x) = lim hn (x) = sup{hn (x) : n ∈ N}. n→∞ n→∞ Conclu´ımos que as fun¸co˜es G e H s˜ ao mensur´aveis, ainda em consequˆencia de a). A afirma¸c˜ ao final ´e uma consequˆencia ´obvia deste facto, porque f (x) = lim fn (x) em E =⇒ f (x) = G(x) = H(x) em E, n→∞ e se a convergˆencia ´e v´alida apenas qtp ent˜ao f ≃ G em E. Vimos logo no in´ıcio do cap´ıtulo 1 que a opera¸ca ˜o de integra¸ca ˜o n˜ ao pode ser sempre trocada com a de passagem ao limite. Existem no entanto circunstˆancias razoavelmente gerais onde essa troca ´e poss´ıvel, e passamos a enunciar e demonstrar um conjunto de resultados de grande importˆ ancia que formalizam e tornam precisa esta observa¸c˜ao. Estes resultados s˜ ao, em larga medida, consequˆencia directa do teorema da convergˆencia mon´ otona de Lebesgue (2.1.13), ou seja, da propriedade “essencial” de σ-aditividade. 165 3.2. Limites, Mensurabilidade e Integrais Teorema 3.2.3 (Teorema de Beppo Levi). (3 ) Se as fun¸co ˜es fn : E → N [0, +∞] s˜ ao mensur´ aveis em E ⊆ R e formam uma sucess˜ ao crescente, ent˜ ao fn (x) ր f (x), onde f ´e mensur´ avel em E e Z Z fn dmN . lim fn dmN = lim E n→∞ n→∞ E Demonstra¸ca ˜o. Sabemos que f (x) = sup{fn (x) : n ∈ N} ´e mensur´avel, de acordo com 3.2.2, precisamente porque ΩE (f ) = ∞ [ ΩE (fn ). n=1 As fun¸c˜ oes fn ≥ 0 formam uma sucess˜ao crescente, donde ΩE (fn ) ր ΩE (f ). Segue-se do teorema da convergˆencia mon´ otona (2.1.13) que Z Z f dmN . fn dmN → mN +1 (ΩE (fn )) → mN +1 (ΩE (f )), ou seja, E E Exemplo 3.2.4. Seja f a fun¸ca˜o nula fora de ]0, 1[, e tal que f (x) = √1x , quando 0 < x < 1. R1 Observ´amos no exemplo 3.1.2.2 que o integral 0 f (x)dx existe e ´e igual a 2. Sendo Q ∩ ]0, 1[ = {q1 , q2 , · · · }, consideramos gn (x) = n ∞ X X 1 1 f (x − q ) ր g(x) = f (x − qk ). k k 2 2k k=1 k=1 ´ relativamente simples verificar (ver, por exemplo, o exerc´ıcio 5 da sec¸ca˜o E R2 anterior) que as fun¸co˜es gn s˜ao B-mensur´ aveis, os integrais 0 gn (x)dx existem, e podem ser calculados como integrais impr´ oprios de Riemann: Z Z 2 Z 2 n n 2 X X 1 1 ր 1. f (x − q )dx = gn dm = gn (x)dx = k k k−1 2 0 2 0 0 k=1 k=1 R2 Conclu´ımos do teorema de Beppo Levi que g ´e B-mensur´ avel e 0 gdm = 1. Em particular, g ´e finita qtp, Rum facto que `a partida pode parecer dif´ıcil de x estabelecer. A fun¸ca˜o G(x) = −∞ gdm pode ser calculada integrando a s´erie termo-a-termo, e ´e dada por  Z x ∞ se x ≤ 0  0,√ X 1 2 x, se 0 ≤ x ≤ 1 . G(x) = f dm = F (x − q ), onde F (x) = n  2n −∞ n=1 2, se x ≥ 1 Note-se que g ´e ilimitada em qualquer subintervalo n˜ ao trivial de [0, 1], e portanto o seu integral de Lebesgue n˜ ao ´e um integral impr´ oprio de Riemann. 3 Beppo Levi, 1875-1961, matem´ atico italiano de origem judaica, estudou em Turim, onde teve como professores, entre outros, Vito Volterra e Giuseppe Vitali. Foi professor das universidades de Cagliari, Parma e Bolonha, donde foi demitido em 1938 pelo regime de Mussolini. Emigrou para a Argentina em 1939, e teve um papel central no desenvolvimento da Matem´ atica no seu pa´ıs de adop¸c˜ ao. Este teorema foi publicado em 1906. 166 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue O teorema de Beppo Levi ´e aplic´ avel a sucess˜oes decrescentes de fun¸c˜oes, desde que as fun¸c˜ oes em causa sejam som´ aveis a partir de certa ordem. Teorema 3.2.5 (Teorema de Beppo Levi (II)). Se as fun¸co ˜es fn : E → [0, +∞] s˜ ao mensur´ aveis em E ⊆ RN e formam uma sucess˜ ao decrescente, ent˜ ao fn (x) ց f (x), onde f ´e mensur´ avel em E. Se f1 ´e som´ avel, ent˜ ao Z Z fn dmN . lim fn dmN = lim E n→∞ n→∞ E Demonstra¸ca ˜o. f (x) = inf{fn (x) : n ∈ N} ´e mensur´avel, de acordo com 3.2.2, porque ∞ \ ΣE (fn ). ΣE (f ) = n=1 As fun¸c˜ oes fn ≥ 0 formam uma sucess˜ao decrescente, donde ΣE (fn ) ց ΣE (f ). Como f1 ´e som´ avel temos mN +1 (ΣE (f1 )) < +∞ e conclu´ımos de 2.1.14 e 3.1.12 que: Z Z f dmN . fn dmN → mN +1 (ΣE (fn )) → mN +1 (ΣE (f )), i.e., E E O limite inferior de uma sucess˜ao de fun¸c˜oes ´e sempre o limite de uma sucess˜ao crescente, ` a qual podemos aplicar o teorema de Beppo Levi. Obtemos, assim, a desigualdade conhecida como Lema 3.2.6 (Lema de Fatou). (4 ) Se as fun¸co ˜es fn : E → [0, +∞] s˜ ao mensur´ aveis em E ⊆ RN , ent˜ ao Z Z fn dmN . lim inf fn dmN ≤ lim inf E n→∞ n→∞ E Demonstra¸ca ˜o. Conforme not´ amos na demonstra¸c˜ao de 3.2.2, se hn (x) = inf{fk (x) : k ≥ n} ent˜ao hn (x) ր lim inf fn (x). n→∞ Como hn ≥ 0, segue-se do teorema de Beppo Levi que Z Z lim inf fn dmN . hn dmN → (1) E n→∞ E Da monotonia do integral em rela¸c˜ao `a integranda segue-se que Z Z fk dmN , para qualquer k ≥ n, ou hn dmN ≤ E 4 E Pierre Joseph Louis Fatou, 1878-1929, matem´ atico francˆes. Fatou referiu um lema muito semelhante a este num artigo publicado em 1906. 167 3.2. Limites, Mensurabilidade e Integrais (2) Z hn dmN Z ≤ inf{ fk dmN : k ≥ n}. E E Deve ser claro das observa¸c˜ oes feitas na demonstra¸c˜ao de 3.2.2 que Z Z fn dmN . inf{ fk dmN : k ≥ n} → lim inf n→∞ E E Passando ao limite na desigualdade (2) e usando (1), obtemos Z Z fn dmN . lim inf fn dmN ≤ lim inf E n→∞ n→∞ E Deixamos como exerc´ıcio a seguinte vers˜ ao do lema de Fatou para o limite superior de uma sucess˜ao de fun¸c˜oes, que ´e consequˆencia de 3.2.5. Teorema 3.2.7 (Lema de Fatou (II)). Se as fun¸co ˜es fn : E → [0, +∞] s˜ ao mensur´ aveis em E ⊆ RN , e existe uma fun¸ca ˜o som´ avel F : E → [0, +∞] tal que fn (x) ≤ F (x), qtp em E, ent˜ ao Z Z lim sup fn dmN . fn dmN ≤ lim sup n→∞ E E n→∞ Este resultado, e o lema de Fatou, permitem-nos obter uma vers˜ ao preliminar do que ´e, seguramente, um dos resultados mais centrais da teoria da integra¸c˜ ao de Lebesgue. Teorema 3.2.8 (Teorema da Convergˆencia Dominada de Lebesgue). (5 ) Suponha-se que ao L-mensur´ aveis em E, a) As fun¸co ˜es fn : E → R s˜ b) Existe uma fun¸ca ˜o som´ avel F : E → [0, +∞] tal que |fn (x)| ≤ F (x), qtp em E, e c) f (x) = lim fn (x) qtp em E. n→∞ Neste caso, f ´e L-mensur´ avel e som´ avel em E, e Z Z fn dmN . f dmN = lim n→∞ E E Demonstra¸ca ˜o. Supomos que as fun¸c˜oes fn s˜ ao n˜ ao-negativas, deixando o caso geral para os exerc´ıcios. Os limites superior e inferior da sucess˜ao dos integrais de fn existem sempre, e satisfazem Z Z Z F dmN < ∞. fn dmN ≤ lim sup fn dmN ≤ lim inf n→∞ 5 E n→∞ Publicado por Lebesgue, em 1908. E E 168 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue Aplicamos os teoremas 3.2.6 e 3.2.7 `a sucess˜ao de fun¸c˜oes fn , para obter Z Z fn dmN ≤ lim inf fn dmN ≤ lim inf n→∞ E E n→∞ Z Z lim sup fn dmN . ≤ lim sup fn dmN ≤ n→∞ E E n→∞ O resultado ´e agora imediato, porque, por hip´ otese, lim inf fn ≃ lim sup fn ≃ f em E. n→∞ n→∞ Observa¸ co ˜es 3.2.9. 1. No enunciado do teorema de Beppo Levi podemos supor que as desigualdades 0 ≤ fn (x) ≤ fn+1 (x) e a rela¸ca˜o fn (x) ր f (x) s˜ao v´alidas apenas qtp em E. Definindo os conjuntos An e A por An = {x ∈ E : fn (x) < 0 ou fn+1 (x) < fn (x)} e A = ∞ [ An , n=1 ´e claro que mN (A) = 0. Definindo tamb´em  fn (x), se x 6∈ A gn (x) = 0, se x ∈ A ´ imediato temos 0 ≤ gn (x) ≤ gn+1 (x) e gn (x) ր g(x) para qualquer x ∈ E. E que gn ≃ fn em E, e portanto as fun¸co˜es gn e g s˜ao L-mensur´ aveis em E. ´ tamb´em claro que se x 6∈ A ent˜ E ao fn (x) = gn (x) → g(x), e em particular g ≃ f em E. Segue-se do teorema de Beppo Levi na forma 3.2.3 que Z Z Z Z f dmN . gdmN = gn dmN → fn dmN = E E E E ´ igualmente simples adaptar de forma an´aloga o enunciado do teorema de 2. E Beppo Levi (II). Deve tamb´em notar-se que estes resultados sobre limites e integrais s˜ ao com frequˆencia indispens´ aveis ao estudo de fun¸c˜oes definidas como integrais param´etricos, ou seja, fun¸c˜oes φ dadas por express˜ oes do tipo: Z f (x, y)dy. φ(x) = E Por exemplo, supondo que x ∈ A ⊆ RN , y ∈ E ⊆ RM e f ´e cont´ınua em A × E, a quest˜ ao da continuidade de φ em x0 ∈ A reduz-se ao estudo da identidade Z Z Z f (x0 , y)dy. lim f (x, y)dy = lim f (x, y)dy = x→x0 E E x→x0 E 169 3.2. Limites, Mensurabilidade e Integrais Para aplicar resultados que enunci´ amos e demonstr´amos para sucess˜ oes de fun¸c˜oes a problemas deste tipo, deve recordar-se que a usual defini¸c˜ao de limite de fun¸c˜ oes pode formular-se em termos de limites de sucess˜oes, e.g.,: 3.2.10. Se f : U → R, U ⊆ RN ´e aberto e a ∈ U , ent˜ao limx→a f (x) = b se e s´ o se, para qualquer sucess˜ao com termo geral xn ∈ U \{a}, xn → a =⇒ f (xn ) → b. A t´ıtulo de ilustra¸c˜ ao, seja I ⊆ R aberto, E ⊆ R e f : I × E → R. Para cada s ∈ I, definimos fs : I → R por fs (t) = f (s, t). Suponha-se que ψ : E → R ´e som´ avel em E e, para qualquer s ∈ I, fs ´e mensur´avel em E e |fs | ≤ ψ. Se s0 ∈ I, temos ent˜ ao que Z Z g(t)dt. f (s, t)dt → lim f (s, t) = g(t) =⇒ s→s0 E E Para provar esta afirma¸c˜ ao, basta considerar sucess˜oes sn → s0 , e aplicar o teorema 3.2.8 ` as fun¸c˜ oes gn dadas por gn (t) = f (sn , t). Exemplos 3.2.11. 1. continuidade de um integral param´ etrico: Vimos j´a que a fun¸ca˜o 2 dada por ψ(t) = e−t ´e som´avel em R. Estudamos agora a continuidade do integral param´etrico dado por(6 ) Z 2 F (s) = e−t cos(st)dt. R 2 2 2 Com f (s, t) = e−t cos(st), temos |f (s, t)| = |e−t cos(st)| ≤ e−t = ψ(t) e, em particular, F est´ a definida em R. Temos igualmente para qualquer s0 ∈ R que f (s, t) → f (s0 , t) quando s → s0 , porque f ´e cont´ınua em R2 . Podemos por isso concluir que Z Z 2 −t2 lim F (s) = lim e cos(st)dt = e−t cos(s0 t)dt = F (s0 ) s→s0 R s→s0 R 2. derivada de um integral param´ etrico: Quando ω > 0, o integral Z ∞ G(ω) = e−ωt sen(t2 )dt 0 ´e um integral impr´ oprio de Riemann absolutamente convergente, porque Z ∞ 1 e−ωt dt = . |e−ωt sen(t2 )| ≤ e−ωt e ω 0 6 Este integral ´e, como veremos, a parte real da transformada de Fourier de ψ. Note do exerc´ıcio 9 que podemos facilmente estabelecer a sua continuidade uniforme em R sem invocar o teorema 3.2.8. 170 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue Para calcular a derivada de G, consideramos o quociente Z ∞ −(ω+s)t Z ∞ −st e − e−ωt e − 1 −ωt G(ω + s) − G(ω) = sen(t2 )dt = e sen(t2 )dt. s s s 0 0 Repare-se que neste c´ alculo o limite em quest˜ ao ´e calculado com ω > 0 fixo. Um c´ alculo elementar mostra que f (s, t) = e−st − 1 −ωt e sen(t2 ) → −te−ωt sen(t2 ) quando s → 0 e, s supondo agora que |s| ≤ ω/2, temos igualmente |f (s, t)| = | e−st − 1 −ωt e sen(t2 )| ≤ te−ωt/2 = ψ(t). s A fun¸ca˜o ψ ´e tamb´em som´avel em E = [0, ∞[ (porquˆe?), e podemos portanto concluir de 3.2.8 que Z ∞ Z ∞ −(ω+s)t e − e−ωt te−ωt sen(t2 )dt. G′ (ω) = lim sen(t2 )dt = − s→0 0 s 0 Exerc´ıcios. 1. Suponha que fn : E → R, g(x) = sup{fn (x) : n ∈ N} e h(x) = inf{fn (x) : n ∈ N}. Mostre que g + (x) = sup{fn+ (x) : n ∈ N}, g − (x) = inf{fn− (x) : n ∈ N}, e h+ (x) = inf{fn+ (x) : n ∈ N}, h− (x) = sup{fn− (x) : n ∈ N}. 2. Mostre que R o teorema de Beppo Levi ´e v´alido para fun¸co˜es fn : E → R, desde que E f1 dmN > −∞. 3. Mostre que a regi˜ ao de ordenadas da fun¸ca˜o g definida no exemplo 3.2.4 ´e σ-elementar, e portanto g ´e Borel-mensur´ avel. 4. Demonstre o teorema 3.2.7. 5. Mostre que a desigualdade estrita ´e poss´ıvel no lema de Fatou e em 3.2.7. 6. O Lema de Fatou (II) tem como uma das hip´oteses a condi¸ca˜o (i) fn (x) ≤ F (x), qtp em E, onde F ´e som´avel em E. Verifique se esta condi¸ca˜o pode ser substitu´ıda por R (ii) E fn dmN < K < ∞, para qualquer n ∈ N. 7. Demonstre o teorema da convergˆencia dominada para fn : E → R. 8. Suponha que f : R → R ´e diferenci´ avel em R, e mostre que f ′ ´e B-mensur´ avel em R. 171 3.3. O Teorema de Fubini-Lebesgue 9. Verifique os detalhes dos c´ alculos indicados na discuss˜ ao dos exemplos 3.2.11. Mostre igualmente que a fun¸ca˜o F ´e uniformemente cont´ınua em R sem invocar o teorema 3.2.8. 10. Calcule lim n→+∞ Z n 0  1− x n x e 2 dx. n 11. Calcule a derivada da fun¸ca˜o F (s) = 3.3 Z ∞ 0 e−t sen(st)dt. t O Teorema de Fubini-Lebesgue A teoria de integra¸c˜ ao de Lebesgue inclui uma solu¸c˜ao particularmente elegante para o problema do c´ alculo da medida de um conjunto por integra¸c˜ao ˜ es. Trata-se do Teorema de Fubini-Lebesgue(7 ), da medida das suas secc ¸o que passamos a estudar. ˜ es de um conjunto E ⊆ RN resultam de intersectar E com As secc ¸o “planos” de dimens˜ao M < N de tipo especial. Antes de apresentarmos uma defini¸c˜ ao mais precisa desta no¸c˜ao de sec¸c˜ao, ´e conveniente analisarmos alguns casos mais espec´ıficos. Exemplos 3.3.1. 1. Se E ⊆ R2 , as sec¸co˜es de E resultam fixar uma das duas coordenadas dos pontos de E, ou seja, de intersectar E com rectas horizontais ou verticais (ver figura 3.3.1). Designando por α e β, respectivamente, as rectas com equa¸co˜es x = a e y = b, obtemos os conjuntos b a = E ∩ α = {(a, y) : (a, y) ∈ E} e E b b = E ∩ β = {(x, b) : (x, b) ∈ E} E 1 2 ´ no entanto mais conveniente considerar as projec¸co E ˜es destes conjuntos em R como as verdadeiras “sec¸co˜es” de E, ou seja, tomar como sec¸co˜es os conjuntos E1a = {y ∈ R : (a, y) ∈ E} e E2b = {x ∈ R : (x, b) ∈ E} b t ´e o conjunto formado pelos pontos de E com Repare-se que neste caso E i t b t em R. coordenada i igual a t e Ei ´e a projec¸ca˜o (evidente) de E i 2. Se E ⊆ R3 , e escrevendo x ∈ R3 na forma x = (x1 , x2 , x3 ), as sec¸co˜es de E obt´em-se agora de fixar uma ou duas das coordenadas dos pontos de E, ou seja, 7 De Guido Fubini, 1879-1943, matem´ atico italiano de origem judaica, refugiado nos EUA em 1939, depois de demitido da sua posi¸c˜ ao na Universidade de Turim. A vers˜ ao moderna deste teorema foi descoberta no per´ıodo 1906-1907 por Fubini e Beppo Levi, mas o princ´ıpio subjacente, dito “de Cavalieri”, do matem´ atico italiano Bonaventura Francesco Cavalieri, 1598 - 1647, j´ a era conhecido por Arquimedes. 172 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue x=a E1a E y=b E2b ao sec¸c˜oes do conjunto E. Figura 3.3.1: E1a e E2b s˜ de intersectar E com planos paralelos a um dos planos coordenados (equa¸ca˜o xi = a) ou com rectas paralelas a dois dos planos coordenados (sistema xi = a e xj = b). Adaptando a nota¸ca˜o introduzida no exemplo anterior, temos, e.g., (a,b) E3c = {(x, y) ∈ R2 : (x, y, c) ∈ E} e E(1,2) = {z ∈ R3 : (a, b, z) ∈ E} √ a) Se E ⊂ R3 ´e a esfera centrada na origem de raio 4, ent˜ ao E3 unit´ ario em R2 , porque √ E3 3 3 ´e o c´ırculo = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 + 3 ≤ 4} = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 ≤ 1}. √ (0, 3) Analogamente, a sec¸ca˜o E(1,3) √ (0, 3) E(1,3) ´e o intervalo [−1, +1], porque = {y ∈ R : 0 + y 2 + 3 ≤ 4} = {y ∈ R : y 2 ≤ 1} = [−1, +1]. b) Se E ⊂ R3 ´e a regi˜ao de ordenadas de f : R2 → R dada por f (x, y) = x2 + |y|, ent˜ ao E2−1 ´e a regi˜ao de ordenadas em R da fun¸ca˜o que podemos designar g = f2−1 : R → R, dada por f1−1 (x) = f (x, −1) = g(x) = x2 + 1, porque √ √ E1 3 = {(y, z) ∈ R2 : 0 < z < f ( 3, y)} = {(y, z) ∈ R2 : 0 < z < 3 + |y|} Neste caso, as sec¸co˜es do tipo E3λ tˆem um significado muito particular, porque, e.g., E31 = {(x, y) ∈ R2 : 0 < 1 < f (x, y)} = f −1 (]1, ∞]) Por palavras, a sec¸ca˜o E3λ ´e o conjunto onde f > λ. As sec¸co˜es do tipo (a,b) E(1,2) s˜ao especialmente simples, porque s˜ao sempre intervalos: (a,b) E(1,2) = {z ∈ R : 0 < λ < f (a, b)} =]0, f (a, b)[ 173 3.3. O Teorema de Fubini-Lebesgue 3. Quando a dimens˜ao do espa¸co em causa ´e superior a 3, a variedade de conjuntos a que podemos chamar “sec¸co˜es” ´e ainda maior. Supondo E ⊆ R5 , ´e razo´avel fixar, por exemplo, a 2a e a 4a coordenada, o que corresponde a intersectar E com um “plano” de dimens˜ao 3, para obter uma sec¸ca˜o do tipo (a,b) E(2,4) = {(x, y, z) ∈ R3 : (x, a, y, b, z) ∈ E}. As usuais fun¸c˜ oes “de projec¸c˜ao” πi : RN → R, onde 1 ≤ i ≤ N e πi (x) = xi quando x = (x1 , x2 , · · · , xN ), s˜ ao u ´teis para tornarmos estas no¸c˜oes mais precisas. Na realidade, ´e f´acil ver que se E ⊆ R2 ent˜ao, quando (i, j) = (1, 2) e quando (i, j) = (2, 1),    ba = πj π −1 (a) ∩ E b a = π −1 (a) ∩ E e E a = πj E E i i i i i O caso de sec¸c˜ oes de conjuntos em espa¸cos de dimens˜ao superior a 2 requer no entanto a generaliza¸c˜ ao das no¸c˜oes de ´ındice i e de projec¸ca ˜o πi subjacentes ` a observa¸c˜ ao que acab´ amos de fazer para R2 . Defini¸ c˜ ao 3.3.2 (´Indices e projec¸c˜oes). Um ´ındice-K (em RN ) ´e um Ktuplo de naturais I = (i1 , i2 , · · · , iK ), onde 1 ≤ i1 < i2 < · · · < iK ≤ N . Dizemos neste caso que a fun¸c˜ ao πI : RN → RK dada por πI (x) = (πi1 (x), · · · , πiK (x)). ˜o. Sendo N = K + M , o ´ındice complementar de I, ´e uma projecc ¸a c designado I , ´e o ´ındice-M formado pelos naturais j1 < · · · < jM ≤ N que n˜ ao est˜ ao em {i1 , i2 , · · · , iK }. Exemplo 3.3.3. Se N = 5 e I = (2, 4), temos I c = (1, 3, 5). Repare-se que a sec¸ca˜o de E ⊆ R5 referida no exemplo 3.3.1.3 ´e  (a,b) E(2,4) = πI c πI−1 (E) Qualquer elemento x ∈ RN fica unicamente determinado pelas suas projec¸c˜oes t = πI (x) ∈ RK e y = πI c (x) ∈ RM , porque as componentes de x ´ por resultam de uma simples permuta¸c˜ao das componentes de u = (t, y). E isso conveniente introduzir Defini¸ c˜ ao 3.3.4. Seja I um ´ındice-K em RN e N = K + M . As fun¸c˜oes N ΠI : R → RK × RM e ρI : RK × RM → RN (8 ) s˜ ao dadas por ΠI (x) = (πI (x), πI c (x)) e ρI = Π−1 I . Os s´ımbolos πI e ρI n˜ ao incluem qualquer referˆencia ao espa¸co RN subjacente, para n˜ ao sobrecarregar excessivamente a nota¸c˜ ao, mas note que esta op¸c˜ ao causa ambiguidade. 8 174 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue x = ρI (t, y) ⇐⇒ (t, y) = ΠI (x) ⇐⇒ t = πI (x) e y = πI c (x). Exemplos 3.3.5. 1. Se I = (2, 4), πI : R5 → R2 ´e dada por πI (x) = (x2 , x4 ), onde x = (x1 , x2 , x3 , x4 , x5 ). Neste caso, I c = (1, 3, 5), πI c : R5 → R3 e πI c (x) = (x1 , x3 , x5 ). A fun¸ca˜o ρI : R2 × R3 → R5 ´e dada por ρI (t, y) = ρI ((t1 , t2 ), (y1 , y2 , y3 )) = (y1 , t1 , y2 , t2 , y3 ). 2. As sec¸co˜es de um dado conjunto E podem ser facilmente expressas em termos das fun¸co˜es de projec¸ca˜o que acab´ amos de referir. Se E ⊆ R2 e x0 , y0 ∈ R ent˜ ao {x ∈ R : (x, y0 ) ∈ E} = π1 (π2−1 (y0 ) ∩ E), e {y ∈ R : (x0 , y) ∈ E} = π2 (π1−1 (x0 ) ∩ E). 3. Se E ⊆ R3 e y0 ∈ R, ent˜ ao {(x, z) ∈ R2 : (x, y, z) ∈ E} = π(1,3) (π2−1 (y0 ) ∩ E). 4. Se E ⊆ R5 e (y0 , u0 ) ∈ R2 , e escrevendo α = (2, 4), αc = (1, 3, 5), ent˜ ao −1 {(x, z, v) ∈ R3 : (x, y0 , z, u0 , v) ∈ E} = π(1,3,5) (π(2,4) (u0 , v0 ) ∩ E). A defini¸c˜ ao seguinte formaliza estas ideias. Defini¸ c˜ ao 3.3.6 (Sec¸c˜ oes de E ⊆ RN ). Seja E ⊆ RN , I = (i1 , i2 , · · · , iK ) N um ´ındice-K em R , t ∈ RK , e M = N − K. Dizemos ent˜ao que o conjunto EIt = πI c (πI−1 (t) ∩ E) = {y ∈ RM : ρI (t, y) ∈ E}. ˜ o-M de E, ou mais simplesmente uma secc ˜o de E. ´e uma secc ¸a ¸a Exemplos 3.3.7. 1. Seja Ω ⊂ R3 a regi˜ ao de ordenadas de f : R2 → R. Escrevemos os pontos de 3 R na forma v = (x, y, z) e observamos que se f ≥ 0 ent˜ ao: • Ωx1 0 = π(2,3) ({(x0 , y, z) ∈ Ω}) = {(y, z) : 0 < z < f (x0 , y)} ´e a regi˜ao de ordenadas da fun¸ca˜o gx0 : R → R, dada por gx0 (y) = f (x0 , y). • Ωy20 = π(1,3) ({(x, y0 , z) ∈ Ω}) = {(x, z) : 0 < z < f (x, y0 )} ´e a regi˜ao de ordenadas da fun¸ca˜o hy0 : R → R, dada por hy0 (x) = f (x, y0 ). • Ωz30 = π(1,2) ({(x, y, z0 ) ∈ Ω}) = {(x, y) : 0 < z0 < f (x, y)} ´e o conjunto de pontos onde f ´e maior do que z0 . (x ,y ) 0 0 = π3 ({(x0 , y0 , z) ∈ Ω} = {z : 0 < z < f (x0 , y0 )} • Ω(1,2) 175 3.3. O Teorema de Fubini-Lebesgue R z = f (x0 , y) = fx0 (y) R x0 R Figura 3.3.2: A sec¸c˜ ao Ωx1 0 ´e a regi˜ ao de ordenadas de fx0 . (x ,z ) 0 0 = π2 ({(x0 , y, z0 ) ∈ Ω} = {y : 0 < z0 < f (x0 , y) ´e o conjunto onde • Ω(1,3) a fun¸ca˜o fx0 dada por fx0 (t) = f (x0 , t) ´e maior do que z0 . (y ,z ) 0 0 = π1 ({(x, y0 , z0 ) ∈ Ω} = {x : 0 < z0 < f (x, y0 ) ´e o conjunto onde • Ω(2,3) a fun¸ca˜o f y0 dada por f y0 (t) = f (t, y0 ) ´e maior do que z0 .  2. Considere-se a bola S = x ∈ RN : kxk ≤ R ⊂ RN e seja y ∈ RK , onde K < N e kyk < R. Se I ´e um qualquer ´ındice-K, ´e f´acil reconhecer que a sec¸ca˜o SIy ´e igualmente uma bola, dada por o p n  SIy = z ∈ RN −K : kzk2 + kyk2 ≤ R2 = z ∈ RN −K : kzk2 ≤ R2 − kyk2 . Se as sec¸c˜ oes EIt ⊆ RM s˜ ao mensur´ aveis, podemos determinar as respect tivas medidas AI (t) = mM (EI ) e AI ´e uma fun¸ca ˜o em RK . O teorema de Fubini-Lebesgue que passamos a enunciar garante que, se o conjunto E ´e L-mensur´ avel, ent˜ ao o integral de AI existe e ´e a medida de E. Teorema 3.3.8 (Teorema de Fubini-Lebesgue (I)). Seja E ∈ L(RN ), 1 ≤ K < N , t ∈ RK , M = N − K e seja ainda I = (i1 , i2 , · · · , iK ) um ´ındice-K em RN . Temos ent˜ ao que a) Os conjuntos EIt ⊂ RM s˜ ao L-mensur´ aveis, para quase todo o t ∈ RK , b) A fun¸ca ˜o AI (t) = mM (EIt ) ´e L-mensur´ avel em RK e Z AI dmK = mN (E). RK Exemplo 3.3.9. 176 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue Designamos por E a regi˜ao de ordenadas da fun¸ca˜o f : R2 → R dada por f (x, y) = log(x2 + y 2 ), no conjunto B1 (0). Se z < 0, as sec¸co˜es E3z s˜ao z c´ırculos, de raio r = e 2 , donde A3 (z) = πez . Supondo provado o teorema 3.3.8, a medida do conjunto E ´e dada, portanto, por Z 0 Z 0 m3 (E) = A3 (z)dm = πez dm, −∞ −∞ que pode ser calculado como um integral impr´ oprio de Riemann. Temos, assim, Z 0 0 m3 (E) = lim πet dm = lim π et z = π. z→−∞ z z→−∞ ACRESCENTAR AQUI O EXEMPLO DA LEI DE GAUSS A DUAS DI˜ MENSOES: Considere-se a fun¸ca˜o f (x, y) = ex2.y2, e seja Bn = Bn (0) a bola centrada na origem com raio n. A fun¸ca˜o f ´e Riemann-integr´avel em Bn , e podemos calcular o respectivo integral usando, por exemplo, as sec¸co˜es obtidas com z constante: Como Bn . R2, conclu´ımos que o integral de Lebesgue de f em R2 ´e igual a . Observe-se que o mesmo c´ alculo, mas executado agora com os conjuntos An = [.n, n] ¡¿ [.n, n], conduz necessariamente ao mesmo resultado, i.e., Obtemos assim a identidade cl´assica: O teorema de Fubini-Lebesgue ´e imediato quando E ´e um rectˆ angulo-N . Suponha-se que E = R = I1 × · · · IN , onde os conjuntos Ik s˜ ao intervalos em R, e seja I um ´ındice-K em RN , com I = (i1 , i2 , · · · , iK ), e I c = ´ natural dizer que os conjuntos (j1 , j2 , · · · , jM ). E RI = πI (R) = Ii1 × · · · IiK ⊆ RK e RI c = πI c (R) = Ij1 × · · · IjM ⊆ RM s˜ ao projec¸co ˜es de R, e ´e evidente que mN (R) = mK (RI )mM (RI c ). O c´alculo das sec¸c˜ oes RIt e da fun¸c˜ao AI ´e muito simples, e conduz a   mM (RI c ), quando t ∈ RI RI c , quando t ∈ RI donde AtI = RIt = 0, quando t 6∈ RI ∅, quando t 6∈ RI Conclu´ımos que Z Z AI (t)dmK = Rk mM (RI c )dmK = mM (RI c )mK (RI ) = mN (R). RI Note que podemos escrever AI (t) = mM (RI c )χRI (t), e portanto a fun¸c˜ ao AI ´e m´ ultipla da fun¸c˜ao caracter´ıstica de RI . Obtiv´emos assim o seguinte resultado preliminar: Lema 3.3.10. Seja R um rectˆ angulo-N , e I um ´ındice-K em RN . Sejam ˜es acima referidas. Temos ent˜ ao que: ainda RI e RI c as projec¸co a) As sec¸co ˜es RIt s˜ ao rectˆ angulos-M para qualquer t ∈ RK , sendo que RIt = RI c quando t ∈ RI , e RIt = ∅ quando t 6∈ RI . Portanto, 177 3.3. O Teorema de Fubini-Lebesgue Z b) AI = mM (RI c )χRI ´e B-mensur´ avel, e Rk AI (t)dmK = mN (R). Usaremos com frequˆencia as seguintes observa¸c˜oes elementares. Lema 3.3.11. Suponha-se que I ´e um ´ındice-K em RN e t ∈ RK . Se Eα ⊆ RN para qualquer α ∈ J, temos: [ [ a) Se A = Eα , ent˜ ao AtI = (Eα )tI . α∈J b) Se B = \ α∈J Eα , ent˜ ao BIt = α∈J \ (Eα )tI . α∈J c c) Se E ⊆ RN ent˜ ao (E c )tI = EIt . Demonstra¸ca ˜o. Provamos apenas a), a t´ıtulo de exemplo. Seja ρI : RK × M N R → R a bijec¸c˜ ao definida em 3.3.4. Notamos que [ y ∈ AtI ⇔ ρI (t, y) ∈ Eα ⇔ Existe α ∈ J tal que ρI (t, y) ∈ Eα ⇔ α∈J ⇔ Existe α ∈ J tal que y ∈ (Eα )tI ⇔ y ∈ [ (Eα )tI . α∈J As restantes afirma¸c˜ oes s˜ ao tamb´em de verifica¸c˜ao imediata. Para demonstrar o teorema de Fubini-Lebesgue (I) na forma 3.3.8, provaremos sucessivamente lemas auxiliares (3.3.12 a 3.3.15) aplic´ aveis a conjuntos E de diversos tipos, come¸cando pelo caso em que E ⊂ RN ´e elementar. Em todos estes resultados, supomos que E ⊆ RN , I ´e um ´ındice-K em RN , t ∈ RK e N = K + M. Lema 3.3.12. Se E ´e elementar ent˜ ao: a) Os conjuntos EIt ⊆ RM s˜ ao elementares para qualquer t ∈ RK . b) A fun¸ca ˜o AI dada por AI (t) = mM (EIt ) ´e B-mensur´ avel em RK , e Z AI (t)dmK = mN (E). RK Demonstra¸ca ˜o. Como E ´e elementar, existe uma parti¸c˜ao R de E em rectˆ angulos limitados disjuntos. Notamos do lema anterior que [ [ E= R =⇒ EIt = RIt . R∈R Notamos agora que R∈R 178 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue • Como as sec¸c˜ oes RIt s˜ ao rectˆ angulos (lema 3.3.10), ´e claro que as t sec¸c˜ oes EI s˜ ao elementares, o que prova a). • Os rectˆ angulos RIt s˜ ao disjuntos (com t e I fixos), e portanto X AI (t) = mM (EIt ) = mM (RIt ). R∈R Tal como no lema 3.3.10, se RI = πI (R) e RI c = πI c (R), ent˜ao AI (t) = X mM (RIt ) = R∈R X mM (RI c )χRI (t). R∈R A fun¸c˜ ao AI ´e assim uma combina¸c˜ao linear de fun¸c˜oes caracter´ısticas de rectˆ angulos limitados, a sua regi˜ ao de ordenadas ´e elementar, e AI ´e B-mensur´ avel. O c´alculo do seu integral (que existe no sentido de Riemann e se reduz a uma soma de Darboux)(9 ) ´e imediato: Z XZ mM (RI c )χRI (t)dmK = AI (t)dmK = RK = X R∈R RK mK (RI )mM (RI c ) = X mN (R) = mN (E). R∈R R∈R Passamos a considerar o caso dos conjuntos σ-elementares: Lema 3.3.13. Se E ´e σ-elementar ent˜ ao: a) Os conjuntos EIt ⊂ RM s˜ ao σ-elementares para qualquer t ∈ RK . b) A fun¸ca ˜o AI dada por AI (t) = mM (EIt ) ´e B-mensur´ avel em RK , e Z AI dmK = mN (E). RK Demonstra¸ca ˜o. E ´e uma uni˜ ao numer´avel de rectˆ angulos limitados Rj , e E= ∞ [ j=1 Rj =⇒ EIt = ∞ [ (Rj )tI . j=1 Os conjuntos (Rj )tI s˜ ao rectˆ angulos limitados, portanto EIt ´e tamb´em σelementar e a fun¸c˜ ao AI (t) = mM (EIt ) est´ a definida em RK . Consideramos S os conjuntos elementares auxiliares Un = nj=1 Rj , e observamos que: (1) Un ր E, donde mN (Un ) → mN (E), e (2) (Un )tI ր EIt , donde mM ((Un )tI ) → mM (EIt ), para qualquer t ∈ RK . 9 Recorde que ainda n˜ ao estabelecemos a aditividade do integral de Lebesgue em rela¸c˜ ao ` a integranda! 179 3.3. O Teorema de Fubini-Lebesgue    Definimos An,I (t) = mM (Un )tI e AI (t) = mM EIt . Como Un ´e elementar, segue-se de 3.3.12 que  An,I ´e B-mensur´avel, e ´e claro de (2) que An,I (t) ր AI (t) = mM EIt e AI ´e B-mensur´avel. Conclu´ımos: Z Z AI dmK . An,I dmK → (3) Do teorema de Beppo Levi: Z RK RK An,I dmK = mN (Un ) → mN (E). (4) De 3.3.12 e (1): RK Temos de (3) e (4) que Z RK AdmK = mN (E). Consideramos em seguida o caso: Lema 3.3.14. Se E ´e de tipo Gδ e mN (E) < ∞ ent˜ ao: a) Os conjuntos EIt ⊆ RM s˜ ao de tipo Gδ para qualquer t ∈ RK . b) A fun¸ca ˜o AI dada por AI (t) = mM (EIt ) ´e L-mensur´ avel em RK , e Z AI dmK = mN (E). RK Demonstra¸ca ˜o. Existem conjuntos abertos Un de medida finita tais que (i) Un ց E, donde mN (Un ) → mN (E). Definimos An,I (t) = mM ((Un )tI ), e observamos do lema 3.3.13, e (i), que Z An,I dmK = mN (Un ) → mN (E). (ii) RK As fun¸c˜ oes An,I s˜ ao evidentemente som´ aveis, e em particular a fun¸c˜ao A1,I ´ ´e finita qtp. E tamb´em claro que E= ∞ \ n=1 Un =⇒ EIt = ∞ \ n=1 (Un )tI , i.e., (Un )tI ց EIt , e EIt ´e um Gδ . A fun¸c˜ao AI (t) = mM (EIt ) est´ a, portanto, definida para qualquer t ∈ RK . Como A1,I (t) < ∞ ´e finita qtp, temos An,I (t) ց AI (t) qtp, e segue-se do teorema de Beppo Levi (II) que AI ´e L-mensur´avel, e Z Z AI dmK . An,I dmK → (iii) RK RK O resultado segue-se de comparar (ii) e (iii). O caso dos conjuntos de medida nula ´e um corol´ ario directo do anterior. 180 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue Lema 3.3.15. Se E ⊆ RN e mN (E) = 0 ent˜ ao: a) Os conjuntos EIt s˜ ao nulos para quase todo o t ∈ RK . b) A fun¸ca ˜o AI dada por AI (t) = mM (EIt ) ´e nula qtp em RK , donde AI ´e L-mensur´ avel, e Z AI dmK = mN (E) = 0. RK ´ claro que existe um conjunto B de tipo Gδ tal que mK (B) = Demonstra¸ca ˜o. E 0 e E ⊆ B. Sendo A˜I (t) = mM (BIt ), temos do lema anterior que Z A˜I dmK = mN (B) = 0, donde A˜I ≃ 0 em RK . RK Como EIt ⊆ BIt , ´e evidente que A˜I (t) = 0 ⇐⇒ mM (BIt ) = 0 =⇒ mM (EIt ) = 0 ⇐⇒ AI (t) = 0. Conclu´ımos que AI ≃ 0 em RK , o que termina a demonstra¸c˜ao. Provamos finalmente o teorema de Fubini-Lebesgue (I) para conjuntos com medida finita. Demonstra¸ca ˜o. Recordamos que existe um conjunto B ⊇ E, de tipo Gδ , tal que mN (B − E) = 0. Com Z = B − E, temos B = E ∪ Z, e BIt = EIt ∪ ZIt . Os conjuntos BIt s˜ ao de tipo Gδ , como observ´ amos em 3.3.14, e vimos, em t K 3.3.15, que ZI ´e um conjunto nulo, qtp em R . Conclu´ımos assim que EIt ´e L-mensur´ avel qtp em RK , e AI (t) = mM (EIt ) ≃ mM (BIt ) = A˜I (t), em RK . Supondo que mN (E) < ∞, temos tamb´em que mN (B) < ∞, e segue-se do lema 3.3.14 que a fun¸c˜ ao A˜I , e portanto AI , s˜ ao L-mensur´aveis, e Z Z A˜I dmk = mN (B) = mN (E). AI dmk = RK RK Deixamos a generaliza¸ca˜o para conjuntos de medida infinita para o exerc´ıcio 2. O teorema de Fubini refere-se usualmente ao c´alculo de integrais m´ ultiplos por itera¸c˜ ao de integrais de mais baixa dimens˜ao. Dada uma fun¸c˜ao 181 3.3. O Teorema de Fubini-Lebesgue f definida em RN +M , e supondo x ∈ RN e y ∈ RM , o teorema de Fubini esclarece condi¸c˜ oes em que s˜ ao v´alidas as identidades: Z Z Z Z Z f (x, y)dy)dx. ( f (x, y)dx)dy = ( f (x, y)dxdy = RM RN RN RM RN+M Claro que esta ´e apenas um caso especial entre muitas identidades an´ alogas, e por exemplo se N = 1 e M = 2 temos igualmente Z Z Z Z Z f (x, y, z)dxdz)dy. ( f (x, y, z)dy)dxdz = ( f (x, y, x)dxdydz = R2 R3 R R R2 Adaptamos a nota¸c˜ ao j´a introduzida para sec¸c˜oes de conjuntos ao problema de designar fun¸co ˜es quando fixamos alguns dos seus argumentos. Exemplos 3.3.16. ´ natural escrever g = f (x,z) . 1. Dados x, z ∈ R, seja g(y) = f (x, y, z). E (1,3) 2. Dado y ∈ R, se h(x, z) = f (x, y, z) ent˜ ao escrevemos h = f2y . Mais geralmente, se f : RN → R, I ´e um ´ındice-K em RN , N = K + M e t ∈ RK , ent˜ ao fIt : RM → R ´e a fun¸c˜ao dada por fIt (y) = f (x) onde πI (x) = t e πI c (x) = y, i.e., fIt (y) = f (ρI (t, y)), ´ f´acil onde ρI : RK × RM → RN ´e a bijec¸c˜ao referida na defini¸c˜ao 3.3.4. E t mostrar que a regi˜ ao de ordenadas da fun¸c˜ao fI ´e uma sec¸ca ˜o da regi˜ ao de ordenadas de f (figura 3.3.2), e na realidade Se E = ΩRN (f ) ent˜ao ΩRM (fIt ) = EIt . As formas mais cl´ assicas do teorema de Fubini s˜ ao por isso corol´ arios directos do teorema 3.3.8, e podemos desde j´a demonstrar um resultado aplic´ avel a fun¸c˜oes mensur´ aveis n˜ ao negativas. Teorema 3.3.17 (Teorema de Fubini-Lebesgue (II)). Se f : RN → [0, +∞] ´e L-mensur´ avel, I ´e um ´ındice-K em RN e N = K + M ent˜ ao a) As fun¸co ˜es fIt s˜ ao L-mensur´ aveis em RM , para quase todo o t ∈ RK . b) Sendo A(t) = R RM fIt dmM , ent˜ ao A ´e L-mensur´ avel em RK , e Z RK A(t)dmK = Z RN f (x)dmN . 182 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue Demonstra¸ca ˜o. Consideramos a regi˜ ao de ordenadas de f , i.e.,  E = ΩRN (f ) = (x, z) ∈ RN +1 : x ∈ RN e 0 < z < f (x) . E ´e L-mensur´ avel, porque f ´e L-mensur´avel. Conforme j´a observ´ amos, I ´e tamb´em um ´ındice-K em RN +1 , e se t ∈ RK temos EIt = ΩRM (fIt ). Como a sec¸c˜ ao EIt ´e L-mensur´avel para quase todo o t ∈ RK , ´e evidente que fIt ´e igualmente L-mensur´avel para quase todo o t ∈ RK , e a fun¸c˜ao AI dada por Z fIt dmM , AI (t) = mM +1 (EIt ) = mM +1 (ΩRM (fIt )) = RM que est´ a definida qtp em RK , ´e tamb´em L-mensur´avel. Sempre de acordo com o teorema de Fubini-Lebesgue na forma 3.3.8, temos finalmente que  Z Z Z Z t fI dmM dmK . AI dmK = f dmN = mN +1 (E) = RK RK RN RM Exemplo 3.3.18. A aplica¸ca˜o mais simples deste resultado corresponde ao caso em que escrevemos os elementos de RN na forma (x, y) com x ∈ RK e y ∈ RM e tomamos I = (1, 2, · · · , K), ou seja, Z Z f (x, y)dy fIx dmM = fIx (y) = f (x, y), AI (x) = RM RM Z f (x, y)dmN = Z RK RN AI dmK = Z RK Z RM  f (x, y)dy dx. Tomando Π = (K + 1, K + 2, · · · , N ), que ´e um ´ındice-M , temos ent˜ ao Z Z fΠy (x) = f (x, y), AΠ (y) = fΠy dmK = f (x, y)dx RK Z RN f (x, y)dmN = Z RM AΠ dmM = RK Z RM Z RK  f (x, y)dx dy. O teorema de Fubini-Lebesgue para fun¸c˜oes som´ aveis ´e, igualmente, um corol´ ario simples deste u ´ltimo resultado. No entanto, requer para a sua demonstra¸c˜ ao a aditividade do integral de Lebesgue, que ainda n˜ ao estabelecemos. Ser´ a por isso enunciado e demonstrado apenas na sec¸c˜ao 3.5. A demonstra¸c˜ ao desse resultado utilizar´ a o seguinte corol´ ario de 3.3.17. 183 3.3. O Teorema de Fubini-Lebesgue avel, ent˜ ao f ´e som´ avel Corol´ ario 3.3.19. Se f : RN → R ´e L-mensur´ N se e s´ o se existe um ´ındice-K em R , aqui designado I, tal que a fun¸ca ˜o AI : RM → R, onde M = N − K, dada por Z |f |tI dmM ´e som´ avel. AI (t) = RM Neste caso, se Π ´e um qualquer ´ındice-P em RN , e N = P + Q, temos que a) As fun¸co ˜es fΠt s˜ ao som´ aveis em RQ , para quase todo o t ∈ RP , e b) Z RP Z RQ |f |tΠ dmQ  dmP = Z RN |f (x)|dmN . Demonstra¸ca ˜o. Se I ´e um ´ındice-K em RN tal que Z avel em RK , |f |tI dmM ´e som´ AI (t) = RM segue-se do teorema 3.3.17 que f ´e som´ avel em RN . Se f ´e som´ avel, Π ´e um qualquer ´ındice-P em RN , N = P + Q, e t ∈ RP , temos de acordo com o teorema 3.3.17 que Z Z Z |f |dmN < ∞. AI (t)dmP = |f |tI dmQ =⇒ AΠ (t) = RN RP RQ Segue-se imediatamente que AΠ ´e finita qtp em RP , ou seja, as fun¸c˜oes fΠt s˜ ao som´ aveis em RQ , para quase todo o t ∈ RP . A seguinte consequˆencia do teorema de Fubini-Lebesgue ´e menos ´obvia, mas muito u ´til, como veremos na pr´ oxima sec¸c˜ao. A propriedade em causa n˜ ao tem paralelo na teoria de Riemann, como j´a sabemos. Teorema 3.3.20. Seja E ⊆ RN , e f : E → R uma fun¸ca ˜o L-mensur´ avel em E. Ent˜ ao os conjuntos F (λ) = {x ∈ E : f (x) > λ} e G(λ) = {x ∈ E : f (x) < −λ} s˜ ao L-mensur´ aveis para quaisquer λ ≥ 0. Demonstra¸ca ˜o. Quando λ > 0 ´e claro que  N +1 : x ∈ E e 0 < y < f (x) . • F (λ) ´e uma sec¸c˜ ao de Ω+ E (f ) = (x, y) ∈ R  N +1 : x ∈ E e 0 > y > f (x) . • G(λ) ´e uma sec¸c˜ ao de Ω− E (f ) = (x, y) ∈ R Conclu´ımos de 3.3.8 que F (λ) e G(λ) s˜ ao L-mensur´aveis, para quase todo o λ > 0, e existe por isso uma sucess˜ao λn ց λ ≥ 0 tais que F (λn ) e ´ simples constatar que, se λn ց λ, ent˜ao G(λn ) s˜ ao L-mensur´ aveis. E F (λ) = ∞ [ n=1 F (λn ), e G(λ) = ∞ [ G(λn ). n=1 Conclu´ımos que F (λ) e G(λ) s˜ ao L-mensur´aveis, para qualquer λ ≥ 0. 184 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue R λ RN F (λ) Figura 3.3.3: F (λ) = {x ∈ RN : f (x) > λ} ´e uma sec¸c˜ao da regi˜ ao de ordenadas de f . O teorema de Fubini-Lebesgue tem um enunciado mais simples para conjuntos e fun¸c˜ oes Borel-mensur´aveis. Apresentaremos e demonstraremos mais adiante uma vers˜ ao abstracta deste teorema esclarecendo esta observa¸c˜ao, mas introduzimos desde j´a o seguinte resultado, que ´e relativamente f´acil de provar (exerc´ıcio 3). Teorema 3.3.21. Se E ´e B-mensur´ avel, os conjuntos Eit s˜ ao B-mensur´ aK veis, para todo o t ∈ R . Se f : E → R ´e B-mensur´ avel, ent˜ ao os conjuntos F (λ) = {x ∈ E : f (x) > λ} e G(λ) = {x ∈ E : f (x) < −λ} s˜ ao B-mensur´ aveis para qualquer λ ≥ 0. Observe-se de passagem que os conjuntos F (λ) e G(λ) s˜ ao imagens inversas de intervalos de tipo especial, ou seja, F (λ) = f −1 (]λ, +∞]) e G(λ) = f −1 ([−∞, −λ[). Estudaremos na pr´ oxima sec¸c˜ao a classe de conjuntos cuja imagem inversa por uma fun¸c˜ ao mensur´ avel ´e mensur´avel. O exerc´ıcio 6 desta sec¸c˜ao indica para j´a outros tipos de intervalos que pertencem a essa classe. Exerc´ıcios. 1. Send f som´avel em E, prove que as seguintes afirma¸co˜es s˜ao equivalentes: a) f ≃ 0 em E. R avel F ⊆ E. b) F f dmN = 0, para qualquer conjunto L-mensur´ 2. Conclua a demonstra¸ca˜o do teorema de Fubini-Lebesgue, generalizando o resultado para conjuntos de medida infinita. ˜o: Mostre que a classe dos conjuntos 3. Demonstre o teorema 3.3.21. sugesta E ⊆ RN tais que as sec¸co˜es EIt s˜ao Borel-mensur´ aveis ´e uma σ-´algebra que cont´em os abertos. 4. Mostre que χE ´e B-mensur´ avel se e s´o se E ´e B-mensur´ avel. Aproveite para mostrar que existem fun¸co˜es Riemann-integr´aveis que n˜ao s˜ao Borel-mensur´ aveis e fun¸co˜es f ≃ 0 em R que n˜ ao s˜ao Borel-mensur´ aveis. 185 3.3. O Teorema de Fubini-Lebesgue 5. Sendo f : RN → [0, +∞] L-mensur´ avel, e F (λ) = {x ∈ RN : f (x) > λ}, definimos φ(λ) = mN (F (λ)) para λ ≥ 0. Mostre que φ ´e L-mensur´ avel, e Z ∞ Z f dmN . φdm = RN 0 Prove que se f ´e som´avel ent˜ ao λφ(λ) ≤ A < ∞. 6. Sendo f : E → R mensur´avel, mostre que os seguintes conjuntos s˜ao mensur´aveis. a) f −1 ([λ, +∞]) e f −1 ([−∞, −λ]), se λ > 0. b) f −1 ({λ}) (que ´e um conjunto de n´ıvel de f ), se λ 6= 0. c) A imagem inversa f −1 (I) de qualquer intervalo I ⊆ R, desde que 0 6∈ I. ˜o: No caso em que f ´e B-mensur´ sugesta avel, deve usar o teorema 3.3.21. 7. Seja f : E → R uma fun¸ca˜o mensur´avel em E, e S = {x ∈ E : f (x) 6= 0}. a) Prove que S ´e mensur´avel. b) Prove que f ´e mensur´avel em F ⊆ E se e s´o se F = A ∪ N , onde A ⊆ S ´e mensur´avel, e N ∩ S = ∅. c) Suponha que f ≥ 0 em E, e mostre que o integral indefinido de f ´e uma medida regular em Lf (E) = {A ⊆ E : f ´e L-mensur´ avel em A}.falso! 2 8.R Considere a fun¸ca˜o f : RN → [0, +∞[ dada por f (x) = e−|x| . Calcule ˜ RN f dmN . sugestao: Considere primeiro o caso N = 2. 9. Calcule o integral R 2 RN |x|2 e−|x| dmN . 10. Suponha que f : RN → R ´e som´avel, seja λ o respectivo integral indefinido, e En = {x ∈ RN : f (x) > n}. a) Prove que mN (En ) → 0, e λ(En ) → 0, quando n → ∞. b) Mostre que para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que Z Z mN (E) < δ =⇒ f dmN ≤ |f |dmN < ε. E E Rx c) Suponha que N = 1, e F (x) = −∞ f dm. Mostre que para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que, se os intervalos Ik =]xk , yk [ s˜ao disjuntos, 1 ≤ k ≤ n,(10 ) n X (yk − xk ) < δ =⇒ k=1 n X k=1 |F (yk ) − F (xk )| < ε. 10 Esta propriedade ´e mais forte do que a continuidade uniforme, como os exemplos em d) e e) mostram, e foi primeiro observada por Harnack, ainda no s´eculo XIX, a prop´ osito de integrais impr´ oprios absolutamente convergentes. Diz-se continuidade absoluta, conforme proposto por Vitali em 1905. 186 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue d) Verifique que a fun¸ca˜o dada por f (x) = x sen(1/x) para x 6= 0 n˜ ao verifica a propriedade descrita na al´ınea anterior no intervalo ]0, 1]. e) Verifique que a “escada do diabo”, que ´e uniformemente cont´ınua em R, n˜ ao verifica a propriedade referida no intervalo [0, 1]. 3.4 Fun¸ c˜ oes Mensur´ aveis f E1 E2 y4 s y3 y2 y1 E4 E3 Figura 3.4.1: Aproxima¸c˜ao do integral de f por uma soma finita. Os integrais de Lebesgue podem ser aproximados por somas finitas, que generalizam as somas inferiores de Darboux referidas no Cap´ıtulo 1. Curiosamente, a t´ecnica utilizada, descoberta por Lebesgue e ilustrada na figura 3.4.1, utiliza, tal como na teoria de Riemann, parti¸c˜oes em intervalos, mas agora no contradom´ınio da fun¸c˜ao f . Sendo f : E → [0, +∞] uma fun¸c˜ao mensur´ avel, onde E ⊆ RN , consideramos uma parti¸c˜ao finita 0 < y1 ≤ y2 ≤ · · · ≤ yn < +∞ do intervalo [0, +∞]. Recordamos que os conjuntos F (λ) = {x ∈ E : f (x) > λ} s˜ ao mensur´aveis quando λ ≥ 0, e definimos os conjuntos (ver figura 3.4.1):   F (yk )\F (yk+1 ) = {x ∈ E : yk < f (x) ≤ yk+1 }, se 1 ≤ k < n Ek =  F (yn ) = {x ∈ E : yn < f (x)}, se k = n. Os conjuntos Ek ⊆ RN s˜ ao claramente mensur´aveis e disjuntos. Consideramos igualmente os correspondentes conjuntos Rk = Ek ×]0, yk [⊆ RN +1 , que est˜ ao contidos na regi˜ ao de ordenadas Ω de f . Como a medida de Rk ´e dada por mN +1 (Rk ) = yk mN (Ek ) e estes conjuntos s˜ ao tamb´em disjuntos, deve 187 3.4. Fun¸c˜ oes Mensur´ aveis ser evidente que ! Z n n n X X [ f. yk mN (Ek ) ≤ mN +1 (Rk ) = Rk ≤ mN +1 (Ω), i.e., mN +1 k=1 k=1 k=1 E P A soma nk=1 yk mN (Ek )(11 ) ´e na verdade um integral de Lebesgue de uma fun¸c˜ ao de tipo muito especial. Definindo s : E → R por  yk , se x ∈ Ek     n , s(x) = [   0, se x ∈ 6 E  k  k=1 Sn ´e claro que s ´e mensur´ avel em E, porque k=1 Rk ´e a regi˜ ao de ordenadas de s em E, e temos por isso ! Z n n n X X [ yk mN (Ek ). mN +1 (Rk ) = Rk = s = mN +1 E k=1 k=1 k=1 A fun¸c˜ao s aproxima f por defeito, e ´e o que chamamos uma Defini¸ c˜ ao 3.4.1 (Fun¸c˜ ao simples). Se E ⊆ S ⊆ RN , e s : S → R, ent˜ao ˜o simples em E se e s´ dizemos que s ´e uma func ¸a o se s assume um n´ umero finito de valores em E, i.e., se e s´ o se o conjunto s(E) ´e finito. Quando s ´e uma fun¸c˜ ao simples em E ent˜ao s assume nesse conjunto n valores distintos α1 < α2 < · · · < αn e os conjuntos Ak = {x ∈ E : s(x) = αk } s˜ ao disjuntos. Mais geralmente, diremos que os conjuntos disjuntos ˜o apropriada `a fun¸c˜ao simples s se E1 , E2 , · · · , Em formam uma partic ¸a e s´ o se s ´e constante em cada um dos conjuntos Ek , e ´e nula fora da sua uni˜ ao. Neste caso, s ´e uma combina¸ca ˜o linear das fun¸co ˜es caracter´ısticas dos conjuntos Ek (restritas a E), porque se s(x) = βk quando x ∈ Bk ent˜ao s= m X βk χEk . k=1 As fun¸c˜ oes simples mensur´ aveis podem caracterizar-se da seguinte forma: Lema 3.4.2. Se s ´e simples em E, ent˜ ao s ´e mensur´ avel em E se e s´ o existe uma parti¸ca ˜o apropriada a s formada por conjuntos mensur´ aveis. Demonstra¸ca ˜o. Seja s simples e mensur´avel. Se s ´e nula nada temos a provar, e supomos assim que s assume n valores n˜ ao nulos α1 < α2 < · · · < αn , al´em de poder eventualmente assumir tamb´em o valor zero. Sendo 11 ao tamb´em somas da forma Pn As somas de Darboux mencionadas anteriormente s˜ y m (E ), mas nesse caso os conjuntos E s˜ a o rectˆ a ngulos limitados. N k k k k=1 188 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue Ak = {x ∈ E : s(x) = αk }, os conjuntos A1 , A2 , · · · , An formam uma parti¸c˜ ao apropriada a s, porque s˜ ao disjuntos e s ´e nula fora desses conjuntos. Sabemos do teorema de Fubini-Lebesgue que as sec¸c˜oes da regi˜ ao de ordenadas de s s˜ ao mensur´aveis, e ´e f´acil verificar que neste caso os conjuntos Ak s˜ ao mensur´ aveis. Supomos agora que existe uma parti¸c˜ao apropriada a s formada pelos conjuntos mensur´ aveis disjuntos E1 , E2 , · · · , Em tais que s(x) = βk quando x ∈ Ek . A regi˜ ao de ordenadas de s em E ´e dada por  m  ]0, βk [, se βk > 0 [ ΩE (s) = Rk , onde Rk = Ek × Ik e Ik = ∅, se βk = 0, e  k=1 ]βk , 0[, se βk < 0. Conclu´ımos que ΩE (s) ´e uma uni˜ ao finita de conjuntos mensur´aveis Rk , e ´e mensur´ avel, assim como a fun¸c˜ao s. Quando s ´e uma fun¸c˜ao simples mensur´ avel, passamos a dizer que P = ˜ {A1 , A2 , · · · , An } ´e uma partic ¸ ao apropriada `a fun¸c˜ao s apenas quando P ´e formada por conjuntos mensur´ aveis. Para evitar a introdu¸c˜ao de ´ındices sup´erfluos, designaremos o valor da fun¸c˜ao s no conjunto c ∈ P por sc . Exemplos 3.4.3. 1. A fun¸ca˜o de Dirichlet ´e uma fun¸ca˜o simples mensur´avel, porque ´e a fun¸ca˜o caracter´ıstica do conjunto mensur´avel Q. 2. Mais geralmente, as fun¸co˜es simples mensur´aveis s˜ao combina¸co˜es lineares finitas de fun¸co˜es caracter´ısticas de conjuntos mensur´ aveis. Os integrais de Lebesgue de fun¸c˜oes simples mensur´aveis s˜ ao efectivamente somas finitas semelhantes a somas de Darboux. Proposi¸ c˜ ao 3.4.4. Seja s : E → R simples e mensur´ avel em E ⊆ RN . Se P ´e uma parti¸ca ˜o apropriada a s ent˜ ao: X a) s ´e som´ avel em E se e s´ o se |sc |mN (c) < +∞. c∈P b) Se o integral de s em E existe, em particular se s ≥ 0 qtp em E, ou se s ´e som´ avel em E, ent˜ ao Z X sdmN = sc mN (c). E c∈P Demonstra¸ca ˜o. Se s ´e uma fun¸c˜ao simples n˜ ao-negativa, o conjunto Ω− E (s) (s) ´ e a uni˜ a o (finita) dos produtos cartesianos dis´e vazio, e o conjunto Ω+ E juntos Rc = c×]0, sc [, onde supomos sem perda de generalidade que sc > 0 para c ∈ P. Temos neste caso mN +1 (Rc ) = mN +1 (c×]0, sc [) = mN (c)m1 (]0, sc [) = sc mN (c). 189 3.4. Fun¸c˜ oes Mensur´ aveis mN (c) sc Rc sc′ Rc ′ c′ c sc′′ c′′ Rc′′ Figura 3.4.2: mN +1 (Rc ) = |sc |mN (c) Conclu´ımos que Z [ X X sdmN = mN +1 ( Rc ) = mN +1 (Rc ) = sc mN (c). E c∈P c∈P c∈P Deixamos as restantes afirma¸c˜ oes para o exerc´ıcio 1. Exemplo 3.4.5. Num caso como o da figura 3.4.1, existe uma parti¸ca˜o P apropriada `a fun¸ca˜o s ≤ f formada por rectˆ angulos limitados r, e o integral de s ´e uma soma (inferior) de Darboux de f , j´ a que X X αr mN (r) = αr cN (r), onde αr = inf{f (x) : x ∈ r}. r∈P r∈P As seguintes propriedades elementares das fun¸c˜oes simples mensur´aveis, e do respectivo integral de Lebesgue, s˜ ao muito f´aceis de estabelecer e ser˜ ao depois generalizadas a outras fun¸c˜oes mensur´aveis. Proposi¸ c˜ ao 3.4.6. Seja E ⊆ RN , c ∈ R, e s, t : S → R fun¸co ˜es simples mensur´ aveis em E. Temos ent˜ ao: a) cs, s+ , s− , |s|, s + t, e st s˜ ao simples, e mensur´ aveis em E. Se s e t s˜ ao n˜ ao-negativas em E, ou se s e t s˜ ao som´ aveis em E, temos ainda Z Z Z b) Aditividade: tdmN . sdmN + (s + t)dmN = E E E 190 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue c) Homogeneidade: Z (cs)dmN Z = c( sdmN ). E E Demonstra¸ca ˜o. Sejam P e Q parti¸c˜oes apropriadas, respectivamente, a s e a t. A parti¸c˜ ao P ´e apropriada a qualquer uma das fun¸c˜oes cs, s+ , s− , e |s|, que s˜ ao, por isso, simples e mensur´aveis. Sendo A= [ r∈P r ⊇ {x ∈ E : s(x) 6= 0}, B = [ r∈Q r ⊇ {x ∈ E : t(x) 6= 0}, juntamos o conjunto B\A (onde s = 0) a P para formar P ′ e juntamos A\B (onde t = 0) a Q para formar Q′ . O refinamento comum R = {p ∩ q : p ∈ P ′ , q ∈ Q′ } ´e uma parti¸c˜ao apropriada `as fun¸c˜oes s + t e st, que s˜ ao, por isso, simples e mensur´ aveis. Se s e t s˜ ao n˜ ao-negativas, e c ≥ 0, ent˜ao s + t e cs s˜ ao, tamb´em, n˜ aonegativas. Segue-se de 3.4.4 b) que: Z X X (s + t)dmN = (s + t)r mN (r) = (sr + tr )mN (r) = (i) E X r∈R r∈R sr mN (r) + X r∈R tr mN (r) = Z r∈R sdmN + Z tdmN . E E Se s e t s˜ ao som´ aveis ent˜ao |s + t| ´e som´ avel, porque |s + t| ≤ |s| + |t|, e Z Z Z Z |t| dmN , |s| dmN + (|s| + |t|) dmN = |s + t| dmN ≤ E E E E de acordo com (i). Conclu´ımos, novamente de 3.4.4 b), que (i) tamb´em ´e v´alida para fun¸c˜ oes simples som´ aveis. O pr´ oximo teorema introduz uma outra caracteriza¸c˜ao das fun¸c˜oes mensur´ aveis, e permite com frequˆencia estabelecer propriedades destas fun¸c˜oes por generaliza¸c˜ ao das correspondentes propriedades das fun¸c˜oes simples mensur´ aveis. De acordo com este resultado, as fun¸co ˜es mensur´ aveis s˜ ao limites pontuais de sucess˜ oes de fun¸co ˜es simples mensur´ aveis. Teorema 3.4.7. Se f : E → R, onde E ⊆ RN , ent˜ ao f ´e mensur´ avel em E se e s´ o existe uma sucess˜ ao de fun¸co ˜es simples mensur´ aveis em E, sn : E → R tais que sn (x) → f (x), e |sn (x)| ր |f (x)|, para qualquer x ∈ E. Neste caso, se f ≥ 0 ou se f ´e som´ avel temos ainda que Z Z f dmN . sn dmN → E E 191 3.4. Fun¸c˜ oes Mensur´ aveis Demonstra¸ca ˜o. Se existe uma sucess˜ao de fun¸c˜oes simples mensur´aveis sn , tais que sn (x) → f (x), para qualquer x ∈ E, ent˜ao f ´e mensur´avel, de acordo com o teorema 3.2.2. Como |sn (x)| ր |f (x)|, aplicamos o Teorema de Beppo Levi (se f ≥ 0) ou o Teorema da Convergˆencia Dominada de Lebesgue (se f ´e som´ avel) para obter Z Z f dmN . sn dmN → E E Supomos, portanto, que f ´e mensur´avel em E, e passamos a definir a sucess˜ ao de fun¸c˜ oes simples mensur´ aveis sn em causa. Consideramos primeiro o caso f ≥ 0, e recordamos do in´ıcio desta sec¸c˜ao que, dados pontos 0 < y1 < · · · < ym < +∞, ´e f´acil determinar uma fun¸c˜ao simples mensur´avel s ≤ f tomando s= m X yk χEk , onde Ek = f −1 (]yk , yk+1 ]) se k < m e Em = f −1 (]ym , +∞]). k=1 Escrevendo P = {y1 , y2 , · · · , ym }, designamos por ∆(P) o m´ aximo comprimento dos intervalos [yk , yk+1 ], ou seja, ∆(P) = max{yk+1 −yk : 1 ≤ k < m}. Definimos aqui a sucess˜ao de fun¸c˜ oes sn a partir de uma sucess˜ao apropriada de parti¸c˜ oes Pn = {yn,k : 1 ≤ k ≤ mn }, onde 0 < yn,k < yn,k+1 . Os detalhes da defini¸c˜ ao de Pn s˜ ao em larga medida irrelevantes, e para efeitos desta demonstra¸c˜ ao ´e apenas necess´ario garantir que: (1) As parti¸c˜ oes Pn resultam de sucessivos refinamentos, i.e., Pn ⊂ Pn+1 , (2) max Pn ր +∞ e min Pn ց 0, e (3) ∆(Pn ) → 0. Estas condi¸c˜ oes s˜ ao satisfeitas tomando, por exemplo, min Pn = k 1 , max Pn = n e yn,k = n , 1 ≤ k ≤ n2n , donde mn = n2n . 2n 2 Por outras palavras, dividimos o intervalo ]0, n] em n2n subintervalos de n comprimento 21n , do tipo ] 2kn , k+1 2n ], onde 0 ≤ k < n2 . A correspondente fun¸c˜ao sn : E → [0, +∞[ ´e dada por  n n2n  {x ∈ E : 2kn < f (x) ≤ k+1 X 2n }, se k < n2 k sn = χE , com En,k =  2n n,k k=1 {x ∈ E : f (x) > n}, se k = n2n As fun¸c˜ oes sn s˜ ao simples e mensur´aveis, e ´e quase evidente que (4) Como Pn ⊂ Pn+1 , temos sn (x) ≤ sn+1 (x) para qualquer x ∈ E. Para mostrar que sn (x) → f (x), consideramos os seguintes casos: 192 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue (5) Se f (x) = 0, ent˜ ao sn (x) = 0 → 0 = f (x). (6) Se f (x) = +∞, ent˜ao sn (x) = n → +∞ = f (x). (7) Se 0 < f (x) < +∞ e n > f (x) existe k < n2n tal que k+1 1 k < f (x) ≤ , donde sn (x) ≤ f (x) < sn (x)+ n e sn (x) → f (x). 2n 2n 2 Conclu´ımos de (4) a (7) que sn (x) ր f (x) para qualquer x ∈ E. Se f : E → R ´e mensur´avel, existem fun¸c˜oes simples mensur´aveis un (x) ր f + (x) e vn (x) ր f − (x), donde sn (x) = un (x) − vn (x) → f (x) ´ claro que para qualquer x ∈ E. E |sn (x)| = |un (x) − vn (x)| = un (x) + vn (x) ր f + (x) + f − (x) = |f (x)|. Sublinhe-se que a demonstra¸c˜ao do teorema anterior n˜ ao usa directamente a mensurabilidade da fun¸ca ˜o f , mas apenas a mensurabilidade dos conjuntos f −1 (]λ, +∞]) e f −1 ([−∞, −λ[) para λ > 0. Podemos por isso provar ao as seguintes afirma¸co ˜es Lema 3.4.8. Se f : E → R, onde E ⊆ RN , ent˜ s˜ ao equivalentes: a) f ´e mensur´ avel em E, b) f −1 (]λ, +∞]) e f −1 ([−∞, −λ[) s˜ ao mensur´ aveis para qualquer λ > 0, c) Existem fun¸co ˜es simples mensur´ aveis sn : E → R tais que sn (x) → f (x) para qualquer x ∈ E. Demonstra¸ca ˜o. Notamos apenas que • a) ⇒ b), de acordo com 3.3.20 e 3.3.21. • b) ⇒ c), de acordo com a demonstra¸c˜ao do teorema 3.4.7. • c) ⇒ a), de acordo com 3.2.2. Passamos a estabelecer diversas propriedades b´ asicas da classe das fun¸c˜oes mensur´ aveis e do integral de Lebesgue. Baseamo-nos aqui em larga medida na aproxima¸ca ˜o de integrais de Lebesgue por integrais de fun¸c˜oes simples, que como j´a diss´emos substitui a aproxima¸c˜ao de integrais de Riemann por somas de Darboux. ao mensur´ aveis em E e c ∈ R, ent˜ ao Teorema 3.4.9. Se f, g : E → R s˜ 193 3.4. Fun¸c˜ oes Mensur´ aveis a) As fun¸co ˜es f g e cf s˜ ao mensur´ aveis em E. b) As fun¸co ˜es f + g e f − g s˜ ao mensur´ aveis nos conjuntos onde est˜ ao definidas. Em particular, c) Se f, g ≥ 0 em E, ent˜ ao f + g ´e mensur´ avel em E. d) Se f e g s˜ ao finitas em E, ent˜ ao f + g e f − g s˜ ao mensur´ aveis em E. Demonstra¸ca ˜o. Existem fun¸c˜ oes simples mensur´aveis sn , tn tais que sn (x) → f (x), tn (x) → g(x), |sn (x)| ր |f (x)|, e |tn (x)| ր |g(x)|. Temos sn (x)tn (x) → f (x)g(x), para qualquer x ∈ E, j´a que a indetermina¸c˜ao 0 × ∞ pode ser trivialmente levantada(12 ). Conclu´ımos que f g ´e uma fun¸c˜ ao mensur´ avel em E. Temos tamb´em csn (x) → cf (x), para qualquer x ∈ E, o que termina a verifica¸c˜ao de a). Os casos da soma e da diferen¸ca s˜ ao semelhantes, e ilustramos o tipo de argumento necess´ario com a soma, que est´ a definida em E\F , onde F = {x ∈ E : |f (x)| = ∞, e g(x) = −f (x)} . Deixamos para o exerc´ıcio 7 verificar que o conjunto F ´e mensur´avel. Supomos as fun¸c˜ oes sn e tn definidas como na demonstra¸c˜ao de 3.4.7, e observamos que • Quando x ∈ E\F , ´e ´ obvio que sn (x) + tn (x) → f (x) + g(x). • Quando x ∈ F , temos f (x) = +∞ e g(x) = −∞, ou f (x) = −∞ e g(x) = +∞. No primeiro caso, sn (x) = n e tn (x) = −n, e no segundo caso sn (x) = −n e tn (x) = n. Em ambos os casos, temos sn (x) + tn (x) = 0 → 0. Conclu´ımos que sn (x) + tn (x) → h(x) para qualquer x ∈ E, onde h ´e mensur´ avel em E e a fun¸c˜ ao f + g ´e a restri¸c˜ao de h a E\F . Como h ´e nula fora de E\F , temos ainda que h = f + g ´e mensur´avel em E\F . As afirma¸c˜ oes c) e d) s˜ ao consequˆencias evidentes de b). A aditividade e homogeneidade do integral, estabelecidas em 3.4.6 para as fun¸c˜oes simples, podem ser generalizadas como se segue. Teorema 3.4.10. Sejam f, g : E → R mensur´ aveis em E, e c ∈ R. Se f, g ≥ 0 em E, ou se f e g s˜ ao finitas e som´ aveis em E, ent˜ ao Z Z Z gdmN . f dmN + (f + g)dmN = a) Aditividade: E 12 E E Recorde que f g est´ a definido em E, e convencion´ amos que 0 × (±∞) = 0. 194 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue b) Homogeneidade: Z (cf )dmN = c E Z E  f dmN . Demonstra¸ca ˜o. De acordo com o teorema 3.4.7, existem fun¸c˜oes simples mensur´ aveis sn e tn tais que sn (x) → f (x), tn (x) → g(x), |sn (x)| ր |f (x)| e |tn (x)| ր |g(x)|. Por outro lado, a aditividade do integral de fun¸c˜oes simples (estabelecida na proposi¸c˜ao 3.4.6) permite-nos concluir que Z Z Z Z Z gdmN . f dmN + tn dmN → sn dmN + (sn + tn )dmN = (1) E E E E E Para terminar a verifica¸c˜ao de a), basta-nos mostrar que Z Z (sn + tn )dmN → (f + g)dmN . (2) E E Notamos que sn + tn → f + g para qualquer x ∈ E, e dividimos a demonstra¸c˜ ao de (2) em dois casos: (i) Se f e g s˜ ao n˜ ao-negativas, ent˜ao sn + tn ր f + g, e (2) ´e consequˆencia da propriedade de Beppo Levi. (ii) Se as fun¸c˜ oes f e g s˜ ao som´ aveis, ent˜ao |sn +tn | ≤ |sn |+|tn | ≤ |f |+|g|, e a fun¸c˜ ao |f | + |g| ´e som´ avel, porque, de acordo com (i), Z Z Z |g|dmN < ∞. |f |dmN + (|f | + |g|)dmN = E E E A afirma¸c˜ ao (2) resulta agora do teorema da convergˆencia dominada de Lebesgue. A propriedade de homogeneidade pode provar-se para qualquer fun¸c˜ao f para a qual exista o respectivo integral de Lebesgue (exerc´ıcio 5). Prov´amos a aditividade do integral para fun¸c˜oes som´ aveis apenas quando estas s˜ ao finitas na regi˜ ao de integra¸c˜ao, mas esta restri¸c˜ao ´e em certo sentido sup´erflua. Qualquer fun¸c˜ao som´ avel ´e finita qtp, e portanto a soma f + g est´ a definida, e ´e mensur´avel e finita em F ⊆ E, onde mN (E\F ) = 0. Se h ´e mensur´ avel em E e h ≃ f + g em F , ´e evidente que Z Z Z hdmN = (f + g)dmN = hdmN = = f dmN + F F F E Z Z gdmN = F Z E f dmN + Z gdmN . E Veremos na pr´ oxima sec¸c˜ao como tornear estas dificuldades usando classes de equivalˆencia determinadas pela rela¸c˜ao “≃”. Registe-se ainda o seguinte corol´ ario do teorema 3.4.7: 195 3.4. Fun¸c˜ oes Mensur´ aveis Corol´ ario 3.4.11. Se f ´e som´ avel Zem E ⊆ RN e ε > 0 existe uma fun¸ca ˜o s, simples e som´ avel em E, tal que E |f − s|dmN < ε. Demonstra¸ca ˜o. Como vimos em 3.4.7, existem fun¸c˜oes simples mensur´aveis sn tais que sn → f , e |sn | ≤ |f |. A fun¸c˜ao |f − sn | est´ a definida e ´e mensur´ avel em E, e ´e tamb´em som´ avel, porque |f − sn | ≤ |f | + |sn | ≤ 2|f |. Como |f − sn | → 0, segue-se do teorema da convergˆencia dominada que R c˜ao. E |f − sn |dmN → 0, o que conclui a demonstra¸ Os dois resultados seguintes s˜ ao ainda consequˆencias do teorema 3.4.7. O primeiro ´e um complemento interessante do teorema 3.2.2, e a sua demonstra¸c˜ ao ´e referida nos exerc´ıcios 8 e 9. A demonstra¸c˜ao do segundo est´ a esbo¸cada no exerc´ıcio 10. Teorema 3.4.12. Se as fun¸co ˜es fn : E → R s˜ ao mensur´ aveis em E ⊆ RN , F ⊆ E ´e o conjunto onde existe lim fn (x) e f (x) = lim fn (x) para x ∈ F , n→∞ n→∞ ent˜ ao f ´e mensur´ avel em F . avel em E se e s´ o se existe uma Teorema 3.4.13. f : E → R ´e L-mensur´ fun¸ca ˜o g : E → R, B-mensur´ avel em E, tal que g ≃ f em E. A defini¸c˜ ao de “fun¸c˜ ao mensur´avel” que us´ amos at´e aqui ´e a defini¸c˜ao original de Lebesgue, mas n˜ ao ´e a u ´nica poss´ıvel, e ´e u ´til conhecer e explorar outras alternativas. Recorde-se do lema 3.4.8 que f : E → R ´e mensur´avel se e s´ o se, para qualquer λ > 0, f −1 (A) ´e mensur´ avel quando A =]λ, ∞] e quando A = [−∞, −λ[. Propomo-nos agora estudar a classe dos conjuntos A ⊆ R com imagem inversa f −1 (A) mensur´ avel, e come¸camos com um lema abstracto. Lema 3.4.14. Seja (X, M) um espa¸co mensur´ avel, E ∈ M um conjunto M-mensur´ avel, Y um conjunto qualquer, e f : E → Y uma fun¸ca ˜o. Se  A = A ⊆ Y : f −1 (A) ∈ M , ent˜ ao A ´e uma σ-´ algebra em Y . Demonstra¸ca ˜o. Basta-nos observar que: • Como f −1 (Y ) = E ∈ M, temos Y ∈ A. • f −1 (Ac ) = E\f −1 (A), donde A ∈ A ⇒ Ac ∈ A. 196 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue • f −1 ∞ [ n=1 An ! = ∞ [ f −1 (An ) e, por isso, n=1 An ∈ A ⇒ f −1 (An ) ∈ M ⇒ ∞ [ n=1 f −1 (An ) ∈ M ⇒ ∞ [ n=1 An ∈ A. Este lema pode ser aplicado a fun¸c˜oes f : E → R, supondo que E ⊆ RN ´e mensur´ avel, e conduz facilmente a Teorema 3.4.15. Seja E ⊆ RN um conjunto mensur´ avel. Se f : E → R, ent˜ ao as seguintes condi¸co ˜es s˜ ao equivalentes: a) {x ∈ E : f (x) > λ} ´e mensur´ avel, para qualquer λ ∈ R. b) f −1 (I) ´e mensur´ avel, para qualquer intervalo I ⊆ R. c) f ´e mensur´ avel em E. Demonstra¸ca ˜o. A classe A = {A ⊆ R : f −1 (A) ´e mensur´avel } ´e uma σalgebra em R, pelo lema 3.4.14. ´ a) ⇒ b): A σ-´ algebra A cont´em os intervalos ]λ, ∞], para qualquer λ ∈ R. Portanto cont´em igualmente: • Os intervalos ]α, β] =]α, ∞]\[β, ∞], para quaisquer α, β ∈ R. • Os conjuntos {β} = ∞ \ ]β − n=1 1 , β], para qualquer β ∈ R. n Deixamos como exerc´ıcio mostrar que A cont´em todos os intervalos I ⊆ R. b) ⇒ c): A σ-´ algebra A cont´em evidentemente os intervalos [−∞, −λ[ e ]λ, ∞], para qualquer λ. Conclu´ımos do lema 3.4.8 que f ´e mensur´avel em E. c) ⇒ a): Sabemos de 3.4.8 que a σ-´algebra A cont´em os intervalos [−∞, −λ[ e ]λ, ∞], para qualquer λ > 0. Deixamos como exerc´ıcio mostrar que A cont´em os intervalos da forma ]λ, ∞], para qualquer λ ∈ R. O resultado anterior pode tamb´em ser adaptado como se segue. Teorema 3.4.16. Se E ⊆ RN ´e mensur´ avel e f : E → RM , ent˜ ao f ´e −1 mensur´ avel se e s´ o se f (B) ´e mensur´ avel, para qualquer B ∈ B(RM ). Demonstra¸ca ˜o. Consideramos novamente a classe  A = B ⊆ RM : f −1 (B) ´e mensur´avel . 197 3.4. Fun¸c˜ oes Mensur´ aveis Supomos primeiro que f = (f1 , f2 , · · · , fM ) ´e mensur´avel: Seja B = I1 × I2 × · · · × IM um rectˆ angulo aberto, onde os conjuntos Ik s˜ ao intervalos abertos. Como cada fun¸c˜ ao fk ´e mensur´avel, temos f −1 (B) = {x ∈ E : fk (x) ∈ Ik , 1 ≤ k ≤ n} = M \ fk−1 (Ik ) ´e mensur´avel. k=1 Conclu´ımos que a σ-´ algebra A cont´em todos os rectˆ angulos abertos, e consequentemente, todos os conjuntos Borel-mensur´aveis. Supomos agora que f −1 (B) ´e mensur´avel, para qualquer B ∈ B(RM ): Sendo B = I1 × I2 × · · · × IM , onde Ik = R, para k 6= j, e Ij = I ´e um intervalo arbitr´ario, o conjunto B ´e B-mensur´avel, e portanto f −1 (B) ´e mensur´avel. Como f −1 (B) = {x ∈ E : fk (x) ∈ Ik } = M \ fk−1 (Ik ) = fj−1 (I), k=1 conclu´ımos que fj ´e mensur´ avel, para qualquer j, donde f ´e mensur´avel. Podemos ainda mostrar que a composi¸c˜ao de uma fun¸c˜ao B-mensur´avel com qualquer fun¸c˜ ao mensur´ avel ´e mensur´avel: Corol´ ario 3.4.17. Seja E ⊆ RN mensur´ avel e f = (f1 , f2 , · · · , fM ) : E → M M R mensur´ avel em E. Se g : R → R ´e B-mensur´ avel em RM , ent˜ ao a composta h = g ◦ f ´e mensur´ avel em E. Demonstra¸ca ˜o. Se A ⊆ R ´e B-mensur´avel, ent˜ao B = g−1 (A) ´e B-mensur´avel, e portanto h−1 (A) = f −1 (g−1 (A)) = f −1 (B) ´e mensur´avel, e a fun¸c˜ao h ´e mensur´ avel. ´ muito comum usar a afirma¸c˜ao a) no teorema 3.4.15 como a defini¸c˜ao E de “fun¸c˜ ao mensur´ avel”, supondo que a fun¸c˜ao em causa est´ a definida num conjunto mensur´ avel. Esta alternativa tem as seguintes vantagens: • Torna evidente que as fun¸c˜ oes cont´ınuas s˜ ao Borel-mensur´ aveis, ´ directamente aplic´ • E avel a fun¸c˜oes f : E → RM , mesmo quando E ⊆ X, onde (X, M) ´e um espa¸co mensur´avel “arbitr´ario”. O seu principal inconveniente, e uma das raz˜ oes pela qual n˜ ao foi aqui adoptada, ´e a de obscurecer as rela¸c˜ oes muito directas que existem entre as no¸c˜oes de mensurabilidade para conjuntos, e para fun¸c˜oes, e entre as no¸c˜oes de medida para conjuntos, e integral para fun¸c˜oes. Veremos no Cap´ıtulo 5 como a defini¸c˜ao 3.1.1, que adopt´ amos neste texto, pode ser generalizada para um qualquer espa¸co de medida (X, M, µ). 198 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue Aproveitamos para estabelecer uma vers˜ ao da desigualdade de Jensen(13 ). Recordamos para isso alguns factos elementares relacionados com as no¸c˜oes de convexidade, e concavidade, tais como se aplicam a fun¸c˜oes reais de vari´ avel real. αf (x) + (1 − α)f (y) g(αx + (1 − α)y) αg(x) + (1 − α)g(y) f (αx + (1 − α)y) f (x) f (y) g g(y) f x αx + (1 − α)y g(x) y x αx + (1 − α)y y Figura 3.4.3: f (` a esquerda) ´e convexa, g (`a direita) ´e cˆoncava. Defini¸ c˜ ao 3.4.18 (Fun¸c˜oes Convexas, Cˆ oncavas). Se f : I → R est´ a definida num intervalo I ⊆ R, ent˜ao f ´e convexa em I se e s´ o se s, t ∈ I, α, β ≥ 0, e α + β = 1 =⇒ f (αs + βt) ≤ αf (s) + βf (t). ˆ ncava se e s´ A fun¸c˜ ao f diz-se co o se −f ´e convexa.(14 ) O significado geom´etrico destas defini¸c˜oes ´e ilustrado na figura 3.4.3: f ´e convexa se e s´ o se o seu gr´ afico est´ a sob qualquer uma das suas cordas, e cˆ oncava se o seu gr´ afico est´ a sobre as respectivas cordas. Deixamos para o exerc´ıcio 14 a demonstra¸c˜ao do seguinte resultado auxiliar: Lema 3.4.19. Se f ´e convexa no intervalo aberto I ent˜ ao f ´e cont´ınua em I e f (z) − f (y) f (y) − f (x) ≤ . Se x < y < z ∈ I, ent˜ ao y−x z−y Teorema 3.4.20 (Desigualdade de Jensen). Seja I ⊆ R um intervalo aberto e φ uma fun¸ca ˜o real convexa em I. Se E ⊆ RN , mN (E) < ∞, f : E → R ´e som´ avel em E e f (E) ⊆ I, ent˜ ao   Z Z 1 1 f dmN ≤ φ(f )dmN . φ mN (E) E mN (E) E 13 De Johan Jensen, 1859-1925, matem´ atico dinamarquˆes. ˜ o convexa de s e t. Note-se que se f tem segunda z = αs + βt diz-se uma combinac ¸a derivada f ′′ ent˜ ao ´e cˆ oncava se e s´ o se f ′′ ≤ 0. 14 199 3.4. Fun¸c˜ oes Mensur´ aveis Demonstra¸ca ˜o. Definimos Z φ(y) − φ(α) 1 f (x)dmN e K = inf . α= y>α mN (E) E y−α Supondo que x < α < y, segue-se facilmente do lema 3.4.19 que φ(y) − φ(α) φ(α) − φ(x) ≤K≤ . α−x y−α Temos assim que φ(y) − φ(α) ≥ K(y − α), para qualquer y ∈ R. Tomando agora y = f (x), conclu´ımos que φ(f (x)) ≥ φ(α) + K(f (x) − α), para qualquer x ∈ R. A fun¸c˜ao φ ◦ f ´e mensur´ avel, pelo corol´ ario 3.4.17, e ´e f´acil verificar que o seu integral em E est´ a definido. Temos portanto: Z Z φ(f (x))dmN ≥ φ(α)mN (E) + K (f (x) − α)dmN = φ(α)mN (E). E E Exerc´ıcios. 1. Complete a demonstra¸ca˜o de 3.4.4. 2. Mostre que as fun¸co˜es simples mensur´aveis em RN formam o menor espa¸co vectorial que cont´em as fun¸co˜es caracter´ısticas dos conjuntos mensur´aveis. 3. Suponha que f : E → R ´e mensur´avel, e finita qtp. Mostre que existe uma fun¸ca˜o mensur´avel g : E → R tal que f ≃ g. 4. Seja s : RN → R uma fun¸ca˜o simples mensur´avel n˜ ao-negativa, ou som´avel, em RN . Supondo que s assume os valores α1 , α2 , · · · , αn , respectivamente, nos conjuntos mensur´aveis A1 , A2 , · · · , An , e E ∈ L(RN ), mostre que Z sdmN = E n X k=1 αk mN (Ak ∩ E). R ∈ R ent˜ ao o integral 5. Mostre que se o integral de Lebesgue E f dmNZexiste e c  Z Z (cf )dmN = c (cf )dmN tamb´em existe, e f dmN . E E E 6. Sendo f : R → R L-mensur´ avel e diferenci´ avel qtp, mostre que a derivada f ′ ´e L-mensur´ avel. 7. Mostre que o conjunto F referido na demonstra¸ca˜o de 3.4.9 ´e mensur´avel. 200 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue 8. Sendo f, g : E → R mensur´aveis, mostre que D = {x ∈ E : f (x) 6= g(x)} ´e mensur´avel, e que se E ´e mensur´avel ent˜ ao {x ∈ E : f (x) = g(x)} ´e tamb´em ˜o: Mostre que existe uma fun¸ca˜o mensur´avel h : E → R mensur´avel. sugesta tal que D = {x ∈ E : h(x) 6= 0}. 9. Demonstre o teorema 3.4.12. Mostre que o conjunto onde o limite existe ´e ˜o: Aplique o mensur´avel, desde que o conjunto E seja mensur´avel. sugesta exerc´ıcio anterior ` as fun¸co˜es lim sup fn e lim inf fn . n→∞ n→∞ 10. Mostre que f ´e L-mensur´ avel em E se e s´o se existe uma fun¸ca˜o g, B˜o: Existem fun¸co˜es simples mensur´avel em E, tal que f ≃ g em E. sugesta L-mensur´ aveis sn tais que sn (x) → f (x) para qualquer x ∈ E. Observe que existem fun¸co˜es simples B-mensur´ aveis tn tais que sn ≃ tn em E, donde tn (x) → f (x) qtp em E. 11. Conclua a demonstra¸ca˜o de 3.4.15. M 12. Sendo f : RN → R mensur´avel, e g(x) = |f (x)|, prove que g ´e mensur´avel. Supondo que o integral `a esquerda existe, demonstre ainda a desigualdade triangular, na forma: Z Z f dmN ≤ |f | dmN . E E 13. Prove que se E ⊆ RN , e f : E → [0, +∞] ´e mensur´avel em E, ent˜ ao Z  Z f dmN = sup sdmN : s simples e mensur´avel, com s ≤ f . E E ˜o: Sendo m(u, v) o declive da corda que 14. Demonstre o lema 3.4.19. sugesta passa pelos pontos do gr´afico de f com abcissas u e v, observe que m(x, y) ≤ m(x, z) ≤ m(y, z). 15. A fun¸ca˜o φ◦f referida na demonstra¸ca˜o do teorema 3.4.20 ´e necessariamente som´avel em E? O seu integral est´ a sempre definido? 3.5 Fun¸ c˜ oes Som´ aveis O estudo das fun¸c˜ oes finitas qtp ´e simplificado identificando (i.e., tratando como um u ´nico objecto) fun¸c˜oes mensur´aveis que diferem entre si num conjunto de medida nula. Esta identifica¸c˜ao resume-se a considerar, no lugar do espa¸co de todas as fun¸co˜es mensur´aveis e finitas qtp f : E → R, o respectivo conjunto quociente pela rela¸c˜ao “≃”, que designaremos aqui F(E). Por outras palavras, se F (E) ´e o conjunto de todas as fun¸c˜oes mensur´aveis e finitas qtp f : E → R, e se para f ∈ F (E) temos [f ] = {g ∈ F (E) : g ≃ f } ent˜ ao F (E) = { [f ] : f ∈ F (E) } . F(E) = ≃ 201 3.5. Fun¸c˜ oes Som´ aveis Dadas classes de equivalˆencia [f ], [g] ∈ F(E), existem representantes f˜ ∈ [f ] e g˜ ∈ [g], i.e., fun¸c˜ oes f˜ ≃ f e g˜ ≃ g, tais que f˜, g˜ : E → R, e podemos por isso definir [f ] + [g] = [f˜ + g˜]. Se c ∈ R, podemos definir directamente ´ muito simples verificar que, com estas opera¸c˜oes alg´ebricas, c[f ] = [cf ]. E Teorema 3.5.1. F(E) ´e um espa¸co vectorial. Repare-se que se f : F → R ´e mensur´avel e finita qtp em F ⊆ E, onde mN (E\F ) = 0, ent˜ ao f determina uma u ´nica classe em F(E), de acordo com a proposi¸c˜ ao 3.1.5. Podemos por isso usar o s´ımbolo “[f ]”, mesmo quando f n˜ ao est´ a definida em todo o conjunto E. Em geral, escreveremos mesmo apenas f , no lugar de [f ]. Bem entendido, devemos sempre verificar que as no¸c˜ oes que associamos a uma qualquer classe [f ] s˜ ao efectivamente independentes do representante f escolhido. Exemplos 3.5.2. 1. A soma [f ] + [g] = [f + g] est´ a bem definida, porque se f ≃ f ∗ e g ≃ g ∗ ent˜ ao ∗ ∗ f + g ≃ f + g . Repare-se que a soma [f ] + [g] est´ a bem definida, mesmo que a soma usual f + g esteja apenas definida qtp em E, o que resolve a quest˜ ao da soma de fun¸co˜es som´aveis que mencion´amos na sec¸ca˜o anterior. ´ razo´avel referirmo-nos a classes de equivalˆencia “som´aveis”, e ao respectivo 2. E integral, porque se uma dada classe tem um representante som´avel f , ent˜ ao qualquer outro representante da mesma classe ´e igualmente som´avel, e tem o mesmo integral. Em particular, o integral est´ a bem definido no conjunto das classes som´aveis. 3. A convergˆencia pontual qtp est´ a tamb´em bem definida em F (E). Por outras palavras, f (x) = lim fn (x) qtp em E e f˜n ≃ fn =⇒ f (x) = lim f˜n (x), qtp em E. n→∞ n→∞ Se as classes [f ] e [g] s˜ ao som´ aveis, e c ∈ R, ´e claro que [f + g] e [cf ] s˜ ao som´ aveis, i.e., as classes de fun¸c˜ oes som´ aveis formam um subespa¸co vectorial de F(E). Defini¸ c˜ ao 3.5.3 (Espa¸co L1 ). L1 (E) ´e formado pelas classes de fun¸c˜oes aveis, i.e., f : E → R som´   Z 1 |f |dmN < ∞ . L (E) = [f ] ∈ F(E) : kf k1 = E R A fun¸c˜ ao k[f ]k1 = kf k1 = E |f |dmN ´e uma norma em L1 (E), e L1 (E) ´e um espa¸co vectorial normado, porque • Se f, g ∈ L1 (E), a desigualdade kf +gk1 ≤ kf k1 +kgk1 ´e a desigualdade triangular. 202 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue • Se f ∈ L1 (E) e c ∈ R, ´e ´obvio que kcf k1 = |c|kf k1 . • kf k1 = 0 ⇐⇒ f ≃ 0 ⇐⇒ [f ] = [0]. Como em qualquer espa¸co vectorial normado, uma sucess˜ao de termo geral fn ∈ L1 (E) diz-se • convergente (em L1 ) se e s´ o se existe f ∈ L1 (E) tal que kfn − f k1 → 0, quando n → ∞, e • fundamental ou de Cauchy (em L1 ) se e s´ o se kfn − fm k1 → 0, quando n, m → ∞. R De acordo com o teorema 3.4.10, podemos dizer que φ(f ) = E f dmN ´ ´obvio da desigualdade triangular ´e um funcional linear em L1 (E). E usual que Z Z |φ(f ) − φ(g)| = |φ(f − g)| = (f − g) dmN ≤ |f − g| dmN = kf − gk1 , E E e portanto φ ´e tamb´em um funcional linear cont´ınuo(15 ). O teorema da convergˆencia dominada de Lebesgue (3.2.8) pode ser refor¸cado como se segue, e o exerc´ıcio 6 revela que esta observa¸c˜ao n˜ ao ´e trivial. Teorema 3.5.4 (Teorema da Convergˆencia Dominada de Lebesgue). Sendo fn ∈ L1 (E), suponha-se que • Existe uma fun¸ca ˜o som´ avel F : E → [0, +∞] tal que |fn (x)| ≤ F (x), qtp em E, e • f (x) = lim fn (x), qtp em E. n→∞ Temos ent˜ ao: a) f ∈ L1 (E), b) fn → f em L1 , e em particular, Z Z f dmN , quando n → ∞. fn dmN → c) E E Demonstra¸ca ˜o. Podemos supor, sem perda de generalidade (porquˆe?), que • As fun¸c˜ oes fn e F s˜ ao finitas em E, • f (x) = lim fn (x), para qualquer x ∈ E, e n→∞ • |fn (x)| ≤ F (x), tamb´em para qualquer x ∈ E. 15 L1 (E) ´e em geral um espa¸co vectorial de dimens˜ ao infinita, e como tal existem transforma¸c˜ oes lineares em L1 (E) que n˜ ao s˜ ao cont´ınuas. 203 3.5. Fun¸c˜ oes Som´ aveis f ´e L-mensur´ avel em E, e ´e som´ avel e finita em E porque |f (x)| ≤ F (x). Como as fun¸c˜ oes gn = |fn − f | satisfazem gn ≤ 2F , e lim gn (x) = 0, n→∞ segue-se de 3.2.8 que Z Z |fn − f |dmN = 0. gn dmN = lim lim n→∞ E n→∞ E Exemplo 3.5.5. a transformada de fourier: Se f : R → R ´e som´avel, a sua transformada de Fourier ´e a fun¸ca˜o T (f ) : R → C dada por: Z ∞ Z ∞ Z ∞ −iωx T (f )(ω) = f (x)e dm = f (x) cos(ωx)dm−i f (x) sen(ωx)dm. −∞ −∞ −∞ A fun¸ca˜o T (f ) est´ a bem definida, porque a integranda acima ´e mensur´ avel, por ser um produto de fun¸co˜es mensur´aveis, e som´avel, dado que f (x)e−iωx ≤ |f (x)|. Por outro lado, se ωn → ω, segue-se da continuidade da exponencial complexa que f (x)e−iωn x → f (x)e−iωx . Conclu´ımos do teorema da convergˆencia dominada de Lebesgue que T (f )(ωn ) → T (f )(ω). Por outras palavras, a transformada de Fourier de uma fun¸ca˜o som´avel ´e uma fun¸ca˜o cont´ınua. O exerc´ıcio 3 refere mais algumas propriedades da transformada de Fourier. A aditividade do integral para somas finitas de fun¸c˜oes mensur´aveis n˜ aonegativas, ou para somas finitas em L1 (E), estabelece-se facilmente por ˜o-negativas ´e surindu¸c˜ao. A sua generaliza¸c˜ ao a s´ eries de fun¸c˜oes na preendentemente simples, e livre dos problemas t´ecnicos existentes na teoria de Riemann: Qualquer s´erie de fun¸co ˜es mensur´ aveis n˜ ao-negativas pode ser integrada termo-a-termo. A demonstra¸c˜ ao deste facto ´e uma ligeira adapta¸c˜ao do argumento que utiliz´amos a prop´osito do exemplo 3.2.4. Teorema 3.5.6. Se as fun¸co ˜es fn : E → [0, +∞] s˜ ao mensur´ aveis em E, ∞ X fn ´e mensur´ avel em E, e ent˜ ao a fun¸ca ˜o n=1 Z E ∞ X n=1 ! fn dmN = ∞ Z X n=1 fn dmN E  . 204 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue Demonstra¸ca ˜o. Observamos que gm (x) = m X n=1 fn (x) ր f (x), onde f (x) = ∞ X fn (x). n=1 Como gm ≥ 0, segue-se, do teorema de Beppo Levi, que Z Z f dmN . gm dmN ր E E Pela aditividade do integral para somas finitas, Z X Z ∞ Z m Z m X X ( fn dmN ). ( fn dmN ) ր fn )dmN = gm dmN = ( E n=1 E E n=1 n=1 E Exemplos 3.5.7. R 1. Se as fun¸co˜es fn ≥ 0 s˜ao som´aveis em RN , tomamos an = RN fn dmN , e supomos sem perda P de generalidade que an > 0. Escolhemos uma qualquer s´erie convergente ∞ n=1 bn com bn > 0. De acordo com o resultado anterior, Z Z ∞ ∞ ∞ X X X bn bn f dmN = fn (x) =⇒ f (x) = bn < ∞. fn (x) = a a N RN n=1 n R n=1 n n=1 ´ muito f´ E acil obter por este processo muitos exemplos semelhantes a 3.2.4. 2. O teorema anterior pode tamb´em ser usado para analisar a convergˆencia pontual de uma s´erie de fun¸co˜es fn ≥ 0. Como ! Z ∞ ∞ Z X X fn (x) dmN = fn (x)dmN , ent˜ ao RN ∞ Z X n=1 RN n=1 n=1 fn (x)dmN < ∞ =⇒ f (x) = ∞ X RN fn (x) ´e som´ avel e por isso ´e finita qtp. n=1 Temos em particular que ∞ ∞ Z X X fn (x)dmN < ∞ =⇒ fn (x) converge qtp. n=1 RN n=1 3. A ideia acima ´e aplic´ avel a fun¸co˜es som´ aveis fn : RN → R, desde que ∞ ∞ Z X X |fn (x)| dmN = kfn k1 < ∞. n=1 RN n=1 Observamos que g(x) = ∞ X n=1 A s´erie f (x) = |fn (x)| =⇒ ∞ X n=1 Z RN g(x)dmN = ∞ Z X n=1 RN |fn (x)| dmN < ∞. fn (x) converge absolutamente qtp, porque g ´e finita qtp. 205 3.5. Fun¸c˜ oes Som´ aveis ˜o s˜ As s´ eries de fun¸c˜ oes som´ aveis na ao automaticamente integr´ aveis termo-a-termo, como as de fun¸c˜ oes mensur´aveis n˜ ao-negativas, mas temos, mesmo assim, o seguinte resultado: Teorema 3.5.8. Dadas fun¸co ˜es L-mensur´ aveis fn : E → R, se ∞ Z X |fn |dmN E n=1  = ∞ X n=1 kfn k1 < +∞, ent˜ ao: a) A s´erie ∞ X fn (x) converge absolutamente qtp em E, n=1 ∞ X b) A fun¸ca ˜o f (x) = n=1 fn (x) ´e L-mensur´ avel e som´ avel em E, m Z X m X fn − f |dmN → 0, e em particular, | fn − f = c) E n=1 d) Z E n=1 1 ∞ X n=1 fn ! dmN = ∞ Z X n=1 fn dmN E  . Demonstra¸ ˜o. Observ´ amos no exemplo 3.5.7.3 que a fun¸c˜ao g, dada por P∞ca g(x) = n=1 |fn (x)|, ´e som´ avel, e finita qtp, porque Z gdmN = E ∞ Z X n=1 E |fn |dmN < ∞. P Por outras palavras,Pa s´erie ∞ n=1 fn (x) converge absolutamente qtp em E. Definindo gm (x) = m f (x), temos: n n=1 P • gm (x) → ∞ n=1 fn (x), qtp em E. • |gm (x)| ≤ g(x). Podemos assim aplicar o teorema da convergˆencia mon´ otona de Lebesgue, na forma 3.5.4, ` a sucess˜ao de fun¸c˜oes gm . Usando ainda a aditividade do integral para somas finitas, temos: Z X ∞ E n=1 fn dmN = lim Z m→∞ E gm dmN = lim m→∞ m Z X n=1 E fn dmN = ∞ Z X fn dmN . n=1 E O teorema 3.5.8 pode ser parcialmente reformulado com se segue: 206 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue Corol´ ario 3.5.9. Se fn ∈ L1 (E) ent˜ ao ∞ X n=1 m X fn − f → 0. kfn k1 < +∞ =⇒ existe f ∈ L (E) tal que 1 n=1 1 P∞ Se an ∈ R, a s´ erie de termos reais n=1 an diz-se absolutamentePconverP erie ∞ gente se e s´ o se ∞ n=1 an n=1 |an | < ∞. Sabemos que neste caso a s´ ´e igualmente convergente, o que ´e ali´as um dos mais comuns crit´erios de convergˆencia de s´eries reais. Por analogia com as s´eries reais, e quando fn ∈ L1 (E), dizemos que a s´erie ∞ X fn ´e absolutamente convergente em L1 quando ∞ X n=1 n=1 kfn k1 < +∞. O corol´ ario 3.5.9 pode resumir-se dizendo que As s´eries absolutamente convergentes em L1 s˜ ao convergentes em L1 . Podemos usar este facto para mostrar que L1 (E) ´e um espac ¸ o de banach, i.e., ´e um espa¸co vectorial normado em que as sucess˜oes de Cauchy, ou fundamentais, s˜ ao convergentes. Teorema 3.5.10 (de Riesz-Fischer). L1 (E) ´e um espa¸co de Banach.(16 ) Demonstra¸ca ˜o. Se a sucess˜ao de termo geral fn ∈ L1 (E) ´e de Cauchy, i.e., kfn − fm k1 → 0, quando n, m → ∞, ent˜ao existem (porquˆe?) naturais nk ր ∞ tais que n, m ≥ nk ⇒ kfn − fm k1 ≤ 1 . 2k Temos kfnk − fk k1 → 0, e tomamos gk = fnk+1 − fnk , donde ∞ X 1 kgk k1 = fnk+1 − fnk 1 ≤ k , e kgk k1 ≤ 1. 2 k=1 P∞ Pm A s´erie e telesc´ opica, e portanto k=1 gk ´ k=1 gk = fnm+1 − fn1 . Conclu´ımos de 3.5.9 que existe g ∈ L1 (E) tal que m X gk − g → 0, ou seja, fnm+1 − fn1 − g 1 . k=1 1 Definindo f = fn1 + g, temos kfnk − f k1 → 0. Observamos finalmente que kfk − f k1 ≤ kfk − fnk k1 + kfnk − f k1 → 0. 16 Este resultado ´e uma vers˜ ao preliminar do Teorema de Riesz-Fischer. 207 3.5. Fun¸c˜ oes Som´ aveis Conclu´ımos aqui a apresenta¸c˜ao do teorema de Fubini-Lebesgue, com um enunciado aplic´ avel a fun¸c˜ oes som´ aveis. Teorema 3.5.11 (Teorema de Fubini-Lebesgue (III)). Seja f : RN → R uma fun¸ca ˜o som´ avel, I um ´ındice-K em RN , N = K + M e t ∈ RK . Temos, ent˜ ao, a) As fun¸co ˜es fIt : RM → R s˜ ao som´ aveis para quase todos os t ∈ RK . Z fIt dmM ent˜ ao AI ´e som´ avel em RK e b) Sendo AI (t) = RM Z RK AI dmK = Z RK Z RM fIt dmM  dmK = Z RN f dmN . Deixamos a demonstra¸c˜ ao para o exerc´ıcio 7. Exemplos 3.5.12. 1. Supondo que f ´e som´avel e I = (1, 2, · · · , K), ou I = (K + 1, K + 2, · · · , N ), escrevemos os elementos x ∈ RN na forma x = (t, y) com t ∈ RK e y ∈ RM , para concluir que   Z Z Z Z Z f dmN = f (t, y)dy dt = f (t, y)dt dy. RN RK RM RM RK ˜ o: Se f, g : RN → R, ´e por vezes u 2. produto de convoluc ¸a ´ til formar o respectivo produto de convolu¸ca ˜o, que ´e a fun¸ca˜o f ∗ g dada por: Z f (x − y)g(y)dmN . (f ∗ g) (x) = RN Se f e g s˜ao L-mensur´ aveis, e x est´ a fixo, a fun¸ca˜o h(y) = f (x − y) ´e Lmensur´avel, e o produto hg ´e, igualmente, L-mensur´ avel. Por outro lado, existe uma fun¸ca˜o B-mensur´ avel f˜ ≃ f em RN e, para efeitos do c´ alculo do integral indicado acima, podemos substituir a fun¸ca˜o f por f˜, sem modificar o resultado final, i.e., sem alterar a fun¸ca˜o f ∗ g. Supomos, assim, e sem perda de generalidade, que f ´e B-mensur´ avel. A fun¸ca˜o G : R2N → R, dada por F˜ (x, y) = f (x − y) ´e B-mensur´ avel em R2N (porquˆe?). Conclu´ımos, assim, que a fun¸ca˜o F : R2N → R, dada por F (x, y) = f (x − y)g(y), ´e L-mensur´ avel em R2N . Em particular, o teorema de Fubini, na forma 3.5.11, ´e aplic´ avel `a fun¸ca˜o F . Deixamos para o exerc´ıcio 9 explorar esta ideia, para verificar que, se f e g s˜ao som´aveis, ent˜ ao a fun¸ca˜o f ∗ g est´ a bem definida qtp em RN , ´e som´avel, e satisfaz: kf ∗ gk1 ≤ kf k1 kgk1 . Sendo T a transformada de Fourier que definimos no exemplo 3.5.5, podemos ainda mostrar que T (f ∗ g) = T (f )T (g). 208 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue Exerc´ıcios. 1. Mostre que se f (x) = limn→∞ fn (x), qtp em E, e f˜n ≃ fn , ent˜ ao temos tamb´em f (x) = limn→∞ f˜n (x), qtp em E. 2. Suponha que B 1 (E) ´e o quociente do espa¸co das fun¸co˜es f : E → R Bmensur´aveis pela rela¸ca˜o “≃”, e L1 (E) ´e o quociente do espa¸co das fun¸co˜es f : E → R, finitas qtp e L-mensur´ aveis, pela rela¸ca˜o an´aloga. Qual ´e a rela¸ca˜o entre B 1 (E) e L1 (E)? 3. Supondo que f : R → R ´e som´avel, designamos aqui por T (f ) a transformada de Fourier da fun¸ca˜o f . Demonstre os seguintes resultados: a) Se f˜(x) = f (x − x0 ), ent˜ ao T (f˜)(ω) = T (f )(ω)e−iωx0 . b) Se a fun¸ca˜o h dada por h(x) = xf (x) ´e som´avel, ent˜ ao T (f ) ´e diferenci´avel, e T (f )′ = −iT (h). 1 4. Seja f (x) = x− 3 , para x 6= 0. Dada enumera¸ca˜o dos racionais, Q = P∞ uma 1 f {q1 , · · · , qn , · · · }, mostre que a s´ e rie 2 P∞ n=1 n (x−qn ) converge absolutamente avel no conqtp em R. Mostre que f (x) = n=1 n12 f (x − qn ) ´e Borel-mensur´ junto onde a s´erie converge simplesmente. 5. Considere o espa¸co L1 (R). Mostre que a) Qualquer classe em L1 (R) tem representantes B-mensur´ aveis f : R → R. b) Existem classes em L1 (R) cujos representantes s˜ao descont´ınuos em toda a parte. c) Existem classes em L1 (R) cujos representantes s˜ao ilimitados em qualquer intervalo aberto n˜ ao-vazio em R. 6. Consideramos aqui uma sucess˜ao de fun¸co˜es fn tais que Z Z f dm para qualquer E ⊆ X mensur´avel, fn dm → E E mas onde n˜ ao ´e verdade que Z X |fn − f |dm → 0. Tomamos E ⊆ X = [0, 2π], fn (x) = sen nx, e f = 0. Prove o seguinte: R a) Se E ´e um intervalo ou um conjunto elementar, ent˜ ao E fn dm → 0. R b) Se E ´e um conjunto mensur´avel, ent˜ ao E fn dm → 0. R c) Suponha que g ´e som´avel, e prove que X gfn dm → 0. (17 ) Z |fn |dm. d) Calcule lim n→+∞ 17 X Este resultado, que ´e importante na teoria das s´eries de Fourier, diz-se o Lema de Riemann-Lebesgue. 3.6. Continuidade e Mensurabilidade e) Calcule lim n→+∞ Z E 209 ˜o: Considere fn2 dm, quando E ´e mensur´avel. Sugesta tamb´em as fun¸co˜es cos2 nx. f) Prove que se nk ր ∞ ent˜ ao sen nk x diverge qtp. 7. Demonstre o teorema de Fubini-Lebesgue na forma 3.5.11. 8. Calcule os dois integrais iterados para as fun¸co˜es indicadas. O que pode concluir? a) f (x, y) = b) g(x, y) = x−y 3, (x + y) xy em [0, 1] × [0, 1]. 2, (x2 + y 2 ) em [−1, 1] × [−1, 1]. 9. Suponha que as fun¸co˜es f , g, e h s˜ao som´aveis em RN . Mostre que a) O produto de convolu¸ca˜o (Exemplo 3.5.12.2) Z (f ∗ g)(x) = f (x − y)g(y)dmN , RN est´ a bem definido (qtp em RN ) e f ∗ g ´e uma fun¸ca˜o som´avel em RN , porque kf ∗ gk1 ≤ kf k1 kgk1 . ˜o: Considere a fun¸ca˜o F (x, y) = f (x − y)g(y), e aplique o sugesta teorema de Fubini. b) O produto de convolu¸ca˜o ´e comutativo e associativo. c) Sendo T a transformada de Fourier, temos T (f ∗ g) = T (f )T (g). ˜o: Use o teorema de Fubini. sugesta 3.6 Continuidade e Mensurabilidade Vimos como as fun¸c˜ oes mensur´ aveis podem ser aproximadas por fun¸c˜oes simples mensur´ aveis. Mostramos nesta sec¸c˜ao que as fun¸c˜oes mensur´aveis podem ser tamb´em aproximadas por fun¸c˜oes cont´ınuas. Veremos que este facto ´e consequˆencia essencialmente dos seguintes trˆes resultados: • A j´a referida aproxima¸c˜ ao de fun¸c˜oes mensur´aveis por fun¸c˜oes simples, • A regularidade da medida de Lebesgue, sobretudo na forma do teorema 2.3.10 b), e • Um resultado de natureza topol´ogica, aqui a proposi¸c˜ao 3.6.1, que ´e um corol´ ario do chamado Lema de Urysohn. 210 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue Designamos o conjunto das fun¸c˜oes cont´ınuas de suporte compacto f : RN → R por Cc (RN )(18 ). Designaremos por C0 (RN ) o conjunto das fun¸c˜ oes cont´ınuas f : RN → R com limite nulo quando |x| → ∞, e por k ao Cc (RN ), onde k ∈ N, a classe das fun¸c˜oes de suporte compacto, que s˜ N ∞ continuamente diferenci´ aveis at´e `a ordem k ∈ N. Cc (R ) ´e a classe das fun¸c˜ oes cont´ınuas de suporte compacto que tˆem derivadas cont´ınuas de qualquer ordem. Usaremos a mesma nota¸c˜ao para qualquer conjunto U ⊆ RN , e.g., Cck (U ) ´e a classe das fun¸c˜oes de suporte compacto em U , que s˜ ao continuamente diferenci´ aveis at´e `a ordem k ∈ N. O corol´ ario do “Lema de Urysohn” aqui utilizado ´e o seguinte: Proposi¸ c˜ ao 3.6.1. Se K ⊆ U ⊆ RN , onde K ´e compacto e U ´e aberto, ent˜ ao existe f ∈ Cc (RN ) tal que χK ≤ f ≤ χU .(19 ) Demonstra¸ca ˜o. Dado x ∈ K, existem rectˆ angulos abertos limitados Rx e Sx tais que x ∈ Rx ⊂ Rx ⊂ Sx ⊂ S x ⊂ U. Existe portanto uma subcobertura finita de K por rectˆ angulos Rxi , onde ´ 1 ≤ i ≤ m. E simples mostrar que (exerc´ıcio 2) (i) Existem fun¸c˜ oes gi ∈ Cc (RN ) tais que χRxi ≤ gi ≤ χSx i ≤ χU . Seja g : RN → R dada por g(x) = m X i=1 gi (x), donde g ≥ χK , e g tem suporte compacto em U. Sendo agora h : R → [0, 1] uma qualquer fun¸c˜ao cont´ınua e crescente, com h(0) = 0 e h(1) = 1, tomamos f (x) = h(g(x)). Esta proposi¸c˜ ao, combinada com a regularidade da medida de Lebesgue, permite mostrar que as fun¸c˜oes caracter´ısticas de conjuntos de medida finita podem ser aproximadas por fun¸c˜oes cont´ınuas de suporte compacto. Proposi¸ c˜ ao 3.6.2. Se E ⊆ RN ´e um conjunto mensur´ avel de medida finita, e ε > 0, existe f ∈ Cc (RN ) tal que 0 ≤ f ≤ 1, e mN ({x ∈ RN : f (x) 6= χE (x)}) < ε. 18 O suporte da fun¸c˜ ao f ´e o fecho do conjunto onde a fun¸c˜ ao n˜ ao ´e nula. O “Lema de Urysohn” da Topologia Geral ´e um exemplo de uma propriedade de separa¸c˜ ao. Dados conjuntos fechados A e B disjuntos num espa¸co topol´ ogico normal X, o Lema garante a existˆencia de uma fun¸c˜ ao cont´ınua f : X → [0, 1] tal que A ⊆ f −1 (1) e B ⊆ f −1 (0). O resultado deve-se a Pavel Urysohn, 1898 - 1924, matem´ atico ucraniano, que apesar da sua morte tr´ agica ainda muito jovem deu importantes contributos ` a ent˜ ao nascente Topologia. Deve notar-se no exerc´ıcio 3 que no caso da proposi¸c˜ ao aqui apresentada podemos na verdade seleccionar f ∈ Cc∞ (RN ). 19 211 3.6. Continuidade e Mensurabilidade Demonstra¸ca ˜o. De acordo com o teorema 2.3.10 b), existem conjuntos K ⊆ E ⊆ U, K compacto, U aberto, e mN (U \K) < ε. Pela proposi¸c˜ ao anterior, existe f ∈ Cc (RN ) tal que χK ≤ f ≤ χU , e deve ser evidente que:  x ∈ RN : f (x) 6= χE (x) ⊆ U \K. Exploramos aqui diversas consequˆencias desta proposi¸ca˜o, que s˜ ao em cada caso resultados sobre a aproxima¸c˜ao de fun¸c˜oes mensur´aveis por fun¸c˜oes ´ conveniente para j´a mostrar que as fun¸c˜oes mensur´aveis limicont´ınuas. E tadas, que s˜ ao como sabemos limites de sucess˜oes de fun¸c˜oes simples mensur´aveis, podem ser tamb´em expressas como s´eries uniformemente convergentes de fun¸c˜ oes simples mensur´ aveis. Teorema 3.6.3. Se f : E → [0, M ] ´e mensur´ avel e M < ∞, existem ao conjuntos mensur´ aveis Tn ⊆ E tais que, se tn = 2Mn χTn , ent˜ f (x) = ∞ X tn (x). n=1 Em particular, a s´erie indicada converge uniformemente para f . Demonstra¸ca ˜o. Sendo g = f /M , existem fun¸c˜oes simples sn : E → R+ , n ∈ N, definidas como na demonstra¸c˜ao de 3.4.7, e tais que sn (x) ր g(x). ´ evidente que Definimos s0 = 0 e, para n ∈ N, tn = sn − sn−1 ≥ 0. E ∞ X n=1 tn (x) = lim sn (x) = g(x) = f (x)/M , para qualquer x ∈ E. n→∞ Como 0 ≤ g(x) < 1, para qualquer x ∈ E, ´e f´acil mostrar (exerc´ıcio 1) que tn = sn − sn−1 s´ o toma os valores 0 e 1/2n , ou seja, 1 tn = n χTn , onde Tn = 2 2n−1 [−1 k=1 En,2k+1 , e f (x) = ∞ X M n=1 2n χTn (x). O pr´ oximo resultado ´e um teorema cl´assico sobre a aproxima¸c˜ao de fun¸c˜oes mensur´ aveis por fun¸c˜ oes cont´ınuas. 212 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue Teorema 3.6.4 (Teorema de Vitali-Luzin). (20 ) Seja f : RN → R uma fun¸ca ˜o mensur´ avel limitada, que ´e nula fora de um conjunto de medida finita. Se ε > 0 e |f (x)| ≤ M para qualquer x ∈ RN , ent˜ ao existe g ∈ Cc (RN ) tal que   0 ≤ |g(x)| ≤ M , e mN x ∈ RN : f (x) 6= g(x) < ε. Demonstra¸ca ˜o. Supomos primeiro que 0 ≤ f (x) ≤ 1, e f (x) = 0 quando x 6∈ U , onde mN (U ) < ∞. Supomos sem perda de generalidade que U ⊂ RN ´e um aberto. Observamos de 3.6.3 que existem fun¸c˜oes simples mensur´aveis tn : RN → [0, 1], tais que f (x) = ∞ X n=1 tn (x), onde tn = 1 χT . 2n n Os conjuntos Tn s˜ ao mensur´aveis e de medida finita, e est˜ ao contidos em U . Pela proposi¸c˜ ao 3.6.2, existem fun¸c˜oes hn : RN → [0, 1], cont´ınuas e de suporte compacto em U , tais que  ε mN (En ) < n+1 , onde En = x ∈ RN : hn (x) 6= χTn (x) . 2 ´ claro que E ∞ ∞ X X 1 1 h (x) ≤ = 1, n n 2 2n n=1 n=1 e portanto a s´erie ` a esquerda uniformemente. Conclu´ımos que a P converge 1 fun¸c˜ ao h dada por h(x) = ∞ h (x) ´e cont´ınua, e 0 ≤ h ≤ 1. Deve n=1 2n n ser tamb´ S em claro que h(x) = 0 quando x 6∈ U . Por outro lado, e tomando E= ∞ n=1 En , temos mN (E) < ε/2 e x 6∈ E ⇒ hn (x) = χTn (x), para qualquer n ∈ N ⇒ f (x) = h(x). Temos por outras palavras que   mN x ∈ RN : f (x) 6= g˜(x) ≤ mN (E) < ε/2. Como mN (U ) < ∞, existe um compacto K ⊂ U tal que mN (U \K) < ε/2, e existe igualmente uma fun¸c˜ao h0 ∈ Cc (RN ) tal que χK ≤ h0 ≤ χU . Tomamos finalmente g = hh0 , que ´e cont´ınua e de suporte compacto em U . Dado que g(x) 6= h(x) apenas quando x ∈ U \K, temos  x ∈ RN : f (x) 6= g(x) ⊆ E ∪ (U \K) Temos assim que mN ({x ∈ RN : g(x) 6= f (x)}) < ε. Deixamos para o exerc´ıcio 4 generalizar a demonstra¸c˜ao para o caso |f (x)| ≤ M . 20 De Nikolai Luzin, 1883-1950, matem´ atico russo, professor da Universidade de Moscovo, onde ali´ as teve Urysohn como aluno. 213 3.6. Continuidade e Mensurabilidade O resultado anterior pode ser adaptado a casos em que f ´e ilimitada e/ou n˜ ao ´e nula no complementar de um conjunto de medida finita, mas naturalmente perdendo alguns aspectos da sua conclus˜ao. Por exemplo, avel, finita qtp, e nula no comCorol´ ario 3.6.5. Seja f : RN → R mensur´ plementar de um conjunto de medida finita. Ent˜ ao para qualquer ε > 0 N existe g ∈ Cc (R ) tal que   mN x ∈ RN : f (x) 6= g(x) < ε. Demonstra¸ca ˜o. Seja Fn = {x ∈ RN : |f (x)| ≥ n}, donde Fn ց A, onde A = {x ∈ RN : |f (x)| = ∞} ´e nulo. Como os conjuntos Fn tˆem medida finita, temos mN (Fn ) → 0, e existe k tal que mN (Fk ) < ε/2. Com h = f χFkc , e pelo teorema de Vitali-Luzin, existe g ∈ Cc (RN ) tal que   mN x ∈ RN : h(x) 6= g(x) < ε/2.   ´ claro que mN x ∈ RN : f (x) 6= g(x) < ε. E Eliminando a hip´ otese sobre o conjunto onde f 6= 0, podemos ainda obter o seguinte resultado, cuja demonstra¸c˜ao deixamos para o exerc´ıcio (5). ˜o mensur´ avel e finita qtp. Corol´ ario 3.6.6. Seja f : RN → R uma fun¸ca Ent˜ ao para qualquer ε > 0 existe uma fun¸ca ˜o cont´ınua g : RN → R tal que   mN x ∈ RN : f (x) 6= g(x) < ε. Este corol´ ario pode agora ser usado para mostrar que as fun¸c˜oes mensur´ aveis e finitas qtp s˜ ao limites de sucess˜ oes de fun¸co ˜es cont´ınuas. Corol´ ario 3.6.7. Se f : RN → R ´e finita qtp, ent˜ ao f ´e L-mensur´ avel se e s´ o se existem fun¸co ˜es cont´ınuas fn : RN → R tais que fn (x) → f (x) qtp em RN . Demonstra¸ca ˜o. Pelo corol´ ario 3.6.6, existem fun¸c˜oes cont´ınuas fn tais que mN (En ) <  1 N , onde E = x ∈ R : f (x) = 6 f (x) . n n 2n Considerem-se os conjuntos E= ∞ [ ∞ \ k=1 n=k En = ∞ \ k=1 Fk , onde Fk = ∞ [ En . n=k Note-se que mN (Fk ) → 0 e Fk ց E, donde mN (E) = 0(21 ). Para finalizar este argumento, resta-nos observar que: x 6∈ E ⇔ ∃k∈N tal que x 6∈ Fk ⇔ ∃k∈N tal que n ≥ k ⇒ x 6∈ En ⇔ 21 Esta ´e mais uma aplica¸c˜ ao do lema de Borel-Cantelli que referimos no exerc´ıcio 7 da sec¸c˜ ao 2.1. 214 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue ⇔ ∃k∈N tal que n ≥ k ⇒ fn (x) = f (x). Dito doutra forma, quando x 6∈ E ent˜ao fn (x) → f (x). Como vimos que mN (E) = 0, podemos concluir que fn (x) → f (x) qtp em R. Sabemos j´a que que as fun¸c˜oes som´ aveis podem ser aproximadas por fun¸c˜ oes simples, e aproveitamos agora este facto para mostrar que podem tamb´em ser aproximadas por fun¸c˜oes cont´ınuas de suporte compacto: Corol´ ario 3.6.8. Se f : RN → R ´e som´ avel e ε > 0, ent˜ ao existe g ∈ N Cc (R ) tal que kf − gk1 < ε. Demonstra¸ca ˜o. De acordo com 3.4.11, existe uma fun¸c˜ao simples s ∈ L1 (RN ) ´ claro que s ´e nula no complementar de um contal que kf − sk1 < ε/2. E junto de medida finita, e existe M < ∞ tal que |s(x)| ≤ M para qualquer x ∈ RN . Pelo teorema 3.6.4, existe g ∈ Cc (RN ) com |g(x)| ≤ M para x ∈ RN , e  mN ( x ∈ RN : s(x) 6= g(x) ) < ε/4M.  Escrevemos E = x ∈ RN : s(x) 6= g(x) , e notamos como ´obvio que |s(x) − g(x)| ≤ 2M para x ∈ E, donde Z |s − g| ≤ 2M ε/4M = ε/2. ks − gk1 = E Conclu´ımos que kf − gk1 ≤ kf − sk1 + ks − gk1 < ε. Exemplo 3.6.9. Designamos tamb´em por Cc (RN ) o subespa¸co de L1 (RN ) formado pelas classes de equivalˆencia de fun¸co˜es cont´ınuas de suporte compacto. O resultado anterior pode exprimir-se dizendo que Cc (RN ) ´e denso em L1 (RN ). Se designarmos por R1 (RN ) o subespa¸co formado pelas classes de equivalˆ encia R de fun¸co˜es f : RN → R tais que o integral impr´ oprio de Riemann RN f (x)dx ´e absolutamente convergente, ´e evidente que R1 (RN ) ⊇ Cc (RN ), e portanto R1 (RN ) ´e igualmente denso em L1 (RN ). J´a vimos que L1 (RN ) ´e completo, i.e., ´e um espa¸co de Banach. Como R1 (RN ) ´e denso em L1 (RN ), conclu´ımos que L1 (RN ) ´e o espa¸co completo determinado por R1 (RN ). Por outras palavras, o espa¸co L1 (RN ) est´ a para o espa¸co R1 (RN ) exactamente como o conjunto R est´ a para o conjunto Q. Exerc´ıcios. 215 3.6. Continuidade e Mensurabilidade 1. Complete o c´ alculo da fun¸ca˜o tn = sn − sn−1 referido na demonstra¸ca˜o de ˜o: Observe que En−1,k = En,2k ∪ En,2k+1 . 3.6.3. sugesta 2. Para completar a demonstra¸ca˜o de 3.6.1, mostre que dados rectˆangulos abertos limitados R e S, tais que R ⊂ R ⊂ S, existe uma fun¸ca˜o cont´ınua f , 0 ≤ f ≤ 1, tal que f (x) = 1 para x ∈ R, e f (x) = 0 para x 6∈ S, donde f tem ˜o: Comece por provar a afirma¸ca˜o em R. suporte compacto. sugesta 1 3. Verifique que a fun¸ca˜o f : R → R dada por f (x) = e− x2 para x > 0, e por f (x) = 0 para x ≤ 0 ´e de classe C∞ . Conclua que g ∈ Cc∞ (R), se g(x) = f (x)f (1 − x). Aproveite para mostrar que podemos supor no exerc´ıcio anterior que f ´e de classe C ∞ . 4. Conclua a demonstra¸ca˜o do teorema de Vitali-Luzin (3.6.4) tomando agora como hip´ otese que |f | ≤ M . Verifique tamb´em que, se E ⊆ U , onde U ´e um aberto, ent˜ ao a fun¸ca˜o g pode ser suposta ter suporte compacto em U . ˜o: Recorde que RN ´e σ-compacto. 5. Demonstre o corol´ ario 3.6.6. sugesta avel e som´avel. Prove que 6. Seja f : RN → R uma fun¸ca˜o L-mensur´ Z lim |f (x + y) − f (x)| dmN = 0. y→0 RN ˜o: Suponha primeiro que f ´e cont´ınua de suporte compacto. sugesta N 7. Mostre que C0 (R co de Banach, com a norma “de L∞ ”, dada  ) ´e um espa¸ N por kf k∞ = sup |f (x)| : x ∈ R . Prove que Cc (RN ) ´e denso em C0 (RN ), com esta norma. 8. continuidade da transformada de Fourier: Prove que se f ∈ L1 (R) e T (f ) ´e a sua transformada de Fourier, ent˜ ao T (f ) ∈ C0 (R), onde aqui C0 (RN ) designa a classe das fun¸co˜es cont´ınuas com valores complexos, tais que |f (x)| → 0, quando kxk → ∞. Aproveite para mostrar que T : L1 (R) → C0 (R) ´e um operador (uniformemente) cont´ınuo, porque kT (f ) − T (g)k∞ ≤ kf − gk1 . ˜o: Sabemos que T (f ) ´e cont´ınua. Comece por mostrar que kT (f )k∞ ≤ sugesta π ), e a respectiva transformada de kf k1 . Considere a fun¸ca˜o fα (x) = f (x − α Fourier Fα . Aplique o exerc´ıcio 6 ` a diferen¸ca fα − f . 216 Cap´ıtulo 3. Integrais de Lebesgue Cap´ıtulo 4 Outras Medidas A teoria da medida n˜ ao se esgota com o estudo da medida de Lebesgue, nem a teoria da integra¸c˜ ao se esgota com o estudo dos integrais “em ordem `a medida de Lebesgue”. Estudamos neste Cap´ıtulo outros espa¸cos de medida, deixando para mais tarde a quest˜ ao da defini¸c˜ao de “integrais de Lebesgue” em ordem a qualquer medida. Come¸camos por complementar as ideias e resultados gerais sobre medi´ indispens´ das que referimos no cap´ıtulo 2. E avel aqui esclarecer a estrutura das medidas reais, i.e., provar o Teorema da Decomposi¸ca ˜o de Hahn-Jordan, que mostra que as medidas reais s˜ ao diferen¸cas de medidas positivas finitas, e leva ao conceito de varia¸ca ˜o total de uma medida. Vimos que qualquer integral indefinido de Lebesgue ´e uma medida. Estas medidas gozam de uma propriedade especial, dita continuidade absoluta, que estudaremos no que se segue. Esta ideia, primeiro referida por Harnack(1 ) nos finais do s´eculo XIX, a prop´osito dos integrais impr´oprios de Riemann de 1a esp´ecie que ele pr´ oprio estudou, e formalmente definida por Vitali em 1905, quando lhe atribuiu o nome que hoje utilizamos, ´e aplic´ avel a medidas e a fun¸c˜ oes, e ´e a chave para o entendimento actual dos Teoremas Fundamentais do C´ alculo. Muitos dos exemplos relevantes nas aplica¸c˜oes envolvem medidas definidas pelo menos na classe B(RN ), que chamaremos aqui “medidas de Lebesgue-Stieltjes”. A quest˜ ao da sua regularidade ´e frequentemente muito importante, e provaremos diversos resultados sobre este assunto. Veremos em particular que qualquer medida definida em B(RN ) e finita nos conjuntos compactos tem uma u ´nica extens˜ ao regular completa, um facto que usaremos repetidamente no que se segue. Mostraremos tamb´em que as medidas de Lebesgue-Stieltjes regulares e σ-finitas tˆem propriedades muito semelhantes `as da medida de Lebesgue, tal como as estud´amos no Cap´ıtulo 2. As medidas de Lebesgue-Stieltjes localmente finitas na recta real s˜ ao especialmente f´aceis de caracterizar e estudar, e est˜ ao associadas a fun¸c˜oes 1 Carl Gustav Axel Harnack, 1851-1888. 217 218 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas reais de vari´ avel real, que chamaremos as suas fun¸co ˜es de distribui¸ca ˜o. Esta dualidade entre medidas e fun¸c˜oes enriquece simultaneamente a teoria da medida e a teoria das fun¸c˜oes. Introduzimos e estudamos aqui as classes das fun¸co ˜es de varia¸ca ˜o limitada e das fun¸co ˜es absolutamente cont´ınuas, e provamos um resultado cl´assico sobre fun¸c˜oes absolutamente cont´ınuas: o Teorema de Banach-Zaretsky. Terminamos o Cap´ıtulo provando o grande Teorema de Diferencia¸ca ˜o de Lebesgue, a partir do “Lema do Sol Nascente” de F.Riesz, e obtemos finalmente vers˜ oes modernas dos Teoremas Fundamentais do C´ alculo em R, relacionando estes resultados com uma das quest˜oes mais centrais da Teoria da Medida: a de caracterizar as medidas que s˜ ao integrais indefinidos. 4.1 A Decomposi¸ c˜ ao de Hahn-Jordan Qualquer fun¸ca ˜o real f : X → R pode ser decomposta na forma f = f + −f − , + − onde f e f s˜ ao as fun¸c˜oes f + = f χP e f − = −f χN e P e N s˜ ao os ´ claro conjuntos P = {x ∈ X : f (x) > 0} e N = {x ∈ X : f (x) < 0}. E que f + e f − s˜ ao positivas e distintas de zero em conjuntos disjuntos. Antes de apresentarmos uma decomposi¸c˜ao an´ aloga a esta para medidas reais, ´e necess´ario introduzir uma no¸c˜ao auxiliar: Defini¸ c˜ ao 4.1.1 (Medida Concentrada em S). Se µ ´e uma medida definida em M e S ∈ M, dizemos que µ est´ a concentrada em S se e s´ o se µ(E) = µ(E ∩ S) para qualquer E ∈ M. X E\S E∩S S Figura 4.1.1: µ concentrada em S ⇐⇒ µ(E) = µ(E ∩ S) para E ∈ M. Provamos nesta sec¸c˜ ao que qualquer medida real µ ´e a diferen¸ca de duas medidas positivas finitas, µ = µ+ −µ− , que est˜ ao concentradas em conjuntos ˜o de Jordan, que simplifica o disjuntos. Esta ´e a chamada decomposic ¸a estudo de medidas reais e complexas, porque o reduz em larga medida ao ˜o de Hahn de µ, estudo de medidas positivas finitas. A decomposic ¸a que ´e, como veremos, essencialmente equivalente `a de Jordan, ´e formada por conjuntos disjuntos P e N = P c tais que µ+ e µ− est˜ ao concentradas respectivamente em P e em N . 4.1. A Decomposi¸c˜ ao de Hahn-Jordan 219 Exemplos 4.1.2. 1. A medida de Dirac em R est´ a concentrada em A = {0}. Est´ a igualmente concentrada em B = [0, 1], ou mais geralmente em qualquer conjunto C tal que A ⊆ C. 2. A medida de Lebesgue em R est´ a concentrada no conjunto dos irracionais. Podemos tamb´em dizer que m est´ a concentrada em R\Z, em R\ {0}, etc. 3. Se f ´e mensur´avel e n˜ ao-negativa, ou som´avel, o respectivo integral indefinido  est´ a concentrado no conjunto x ∈ RN : f (x) 6= 0 (ver o exerc´ıcio 7). No que se segue nesta sec¸c˜ ao, salvo men¸c˜ao em contr´ ario, supomos que todas as medidas referidas est˜ ao definidas num dado espa¸co mensur´avel (X, M). Observamos desde j´a que, como os exemplos acima tornam evidente, o conjunto onde uma dada medida est´ a concentrada n˜ ao ´e u ´nico. A determina¸c˜ ao dos conjuntos onde µ est´ a concentrada ´e ali´as equivalente `a identifica¸c˜ ao dos: Defini¸ c˜ ao 4.1.3 (Conjuntos µ-Nulos). E ∈ M ´e µ-nulo se e s´ o se, para qualquer F ∈ M, temos F ⊆ E ⇒ µ(F ) = 0. Temos, portanto, que E ´e µ-nulo se e s´ o se ´e mensur´avel e todos os seus subconjuntos mensur´ aveis tˆem medida nula. Quando µ ´e uma medida positiva, esta condi¸c˜ ao reduz-se, por raz˜ oes ´obvias, `a condi¸c˜ao µ(E) = 0. Exemplos 4.1.4. 1. Seja A = ]−1, 0[, B = ]0, 1[, e µ(E) = m(E ∩ A) − m(E ∩ B). Ent˜ ao µ([−1, 1]) = 0, mas [−1, 1] n˜ ao ´e µ-nulo, porque, por exemplo, A ⊂ [−1, 1], e µ(A) 6= 0. 2. A fun¸ca˜o f (x) = e−|x| sen(x) ´e som´avel em R. Se µ ´e o seu integral indefinido, ent˜ ao µ([−π, π]) = 0, mas [−π, π] n˜ ao ´e µ-nulo, porque µ([0, π]) > 0. Usamos express˜ oes como “µ-quase em toda a parte”, abreviada “µ-qtp”, para significar “excepto num conjunto µ-nulo”. Quando a medida µ ´e ´obvia do contexto, em especial quando µ ´e a medida de Lebesgue, eliminamos o prefixo “µ” destas express˜ oes. Exemplos 4.1.5. 1. A fun¸ca˜o f (x) = x ´e nula, δ-qtp. 2. Sendo µ o integral indefinido de uma fun¸ca˜o f : R → R som´avel, o conjunto dos racionais ´e µ-nulo. Mais geralmente, qualquer conjunto nulo ´e µ-nulo. Deixamos para o exerc´ıcio 1 mostrar que 220 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Proposi¸ c˜ ao 4.1.6. µ est´ a concentrada em S se e s´ o se S c ´e µ-nulo. No caso de uma medida µ definida pelo menos em B(RN ), e apesar do que diss´emos acima, ´e poss´ıvel identificar o menor conjunto fechado onde µ est´ a concentrada, e ´e este conjunto que se diz o suporte da medida µ(2 ). Teorema 4.1.7. Se µ ´e uma medida definida pelo menos em B(RN ), V =  S N U ⊆ R : U ´e aberto e µ-nulo , V = U ∈V U e F = V c , temos que a) V ´e o maior conjunto aberto µ-nulo, b) µ est´ a concentrada no conjunto fechado F = V c e c) Se G ⊂ F ´e fechado e G 6= F , ent˜ ao µ n˜ ao est´ a concentrada em G. Em particular, se µ ≥ 0 ´e finita ent˜ ao µ(G) < µ(F ). A demonstra¸c˜ ao deste resultado ´e o exerc´ıcio 13. Exemplos 4.1.8. 1. No caso da medida de Lebesgue, qualquer aberto U ⊆ RN n˜ ao-vazio satisfaz  mN (U ) > 0. Portanto, V = U ⊆ RN : U ´e aberto e nulo = {∅} e V = ∅, donde F = RN . Por outras palavras, o suporte de mN ´e RN . 2. Se δ ´e a medida de Dirac na origem, ent˜ ao V = R\{0} ´e evidentemente o maior aberto δ-nulo, e portanto F = {0}, ou seja, o suporte de δ ´e {0}. 3. No caso do exemplo 4.1.4.1, ´e f´acil ver que F = [−1, +1]. 4. Se µ ´e o exemplo 4.1.4.2, ent˜ ao F = R. Podemos agora introduzir a ˜o de jorDefini¸ c˜ ao 4.1.9 (Decomposi¸c˜ao de Jordan). Uma decomposic ¸a dan da medida real µ ´e um par (π, ν) de medidas positivas finitas tais que • µ(E) = π(E) − ν(E), para qualquer E ∈ M, e • π e ν est˜ ao concentradas em conjuntos disjuntos. Exemplos 4.1.10. 1. Se A e B s˜ao quaisquer conjuntos disjuntos em L(R) com medida finita e µ(E) = m(E ∩ A) − m(E ∩ B), ´e f´acil ver que as medidas dadas por π(E) = m(E ∩ A) e ν(E) = m(E ∩ B) s˜ao uma decomposi¸ca˜o de Jordan para µ. 2. Se f : RN → R ´e som´avel em RN e µ, π e ν s˜ao, respectivamente, os integrais indefinidos de f , f + e de f − , ent˜ ao π e ν s˜ao medidas positivas finitas e Z Z Z µ(E) = f= f+ − f − = π(E) − ν(E). E E E Observamos que 2 Referiremos na sec¸c˜ ao 4.4 a generaliza¸c˜ ao desta ideia a contextos mais gerais. 4.1. A Decomposi¸c˜ ao de Hahn-Jordan 221  • π e ν est˜ respectivamente, em P = x ∈ RN : f (x) > 0  ao concentradas, e N = x ∈ RN : f (x) < 0 , • P e N s˜ao, evidentemente, conjuntos disjuntos. Conclu´ımos que (π, ν) ´e uma decomposi¸ca˜o de Jordan de µ. Em particular, a decomposi¸ca˜o de Jordan do integral indefinido de f corresponde `a usual decomposi¸ca˜o f = f + − f − . As medidas π e ν que formam uma qualquer decomposi¸c˜ao de Jordan ´ claro que N ´e πest˜ ao concentradas em conjuntos disjuntos P e N . E nulo, porque est´ a contido no complementar de P , e P ´e ν-nulo, porque est´ a contido no complementar de N . Introduzimos a este respeito a seguinte terminologia: Defini¸ c˜ ao 4.1.11 (Medidas Singulares). Se π est´ a concentrada num conjunto ν-nulo, π diz-se singular (em rela¸c˜ao a ν), e escrevemos π⊥ν. No caso de medidas em RN , dizemos simplesmente que π ´e singular, sem mais qualificativos, quando π ´e singular em rela¸ca ˜o a ` medida de Lebesgue. A demonstra¸c˜ ao do seguinte resultado n˜ ao apresenta quaisquer dificuldades: Proposi¸ c˜ ao 4.1.12. π⊥ν se e s´ o se π e ν est˜ ao concentradas em conjuntos disjuntos. Em particular, π⊥ν se e s´ o se ν⊥π. Exemplos 4.1.13. 1. A medida de Dirac δ em R ´e singular (em rela¸ca˜o `a medida de Lebesgue), porque tem suporte em S = {0}, e S ´e um conjunto m-nulo. 2. A medida de Lebesgue ´e singular em rela¸ca˜o `a medida de Dirac, porque a medida de Lebesgue est´ a concentrada em B = R\ {0} = Ac e δ(B) = 0. 3. Note-se que as medidas de Lebesgue e de Dirac est˜ ao concentradas em conjuntos disjuntos mas n˜ ao tˆem suportes disjuntos. Supondo que (π, ν) ´e uma decomposi¸c˜ao de Jordan da medida µ onde π est´ a concentrada num conjunto ν-nulo P , ´e claro que ν est´ a concentrada no c conjunto π-nulo N = P . Notamos que: • Se E ⊆ P ent˜ ao µ(E) ≥ 0, porque µ(E) = π(E) − ν(E) = π(E) ≥ 0, e • Se E ⊆ N ent˜ ao µ(E) ≤ 0, porque µ(E) = π(E) − ν(E) = −ν(E) ≤ 0. Por outras palavras, todos os subconjuntos de P tˆem medida n˜ ao-negativa, e todos os subconjuntos de N tˆem medida n˜ ao-positiva. Os conjuntos com estas propriedades designam-se: 222 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Defini¸ c˜ ao 4.1.14 (Conjuntos µ-Positivos, µ-Negativos). Sendo µ uma medida real, dizemos que E ∈ M ´e µ-positivo (respectivamente, µ-negativo) se e s´ o se para qualquer F ∈ M temos F ⊆ E ⇒ µ(F ) ≥ 0 (respectivamente, µ(F ) ≤ 0). Exemplos 4.1.15. 1. O conjunto ∅ ´e simultaneamente µ-positivo, µ-negativo e µ-nulo. 2. Se µ ´e o exemplo 4.1.4.1, ´e f´acil ver que A = [−1, 0] ´e µ-positivo e B = [0, +1] ´e µ-negativo. 3. Se µ ´e o integral indefinido da fun¸ca˜o som´avel f e E ´e mensur´avel, ent˜ ao E ´e µ-positivo (respectivamente, µ-negativo) se e s´o se f (x) ≥ 0 (respectivamente, f (x) ≤ 0) qtp em E. A demonstra¸c˜ ao das seguintes propriedades ´e o exerc´ıcio 4. Proposi¸ c˜ ao 4.1.16. Seja µ uma medida real e P, Q, Pn ∈ M. a) P ´e µ-positivo e Q ⊆ P =⇒ Q ´e µ-positivo e µ(Q) ≤ µ(P ), b) P ´e µ-negativo e Q ⊆ P =⇒ Q ´e µ-negativo e µ(Q) ≥ µ(P ), c) Pn µ-positivo para qualquer n ∈ N =⇒ P = ∞ [ n=1 Pn ´e µ-positivo e µ(P ) ≥ µ(Pn ), para qualquer n ∈ N. Sempre supondo que (π, ν) ´e uma decomposi¸c˜ao de Jordan da medida µ, π est´ a concentrada no conjunto ν-nulo P e N = P c , os conjuntos P e N formam uma parti¸c˜ ao de X onde P ´e µ-positivo e N ´e µ-negativo, o que nos conduz ` a seguinte Defini¸ c˜ ao 4.1.17 (Decomposi¸c˜ao de Hahn). Se µ ´e uma medida real e ˜o de Hahn para µ se e s´ P, N ∈ M, o par (P, N ) ´e uma decomposic ¸a o se P ´e µ-positivo, N ´e µ-negativo, X = P ∪ N e P ∩ N = ∅. Podemos portanto dizer que se µ tem uma decomposi¸ca ˜o de Jordan ent˜ ao ´ tamb´em muito f´acil mostrar tem igualmente uma decomposi¸ca ˜o de Hahn. E que se µ tem uma decomposi¸c˜ao de Hahn ent˜ao tem necessariamente uma decomposi¸c˜ ao de Jordan. Para isso, e supondo que (P, N ) ´e uma decomposi¸c˜ ao de Hahn, definimos π(E) = µ(E ∩ P ) e ν(E) = −µ(E ∩ N ). As medidas π e ν s˜ ao positivas e finitas, π⊥ν e temos (figura 4.1.2) µ(E) = µ(E ∩ P ) + µ(E ∩ N ) = π(E) − ν(E), i.e., µ = π − ν. 223 4.1. A Decomposi¸c˜ ao de Hahn-Jordan N E∩N E∩P X P Figura 4.1.2: µ(E) = µ(E ∩ P ) + µ(E ∩ N ) = π(E) − ν(E). Se µ tem uma decomposi¸c˜ ao de Hahn (P, N ), ´e ainda muito simples mostrar que µ tem m´ınimo e m´ aximo finitos, que s˜ ao exactamente os valores µ(N ) e µ(P ). Basta notar que, como P ´e µ-positivo e N ´e µ-negativo, segue-se da proposi¸c˜ ao 4.1.16 que, para qualquer E ∈ M, 0 ≤ µ(E ∩ P ) ≤ µ(P ) e µ(N ) ≤ µ(E ∩ N ) ≤ 0. Conclu´ımos que µ(N ) ≤ µ(E ∩ N ) ≤ µ(E ∩ P ) + µ(E ∩ N ) ≤ µ(E ∩ P ) ≤ µ(P ), ou seja, µ(N ) ≤ µ(E) ≤ µ(P ), e µ tem m´ aximo em P e m´ınimo em N . A t´ecnica que vamos utilizar para estabelecer a existˆencia de decomposi¸c˜oes de Hahn e de Jordan ´e sugerida por esta observa¸c˜ao elementar. Tem os seguintes passos essenciais: (I) Mostrar que qualquer medida real µ tem m´ aximo na classe dos conjuntos µ-positivos, (II) Provar que se o m´ aximo referido em (1) ´e atingido no conjunto P ent˜ao c N = P ´e µ-negativo, i.e., (P, N ) ´e uma decomposi¸c˜ao de Hahn de µ. A pr´ oxima proposi¸c˜ ao corresponde ao passo (I) acima indicado: Proposi¸ c˜ ao 4.1.18. Se µ ´e uma medida real ent˜ ao existe um conjunto µpositivo P tal que µ(P ) = max {µ(Q) : Q ∈ M, Q µ-positivo }. Demonstra¸ca ˜o. O conjunto ∅ ´e µ-positivo, e portanto a classe dos conjuntos µ-positivos n˜ ao ´e vazia. Temos em particular que 0 ≤ α = sup {µ(Q) : Q ∈ M, Q µ-positivo } ≤ ∞. 224 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Existem naturalmente conjuntos µ-positivos Qn tais que µ(Qn ) → α, e temos de 4.1.16 c) que P = ∞ [ n=1 Qn ´e µ-positivo e µ(P ) ≥ µ(Qn ), para qualquer n. Como µ(Qn ) ≤ µ(P ) ≤ α e µ(Qn ) → α ´e evidente que µ(P ) = α. Antes de mostrar que N = P c ´e µ-negativo, que ´e o passo (II) que referimos, precisamos de estabelecer um resultado auxiliar, ali´as com um argumento muito interessante, onde provamos que qualquer conjunto com medida estritamente positiva cont´em um subconjunto µ-positivo, tamb´em com medida estritamente positiva. Lema 4.1.19. Se µ(E) > 0, existe um conjunto µ-positivo P ⊆ E com µ(P ) ≥ µ(E) > 0. Demonstra¸ca ˜o. Dado A ∈ M, seja ν(A) = inf {µ(F ) : F ∈ M, F ⊆ A}(3 ). Notamos que ν(A) ≤ 0, porque podemos sempre tomar F = ∅. Observamos igualmente que (1) A ´e µ-positivo se e s´ o se ν(A) = 0. (2) Se B ⊆ A e B ∈ M ent˜ao ν(B) ≥ ν(A). Notamos tamb´em que se ν(A) > −∞ ent˜ao 1 (3) Existe B ⊆ A tal que ν(B) ≤ ν(A). 2 Basta-nos considerar dois casos: • Se ν(A) = 0 ent˜ ao podemos tomar B = ∅, e • se ν(A) < 0 ent˜ ao ν(A)/2 > ν(A) = inf {µ(F ) : F ∈ M, F ⊆ A}. Se ν(A) = −∞ a observa¸c˜ao (3) ´e obviamente falsa, porque µ(B) 6= −∞, mas neste caso existe B ⊆ A tal que µ(B) ≤ −1. Conclu´ımos que (4) Se A ∈ M, ent˜ ao existe B ⊆ A tal que B ∈ M e   1 µ(B) ≤ max −1, ν(Pn ) . 2 Definimos duas sucess˜oes de conjuntos Pn e Fn por indu¸c˜ao como se segue (ver figura 4.1.3): 3 Veremos imediatamente a seguir que −ν ´e na realidade uma das medidas que formam a decomposi¸c˜ ao de Jordan de µ. 225 4.1. A Decomposi¸c˜ ao de Hahn-Jordan F1 F2 F3 F4 P1 = E P2 P3 Figura 4.1.3: F = ∞ [ P4 Fn , P = n=1 ∞ \ n=1 Pn e E = P ∪ F . (a) P1 = E e, para qualquer n ∈ N, (b) Para a sucess˜ao dos Fn , e de acordo com (4), seleccionamos um conjunto Fn ∈ M tal que   1 (5) Fn ⊆ Pn e µ(Fn ) ≤ max −1, ν(Pn ) ≤ 0. 2 (c) Para a sucess˜ao dos Pn , tomamos Pn+1 = Pn \Fn . Deve ser evidente que os conjuntos Fn s˜ ao disjuntos e os conjuntos Pn formam uma sucess˜ao decrescente, onde Pn ց P = ∞ \ n=1 Pn e E = P ∪ F com F = ∞ [ Fn . n=1 Como µ(Fn ) ≤ 0 e os conjuntos Fn s˜ ao disjuntos, temos (6) − ∞ < µ(F ) = ∞ X n=1 µ(Fn ) ≤ 0 e µ(Fn ) → 0. Para n suficientemente grande temos de (6) que µ(Fn ) > −1 e de (5) que (7) 0 ≥ ν(Pn ) ≥ µ(Fn ) → 0, ou seja, ν(Pn ) → 0. 2 Como P ⊆ Pn , obtemos de (2) e de (7) que 0 ≥ ν(P ) ≥ ν(Pn ) → 0. Temos assim que ν(P ) = 0, i.e., P ´e µ-positivo. Para concluir a demonstra¸c˜ao, notamos que µ(P ) = µ(E) − µ(F ) ≥ µ(E) > 0, porque E = P ∪ F . 226 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Passamos a demonstrar o principal resultado desta sec¸c˜ao: Teorema 4.1.20 (da Decomposi¸c˜ao de Hahn-Jordan). Qualquer medida real tem decomposi¸co ˜es de Hahn e de Jordan. N = X\P E X P∗ P Figura 4.1.4: Demonstra¸c˜ao de 4.1.20. Demonstra¸ca ˜o. De acordo com 4.1.18, existe um conjunto µ-positivo P tal que µ(P ) = α = max {µ(E) : E ∈ M, E µ-positivo } < +∞. A demonstra¸c˜ ao resume-se a mostrar que N = X\P ´e µ-negativo, conforme diss´emos na observa¸c˜ ao (II) acima, e argumentamos por contradi¸c˜ao. Se N n˜ ao ´e µ-negativo, existe E ⊆ N com µ(E) > 0. De acordo com 4.1.19, existe neste caso um conjunto µ-positivo P ∗ ⊆ E com µ(P ∗ ) > 0. O conjunto P ∪ P ∗ ´e portanto µ-positivo e µ(P ∪ P ∗ ) = µ(P ) + µ(P ∗ ) > α, o que contradiz a defini¸c˜ ao de α. Conclu´ımos assim que N ´e µ-negativo e (P, N ) ´e uma decomposi¸c˜ao de Hahn para µ. Por esta raz˜ ao, e como j´a observ´ amos, existe tamb´em uma decomposi¸c˜ ao de Jordan (π, ν) para µ, onde as medidas em causa s˜ ao dadas por π(E) = µ(E ∩ P ) e ν(E) = −µ(E ∩ N ). A quest˜ ao da unicidade destas decomposi¸c˜oes ´e bastante mais simples de analisar, e por isso a sua verifica¸c˜ao fica para os exerc´ıcios 5 e 6. Teorema 4.1.21. Seja µ uma medida real, e suponha-se que (π, ν) e (P, N ) s˜ ao, respectivamente, decomposi¸co ˜es de Jordan e de Hahn para µ. Ent˜ ao, a) Se π ∗ e ν ∗ s˜ ao medidas positivas finitas tais que µ = π ∗ − ν ∗ , ent˜ ao ∗ ∗ π≤π eν≤ν . b) Em particular, se (π ∗ , ν ∗ ) ´e uma decomposi¸ca ˜o de Jordan de µ, ent˜ ao ∗ ∗ π = π, e ν = ν . 4.1. A Decomposi¸c˜ ao de Hahn-Jordan 227 c) Se (P ∗ , N ∗ ) ´e uma decomposi¸ca ˜o de Hahn para µ, ent˜ ao P ∩ N ∗ e P ∗ ∩ N s˜ ao µ-nulos. Sendo µ uma medida real, a respectiva decomposi¸c˜ao de Jordan (π, ν) existe, de acordo com o resultado acima, e ´e u ´nica, de acordo com 4.1.21. Passamos a escrever µ+ , em lugar de π, e µ− , em lugar de ν. Exerc´ıcios. 1. Prove que µ est´ a concentrada em S se e s´o se S c ´e µ-nulo (proposi¸ca˜o 4.1.6). 2. Demonstre a proposi¸ca˜o 4.1.12. 3. Sendo I = [0, 2] e J = [1, 3], determine decomposi¸co˜es de Jordan e de Hahn para a medida µ dada por µ(E) = m(E ∩ I) − m(E ∩ J). 4. Seja µ uma medida real no espa¸co mensur´avel (X, M). Demonstre 4.1.16, ou seja: a) Se P ´e µ-positivo, Q ∈ M, e Q ⊆ P , ent˜ ao Q ´e µ-positivo, e µ(Q) ≤ µ(P ). b) Se P ´e µ-negativo, Q ∈ M, e Q ⊆ P , ent˜ ao Q ´e µ-negativo, e µ(Q) ≥ µ(P ). e µ-positivo, e c) Se Pn ´e µ-positivo para qualquer n ∈ N, ent˜ ao ∪∞ n=1 Pn ´ ∞ µ(∪n=1 Pn ) ≥ µ(Pn ). 5. Mostre que, se µ : M → R ´e uma medida real, (π, ν) ´e uma decomposi¸ca˜o de Jordan para µ, e π ∗ , ν ∗ : M → [0, +∞[ s˜ao medidas positivas finitas tais que µ = π ∗ − ν ∗ , ent˜ ao π ≤ π ∗ e ν ≤ ν ∗ . Em particular, a decomposi¸ca˜o de Jordan de (X, M, µ) ´e u ´ nica (teorema 4.1.21, a), e b)). 6. Prove que se (P, N ) e (P ′ , N ′ ) s˜ao decomposi¸co˜es de Hahn de (X, M, µ), ent˜ ao P ∩ N ′ e P ′ ∩ N s˜ao µ-nulos (teorema 4.1.21, b)). 7. Seja f : RN → R localmente som´avel, e µ o respectivo integral indefinido.  a) Mostre que µ est´ a concentrada em P = x ∈ RN : f (x) > 0 quando f ≥ 0. b) Suponha agora que f = f + − f − muda de sinal em RN , e ´e som´avel em RN . Sejam π e ν os integrais indefinidos de f + e f − . Mostre que (π, ν) ´e a decomposi¸ca˜o de Jordan de µ = π − ν. c) Continuando a al´ınea anterior, as medidas π, ν e µ est˜ ao definidas respectivamente nas σ-´algebras Lf + , Lf − , e Lf . Mostre que Lf = L|f | = Lf + ∩ Lf − . 8. Sendo n ∈ N, suponha que δn ´e a medida de Dirac com suporte em {n}, e µ= ∞ X (−1)n δn . 2n n=1 Determine decomposi¸co˜es de Jordan e de Hahn para a medida µ. 228 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas 2 9. Seja λ o integral indefinido de f (x) = e−x sen(πx), e µ a medida referida no exerc´ıcio anterior. Determine decomposi¸co˜es de Jordan e de Hahn para λ + µ. 10. Seja µ uma medida real no espa¸co (X, M) e E ∈ M. Mostre que a) µ+ (E) = sup {µ(F ) : F ∈ M, F ⊆ E}, e b) µ− (E) = − inf {µ(F ) : F ∈ M, F ⊆ E}. 11. Existe alguma medida real µ tal que µ([a, b]) = Z a b sen(x) dx? x 12. Suponha que µ ´e uma medida real em B(R), e f (x) = µ(] − ∞, x]). Prove que f (x) = g(x) − h(x), onde g e h s˜ao fun¸co˜es crescentes e limitadas em R. ˜o: Verifique que pode substituir 13. Demonstre o teorema 4.1.7. sugesta a classe V referida no teorema 4.1.7 pela classe (numer´avel) formada pelos rectˆangulos abertos com v´ertices de coordenadas racionais que s˜ao µ-nulos. 14. Suponha que Q = {q1 , · · · , qn , · · · } e µ= ∞ X (−1)n δqn . 2n n=1 Determine decomposi¸co˜es de Jordan e de Hahn para a medida µ. Mostre que (dependendo da enumera¸ca˜o dos racionais em causa) os suportes de µ+ e de µ− podem ser iguais. 15. Suponha que µ ´e o integral indefinido de uma fun¸ca˜o som´avel f . As medidas µ+ e µ− podem ter o mesmo suporte? 4.2 A Varia¸ c˜ ao Total de uma Medida ˜ o total de uma medida real ou positiva µ ´e an´ A no¸c˜ ao de variac ¸a aloga `a de oscila¸ca ˜o de uma fun¸c˜ao real, num dado conjunto. Se µ est´ a definida na σ-´ algebra M, temos ˜o total de µ ´e a fun¸c˜ao |µ| Defini¸ c˜ ao 4.2.1 (Varia¸c˜ao Total). A variac ¸a definida em M por:(4 ) |µ| (E) = sup {µ(F ) : F ⊆ E, F ∈ M} − inf {µ(F ) : F ⊆ E, F ∈ M} . 4 A utiliza¸c˜ ao do s´ımbolo |µ| para designar a varia¸c˜ ao total de µ ´e tradicional, mas ´e amb´ıgua, porque se presta a confus˜ oes com o simples valor absoluto da fun¸c˜ ao µ. Convencionamos a este respeito que o valor absoluto de µ(E) ser´ a sempre designado por |µ(E)|. 229 4.2. A Varia¸c˜ ao Total de uma Medida Conforme sugerido no exerc´ıcio 10 da sec¸c˜ao anterior, a varia¸c˜ao total de uma medida real µ calcula-se facilmente das suas decomposi¸c˜oes de Jordan e de Hahn. Sempre supondo que F ⊆ E e F ∈ M, temos µ(F ) = µ+ (F ) − µ− (F ) ≤ µ+ (F ) ≤ µ+ (E) = µ(E ∩ P ), e analogamente µ(F ) = µ+ (F ) − µ− (F ) ≥ −µ− (F ) ≥ −µ− (E) = µ(E ∩ N ). Podemos assim concluir que max {µ(F ) : F ⊆ E, F ∈ M} = µ(E ∩ P ) = µ+ (E), e min {µ(F ) : F ⊆ E, F ∈ M} = µ(E ∩ N ) = −µ− (E). A varia¸c˜ ao total de µ em E ´e portanto dada por |µ| (E) = µ+ (E) + µ− (E), ou seja, |µ| = µ+ + µ− . Passamos tamb´em a dizer que µ+ e µ− s˜ ao, respectivamente, a varia¸c˜ ao positiva e a varia¸c˜ao negativa de µ. Note-se que |µ|, µ+ e µ− s˜ ao medidas positivas, que s˜ ao finitas quando µ ´e uma medida real. Quando µ ´e positiva, ´e claro que a varia¸c˜ao total de µ pode ser definida como em 4.2.1, mas nesse caso temos obviamente µ = |µ|, e esta medida n˜ ao ´e necessariamente finita. Exemplos 4.2.2. 1. Se f : RN → R ´e som´avel e µ ´e o respectivo integral indefinido, ent˜ ao µ+ e − + − µ s˜ao os integrais indefinidos de f e f . A varia¸ca˜o total de µ ´e portanto dada por Z Z Z Z |µ|(E) = µ+ (E) + µ− (E) = f+ + f− = (f + + f − ) = |f |. E E E E Por outras palavras, a varia¸ca˜o total |µ| ´e o integral indefinido de |f |. 2. Se µ = δ1 − δ−1 , ent˜ ao a decomposi¸ca˜o de Jordan de µ ´e (δ1 , δ−1 ), donde |µ| = δ1 + δ−1 . 3. Observe-se ainda que µ= ∞ ∞ ∞ ∞ X X X X 1 1 1 (−1)n + − δ ⇒ µ = δ , µ = δ e |µ| = δ . n n 2n 2n 2n−1 2n−1 n n 2 2 2 2 n=1 n=1 n=1 n=1 A varia¸c˜ ao total de uma medida real pode ser tamb´em calculada pela: Proposi¸ c˜ ao 4.2.3. Se µ ´e uma medida real, ou positiva, ent˜ ao ) (∞ ∞ [ X En , En ’s disjuntos . |µ(En )| : En ∈ M, E = |µ| (E) = sup n=1 n=1 230 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Demonstra¸ca ˜o. O resultado ´e evidente quando µ ´e uma medida positiva. Se µ ´e uma medida real ent˜ao temos para qualquer parti¸c˜ao {En } que ∞ X n=1 sup |µ(En )| = ( ∞ X n=1 + − |µ (En ) − µ (En )| ≤ ∞ X n=1  µ+ (En ) + µ− (En ) = = µ+ (E) + µ− (E) = |µ| (E), i.e., ∞ X n=1 |µ(En )| : En ∈ M, E = ∞ [ En , En ’s disjuntos n=1 ) ≤ |µ| (E). Por outro lado, e supondo que (P, N ) ´e uma decomposi¸c˜ao de Hahn para µ, tomamos E1 = E ∩ P, E2 = E ∩ N e En = ∅, para n > 2, donde ∞ X n=1 |µ(En )| = |µ(E1 )| + |µ(E2 )| = µ(E ∩ P ) + µ(E ∩ N ) = |µ| (E) ≤ sup ( = µ+ (E) + µ− (E) = |µ| (E), e ∞ X n=1 |µ(En )| : En ∈ M, E = ∞ [ n=1 En , En ’s disjuntos ) . De acordo com este resultado, podemos substituir a defini¸ca˜o 4.2.1 pela seguinte, agora aplic´ avel a qualquer medida real, positiva ou complexa: Defini¸ c˜ ao 4.2.4 (Varia¸c˜ao Total). Se µ ´e uma medida (positiva, real ou ˜o total de µ ´e a fun¸c˜ao |µ| : M → complexa) definida em M, a variac ¸a [0, ∞], dada por: ) (∞ ∞ [ X En , En ’s disjuntos . |µ(En )| : En ∈ M, E = |µ| (E) = sup n=1 n=1 Exemplo 4.2.5. Podemos definir “pentes de Dirac” em qualquer conjunto X, e na σ-´algebra P(X). Dado um conjunto numer´avel S = {x1 , x2 , · · · , xn , · · · } ⊆ X e uma sucess˜ao de reais ou complexos c1 , c2 , · · · , se existe uma medida π concentrada em S e tal que π({xn }) = cn , escrevemos π= ∞ X n=1 cn δxn e temos π(E) = X n∈IE cn , onde IE = {n ∈ N : xn ∈ E} e E ⊆ X. Deixamos para o exerc´ıcio 1 verificar que a medida π existe se e s´o se se verifica um dos seguintes casos: • cn ≥ 0 para qualquer n ∈ N, ou P∞ • a s´erie n=1 cn ´e absolutamente convergente. 4.2. A Varia¸c˜ ao Total de uma Medida Dizemos ent˜ ao que π ´e um “pente de Dirac”, ou uma medida discreta. varia¸ca˜o total de π ´e dada por: X |π| (E) = |cn | . 231 A n∈IE O pr´ oximo teorema agrupa algumas observa¸c˜oes elementares, todas de muito simples verifica¸c˜ ao. Note-se que mesmo quando µ ´e uma medida complexa ´e ainda verdade que |µ| ´e uma medida positiva finita. Teorema 4.2.6. Se µ ´e uma medida real ou complexa, ent˜ ao: a) |µ(E)| ≤ |µ| (E) ≤ |µ| (F ), para quaisquer E, F ∈ M com E ⊆ F . b) E ´e µ-nulo ⇐⇒ |µ| (E) = 0. c) |µ| ´e uma medida positiva finita, donde µ ´e de varia¸ca ˜o limitada. d) µ est´ a concentrada em S ⇐⇒ |µ| est´ a concentrada em S. e) Se µ e λ s˜ ao medidas reais (resp., complexas) e c ∈ R (resp., c ∈ C), ent˜ ao µ + λ e cµ s˜ ao medidas reais (resp., complexas). Em particular, o conjunto das medidas reais (resp., complexas) definidas em (X, M) ´e um espa¸co vectorial real (resp., complexo).(5 ) Demonstra¸ca ˜o. Para provar a), tomamos na defini¸c˜ao (4.2.4) E1 = E e ´ igualmente f´acil En = ∅ para n > 1, para concluir que |µ(E)| ≤ |µ| (E). E verificar que se E ⊆ F ent˜ ao |µ| (E) ≤ |µ| (F ). Se |µ| (E) = 0, F ∈ M e F ⊆ E segue-se de a) que µ(F ) = 0, e portanto E ´e µ-nulo. Por outro lado, se E ´e µ-nulo ent˜ao ´e ´obvio da defini¸c˜ao (4.2.4) que |µ| (E) = 0. Deixamos para o exerc´ıcio 2 a demonstra¸c˜ao de c). Supondo verificad esta afirma¸c˜ ao, ´e evidente que d) ´e equivalente a b). A afirma¸c˜ ao e) resume propriedades elementares de s´eries convergentes. ˜o limitada se e s´ A medida µ diz-se de variac ¸a o se |µ| (X) < +∞, sendo claro que apenas as medidas positivas, que ali´as coincidem com a sua varia¸c˜ao total, podem n˜ ao ter varia¸c˜ ao limitada. Passamos a designar por M (M, Y ) o espa¸co das medidas µ : M → Y , onde Y = R ou Y = C, que por vezes simplificamos para M (M) quando Y ´e evidente do contexto, e deixamos para os exerc´ıcios 4 e 5 a verifica¸c˜ ao do seguinte resultado: 5 As medidas reais (resp., complexas) em (X, M) s˜ ao fun¸c˜ oes µ : M → R (resp., µ : M → C) de tipo especial, e formam assim um subespa¸co do espa¸co de todas as fun¸c˜ oes f reais (resp., complexas) definidas em M. Este u ´ltimo designa-se usualmente por RM (resp., CM ). 232 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Proposi¸ c˜ ao 4.2.7. A aplica¸ca ˜o definida em M (M, C) por kµk = |µ| (X) ´e uma norma, e com esta norma M (M, C) ´e um espa¸co de Banach complexo. Analogamente, M (M, R) ´e um espa¸co de Banach real. Observa¸ co ˜es 4.2.8. 1. Se µ ´e o integral indefinido de uma fun¸ca˜o som´avel f : RN → R, ent˜ ao Z |f |dmN = kf k1 . kµk = |µ| (RN ) = RN 2. Seja M (B(RN )) o espa¸co de Banach formado por todas as medidas reais definidas em B(RN ), que se diz o espac ¸ o das medidas de Borel(6 ). O operador Ψ : L1 (RN ) → M (B(RN )) que associa a cada classe [f ] o integral indefinido de f ´e linear e preserva normas, de acordo com a observa¸ca˜o acima. O espa¸co de Banach M (B(RN )) cont´em por isso um subespa¸co de Banach isomorfo a L1 (RN ). Dizemos portanto que o espa¸co de Banach M (B(RN )) ´e uma extens˜ ao do espa¸co de Banach L1 (RN ), se bem que esta afirma¸ca˜o pressuponha que “identificamos”, ou seja, tratamos como se fossem o mesmo objecto, tanto a classe [f ] como o seu integral indefinido(7 ). Aproveitamos para generalizar a medidas reais e complexas a no¸c˜ao de medida completa que introduzimos em 2.3.15: Defini¸ c˜ ao 4.2.9 (Medida Completa). A medida µ ´e completa se e s´ o se todos os subconjuntos de conjuntos µ-nulos s˜ ao mensur´aveis, i.e., se e s´ o se o espa¸co (X, M, |µ|) ´e completo, no sentido de 2.3.15. Exemplos 4.2.10. 1. O integral indefinido de f ´e completo, se tomarmos M = Lf . 2. Se µ ´e uma medida complexa definida em M, a sua menor extens˜ao completa est´ a definida da forma o´bvia na σ-´algebra Mµ = M|µ| , dada por: Mµ = {E ⊆ X : Existem A, B ∈ M, A ⊆ E ⊆ B, |µ|(B\A) = 0} . Exerc´ıcios. 6 Mais geralmente, se X ´e um espa¸co topol´ ogico, as medidas definidas em B(X) dizem-se de Borel em X. 7 ˜ es, que por vezes se chamam Os elementos de M (B(RN )) s˜ ao tamb´em distribuic ¸o ˜ es generalizadas. Esta terminologia reflecte exactamente a identifica¸c˜ func ¸o ao entre fun¸c˜ oes e os respectivos integrais indefinidos, no sentido que certas medidas s˜ ao (i.e., correspondem a) fun¸c˜ oes “normais”, e outras s˜ ao apenas “fun¸c˜ oes generalizadas”. O espa¸co M (B(RN )) ´e igualmente referido num dos c´elebres Teoremas de Representa¸c˜ ao de Riesz, neste texto o teorema 5.5.11, que ali´ as identifica os elementos de M (B(RN )) com um tipo especial de distribui¸c˜ oes. 4.2. A Varia¸c˜ ao Total de uma Medida 233 1. Recorde o exemplo 4.2.5. Verifique que existe uma medida P∞ π concentrada em S e tal que π({xn }) = cn se e s´o se cn ≥ 0, ou a s´erie n=1 cn ´e absolutamente convergente, e calcule a varia¸ca˜o total de π. ˜o: Para provar c), 2. Conclua a demonstra¸ca˜o do teorema 4.2.6. Sugesta comece por mostrar que |µ| ´e σ-subaditiva. 3. Seja µ uma medida definida no espa¸co mensur´avel (X, M). Prove que a) |µ| = 0 se e s´o se µ = 0, b) Se λ ´e uma medida definida em M, ent˜ ao µ⊥λ ⇔ |µ| ⊥ |µ|. 4. Seja V = M (M, C) o espa¸co vectorial das medidas complexas definidas em (X, M), com as opera¸co˜es ´ obvias de soma e produto por escalares. Sendo µ, λ ∈ V, e α ∈ C, mostre que a) |µ + λ| ≤ |µ| + |λ|, e |αµ| = |α| |µ|. b) kµk = |µ| (X) ´e uma norma em V, i.e., V ´e um espa¸co vectorial normado. c) Suponha que µ = α + iβ, onde α e β s˜ao medidas reais. Mostre que max{kαk, kβk} ≤ kµk ≤ kαk + kβk. Sendo µn = αn + iβn , onde αn e βn s˜ao medidas reais, conclua que kµn − µk → 0 ⇐⇒ kαn − αk → 0 e kβn − βk → 0. d) Podemos tamb´em adoptar no espa¸co(8 ) V a norma da convergˆencia uniforme, dada por kµk∞ = sup{|µ(E)| : E ∈ M}. Mostre que neste caso estas normas s˜ao equivalentes, i.e., existem n´ umeros reais positivos n˜ aonulos a, b tais que akµk∞ ≤ kµk ≤ bkµk∞ , para qualquer µ ∈ V. ˜o: Suponha que µ ´e real, e use a sua decomposi¸ca˜o de Hahn. sugesta e) Mostre que podemos ter µn (E) → µ(E) para qualquer E ∈ M sem que kµn − µk → 0, ou seja, existem sucess˜oes em V que convergem pontualmente, mas n˜ ao convergem no sentido de qualquer das normas que ˜o: Recorde o exerc´ıcio 6 da sec¸ca˜o 3.5. referimos. sugesta 5. Continuando o exerc´ıcio anterior, mostre que V ´e um espa¸co de Banach. ˜o: Pode ser conveniente proceder da seguinte forma: sugesta a) Mostre que se kµn − µm k → 0 ent˜ ao µn converge uniformemente para uma fun¸ca˜o limitada µ : M → C. b) Prove que µ ´e uma fun¸ca˜o aditiva, e use o facto de kµn − µk∞ → 0 para concluir que µ ´e σ-aditiva, ou seja, ´e uma medida. c) Conclua que kµn − µk → 0, e portanto V ´e um espa¸co de Banach. 8 V ´e um subespa¸co do espa¸co das fun¸c˜ oes limitadas f : M → C. 234 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas 6. Seja ainda V o espa¸co vectorial das medidas complexas definidas em (X, M), com as opera¸co˜es j´ a referidas. a) Sendo λ ∈ V, mostre que U = {µ ∈ V : µ⊥λ} ´e um subespa¸co vectorial normado de V. U ´e um espa¸co de Banach? b) Verifique que o conjunto W formado pelas medidas discretas ´e igualmente um espa¸co vectorial normado de V. W ´e um espa¸co de Banach? 4.3 Medidas Absolutamente Cont´ınuas Sabemos que se a medida µ ´e o integral indefinido de Lebesgue da fun¸c˜ao f , ent˜ ao: mN (E) = 0 =⇒ µ(E) = 0. Introduzimos a no¸c˜ ao de continuidade absoluta para exprimir esta rela¸ca ˜o entre medidas. O exemplo que acab´ amos de mencionar ´e especialmente simples, porque mN ´e uma medida positiva, mas ´e f´acil frasear a defini¸c˜ao correspondente de modo a ser aplic´ avel a qualquer tipo de medidas. Defini¸ c˜ ao 4.3.1 (Continuidade Absoluta). Se µ e λ s˜ ao medidas em M, dizemos que µ ´e absolutamente cont´ınua (em rela¸c˜ao a λ) e escrevemos µ ≪ λ se e s´ o se qualquer conjunto λ-nulo ´e igualmente µ-nulo. Quando λ ´e a medida de Lebesgue, ´e usual omitir a referˆencia “em rela¸c˜ao a λ”. Exemplos 4.3.2. 1. Como dissemos acima, se a medida µ ´e o integral indefinido da fun¸ca˜o f em RN , ent˜ a o µ ≪ mN . 2. A medida de Dirac n˜ ao ´e absolutamente cont´ınua. Por exemplo, o conjunto A = {0} ´e m-nulo, mas n˜ ao ´e δ-nulo. 3. Se µ ´e uma medida real em (X, M), temos µ ≪ |µ|, µ+ ≪ |µ| e µ− ≪ |µ|. Em particular, |µ| = 0 se e s´o se µ = 0, ou seja, |µ| (X) = 0 ⇐⇒ µ(E) = 0 para qualquer E ∈ M. A continuidade absoluta de µ em rela¸c˜ao a λ pode ser expressa de diversas formas equivalentes, e analisaremos algumas delas nos exerc´ıcios. Observamos desde j´a que Teorema 4.3.3. Se µ e λ s˜ ao medidas em M, ent˜ ao: µ ≪ λ ⇔ |µ| ≪ |λ| ⇔ Para qualquer E ∈ M, |λ| (E) = 0 ⇒ |µ| (E) = 0. O resultado seguinte generaliza o exerc´ıcio 10 da sec¸c˜ao 3.3 a qualquer medida complexa. 235 4.3. Medidas Absolutamente Cont´ınuas Teorema 4.3.4. Se µ e λ s˜ ao medidas em M e µ ´e de varia¸ca ˜o limitada, ent˜ ao µ ≪ λ se e s´ o se (1) ∀ε>0 ∃δ>0 ∀E∈M |λ|(E) < δ =⇒ |µ(E)| < ε. Demonstra¸ca ˜o. Supomos primeiro que a condi¸c˜ao (1) ´e falsa, i.e., ∃ε>0 ∀δ>0 ∃E∈M tal que |λ|(E) < δ e |µ(E)| ≥ ε. ˜o ´e absolutamente cont´ınua em rela¸c˜ao a λ. Passamos a provar que µ na Para isso, notamos que existem conjuntos En tais que |λ|(En ) < 1 e |µ(En )| ≥ ε, donde |µ| (En ) ≥ ε. 2n Consideramos os conjuntos Fn = ∞ [ k=n Ek e F = ∞ \ n=1 Fn onde Fn ց F. Recordamos do lema de Borel-Cantelli que ∞ X n=1 |λ|(En ) < ∞ =⇒ |λ|(F ) = 0, ou seja, F ´e λ-nulo. Por outro lado, como Fn ց F e, por hip´ otese, |µ| ´e uma medida finita, ´ temos que |µ|(Fn ) → |µ|(F )|. E claro que En ⊆ Fn , e por isso |µ|(Fn ) ≥ |µ|(En ) ≥ |µ(En )| ≥ ε =⇒ |µ|(F )| ≥ ε > 0. ´ portanto evidente que F ´e λ-nulo mas n˜ E ao ´e µ-nulo, ou seja, µ n˜ ao ´e absolutamente cont´ınua em rela¸c˜ ao a λ. Deixamos a conclus˜ao desta demonstra¸c˜ao, que envolve verificar que (1) ⇒ µ ≪ λ, para o exerc´ıcio 4. Exerc´ıcios. 1. Sendo µ e λ medidas definidas em M, quais destas afirma¸co˜es s˜ao equivalentes a µ ≪ λ? a) Para qualquer E ∈ M, λ(E) = 0 ⇒ µ(E) = 0. b) Para qualquer E ∈ M, |λ| (E) = 0 ⇒ µ(E) = 0. c) Para qualquer E ∈ M, |λ| (E) = 0 ⇒ |µ| (E) = 0. d) Para qualquer P ∈ M, se λ est´ a concentrada em P ent˜ ao µ est´ a concentrada em P . 2. Considere as medidas dadas em M = P(R) por µ1 (E) = δ(E), µ2 (E) = #(E ∩ Z) e µ3 (E) = #(E ∩ Q). Mostre que µ1 ≪ µ2 ≪ µ3 . 236 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas ˜o 3. Sejam µ e λ medidas definidas em M. Dizemos que (µa , µs ) ´e a decomposic ¸a de lebesgue de µ em ordem a λ se e s´o se µa e µs s˜ao medidas definidas em M tais que µ = µa + µs , com µa ≪ λ e µs ⊥λ. Prove que esta decomposi¸ca˜o, a existir, ´e u ´ nica(9 ). Conclua em particular que µ ≪ λ e µ⊥λ =⇒ µ = 0. 4. Sejam µ e λ medidas definidas em M, onde µ ´e de varia¸ca˜o limitada. a) Prove que se µ e λ satisfazem a condi¸ca˜o (1) referida no teorema 4.3.4 ent˜ ao µ ≪ λ, o que conclui a demonstra¸ca˜o do referido teorema. b) Prove que se µ ´e absolutamente cont´ınua em rela¸ca˜o a λ e |λ|(En ) → 0 ent˜ ao µ(En ) → 0. c) Verifique que a afirma¸ca˜o b) ´e falsa se µ n˜ ao ´e de varia¸ca˜o limitada. 5. Sendo µ o integral indefinido da fun¸ca˜o som´avel (ou n˜ ao-negativa) f : RN → R, mostre que mN ≪ µ se e s´o se f (x) 6= 0 qtp. 6. Seja V o espa¸co vectorial normado das medidas complexas definidas em (X, M) referido no exerc´ıcio 4 da sec¸ca˜o anterior. Dado λ ∈ V, mostre que U = {µ ∈ V : µ ≪ λ} ´e um subespa¸co de Banach de V. 4.4 Medidas Regulares Passamos a dizer que µ ´e uma medida de Lebesgue-Stieltjes se e s´ o se µ N est´ a definida numa σ-´ algebra M ⊇ B(R ). Recorde-se que se M = B(RN ) dizemos tamb´em que µ ´e uma medida de Borel(10 ). A no¸c˜ao de regularidade (exterior) foi definida em 2.3.13 para medidas de Lebesgue-Stieltjes positivas, onde indic´ amos exemplos destas medidas, regulares ou n˜ ao. Exemplos 4.4.1. 1. Se f ≥ 0 ´e localmente som´avel, o respectivo integral indefinido ´e uma medida de Lebesgue-Stieltjes σ-finita e regular. 2. Se f (x) = x−2 em R, e µ ´e o integral indefinido de f , ent˜ ao µ ´e σ-finita, mas n˜ ao ´e regular em B(R), porque µ({0}) = 0 6= inf{µ(U ) : 0 ∈ U ⊆ R, U aberto } = ∞. 3. Conforme j´ a observ´ amos, o cardinal em RN ´e uma medida de LebesgueStieltjes que n˜ ao ´e regular nos conjuntos finitos n˜ ao-vazios. 9 A existˆencia deste tipo de decomposi¸c˜ oes ser´ a estabelecida, mais adiante, no Teorema de Radon-Nikodym-Lebesgue. 10 ´ E tamb´em comum dizer que a restri¸c˜ ao da medida de Lebesgue ` a σ-´ algebra de Borel ´e A medida de Borel. 4.4. Medidas Regulares 237 Para estudar a poss´ıvel regularidade de uma medida de Borel µ ≥ 0, ´e conveniente introduzir a fun¸c˜ ao µ∗ : P(RN ) → [0, ∞] dada por µ∗ (E) = inf {µ(U ) : E ⊆ U, U aberto } , ´ claro que µ que ´e uma medida exterior, como vimos no exemplo 2.5.5.5. E ∗ ´e regular em N ⊆ M se e s´ o se µ(E) = µ (E) para qualquer E ∈ N , mas exibimos j´a m´ ultiplos exemplos em que µ 6= µ∗ . Deixamos para o exerc´ıcio 1 a demonstra¸c˜ ao das seguintes rela¸c˜oes entre µ e µ∗ : Lema 4.4.2. Se µ ´e uma medida de Lebesgue-Stieltjes positiva definida na σ-´ algebra M ent˜ ao a) µ(E) ≤ µ∗ (E) para qualquer E ∈ M. b) µ(U ) = µ∗ (U ), para qualquer aberto U ⊆ RN . A teoria desenvolvida no Cap´ıtulo II mostra que µ∗ determina a σ-´algebra dos conjuntos µ∗ -mensur´ aveis, que designaremos Lµ (RN ), e sabemos que N ∗ E ⊆ R ´e µ -mensur´ avel se e s´ o se µ∗ (F ) = µ∗ (F ∩ E) + µ∗ (F \E), para qualquer F ⊆ RN . A restri¸c˜ ao de µ∗ a Lµ (RN ) ´e, como sabemos, uma medida, que neste caso ´e evidentemente regular, e que designaremos por µr . Temos naturalmente que, em geral, M = 6 Lµ (RN ) e µ 6= µr . Muitos dos argumentos que utiliz´ amos no Cap´ıtulo II no estudo da medida de Lebesgue s˜ ao facilmente adaptados a este contexto mais abstracto. Por exemplo, na demonstra¸c˜ ao de a) na proposi¸c˜ao seguinte basicamente repetimos ideias utilizadas na proposi¸c˜ao 2.2.10. Lema 4.4.3. Se µ ´e uma medida de Lebesgue-Stieltjes positiva ent˜ ao: a) E ∈ Lµ (RN ) se e s´ o se (1) µ(U ) = µ∗ (U ∩ E) + µ∗ (U \E), para qualquer aberto U ⊆ RN . b) B(RN ) ⊆ Lµ (RN ), ou seja, µr ´e uma medida de Lebesgue-Stieltjes. Demonstra¸ca ˜o. a) Qualquer conjunto µ∗ -mensur´avel satisfaz a condi¸c˜ao (1), tendo em conta a defini¸c˜ ao de Lµ (RN ) e 4.4.2 b). Suponha-se portanto que E satisfaz a condi¸c˜ ao referida e F ⊆ RN . Dado qualquer aberto U tal que N F ⊆ U ⊆ R , ´e claro que: µ∗ (F ∩ E) + µ∗ (F \E) ≤ µ∗ (U ∩ E) + µ∗ (U \E) = µ(U ). Segue-se que µ∗ (F ∩ E) + µ∗ (F \E) ≤ µ∗ (F ) e portanto E ´e µ∗ -mensur´avel. 238 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas b) Para provar que B(RN ) ⊆ Lµ (RN ), ´e suficiente estabelecer que qualquer aberto V ⊆ RN ´e µ∗ -mensur´avel. De acordo com a) e com 4.4.2 b), basta-nos verificar que, se U e V s˜ ao abertos, donde U ∩ V ´e tamb´em aberto, temos: (2) µ(U ) ≥ µ∗ (U ∩ V ) + µ∗ (U \V ) = µ(U ∩ V ) + µ∗ (U \V ). Recordamos de 1.6.18 que existem conjuntos compactos Kn ր V , e observamos que U \Kn ´e aberto e U \Kn ⊇ U \V =⇒ µ(U \Kn ) ≥ µ∗ (U \V ) Como µ ´e uma medida, temos µ(U ) = µ(U ∩ Kn ) + µ(U \Kn ) ≥ µ(U ∩ Kn ) + µ∗ (U \V ). ´ claro que µ(U ∩ Kn ) ր µ(U ∩ V ), donde obtemos (2). E Exactamente como conclu´ımos no Cap´ıtulo II que a medida de Lebesgue ´e a maior solu¸c˜ ao regular do Problema de Borel, podemos estabelecer que Corol´ ario 4.4.4. Se µ est´ a definida e ´e regular na σ-´ algebra A ent˜ ao A ⊆ N Lµ (R ) e µ ´e uma restri¸ca ˜o de µr . Demonstra¸ca ˜o. Se E ∈ A e U ´e aberto, e dado que µ = µ∗ em A, temos µ(U ) = µ(U ∩ E) + µ(U \E), i.e., µ(U ) = µ∗ (U ∩ E) + µ∗ (U \E), ou seja, E ∈ Lµ (RN ). O pr´ oximo lema identifica conjuntos E ∈ M∩L(RN ) para os quais temos µ(E) = µr (E) = µ∗ (E), ou seja, conjuntos onde a medida µ ´e necessariamente regular. Lema 4.4.5. Seja µ uma medida de Lebesgue-Stieltjes positiva. Se µ∗ (E) < +∞ e E ∈ M ∩ Lµ (RN ) ent˜ ao µ(E) = µr (E) = µ∗ (E). Demonstra¸ca ˜o. Existem conjuntos abertos Un ⊆ RN tais que E ⊆ Un e µ(Un ) = µr (Un ) → µ∗ (E) = µr (E). Podemos supor sem perda de generalidade que µ(Un ) = µr (Un ) < +∞ e Un ց B = ∞ \ n=1 Un , onde ´e ´obvio que B ⊇ E. Aplicamos o teorema da convergˆencia mon´ otona de Lebesgue `as medidas µ e µr para concluir que 4.4. Medidas Regulares 239 • Como Un ց B, temos µ(Un ) → µ(B) e µr (Un ) → µr (B). Como µ(Un ) → µr (E) e µ(Un ) = µr (Un ), segue-se que µr (E) = µ(B) = µr (B) < +∞ e µr (B\E) = 0 = µ∗ (B\E). • Como 0 ≤ µ(B\E) ≤ µ∗ (B\E) = 0, ´e claro que µ(B\E) = 0 e portanto µ(E) = µ(B) = µr (E). ´ evidente do lema anterior que se µ ´e uma medida de Borel positiva E finita, por exemplo se µ ´e uma medida de probabilidade, ent˜ao µ ´e regular. Veremos imediatamente a seguir que o mesmo resultado ´e v´alido se µ ´e finita em conjuntos compactos(11 ), caso em que µ se diz localmente finita. Exemplos 4.4.6. 1. A medida de Lebesgue ´e localmente finita. 2. O integral indefinido de uma fun¸ca˜o localmente som´avel e n˜ ao negativa ´e uma medida positiva localmente finita. 3. O pente de Dirac em R dado por π(E) = #(E ∩ Z) ´e uma medida positiva localmente finita. 4. O integral indefinido de f (x) = x−2 ´e uma medida σ-finita que n˜ ao ´e localmente finita e n˜ ao ´e regular em B(R). Teorema 4.4.7. Qualquer medida de Lebesgue-Stieltjes positiva, localmente finita e definida em M ´e regular em M ∩ Lµ (RN ) ⊇ B(RN ). Em particular, qualquer medida de Borel positiva e localmente finita ´e regular. Demonstra¸ca ˜o. Seja E ∈ M ∩ Lµ (RN ) e Bn a bola aberta de raio n e centro ´ claro que na origem. E E ∩ B n ∈ M ∩ Lµ (RN ) e µ∗ (E ∩ B n ) ≤ µ(Bn+1 ) ≤ µ(B n+1 ) < +∞. Segue-se do lema 4.4.5 que µ(E ∩ B n ) = µr (E ∩ B n ). Como E ∩ B n ր E, conclu´ımos que µ(E) = µr (E) quando E ∈ M ∩ Lµ (RN ). Por outras palavras, µ ´e regular em M ∩ Lµ (RN ) ⊇ B(RN ). A quest˜ ao da aproxima¸c˜ ao de conjuntos mensur´aveis por conjuntos abertos ´e, como sabemos, muito relevante no estudo da medida de Lebesgue, e ´e natural procurar resultados an´ alogos para outras medidas de LebesgueStieltjes. A pr´ oxima proposi¸c˜ ao deve ser comparada com o teorema 2.2.16. No contexto de RN , os conjuntos compactos podem ser substitu´ıdos nesta defini¸c˜ ao por conjuntos elementares, ou limitados. A referˆencia a compactos reflecte a adapta¸c˜ ao da defini¸c˜ ao a outros espa¸cos topol´ ogicos. 11 240 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Proposi¸ c˜ ao 4.4.8. Se µ ´e uma medida de Lebesgue-Stieltjes positiva, σfinita e regular em M, ent˜ ao as seguintes afirma¸co ˜es s˜ ao equivalentes: a) E ∈ Lµ (RN ), b) Para qualquer ε > 0 existe um aberto U ⊇ E tal que µ∗ (U \E) < ε, c) E = B\N , onde B ´e de tipo Gδ e µ∗ (N ) = 0. Demonstra¸ca ˜o. Como µ ´e σ-finita, existem conjuntos Xn ∈ M tais que Xn ր RN e µ(Xn ) < +∞. Como µ ´e regular, existem abertos Vn ⊇ Xn tais que µ(Vn ) < +∞ e Vn ր RN . a) ⇒ b): Dado ε > 0, existem abertos Un ⊇ E ∩ Vn tais que µ(Un ) < µ∗ (E ∩ Vn ) + ε , j´a que µ∗ (E ∩ Vn ) ≤ µ(Vn ) < +∞. 2n Como µ(Un ) = µ∗ (Un ) e Un , E ∩ Vn ∈ Lµ (RN ), conclu´ımos que µ∗ (Un \(E ∩ Vn )) = µ(Un ) − µ∗ (E ∩ Vn ) < Se U = S∞ n=1 Un ε . 2n ent˜ao E ⊆ U , U ´e aberto e ∗ µ (U \E) ≤ ∞ X n=1 µ∗ (Un \E ∩ Vn ) < ε b) ⇒ c):TExistem abertos Un tais que E ⊆ Un e µ∗ (Un \E) < n1 . Tomamos B= ∞ n=1 Un e notamos que E ⊆ B, B ´e de tipo Gδ e µ∗ (B\E) = 0. c) ⇒ a): Se E = B\N onde B ∈ B(RN ) ⊆ Lµ (RN ) e µ∗ (N ) = 0, ent˜ao N, E ∈ Lµ (RN ). Podemos adaptar o teorema 2.3.18 a este contexto mais geral: Corol´ ario 4.4.9. Se µ ´e uma medida de Borel positiva, σ-finita e regular (e.g., se µ ´e localmente finita) ent˜ ao µr ´e a maior extens˜ ao regular de µ, a ´nica extens˜ menor extens˜ ao completa de µ, e a u ao completa e regular de µ. Demonstra¸ca ˜o. Vimos em 4.4.3 c) que µr ´e a maior extens˜ao regular de µ. Por outro lado, ´e f´acil concluir de 4.4.8 c) que qualquer extens˜ao completa de µ est´ a definida pelo menos em Lµ (RN ), e coincide com µ nessa classe de conjuntos. 241 4.4. Medidas Regulares ´ por vezes u E ´til aplicar estas ideias na seguinte forma: Corol´ ario 4.4.10. Sejam µ e λ medidas de Lebesgue-Stieltjes positivas e localmente finitas, definidas respectivamente em M e N . Se µ e λ coincidem nos conjuntos abertos, ent˜ ao coincidem igualmente em qualquer conjunto N E ∈ M ∩ N ∩ Lµ (R ). Exemplo 4.4.11. Sejam f e g fun¸co˜es n˜ ao-negativas, e localmente som´aveis em R. SuponhaRb Rb se que a f dm = a gdm, para quaisquer a, b ∈ R. Designando por φ e γ respectivamente os integrais indefinidos de f e de g na σ-´algebra L(R), ´e claro que φ(U ) = γ(U ), para qualquer aberto U , e tanto φ como γ s˜ao localmente finitas. DeRacordo com R o resultado anterior, φ e γ coincidem na σ-´algebra L(R), i.e., E f dm = E gdm, para qualquer E ∈ L(R). Temos por isso que f ≃ g. O pr´ oximo resultado ´e uma generaliza¸c˜ao de 2.3.9 e 2.3.10. Teorema 4.4.12. Se µ ´e uma medida de Lebesgue-Stieltjes positiva, σ-finita e regular em M ent˜ ao as seguintes afirma¸co ˜es s˜ ao equivalentes: a) E ∈ Lµ (RN ). b) Para qualquer ε > 0 existem F (fechado), e U (aberto), tais que F ⊆ E ⊆ U , e µ(U \F ) < ε.(12 ) c) Existem A, B ∈ B(RN ) tais que A ⊆ E ⊆ B e µ(B\A) = 0. ´ uma adapta¸c˜ Demonstra¸ca ˜o. E ao directa das ideias em 2.3.9 e 2.3.10: a) ⇒ b): De acordo com a proposi¸c˜ao 4.4.8, existem abertos U ⊇ E e V ⊇ E c tais que µ∗ (U \E) < ε ε e µ∗ (V \E c ) < . 2 2 Tomamos F = V c , e notamos que F ⊆ E ⊆ U e µ(U \F ) < ε. b) ⇒ c): Existem conjuntos fechados Fn e abertos Un tais que Fn ⊆ E ⊆ Un e µ(Un \Fn ) < Tomamos A = S∞ n=1 Fn eB= T∞ n=1 Un , 1 . n donde A, B ∈ B(RN ), A ⊆ E ⊆ B, e µ(B\A) = 0. 12 A regularidade interior de µ ´e a condi¸c˜ ao µ(E) = sup{µ(K) : K ⊆ E, K compacto }. Como RN ´e σ-compacto, este resultado mostra que em RN a regularidade exterior implica a regularidade interior para medidas σ-finitas. 242 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas c) ⇒ a): Temos E = B\N , onde N ⊆ B\A, e recordamos a proposi¸c˜ao 4.4.8. Tal como no caso da medida de Lebesgue, podemos complementar este teorema 4.4.12 com as seguintes observa¸c˜oes: Teorema 4.4.13. Se µ ´e uma medida de Lebesgue-Stieltjes positiva, σ-finita e regular, e µ∗ (E) < +∞, ent˜ ao as seguintes afirma¸co ˜es s˜ ao equivalentes: a) E ∈ Lµ (RN ). b) Para qualquer ε > 0, existem K (compacto) e U (aberto) tais que K ⊆ E ⊆ U e µ(U \K) < ε. c) Para qualquer ε > 0, existe J ∈ E(RN ) tal que µ∗ (E∆J) < ε. ´ u E ´til adaptar as ideias expostas nesta sec¸c˜ao a medidas de LebesgueStieltjes reais ou complexas. A regularidade destas medidas pode ser definida como se segue: Defini¸ c˜ ao 4.4.14. Seja µ uma medida de Lebesgue-Stieltjes, definida pelo menos em A. Dizemos que µ ´e regular em A se e s´ o se |µ| ´e regular em A, no sentido da defini¸ca˜o 2.3.13. Como as medidas complexas s˜ ao limitadas, ´e muito f´acil verificar as seguintes observa¸c˜ oes, que deixamos como exerc´ıcio: Lema 4.4.15. Seja µ uma medida de Lebesgue-Stieltjes complexa, definida pelo menos em A. Ent˜ ao µ ´e regular em A se e s´ o se, para qualquer E ∈ A, existem conjuntos abertos Un ⊇ E tais que |µ|(Un \E) → 0. Em particular, a) Se µ ´e real, ent˜ ao µ ´e regular se e s´ o se µ+ e µ− s˜ ao regulares, e b) Se µ = α + iβ ´e complexa, onde α e β s˜ ao medidas reais, ent˜ ao µ ´e regular se e s´ o se α e β s˜ ao regulares. De acordo com 4.4.9, quando µ ´e uma medida de Borel complexa ent˜ao |µ| tem uma u ´nica extens˜ ao regular e completa, que est´ a definida na σ-´algebra L|µ| (RN ). Para simplificar a nota¸c˜ao, escrevemos: n o Lµ (RN ) = L|µ| (RN ) = E ⊆ RN : ∃A,B∈B(RN ) A ⊆ E ⊆ B, |µ| (B\A) = 0 . O pr´ oximo lema relaciona as extens˜oes regulares de uma medida real µ com as extens˜ oes regulares da sua varia¸c˜ao total |µ|. 4.4. Medidas Regulares 243 Lema 4.4.16. Seja µ uma medida de Borel real e ρ uma extens˜ ao regular + − de µ. Ent˜ ao |ρ|, ρ e ρ s˜ ao extens˜ oes regulares, respectivamente, de |µ|, µ+ e µ− . Demonstra¸ca ˜o. Designamos por A o dom´ınio de defini¸c˜ao de ρ, e por λ a ´ claro que |ρ| ´e uma extens˜ao finita e regular de restri¸c˜ao de |ρ| a B(RN ). E λ, e segue-se de 4.4.10 que A ⊆ Lλ (RN ), onde n o Lλ (RN ) = E ⊆ RN : ∃A,B∈B(RN ) A ⊆ E ⊆ B, λ(B\A) = 0 . A medida ρ tem uma decomposi¸c˜ao de Hahn na σ-´algebra A ⊆ Lλ (RN ). Por outras palavras, as medidas ρ+ e ρ− est˜ ao concentradas em conjuntos disjuntos P, N ∈ Lλ (RN ). Existem, por isso, conjuntos A+ , B + , A− , B − ∈ B(RN ) tais que A+ ⊆ P ⊆ B + , A− ⊆ N ⊆ B − , e λ(B + \A+ ) = λ(B − \A− ) = 0. Sendo (ρ+ , ρ− ) a decomposi¸c˜ ao de Jordan de ρ, conclu´ımos que ρ+ e ρ− est˜ ao concentradas, respectivamente, em A+ e A− , que s˜ ao disjuntos e Borelmensur´ aveis. Como µ = ρ = ρ+ − ρ− em B(RN ), as restri¸c˜oes de ρ+ e ρ− a B(RN ) formam a u ´nica decomposi¸c˜ao de Jordan de µ em B(RN ), i.e., coincidem com µ+ e µ− em B(RN ). Portanto ρ+ , ρ− e |ρ| s˜ ao extens˜oes de µ+ , µ− e |µ|. A regularidade de ρ+ e ρ− resulta do lema 4.4.15. O pr´ oximo teorema adapta para medidas complexas em B(RN ) ideias j´a referidas para medidas positivas. Mais uma vez, estas medidas s˜ ao uniN camente determinadas em B(R ) pelos seus valores nos conjuntos abertos, mas notem-se a este respeito as observa¸c˜oes feitas no exerc´ıcio 4. Teorema 4.4.17. Se µ ´e uma medida complexa de Borel ent˜ ao: a) µ ´e regular em B(RN ). b) µ tem uma u ´nica extens˜ ao completa e regular µr , definida em Lµ (RN ). As extens˜ oes n˜ ao regulares de medidas complexas podem ter propriedades surpreendentes, e indicamos um exemplo interessante no exerc´ıcio 11. Esse exerc´ıcio mostra em particular que λ pode ser extens˜ao de uma medida complexa µ sem que |λ| seja extens˜ao de |µ|. Como j´a referimos, a no¸c˜ ao de regularidade ´e aplic´ avel a medidas definidas em qualquer espa¸co topol´ ogico. Os teoremas demonstrados nesta sec¸c˜ao foram-no sempre no contexto de RN , mas n˜ ao ´e dif´ıcil generaliz´ a-los. Na verdade, s´ o invoc´ amos propriedades espec´ıficas de RN nas demonstra¸c˜oes de • 4.4.3, quando referimos que os abertos (em particular RN ) s˜ ao σcompactos (Teorema de Cantor 1.6.18), e 244 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas • 4.4.7, porque utiliz´ amos a compacidade de B n . ´ na verdade f´acil mostrar que os teoremas desta sec¸c˜ao s˜ao aplic´ E aveis pelo menos em qualquer espa¸co topol´ ogico localmente compacto onde os abertos sejam σ-compactos. Recorde ainda que a no¸c˜ao de suporte de uma medida de LebesgueStieltjes foi referida a prop´osito do teorema 4.1.7. O exerc´ıcio 9 adapta esta no¸c˜ ao a medidas regulares definidas em espa¸cos topol´ogicos mais gerais. Exerc´ıcios. 1. Seja µ ≥ 0 uma medida de Lebesgue-Stieltjes em RN , e µ∗ : P(RN ) → [0, ∞] dada por µ∗ (E) = inf {µ(U ) : E ⊆ U, U aberto }. Prove as afirma¸co˜es a), b) e c) da proposi¸ca˜o 4.4.2. 2. Suponha que µ ´e regular, mas n˜ ao ´e σ-finita, e mostre que µr n˜ ao ´e necessariamente a menor extens˜ao completa de µ. 3. Mostre que existem medidas σ-finitas distintas em B(R), que coincidem nos conjuntos abertos. 4. Suponha que µ e λ s˜ao medidas de Borel, e considere as afirma¸co˜es: a) µ(U ) = λ(U ), para qualquer aberto U . b) µ(U ) = λ(U ), para qualquer rectˆangulo compacto U . c) µ(U ) = λ(U ), para qualquer rectˆangulo aberto limitado U . Mostre que se µ e λ s˜ao medidas complexas ent˜ ao todas as afirma¸co˜es acima s˜ao equivalentes. E se µ e λ s˜ao medidas positivas? A resposta depende de µ e λ serem σ-finitas? 5. Demonstre o corol´ ario 4.4.10. 6. Seja f ≥ 0 uma fun¸ca˜o Riemann-integr´avel em qualquer rectˆangulo limitado de RN , e λ : J (RN ) → R o seu integral indefinido de Riemann. Mostre que o integral indefinido de Lebesgue em Lf ´e a u ´ nica extens˜ao regular e completa de λ. 7. Demonstre o teorema 4.4.13. 8. Demonstre o lema 4.4.15. 9. Suponha que µ ´e uma medida positiva num qualquer espa¸co topol´ogico X, definida numa σ-´algebra M ⊇ B(X). Seja U a uni˜ao de todos os abertos µ-nulos, e F = U c . Mostre que se µ ´e regular, no sentido em que µ(E) = sup{µ(K) : K ⊆ E, K compacto } para qualquer E ∈ B(X), ´ este conjunto ent˜ ao F ´e o menor conjunto fechado onde µ est´ a concentrada. E que se diz neste caso o suporte de µ. 4.5. Medidas de Lebesgue-Stieltjes em R 245 10. Recorde o teorema 2.3.17, sobre a menor extens˜ao completa de um dado espa¸co de medida. Mostre que quando µ ´e uma medida de Borel regular e σ-finita temos, usando a nota¸ca˜o de 2.3.17, Bµ (RN ) = Lµ (RN ) e µ = µr . 11. Recorde o teorema 2.4.18 e o exerc´ıcio 5 da mesma sec¸ca˜o. Na nota¸ca˜o do exerc´ıcio referido, considere a medida real µ(U ) = ρ(U ∩ A) − ρ(U ∩ B). Mostre que µ ´e uma extens˜ao n˜ ao regular da medida de Borel nula. Porque raz˜ ao este exemplo n˜ ao contradiz o teorema 4.4.17? 4.5 Medidas de Lebesgue-Stieltjes em R As medidas de Lebesgue-Stieltjes localmente finitas s˜ ao f´aceis de descrever em termos das respectivas fun¸co ˜es de distribui¸ca ˜o. No caso mais simples, que ´e o de uma medida µ finita em R, consideramos a fun¸c˜ao dada por f (x) = µ(] − ∞, x]), e observamos que (4.5.1) µ(]a, b]) = f (b) − f (a), para quaisquer a ≤ b ∈ R. ˜o de distribuic ˜o da medida µ se e s´ Dizemos que f ´e func ¸a ¸a o se satisfaz 4.5.1, e ´e f´acil verificar que • Se µ ´e localmente finita em R, existe uma fun¸c˜ao f : R → R que satisfaz 4.5.1. • As fun¸c˜ oes de distribui¸c˜ ao de µ s˜ ao da forma g(x) = f (x) + C, onde C ∈ R ´e arbitr´ario. • A fun¸c˜ ao f determina a medida µ unicamente em B(R). Dizemos que µ ´e a medida de Lebesgue-Stieltjes determinada por f , ou a derivada generalizada de f (13 ). A express˜ ao “derivada generalizada”, an´ aloga `a de “fun¸c˜ao generalizada”, tem origem na Teoria das Distribui¸c˜oes. Repare-se que se a fun¸c˜ao f ´e diferenci´ avel qtp e satisfaz a regra de Barrow, ent˜ao µ(]a, b]) = f (b) − f (a) = Z b a f ′ dm, para quaisquer a ≤ b ∈ R. Neste caso, ´e claro que a medida µ ´e o integral indefinido da derivada usual de f (14 ). Mais uma vez identificando a fun¸c˜ao f ′ com o respectivo integral indefinido, podemos dizer que a derivada de f no sentido usual coincide 13 Diz-se tamb´em “derivada no sentido das distribui¸c˜ oes”. Como µ e o integral indefinido de f ′ coincidem nos intervalos, coincidem igualmente em B(RN ), e em qualquer σ-´ algebra onde ambas sejam regulares. 14 246 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas com a derivada generalizada de f se e s´ o se a fun¸ca ˜o f satisfaz a regra de o Barrow. Dito doutra forma, o objectivo do 2 Teorema Fundamental do C´ alculo pode resumir-se como se segue: Z f ′ dm. Esclarecer as condi¸co ˜es em que µ(E) = E Exemplos 4.5.1. 1. A fun¸ca˜o f (x) = x ´e fun¸ca˜o de distribui¸ca˜o da medida de Lebesgue em R, i.e., a medida m ´e a derivada generalizada de f . Note-se que m ´e o integral indefinido da derivada usual de f , e ´e absolutamente cont´ınua. 2 2. Se µ ´e o integral indefinido de g(x) = ex , que ´e localmente som´avel em R, podemos tomar para f , por exemplo, a fun¸ca˜o dada por f (x) = Z x 0 gdm, donde f (b) − f (a) = Z b gdm. a µ ´e o integral indefinido de g, que ´e a derivada usual de f , e ´e mais uma vez absolutamente cont´ınua. 3. A fun¸ca˜o de Heaviside ´e fun¸ca˜o de distribui¸ca˜o da medida de Dirac δ, i.e., δ ´e a derivada generalizada da fun¸ca˜o de Heaviside. A medida de Dirac n˜ ao ´e um integral indefinido, porque a fun¸ca˜o de Heaviside n˜ ao ´e cont´ınua. A derivada usual da fun¸ca˜o de Heaviside ´e nula qtp, e δ ´e uma medida singular. Como dissemos, ´e f´acil mostrar que se µ ´e uma medida localmente finita em R ent˜ ao existem fun¸c˜oes f que satisfazem a identidade 4.5.1. No entanto, se encararmos esta identidade como um problema em que f ´e um dado e µ ´e a inc´ ognita, j´a n˜ ao ´e t˜ ao simples caracterizar as fun¸c˜oes f para as quais o problema tem solu¸c˜ ao. Enunciamos este problema, para posterior referˆencia, como o 4.5.2 (Problema de Stieltjes). Dada uma fun¸c˜ao f : R → R, determinar uma σ-´ algebra Sf contendo os intervalos do tipo ]a, b] e uma medida µ definida em Sf tal que µ e f satisfazem 4.5.1. A resolu¸c˜ ao do problema de Stieltjes pode ser muito u ´til, em particular no contexto da Teoria das Probabilidades. Recorde-se que se X ´e uma vari´ avel aleat´ oria real, ent˜ao a sua fun¸c˜ao distribui¸ca ˜o de probabilidade ´e a fun¸c˜ ao f : R → R, tal que f (x) ´e a probabilidade do acontecimento {X ∈ R : X ≤ x}. A figura 4.5.1 exibe o exemplo cl´assico do dado ideal, onde a fun¸c˜ ao f ´e uma fun¸c˜ao em escada. A probabilidade do acontecimento {X ∈ R : a < X ≤ b} ´e dada por f (b) − f (a), mas a teoria deve esclarecer: • Quais s˜ ao os subconjuntos de R aos quais podemos associar uma probabilidade, i.e., quais s˜ ao os acontecimentos, e 247 4.5. Medidas de Lebesgue-Stieltjes em R 1 1 2 3 4 5 6 Figura 4.5.1: Distribui¸c˜ ao de probabilidade do dado ideal. • Como calcular a probabilidade do acontecimento A, quando A n˜ ao ´e um intervalo do tipo ]a, b]. Qualquer medida µ que coincida com a probabilidade nos intervalos ]a, b] ´e solu¸c˜ ao de um problema de Stieltjes, e pode ser usada para resolver quest˜oes da Teoria das Probabilidades com t´ecnicas e resultados da Teoria da Medida. y = f (x) m(f (E)) m(E) Figura 4.5.2: µ(E) = m(f (E)), quando f ´e cont´ınua e crescente. Come¸camos por mostrar que o problema de Stieltjes tem sempre solu¸c˜ao quando f ´e crescente e cont´ınua, revisitando e expandindo ideias que introduzimos a prop´osito do exemplo 2.4.13 (ver figura 4.5.2). Este resultado ´e interessante, em especial porque revela, como veremos, a existˆencia algo inesperada de medidas que n˜ ao s˜ ao integrais indefinidos, e tamb´em n˜ ao s˜ ao “pentes de Dirac”. Dada uma qualquer fun¸c˜ao f : R → R, consideramos a 248 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas classe dos conjuntos cuja imagem ´e mensur´avel, i.e., Sf = {E ⊆ R : f (E) ∈ L(R)} . Podemos definir µf : Sf → [0, ∞] por µf (E) = m(f (E)), e notamos que se f ´e cont´ınua e crescente e E =]a, b] ´e um intervalo de extremos a ≤ b ent˜ao • f (E) ´e um intervalo de extremos f (a) e f (b), pelo que E ∈ Sf , e • µf (E) = m(f (E)) = f (b) − f (a). Por outras palavras, a fun¸c˜ao µf satisfaz a identidade 4.5.1, e ´e solu¸c˜ao do problema de Stieltjes para a fun¸c˜ao f se e s´ o se (R, Sf , µf ) ´e um espa¸co de medida, o que passamos a verificar no pr´ oximo teorema. Teorema 4.5.3. Se f : R → R ´e cont´ınua e crescente ent˜ ao: a) Sf ´e uma σ-´ algebra e B(R) ⊆ Sf . b) µf ´e uma medida positiva. c) m∗ (f (E)) = inf {µf (U ) : E ⊆ U, U aberto } para qualquer E ⊆ R. d) (R, Sf , µf ) ´e a u ´nica solu¸ca ˜o completa e regular do problema 4.5.2. Demonstra¸ca ˜o. a) ´e uma consequˆencia directa do lema 2.4.11. Para provar b), notamos como ´ obvio que µf (∅) = 0 e µf ´e mon´ otona. A fun¸c˜ao µf ´e tamb´em σ-subaditiva, porque ! ! ! ∞ ∞ ∞ [ [ [ f (En ) ≤ En ) = m En = m(f µf F n=1 n=1 n=1 ≤ ∞ X n=1 m(f (En )) = ∞ X µf (En ) n=1 Recordamos da demonstra¸c˜ao de 2.4.11 que • Se f ´e crescente, ent˜ao o conjunto N , formado pelos y ∈ R para os quais a equa¸c˜ ao f (x) = y tem m´ ultiplas solu¸c˜oes, ´e numer´ avel e portanto nulo. Se A e B s˜ ao disjuntos, ent˜ao F (A) ∩ F (B) est´ a contido em N , e ´e portanto nulo. Supondo que A, B ∈ Sf , temos ent˜ao µf (A ∪ B) = m(f (A ∪ B)) = m(f (A) ∪ f (B)) = = m(f (A)) + m(f (B)) − m(f (A) ∩ f (B)) = µf (A) + µf (B). Dito doutra forma, µf ´e aditiva, al´em de mon´ otona e σ-subaditiva, e ´e por isso σ-aditiva (a) do exerc´ıcio 3). 4.5. Medidas de Lebesgue-Stieltjes em R que 249 Para verificar c), seja E ⊆ R e considerem-se conjuntos abertos Vn tais Vn ⊇ F (E) e m(Vn ) → m∗ (f (E)). Os conjuntos Un = f −1 (Vn ) ⊇ E s˜ ao abertos (porquˆe?) e f (E) ⊆ f (Un ) ⊆ Vn . Conclu´ımos que m∗ (f (E)) ≤ m(f (Un )) = µf (Un ) ≤ m(Vn ) → m∗ (f (E)), ´ claro em qualquer caso que donde µf (Un ) → m∗ (f (E)). E m∗ (f (E)) ≤ inf {µf (U ) : E ⊆ U, U aberto } , pelo que a igualdade em c) est´ a estabelecida. Finalmente, se E ∈ Sf ´e tamb´em imediato que µf (E) = m(f (E)) = m∗ (f (E)) = inf {µf (U ) : E ⊆ U, U aberto } . A verifica¸c˜ ao de d) ´e a b) do exerc´ıcio 3. Exemplo 4.5.4. Considere-se a fun¸ca˜o  1  π arcsen(x) + 21 , para − 1 ≤ x ≤ +1, 0, para x < −1, e f (x) =  1, para x > 1. f ´e uma fun¸ca˜o cont´ınua e crescente, e a respectiva medida de LebesgueStieltjes µf ´e uma medida de probabilidade. Na verdade, sabendo que um “oscilador harm´ onico linear” qualquer(15 ), por exemplo, um pˆendulo simples, se desloca em unidades normalizadas de acordo com x = sen(t), podemos concluir que µf (E) ´e a probabilidade do acontecimento “x ∈ E”, quando o oscilador ´e observado num instante de tempo t escolhido ao acaso. A “escada do Diabo” ´e uma fun¸c˜ao cont´ınua e crescente na recta real, `a qual podemos naturalmente aplicar o teorema 4.5.3. Exemplo 4.5.5. a medida de cantor, designada aqui ξ, ´e a medida de Lebesgue-Stieltjes determinada pela “escada do Diabo”, e ´e uma medida de probabilidade. A seguinte propriedade de ξ ´e particularmente relevante no que se segue: Proposi¸ c˜ ao 4.5.6. ξ ´e uma medida singular, porque tem suporte no conjunto de Cantor C. 15 “Cl´ assico”, por oposi¸c˜ ao a “quˆ antico”. No caso quˆ antico, a determina¸c˜ ao da fun¸c˜ ao f requer a solu¸c˜ ao pr´evia da equa¸c˜ ao de Schr¨ odinger apropriada. 250 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas ´ claro que ξ(R) = ξ(]0, 1]) = f (1) − f (0) = 1, e portanto Demonstra¸ca ˜o. E ξ est´ a concentrada em I = [0, 1]. Por outro lado, sendo U = I\C, sabemos que U = ∪∞ e um conjunto aberto, e a “escada do Diabo” f ´e n=1 ]an , bn [ ´ constante em cada um dos intervalos [an , bn ]. Notamos como evidente que 0 = f (bn ) − f (an ) = ξ(]an , bn ]) ≥ ξ(]an , bn [) ≥ 0. Segue-se assim que: ξ(U ) = ∞ X n=1 ξ(]an , bn [) = 0, e ξ(C) = ξ(C) + ξ(U ) = ξ(C ∪ U ) = ξ(I) = 1 Conclu´ımos que ξ est´ a concentrada em C, e ´e por isso singular. Registe-se deste exemplo que a derivada generalizada de uma fun¸ca ˜o cont´ınua pode ser uma medida singular n˜ ao-nula, que por esta raz˜ ao n˜ ao ´e um integral indefinido. O pr´ oximo lema indica condi¸c˜oes necess´ arias para a existˆencia de solu¸c˜oes do problema de Stieltjes aplic´ aveis a qualquer fun¸c˜ao F . Lema 4.5.7. Se o problema de Stieltjes para f tem solu¸ca ˜o µ, ent˜ ao: a) A fun¸ca ˜o f ´e cont´ınua a ` direita em R, b) O limite de f a ` esquerda de x ´e f (x) − µ({x}), e, em particular c) f ´e cont´ınua em x se e s´ o se µ({x}) = 0. Demonstra¸ca ˜o. Deixamos para o exerc´ıcio 2 as afirma¸c˜oes b) e c). Para provar a), supomos que In =]a, xn ], onde os xn decrescem para a. Como os conjuntos In ց ∅, e µ(In ) 6= ∞, temos µ(In ) = f (xn ) − f (a) → 0, i.e., f (xn ) → f (a). Repare-se que se µ ´e um “pente de Dirac” e f ´e uma sua fun¸c˜ao de distribui¸c˜ ao, ent˜ ao existem pontos x1 , x2 , · · · , tais que µ({xn }) 6= 0, e f n˜ ao ´e cont´ınua em qualquer um destes pontos. Em particular, a medida de Cantor ξ, que como vimos n˜ ao ´e um integral indefinido, tamb´em n˜ ao ´e um “pente de Dirac”, porque ´e a derivada generalizada de uma fun¸c˜ao cont´ınua. Mostraremos a seguir, ainda nesta sec¸c˜ao, que na realidade todas as medidas positivas localmente finitas em R s˜ ao da forma µ = µc + µd , onde qualquer uma destas medidas pode ser nula, e: • µc , dita a parte cont´ınua de µ, ´e a derivada generalizada de uma fun¸c˜ ao cont´ınua crescente, que dizemos ser uma medida cont´ınua, e • µd , dita a parte discreta de µ, ´e uma s´erie ou soma finita de medidas de Dirac (um pente de Dirac), i.e., ´e uma medida discreta. Exemplo 4.5.8. 251 4.5. Medidas de Lebesgue-Stieltjes em R Seja f (x) = x + int(x), onde int(x) ´e a usual “parte inteira” do real x. A derivada generalizada de f ´e dada por: X µ(E) = m(E) + δn (E), n∈Z onde P δn ´e a medida de Dirac em x = n, com δn ({n}) = 1. A medida ρ = e o pente de Dirac propriamente dito. A medida de Lebesgue ´e a n∈Z δn ´ parte cont´ınua de µ, e ρ ´e a sua parte discreta. Estabeleceremos a existˆencia da decomposi¸c˜ao µ = µc +µd provando uma correspondente decomposi¸c˜ ao para fun¸c˜oes: qualquer fun¸c˜ao mon´ otona f ´e da forma f = g + s, onde g e s s˜ ao mon´ otonas, g ´e cont´ınua, e s ´e o que dizemos ser uma fun¸ca ˜o discreta(16 ), i.e., ´e uma soma, ou s´erie, de fun¸c˜oes do tipo da fun¸c˜ ao de Heaviside. Mais exactamente, ˜o discreta Defini¸ c˜ ao 4.5.9 (Fun¸c˜ ao Discreta). s : R → R ´e uma func ¸a se e s´ o se existem sucess˜oes de reais xn , an , yn , bn , tais que  ∞  an , para x < xn , X hn (x) para x ∈ R, onde hn (x) = s(x) = y , para x = xn ,  n n=1 bn , para x > xn . As fun¸c˜ oes g e s dizem-se, respectivamente, a parte cont´ınua e a parte discreta, de f . Os pontos xn referidos em 4.5.9 s˜ ao, como veremos, os pontos de descontinuidade de f . f =g+s Parte cont´ınua g Parte discreta s d2 d1 d2 d1 x1 x2 x1 x2 x1 x2 Figura 4.5.3: Parte cont´ınua e parte discreta de F . Qualquer fun¸c˜ ao mon´ otona f : R → R tem, por raz˜ oes elementares, limites laterais em qualquer ponto a ∈ R e limites em ±∞. Supondo por exemplo que f ´e crescente e a ∈ R, temos na verdade f (a+ ) = lim f (x) = inf{f (x) : x > a} e analogamente xցa f (a− ) = lim f (x) = sup{f (x) : x < a}. xրa 16 Estas fun¸c˜ oes dizem-se tamb´em de saltos, por vezes na forma latina “saltus”. 252 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Temos igualmente, com S = sup{f (x) : x ∈ R} e I = inf{f (x) : x ∈ R}, que f (+∞) = lim f (x) = S e f (−∞) = lim f (x) = I. x→+∞ x→−∞ Caso f seja decrescente devemos apenas trocar as referˆencias a sup e a inf nas identidades acima. Note-se tamb´em que os limites em a ∈ R s˜ ao finitos, por raz˜ oes ´ obvias, mas ´e claro que f (+∞) e/ou f (−∞) podem ser infinitos. Sendo x ∈ R, escrevemos tamb´em ∆f (x) = f (x+ ) − f (x− ). Provamos agora que: Proposi¸ c˜ ao 4.5.10. Qualquer fun¸ca ˜o mon´ otona ´e cont´ınua excepto num conjunto numer´ avel. Demonstra¸ca ˜o. Supomos sem perda de generalidade que f : R → R ´e crescente. Designamos por D o conjunto onde f ´e descont´ınua. Sendo x ∈ R, definimos Ix =]f (x− ), f (x+ )[, donde D = {x ∈ R : Ix 6= ∅}. Temos, ent˜ao: • Se x 6= y ent˜ ao Ix e Iy s˜ ao disjuntos (supondo x < y, ´e ´obvio que + F (x ) ≤ F (y−)). Para cada x ∈ D escolhemos um racional qx no intervalo Ix , definindo desta forma uma fun¸c˜ ao injectiva f : D → Q, dada por f (x) = qx . Conclu´ımos que D ´e numer´avel. Teorema 4.5.11. Se F : R → R ´e mon´ otona em R, existem fun¸co ˜es mon´ otonas g, s : R → R, tais que g ´e cont´ınua, s ´e discreta e F = g + s. As fun¸co ˜es g e s s˜ ao u ´nicas, a menos de uma constante aditiva. Demonstra¸ca ˜o. Supomos F : R → R crescente em R, e cont´ınua excepto em D = {x1 , x2 , · · · , xn , · · · }. Para simplificar o argumento, supomos F limitada, e cont´ınua ` a direita, em R. (Deixamos o caso geral para o exerc´ıcio e f´acil 6). Definimos bn = F (xn ) − F (x− n ). Sendo D∩]x, y] = {xnk : k ∈ N}, ´ verificar que (i) ∞ X k=1 bnk ≤ F (y) − F (x), e ∞ X n=1 bn ≤ lim F (y) − lim F (x) < ∞. y→∞ x→−∞ ´ Seja agora δxn P a medida de Dirac no ponto xn , com δxn ({xn }) = bn > 0. E ∞ claro que ρ = n=1 δxn ´e tamb´em uma medida positiva, que ´e igualmente finita, de acordo com (i). A fun¸c˜ao de distribui¸c˜ao s de ρ ´e dada por s(x) = ρ(]−∞, x]) = ∞ X n=1 δxn (]−∞, x]) = ∞ X n=1 hn (x), com hn (x) = δxn (]−∞, x]). 253 4.5. Medidas de Lebesgue-Stieltjes em R Em particular, s ´e uma fun¸c˜ ao discreta crescente. De acordo com 4.5.7 a) e b), s ´e cont´ınua ` a direita em R, e − (ii) s(xn ) − s(x− n ) = ρ({xn }) = δxn ({xn }) = bn = F (xn ) − F (xn ). Definimos g(x) = F (x) − s(x), donde g ´e, igualmente, cont´ınua `a direita em R. Conclu´ımos de (ii) que − − g(xn ) − g(x− n ) = [F (xn ) − F (xn )] − [s(xn ) − s(xn )] = 0. Conclu´ımos que g ´e tamb´em cont´ınua `a esquerda em R, logo cont´ınua em R. Note-se ainda que g ´e crescente, porque, sendo D∩]x, y] = {xnk : k ∈ N}, segue-se de (i) que s(y) − s(x) = ∞ X k=1 bnk ≤ F (y) − F (x) =⇒ g(x) ≤ g(y). Se g1 + s1 = g2 + s2 , onde as fun¸c˜oes gi s˜ ao cont´ınuas, e as fun¸c˜oes si discretas, ent˜ ao h = g1 − g2 = s2 − s1 ´e uma fun¸c˜ao cont´ınua e discreta, e portanto h ´e, evidentemente, constante. O pr´ oximo corol´ ario usa a decomposi¸c˜ao em parte cont´ınua e parte discreta para mostrar que o problema de Stieltjes tem solu¸c˜ao para F crescente quando F ´e cont´ınua a ` direita. Corol´ ario 4.5.12. Seja F : R → R crescente, e cont´ınua a ` direita em R. Suponha-se, ainda, que • F ´e cont´ınua excepto em D = {x1 , · · · , xn , · · · }, • δxn ´e a medida de Dirac com δxn ({xn }) = F (xn ) − F (x− n ), • F = g + s ´e a decomposi¸ca ˜o de F referida em 4.5.11, • Sg = {E ⊆ R : g(E) ∈ L(R)}, e µF : Sg → [0, ∞] ´e dada por µF (E) = m(g(E)) + ∞ X n=1 δxn (E) = µg (E) + ∞ X δxn (E). n=1 Ent˜ ao (R, Sg , µF ) ´e a u ´nica solu¸ca ˜o completa e regular do problema 4.5.2. Demonstra¸ca ˜o. (R, Sg , µF ) ´e uma solu¸c˜ao do problema de Stieltjes 4.5.2, porque ´e um espa¸co de medida, de acordo com 4.5.3, e µF (]a, b]) = g(b) − g(a) + s(b) − s(a) = F (b) − F (a). ´ muito simples verificar que (R, Sg , µF ) ´e completo e regular. E 254 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Combinado com o lema 4.5.7, este resultado encerra a an´ alise do problema de Stieltjes quando F ´e crescente: ´e agora claro que neste caso o problema de Stieltjes tem solu¸ca ˜o se e s´ o se F ´e cont´ınua a ` direita em R. Veremos na pr´ oxima sec¸c˜ao as condi¸c˜oes em que o problema de Stieltjes tem solu¸c˜ ao quando F n˜ ao ´e crescente. Exerc´ıcios. 1. Mostre que qualquer medida positiva em R localmente finita ´e derivada generalizada de F : R → R. Mostre igualmente que: a) Se as fun¸co˜es F e G tˆem a mesma derivada generalizada µ ent˜ ao G(x) = F (x) + C, para qualquer x ∈ R. b) Se F : R → R ´e crescente e tem uma derivada generalizada µ, ent˜ ao µ ´e u ´ nica em B(R), e regular em B(R). 2. Suponha que o problema 4.5.2 tem uma solu¸ca˜o µ para a fun¸ca˜o F . a) Prove que se an → b pela esquerda ent˜ ao F (an ) → F (b)−µ({b}). Conclua que F ´e cont´ınua em b se e s´o se µ({b}) = 0. (Lema 4.5.7). b) Suponha que µ ´e uma medida real, e prove que existem os limites lim F (x), e x→−∞ lim F (x). x→+∞ c) Em que condi¸co˜es temos µ(]a, b[) = µ(]a, b]) = µ([a, b[) = µ([a, b])? ˜o: 3. Conclua a demonstra¸ca˜o de 4.5.3. sugesta a) Verifique que µF ´e σ-aditiva, adaptando o argumento usado em 2.2.14. b) Mostre que (R, SF , µF ) ´e completo. 4. Seja F : R → R a “escada do Diabo”, e ξ a respectiva medida de LebesgueStieltjes. Mostre que o conjunto de Cantor ´e o suporte de ξ. 5. Suponha que F : R → R ´e crescente e cont´ınua. Mostre que L(R) ⊆ SF se e s´o se F transforma conjuntos nulos em conjuntos nulos, i.e., se e s´ o se m(E) = 0 =⇒ m∗ (F (E)) = 0. 6. Conclua a demonstra¸ca˜o de 4.5.11. Em particular, prove a afirma¸ca˜o (i) da demonstra¸ca˜o referida, e mostre que o resultado ´e igualmente v´alido quando f n˜ ao ´e limitada nem cont´ınua `a direita. 7. Determine as partes cont´ınua e discreta da fun¸ca˜o F definida abaixo, e da respectiva medida de Lebesgue-Stieltjes.   0, para x < 0, 2x + 1, para 0 ≤ x < 3, e F (x) =  2 x , para x ≥ 3. 8. Determine uma fun¸ca˜o crescente, cont´ınua `a direita na recta real, e descont´ınua nos racionais. Determine igualmente uma fun¸ca˜o cont´ınua, diferenci´ avel em x se e s´o se x ´e irracional. 255 4.6. Fun¸c˜ oes de Varia¸c˜ ao Limitada 4.6 Fun¸ c˜ oes de Varia¸ c˜ ao Limitada A an´ alise do problema de Stieltjes quando F n˜ ao ´e crescente ´e facilitada pela introdu¸c˜ ao da classe das fun¸c˜ oes de varia¸c˜ao limitada. Suponha-se para isso que µ ´e uma medida real, e F uma sua fun¸c˜ao de distribui¸c˜ao. Sabemos que µ tem varia¸c˜ ao total limitada, e este facto restringe de forma muito significativa a fun¸c˜ ao F , como passamos a mostrar. Se I ´e um intervalo, qualquer conjunto finito P = {x0 , · · · , xn } ⊂ I, onde supomos xk ր, determina uma parti¸ca ˜o finita de J =]x0 , xn ] em subintervalos Ik =]xk−1 , xk ], com 1 ≤ k ≤ n. Como µ ´e de varia¸c˜ao limitada, temos n X k=1 |F (xk ) − F (xk−1 )| = n X k=1 |µ(Ik )| ≤ |µ| (J) ≤ |µ| (R) < +∞. Podemos assim concluir que ( n ) X sup |F (xk ) − F (xk−1 )| : x0 < x1 < x2 < · · · < xn , xk ∈ R < +∞. k=1 Defini¸ c˜ ao 4.6.1 (Fun¸c˜ oes de Varia¸c˜ao Limitada). Se F : S → R e I ⊆ S ⊆ ˜o total de F em I, designada VF (I), ´e dada R ´e um intervalo, a variac ¸a por ) ( n X |F (xk ) − F (xk−1 )| : x0 < x1 < x2 < · · · < xn , xk ∈ I . VF (I) = sup k=1 ˜o limitada em I se e s´ F diz-se de variac ¸a o se VF (I) < +∞. BV (I) ´e a classe das fun¸c˜ oes F : I → R de varia¸c˜ao limitada em I, e N BV (R) (17 ) ´e a subclasse de BV (R) formada pelas fun¸c˜oes que satisfazem ainda a condi¸c˜ao F (x) → 0 quando x → −∞. Exemplos 4.6.2. P 1. Se F : R → R ´e a fun¸ca˜o de Heaviside, ent˜ ao nk=1 |F (xk ) − F (xk−1 )| ´e 1, se x0 < 0 e xn ≥ 0, ou 0, caso contr´ario. Portanto, VF (R) = 1. Rx ao F ´e de varia¸ca˜o limitada, porque 2. Se F (x) = a f dm, onde f ´e som´avel, ent˜ se P = {x0 , · · · , xn } ⊂ I, ent˜ ao n X k=1 Z n X |F (xk ) − F (xk−1 )| = | k=1 xk xk−1 f dm| ≤ n Z X k=1 xk xk−1 |f |dm ≤ Z I |f |dm. 3. A fun¸ca˜o f (x) = x sen(1/x) (com f (0) = 0) ´e cont´ınua, e portanto uniformemente cont´ınua, em [0, 2π]. Apesar disso, f n˜ ao ´e de varia¸ca˜o limitada em [0, 2π] (exerc´ıcio 10). 17 BV e NBV s˜ ao iniciais para as express˜ oes inglesas “Bounded Variation” e “Normalized Bounded Variation”. 256 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas 4. Sendo f : [a, b] → R, ´e relativamente simples verificar que f ´e de varia¸ca˜o limitada em I se e s´o se o gr´afico de f ´e rectific´avel (exerc´ıcio 8). Para simplificar a nota¸c˜ao, e supondo que P = {x0 , x1 , · · · , xn }, onde x0 ≤ x1 ≤ · · · ≤ xn , escrevemos SV (f, P) = n X k=1 |f (xk ) − f (xk−1 )|, e Vf (x) = Vf (]−∞, x]) . Registamos como evidente que • P ⊆ P ′ =⇒ SV (f, P) ≤ SV (f, P ′ ). • Vf ´e sempre uma fun¸c˜ao crescente. • Se I = [x, y] ent˜ ao Vf (I) ≥ |f (y) − f (x)|. • f ´e de varia¸c˜ ao limitada se e s´ o se Vf ´e limitada. Neste caso, f ´e limitada. Passamos a demonstrar Lema 4.6.3. Sendo f : R → R ent˜ ao: a) Se y ≥ x, ent˜ ao Vf (y) = Vf (x) + Vf ([x, y]) ≥ Vf (x) + |f (y) − f (x)|. o se existem fun¸co ˜es crescentes e b) Lema de Jordan: f ∈ BV (R) se e s´ limitadas g, h : R → R tais que f = g − h. c) Se f ∈ BV (R) ent˜ ao f ´e cont´ınua a ` direita em x se e s´ o se Vf ´e cont´ınua a ` direita em x. Demonstra¸ca ˜o. a) Dados conjuntos finitos P1 ⊂ ]−∞, x] e P2 ⊂ [x, y] ´e claro que P = P1 ∪ P2 ∪ {x} ´e um subconjunto finito de ] − ∞, y], e SV (f, P1 ) + SV (f, P2 ) = SV (f, P) ≤ Vf (y). Como P1 e P2 s˜ ao arbitr´arios, conclu´ımos que (i) Vf (x) + Vf ([x, y]) ≤ Vf (y). Por outro lado, se P ´e um subconjunto finito de ]−∞, y], tomamos P ′ = P ∪ {x}, P1 = P ′ ∩ ]−∞, x] e P2 = P ′ ∩ [x, y]. Temos ent˜ao que SV (f, P) ≤ SV (f, P ′ ) = SV (f, P1 ) + SV (f, P2 ) ≤ Vf (x) + Vf ([x, y]) . Como P ´e arbitr´ario, conclu´ımos desta vez que (ii) Vf (y) ≤ Vf (x) + Vf ([x, y]) , 4.6. Fun¸c˜ oes de Varia¸c˜ ao Limitada 257 As desigualdades em (i) e (ii) e a observa¸c˜ao j´a referida que |f (y) − f (x)| ≤ Vf ([x, y]) estabelecem a afirma¸c˜ ao em a). Para demonstrar b), suponha-se primeiro que f ∈ BV (R). As fun¸c˜oes f e Vf s˜ ao limitadas, e definimos 1 1 g = (Vf + f ) e h = (Vf − f ) donde f = g − h e Vf = g + h. 2 2 Tanto g como h s˜ ao limitadas, e a desigualdade Vf (y)−Vf (x) ≥ |f (y) − f (x)| mostra que g e h s˜ ao ambas crescentes. Suponha-se agora que f = g − h onde g e h s˜ ao fun¸c˜oes limitadas e crescentes, e note-se que SV (f, P) ≤ SV (g, P) + SV (h, P), para qualquer conjunto finito P ⊂ R. Temos portanto Vf (R) ≤ Vg (R) + Vh (R) < ∞. A demonstra¸c˜ ao de c) ´e o exerc´ıcio 3. Podemos finalmente estabelecer a existˆencia de solu¸c˜oes do problema de Stieltjes 4.5.2, quando a fun¸c˜ ao em causa n˜ ao ´e crescente. Teorema 4.6.4. Se f : R → R, ent˜ ao as seguintes afirma¸co ˜es s˜ ao equivalentes: a) f ´e de varia¸ca ˜o limitada e cont´ınua a ` direita em R, e b) Existe uma medida real µ tal que µ(]a, b]) = f (b)−f (a), para quaisquer a ≤ b ∈ R. Neste caso, as medidas |µ|, µ+ e µ− s˜ ao as derivadas generalizadas de Vf , 1 1 18 g = 2 (Vf + f ) e h = 2 (Vf − f ).( ) Demonstra¸ca ˜o. Come¸camos por provar que a) ⇒ b): Recorde-se da demonstra¸c˜ao do lema anterior que as fun¸c˜oes g e h s˜ ao crescentes e limitadas. Como f ´e cont´ınua ` a direita, notamos tamb´em de c) no mesmo lema que Vf ´e cont´ınua ` a direita, e segue-se que g e h s˜ ao igualmente cont´ınuas a ` direita. O problema de Stieltjes tem solu¸c˜ao para as fun¸c˜oes g e h, conforme verific´ amos em 4.5.12. Sendo π e ν as derivadas generalizadas de g e h, e dado que f = g − h e Vf = g + h, ´e ent˜ao claro que • π e ν s˜ ao medidas finitas, • µ = π − ν ´e a derivada generalizada de f , e • τ = π + ν ´e a derivada generalizada de Vf . Se µ = µ+ − µ− ´e a decomposi¸c˜ao de Jordan de µ, temos do teorema 4.1.21 que µ+ ≤ π e µ− ≤ ν. Notamos que 18 A igualdade entre medidas aqui referida pressup˜ oe a selec¸c˜ ao pr´evia de um dom´ınio de defini¸c˜ ao apropriado e comum. Recorde que a igualdade ´e v´ alida em qualquer σ-´ algebra onde as medidas em causa sejam regulares, por exemplo, em Lµ (R). 258 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas • |µ|(]x, y]) ≤ τ (]x, y]) = Vf (y) − Vf (x), porque µ+ ≤ π e µ− ≤ ν, e • Vf (y) − Vf (x) = Vf ([x, y]) e Vf ([x, y]) ≤ |µ|(]x, y]), como not´ amos no in´ıcio desta sec¸c˜ ao. Conclu´ımos que τ (I) = |µ|(I) para qualquer intervalo I =]x, y], donde se segue que τ = |µ|. Segue-se igualmente que π = µ+ e ν = µ− . Para mostrar que b) ⇒ a), observe-se que f ´e cont´ınua `a direita pelo lema 4.5.7, e ´e de varia¸c˜ ao limitada porque, como not´ amos, Vf (R) ≤ kµk. Passamos a analisar em mais detalhe as fun¸c˜oes de varia¸c˜ao limitada que s˜ ao cont´ınuas. Come¸camos por provar que a varia¸c˜ao total de uma fun¸c˜ao cont´ınua pode ser calculada como se segue: Lema 4.6.5. Se f ´e cont´ınua em R, I ⊆ R ´e um intervalo, e P(I) ´e a fam´ılia de todas as parti¸co ˜es finitas de I em intervalos, ent˜ ao ) ( X m(f (i)) : R ∈ P(I) . (1) Vf (I) = sup i∈R Temos al´em disso que, se I ´e um intervalo compacto, X (2) diam(R) → 0 =⇒ m(f (i)) → Vf (I). i∈R Demonstra¸ca ˜o. Supomos I = [a, b], e escrevemos ( ) X Φ(I) = sup m(f (i)) : R ∈ P(I) . i∈R Para evitar sobrecarregar a nota¸c˜ao, usaremos aqui o mesmo s´ımbolo para designar uma parti¸c˜ ao R de I em subintervalos, e para designar o conjunto dos extremos dos subintervalos em R (a continuidade de f torna irrelevante saber a que subintervalo pertence cada extremo). Notamos que • Sendo R uma parti¸c˜ao de I, ent˜ao X (i) SV (f, R) ≤ m(f (i)) ≤ Φ(I), donde se segue que Vf (I) ≤ Φ(I). i∈R • Dado um subintervalo i ∈ R, sejam xi e yi pontos onde f atinge o seu m´ aximo e m´ınimo no fecho i. Seja R′ o refinamento de R com os pontos xi e yi . Um momento de reflex˜ao mostra que X X Vf (I) ≥ SV (f, R′ ) ≥ |f (yi ) − f (xi )| = m(f (i)), i∈R i∈R donde Vf (I) ≥ Φ(I), e conclu´ımos de (i) que Vf (I) = Φ(I). 259 4.6. Fun¸c˜ oes de Varia¸c˜ ao Limitada Para provar (2), suponha-se Vf (I) < ∞ e ε > 0. Sendo R0 ⊂ I uma qualquer parti¸c˜ ao fixa tal que (ii) SV (f, R0 ) > Vf (I) − ε/2, definimos n como o n´ umero de pontos em R0 . Como I ´e compacto, f ´e uniformemente cont´ınua em I, e existe δ > 0 tal que |x − y| < δ ⇒ |f (x) − f (y)| < ε/4n. Provamos em seguida que se adicionarmos um ponto a qualquer parti¸ca ˜o ε com diˆ ametro inferior a δ, a soma SV aumenta menos de 2n , ou seja, (iii) Se R ´e uma parti¸c˜ ao de I, diam(R) < δ, z ∈ I e R′ = R ∪ {z}, ent˜ao SV (R, f ) ≤ SV (R′ , f ) ≤ SV (R, f ) + ε 2n Para verificar esta afirma¸c˜ ao, supomos sem perda de generalidade que z 6∈ R e x, y ∈ R s˜ ao pontos consecutivos de R tais que x < z < y. Temos neste caso que SV (f, R′ ) = SV (f, R) − |f (x) − f (y)| + |f (x) − f (z)| + |f (z) − f (y)|. Como |x − y| < δ, ´e ´ obvio que |x − z| < δ e |z − y| < δ, donde SV (f, R′ ) − SV (f, R) = −|f (x) − f (y)| + |f (x) − f (z)| + |f (z) − f (y)| ≤ ≤ |f (x) − f (z)| + |f (z) − f (y)| < ε/2n. Seja finalmente R′′ = R ∪ R0 , que resulta de adicionar n pontos a R, e observe-se de (ii) e (iii) que ε Vf (I) − ε/2 < SV (f, R0 ) ≤ SV (f, R′′ ) < SV (f, R) + . 2 Dito doutra forma, temos para qualquer parti¸c˜ao R com diam(R) < δ que X Vf (I) − ε < SV (f, R) ≤ m(f (i)) ≤ Vf (I). i∈R Dada uma fun¸c˜ ao f : X → R, a respectiva indicatriz de Banach ´e a fun¸c˜ao B : R → [0, +∞] que conta, para cada y, as solu¸co ˜es da equa¸c˜ao f (x) = y. Por outras palavras, B ´e dada por B(y) = # ({x ∈ X : f (x) = y}) . Aproveitamos o anterior lema 4.6.5 para demonstrar o seguinte resultado cl´assico, que ´e mais um processo de c´alculo da varia¸c˜ao total de fun¸c˜oes cont´ınuas. 260 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Teorema 4.6.6 (de Banach-Vitali). Se f ´e cont´ınua em I = [a, b] Re B : R → [0, +∞] ´e a sua indicatriz de Banach, ent˜ ao B ´e B-mensur´ avel e R Bdm = Vf (I). Em particular, f ∈ BV (I) ⇐⇒ B ∈ L1 (R). Demonstra¸ca ˜o. Seja P uma parti¸c˜ao de I em intervalos, i ∈ P e Ai a fun¸c˜ao caracter´ıstica da imagem de i, que ´e o intervalo f (i). Observe-se que y = f (x) tem solu¸c˜oes x ∈ i ⇐⇒ y ∈ f (i) ⇐⇒ Ai (y) = 1. Sendo B a indicatriz de Banach, note-se em particular que X B(y) ≥ Ai (y). i∈P A desigualdade acima ´e uma igualdade exactamente quando nenhum intervalo i cont´em mais do que uma solu¸c˜ao da equa¸c˜ao y = f (x). A soma `a direita ´e uma fun¸c˜ ao que passamos a designar BP , envolve apenas fun¸cR˜oes caracter´ısticas de intervalos, que s˜ ao Borel-mensur´aveis, e ´e ´obvio que R Ai = m(f (i)). Temos assim que Z X X BP = m(f (i)). (i) BP = Ai ´e Borel-mensur´avel, e R i∈P i∈P A seguinte observa¸c˜ ao ´e totalmente elementar: (ii) Se R ´e um refinamento de P ent˜ao BP ≤ BR ≤ B. Se B(y) ≥ N , i.e., se a equa¸c˜ao y = f (x) tem pelo menos N solu¸c˜oes x1 , · · · , xN , tomamos δ = min{|xk − xm | : k 6= m}. Se o diˆ ametro da parti¸c˜ ao R ´e inferior a δ, ent˜ao cada intervalo i ∈ R cont´em no m´ aximo uma das N solu¸c˜ oes, e portanto BR (y) ≥ N . Por outras palavras, (iii) Se B(y) ≥ N ent˜ ao existe δ > 0 tal que diam(R) < δ ⇒ BR (y) ≥ N. Dado n ∈ N, seja Pn a parti¸c˜ao do intervalo I em 2n subintervalos In,k de igual comprimento (b−a) 2n . Observamos que (iv) Pn+1 ´e um refinamento de Pn e diam(Pn ) → 0. De acordo com (i) e (iv), segue-se de 4.6.5 que Z BPn → Vf (I). (v) R De acordo com (ii), (iii) e (iv) as fun¸c˜oes BPn ≤ B formam uma sucess˜ao crescente, e BPn ր B. Pelo teorema de Beppo Levi, B ´e Borel-mensur´avel, e conclu´ımos usando (v) que Z Z B = Vf (I). BPn → R R 261 4.6. Fun¸c˜ oes de Varia¸c˜ ao Limitada Existem outras identidades semelhantes a (1) no lema 4.6.5, e estabelecemos aqui o seguinte resultado: Teorema 4.6.7. Se f ∈ BV (R) ∩ C(R), µ ´e a sua derivada generalizada e E ∈ B(R), ent˜ ao ) (∞ ∞ [ X ∗ En , En ’s ∈ B(R) disjuntos . m (f (En )) : E = |µ| (E) = sup n=1 n=1 Lema 4.6.8. Demonstra¸ca ˜o. Come¸camos por mostrar que (i) m∗ (f (E)) ≤ |µ| (E), para qualquer E ∈ B(R). • Se E ´e um conjunto elementar, ent˜ao existe uma [ fam´ılia finita P for´ claro que mada por intervalos disjuntos e tal que E = i. E i∈P m(f (E)) ≤ X i∈P m(f (i)) ≤ |µ|(E). • Se E ´e um conjunto aberto existem conjuntos elementares En ր E, donde f (En ) ր f (E), m(f (En )) → m(f (E)) e |µ(En ) → |µ|(E). Temos ent˜ ao m(f (En )) ≤ |µ|(En ) =⇒ m(f (E)) ≤ |µ|(E). • Se E ∈ B(R) existem abertos Un ⊇ E tais que |µ| (Un ) → |µ| (E), e ´e ´obvio que m∗ (f (E)) ≤ m(f (Un )) ≤ |µ|(Un ) → |µ| (E). Estabelecemos assim (i) e definimos agora Ψ : B(R) → [0, ∞] por: ) (∞ ∞ [ X ∗ En , En ’s ∈ B(R) disjuntos . m (f (En )) : E = Ψ(E) = sup n=1 n=1 Como os conjuntos En ’s s˜ ao disjuntos, conclu´ımos de (i) que ∞ X n=1 ∗ m (f (En )) ≤ ∞ X n=1 |µ| (En ) = |µ| (E), donde (ii) Ψ(E) ≤ |µ| (E) para qualquer E ∈ B(R). 262 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Quando E = I ´e um intervalo, ´e evidente de 4.6.5 que |µ|(I) ≤ Ψ(I), e segue-se de (ii) que (iii) Ψ(I) = |µ| (I) para qualquer intervalo I ⊆ R. S∞ Suponha-se que A, B ∈ B(R) s˜ a o disjuntos. Dadas parti¸ c o ˜ es A = n=1 An , S∞ e B = n=1 Bn , a fam´ılia dos conjuntos An e Bn ´e uma parti¸c˜ao de A ∪ B, pelo que ∞ ∞ X X m∗ (f (Bn )). m∗ (f (An )) + Ψ(A ∪ B) ≥ n=1 n=1 Como as parti¸c˜ oes referidas s˜ ao arbitr´arias, temos ainda (iv) A, B ∈ B(R) e A ∩ B = ∅ =⇒ Ψ(A ∪ B) ≥ Ψ(A) + Ψ(B). Considerem-se parti¸c˜ oes de E = En = ∞ [ k=1 f (Ak ) = ∞ [ n=1 Ak ∩ En =⇒ S∞ k=1 Ak ∞ X k=1 = S∞ n=1 En , e note-se que m∗ (f (Ak ∩ En )) ≤ Ψ(En ), e f (Ak ∩ En ) ⇒ m∗ (f (Ak )) ≤ ∞ X n=1 m∗ (f (Ak ∩ En )). Obtemos imediatamente: ∞ X k=1 m∗ (f (Ak )) ≤ ∞ X ∞ X n=1 k=1 m∗ (f (Ak ∩ En )) ≤ ∞ X Ψ(En ). n=1 Como a parti¸c˜ ao formada pelos Ak ’s ´e arbitr´ aria, estabelecemos: (v) Ψ(E) ≤ ∞ X Ψ(En ), n=1 Para concluir a demonstra¸c˜ao, registamos que • (iv) e (v) =⇒ Ψ ´e uma medida positiva em B(R). • (ii) =⇒ Ψ ´e finita, e portanto regular, em B(R). • (iii) =⇒ Ψ = |µ| nos intervalos compactos. Segue-se que Ψ e |µ| coincidem nos abertos, e em B(R). 263 4.6. Fun¸c˜ oes de Varia¸c˜ ao Limitada 4.6.1 Fun¸c˜ oes Absolutamente Cont´ınuas Tal como observ´ amos a prop´osito da no¸c˜ao de varia¸c˜ao total, ´e f´acil adaptar a defini¸c˜ao de continuidade absoluta para ser directamente aplic´ avel a fun¸co ˜es. Suponha-se que f ´e fun¸c˜ ao distribui¸c˜ao de uma medida real µ absolutamente cont´ınua em R. De acordo com 4.3.4, para qualquer ε > 0, existe δ > 0 tal que m(E) < δ ⇒ |µ| (E) < ε. Se E = ∪nk=1 Ik , onde I1 ,P · · · , In s˜ ao intervalos disjuntos, e Ik tem extremos xk ≤ yk , temos m(E) = nk=1 (yk − xk ), e por isso: n X k=1 (yk − xk ) < δ ⇒ n X k=1 |f (yk ) − f (xk )| = n X k=1 |µ(Ik )| ≤ |µ| (E) < ε. A defini¸c˜ ao seguinte regista estas observa¸c˜oes: Defini¸ c˜ ao 4.6.9 (Fun¸c˜ oes Absolutamente Cont´ınuas). Se f : I → R onde I ⊆ R ´e um intervalo, dizemos que f ´e absolutamente cont´ınua em I se e s´ o se para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que, para quaisquer intervalos disjuntos I1 , · · · , In em I, onde Ik tem extremos xk ≤ yk , temos n n X X |f (yk ) − f (xk )| < ε. (yk − xk ) < δ ⇒ k=1 k=1 Exemplos 4.6.10. Rx 1. Se a fun¸ca˜o g : R → R ´e som´avel, ent˜ ao a fun¸ca˜o f (x) = −∞ gdm ´e fun¸ca˜o distribui¸ca˜o de uma medida absolutamente cont´ınua em R, e portanto f ´e uma fun¸ca˜o absolutamente cont´ınua em R, como ali´as verific´ amos directamente no exerc´ıcio 10 da sec¸ca˜o 3.3. 2. Se f satisfaz uma condi¸ca ˜o de Lipschitz (19 ) em I, i.e., se existe uma constante K tal que |f (x) − f (y)| ≤ K|x − y|, ´e evidente que f ´e absolutamente cont´ınua em I. 3. A fun¸ca˜o f (x) = sen(x) satisfaz uma condi¸ca˜o de Lipschitz em R com K = 1, e portanto ´e absolutamente cont´ınua em R. ´ f´acil verificar que a “escada do diabo” ´e uniformemente cont´ınua em R, 4. E mas n˜ ao ´e absolutamente cont´ınua. 5. Qualquer fun¸ca˜o absolutamente cont´ınua ´e uniformemente cont´ınua (´e o caso n = 1, na defini¸ca˜o 4.6.9.) As ideias que referimos no lema 4.6.5 podem ser tamb´em utilizadas para reformular a defini¸c˜ ao acima. 19 Rudolf Lipschitz, 1832-1903, matem´ atico alem˜ ao, professor na Universidade de Bona. 264 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Lema 4.6.11. Se f : I → R onde I ⊆ R ´e um intervalo, ent˜ ao f ´e absolutamente cont´ınua em I se e s´ o se para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que, para qualquer fam´ılia finita P de intervalos disjuntos i ⊆ I, temos X X m(i) < δ ⇒ m(f (i)) < ε. i∈P i∈P Demonstra¸ca ˜o. Se f satisfaz a condi¸c˜ao referida neste lema ´e claro que f ´e absolutamente cont´ınua nos termos da defini¸c˜ao 4.6.9. Basta observar que se o intervalo i tem extremos xk e yk ent˜ao |f (yk ) − f (xk )| ≤ m(f (i)). Suponha-se por outro lado que f ´e absolutamente cont´ınua. Dada uma fam´ılia P de intervalos disjuntos e sendo xi e yi os extremos de i, temos: X X m(i) < δ ⇒ |f (yi ) − f (xi )| < ε. i i∈P A fun¸c˜ ao f tem m´ aximo e m´ınimo no intervalo [xi , yi ], e designamos por ui e vi pontos do intervalo [xi , yi ] onde ocorrem estes extremos, com ui ≤ vi . Definimos ji =]ui , vi [ e observamos que os intervalos ji formam igualmente uma fam´ılia de intervalos disjuntos em I. Notamos como evidente que m(ji ) ≤ m(i) e |f (vi ) − f (ui )| = m(f (i)), e conclu´ımos que: X X X X m(i) < δ ⇒ m(ji ) < δ ⇒ m(f (i)) = |f (ui ) − f (vi )| < ε. i i∈P i∈P i∈P Podemos agora mostrar que as fun¸c˜oes absolutamente cont´ınuas s˜ ao de varia¸c˜ ao limitada em intervalos compactos: Teorema 4.6.12. Se f ´e absolutamente cont´ınua no intervalo I ⊆ R ent˜ ao f ´e de varia¸ca ˜o limitada em qualquer subintervalo compacto J ⊆ I. Demonstra¸ca ˜o. Seja J = [a, b] ⊆ I ⊆ R. Como f ´e absolutamente cont´ınua em I, existe δ1 > 0 tal que, para qualquer fam´ılia P de intervalos disjuntos em I, temos: X X (1) m(i) < δ ⇒ m(f (i)) < 1. i∈P i∈P Como J ´e limitado, ´e evidente que existe uma parti¸c˜ao finita de J em intervalos disjuntos j, cada um dos quais com comprimento inferior a δ1 . Designamos esta parti¸c˜ ao por Q, e supomos que ´e constitu´ıda por N subintervalos. Supomos ainda que R ´e uma qualquer parti¸c˜ao de J, e definimos P = Q ∪ R e, para qualquer j ∈ Q, Pj = j ∩ P. Pj ´e uma parti¸c˜ao do subintervalo j, e ´e imediato de (1) que X X m(i) = m(j) < δ1 ⇒ m(f (i)) < 1. i∈Pj i∈Pj 265 4.6. Fun¸c˜ oes de Varia¸c˜ ao Limitada Resta-nos notar que X X XX m(f (i)) ≤ m(f (i)) = m(f (i)) < N. i∈R i∈P j∈Q i∈Pj ´ assim evidente que Vf (J) ≤ N , i.e., f ´e de varia¸c˜ao limitada em J. E Exemplos 4.6.13. 1. A fun¸ca˜o f (x) = x sen(1/x) (com f (0) = 0) ´e uniformemente cont´ınua em [0, 1], mas n˜ ao ´e de varia¸ca˜o limitada em [0, 1]. Portanto, f n˜ ao ´e absolutamente cont´ınua em [0, 1]. 2. A fun¸ca˜o f (x) = sen x ´e absolutamente cont´ınua em R, e portanto ´e de varia¸ca˜o limitada em qualquer intervalo limitado. N˜ ao ´e no entanto de varia¸ca˜o limitada em R. Completamos agora o teorema 4.6.4 para o caso em que a medida µ ´e absolutamente cont´ınua. O pr´ oximo teorema ser´ a usado na pr´ oxima sec¸c˜ao para mostrar que as fun¸co ˜es absolutamente cont´ınuas s˜ ao precisamente as fun¸co ˜es que s˜ ao integrais indefinidos de fun¸co ˜es som´ aveis. Teorema 4.6.14. Se f ∈ BV (R)∩ C(R), ent˜ ao f ´e absolutamente cont´ınua em R se e s´ o se a sua derivada generalizada µ ≪ m. Demonstra¸ca ˜o. Temos apenas a provar que, se f : R → R ´e de varia¸c˜ao limitada e absolutamente cont´ınua em R, ent˜ao µ ≪ m. De acordo com o lema 4.6.11, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que, para qualquer fam´ılia finita de intervalos disjuntos i ⊆ I, temos X X m(i) < δ ⇒ m(f (i)) < ε. i∈P i∈P Seja E ⊂ R um conjunto elementar com m(E) < δ, da forma E = onde I1 , · · · , In em R s˜ ao intervalos disjuntos. Supondo que Pk ´e uma qualquer parti¸c˜ ao de Ik em intervalos, ´e ´obvio que P = ∪nk=1 Pk ´e uma parti¸c˜ao de E em intervalos, e ∪nk=1 Ik , n X X k=1 i∈Pk m(i) = m(E) < δ ⇒ n X X m(f (i)) < ε. k=1 i∈Pk A anterior desigualdade ´e v´alida para quaisquer parti¸co˜es Pk dos intervalos Ik , e portanto ´e claro de 4.6.5 que m(E) < δ =⇒ n X k=1 Vf (Ik ) ≤ ε =⇒ |µ|(E) = n X k=1 |µ|(Ik ) = n X k=1 Vf (Ik ) ≤ ε. 266 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Se U ⊆ R ´e aberto, existem conjuntos elementares En ր U , donde m(En ) ≤ m(U ) e |µ|(En ) ր |µ|(U ), e conclu´ımos que m(U ) < δ =⇒ m(En ) < δ =⇒ |µ|(En ) ≤ ε =⇒ |µ|(U ) ≤ ε. Finalmente, se E ∈ B(R) e m(E) < δ existem abertos U ⊇ E tais que δ > m(U ), e portanto ε ≥ |µ|(U ) ≥ |µ|(E), i.e., µ ≪ |µ| ≪ m. Conclu´ımos esta sec¸c˜ao com uma caracteriza¸c˜ao cl´assica das fun¸c˜oes absolutamente cont´ınuas, o teorema de Banach-Zaretski. Podemos finalmente provar o Teorema 4.6.15 (de Banach-Zaretsky). (20 ) Se f ∈ BV (R) ∩ C(R), ent˜ ao f ´e absolutamente cont´ınua em R se e s´ o se m(E) = 0 =⇒ m(f (E)) = 0. Demonstra¸ca ˜o. Supomos sem perda de generalidade que E ∈ B(RN ). Se f ´e absolutamente cont´ınua, temos de 4.6.14 que µ ≪ |µ| ≪ m, e usamos o teorema 4.6.7 para concluir que m(E) = 0 =⇒ |µ| (E) = 0 e m∗ (f (E)) ≤ |µ| (E) = 0 =⇒ m∗ (f (E)) = 0. Suponha-se agora que m(E) = 0 =⇒ m(f (E)) = 0. Temos de 4.6.7 que ) (∞ ∞ [ X En , En ’s ∈ B(R) disjuntos . m∗ (f (En )) : E = |µ| (E) = sup n=1 n=1 ´ claro que m(E) = 0 ⇒ m∗ (f (En )) = 0 ⇒ |µ| (E) = 0, i.e., µ ≪ m. E Deixamos para o exerc´ıcio 16 a demonstra¸c˜ao de Corol´ ario 4.6.16. Se f ∈ BV (R)∩C(R), ent˜ ao f ´e absolutamente cont´ınua em R se e s´ o se E ∈ L(R) =⇒ f (E) ∈ L(R). Exerc´ıcios. 1. Sendo f : R → R, mostre que a) P ⊆ P ′ =⇒ SV (f, P) ≤ SV (f, P ′ ). b) Vf ´e uma fun¸ca˜o crescente. c) f ´e de varia¸ca˜o limitada (e limitada) se e s´o se Vf ´e limitada. 2. Prove que as fun¸co˜es de varia¸ca˜o limitada tˆem limites laterais em todos os pontos. ˜o: Suponha que f ∈ BV (R) 3. Demonstre a al´ınea b) do lema 4.6.3. sugesta ´e cont´ınua ` a direita em x ∈ R. Note que 20 De Banach e M.A.Zaretsky (ou Zarecki), 1903-1930, matem´ atico russo. 267 4.6. Fun¸c˜ oes de Varia¸c˜ ao Limitada • Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que: x < y < x + δ =⇒ |f (y) − f (x)| < ε . 2 • Sendo I = [x, y0 ] onde x < y0 < x + δ, existe um conjunto P = {x0 , x1 , · · · , xn } ⊆ I com x = x0 < x1 < · · · < xn e tal que Vf (I) ≥ SV (f, P) > Vf (I) − ε 2 Mostre que se R ´e um subconjunto finito de [x, x1 ] ent˜ ao SV (f, R) < ε. 4. Prove que qualquer fun¸ca˜o cont´ınuamente diferenci´ avel ´e de varia¸ca˜o limitada em qualquer intervalo limitado. 5. Se f ´e Riemann-integr´avel f ´e necessariamente de varia¸ca˜o limitada? E se f ´e de varia¸ca˜o limitada f ´e necessariamente Riemann-integr´avel? 6. Generalize as afirma¸co˜es 4.5.11 e 4.5.12 para fun¸co˜es de varia¸ca˜o limitada. 7. Sendo f a “escada do Diabo”, determine decomposi¸co˜es de Jordan e de Hahn para a derivada generalizada µ de F , onde  2 x − f (x), para 0 ≤ x ≤ 1, F (x) = 0, para x < 0, e para x > 1. Determine igualmente composi¸co˜es de Jordan e de Hahn para a derivada generalizada λ de G(x) = F (x) + H(x) − H(x − 1), onde H ´e a fun¸ca˜o de Heaviside. Calcule kµk, e kλk. 8. Suponha que f ∈ BV (R), e mostre que o gr´afico de f tem comprimento finito em qualquer intervalo limitado. ˜o: Adapte o argumento utilizado na 9. Demonstre o lema 4.6.11. sugesta demonstra¸ca˜o do lema 4.6.5. 10. Mostre que a fun¸ca˜o f (x) = x sen(1/x) n˜ ao ´e de varia¸ca˜o limitada em ]0, 2π]. 11. Para que valores de a > 0 ´e que f (x) = xa sen(1/x) ´e de varia¸ca˜o limitada em ]0, 2π]? 12. Mostre que a fun¸ca˜o de van der Waerden (exemplo 1.5.14) n˜ ao ´e de varia¸ca˜o limitada. 13. Seja I = [0, 1]. Determine fun¸co˜es cont´ınuas f, g, h : I → R, f, g, h 6∈ BV (I), tais que: a) f ´e diferenci´ avel em I. b) g ′ ≃ 0 em I. 268 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas c) m(E) = 0 =⇒ m(h(E)) = 0.(21 ) 14. Prove que se f ´e absolutamente cont´ınua e g satisfaz uma condi¸ca˜o de Lipschitz ent˜ ao a composta g ◦ f ´e absolutamente cont´ınua. 15. Mostre que as fun¸co˜es absolutamente cont´ınuas no intervalo I formam um espa¸co vectorial. O produto de fun¸co˜es absolutamente cont´ınuas ´e sempre absolutamente cont´ınuo? 16. Demonstre o teorema 4.6.16. Sugest˜ ao: Prove que se E ´e fechado (respectivamente, de tipo F σ) ent˜ ao f (E) ´e fechado (respectivamente, de tipo F σ). Conclua em particular que se f ´e absolutamente cont´ınua em I e E ∈ L(I) ent˜ ao f (E) ∈ L(R). 17. Prove que a composi¸ca˜o de fun¸co˜es absolutamente cont´ınuas ´e absolutamente cont´ınua, se for de varia¸ca˜o limitada (Teorema de Fichtenholz). 18. Seja AC(R) a classe das fun¸co˜es absolutamente cont´ınuas em R. a) Mostre que AC(R), BV (R), e N BV (R) s˜ao espa¸cos vectoriais, e que N BV (R) ´e um espa¸co vectorial normado, com norma kf k = Vf (R). b) Prove que N BV (R) e AC(R) ∩ N BV (R) s˜ao espa¸cos de Banach, com esta norma. c) Mostre que se kfn − f k → 0 ent˜ ao kfn − f k∞ → 0, mas que a implica¸ca˜o inversa ´e em geral falsa. 4.7 Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo em R Prov´amos no Cap´ıtulo 1 que os integrais indefinidos de Riemann s˜ ao diferenci´ aveis qtp, porque as respectivas integrandas, que s˜ ao Riemann-integr´ aveis, s˜ ao necessariamente cont´ınuas qtp. Este argumento ´e evidentemente inaplic´ avel quando a integranda ´e apenas Lebesgue-som´avel, porque estas fun¸c˜oes podem ser descont´ınuas em toda a parte. A generaliza¸c˜ ao dos Teoremas Fundamentais do C´ alculo ao contexto da teoria de Lebesgue exige por isso um resultado completamente novo para estabelecer a diferenciabilidade dos integrais indefinidos: o grande Teorema de Diferencia¸ca ˜o de Lebesgue, de 1904, certamente um dos resultados mais importantes e originais da An´alise Real, e que passamos a estudar. 4.7.1 O Teorema de Diferencia¸c˜ ao de Lebesgue Em 1932, F.Riesz descobriu um resultado auxiliar relativamente elementar, de natureza geom´etrica, que simplifica muito a demonstra¸c˜ao do teorema de diferencia¸c˜ ao de Lebesgue. 21 Note que o Teorema de Banach-Zaretsky n˜ ao ´e v´ alido sem a hip´ otese f ∈ BV (R). 269 4.7. Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo em R a b1 a2 b2 a3 b3 a4 b4 b Figura 4.7.1: Lema do Sol Nascente. Para entender o resultado de Riesz, supomos que g : R → R ´e uma fun¸c˜ao, I = ]a, b[ ´e um intervalo aberto limitado, e consideramos o conjunto D = {x ∈ I : Existe y ∈ I tal que y > x e g(y) > g(x)} . O lema de Riesz diz-se “do Sol Nascente” porque o conjunto acima definido sugere a regi˜ ao ` a sombra numa cadeia de montanhas ao nascer do Sol. O seu enunciado ´e surpreendentemente simples, e registe-se que a u ´nica hip´ otese sobre a fun¸c˜ ao g ´e, por enquanto, a sua continuidade: Lema 4.7.1 (de Riesz, “do Sol Nascente”). Se g ∈ C(R), I =]a, b[ ´e um intervalo limitado e D = {x ∈ I : Existe y ∈ I tal que y > x e g(y) > g(x)} S ent˜ ao D = ∞ ]a ao disjuntos, e n=1 n , bn [, onde os intervalos In =]an , bn [ s˜ g(bn ) ≥ g(an ). Demonstra¸ca ˜o. O conjunto D ´e aberto, por raz˜ oes ´obvias, e portanto ´e uma uni˜ ao de intervalos abertos disjuntos In =]an , bn [. Fixado x ∈]an , bn [⊆ D, seja M o m´ aximo da fun¸c˜ ao g no intervalo [x, b]. Notamos que: • g(x) < M , porque existe y ∈]x, b[ tal que g(y) > g(x). • Se c = inf{y ∈ [x, b] : g(y) = M }, ent˜ao g(c) = M . • c 6∈ D, porque n˜ ao pode existir y ∈]c, b] com g(y) > M . • Temos [x, c[⊂ D, mesmo que c = b, porque se x′ < c ent˜ao g(x′ ) < g(c). Conclu´ımos que c = bn e g(bn ) > g(x) e, por continuidade, g(bn ) ≥ g(an ).(22 ) 270 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Diα+ (f, I) Dsα+ (f, I) a b a1 b1 a2 b2 a3 b3 a4 a b4 b a1 b2 a3 b1 a2 Diα− (f, I) Dsα− (f, I) a b a1 b1 a2 b2 a3 b3 a4 b4 b4 b3 a4 a a1 b b1 a2 b2 b3 a3 a4 b4 Figura 4.7.2: α ´e o declive dos “raios de Sol”. ´ f´acil adaptar o Lema de Riesz para o caso em que os “raios de Sol” E n˜ ao s˜ ao horizontais. A figura 4.7.2 sugere os seguintes conjuntos (23 ): n o (x) (1) Dsα+ (f, I) = x ∈ I : ∃y∈I tal que y > x, e f (y)−f >α y−x n (2) Diα+ (f, I) = x ∈ I : ∃y∈I tal que y > x, e f (y)−f (x) y−x n (4) Diα− (f, I) = x ∈ I : ∃y∈I tal que y < x, e f (y)−f (x) y−x n (3) Dsα− (f, I) = x ∈ I : ∃y∈I tal que y < x, e f (y)−f (x) y−x o <α o >α o <α Estes conjuntos est˜ ao associados a qualquer fun¸c˜ao f definida pelo menos no intervalo I. Com estas conven¸c˜oes, o conjunto que referimos no lema de Riesz ´e D = Ds0+ (g, I). A adapta¸c˜ao de 4.7.1 a qualquer um dos conjuntos agora indicados ´e imediata, e resulta de uma mudan¸ca de vari´ avel apropriada. Interessam-nos para j´a os casos (1) e (4), e provamos para isso: Lema 4.7.2 (de Riesz (II)). Se f ∈ C(R), I = ]a, b[ ´e limitado e α ∈ R, ent˜ ao a) Dsα+ (f, I) = ∞ [ ]an , bn [, os In =]an , bn [ s˜ ao disjuntos e n=1 f (bn )−f (an ) bn −an ≥ α. 22 Apesar de tal n˜ ao ser necess´ ario para os nossos fins, podemos mostrar que g(an ) = g(bn ), excepto possivelmente se an = a, como ´e referido no exerc´ıcio 2. 23 Usamos os ´ındices s+ , s− , i+ e i− para indicar se o declive da recta que passa pelos pontos de abcissas x e y ´e superior ou inferior a α, e indicar o sinal alg´ebrico de y − x. 271 4.7. Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo em R b) Diα− (f, I) = ∞ [ ]cn , dn [, os In =]cn , dn [ s˜ ao disjuntos e f (dn )−f (cn ) dn −cn n=1 ≤ α. Demonstra¸ca ˜o. Para estabelecer a), definimos g(x) = f (x) − αx, e observamos que, quando y > x, f (y) − f (x) > α ⇐⇒ g(y) > g(x), ou seja, Dsα+ (f, I) = Ds0+ (g, I). y−x Temos assim que Dsα+ (f, I) = Ds0+ (g, I) = ∞ [ ]an , bn [, onde g(bn ) ≥ g(an ). n=1 Notamos finalmente que g(bn ) ≥ g(an ) ⇐⇒ f (bn ) − f (an ) ≥ α. bn − an Para provar b), definimos agora g˜(x) = f (−x) + αx. Com y < x, e portanto −y > −x, temos ent˜ ao f (x) − f (y) < α ⇐⇒ g˜(−y) > g˜(−x), ou seja, − Ds0+ (˜ g , −I) = Diα− (f, I). x−y Mais uma vez pelo Lema 4.7.1, conclu´ımos que g , −I) = Ds0+ (˜ ∞ [ ] − dn , −cn [, onde g˜(−cn ) ≥ g˜(dn ). n=1 Dito de forma equivalente, temos Diα− (f, I) = ∞ [ ]cn , dn [, onde n=1 f (dn ) − f (cn ) ≤ α. dn − cn Quando f ´e uma fun¸c˜ ao cont´ınua e crescente, a respectiva derivada generalizada µ e o lema de Riesz na forma de 4.7.2 providenciam estimativas muito u ´teis para a medida dos conjuntos Dsα+ (f, I) e Diα− (f, I)). Proposi¸ c˜ ao 4.7.3. Se f ∈ C(R) ´e crescente, µ ´e a respectiva derivada generalizada, I ⊆ R ´e um intervalo aberto limitado e α ≥ 0 ent˜ ao a) α m(Dsα+ (f, I)) ≤ µ(I). b) µ(Diα− (f, I)) ≤ α m (I). 272 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas a b a1 b1 a2 b2 a3 b3 Figura 4.7.3: A medida da regi˜ ao “`a sombra”, que ´e m(Dsα+ (f, I)), ´e limitada pela “altura da montanha”, que ´e µ(I), a dividir por α. Demonstra¸ca ˜o. a) De acordo com 4.7.2, temos Dsα+ (f, I) = ∞ [ n=1 ]an , bn [ , e f (bn ) − f (an ) ≥ α(bn − an ). Sendo In =]an , bn [, a desigualdade f (bn ) − f (an ) ≥ α(bn − an ) ´e obviamente equivalente a µ(In ) ≥ αm(In ). Como os intervalos In s˜ ao disjuntos, temos µ(Dsα+ (f, I)) = ∞ X n=1 µ(In ) ≥ ∞ X αm(In ) = αm(Dsα+ (f, I))), n=1 e portanto µ(I) ≥ µ(Dsα+ (f, I)) ≥ αm(Dsα+ (f, I)). b) Recordamos que Diα− (f, I) = ∞ [ n=1 ]cn , dn [ , e f (dn )−f (cn ) ≤ α(dn −cn ), i.e., µ(Jn ) ≤ αm(Jn ). Os intervalos Jn =]cn , dn [ s˜ ao novamente disjuntos, e portanto µ(Diα− (f, I)) = ∞ X n=1 µ(Jn ) ≤ ∞ X n=1 αm(Jn ) = αm(Diα− (f, I)) ≤ αm(I). Para estudar a diferenciabilidade de f introduzimos as chamadas derivadas de Dini, que s˜ ao quatro limites (`a esquerda, `a direita, superior e inferior) associados ao c´ alculo da derivada de f em cada ponto x: 273 4.7. Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo em R Defini¸ c˜ ao 4.7.4 (Derivadas de Dini). Dada f : R → R, as derivadas de Dini de f s˜ ao as fun¸c˜ oes fs′ + , fi′+ , fs′ − , fi′− : R → R dadas por: fs′ + (x) = lim sup f (x + h) − f (x) f (x + h) − f (x) ′ , fi+ (x) = lim inf h h h→0+ fs′ − (x) = lim sup f (x + h) − f (x) ′ f (x + h) − f (x) , fi− (x) = lim inf − h h h→0 h→0+ h→0− Exemplos 4.7.5. 1. Seja f : R → R a fun¸ca˜o dada por   k + x(a + b sen(1/x), se x > 0 k + x(c + d sen(1/x), se x < 0 f (x) =  k, se x = 0 Supondo que a, b, c, d ∈ R+ , temos (ver figura 4.7.4): fs′ + (0) = a + b, fi′+ (x) = a − b, fs′ − (x) = c + d e fi′− (0) = c − d. fs′ + (0) = a + b fi′− (0) =c−d fi′+ (0) = a − b fs′ − (0) = c + d Figura 4.7.4: Derivadas de Dini do exemplo 4.7.5.1 em x = 0. 2. Se f ´e a fun¸ca˜o de Dirichlet dir, temos fs′ + = −fi′− = (∞)(1 − f ), fs′ − = −fi′+ = (∞)f. 3. f ′ (x) existe se e s´o se fs′ + (x) = fi′+ (x) = fs′ − (x) = fi′− (x). f ´e diferenci´ avel em x se e s´o se f ′ (x) existe e |f ′ (x)| = 6 +∞. ´ evidente que f ′ + (x) ≥ f ′+ (x)(x) e f ′ − (x) ≥ f ′− (x), para qualquer x ∈ R. 4. E i s i s 274 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas ´ muito f´acil verificar o seguinte E Lema 4.7.6. Se f : R → R, I ´e um intervalo aberto e x ∈ I ent˜ ao fs′ + (x) > α =⇒ x ∈ Dsα+ (f, I) e fi′− (x) < α =⇒ x ∈ Diα− (f, I). Se a fun¸c˜ ao f ´e diferenci´ avel no intervalo I = [a, b], sabemos do teorema de Lagrange que existe c ∈ I tal que f (b) − f (a) = f ′ (c). b−a Neste caso, se α ≤ f ′ (x) ≤ β para x ∈ I e f tem uma derivada generalizada µ, ´e ´ obvio que α≤ µ(I) f (b) − f (a) = ≤ β, i.e., αm(I) ≤ µ(I) ≤ βm(I). m(I) b−a O pr´ oximo teorema ´e uma generaliza¸c˜ao profunda e muito interessante desta ´ independente de qualquer hip´ observa¸c˜ ao elementar. E otese sobre a diferenciabilidade da fun¸c˜ ao f ou sobre a natureza do conjunto E em causa. Teorema 4.7.7. Se f ∈ C(R) ´e crescente, α ≥ 0 e E ⊂ R ent˜ ao(24 ) a) fs′ + (x) ≥ α para qualquer x ∈ E =⇒ α m∗ (E) ≤ µ∗ (E). b) fi′− (x) ≤ α para qualquer x ∈ E =⇒ α m∗ (E) ≥ µ∗ (E). Demonstra¸ca ˜o. a) Supomos sem perda de generalidade que α > 0 e consideramos primeiro o caso m∗ (E) < ∞. Seja U = ∪∞ n=1 In ⊇ E um aberto com medida finita, onde os conjuntos In s˜ ao intervalos abertos disjuntos ´ claro que limitados. E (1) E ⊆ U =⇒ E = ∞ [ n=1 E ∩ In =⇒ m∗ (E) ≤ ∞ X n=1 m∗ (E ∩ In ). Se α > β > 0 temos fs′ + (x) > β em E. Segue-se de 4.7.6 que E ∩ In ⊆ Dsβ+ (f, In ), donde β m∗ (E ∩ In ) ≤ β m(Dsβ+ (f, In )). Temos de 4.7.3 a) que β m(Dsβ+ (f, In )) ≤ µ(In ) e usamos (1) para obter β m∗ (E) ≤ ∞ X n=1 β m∗ (E ∩ In ) ≤ ∞ X µ(In ) = µ(U ). n=1 Conclu´ımos que β m∗ (E) ≤ µ∗ (E) para β < α, donde α m∗ (E) ≤ µ∗ (E). Finalmente, se m∗ (E) = ∞ basta aplicar o resultado j´a obtido aos conjuntos En = E ∩ [−n, n], porque m∗ (En ) ր m∗ (E). 24 Recorde que a medida exterior µ∗ ´e dada por µ∗ (E) = inf{µ(U ) : E ⊆ U , U aberto }. 275 4.7. Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo em R b) Ainda com U = ∪∞ n=1 In ⊇ E e m(U ) < ∞, observamos agora que (2) E = ∞ [ n=1 E ∩ In =⇒ µ∗ (E) ≤ ∞ X n=1 µ∗ (E ∩ In ). Se β > α ≥ 0 temos fi′− (x) < β em E, e portanto E ∩ In ⊆ Diβ− (f, In ), mais uma vez de 4.7.6. Conclu´ımos de 4.7.3 b) e de (2) que ∗ µ (E) ≤ ∞ X n=1 ∗ µ (E ∩ In ) ≤ ∞ X n=1 µ(Diβ− (f, In )) ≤ ∞ X βm(In ) = βm(U ). n=1 Segue-se que µ∗ (E) ≤ βm∗ (E) para β > α, donde µ∗ (E) ≤ αm∗ (E). Se m∗ (E) = ∞ o resultado s´ o n˜ ao ´e ´ obvio para α = 0, mas se En = E ∩ [−n, n] temos µ∗ (En ) = 0 para qualquer n, e portanto µ∗ (E) = 0. Apesar da sua simplicidade algo enganadora, o teorema 4.7.7 conduz quase directamente ao grande Teorema de Diferencia¸c˜ao de Lebesgue. Corol´ ario 4.7.8. Se f ∈ C(R) ´e crescente ent˜ ao ao m(S) = 0. a) Se S = {x ∈ R : fs′ + (x) = ∞} ent˜ ao m(E) = µ(E) = 0. b) Se E = {x ∈ R : fs′ + (x) ≥ α > β ≥ fi′− (x)} ent˜ ao m(A) = µ(A) = 0. c) Se A = {x ∈ R : fs′ + (x) > fi′− (x)} ent˜ ao m(B) = µ(B) = 0. d) Se B = {x ∈ R : fs′ − (x) > fi′+ (x)} ent˜ Demonstra¸ca ˜o. a) Dado n ∈ N, temos fs′ + (x) > n para qualquer x ∈ S. Se I ´e um intervalo aberto limitado de extremos a < b, segue-se de 4.7.7 a) que n m∗ (S ∩ I) ≤ µ∗ (S ∩ I) ≤ µ(I) = f (b) − f (a). Temos assim que m∗ (S ∩ I) ≤ f (b) − f (a) → 0 =⇒ m(S ∩ I) = 0 =⇒ m(S) = 0. n b) Seja En = {x ∈ E : |x| ≤ n}, e observe-se de 4.7.7 que αm∗ (En ) ≤ µ∗ (En ) ≤ βm∗ (En ), donde (β − α)m∗ (En ) ≥ 0. Como β−α < 0 ´e ´ obvio que m∗ (En ) = 0 e portanto µ∗ (En ) = 0. Conclu´ımos que m(En ) = µ(En ) = 0 para qualquer n ∈ N, donde m(E) = µ(E) = 0. c) Dada uma enumera¸c˜ ao q1 , q2 , · · · , qn , · · · dos racionais q ≥ 0, seja   1 ′ ′ An,k = x ∈ R : fs+ (x) ≥ qn + > qn ≥ fi− (x) . k 276 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Segue-se de b) que m(An,k ) = µ(An,k ) = 0 e basta-nos reconhecer que A= ∞ [ ∞ [ An,k donde m(A) = µ(A) = 0. n=1 k=1 d) Seja h a fun¸c˜ ao cont´ınua e crescente dada por h(x) = −f (−x), e λ a respectiva derivada generalizada. Deixamos para o exerc´ıcio 4 verificar que (ver figura 4.7.5) h′i− (−x) = fi′+ (x), h′s+ (−x) = fs′ − (x) e µ∗ (E) = λ∗ (−E). Em particular, B = −C, onde C = {x ∈ R : h′s+ (x) > h′i− (x)}, m(C) = λ(C) = 0 de acordo com c), e m(B) = m(C) = µ(B) = λ(C) = 0. fs′ + (x0 ) fi′+ (x0 ) fi′− (x0 ) h′s+ (−x0 ) fs′ − (x0 ) h′i+ (−x0 ) h′i− (−x0 ) h′s− (−x0 ) Figura 4.7.5: h(x) = −f (−x) =⇒ fs′ − (x) = h′s+ (−x) e fi′+ (x) = h′i− (−x) Podemos finalmente provar Teorema 4.7.9 (da Diferencia¸c˜ao de Lebesgue). Se f ∈ C(R) ´e crescente em R ent˜ ao f ´e diferenci´ avel qtp em R. Demonstra¸ca ˜o. Considerem-se os conjuntos j´a referidos no corol´ ario 4.7.8:  A = x ∈ R : fs′ + (x) > fi′− (x) , B = {x ∈ R : fs′ − (x) > fi′+ (x)},  e S = x ∈ R : fs′ + (x) = ∞ . Prov´amos em 4.7.8 que m(A ∪ B ∪ S) = 0. Se x 6∈ A ∪ B ∪ S, temos: fs′ + (x) ≤ fi′− (x), fs′ − (x) ≤ fi′+ (x) e fs′ + (x) < ∞. 4.7. Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo em R 277 ´ evidente que f ′− (x) ≤ f ′ − (x) e f ′+ (x) ≤ f ′ + (x) para qualquer x ∈ R. E s i s i Temos assim que x 6∈ A ∪ B ∪ S =⇒ fs′ + (x) ≤ fi′− (x) ≤ fs′ − (x) ≤ fi′+ (x) ≤ fs′ + (x) < ∞. ao iguais e finitas fora do Conclu´ımos que as fun¸c˜ oes fs′ + , fi′− , fs′ − e fi′+ s˜ conjunto A ∪ B ∪ S. Por outras palavras, f ´e diferenci´ avel qtp em R. Exemplos 4.7.10. 1. Se f ´e uma fun¸ca˜o cont´ınua de varia¸ca ˜o limitada ent˜ ao ´e, como sabemos, uma diferen¸ca de fun¸co ˜es cont´ınuas crescentes, e ´e por isso diferenci´ avel qtp. Em particular, • as fun¸co˜es absolutamente cont´ınuas s˜ao diferenci´ aveis qtp em R, • os integrais indefinidos s˜ao diferenci´ aveis qtp, mesmo que a fun¸ca˜o integranda seja descont´ınua em toda a parte. 2. Se f : R → R satisfaz uma condi¸ca˜o de Lipschitz, ent˜ ao f ´e absolutamente cont´ınua em R, pelo que ´e igualmente diferenci´ avel qtp em R. Esta observa¸ca˜o ´e um caso particular do Teorema de Rademacher (25 ): Se f satisfaz uma condi¸ca ˜o de Lipschitz num aberto U ⊆ RN ent˜ ao f ´e diferenci´ avel qtp em U . 4.7.2 A Decomposi¸c˜ ao de Lebesgue Continuamos a supor que f ´e cont´ınua e crescente em R e µ ´e a respectiva derivada generalizada. Passamos a estabelecer algumas propriedades auxiliares de µ e do seu dom´ınio de defini¸c˜ao “natural”, que ´e a classe(26 ) Sf = {E ⊆ R : f (E) ∈ L(R)}. Lema 4.7.11. Seja f ∈ C(R) crescente e µ a respectiva derivada generalizada. Se D = {x ∈ R : f ′ (x) existe e 0 < f ′ (x) < ∞} e D∞ ´e o conjunto onde f ′ (x) = ∞, ent˜ ao a) µ est´ a concentrada em S = D ∪ D∞ . b) Se m(E) = 0 e E ∩ D∞ = ∅ ent˜ ao µ(E) = 0. c) Se E ∈ L(R) e E ∩ D∞ = ∅ ent˜ ao E ∈ Sf . d) D∞ ∈ Sf ∩ L(R). 25 De Hans Rademacher, 1892-1969, um dos grandes matem´ aticos do s´eculo XX. De origem alem˜ a, foi professor nas Universidades de Hamburgo e Breslau, mas foi for¸cado pelo regime nazi a abandonar a Alemanha em 1934, em resultado da sua actividade pol´ıtica a favor da paz e dos direitos humanos. Emigrou para os Estados Unidos, onde foi professor da Universidade da Pensilvˆ ania. 26 Recorde de 4.5.3 que (R, Sf , µ) ´e a u ´nica solu¸c˜ ao completa e regular do Problema de Stieltjes para f . 278 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Demonstra¸ca ˜o. a) Tal como no corol´ ario 4.7.8, tomamos A = {x ∈ R : fs′ + (x) > fi′− (x)} e B = {x ∈ R : fs′ − (x) > fi′+ (x)}. Recordamos de 4.7.8 que m(A) = µ(A) = m(B) = µ(B) = 0. Sendo ´ assim C = {x ∈ R : f ′ (x) = 0}, conclu´ımos de 4.7.7 b) que µ(C) = 0. E evidente que A ∪ B ∪ C ´e µ-nulo, ou seja, µ est´ a concentrada no seu complementar, que ´e o conjunto S = D ∪ D∞ . b) Tomamos F = E ∩ D e observamos de a) que µ∗ (E) = µ∗ (E ∩ (D ∪ D∞ ) = µ∗ (E ∩ D) = µ∗ (F ). Como Fk = {x ∈ F : f ′ (x) < k} ⊆ E, ´e ´obvio que m(Fk ) = 0. Segue-se de 4.7.7 b) que µ∗ (Fk ) ≤ k m(Fk ) = 0, ou seja, µ∗ (Fk ) = 0 = µ(Fk ). Dado que Fk ր F , podemos concluir que µ(F ) = 0 = µ(E). Em particular, E ∈ Sf . ´ claro que A ∈ Sf , c) Temos E = A ∪ N , onde A ∈ B(R) e m(N ) = 0. E porque B(R) ⊆ Sf , e vimos em a) que N ∈ Sf . Segue-se que E ∈ Sf . c ´ d) D∞ ´e L-mensur´ avel, porque m(D∞ ) = 0. Portanto D∞ e L-mensur´avel, c e segue-se de b) que D∞ ∈ Sf , donde D∞ ∈ Sf . f′ n˜ ao existe f′ = 0 f′ = ∞ 0 < f′ < ∞ D∞ D Figura 4.7.6: µ est´ a concentrada onde f ′ existe e n˜ ao ´e nula. ´ muito interessante reconhecer que o teorema anterior cont´em impl´ıcita E ˜ o de Lebesgue de µ em ordem `a medida de Lebesgue. a decomposic ¸a Definindo λ(E) = µ(E\D∞ ) e ν(E) = µ(E ∩ D∞ ), temos µ(E) = µ(E\D∞ ) + µ(E ∩ D∞ ) = λ(E) + ν(E), para E ∈ Sf . Basta-nos notar que • λ ≪ m: de acordo com 4.7.11 b), m(E) = 0 ⇒ λ(E) = 0, e • ν⊥m: ν est´ a concentrada em D∞ e m(D∞ ) = 0. 4.7. Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo em R 279 Esta observa¸c˜ ao torna-se especialmente relevante com o pr´ oximo teorema, ′ que revela que λ ´e o integral indefinido de f . Teorema 4.7.12. Se f ∈ C(R) ´e crescente ent˜ ao f ′ ´e localmente som´ avel e Z f ′ dm = µ(E ∩ D), onde E ∈ L(R) e D = {x ∈ R : 0 < f ′ (x) < ∞}. E Temos em particular Z E f ′ dm ≤ µ(E), para qualquer E ∈ Sf . Demonstra¸ca ˜o. Seja Dk = {x ∈ D : |x| ≤ k e f ′ (x) ≤ k} para k ∈ N. Existem fun¸c˜ oes simples mensur´ aveis sn ≥ 0 tais que sn (x) ր f ′ (x) para qualquer x ∈ Dk , e sabemos que Z Z f ′ dm, quando E ∈ L(R). sn dm → (1) E∩Dk E∩Dk Supomos como usualmente que temos, para 1 ≤ i ≤ k2n , sn (x) = i−1 i i−1 quando x ∈ An,i = {x ∈ E ∩ Dk : n < f ′ (x) ≤ n }. n 2 2 2 Notamos que E ∩ Dk = n k2 [ An,i e segue-se do teorema 4.7.7 que i=1 i−1 i i−1 1 m(An,i ) ≤ µ(An,i ) ≤ n m(An,i ) = n m(An,i ) + n m(An,i ). n 2 2 2 2 Somando as anteriores desigualdades em i, obtemos imediatamente Z Z 1 sn dm + n m(E ∩ Dk ). sn dm ≤ µ(E ∩ Dk ) ≤ 2 E∩Dk E∩Dk R Como m(Dk ) < ∞ temos E∩Dk sn dm → µ(E ∩ Dk ), e segue-se de (1) que µ(E ∩ Dk ) = Z f ′ dm. E∩Dk O teorema resulta agora de notar que E ∩ Dk ր E ∩ D. O pr´ oximo resultado est´ a assim verificado. Teorema 4.7.13 (da Decomposi¸c˜ ao de Lebesgue). Se f ∈ C(R) ´e crescente, ˜ a decomposic ¸ ao de Lebesgue da sua derivada generalizada µ ´e Z f ′ dm + µ(E ∩ D∞ ), para qualquer E ∈ Sf . µ(E) = E 280 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas ´ simples adaptar o resultado anterior `as fun¸c˜oes cont´ınuas de varia¸c˜ao E limitada, que s˜ ao como sabemos diferen¸cas de fun¸co ˜es crescentes cont´ınuas. Deixamos a demonstra¸ca˜o do seguinte resultado para o exerc´ıcio 7: Teorema 4.7.14. Se f ∈ C(R) ∩ BV (R) e µ ´e a respectiva derivada generalizada, f ´e diferenci´ avel qtp, f ′ ´e som´ avel, kf ′ k1 ≤ kµk e a decomposi¸ca ˜o de Lebesgue de µ ´e Z f ′ dm + µ(E ∩ D), para qualquer E ∈ Sf , µ(E) = E onde m(D) = 0 e Sf ´e o dom´ınio de defini¸ca ˜o de µ. O teorema da decomposi¸c˜ao de Lebesgue permite-nos identificar m´ ultiplas circunstˆancias de interesse pr´ atico onde podemos aplicar a regra de Barrow. Exemplos 4.7.15. 1. A fun¸ca˜o de Volterra f ´e diferenci´ avel em toda a parte e a sua derivada ´e limitada, pelo que f satisfaz uma condi¸ca˜o de Lipschitz. Portanto f ´e de varia¸ca˜o limitada e D∞ = ∅. Segue-se do teorema anterior que f satisfaz a regra de Barrow. 2. Se f ´e diferenci´ avel em toda a parte, n˜ ao se segue do teorema da decomposi¸ca˜o de Lebesgue que a regra de Barrow seja aplic´ avel, porque f pode n˜ ao ser de varia¸ca˜o limitada (como vimos no exerc´ıcio 13 da sec¸ca˜o 4.6). 3. Se f ´e de varia¸ca˜o limitada, n˜ ao ´e necess´ario que seja diferenci´ avel em toda a parte para que possamos usar a regra de Barrow. Por exemplo, se o conjunto D∞ ´e finito ou numer´ avel ent˜ ao µ(D∞ ) = 0, porque µ ´e uma medida cont´ınua, e portanto µ({xn }) = 0 para qualquer xn ∈ D∞ . Segue-se mais uma vez que µ ´e o integral indefinido de f ′ . Bem entendido, o resultado mais tradicional sobre a aplica¸c˜ao da regra ´lculo, que ´e tamb´em de Barrow ´e o 2o Teorema Fundamental do Ca um corol´ ario directo do teorema da decomposi¸c˜ao de Lebesgue. Come¸camos por apresentar uma sua vers˜ ao algo abstracta, que ´e essencialmente um caso particular do chamado Teorema de Radon-Nikodym, discutido no pr´ oximo Cap´ıtulo. Note-se que se reduz a uma consequˆencia trivial do teorema da Decomposi¸c˜ ao de Lebesgue. Teorema 4.7.16 (2o Teorema Fundamental). Seja µ a derivada generalizada de uma fun¸ca ˜o f : R → R. Se µ ≪ m, ou seja, se f ´e absolutamente cont´ınua, ent˜ ao µ ´e o integral indefinido de f ′ . Demonstra¸ca ˜o. Sabemos que Z f ′ (x)dx + µ(E ∩ T ) onde m(T ) = 0. µ(E) = E ´ claro que T ´e µ-nulo porque µ ≪ m, e temos Sf = Lf (R) (porquˆe?). E 4.7. Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo em R 281 Passamos a enunciar e demonstrar uma vers˜ ao mais “cl´assica”: Teorema 4.7.17 (Regra de Barrow). Se f : I → R ´e absolutamente cont´ınua no intervalo compacto I ent˜ ao f ´e diferenci´ avel qtp em I, f ′ ´e som´ avel em I, e Z b f ′ (x)dx, para quaisquer a ≤ b ∈ I. f (b) − f (a) = a Demonstra¸ca ˜o. Definimos f em toda a recta real tomando f (x) = f (a) para ´ claro que f ´e de varia¸c˜ao limitada e absox < a e f (x) = f (b), para x > b. E lutamente cont´ınua em R, e sabemos de 4.7.16 que µ ´e o integral indefinido de f ′ . Em particular, Z b f ′ dm. f (b) − f (a) = µ(]a, b]) = a O 1o Teorema Fundamental pode ser enunciado como o converso exacto desta afirma¸c˜ ao. Teorema 4.7.18 (1o Teorema Fundamental). Seja I um R xintervalo compacto e f : I → R som´ avel em I. Dado a ∈ I, seja F (x) = a f dm, para x ∈ I. Ent˜ ao F ´e absolutamente cont´ınua em I e F ′ (x) = f (x) qtp em I. ´ Demonstra¸ca ˜o. Tomamos f (x) = 0 quando x 6∈ I, para definir F em R. E evidente que F ´e ent˜ ao absolutamente cont´ınua e de varia¸c˜ao limitada em R, e consideramos a respectiva derivada generalizada µ. Notamos que: • µ ´e o integral indefinido de f , por raz˜ oes ´obvias, e • µ ´e o integral indefinido de F ′ , pelo 2o Teorema Fundamental. Segue-se naturalmente que F ′ ≃ f . Veremos adiante como resultados deste tipo se podem generalizar a contextos mais abstractos. Observe-se desde j´a que, quando µ ´e a derivada generalizada de uma fun¸c˜ ao real f e f ′ (x) existe, ent˜ao temos, por exemplo, f (x + h) − f (x − h) µ(Bh (x)) = lim . h→0 h→0 m(Bh (x)) 2h f ′ (x) = lim Esta observa¸c˜ ao sugere considerar raz˜ oes da forma µ(Eh )/λ(Eh ) quando µ e λ s˜ ao medidas num mesmo espa¸co mensur´avel e estudar o respectivo limite supondo que Eh ց {x} quando h → 0. Esse ´e efectivamente o caminho que conduz a vers˜ oes mais gerais do 1o Teorema Fundamental do C´ alculo e `a no¸c˜ ao de derivada de Radon-Nikodym, que encontraremos no pr´ oximo Cap´ıtulo. Os teoremas fundamentais adaptam-se e/ou generalizam-se facilmente a outros casos, e ilustramos este facto com alguns exemplos. 282 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Diferencia¸c˜ao (q.t.p.) Fun¸co˜es absolutamente cont´ınuas Fun¸co˜es localmente som´aveis Integra¸c˜ao (de Lebesgue) Figura 4.7.7: Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo segundo Lebesgue. Exemplos 4.7.19. 1. Se f ´e absolutamente cont´ınua em R, ent˜ ao f ′ pode ser apenas localmente som´avel em R. Mesmo neste caso, ´e claro que a regra de Barrow se aplica em qualquer intervalo compacto. 2. Se µ ´e uma medida absolutamente cont´ınua e localmente finita em R ent˜ ao µ ´e a derivada generalizada de uma fun¸ca˜o cont´ınua f e Z f ′ dm, para qualquer E ∈ L(R). µ(E) = E Em particular, as medidas absolutamente cont´ınuas e localmente finitas s˜ao os integrais indefinidos de fun¸co˜es localmente som´aveis. Referimos a seguir outras aplica¸c˜oes dos Teoremas Fundamentais: Exemplos 4.7.20. ´fico de f : As observa¸co˜es que fiz´emos no Cap´ıtulo 1. Comprimento do gra I (defini¸ca˜o 1.5.11 e teorema 1.5.12) s˜ao aplic´ aveis neste contexto mais geral, e deixamos como exerc´ıcio mostrar que se f tem derivada generalizada µ, e a sua varia¸ca˜o total tem parte singular νs , ent˜ ao o comprimento do gr´afico de f no intervalo I ´e dado por Z p 1 + f ′ (x)2 dx + νs (I). I Em particular, a f´ ormula do teorema 1.5.12 ´e v´alida se e s´ o se f ´e uma fun¸ca˜o absolutamente cont´ınua, i.e., se e s´o se f satisfaz a regra de Barrow. ˜ o de integrais param´ 2. diferenciac ¸a etricos: Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo podem ser combinados com o teorema de Fubini para derivar integrais param´etricos. A t´ıtulo de exemplo, suponha-se que o integral param´etrico em causa ´e da forma Z F (s) = f (s, t)dt, para s ∈ I = [s0 , s0 + ε]. E 4.7. Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo em R 283 Suponha-se ainda que as fun¸co˜es f2t satisfazem a regra de Barrow, ou seja, Z s ∂f (u, t)du f (s, t) = f (s0 , t) + s0 ∂s Se a fun¸ca˜o ∂f ∂s ´vel em E × I, temos ent˜ ´e soma ao F (s) = F (s0 ) + Z Z E s s0   Z s Z ∂f ∂f (u, t)du dt = (u, t)dt du. ∂s s0 E ∂s A diferencia¸ca˜o de F ´e portanto a diferencia¸ca˜o de um integral indefinido, e ´e imediata pelo 1o Teorema Fundamental do C´alculo. Aproveitamos para introduzir mais um exemplo interessante, uma fun¸c˜ao cont´ınua e crescente com derivada nula qtp, como a escada do Diabo, mas que ´e al´em disso estritamente crescente. Exemplo 4.7.21. ˜ o de Hellinger(27 ) : Fixamos 0 < α < 1, α 6= 12 , e definimos a func ¸a uma sucess˜ao de fun¸co˜es fn : [0, 1] → [0, 1], cada uma estritamente crescente e cont´ınua. Consideramos os pontos Pn = { 2kn : 0 ≤ k ≤ 2n }, e notamos que Pn ⊆ Pn+1 . O gr´ afico da fun¸ca˜o fn ´e um segmento de recta entre cada dois pontos consecutivos de Pn (ver figura 4.7.8). Passamos a definir os valores fn ( 2kn ), para 0 ≤ k ≤ 2n : • f0 (0) = 0, e f0 (1) = 1, ou seja, f0 (x) = x, para qualquer 0 ≤ x ≤ 1, • fn+1 ( 2kn ) = fn ( 2kn ), ou seja, se x ∈ Pn , ent˜ ao fn+1 (x) = fn (x), e k k+1 • fn+1 ( 2k+1 e o ponto m´edio 2n+1 ) = αfn ( 2n ) + (1 − α)fn ( 2n ), ou seja, se x ´ k k+1 de [ 2n , 2n ], fn+1 (x) ´e uma combina¸ca ˜o convexa dos valores de fn , nos extremos desse mesmo intervalo. ˜o de Hellinger hα A figura 4.7.8 exibe as fun¸co˜es f1 , f2 , f3 e f10 . A func ¸a ´ ´e definida por hα (x) = limn→∞ fn (x). E evidente que hα ( 2kn ) = fn ( 2kn ), ou seja, os v´ertices do gr´ afico de fn s˜ao pontos do gr´afico de hα . ´ E muito simples provar as seguintes afirma¸co˜es (exerc´ıcio 5): (1) Cada fun¸ca˜o fn ´e estritamente crescente, e (2) Se n ≤ m e k−1 2n g(x): Evidente. (2) Se c = inf{y ∈ [x, b] : g(y) = M }, ent˜ao g(c) = M : De 4.7.23.2. ao existe y ∈]c, b] com g(y) > M : Evidente. (3) c 6∈ Ds0+ (g, I), porque n˜ (4) [x, c[⊂ Ds0+ (g, I): De acordo com (2), temos g(t) < g(c) para qualquer x < t < c. A afirma¸c˜ ao ´e assim imediata quando c ∈ I. Se c 6∈ I ent˜ao ´e claro que c = b, e temos para qualquer x < t < b que g(t) < g(b− ), donde se segue facilmente que existe t < t′ < b tal que g(t) < g(t′ ), ou seja, t ∈ Ds0+ (g, I). ao ambos (5) c = bn e g(a+ n ) ≤ g(bn ): os intervalos [x, c[ e [x, bn [ est˜ 0 0 contidos em Ds+ (g, I), e ´e claro que c, bn 6∈ Ds+ (g, I). Temos portanto que c = bn . Como g(x) < g(bn ), temos ainda que g(a+ n ) ≤ g(bn ). Esta desigualdade ´e verdadeira mesmo quando bn = b e para a fun¸c˜ao g original, porque para essa fun¸c˜ao temos g(b− ) ≤ g(b). No que se segue, quando f ∈ BV (R) designamos por fb a fun¸c˜ao dada por fb(x) = max{f (x), f (x+ ), f (x− )}. Passamos tamb´em a designar por C(f, I) o conjunto de pontos de continuidade da fun¸c˜ao f no intervalo I. O seguinte lema ´e inteiramente elementar: Lema 4.7.26. Se f ∈ BV (R) ent˜ ao a) fb(x+ ) = f (x+ ) e fb(x− ) = f (x− ) para qualquer x ∈ R. b) C(f, I) ⊆ C(fb, I) para qualquer intervalo I ⊆ R. c) fb ´e de varia¸ca ˜o limitada e semi-cont´ınua superior em R. Demonstra¸ca ˜o. Deixamos a verifica¸c˜ao de a) como exerc´ıcio. Para provar b), usamos a) para concluir que f (x) = f (x+ ) = f (x− ) =⇒ fb(x) = fb(x+ ) = fb(x− ). A semicontinuidade superior de fb resulta de a) e da observa¸c˜ao 4.7.23.3. 288 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Como f ∈ BV (R), existem fun¸c˜oes crescentes limitadas g e h tais que f = g−h. Deixamos como exerc´ıcio verificar que g e h podem ser redefinidas nos pontos de descontinuidade de f para obter fun¸c˜oes crescentes limitadas ˜ tais que fb = g˜ − h, ˜ donde conclu´ımos que fb ∈ BV (R). g˜ e h Podemos agora estabelecer uma vers˜ ao do Lema de Riesz para fun¸c˜oes de varia¸c˜ ao limitada, onde escrevemos para simplificar S˜ = S ∩ C(f, I): Lema 4.7.27 (de Riesz (III)). Se g ∈ BV (R) e I = ]a, b[ ´e limitado, existe um conjunto (numer´ avel) N ⊆ I\C(g, I) tal que ˜ 0+ (g, I) ∪ N = D 0+ (b D s s g , I) = ∞ [ ]an , bn [. n=1 + Os intervalos ]an , bn [ s˜ ao disjuntos e b g(bn ) ≥ gb(a+ n ) = g(an ). Demonstra¸ca ˜o. Se x ∈ Ds0+ (g, I) ∩ C(f, I) ent˜ao existe y ∈ I tal que y > x e g(y) > g(x) donde gb(y) ≥ g(y) > g(x) = b g(x). ˜ 0+ (g, I) = C(g, I) ∩ D 0+ (g, I) ⊆ D 0+ (b Conclu´ımos assim que D s g , I). s s g , I), i.e., existe y ∈ I tal que Suponha-se agora que x ∈ Ds0+ (b y>xeb g(y) > gb(x) ≥ g(x). Temos portanto g(y) > g(x) ou g(y + ) > g(x) ou g(y − ) > g(x) e, em qualquer um destes casos, ´e claro que x ∈ Ds0+ (g, I). Como  g , I) ⊆ Ds0+ (g, I), g , I) = N ∪ C(g, I) ∩ Ds0+ (g, I) e Ds0+ (b Ds0+ (b o conjunto N ´e numer´avel, porque s´ o cont´em pontos de descontinuidade de g. As restantes observa¸c˜oes resultam de aplicar 4.7.25 `a fun¸c˜ao b g. Passamos a adaptar o Lema de Riesz na vers˜ ao 4.7.2 a fun¸c˜oes de varia¸c˜ao limitada como se segue: Lema 4.7.28 (de Riesz (IV)). Se f ∈ BV (R) e I = ]a, b[ ´e limitado ent˜ ao existem conjuntos (numer´ aveis) N, N ′ ⊆ I\C(f, I) tais que ˜ α+ (f, I)∪N = D α+ (fb, I) = a) D s s ˜ α− (f, I)∪N ′ = D α− (fb, I) = b) D i i ∞ [ b + ) ≥ α (bn − an ) , ]an , bn [ e fb(bn )−f(a n n=1 ∞ [ b ]cn , dn [ e fb(d− n )−f (cn ) ≤ α (dn − cn ) . n=1 Os intervalos ]an , bn [ e ]cn , dn [ formam fam´ılias disjuntas. 4.7. Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo em R 289 Ds0+ (g, I) g , I) Ds0+ (b ˜ 0+ (g, I) D s C(g, I) g, I) e C(g, I). Figura 4.7.10: Os conjuntos Ds0+ (g, I), Ds0+ (b ´ claro que Demonstra¸ca ˜o. Para estabelecer a), definimos g(x) = f (x)−αx. E 0 α g(x) = fb(x) − αx, C(f, I) = C(g, I), Ds+ (f, I) = Ds+ (g, I) e Dsα+ (fb, I) = b g , I). Temos de 4.7.27 que Ds0+ (b ˜ 0+ (g, I) ∪ N = D 0+ (b D s g , I) = s ˜ α+ (f, I) ∪ N = D α+ (fb, I) = D s s ∞ [ ]an , bn [, com gb(bn ) ≥ b g(a+ n ) e portanto n=1 ∞ [ ]an , bn [, com fb(bn ) − fb(a+ n ) ≥ α(bn − an ). n=1 Para provar b), utilizamos h(x) = f (−x) + αx. Temos neste caso b h(x) = fb(−x) + αx, C(f, I) = −C(h, −I), Diα− (f, I) = −Ds0+ (h, −I) e Diα− (fb, I) = g , −I). De acordo com 4.7.27, −Ds0+ (b ˜ 0+ (h, −I)∪ (−N ′ ) = D 0+ (b D s s g , −I) = Como b h(−x+ ) = fb(x− ) − αx, ˜ α− (f, I) ∪ N ′ = D α− (fb, I) = D i i ∞ [ ∞ [ ]− dn , −cn [, com b h(−cn ) ≥ b h(−d+ n ). n=1 ]cn , dn [, com fb(cn ) − αcn ≥ fb(d− n ) − αdn n=1 Quando f ´e crescente e limitada, fb ´e crescente e cont´ınua a ` direita, e tem derivada generalizada µ. A proposi¸c˜ao 4.7.3 sofre apenas altera¸c˜oes subtis: Proposi¸ c˜ ao 4.7.29. Se f : R → R ´e crescente, I ⊆ R ´e um intervalo aberto limitado, µ ´e a derivada generalizada de fb e α ≥ 0 ent˜ ao 290 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas ˜ α+ (f, I)) ≤ µ(I). a) α m(D s ˜ α− (f, I)) ≤ α m (I). b) µ(D i Demonstra¸ca ˜o. Podemos supor que f (x) = f (b− ) para x ≥ b e f (x) = f (a+ ) para x ≤ a. Os seguintes c´alculos s˜ ao imediatos do lema 4.7.28: ˜ α+ (f, I)) = αm(D α+ (fb, I)) = α αm(D s s ≤ ∞ h X n=1 fb(bn ) − i fb(a+ n) =µ ∞ [ ∞ X (bn − an ) ≤ n=1 ! ]an , bn ] n=1 ≤ µ(I). Temos analogamente (onde observamos que µ(]c, d[) = fb(d− ) − fb(c)), ˜ α− (f, I)) ≤ µ(D α− (fb, I)) = µ(D i i ≤ ∞ X n=1 ∞ h X n=1 i b(cn ) ≤ fb(d− ) − f n α(dn − cn ) = αm(Diα− (fb, I))) ≤ αm(I). O lema 4.7.6 pode tomar a seguinte forma, de demonstra¸c˜ao imediata: Lema 4.7.30. Se f ∈ BV (R), I ´e um intervalo aberto e x ∈ C(f, I) ent˜ ao fs′ + (x) > α =⇒ x ∈ Dsα+ (fb, I) e fi′− (x) < α =⇒ x ∈ Diα− (fb, I). O teorema 4.7.7 pode ser facilmente adaptado a quaisquer fun¸c˜oes crescentes. Teorema 4.7.31. Se f : R → R ´e crescente, µ ´e a derivada generalizada de fb, α ≥ 0 e E ⊆ C(f, R) ent˜ ao a) fs′ + (x) ≥ α para qualquer x ∈ E =⇒ α m∗ (E) ≤ µ∗ (E). b) fi′− (x) ≤ α para qualquer x ∈ E =⇒ α m∗ (E) ≥ µ∗ (E). Demonstra¸ca ˜o. O argumento ´e uma adapta¸c˜ao evidente do utilizado para 4.7.7, invocando naturalmente 4.7.29 e 4.7.30 em lugar de 4.7.3 e 4.7.6. A seguinte adapta¸c˜ ao do corol´ ario 4.7.8 ´e tamb´em simples. Corol´ ario 4.7.32. Se f : R → R ´e crescente e µ ´e a derivada generalizada de fb ent˜ ao ao m(S) = 0. a) Se S = {x ∈ R : fs′ + (x) = ∞} ent˜ ˜ = 0. ao m(E) = µ(E) b) Se E = {x ∈ R : fs′ + (x) ≥ α > β ≥ fi′− (x)} ent˜ 291 4.7. Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo em R ˜ = 0. ao m(A) = µ(A) c) Se A = {x ∈ R : fs′ + (x) > fi′− (x)} ent˜ ˜ = 0. ao m(B) = µ(B) d) Se B = {x ∈ R : fs′ − (x) > fi′+ (x)} ent˜ Demonstra¸ca ˜o. a): Tomando S˜ = S ∩ C(f, R), o argumento original de 4.7.8 ˜ = 0. Como o conjunto R\C(f, I) ´e numer´avel, ´e claro que mostra que m(S) m(S) = 0. b) e c): O argumento original ´e aplic´ avel substituindo R por C(f, I). d): Tomamos mais uma vez h(x) = −f (−x), mas neste caso λ ´e a derivada generalizada de b h. O argumento original continua aplic´ avel, porque ´e ainda verdade que µ∗ (E) = λ∗ (−E). Os teoremas de diferencia¸c˜ ao e de decomposi¸c˜ao de Lebesgue podem ser reformulados para eliminar as hip´ oteses de continuidade com que foram inicialmente obtidos. A t´ıtulo de exemplo, temos Teorema 4.7.33 (de Decomposi¸ca˜o de Lebesgue (II)). Seja f : R → R uma fun¸ca ˜o crescente e µ a derivada generalizada de fb. Seja ainda T = {x ∈ C(f, R) : f ′ (x) = +∞} e D = {x ∈ R : f (x+ ) 6= f (x− )}. Existem ent˜ ao uma medida cont´ınua singular λ e uma medida discreta σ tais que Z f ′ (x)dx + λ(E) + σ(E), µ(E) = E onde λ(E) = µ(E ∩ T ) e σ(E) = µ(E ∩ D). Em particular, existem fun¸co ˜es crescentes g, s e d tais que f = g + s + d, g ´e absolutamente cont´ınua, s ´e cont´ınua e singular e d ´e discreta.(29 ) Deve ser claro que f = (g + s) + d ´e a decomposi¸c˜ao em parte cont´ınua e parte discreta mencionada em 4.5.11, e se ρ ´e o integral indefinido de f ′ ´ interessante ent˜ao µ = ρ + (λ + σ) ´e a decomposi¸c˜ao de Lebesgue de µ. E verificar que as fun¸c˜ oes em causa s˜ ao todas diferenci´ aveis qtp e s′ ≃ d′ ≃ 0. Exerc´ıcios. 1. Prove que (i) ⇔ (ii) ⇒ (iii), onde as afirma¸co˜es (i), (ii) e (iii) s˜ao as seguintes: (i) Existe α′ > α e uma sucess˜ao xn ց x tal que (x) (ii) lim suphց0 f (x+h)−f > α. h (iii) x ∈ Dsα+ (I), sempre que x ∈ I. f (xn )−f (x) xn −x → α′ > α. 2. Mantendo as hip´ oteses e nota¸ca˜o do lema 4.7.2, mostre que se an < x < bn , ent˜ ao f (x) < f (bn ), e se an > a, ent˜ ao f (an ) = f (bn ). Como se pode adaptar o lema 4.7.2 para o caso em que I n˜ ao ´e limitado? 3. Demonstre o corol´ ario 4.7.2. 29 As fun¸c˜ oes f ∈ BV (R) para as quais s = 0 formam o espa¸co SBV (R), de Simple Bounded Variation, na terminologia introduzida por E. De Giorgi e L.Ambrosio em 1988. 292 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas 4. Supondo h(x) = −f (−x), mostre que fi′+ (x) = h′i− (−x), e fs′ − (x) = h′s+ (−x). 5. Demonstre as afirma¸co˜es (2) e (3), relativas ao exemplo de Hellinger. 6. Existem fun¸co˜es cont´ınuas que n˜ ao s˜ao mon´ otonas em nenhum intervalo n˜ aotrivial? 7. Demonstre o teorema 4.7.14. 8. Como descreve as medidas absolutamente cont´ınuas e σ-finitas em R? 9. Mostre que se f ∈ BV (R) ∩ C(R) e {x ∈ R : |f ′ (x)| = ∞} ´e numer´avel ent˜ ao f satisfaz a regra de Barrow. 10. Mostre que ηα ⊥ηβ quando α 6= β. 11. Seja f : R → R a fun¸ca˜o dada por f (x) = 1 + x, para x ≥ 0, com f (x) = 0 para x ≤ 0. Determine a decomposi¸ca˜o de Lebesgue da derivada generalizada de f . 12. Seja F a escada do Diabo, e   0, se x < 0, cos(πx) + F (x), se 0 ≤ x < 1, f (x) =  0, se x ≥ 1. Qual ´e a decomposi¸ca˜o de Lebesgue da derivada generalizada de f ? 13. A “escada do diabo” foi definida usando o conjunto de Cantor. Substituindo nesta defini¸ca˜o o conjunto de Cantor pelo exemplo de Volterra Cε (I), com ε > 0, seja Fε a correspondente “escada”, e ξε a respectiva derivada generalizada. Qual ´e a decomposi¸ca˜o de Lebesgue de ξε ? 14. Suponha que as fun¸co˜es fn : R → R s˜ao P crescentes, e a s´erie f (x) = P∞ ∞ ′ ′ ˜ f (x) converge em R. Prove que f ≃ n n=1 n=1 fn . sugestao: Use a unicidade da decomposi¸ca˜o de Lebesgue. Este resultado diz-se o Teorema de ˜o de Fubini ou, mais coloquialmente, o “pequeno” teorema de diferenciac ¸a Fubini. 15. Mostre que qualquer fun¸ca˜o discreta de varia¸ca˜o limitada ´e singular. 16. Suponha que f : [0, 1] → [0, 1] ´e uma fun¸ca˜o cont´ınua, estritamente crescente, e singular. Mostre que a medida de Lebesgue-Stieltjes determinada pela inversa f −1 : [0, 1] → [0, 1] ´e singular. 17. Mostre que f : R → R ´e semi-cont´ınua superior em A ⊆ R se e s´o se f (a) = lim supx→a f (x), para qualquer a ∈ A. 4.7. Os Teoremas Fundamentais do C´ alculo em R 293 18. Suponha que a medida real µ ´e a derivada generalizada de f , e sejam g e h fun¸co˜es distribui¸ca˜o de µ+ e µ− . Sendo F = g + h, prove que F ′ ≃ |f ′ | e g ′ h′ ≃ 0. 19. Mostre que se f e g s˜ao L-mensur´ aveis ent˜ ao h = f ◦g n˜ ao ´e necessariamente ˜o: Determine uma fun¸ca˜o g cont´ınua e estritamente mensur´avel. sugesta crescente tal que g(A) = B, onde A n˜ ao ´e mensur´avel, e m(B) = 0. 20. Complete a demonstra¸ca˜o do lema 4.7.26, estabelecendo as identidades fb(x+ ) = f (x+ ) e fb(x− ) = f (x− ). Mostre ainda que fb ∈ BV (R). 21. Complete a demonstra¸ca˜o do lema 4.7.32, verificando que µ∗ (E) = λ∗ (−E). 22. Suponha que f ∈ BV (R) ∩ C(R), seja µ a respectiva derivada generalizada e λ(I) o comprimento do gr´ afico de f no intervalo I. Prove que max{m(I), |µ|(I)} ≤ λ(I) ≤ m(I) + |µ|(I). Aproveite para generalizar o resultado que prov´amos sobre o comprimento do gr´afico da escada do diabo, ou seja, mostre que se f ´e singular ent˜ ao λ(I) = m(I) + |µ|(I). 23. Suponha que a medida real µ ´e a derivada generalizada de f , e mostre que existe uma medida positiva λ tal que λ(I) ´e o comprimento do gr´afico de f no intervalo I. Calcule a decomposi¸ca˜o de Lebesgue de λ, tal como indicada no exemplo 4.7.20.1, e verifique em particular que a cl´assica f´ormula Z p 1 + f ′2 dx λ(I) = I ´e v´alida se e s´o se f ´e absolutamente cont´ınua. 294 Cap´ıtulo 4. Outras Medidas Cap´ıtulo 5 Outros Integrais de Lebesgue Passamos neste Cap´ıtulo ao estudo de integrais de Lebesgue de fun¸c˜oes definidas num espa¸co de medida arbitr´ ario (X, M, µ), de que a aplica¸c˜ao mais evidente ´e a Teoria das Probabilidades. Na realidade, quando (X, M, µ) ´e um espa¸co de probabilidades, as fun¸c˜oes mensur´aveis dizem-se, normalmente, vari´ aveis aleat´ orias, e o integral de uma vari´ avel aleat´oria em ordem `a medida de probabilidade µ ´e o seu valor m´edio, ou expect´ avel. A regi˜ ao de ordenadas de uma fun¸c˜ao definida num conjunto “arbitr´ario” X ´e um subconjunto de X × R. Para atribuir um integral a uma fun¸c˜ao deste tipo, ´e necess´ario atribuir uma medida apropriada a subconjuntos de X × R. Veremos que a teoria desenvolvida nos Cap´ıtulo anteriores permite a defini¸c˜ ao de um espa¸co de medida com suporte em X × R, obtido, por um procedimento muito natural, a partir dos espa¸cos (X, M, µ) e (R, L(R), m). Mostraremos em seguida que as propriedades mais significativas dos integrais de Lebesgue “em ordem ` a medida de Lebesgue” s˜ ao v´alidas, essencialmente sem modifica¸c˜ ao, neste contexto muito geral, reduzindo a teoria desenvolvida no Cap´ıtulo anterior a um caso particular. Demonstramos uma vers˜ ao abstracta do teorema de Fubini-Lebesgue, aplic´ avel a fun¸c˜oes definidas em X × Y , onde (X, M, µ) e (Y, N , λ) s˜ ao espa¸cos de medida quaisquer, e estudamos o cl´ assico Teorema de Radon-Nikodym-Lebesgue, que generaliza o 2o Teorema Fundamental do C´ alculo e o Teorema da Decomposi¸c˜ ao de Lebesgue. Terminamos o cap´ıtulo com o que ´e, sobretudo, uma ligeira introdu¸c˜ao ao vast´ıssimo dom´ınio da An´alise Funcional. Introduzimos aqui diversos exemplos de espa¸cos de (classes de) fun¸co ˜es mensur´aveis, fundamentais em m´ ultiplas aplica¸c˜ oes da An´alise Real a outros ramos da Matem´atica, e a outras ´ areas cient´ıficas, e discutimos quest˜oes t´ecnicas sofisticadas, suscitadas pelo estudo destes espa¸cos. Consideramos, em particular, a generaliza¸c˜ao de no¸co ˜es topol´ ogicas que conhecemos de RN , incluindo a defini¸c˜ao de crit´erios de convergˆencia de sucess˜oes nestes espa¸cos, e o estudo dos respectivos espa¸cos duais, que s˜ ao constitu´ıdos pelas suas transforma¸c˜oes 295 296 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue lineares cont´ınuas. Estes espa¸cos duais s˜ ao indispens´ aveis `a adapta¸c˜ao das N ideias e m´etodos do C´ alculo Diferencial em R para o contexto de espa¸cos ´ dif´ıcil subestimar a importˆ de fun¸c˜ oes, que ´e o C´ alculo de Varia¸c˜oes. E ancia desta ´ area, tendo em conta que as mais importantes teorias da F´ısica moderna se baseiam em princ´ıpios variacionais. Os resultados aqui apresentados s˜ ao, sem qualquer d´ uvida, dos mais significativos e relevantes da An´alise Real, e s˜ ao uma magn´ıfica ilustra¸c˜ao da superioridade t´ecnica da teoria da integra¸c˜ ao de Lebesgue. 5.1 A Medida µ ⊗ m R Ω+ f X ×R D∞ Figura 5.1.1: Ω− R E X f dµ =? Dado um qualquer espa¸co de medida (X, M, µ), propomo-nos agora identificar as fun¸c˜ oes f : X → R, ditas “M−mensur´aveis”, e definir integrais de Lebesgue “em ordem `a medida µ”, para uma subclasse apropriada das fun¸c˜ oes M-mensur´ aveis. O principal obst´ aculo t´ecnico a vencer ´e, naturalmente, a indispens´ avel generaliza¸c˜ao da identidade Z − f dmN = mN +1 (Ω+ E (f )) − mN +1 (ΩE (f )). E − ao dados por No caso de f : X → R, os conjuntos Ω+ E (f ) e ΩE (f ) s˜ Ω+ E (f ) = {(x, y) ∈ X × R : x ∈ E, e 0 < y < f (x)}, e Ω− E (f ) = {(x, y) ∈ X × R : x ∈ E, e 0 > y > f (x)}. − ao evidentemente subconjuntos de X × R Os conjuntos Ω+ E (f ) e ΩE (f R ) s˜ e, por isso, a defini¸c˜ ao de E f dµ exige uma resposta pr´evia `as seguintes quest˜ oes: 5.1.1. Dado o espa¸co de medida (X, M, µ), (1) Que subconjuntos de X × R s˜ ao “mensur´aveis” em algum sentido razo´ avel do termo? 5.1. A Medida µ ⊗ m 297 (2) Qual a “medida” desses subconjuntos “mensur´aveis” de X × R? Exemplos 5.1.2. 1. Na teoria das probabilidades, e dado um espa¸co de probabilidades (X, M, µ), ´veis aleato ´ rias. Tipicamente, teas fun¸co˜es M-mensur´ aveis dizem-se varia mos X = RN , M = B(RN ), e as vari´aveis aleat´ orias s˜ao, como veremos imedia´veis. O integral de f em ordem tamente a seguir, as fun¸co˜es borel-mensura ´vel, de f . a µ ´e o chamado valor m´ edio, ou expecta 2. Quando X = N, as fun¸co˜es f : X → R s˜ao simplesmente as sucess˜oes reais. Consideramos a σ-´algebra M = P(N), com a medida de contagem (cardinal) ˜ es µ = #. Veremos que as fun¸co˜es M-mensur´ aveis s˜ao aqui todas as sucesso reais. Veremos tamb´ e m que o integral de f : N → R “em ordem a #” ´e P∞ f (n), sempre que esta s´ e rie ´ e absolutamente convergente. n=1 3. Os “integrais de Stieltjes” s˜ao, como veremos, integrais em ordem a medidas de Lebesgue-Stieltjes. Por exemplo, se f ≥ 0 ´e Borel-mensur´ avel em R, e ξ ´e a medida de Cantor, o integral Z f dξ R ´e um integral de Stieltjes. A medida de Cantor ´e de probabilidade, e neste sentido o integral acima ´e o valor expect´ avel de f . Para entender a referˆencia ao nome de Stieltjes neste contexto, recorde-se que Rb os integrais de Riemann a g(x)dx s˜ao limites de somas “de Riemann”, do tipo n X k=1 g(x∗k )(xk − xk−1 ). Stieltjes substituiu os factores ∆xk = (xk −xk−1 ) por F (xk )−F (xk−1 ), onde F ´e uma fun¸ca˜o arbitr´aria, e considerou o limite correspondente, quando existe, como o integral que hoje dizemos de “Riemann-Stieltjes”: Z b g(x)dF = a lim diam(P)→0 n X k=1 g(x∗k )(F (xk ) − F (xk−1 )). A defini¸ca˜o de Stieltjes generaliza a de Riemann, porque esta u ´ ltima corresponde `a escolha F (x) = x. Na terminologia actual, Stieltjes substituiu a medida de Lebesgue m(Ik ) do intervalo Ik =]xk−1 , xk ] pela medida µ(Ik ), onde µ ´e a derivada generalizada de F . Foi assim o primeiro matem´atico a estudar integrais que hoje reconhecemos como sendo em ordem a uma medida µ 6= m. A resposta ` as quest˜ oes colocadas em 5.1.1 ´e surpreendentemente simples, e resulta de adaptar a afirma¸c˜ ao feita em 2.2.21 a), ou seja, A ∈ L(RN ) e B ∈ L(RM ) =⇒ A × B ∈ L(RN +M ), e mN +M (A × B) = mN (A)mM (B). 298 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue Abstra´ımos daqui o princ´ıpio de que o produto cartesiano de conjuntos mensur´ aveis deve ser mensur´ avel, e a sua medida deve ser o produto das medidas dos conjuntos em causa. Mais precisamente, se A ⊆ X ´e M-mensur´avel e se B ⊆ R ´e, pelo menos, Borel-mensur´avel, ent˜ao 5.1.3. A × B deve ser “mensur´avel” em X × R, com “medida” dada por ρ(A × B) = µ(A)m(B). A medida ρ, a existir, est´ a definida pelo menos na σ-´algebra gerada em X × R pelos conjuntos da forma A × B, onde A ∈ M e B ∈ B(R). ´ conveniente introduzir esta σ-´algebra num contexto um pouco mais E geral, que nos ser´ au ´til mais adiante, quando definirmos o produto de quaisquer dois espa¸cos de medida (X, M, µ) e (Y, N , ν). Defini¸ c˜ ao 5.1.4 (Produto de σ-´algebras). Se (X, M) e (Y, N ) s˜ ao espa¸cos mensur´ aveis, designamos por M ⊗ N a σ-´algebra gerada em X × Y pelos conjuntos da forma A × B, onde A ∈ M e B ∈ N . Exemplo 5.1.5. Para calcular o produto de σ-´algebras de Borel, recordamos que A ∈ B(RN ) e B ∈ B(RM ) =⇒ A × B ∈ B(RN +M ). A σ-´algebra B(RN +M ) ´e assim uma das σ-´algebras que contˆem os conjuntos da forma A × B, com A ∈ B(RN ) e B ∈ B(RM ), e portanto B(RN ) ⊗ B(RM ) ⊆ B(RN +M ). Por outro lado, se U ⊆ RN e V ⊆ RM s˜ao abertos, ´e evidente que U × ´ f´acil concluir daqui que a σ-´algebra V ∈ B(RN ) ⊗ B(RM ), por defini¸ca˜o. E B(RN ) ⊗ B(RM ) cont´em todos os abertos de RN +M . Como B(RN +M ) ´e, por defini¸ca˜o, a menor σ-´algebra que cont´em todos os abertos de RN +M , temos B(RN +M ) ⊆ B(RN ) ⊗ B(RM ), donde B(RN ) ⊗ B(RM ) = B(RN +M ). Dado um espa¸co de medida (X, M, µ), podemos utilizar a σ-´algebra ´ um M ⊗ B(R) para identificar os conjuntos “mensur´aveis” em X × R. E problema um pouco mais dif´ıcil mostrar que existe, al´em disso, uma medida ρ, definida em M ⊗ B(R), e satisfazendo a identidade em 5.1.3, i.e., tal que ρ(A × B) = µ(A)m(B), quando A ∈ M, e B ∈ B(R). Exemplo 5.1.6. Seja (X, M, µ) = (RN , L(RN ), mN ) o espa¸co de Lebesgue. Neste caso, temos, certamente, M ⊗ B(R) = L(RN ) ⊗ B(R) ⊆ L(RN ) ⊗ L(R) ⊆ L(RN +1 ). Podemos, por raz˜ oes evidentes, tomar para ρ a restri¸ca ˜o da medida de Lebesgue mN +1 ` a σ-´algebra L(RN ) ⊗ B(R). 5.1. A Medida µ ⊗ m 299 Demonstraremos, nesta sec¸c˜ ao, o seguinte resultado: Teorema 5.1.7 (Espa¸co com suporte em X ×R). Se (X, M, µ) ´e um espa¸co de medida, ent˜ ao existe uma medida µ ⊗ m definida em M ⊗ B(R), tal que (µ ⊗ m)(A × B) = µ(A)m(B), ∀A∈M ∀B∈B(R) . Antes de demonstrar este teorema, mostramos como este resultado nos permite definir integrais de Lebesgue “em ordem `a medida µ”, para fun¸c˜oes f : X → R, ditas, neste caso, “M-mensur´aveis”. Defini¸ c˜ ao 5.1.8 (Integrais em ordem `a medida µ). Seja E ⊆ S ⊆ X, e f : S → R. ´vel em E se e s´ a) f ´e M-mensura o se ΩE (f ) ∈ M ⊗ B(R). b) Se f ´e M-mensur´ avel em E, e pelo menos um dos conjuntos Ω+ E (f ) (f ) tem medida (µ ⊗ m) finita, o integral de Lebesgue de f e Ω− E (em ordem a µ) em E ´e dado por Z − f dµ = (µ ⊗ m)(Ω+ E (f )) − (µ ⊗ m)(ΩE (f )). E ´vel em E se e s´ c) Se f ´e M-mensur´ avel em E, ent˜ao f ´e µ-soma o se (µ ⊗ m) (ΩE (f )) < ∞. Exemplos 5.1.9. 1. o espac ¸ o de borel: Se (X, M, µ) = (RN , B(RN ), mN ) ´e o espa¸co de Borel, j´a vimos que M ⊗ B(R) = B(RN +1 ). Por esta raz˜ ao, as fun¸co˜es B(RN )-mensur´aveis, de acordo com a defini¸ca˜o acima, s˜ao as fun¸co˜es Borel-mensur´ aveis, que introduzimos em 3.1.1. A medida mN ⊗ m coincide com a medida mN +1 , pelo menos na classe dos conjuntos elementares, e sabemos do Cap´ıtulo 2 que neste caso mN ⊗ m = mN +1 , em toda a σ-´algebra B(RN +1 ). Conclu´ımos que a defini¸ca˜o acima inclui, como caso particular, a defini¸ca˜o ´veis. 3.1.1, quando esta u ´ ltima ´e aplicada a fun¸co˜es borel-mensura ˜ es reais: Trata-se, como vimos no exemplo 5.1.2.2, 2. o espac ¸ o das sucesso ´ simples verificar do espa¸co (N, P(N), #), onde # ´e a medida de contagem. E que qualquer sucess˜ao f : N → R ´e M-mensur´ avel. Suponha-se, para isso, que f (n) = an , An = {n}, e os intervalos In s˜ao dados por:   ]0, an [, se an > 0, ∅, se an = 0, In =  ]an , 0[, se an < 0. A regi˜ ao de ordenadas de f ´e ΩN (f ) = S∞ n=1 An × In , e notamos que: 300 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue • Os conjuntos An × In s˜ao P(N) ⊗ B(R)-mensur´aveis, porque An ∈ P(N), In ´e um intervalo, e P(N)⊗B(R) cont´em, por defini¸ca˜o, todos os conjuntos deste tipo, e • ΩN (f ) ´e uma uni˜ ao numer´avel de conjuntos P(N) ⊗ B(R)-mensur´aveis, e portanto ´e P(N) ⊗ B(R)-mensur´avel. Se f ´e n˜ ao-negativa, podemos calcular imediatamente o seu integral. Como (# ⊗ m) ´e uma medida, Z N f d# =(# ⊗ m)(ΩN (s)) = (# ⊗ m)( = ∞ X (# ⊗ m)(An × In ) == n=1 ∞ [ n=1 ∞ X n=1 An × In ) = #(An ) × m(]0, an [) = ∞ X an . n=1 Por outras palavras, a soma de uma s´erie de termos n˜ ao-negativos ´e tamb´em um integral de Lebesgue (em ordem `a medida de contagem). Se f muda de sinal, temos ent˜ ao Z ∞ X |f |d# = |an |, X n=1 e as fun¸co˜es #-som´ aveis correspondem `as s´eries absolutamente convergentes. ´ simples mostrar que, para as fun¸co˜es #-som´ E aveis, temos igualmente Z X f d# = ∞ X an . n=1 A quest˜ ao da mensurabilidade das sec¸co ˜es de conjuntos mensur´aveis ´e de importˆ ancia fundamental, conforme vimos no Cap´ıtulo anterior, quando estud´amos o teorema de Fubini-Lebesgue e as suas m´ ultiplas consequˆencias. No que se segue, se E ⊆ X × Y , x ∈ X, e y ∈ Y , consideramos apenas ˜ es dos tipos Ex = {y ∈ Y : (x, y) ∈ E}, e E y = {x ∈ X : (x, y) ∈ E}. secc ¸o Demonstraremos mais adiante uma vers˜ ao (5.7.6) muito geral do teorema de Fubini-Lebesgue, mas podemos provar imediatamente o seguinte resultado. Teorema 5.1.10. Sejam (X, M) e (Y, N ) espa¸cos mensur´ aveis quaisquer. Se E ∈ M ⊗ N , i.e., se E ´e M ⊗ N -mensur´ avel, ent˜ ao a) Para qualquer x ∈ X, a sec¸ca ˜o Ex ⊆ Y ´e N -mensur´ avel, e b) Para qualquer y ∈ Y , a sec¸ca ˜o E y ⊆ X ´e M-mensur´ avel. avel, e λ ≥ 0, ent˜ ao os conjuntos c) Se E ⊆ X, f : E → R ´e M-mensur´ F (λ) = {x ∈ E : f (x) > λ}, e G(λ) = {x ∈ E : f (x) < −λ} s˜ ao M-mensur´ aveis para qualquer λ. 5.1. A Medida µ ⊗ m 301 Demonstra¸ca ˜o. Seja A a classe formada por todos os conjuntos E ⊆ X × Y , cujas sec¸c˜ oes Ex e E y s˜ ao mensur´ aveis, nos espa¸cos apropriados. A = {E ⊆ X × Y : Ex ∈ N , ∀x∈X , e E y ∈ M, ∀y∈Y } . Observamos que: (i) A classe A cont´em todos os conjuntos do tipo A × B, com A ∈ M e B ∈ N : Basta notar que:   B, se x ∈ A A, se y ∈ B y (A × B)x = , e (A × B) = ∅, se x 6∈ A, ∅, se y 6∈ B, (ii) A classe A ´e uma σ-´ algebra: Observamos que: (E c )x = (Ex )c , (E c )y = (E y )c , e, Se E = ∞ [ En , ent˜ ao Ex = ∞ [ (En )x , e E y = n=1 n=1 Como M e N s˜ ao σ-´ algebras, deve ser claro que c E ∈ M ⊗ N ⇒ E ∈ M ⊗ N , e En ∈ M ⊗ N ⇒ ∞ [ (En )y . n=1 ∞ [ n=1 En ∈ M ⊗ N . Como a classe M ⊗ N ´e, por defini¸c˜ao, a menor σ-´algebra que cont´em todos os conjuntos do tipo A × B, com A ∈ M e B ∈ N , e A ´e, tamb´em, uma σ-´ algebra que cont´em estes conjuntos, conclu´ımos que M ⊗ N ⊆ A, o que demonstra a) e b). A demonstra¸c˜ ao de c) fica para o exerc´ıcio 8. Exemplo 5.1.11. ˜o ´e uma o espac ¸ o de Lebesgue: O produto de σ-´algebras de Lebesgue na σ-´algebra de Lebesgue. Sabemos que A ∈ L(RN ) e B ∈ L(RM ) =⇒ A × B ∈ L(RN +M ), e, por esta raz˜ ao, continua a ser v´alida a conclus˜ao: L(RN ) ⊗ L(RM ) ⊆ L(RN +M ). No entanto, existem conjuntos E ∈ L(RN +M ) cujas sec¸co˜es n˜ ao s˜ao, todas, Lebesgue-mensur´ aveis. Por exemplo, se A tem medida nula, ent˜ ao A × B ´e Lebesgue-mensur´ avel, mesmo que B o n˜ ao seja. Conclu´ımos, deste facto, e do teorema anterior, que (i) L(RN ) ⊗ L(RM ) 6= L(RN +M ). 302 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue Aplicando a defini¸ca˜o 5.1.8 ao espa¸co de Lebesgue (RN , L(RN ), mN ), ent˜ ao (ii) f : RN → R ´e L(RN )-mensur´avel ⇔ ΩRN (f ) ∈ L(RN ) ⊗ L(R), e Aplicando a defini¸ca˜o “original” 3.1.1, temos avel ⇔ ΩRN (f ) ∈ L(RN +1 ). (iii) f : RN → R ´e L-mensur´ Apesar de L(RN ) ⊗ L(R) 6= L(RN +1 ), a discrepˆancia entre (ii) e (iii) ´e apenas aparente, e deixamos como exerc´ıcio (12) verificar que ΩRN (f ) ∈ L(RN +1 ) =⇒ ΩRN (f ) ∈ L(RN ) ⊗ L(R). Por outras palavras, a classe das fun¸co˜es L-mensur´ aveis, no sentido de 3.1.1, ´e a classe das fun¸co˜es L(RN )-mensur´aveis, no sentido de 5.1.8. As ideias sobre fun¸c˜ oes simples generalizam-se, sem qualquer dificuldade, ao contexto mais geral de um espa¸co (X, M, µ). Tal como nos espa¸cos de Borel e de Lebesgue, temos Lema 5.1.12. Se s : S → R ´e simples em E ⊆ S ⊆ X, ent˜ ao s ´e M-men´vel em S se e s´ sura o se existe uma parti¸ca ˜o finita P do conjunto A = {x ∈ E : s(x) 6= 0}, em conjuntos M-mensur´ aveis, P = {A1 , A2 , · · · , An }, tais que s ´e constante em cada conjunto Ai . Continuamos a dizer que a parti¸c˜ao P ´e apropriada `a fun¸c˜ao s, no conjunto E, se ´e formada por conjuntos mensur´aveis, s ´e constante em cada conjunto em P, e P ´e uma cobertura do conjunto A. As f´ormulas para o c´ alculo de integrais de fun¸c˜oes simples que vimos em 3.4.4 mantˆem-se inalteradas: Proposi¸ c˜ ao 5.1.13 (Integrais de fun¸c˜oes simples). Seja s : S → R simples M-mensur´ avel em S, e P = {A1 , A2 , · · · , An } uma parti¸ca ˜o apropriada a s. Se s(x) = αi quando x ∈ Ai , ent˜ ao: P a) s ´e som´ avel em S se e s´ o se ni=1 |αi |µ(Ai ) < +∞. R P b) Se o integral de s em ordem a µ existe, S sdµ = ni=1 αi µ(Ai ). Demonstra¸ca ˜o. Demonstramos apenas b), e para o caso s ≥ 0. Como Ai ∈ M, os conjuntos Ri = Ai ×]0, αi [ s˜ ao M ⊗ B(R)-mensur´aveis. temos ΩE (s) = Ω+ E (s) = n [ i=1 Z E Ai ×]0, αi [, donde n n X X αi µ(Ai ). (µ ⊗ m)(Ai ×]0, αi [) = sdµ = (µ ⊗ m)(ΩE (s)) = i=1 i=1 5.1. A Medida µ ⊗ m 303 Exemplo 5.1.14. espac ¸ os de probabilidade: Seja (X, M, µ) um espa¸co de probabilidades, e s : X → R uma vari´avel aleat´ oria simples. Suponha-se que s assume os valores a1 , a2 , · · · , an , respectivamente, nos conjuntos A1 , A2 , · · · , An . Na terminologia usual da teoria das probabilidades, temos: • O conjunto Ai ´e o acontecimento “s(x) = ai ”, • µ(Ai ) ´e a probabilidade de Ai , i.e., a probabilidade de “s(x) = ai ”. O integral de s em ordem a µ ´e Z X sdµ = n X αi µ(Ai ), i=1 e ´e claramente o valor m´edio (ou expect´ avel) da vari´avel aleat´ oria s. O teorema 5.1.7 n˜ ao cont´em nenhuma afirma¸c˜ao sobre a unicidade da medida µ ⊗ m. Portanto, n˜ ao ´e por enquanto claro se a defini¸c˜ao 5.1.8 ´e amb´ıgua, no que diz respeito ao valor do integral de uma fun¸c˜ao em ordem `a medida µ. No entanto, ´e ´ obvio do lema 5.1.13 que essa ambiguidade n˜ ao existe para fun¸c˜ oes simples M-mensur´aveis. Veremos no teorema 5.2.11 que as fun¸c˜oes M-mensur´ aveis podem ser aproximadas por fun¸c˜oes simples Mmensur´ aveis, o que nos permitir´a mostrar que o integral tal como definido em 5.1.8 ´e u ´nico. Antes de passarmos ` a demonstra¸c˜ao do teorema 5.1.7, notamos que este ´e mais um “problema de extens˜ ao”, an´ alogo aos problemas de Borel, de Lebesgue, e de Stieltjes. Num problema deste tipo, dada uma classe C de subconjuntos de um conjunto fixo S, e uma fun¸c˜ao λ : C → [0, +∞] definida apenas para os conjuntos em C, pretende-se determinar um espa¸co de medida (S, A, ρ) que seja extens˜ ao de (S, C, λ), i.e., tal que A ⊇ C e ρ(E) = λ(E), para qualquer E ∈ C. As ideias que us´ amos para resolver o problema “f´acil” de Lebesgue podem ser adaptadas para resolver problemas mais gerais, desde que certas hip´ oteses auxiliares apropriadas sejam satisfeitas. A t´ecnica base n˜ ao sofre qualquer modifica¸c˜ ao, e consiste em • Usar a fun¸c˜ ao “original” λ para definir uma medida exterior λ∗ , • Considerar a σ-´ algebra Mλ∗ , formada pelos conjuntos λ∗ -mensur´aveis, • Tomar ρ igual ` a restri¸ca ˜o da medida exterior λ∗ `a σ-´algebra A = Mλ∗ . 304 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue λ∗ P(S) ρ Mλ∗ λ C Figura 5.1.2: As fun¸c˜ oes λ : C → [0, +∞], ρ : Mλ∗ → [0, +∞], e λ∗ : P(S) → [0, +∞]. Teorema 5.1.15. Seja C ⊆ P(S), e λ : C → [0, +∞] uma fun¸ca ˜o n˜ ao identicamente +∞, e σ-aditiva em C. Supomos que C ´e uma semi-´ algebra em S, e uma cobertura sequencial de S. Definimos λ∗ : P(S) → [0, ∞] por ) (∞ ∞ [ X En , com En ∈ C . λ(En ) : E ⊆ λ∗ (E) = inf n=1 n=1 Temos ent˜ ao que a) λ∗ ´e uma medida exterior em S, e portanto a restri¸ca ˜o de λ∗ a ` classe ∗ ∗ aveis, ´e uma medida ρ. Mλ , formada pelos conjuntos λ -mensur´ b) ρ ´e uma extens˜ ao de λ, i.e., C ⊆ Mλ∗ , e ρ(E) = λ(E), para qualquer E ∈ C. Demonstra¸ca ˜o. a) ´e imediato de 2.5.4 e 2.5.15. Para verificar b), mostramos primeiro que (i) λ∗ (E) = λ(E), para qualquer E ∈ C: Demonstra¸ca ˜o. Se E ∈ C, podemos tomar, na defini¸c˜ao de λ∗ (E), E1 = E, e, para n > 1, En = ∅. Obtemos imediatamente que λ∗ (E) ≤ λ(E). Por outro lado, como λ ´e σ-aditiva na semi-´ algebra C, ´e igualmente σ-subaditiva em C, e, portanto, se E, En ∈ E, temos E⊆ ∞ [ n=1 En =⇒ λ(E) ≤ ∞ X n=1 λ(En ) =⇒ λ(E) ≤ λ∗ (E). Conclu´ımos que λ∗ (E) = λ(E), quando E ∈ C. Deixamos como exerc´ıcio a seguinte afirma¸c˜ao, an´ aloga a 2.2.10: 5.1. A Medida µ ⊗ m 305 (ii) E ∈ Mλ∗ ⇔ λ(C) = λ∗ (C ∩ E) + λ∗ (C ∩ E c ), para qualquer C ∈ C. (iii) C ⊆ Mλ∗ . Demonstra¸ca ˜o. Se E, C ∈ C, ent˜ao C ∩ E, C ∩ E c ∈ C, porque C ´e uma semi-´ algebra. Como λ∗ (C) = λ(C) para C ∈ C, e λ ´e aditiva em C, temos λ∗ (C ∩ E) + λ∗ (C ∩ E c ) = λ(C ∩ E) + λ(C ∩ E c ) = λ(C). Conclu´ımos de (ii) que C ⊆ Mλ∗ , o que termina a verifica¸c˜ao de b). Se C ´e uma a ´lgebra em S, o teorema (5.1.15) pode enunciar-se como o: Corol´ ario 5.1.16 (Teorema de Extens˜ ao de Hahn (1 )). Se C ´e uma a ´lgebra em S, λ : C → [0, ∞], e λ(∅) = 0, ent˜ ao existe um espa¸co de medida (S, A, ρ) que ´e extens˜ ao de (S, C, λ) se e s´ o se λ ´e σ-aditiva em C. Demonstra¸ca ˜o. Basta observar que se C ´e uma ´algebra em S, ent˜ao ´e uma cobertura sequencial de S. Exemplo 5.1.17. A defini¸ca˜o que demos da medida de Lebesgue ´e uma aplica¸c˜ao directa do teorema 5.1.15. Neste caso, temos S = RN , podemos tomar C = E(RN ), ou C = J (RN ), e ´e claro que λ = cN ´e o conte´ udo de Jordan. Designamos por R a classe dos conjuntos da forma A×B, onde A ∈ M e B ∈ B(R), que chamaremos aqui “rectˆ angulos”, e definimos λ : R → [0, +∞] por λ(A × B) = µ(A)m(B). Para demonstrar o teorema 5.1.7, seguiremos os seguintes passos: • Provamos que λ ´e σ-aditiva em R. Usaremos aqui o teorema de Beppo Levi, tal como se aplica no espa¸co de Lebesgue usual. • Introduzimos a classe C = E, dos conjuntos que s˜ ao uni˜ oes finitas de “rectˆ angulos” em R, que diremos serem conjuntos “elementares”. • Definimos λ em toda a classe E, usando a aditividade de λ em R. • Mostramos que E ´e uma ´ algebra em S = X × R, e usamos o teorema de extens˜ ao de Hahn. Proposi¸ c˜ ao 5.1.18. λ ´e σ-aditiva, e portanto aditiva, na classe R. 1 Hans Hahn, austr´ıaco, 1879-1934, mais conhecido pelo “Teorema de Hahn-Banach” da An´ alise Funcional. 306 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue Demonstra¸ca ˜o. Supomos que An ∈ M, Bn ∈ B(R), e os “rectˆ angulos” An × Bn s˜ ao disjuntos. Temos a provar que, se A ∈ M, B ∈ B(R), e A×B = ∞ [ n=1 An × Bn , ent˜ao µ(A)m(B) = ∞ X µ(An )m(Bn ). n=1 As sec¸c˜ oes destes conjuntos, para y ∈ R fixo, s˜ ao muito f´aceis de determinar.   An , se y ∈ Bn , A, se y ∈ B, y y (An × Bn ) = , e (A × B) = ∅, se y 6∈ Bn , ∅, se y 6∈ B. As seguintes identidades s˜ ao trivialmente v´alidas para qualquer y ∈ R: µ((A × B)y ) = µ(A)χB (y), e µ((An × Bn )y ) = µ(An )χBn (y). As sec¸c˜ oes (An × Bn )y s˜ ao, tamb´em, conjuntos disjuntos, e (A × B)y = y µ((A × B) ) = ∞ X n=1 ∞ [ (An × Bn )y , donde n=1 y µ((An × Bn ) ), i.e., µ(A)χB (y) = ∞ X µ(An )χBn (y). n=1 Esta u ´ltima identidade pode ser integrada termo-a-termo, de acordo com o teorema de Beppo Levi, porque ´e uma s´erie de fun¸c˜oes Borel-mensur´aveis, n˜ ao-negativas. Temos, por isso: µ(A)m(B) = ∞ X n=1 µ(An )m(Bn ), ou λ(A × B) = ∞ X n=1 λ(An × Bn ). Sendo E a classe dos conjuntos que s˜ ao uni˜ oes finitas de conjuntos em R, e que dizemos conjuntos “elementares”, notamos agora que, analogamente ao que observ´ amos em 1.1.9, e em 1.1.10, temos: Proposi¸ c˜ ao 5.1.19. Se E ´e “elementar”, i.e., se E ∈ E ent˜ ao a) E ´e uma uni˜ ao finita de “rectˆ angulos” em R disjuntos, e b) Se P = {A1 × B1 , A2 × B2 , · · · , Am × Bm } e Q = {C1 × D1 , C2 × D2 , · · · , Cn × Dn } s˜ ao parti¸co ˜es de E em “rectˆ angulos” em R, ent˜ ao m X j=1 λ(Aj × Bj ) = n X k=1 λ(Ck × Dk ). 5.1. A Medida µ ⊗ m 307 Demonstra¸ca ˜o. Basta-nos observar que a classe R ´e fechada em rela¸c˜ao a intersec¸c˜ oes, e a diferen¸ca de dois conjuntos em R ´e uma uni˜ ao disjunta finita de conjuntos em R. A demonstra¸c˜ao pode, portanto, ser conclu´ıda como no caso de 1.1.9. Tal como no Cap´ıtulo 1, alargamos a defini¸c˜ao de λ aos conjuntos “elementares”: Defini¸ c˜ ao 5.1.20. Se E ∈ E e P = {A1 × B1 , A2 × B2 , · · · , An × Bn } ´e uma parti¸c˜ao de E em conjuntos de R, definimos λ(E) = n X j=1 λ(Aj × Bj ) = n X µ(Aj )m(Bj ). j=1 O seguinte resultado ´e uma consequˆencia quase trivial de 5.1.18: ´lgebra E. Proposi¸ c˜ ao 5.1.21. λ ´e σ-aditiva, e portanto aditiva, na a Segue-se do teorema de extens˜ao de Hahn (5.1.16) que Teorema 5.1.22. Existe um espa¸co de medida (X × R, N , ρ) tal que R ⊆ E ⊆ N , e ρ(E) = λ(E), para qualquer E ∈ E. Como a σ-´ algebra N referida acima cont´em a classe R, ´e claro que M ⊗ B(R) ⊆ N . A medida ρ est´ a assim definida, em particular, em M ⊗ B(R), e designamos por µ ⊗ m a sua restri¸c˜ ao a M ⊗ B(R). Esta observa¸c˜ao termina a demonstra¸c˜ao do teorema 5.1.7. Note-se para posterior referˆencia que 5.1.23. Se E ∈ M ⊗ B(R) ent˜ ao µ ⊗ m(E) = inf{ ∞ X n=1 µ(An )m(Bn ) : E ⊆ ∞ [ n=1 An × Bn , An ∈ M, Bn ∈ B(R)}. Algumas propriedades elementares do integral de Lebesgue resultam da invariˆ ancia da medida de Lebesgue, em rela¸c˜ao a translac¸c˜oes, e reflex˜oes. As propriedades de invariˆ ancia da medida µ ⊗ m s˜ ao mais limitadas, e resumem-se em geral ao que chamaremos aqui de invariˆ ancia em rela¸c˜ao a “translac¸c˜ oes verticais”, e a “reflex˜oes em X”. Para definir este tipo de “translac¸c˜ oes” e “reflex˜ oes”, seja A ⊆ X ×R (ver a figura 5.1.3). Escrevemos os pontos de X × R na forma (x, y), onde x ∈ X, e y ∈ R. Se z ∈ R, ent˜ao ˜ o vertical • B = {(x, y + z) ∈ X × R : (x, y) ∈ A} ´e uma translac ¸a de A, e 308 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue R B z A X C Figura 5.1.3: transla¸c˜ao e reflex˜ao de A. ˜o de A em X. • C = {(x, −y) ∈ X × R : (x, y) ∈ A} ´e a reflexa Proposi¸ c˜ ao 5.1.24. Seja A ⊆ X × R, e B e C como descrito acima. a) Invariˆ ancia sob translac¸co ˜es verticais: B ´e M ⊗ B(R)-mensur´ avel se e s´ o se A ´e M ⊗ B(R)-mensur´ avel, e neste caso µ ⊗ m(A) = µ ⊗ m(B). avel se e s´ o se b) Invariˆ ancia sob reflex˜ oes em X: C ´e M ⊗ B(R)-mensur´ A ´e M ⊗ B(R)-mensur´ avel, e neste caso µ ⊗ m(A) = µ ⊗ m(C). Demonstra¸ca ˜o. A invariˆ ancia da classe M ⊗ B(R) em rela¸c˜ao `as opera¸c˜oes indicadas ´e o exerc´ıcio 11. A invariˆ ancia da medida ρ em rela¸c˜ao `as mesmas opera¸c˜ oes ´e uma consequˆencia directa da evidente invariˆ ancia da medida ∗ exterior λ em rela¸c˜ ao a essas opera¸c˜oes. Exerc´ıcios. ˜o: Tem apenas que provar a 1. Complete a demonstra¸ca˜o de 5.1.15. sugesta afirma¸ca˜o (ii) referida na demonstra¸ca˜o. 2. Seja S = {1, 2, 3}, C = {∅, {1} , {2, 3} , S}, e λ : C → [0, +∞[ dada por λ(E) = #(E). Definimos λ∗ : P(X) → [0, +∞[ por: (∞ ) ∞ X [ ∗ λ (E) = inf λ(En ) : E ⊆ En , com En ∈ C, para qualquer n ∈ N . n=1 n=1 aveis. a) Determine a classe Mλ∗ dos conjuntos λ∗ -mensur´ ao ´e a maior ´algebra onde existe uma extens˜ao de λ. b) Prove que Mλ∗ n˜ 309 5.2. Fun¸c˜ oes Mensur´ aveis e Integrais 3. Mantendo a nota¸ca˜o de 5.1.15, mostre que a) Mλ∗ ´e a maior σ-´algebra que cont´em C, e onde λ∗ ´e uma medida. Se o espa¸co (S, Mλ∗ , ρ) ´e σ-finito, temos ainda ´nica extens˜ao de λ a σ-´algebras A ⊆ Mλ∗ , e b) ρ ´e a u c) (S, Mλ∗ , ρ) ´e a menor extens˜ao completa de λ. 4. Sendo f : R → R, calcule o integral de f em R, em ordem `a medida de Dirac. 5. Calcule o integral da fun¸ca˜o de Dirichlet em R, em ordem `a medida de Cantor. 6. Considere o espa¸co (N, P(N), #), e sejam f, g : N → [0, ∞] sucess˜oes n˜ ao negativas. Seja ainda λ o integral indefinido de g. Mostre que Z Z f dλ = f gd#. N N 7. Se E ⊆ X, e µ(E) = 0, ´e necessariamente verdade que qualquer fun¸ca˜o R avel em E, e E f dµ = 0? f : E → R ´e µ-som´ 8. Mostre que, se f : E → [0, ∞] ´e M-mensur´ avel e λ ≥ 0, ent˜ ao os conjuntos F (λ) = {x ∈ E : f (x) > λ} e G(λ) = {x ∈ E : f (x) < −λ} s˜ao M-mensur´ aveis (5.1.10 c)). 9. Mostre que se s : X → R ´e simples, e f (X) = {a1 , · · · , an }, ent˜ ao f ´e Mmensur´avel se e s´o se os conjuntos Ak = f −1 (ak ) s˜ao M-mensur´ aveis (Lema 5.1.12). 10. Mostre que se s : X → R ´e simples e assume os valores a1 , a2 , · · · , an respectivamente nos conjuntos mensur´aveis A1 , A2 , · · · , An , e E ∈ M, ent˜ ao R P n ao-negativa, ou som´avel. temos E sdµ = k=1 ak µ(Ak ∩ E), desde que s seja n˜ 11. Mostre que M ⊗ B(R) ´e sempre fechada em rela¸ca˜o a translac¸co˜es verticais e reflex˜ oes em X. 12. Mostre que ΩRN (f ) ∈ L(RN +1 ) =⇒ ΩRN (f ) ∈ L(RN ) ⊗ L(R). (5.1.11). 13. Se o espa¸co (X, M, µ) ´e completo, o espa¸co (X × R, M ⊗ B(R), µ ⊗ m) ´e sempre completo? 5.2 Fun¸ c˜ oes Mensur´ aveis e Integrais As propriedades elementares do integral de Lebesgue, tal como demonstradas na sec¸c˜ ao 3.1, mantˆem-se essencialmente inalteradas. Para generalizar os respectivos enunciados para o contexto de um espa¸co de medida arbitr´ario (X, M, µ), basta em geral supor que as fun¸c˜oes em causa est˜ ao definidas 310 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue em subconjuntos de X, substituir as referˆencias `a medida de Lebesgue mN por referˆencias a µ, e ler as express˜ oes “mensur´avel” e “som´ avel”, respectivamente, como “M-mensur´avel” e “µ-som´ avel”. Esta observa¸c˜ao ´e igualmente v´alida para defini¸c˜ oes, e usamos como exemplo 3.1.3: Defini¸ c˜ ao 5.2.1 (Fun¸c˜ oes Vectoriais: Mensurabilidade e Integral). Se E ⊆ M S ⊆ X, e f : S → R , donde f = (f1 , f2 , · · · , fM ), com fk : S → R, ent˜ao ´vel em E se e s´ a) f ´e M-mensura o se as fun¸c˜oes fk s˜ ao M-mensur´aveis em E, para 1 ≤ k ≤ M , no sentido de 5.1.8. ´vel em E se e s´ b) f ´e µ-soma o as fun¸c˜oes fk s˜ ao µ-som´ aveis em E. c) Se f ´e M-mensur´avel em E, o integral de lebesgue de f (em ordem a µ) em E ´e dado por Z f dµ = Z f1 dµ, E E Z E f2 dµ, · · · , Z E  fM dµ , sempre que todos os integrais de Lebesgue `a direita est˜ ao definidos. Exemplo 5.2.2. ˜ es mensura ´veis complexas: Seja f : X → C uma fun¸ca˜o complexa, func ¸o donde f (x) = u(x) + iv(x), com u, v : X → R. A fun¸ca˜o f ´e M-mensur´ avel se e s´o se as fun¸co˜es u, e v s˜ao M-mensur´ aveis, e o integral de f ´e dado por Z Z Z vdµ, udµ + i f dµ = E E E sempre que existem os integrais de u e de v no conjunto E. Em particular, os enunciados e demonstra¸c˜oes dos resultados 3.1.7 a 3.1.13 n˜ ao requerem qualquer altera¸c˜ao substancial. Ilustramos este facto com a proposi¸c˜ ao 3.1.13, que pode ser ligeiramente simplificada com terminologia introduzida no Cap´ıtulo anterior. avel, e se f ≥ 0 µ-qtp, ou se f Teorema 5.2.3. Se f : X → R ´e M-mensur´ ´e µ-som´ avel, e Z f dµ, para qualquer E ∈ M, λ(E) = E ent˜ ao λ ´e uma medida em M, e λ ≪ µ. Demonstra¸ca ˜o. Provamos este teorema apenas para f n˜ ao-negativa. Para mostrar que λ ´e uma medida positiva basta-nos provar que λ ´e σ-aditiva, j´a 311 5.2. Fun¸c˜ oes Mensur´ aveis e Integrais que λ(∅) S = 0. Consideramos conjuntos disjuntos e M-mensur´aveis En tais que E = ∞ n=1 En , e observamos que: ΩE (f ) = ∞ [ ΩEn (f ), onde os conjuntos ΩEn (f ) s˜ ao disjuntos, donde n=1 (µ ⊗ m)(ΩE (f )) = ∞ X (µ ⊗ m)(ΩEn (f )), i.e., λ(E) = n=1 Como ΩE (f ) ⊆ E × R, ´e claro que, se µ(E) = 0, ent˜ao ∞ X λ(En ). n=1 0 ≤ λ(E) = (µ ⊗ m)(ΩE (f )) ≤ (µ ⊗ m)(E × R) = µ(E)m(R) = 0. Alguns dos enunciados que apresent´amos n˜ ao s˜ ao v´alidos para qualquer espa¸co de medida, e requerem entre as suas hip´ oteses propriedades mais espec´ıficas do espa¸co em causa. Por exemplo, a propriedade 3.1.5 ´e v´alida se o espa¸co (X, M, µ) for completo, e o teorema 3.1.12 ´e v´alido para espa¸cos σ-finitos. Em certos casos, pode ser vantajoso enfraquecer as conclus˜oes, sem perder generalidade nas hip´ oteses. Por exemplo, o teorema 3.1.12 pode ser modificado como se segue ao(2 ) Teorema 5.2.4. Seja E ⊆ X, e f : E → R. Ent˜ ΩE (f ) ∈ M ⊗ B(R) ⇐⇒ ΣE (f ) ∈ M ⊗ B(R) =⇒ (µ ⊗ m)(ΩE (f )) = (µ ⊗ m)(ΣE (f )). Os teoremas sobre limites e integrais que estud´amos na sec¸c˜ao 3.2 s˜ ao, essencialmente, corol´ arios do teorema da convergˆencia mon´ otona para medidas, que ´e v´alido para qualquer medida. Estes resultados s˜ ao por isso aplic´ aveis em qualquer espa¸co de medida (X, M, µ). O lema 3.2.1 ´e independente do dom´ınio de defini¸c˜ao das fun¸c˜oes em causa, ou seja, ´e aplic´ avel a fun¸co˜es fn : E → R, com E ⊆ X. O teorema 3.2.2, que ´e sobretudo um corol´ ario deste lema, pode agora ser enunciado como se segue: ao M-mensur´ aveis em E ⊆ X, Teorema 5.2.5. Se as fun¸co ˜es fn : E → R s˜ ent˜ ao as fun¸co ˜es definidas como se segue s˜ ao M-mensur´ aveis em E: g(x) = sup{fn (x) : n ∈ N}, h(x) = inf{fn (x) : n ∈ N}, G(x) = lim sup fn (x), H(x) = lim inf fn (x) n→∞ n→∞ Se f (x) = lim fn (x) para qualquer x ∈ E ent˜ ao f ´e M-mensur´ avel em E. n→∞ 2 − Os conjuntos ΣE (f ) = Σ+ E (f ) ∪ ΣE (f ) definem-se por Σ+ E (f ) = {(x, y) ∈ X × R : x ∈ E, e 0 < y ≤ f (x)}, Σ− E (f ) = {(x, y) ∈ X × R : x ∈ E, e 0 > y ≥ f (x)}. 312 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue Este teorema, combinado com o teorema da convergˆencia mon´otona de Lebesgue para medidas, conduz directamente aos cl´assicos resultados sobre limites e integrais, correspondentes aos teoremas 3.2.3 a 3.2.7, que n˜ ao tˆem qualquer altera¸c˜ ao nos respectivos enunciados: Teorema 5.2.6 (Teorema de Beppo Levi). Se as fun¸co ˜es fn : E → [0, +∞] s˜ ao M-mensur´ aveis em E ⊆ X, e formam uma sucess˜ ao crescente, ent˜ ao f (x) = limn→∞ fn (x) ´e M-mensur´ avel em E, e Z Z fn dµ. lim fn dµ = lim E n→∞ n→∞ E Teorema 5.2.7 (Teorema de Beppo Levi (II)). Se as fun¸co ˜es fn : E → [0, +∞] s˜ ao M-mensur´ aveis em E ⊆ X, e formam uma sucess˜ ao decrescente, ent˜ ao f (x) = limn→∞ fn (x) ´e M-mensur´ avel em E, e se alguma fun¸ca ˜o fn ´e µ-som´ avel, ent˜ ao Z Z fn dµ. lim fn dµ = lim E n→∞ n→∞ E Lema 5.2.8 (Lema de Fatou). Se as fun¸co ˜es fn : E → [0, +∞] s˜ ao Mmensur´ aveis em E ⊆ X, ent˜ ao Z Z fn dµ. lim inf fn dµ ≤ lim inf E n→∞ n→∞ E Teorema 5.2.9 (Lema de Fatou (II)). Se as fun¸co ˜es fn : E → [0, +∞] s˜ ao M-mensur´ aveis em E ⊆ X, e existe uma fun¸ca ˜o µ-som´ avel F : E → [0, +∞] tal que fn (x) ≤ F (x), µ-qtp em E, ent˜ ao Z Z lim sup fn dµ. lim sup fn dµ ≤ n→∞ E E n→∞ Estes resultados provam-se com adapta¸c˜oes ´obvias dos argumentos que apresent´ amos em 3.2. Ilustramos esta afirma¸c˜ao com a demonstra¸c˜ao do teorema de Beppo Levi. Demonstra¸ca ˜o. Sabemos que f (x) = sup{fn (x) : n ∈ N} ´e M-mensur´avel, de acordo com 5.2.5. Sabemos igualmente que Ω+ E (f ) = ∞ [ Ω+ E (fn ). n=1 ao crescente, segue-se, do Como os conjuntos Ω+ E (fn ) formam uma sucess˜ teorema da convergˆencia mon´ otona para medidas 2.1.13, que Z Z + + f dµ. fn dµ → (µ ⊗ m)(ΩE (fn )) → (µ ⊗ m)(ΩE (f )), i.e., E E 313 5.2. Fun¸c˜ oes Mensur´ aveis e Integrais A proposi¸c˜ ao 3.4.6, sobre fun¸c˜ oes simples mensur´aveis, mantem-se inalterada, exactamente com a mesma demonstra¸c˜ao: Proposi¸ c˜ ao 5.2.10. Seja E ⊆ S ⊆ X, c ∈ R, e s, t : S → R fun¸co ˜es simples M-mensur´ aveis em E. Temos ent˜ ao: a) cs, s+ , s− , |s|, s + t, e st s˜ ao simples, e M-mensur´ aveis em E. Se s e t s˜ ao n˜ ao-negativas em E, ou se s e t s˜ ao µ-som´ aveis em E, temos ainda R R R b) Aditividade: E (s + t)dµ = E sdµ + E tdµ. R R c) Homogeneidade: E (cs)dµ = c( E sdµ). Os resultados sobre fun¸c˜ oes mensur´aveis que estud´amos em 3.4 resultam, em larga medida, das fun¸c˜ oes mensur´aveis serem limites de fun¸co ˜es simples mensur´ aveis, como prov´amos em 3.4.7. Este u ´ltimo resultado ´e tamb´em v´alido em qualquer espa¸co de medida. ao f ´e M-mensur´ avel Teorema 5.2.11. Se f : E → R, onde E ⊆ X, ent˜ se e s´ o existe uma sucess˜ ao de fun¸co ˜es simples M-mensur´ aveis sn : E → R tais que sn (x) → f (x), e |sn (x)| ր |f (x)|. Neste caso, e se f ≥ 0, ou se f ´e µ-som´ avel, temos ainda que Z Z f dµ. sn dµ → E E O teorema 3.4.9, sobre opera¸c˜ oes alg´ebricas que envolvem fun¸c˜oes com valores em R, n˜ ao requer qualquer adapta¸c˜ao: ao M-mensur´ aveis, ent˜ ao Teorema 5.2.12. Se f, g : E → R s˜ a) A fun¸ca ˜o f g ´e M-mensur´ avel em E. b) As fun¸co ˜es f +g e f −g s˜ ao M-mensur´ aveis, nos conjuntos onde est˜ ao definidas. O teorema 5.2.13 ´e uma vers˜ ao abstracta de 3.4.10, e ´e um corol´ ario directo de 5.2.11, tal como 3.4.10 ´e um corol´ ario de 3.4.7. aveis em E, e c ∈ R. Se Teorema 5.2.13. Sejam f, g : E → R M-mensur´ f, g ≥ 0 em E, ou se f e g s˜ ao finitas e µ-som´ aveis em E, ent˜ ao R R R a) Aditividade: E (f + g)dµ = E f dµ + E gdµ.  R R b) Homogeneidade: E (cf )dµ = c E f dµ . O teorema 3.4.12, sobre limites de sucess˜oes de fun¸c˜oes mensur´aveis, ´e tamb´em completamente geral. 314 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue ao M-mensur´ aveis em E ⊆ Teorema 5.2.14. Se as fun¸co ˜es fn : E → R s˜ X, F ⊆ E ´e o conjunto onde existe limn→∞ fn (x), e f : F → R ´e dada por f (x) = limn→∞ fn (x), ent˜ ao f ´e M-mensur´ avel em F . Os diversos crit´erios de mensurabilidade que vimos em 3.4.15, e aplic´ aveis a fun¸c˜ oes definidas em conjuntos mensur´aveis, n˜ ao sofrem qualquer altera¸c˜ao. Teorema 5.2.15. Seja E ⊆ X um conjunto M-mensur´ avel. Se f : E → R, ent˜ ao as seguintes condi¸co ˜es s˜ ao equivalentes: a) {x ∈ E : f (x) > λ} ´e M-mensur´ avel, para qualquer λ ∈ R. b) f −1 (I) ´e M-mensur´ avel, para qualquer intervalo I ⊆ R. c) f ´e M-mensur´ avel em E. O resultado em 3.4.17, relativo `a composi¸c˜ao com fun¸c˜oes Borel-mensur´ aveis, ´e aplic´ avel independentemente da natureza da σ-´algebra M: Teorema 5.2.16. Seja E ⊆ RN um conjunto M-mensur´ avel, e f1 , f2 , · · · , fM : E → R fun¸co ˜es M-mensur´ aveis em E. Se f = (f1 , f2 , · · · , fM ), e g : RM → R ´e Borel-mensur´ avel, ent˜ ao a composta h = g ◦ f ´e Mmensur´ avel em E. A rela¸c˜ ao “≃” de equivalˆencia entre fun¸c˜oes, i.e., de igualdade qtp, ´e facilmente generaliz´ avel a espa¸cos de medida arbitr´arios. Se f, g : X → R, dizemos que f ≃ g se e s´ o se µ({x ∈ X : f (x) 6= g(x)} = 0. Designaremos por Fµ (E) o espa¸co das classes de equivalˆencia de fun¸c˜oes f : E → R Mmensur´ aveis em E, e por L1µ (E) o correspondente espa¸co das classes de fun¸c˜ oes µ-som´ aRveis. Este espa¸co ´e um espa¸co vectorial normado, com a norma kf k1 = E |f | dµ. Exemplo 5.2.17. o espac ¸ o ℓ1 : Se µ ´e a medida de contagem, ent˜ ao a rela¸ca˜o ≃ ´e a igualdade usual, i.e., f ≃ g ⇔ f = g. O espa¸co Fµ (N) ´e o conjunto de todas as sucess˜oes P∞ reais, e o espa¸co L1µ (N) ´e formado pelas sucess˜oes reais tais que n=1 |f (n)| < ∞. Este espa¸co ´e usualmente designado por ℓ1 . O Teorema da Convergˆencia Dominada pode enunciar-se como se segue: Teorema 5.2.18 (Teorema da Convergˆencia Dominada de Lebesgue). Sendo ˜o som´ avel F : E → [0, +∞] tal fn ∈ L1µ (E), suponha-se que existe uma fun¸ca que |fn (x)| ≤ F (x), µ-qtp em E, e limn→∞ fn (x) existe µ-qtp em E. Seja ainda f (x) = limn→∞ fn (x) onde este limite existe. Temos ent˜ ao a) f ∈ L1µ (E), b) fn → f em L1µ (E), e em particular, 315 5.2. Fun¸c˜ oes Mensur´ aveis e Integrais c) R E fn dµ → R E f dµ, quando n → ∞. Demonstra¸ca ˜o. Supomos sem perda de generalidade que • As fun¸c˜ oes fn e F s˜ ao finitas em E, • f (x) = limn→∞ fn (x), para qualquer x ∈ E, e • |fn (x)| ≤ F (x), tamb´em para qualquer x ∈ E. A fun¸c˜ao f ´e M-mensur´ avel em E. Como |f (x)| ≤ F (x), conclu´ımos que f ´e µ-som´ avel e finita em E. Consideramos as fun¸c˜oes auxiliares gn = |fn − f | ≥ 0, e aplicamos o Lema de Fatou (II), para concluir que Z Z |fn − f |dµ = 0. lim sup |fn − f |dµ ≤ 0, ou lim n→∞ n→∞ E E Segue-se da desigualdade triangular que Z Z Z |fn − f | dµ → 0. f dµ ≤ 0 ≤ fn dµ − E E E Os teoremas sobre a integra¸ca˜o de s´eries de fun¸c˜oes mensur´aveis n˜ ao sofrem modifica¸co ˜es, e L1µ (E) ´e sempre um espa¸co de Banach. Teorema 5.2.19. Se as fun¸co ˜es fn : E → [0, +∞] s˜ ao M-mensur´ aveis, ent˜ ao !  Z ∞ Z ∞ X X fn dµ . fn dµ = E E n=1 n=1 Teorema 5.2.20. Suponha-se que fn ∈ L1µ (E) e ∞ X n=1 ∞ Z X ( |fn |dµ) < +∞. kfn k1 = n=1 E Temos ent˜ ao que: P a) A s´erie ∞ n=1 fn (x) converge absolutamente µ-qtp em E, P b) Existem fun¸co ˜es M-mensur´ aveis f : E → R tais que f (x) = ∞ n=1 fn (x), µ-qtp em E, e P c) Se f : E → R ´e M-mensur´ avel em E e f (x) = ∞ n=1 fn (x), µ-qtp em E, ent˜ ao f ´e µ-som´ avel em E, e lim Z m→∞ E |f − m X n=1 fn (x)|dµ = 0, donde Z ( ∞ X E n=1 fn )dµ = ∞ Z X ( fn dµ). n=1 E 316 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue P∞ 1 (E) e Corol´ ario 5.2.21. Se f ∈ L ao existe f ∈ n µ n=1 kfn k1 < +∞, ent˜ Pm 1 1 Lµ (E) tal que k n=1 fn − f k1 → 0. Em particular, Lµ (E) ´e um espa¸co de Banach. Vimos na sec¸c˜ ao 3.6 diversos resultados sobre a aproxima¸c˜ao de fun¸c˜oes mensur´ aveis por fun¸c˜ oes cont´ınuas, dos quais o principal ´e o teorema de Vitali-Luzin. Estes resultados podem ser facilmente adaptados a qualquer medida de Lebesgue-Stieltjes regular e σ-finita, e s˜ ao v´alidos em particular para qualquer medida de Lebesgue-Stieltjes localmente finita, como ´e o caso da pr´ opria medida de Lebesgue. Supomos ent˜ ao que µ ´e uma medida positiva σ-finita, definida e regular em M ⊇ B(RN ). O argumento utilizado para demonstrar o corol´ ario 3.6.2 ´e aplic´ avel a µ, de acordo com o corol´ ario 4.4.12 e), e temos portanto Lema 5.2.22. Sendo E ⊆ RN um conjunto mensur´ avel com µ(E) < ∞, e ε > 0, existe f ∈ Cc (RN ) tal que 0 ≤ f ≤ 1, e µ({x ∈ RN : f (x) 6= χE (x)}) < ε. ´ simples generalizar o teorema 3.6.3 para qualquer espa¸co de medida, E e obtemos assim uma vers˜ ao mais geral do: Teorema 5.2.23 (de Vitali-Luzin). Seja f : RN → [0, 1] uma fun¸ca ˜o Mmensur´ avel que ´e nula no complementar de um conjunto de medida finita. Se ε > 0, ent˜ ao existe g ∈ Cc (RN ) tal que 0 ≤ g ≤ 1, e µ   x ∈ RN : f (x) 6= g(x) < ε. Os corol´ arios do teorema de Vitali-Luzin que apresent´amos na sec¸c˜ao 3.6 s˜ ao aplic´ aveis com adapta¸c˜oes ´obvias ao presente contexto. Deve notarse apenas que 3.6.7 requer uma modifica¸c˜ao mais significativa, porque s´ o ´e v´alido para medidas completas. Podemos enunci´ a-lo como se segue, supondo que (RN , Mµ , µ) ´e a menor extens˜ao completa do espa¸co de medida original: Corol´ ario 5.2.24. Seja f : RN → R finita µ-qtp. Temos ent˜ ao, a) Se f ´e M-mensur´ avel existem fun¸co ˜es cont´ınuas fn : RN → R tais N que fn (x) → f (x) µ-qtp em R . avel se e s´ o se existem fun¸co ˜es cont´ınuas fn : RN → R b) f ´e Mµ -mensur´ tais que fn (x) → f (x) µ-qtp em RN . Aproveitamos para generalizar a no¸c˜ao de integral de Lebesgue em ordem ` medida positiva µ para o caso em que µ ´e real (ou complexa) no espa¸co a (X, M), e f ´e uma fun¸c˜ ao M-mensur´avel. 317 5.2. Fun¸c˜ oes Mensur´ aveis e Integrais Defini¸ c˜ ao 5.2.25 (Integral em ordem a medidas reais). Se f : X → R ´e M-mensur´ avel em E ⊆ X, e µ ´e uma medida real em M, o integral de f em E, em ordem a µ ´e dado por: Z Z Z + f dµ− , f dµ − f dµ = E E E se os integrais em ordem ` as medidas positivas µ+ e µ− est˜ ao definidos, e a express˜ ao acima n˜ ao conduz a indetermina¸c˜oes. R Dizemos que f ´e µ-som´ avel em E se e s´ o se E f dµ < ∞. Exemplos 5.2.26. 1. Se µ ´e uma medida real ent˜ ao f ´e µ-som´ avel em E se e s´o se f ´e |µ|-som´ avel em E, no sentido da defini¸ca˜o 5.1.8. 2. Se µ ´e uma medida complexa ent˜ ao µ = α + iβ, onde α e β s˜ao medidas reais, e podemos definir Z Z Z f dβ, f dα + i f dµ = X X X sempre que os integrais ` a direita est˜ ao definidos. 3. Se µ ´e uma medida real ent˜ ao L1µ (E) = L1|µ| (E), e o integral definido φ : R 1 Lµ (E) → R, dado por φ(f ) = E f dµ ´e uma transforma¸ca˜o linear. Se µ ´e positiva a transforma¸ca˜o ´e tamb´em mon´ otona, i.e., f ≤ g ⇒ φ(f ) ≤ φ(g). R ´ interessante observar que, na express˜ E ao X f dµ, podemos considerar, em alternativa, a fun¸c˜ ao f como fixa, e a medida µ como vari´ avel. Por exemplo, se f : E → R ´e mensur´ avel e limitada em E, ent˜ao ´e µ-som´ avel, qualquer que seja a medida real µ definida em M. Exemplos 5.2.27. 1. Seja M (B(RN )) o espa¸co de todas as medidas reais definidas em B(RN ). Se f : RN → R ´e B-mensur´ avel e limitada em E ⊆ RN , podemos definir N Ψ : M (B(R )) → R por Z f dµ. Ψ(µ) = E 2. Em particular, se f ∈ C0 (RN ) e µ ∈ M (B(RN )), podemos definir Z f dµ. hf, µi = RN φ(f ) = hf, µi ´e um funcional linear em C0 (RN ), e o teorema 5.2.28 mostra que φ ´e cont´ınuo na norma de L∞ . Mostra igualmente que Ψ(µ) = hf, µi ´e um funcional linear cont´ınuo no espa¸co de Banach M (B(RN )).(3 ) 3 Um dos famosos Teoremas de Representa¸c˜ ao de Riesz afirma que todos os funcionais lineares cont´ınuos no espa¸co de Banach C0 (RN ) (com a norma de L∞ ) s˜ ao da forma φ(f ) = hf, µi, com µ ∈ M (B(RN )), conforme veremos mais adiante. 318 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue O pr´ oximo teorema indica algumas identidades sugeridas por estas observa¸c˜ oes. A respectiva demonstra¸c˜ao ´e o exerc´ıcio 9. Teorema 5.2.28. Seja f : X → R uma fun¸ca ˜o M-mensur´ avel, e µ e λ medidas definidas em (X, M). Temos ent˜ ao: ao n˜ ao-negativas, ou se f ´e µ-som´ avel e a) Aditividade: Se f , µ e λ s˜ λ-som´ avel, Z Z Z f dλ. f dµ + f d (µ + λ) = X X X b) Homogeneidade: Se f , µ e c ∈ R s˜ ao n˜ ao-negativos, ou se f ´e µsom´ avel e c ∈ R,  Z Z f dµ . f d (cµ) = c X X c) Desigualdade Triangular: Se f ´e µ-som´ avel, Z Z f dµ ≤ |f | d(|µ|). X X d) Continuidade: Supondo que kf k∞ = sup{|f (x)| : x ∈ X} < ∞, e sendo kµk = |µ|(X) < ∞, ent˜ ao f ´e µ-som´ avel, e Z f dµ ≤ kf k kµk . ∞ X Exerc´ıcios. 1. Seja (X, Mµ , µ) a menor extens˜ao completa de (X, M, µ). Prove que f : avel em E se e s´o se existe uma fun¸ca˜o g : E → R, E → R ´e Mµ -mensur´ M-mensur´ avel em E, tal que g ≃ f em E. 2. Prove que o gr´ afico da fun¸ca˜o M-mensur´ avel f tem medida µ⊗m nula, desde ˜o: que o espa¸co (X, M, µ) seja σ-finito, ou a fun¸ca˜o f seja µ-som´ avel. sugesta suponha primeiro que µ(X) < +∞. 3. Considere o espa¸co (R, P(R), #), e a fun¸ca˜o f : R → R dada por f (x) = x. a) Determine a medida (# ⊗ m)(GE (f )). b) Determine as fun¸co˜es A(x) =Rm(GE (f )xR), e B(y) = #(GE (f )y ). Determine igualmente os integrais R Ad#, e R Bdm. 4. Dado um espa¸co (X, M, µ), considere uma fun¸ca˜o M-mensur´ avel f : X → [0, +∞], e seja λ o respectivo integral indefinido. Mostre que se g : X → R R [0, +∞] ´e M-mensur´ avel ent˜ ao E gdλ = E gf dµ. Se g : X → R ´e µ-som´ avel ˜o: Suponha avel? sugesta temos necessariamente que g : X → R ´e λ-som´ primeiro que g ´e simples. 319 5.3. O Teorema de Radon-Nikodym-Lebesgue 5. Sejam µ e ν medidas em M, e µ a menor extens˜ao completa de µ. a) Qual ´e a rela¸ca˜o entre os espa¸cos L1µ e L1µ ? b) Sendo δn a usual medida de Dirac no ponto n ∈ N, o que s˜ao os espa¸cos L1δ0 (R), L1∆n (R), e L1∆ (R), quando ∆n = n X δk e ∆ = ∞ X δn ? n=1 k=1 6. Suponha que f : X → R ´e µ-som´ avel. Prove que para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que, para qualquer conjunto M-mensur´ avel E, Z Z µ(E) < δ =⇒ f dµ ≤ |f | dµ < ε. E E 7. Suponha que o espa¸co (X, M, µ) ´e completo, f : X → R, e f (x) = 0, µ-qtp em X. A fun¸ca˜o f ´e sempre M-mensur´ avel? 8. Sejam f, g : R → R fun¸co˜es crescentes e cont´ınuas `a direita, com derivadas generalizadas µ e λ. a) Mostre que se f e g s˜ao cont´ınuas ent˜ ao ´e v´alida a seguinte f´ormula de ˜o por partes: integrac ¸a Z b Z b f dλ + gdµ = f (b)g(b) − f (a)g(a) a a b) A f´ ormula anterior ´e v´alida, mesmo que f e/ou g n˜ ao sejam cont´ınuas? c) Supondo que µ e λ s˜ao medidas reais, a f´ormula anterior ´e v´alida, quando f e g s˜ao cont´ınuas? d) Suponha que h : R → R ´e B-mensur´ avel, e prove a seguinte f´ormula de ˜o por substituic ˜o: integrac ¸a ¸a Z Z hdm h ◦ f dµ = E f (E) 9. Demonstre o teorema 5.2.28. Pode ser conveniente provar primeiro: a) Se f ´e Rsimples, mensur´aRvel e n˜ ao Rnegativa, e µ e λ s˜ao medidas positivas, ent˜ ao X f d (µ + λ) = X f dµ + X f dλ. b) RSe f ´e mensur´avel ao negativa, e µ e λ s˜ao medidas positivas, ent˜ ao R R e n˜ f dλ. f dµ + f d (µ + λ) = X X X 5.3 O Teorema de Radon-Nikodym-Lebesgue Dado um espa¸co de medida (X, M, µ), e uma fun¸c˜ao M-mensur´avel f n˜ aonegativa, ou µ-som´ avel, o respectivo integral indefinido, dado por Z f dµ, para qualquer E ∈ M, λ(E) = E 320 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue ´e sempre uma medida λ ≪ µ, como vimos em 5.2.3. Bastante mais dif´ıcil de esclarecer ´e a quest˜ ao de saber se qualquer medida λ ≪ µ ´e, efectivamente, um integral indefinido em ordem a µ. A resposta (afirmativa) a esta quest˜ao ´e o Teorema de Radon-Nikodym (4 ), que ser´ a discutido e demonstrado nesta sec¸c˜ ao, e que se pode resumir informalmente como se segue: As medidas absolutamente cont´ınuas s˜ ao os integrais indefinidos. Veremos, simultaneamente, que qualquer medida λ definida em (X, M) pode ser decomposta de forma u ´nica como uma soma λ = λa +λs de duas medidas, onde λa ´e absolutamente cont´ınua em rela¸c˜ao a µ, e λs ´e singular em rela¸c˜ao a µ. Esta afirma¸c˜ ao ´e o Teorema da Decomposi¸ca ˜o de Lebesgue, e o par (λa , λs ) ´e a Decomposi¸ca ˜o de Lebesgue de λ em rela¸c˜ao a µ. Exemplos 5.3.1. 1. A medida de Dirac δ, no espa¸co de Lebesgue (R, L(R), m), n˜ ao ´e um integral indefinido, porque δ ´e singular em rela¸ca˜o a m. 2. A medida de Cantor ξ n˜ ao ´e um integral indefinido no espa¸co (R, L(R), m), porque ξ ´e igualmente singular. Se λ = m + ξ + δ, ent˜ ao a decomposi¸ca˜o de Lebesgue de λ ´e (m, ξ + δ). A decomposi¸c˜ ao de Lebesgue foi mencionada no exerc´ıcio 3 da sec¸c˜ao 4.2. Define-se formalmente como se segue: Defini¸ c˜ ao 5.3.2 (Decomposi¸c˜ao de Lebesgue ). Se λ e µ s˜ ao medidas em ˜o de lebesgue de λ em rela¸c˜ao a µ ´e um par (X, M), uma decomposic ¸a de medidas (λa , λs ) em (X, M), tais que: a) λ = λa + λs , e b) λa ≪ µ, e λs ⊥µ. O seguinte resultado deve ser conhecido, do exerc´ıcio mencionado: Proposi¸ c˜ ao 5.3.3. Sejam λ e µ medidas em (X, M). a) Se λ ≪ µ e λ⊥µ, ent˜ ao λ = 0, ao decomposi¸co ˜es de Lebesgue de λ em rela¸ca ˜o b) Se (λa , λs ) e (λ∗a , λ∗s ) s˜ ∗ ∗ a µ, ent˜ ao λa = λa , e λs = λs . No que se segue nesta sec¸c˜ao, todas as medidas mencionadas est˜ ao definidas num espa¸co mensur´avel fixo (X, M). O nosso principal objectivo ´e a demonstra¸c˜ ao de: 4 De Radon e Otto M. Nikodym, 1889-1974, matem´ atico polaco, e colaborador de Radon. 5.3. O Teorema de Radon-Nikodym-Lebesgue 321 Teorema 5.3.4 (de Radon-Nikodym-Lebesgue (I)). Se λ e µ s˜ ao medidas positivas σ-finitas, existe uma fun¸ca ˜o M-mensur´ avel f : X → [0, +∞] e uma medida positiva ν⊥µ tal que Z f dµ + ν(E) para qualquer E ∈ M. λ(E) = E Como o integral indefinido da fun¸c˜ao f ´e uma medida absolutamente cont´ınua em rela¸c˜ ao a µ, este teorema estabelece tamb´em a existˆencia da decomposi¸ca ˜o de Lebesgue de λ em rela¸c˜ao a µ. A unicidade desta decomposi¸c˜ao ´e a proposi¸c˜ ao 5.3.3, e portanto a medida ν e a classe de equivalˆencia de f em Fµ (X) s˜ ao u ´nicos. Antes de demonstrarmos o teorema 5.3.4 exploramos algumas das suas consequˆencias mais imediatas. Se λ ≪ µ, obtemos: Teorema 5.3.5 (de Radon-Nikodym (I)). Se λ e µ s˜ ao medidas positivas σ-finitas, e λ ≪ µ, existe uma fun¸ca ˜o M-mensur´ avel f : X → [0, +∞] tal que Z λ(E) = E f dµ, para qualquer E ∈ M. Demonstra¸ca ˜o. De acordo com 5.3.4, existe uma fun¸c˜ao M-mensur´avel f : X → [0, +∞] e uma medida positiva ν⊥µ tal que Z f dµ + ν(E), para qualquer E ∈ M. λ(E) = E ´ Como λ ≪ µ, o par (λ, 0) ´e a (´ unica) decomposi¸c˜ao de Lebesgue de λ. E por isso evidente que ν = 0. Os resultados anteriores s˜ ao facilmente adaptados a medidas reais. Teorema 5.3.6 (de Radon-Nikodym-Lebesgue (II)). Se µ ´e uma medida positiva σ-finita, e λ ´e uma medida real, existe f ∈ L1µ (X) e uma medida real ν⊥µ tal que Z f dµ + ν(E) para qualquer E ∈ M. λ(E) = E Demonstra¸ca ˜o. Sendo λ = λ+ − λ− a decomposi¸c˜ao de Jordan de λ, ´e claro + − que λ e λ s˜ ao medidas positivas finitas em (X, M). O teorema 5.3.4 ´e aplic´ avel ` as medidas λ+ e λ− , donde existem fun¸c˜oes M-mensur´aveis f+ , f− : X → [0, +∞], e medidas positivas ν+ , ν− ⊥µ tais que Z ± f± dµ + ν± (E), para qualquer E ∈ M. λ (E) = E 322 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue ´ claro que as fun¸c˜ E oes f+ , f− e f = f+ − f− s˜ ao µ-som´ aveis, as medidas ν+ e ν− s˜ ao finitas, ν = ν+ − ν− ´e uma medida real, ν⊥µ, e Z f dµ + ν(E), para qualquer E ∈ M. λ(E) = E Deixamos como exerc´ıcio a demonstra¸c˜ao de Teorema 5.3.7 (de Radon-Nikodym (II)). Se µ ´e uma medida positiva σ-finita, λ ´e uma medida real, e λ ≪ µ, existe f ∈ L1µ (X) tal que λ(E) = Z E f dµ, para qualquer E ∈ M. A fun¸c˜ ao f que ocorre na decomposi¸c˜ao de Lebesgue diz-se: Defini¸ c˜ ao 5.3.8 (Derivada de Radon-Nikodym). Se λ, µ, e ν s˜ ao medidas, e Z f dµ + ν(E), λ(E) = E ´e a decomposi¸c˜ ao de Lebesgue de λ em ordem a µ, dizemos que f ´e a dλ . derivada de Radon-Nikodym de λ em ordem a µ, e escrevemos f = dµ Exemplos 5.3.9. 1. Considere-se, no espa¸co (R, B(R), m), a medida λ = ρ + ξ, onde ξ ´e a medida de Cantor, e ρ ´e o integral indefinido da fun¸ca˜o exponencial f (x) = ex . Como ρ ´e absolutamente cont´ınua, e ξ ´e singular, ent˜ ao λ = ρ + ξ ´e a decomdλ posi¸ca˜o de Lebesgue de λ em ordem a µ, e a derivada de Radon-Nikodym dm ´e, evidentemente, a fun¸ca˜o exponencial. 2. Como ξ ´e singular, a derivada de Radon-Nikodym dξ dm ´e nula. A no¸c˜ ao de derivada de Radon-Nikodym ´e aplic´ avel em circunstˆancias muito gerais(5 ), e onde a derivada no sentido usual do termo pode n˜ ao ter qualquer significado. Podemos no entanto comparar a derivada usual de uma fun¸c˜ ao f : R → R com a derivada de Radon-Nikodym da sua derivada generalizada µ, supondo que µ existe. Deve ser claro que do Cap´ıtulo anterior que 5 Cauchy parece ter tido algumas no¸c˜ oes intuitivas sobre este conceito, e a ideia de continuidade absoluta, j´ a em 1841. Discutiu de forma algo vaga a ideia de “magnitudes coexistentes”, mas o exemplo que utilizou ´e muito sugestivo: a massa e o volume de um corpo, onde, na terminologia moderna, a massa ´e a medida λ, o volume ´e a medida µ, e ´e a medida de Lebesgue, e a derivada de Radon-Nikodym ´e a fun¸c˜ ao “densidade”. 323 5.3. O Teorema de Radon-Nikodym-Lebesgue • O Teorema da Decomposi¸c˜ ao de Lebesgue (4.7.13 e 4.7.14) ´e o teorema de Radon-Nikodym-Lebesgue para medidas na recta real, e mostra que dµ = f ′. neste caso dm • Se µ ´e uma medida absolutamente cont´ınua na recta real, ent˜ao – O 1o Teorema Fundamental do C´ alculo afirma que dµ dm = f ′, e – O 2o Teorema Fundamental do C´ alculo ´e essencialmente o teorema de Radon-Nikodym. Passamos ` a demonstra¸c˜ ao do teorema 5.3.4, que organizamos numa sequˆencia de resultados parciais auxiliares. O argumento que utilizamos baseia-se numa observa¸c˜ ao muito natural: supondo que λ e µ s˜ ao medidas positivas em (X, M), e temos Z f dµ + ν(E), para qualquer E ∈ M, λ(E) = E onde ν ´e tamb´em uma medida positiva, ´e evidente que Z f dµ ≤ λ(E), para qualquer E ∈ M. (5.3.1) E ´ por isso razo´ E avel procurar a derivada de Radon-Nikodym de λ em ordem a µ na classe das fun¸co ˜es que satisfazem a desigualdade 5.3.1, e ´e de esperar que esta derivada seja a maior solu¸c˜ao para esta desigualdade. Defini¸ c˜ ao 5.3.10. Seja Dλ a classe das fun¸c˜oes M-mensur´aveis g : X → [0, +∞] tais que Z gdµ ≤ λ(E) para qualquer E ∈ M. E ´ f´acil obter sucess˜oes crescentes em Dλ . E Lema 5.3.11. Se gk ∈ Dλ e fn = max{gk : k ≤ n}, ent˜ ao fn ∈ Dλ . Demonstra¸ca ˜o. Basta-nos considerar n = 2, por raz˜ oes ´obvias. Se g = f2 = max{g1 , g2 }, ent˜ ao g ´e uma fun¸c˜ao M-mensur´avel e n˜ ao-negativa, e os c ´ claro ao mensur´aveis. E conjuntos F1 = {x ∈ X : g(x) = g1 (x)}, e F2 = F1 s˜ que f (x) = g2 (x) para x ∈ F2 . Portanto, e sendo E ∈ M, temos: Z Z Z Z Z g2 dµ ≤ g1 dµ + gdµ = gdµ + gdµ = E E∩F1 E∩F2 E∩F1 E∩F2 ≤λ(E ∩ F1 ) + λ(E ∩ F2 ) = λ(E), dado que g1 , g2 ∈ Dλ , e λ ´e uma medida. Conclu´ımos que g ∈ Dλ . 324 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue Como Dλ 6= ∅, podemos introduzir a seguinte defini¸c˜ao auxiliar: Defini¸ c˜ ao 5.3.12. A fun¸c˜ao π : M → [0, ∞] ´e dada por Z π(E) = sup{ gdµ : g ∈ Dλ }. E ´ evidente que π(E) ≤ λ(E) para qualquer E ∈ M. Provamos a seguir E que π ´e o integral indefinido de uma fun¸c˜ao f ∈ Dλ , sob a hip´ otese adicional de λ e µ serem medidas finitas. Lema 5.3.13. Se λ e µ s˜ ao medidas positivas finitas, existe f ∈ Dλ tal que R π(E) = E f dµ para E ∈ M. R Demonstra¸ca ˜o. Como π(X) = sup{ c˜oes gn ∈ X gdµ : g ∈ Dλ }, existem fun¸ R Dλ tais que X gn dµ → π(X). Definimos fn = max{g1 , g2 , g3 , · · · , gn }, e notamos que as fun¸c˜ oes fn ∈ Dλ , de acordo com 5.3.11. As fun¸c˜ oes fn s˜ ao mensur´aveis, n˜ ao-negativas, e fn (x) ր f (x). Segue-se, do teorema de Beppo Levi, que f ´e uma fun¸c˜ao mensur´avel n˜ ao-negativa, e Z Z f dµ, para qualquer E ∈ M. fn dµ ր E E Como R E fn dµ ≤ λ(E), para qualquer E ∈ M, temos f ∈ Dλ . R E f dµ ≤ λ(E), i.e., Para mostrar que π ´e o integral indefinido de f , note-se primeiro que, para E = X, temos: Z Z f dµ. fn dµ ր π(X) = X X Seja E ∈ M, e g ∈ Dλ . Sendo h = max{f, g}, segue-se de 5.3.11 que h ∈ Dλ . Por defini¸c˜ ao de π, temos Z Z Z Z Z Z f dµ. gdµ + hdµ ≥ f dµ = π(X) ≥ f dµ = f dµ + Ec E X X E Ec Conclu´ımos que Z Z gdµ, para qualquer E ∈ M, e qualquer g ∈ Dλ . f dµ ≥ π(E) ≥ E E ´ assim evidente que π(E) = E R E f dµ, i.e., π ´e o integral indefinido de f . Acab´amos de provar que π ´e um integral indefinido, e ´e, por isso, uma medida absolutamente cont´ınua em rela¸c˜ao a µ. Para concluir a demonstra¸c˜ ao de 5.3.4, para o caso em que λ e µ s˜ ao medidas positivas finitas, resta-nos mostrar que a diferen¸ca ν = λ − π ´e singular em rela¸c˜ao a µ. 5.3. O Teorema de Radon-Nikodym-Lebesgue 325 Lema 5.3.14. Se λ e µ s˜ ao medidas positivas finitas, e π ´e definido por 5.3.12, ent˜ ao ν = λ − π ´e uma medida positiva finita, e ν⊥µ. Demonstra¸ca ˜o. λ e π s˜ ao medidas positivas finitas e λ ≥ π, donde ν = λ − π ´e uma medida positiva finita. Consideramos as medidas reais νn = ν − n1 µ, e designamos por (Pn , Nn ) uma decomposi¸c˜ao de Hahn para νn . Registamos que (1) Se P = ∞ [ Pn e N = ∞ \ n=1 n=1 Nn , ent˜ao X = P ∪ N , e P ∩ N = ∅. Como N ⊆ Nn para qualquer n, temos νn (N ) = ν(N ) − 1 1 µ(N ) ≤ 0, ou ν(N ) ≤ µ(N ). n n Fazendo n → +∞, obtemos ν(N ) = 0, e portanto (2) ν est´ a concentrada em P. Seja agora f a fun¸c˜ ao referida no lema 5.3.13, cujo integral indefinido ´e π. Consideramos a fun¸c˜ ao hn = f + n1 χPn , e notamos que hn ´e uma fun¸c˜ao mensur´ avel n˜ ao-negativa. Designamos o integral indefinido de hn por φn . Provamos em seguida que hn pertence a Dλ , ou seja, que φn (E) ≤ λ(E) para qualquer E ∈ M. Como π = λ − ν, um c´alculo simples mostra que φn (E) = π(E) + 1 1 µ(E ∩ Pn ) = λ(E) − ν(E) + µ(E ∩ Pn ) = n n 1 µ(E ∩ Pn ) = n = λ(E) − ν(E ∩ Nn ) − νn (E ∩ Pn ). = λ(E) − ν(E ∩ Nn ) − ν(E ∩ Pn ) + Como ν ≥ 0 e Pn ´e νn -positivo, temos ν(E ∩ Nn ) ≥ 0 e νn (E ∩ Pn ) ≥ 0. Portanto, φn (E) = λ(E) − ν(E ∩ Nn ) − νn (E ∩ Pn ) ≤ λ(E), ou seja, hn ∈ Dλ . Conclu´ımos que µ(Pn ) = 0, porque Z Z Z 1 f dµ + µ(Pn ) ≤ π(X) = hn dµ = f dµ. n X X X e claro que µ(P ) = 0, i.e., Como P = ∪∞ n=1 Pn , ´ (3) µ est´ a concentrada em N. Segue-se de (1), (2) e (3) que ν⊥µ. 326 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue A demonstra¸c˜ ao do Teorema de Radon-Nikodym-Lebesgue para medidas σ-finitas ´e uma generaliza¸c˜ao relativamente simples destes argumentos. Demonstra¸ca ˜o. Se as medidas µ e λ s˜ ao σ-finitas, existem conjuntos Mmensur´ aveis Xn , que podemos supor disjuntos, tais que ∞ [ X= Xn , onde µ(Xn ) < +∞, e λ(Xn ) < +∞. n=1 Definimos medidas λn , e µn , por λn (E) = λ(E ∩ Xn ), e µn (E) = µ(E ∩ Xn ). As medidas λn e µn s˜ ao finitas, e est˜ ao concentradas em Xn . Existem, por isso, fun¸c˜ oes M-mensur´aveis n˜ ao-negativas fn : X → [0, +∞], e medidas positivas finitas νn , em ambos os casos concentradas em Xn , tais que Z fn dµn + νn (E), para qualquer E ∈ M, e νn ⊥µn . λn (E) = E ´ simples verificar que E (1) λn (E) = R fn dµn = E Z E Definimos f (x) = R E fn dµ. Temos, portanto, fn dµ + νn (E), para qualquer E ∈ M. ∞ X fn (x), e ν(E) = (2) λ(E) = ∞ X n=1 λ(E ∩ Xn ) = Z X ∞ E n=1 fn dµ + νn (E). n=1 n=1 Segue-se de (1) que: ∞ X ∞ X λn (E) = n=1 ∞ X n=1 νn (E) = Z f dµ + ν(E). E Deixamos para o exerc´ıcio 3 verificar que ν⊥µ, o que termina a demonstra¸c˜ao de 5.3.4. Exemplo 5.3.15. O teorema de Radon-Nikodym-Lebesgue n˜ ao ´e, em geral, v´alido, se as medidas em causa n˜ ao s˜ao σ-finitas. Deixamos para o exerc´ıcio 1 o estudo dos casos λ = m, e µ = #, bem como λ = #, e µ = m. Exerc´ıcios. 5.4. Os Espa¸cos Lp 327 1. Considere a medida de contagem # e a medida de Lebesgue m, ambas definidas em L(R). Existem decomposi¸co˜es de Lebesgue de # (respectivamente, m) em rela¸ca˜o a m (respectivamente, #)? 2. Demonstre 5.3.7. 3. Para concluir a demonstra¸ca˜o do teorema de Radon-Nikodym esbo¸cada acima, mostre que: R R a) E fn dµn = E fn dµ. b) ν⊥µ. 4. Suponha que λ e µ s˜ao medidas positivas σ-finitas, e λ ≪ µ. R R dλ dµ. a) Mostre que se f ´e M-mensur´ avel, e n˜ ao-negativa, ent˜ ao X f dλ = X f dµ R R dλ ∈ L1µ (X) e X f dλ = X f dλ b) Prove que se f ∈ L1λ (X) ent˜ ao f dµ dµ dµ. dλ dµ c) Mostre que µ ≪ λ se e s´o se 6= 0, µ-qtp, e que neste caso dλ dµ dµ dλ = 1. 5. Suponha que λ, ν e µ s˜ao medidas positivas σ-finitas, e λ ≪ ν. a) Prove que dλ dµ = dλ dν dν dµ . b) Suponha que λ n˜ ao ´e absolutamente cont´ınua em rela¸ca˜o a ν. A conclus˜ao anterior mantem-se v´alida? 6. Suponha que µ, ν, λ, e λn s˜ao medidas positivas σ-finitas. a) Prove que d(λ+ν) dµ = dλ dµ + dν dµ . b) Prove, mais geralmente, que (6 ) d dµ 5.4 ∞ X n=1 λn ! = ∞ X dλn . dµ n=1 Os Espa¸ cos Lp Na discuss˜ ao que se segue, identificamos ( i.e., tratamos como um u ´nico objecto) fun¸c˜ oes mensur´ aveis que diferem entre si num conjunto de medida nula. Sendo (X, M, µ) um espa¸co de medida fixo, introduzimos Defini¸ c˜ ao 5.4.1 (Fun¸c˜ oes Equivalentes). Se f, g : X → R s˜ ao M-mensur´aveis, ent˜ ao f e g dizem-se equivalentes, e escrevemos f ≃ g, quando µ({x ∈ X : f (x) 6= g(x)}) = 0, i.e., se e s´ o se f (x) = g(x) µ-qtp. 6 Esta ´e uma forma abstracta do Teorema de Diferencia¸c˜ ao de Fubini para s´eries de fun¸c˜ oes crescentes, a que tamb´em cham´ amos o “pequeno teorema de Fubini”. 328 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue Podemos demonstrar facilmente que a rela¸c˜ao “≃” ´e de equivalˆ encia, no conjunto de todas as fun¸c˜oes mensur´aveis f : X → R. Por esta raz˜ ao, consideramos o conjunto quociente, formado pelas classes de equivalˆencia de todas as fun¸c˜ oes mensur´aveis f : X → R, que designaremos aqui Fµ (X). ´ E muito simples verificar que (7 ) Teorema 5.4.2. Fµ (X) ´e um espa¸co vectorial. Diz-se frequentemente que Fµ (X) ´e o espa¸co das (classes de) fun¸c˜oes mensur´ aveis, definidas e finitas qtp em X, porque qualquer fun¸c˜ao M-mensur´avel definida µ-qtp, e finita tamb´em µ-qtp, determina uma u ´nica classe em Fµ (X), mesmo quando o espa¸co (X, M, µ) n˜ ao ´e completo. avel, e finita µ-qtp em E. Se Teorema 5.4.3. Seja f : E → R M-mensur´ c µ(E ) = 0, ent˜ ao: a) Existe g : X → R, M-mensur´ avel em E, tal que g(x) = f (x), µ-qtp em E, e b) Se h : X → R ´e M-mensur´ avel em X, e h(x) = f (x) µ-qtp em E, ent˜ ao h ≃ g. Demonstra¸ca ˜o. a) A fun¸c˜ao f˜ : X → R, que coincide com f no conjunto E, e ´e nula em E c , ´e mensur´avel em X. Como H = {x ∈ E : |f (x)| = ∞} ´e ´ ´obvio que f (x) = g(x), se mensur´ avel, a fun¸c˜ ao g = f˜χH c ´e mensur´avel. E c c x 6∈ E ∪ H, onde µ(E ∪ H) = 0, i.e., f (x) = g(x), µ-qtp em E. b) Os conjuntos A = {x ∈ E : g(x) 6= f (x)} e B = {x ∈ E : h(x) 6= f (x)} s˜ ao mensur´ aveis, e tˆem medida nula. Como {x ∈ X : h(x) 6= g(x)} ⊆ E c ∪ A ∪ B, ´e ´ obvio que g ≃ h. A classe de equivalˆencia de f ´e designada por [f ], mas, em geral, escreveremos simplesmente f , no lugar de [f ]. Bem entendido, teremos sempre de verificar que as no¸c˜ oes que associamos a uma qualquer classe [f ] s˜ ao efectivamente independentes do representante f escolhido. Por exemplo, se f ≃ g, e f ´e som´ avel, ´e evidente que g ´e igualmente som´ avel, e, portanto, ´e razo´ avel referirmo-nos a classes de equivalˆencia “som´ aveis”. Introduzimos imediatamente a seguir uma fam´ılia de subespa¸cos de Fµ (X), ditos os espac ¸ os Lp , com 1 ≤ p ≤ ∞, que designaremos por Lpµ (X). Estes espa¸cos s˜ ao definidos em termos das chamadas normas Lp . A norma Lp da classe [f ] pode ser calculada a partir de qualquer representante f , e designa-se por kf kp . 7 O conjunto F (X), de todas as fun¸c˜ oes mensur´ aveis f : X → R, ´e, como sabemos, um espa¸co vectorial real. A classe N (X), de todas as fun¸c˜ oes mensur´ aveis f : N → R que s˜ ao ´ f´ nulas µ-qtp ´e, claramente, um subespa¸co vectorial de F (X). E acil mostrar que Fµ (X) ´e o quociente F (X)/N (X). 5.4. Os Espa¸cos Lp 329 Defini¸ c˜ ao 5.4.4 (Norma Lp , Espa¸cos Lp ). Se 1 ≤ p < ∞, e f : X → R ´e M-mensur´ avel, ent˜ ao (8 ) kf kp = Z p X |f | dµ 1 p . Lpµ (X) ´e formado pelas classes de fun¸c˜oes com norma Lp finita, i.e., n o Lpµ (X) = [f ] ∈ Fµ (X) : kf kp < ∞ Veremos que Lpµ (X) ´e, efectivamente, um espa¸co vectorial normado, com a norma indicada. Esta afirma¸c˜ ao ´e, em qualquer caso, quase evidente para p = 1, onde a norma ´e dada por Z |f |dµ. k[f ]k1 = kf k1 = X Recorde-se, a este respeito, as seguintes observa¸c˜oes, que fiz´emos num contexto mais restrito j´a no Cap´ıtulo 1, agora refor¸cadas com os resultados da sec¸c˜ao anterior, e a afirma¸c˜ ao final. • Se f, g ∈ L1µ (E), a desigualdade kf +gk1 ≤ kf k1 +kgk1 ´e a desigualdade triangular usual, • Se f ∈ L1µ (E) e α ∈ R, a identidade kαf k1 = |α|kf k1 resulta directamente de 5.2.13, e • kf k1 = 0 ⇐⇒ f ≃ 0 ⇐⇒ [f ] = [0]. c˜ao de algumas no¸c˜oes A defini¸c˜ ao do espa¸co L∞ µ (X) requer a introdu¸ auxiliares. Defini¸ c˜ ao 5.4.5 (Majorantes e Minorantes Essenciais). Dizemos que M ´e majorante ( respectivamente, minorante) essencial da fun¸c˜ao f se e s´ o se f (x) ≤ M , (respectivamente, f (x) ≥ M ) µ-qtp em X. Exemplo 5.4.6. No espa¸co (R, L(R), m), qualquer M ≥ 0 ´e majorante essencial da fun¸ca˜o de Dirichlet, porque a fun¸ca˜o de Dirichlet ´e nula qtp em R. Fun¸c˜ oes equivalentes tˆem exactamente os mesmos majorantes e minorantes essenciais, e portanto estas no¸c˜oes s˜ ao aplic´ aveis a elementos de Fµ (X). Deixamos para o exerc´ıcio 2 a demonstra¸c˜ao de: 8 Seguimos a conven¸c˜ ao natural de tomar (∞)α = ∞, desde que α > 0. 330 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue avel, e A ´e o conjunto dos Proposi¸ c˜ ao 5.4.7. Se f : X → R ´e M-mensur´ majorantes essenciais de f , ent˜ ao o conjunto A tem m´ınimo. Defini¸ c˜ ao 5.4.8 (Norma L∞ , Espa¸co L∞ ). Se f : X → R ´e M-mensur´avel, o menor majorante essencial de |f | designa-se kf k∞ , e diz-se a norma L∞ da classe [f ]. Definimos ainda L∞ µ (X) = {[f ] ∈ Fµ (X) : kf k∞ < ∞}. Deixamos tamb´em como exerc´ıcio a demonstra¸c˜ao do seguinte resultado: Proposi¸ c˜ ao 5.4.9. L∞ e um espa¸co vectorial normado, com a norma µ (X) ´ ∞ L definida em 5.4.8. Exemplos 5.4.10. 1. Designaremos o espa¸co LpmN (E) por Lp (E), quando E ⊆ RN ´e um conjunto Lebesgue-mensur´ avel. 2. Se (X, M, µ) = (N, P(N), #), ´e tradicional designar o espa¸co Lp# (N) por ℓp . P 2 ∞ Por exemplo, ℓ2 ´e o espa¸co das sucess˜oes reais tais que ∞ ´e n=1 xn < ∞, e ℓ o espa¸co das sucess˜oes reais limitadas. 3. RN ´e um espa¸co Lp , para qualquer 1 ≤ p ≤ ∞. Os espa¸cos Lp , com 1 < p < ∞, s˜ ao igualmente espa¸cos vectoriais normados, mas a demonstra¸c˜ao deste resultado requer a pr´evia verifica¸c˜ao das desigualdades ditas de H¨older(9 ), e de Minkowski(10 ). ao fun¸co ˜es M-mensur´ aveis e α ∈ R, ent˜ ao Lema 5.4.11. Se f, g : X → R s˜ a) kαf kp = |α| kf kp . b) kf kp = 0 ⇔ f (x) = 0, µ-q.t.p. em X ⇔ [f ] = [0]. c) kf kp + kgkp < ∞ =⇒ kf + gkp ≤ k(|f | + |g|)kp < ∞. d) Em particular, Lpµ (X) ´e um subespa¸co vectorial de Fµ (X). Demonstra¸ca ˜o. As afirma¸c˜oes a) e b) s˜ ao evidentes, para qualquer 1 ≤ p ≤ ∞, assim como c), para p = ∞. Passamos a provar c), para p < ∞. Como a fun¸c˜ ao φ(t) = tp ´e convexa para t ≥ 0, tomamos s = |f (x)|, t = |g(x)|, e α = β = 12 , para concluir que   1 |f (x)| + |g(x)| p 1 p (|f (x)| + |g(x)|) = ≤ (|f (x)|p + |g(x)|p ) . 2p 2 2 9 Otto Ludwig H¨ older, 1859-1937, matem´ atico alem˜ ao com o nome associado a esta desigualdade, e ao teorema de Jordan-H¨ older da Teoria dos Grupos. Ensinou nas universidades de G¨ ottingen e T¨ ubingen. 10 Hermann Minkowsky, 1864-1909, matem´ atico alem˜ ao, professor em G¨ ottingen, com o nome indissociavelmente ligado ao espa¸co-tempo quadridimensional da teoria da Relatividade Restrita. 5.4. Os Espa¸cos Lp 331 A integra¸c˜ ao desta desigualdade conduz imediatamente a 1 1 1 k |f | + |g| kpp ≤ kf kpp + kgkpp < ∞. 2p 2 2 Repare-se que as fun¸c˜ oes f e g s˜ ao, necessariamente, finitas µ-qtp, e podemos supor, sem perda de generalidade, que f + g ´e finita e est´ a definida em toda a parte. Como |f + g| ≤ |f | + |g|, ´e claro que kf + gkp ≤ k|f | + |g|kp < ∞. A afirma¸c˜ ao d) ´e um corol´ ario imediato de a) e c). Usaremos aqui a seguinte terminologia: Defini¸ c˜ ao 5.4.12 (Expoentes Conjugados). Se 1 ≤ p, q ≤ ∞, ent˜ao p e q 1 s˜ ao expoentes conjugados se e s´ o se p1 + 1q = 1, onde tomamos ∞ = 0. Observe-se que o u ´nico valor de p que ´e conjugado de si pr´ oprio ´e p = 2. Esta observa¸c˜ ao est´ a relacionado com o facto do espa¸co L2 ser o u ´nico espa¸co p 11 L que ´e euclidiano( ). Lema 5.4.13. Se p e q s˜ ao expoentes conjugados, 1 < p < ∞, ent˜ ao 0 ≤ x, y ≤ ∞ =⇒ xy ≤ 1 p 1 q x + y . p q Demonstra¸ca ˜o. A desigualdade s´ o n˜ ao ´e evidente se 0 < x, y < ∞. Neste caso, como a fun¸c˜ ao logaritmo ´e cˆ oncava, e p1 + 1q = 1, um c´alculo simples mostra que 1 1 1 1 log( xp + y q ) ≥ log(xp ) + log(y q ) = log(xy). p q p q A fun¸c˜ao logaritmo ´e crescente, e por isso p1 xp + 1q y q ≥ xy. O pr´ oximo teorema generaliza a desigualdade de Cauchy-Schwarz(12 ) para quaisquer expoentes conjugados. ao MTeorema 5.4.14 (Desigualdade de H¨older). Se f, g : X → R s˜ mensur´ aveis, e p e q s˜ ao expoentes conjugados, 1 ≤ p ≤ ∞, ent˜ ao kf gk1 ≤ kf kp kgkq . Demonstra¸ca ˜o. A desigualdade ´e evidente se kf kp kgkq = ∞, e ´e muito simples de estabelecer se kf kp kgkq = 0, porque, neste u ´ltimo caso, temos 11 O espa¸co vectorial normado V ´e euclidiano se e s´ o se a respectiva norma ´e dada por 1 kvk = (v • v) 2 , onde o s´ımbolo “•” representa um produto interno em V. 12 A desigualdade de Cauchy-Schwarz para integrais ´e a desigualdade de H¨ older com p = q = 2. 332 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue f g = 0, µ-qtp. Supomos por isso que 0 < kf kp kgkq < ∞. Tomamos F (x) = |f (x)| kf kp , e G(x) = |g(x)| kgkq . De acordo com o lema 5.4.13, temos 1 1 F (x)G(x) ≤ F (x)p + G(x)q . p q Integramos esta desigualdade, e como kF kp = kGkq = 1, obtemos: kF Gk1 ≤ Finalmente, e como 1 1 1 1 kF kpp + kGkqq = + = 1. p q p q kf gk1 kf kp kgkq = kF Gk1 ≤ 1, temos kf gk1 ≤ kf kp kgkq . Outra das consequˆencias do teorema anterior ´e a seguinte desigualdade: Teorema 5.4.15 (Desigualdade de Minkowski). Se 1 ≤ p ≤ ∞, ent˜ ao f, g ∈ Lpµ (X) ⇒ f + g ∈ Lpµ (X), e kf + gkp ≤ kf kp + kgkp . Demonstra¸ca ˜o. Limitamo-nos a considerar aqui os casos 1 < p < ∞. Definimos h = (|f | + |g|)p−1 , e registamos que (|f | + |g|)p = h|f | + h|g|. A desigualdade de H¨older aplicada aos produtos h|f | e h|g| conduz a: Z Z Z h|g|dµ ≤ khkq kf kp + khkq kgkp . h|f |dµ + (|f | + |g|)p dµ = (1) X X X O lado esquerdo desta desigualdade ´e naturalmente dado por: Z (|f | + |g|)p dµ = k |f | + |g| kpp . (2) X Como (p − 1)q = p, temos Z Z (p−1)q q (|f | + |g|)p dµ = k |f | + |g| kpp , ou (|f | + |g|) dµ = khkq = X X p  q (3) khkq = k |f | + |g| kp . Usando (2) e (3) na desigualdade (1), obtemos  p   q k |f | + |g| kpp ≤ k |f | + |g| kp kf kp + kgkp . ´ claro que nada temos a provar se k|f | + |g|k = 0. Caso contr´ E ario, dividip p  q mos a desigualdade anterior por k |f | + |g| kp , e notamos que p − pq = 1, donde kf + gkp ≤ k|f | + |g|kp ≤ kf kp + kgkp . 5.4. Os Espa¸cos Lp 333 Este resultado, associado ao lema 5.4.11, torna o seguinte corol´ ario essencialmente evidente. Corol´ ario 5.4.16. Lpµ (X) ´e um espa¸co vectorial normado com a norma p de Lµ (X). Em Rparticular, L2µ (X) ´e um espa¸co euclidiano, com o produto interno f • g = X f gdµ. As no¸c˜ oes topol´ ogicas b´ asicas, que devem ser conhecidas pelo menos N do espa¸co R , adaptam-se facilmente ao contexto de um qualquer espa¸co vectorial normado. Defini¸ c˜ ao 5.4.17 (Topologia em V). Sejam V e W espa¸cos vectoriais normados reais. Se v ∈ V (respectivamente, w ∈ W), designamos por kvk (respectivamente, kwk′ ), as correspondentes normas. a) A bola aberta de centro em v e raio ε > 0 ´e o conjunto Bε (v) = {u ∈ V : ku − vk < ε}. b) O conjunto U ⊆ V ´e aberto se e s´ o se, para qualquer v ∈ U , existe ε > 0 tal que Bε (v) ⊆ U . Se U ´e aberto, e v ∈ U , dizemos que U ´e uma vizinhanc ¸ a de v. A fam´ılia O = {U ⊆ V : U ´e aberto em V} ´e a topologia do espa¸co V. c) A sucess˜ao de termo geral v n ∈ V converge para v ∈ V se e s´ o se kv n − vk → 0, quando n → ∞. Em particular, se f, fn ∈ Lpµ (X), e kfn − f kp → 0, dizemos que fn converge para f em Lp . d) A sucess˜ao de termo geral v n ∈ V ´e fundamental se e s´ o se kv n − v m k → 0, quando n, m → ∞. e) A fun¸c˜ ao f : V → W ´e cont´ınua em v ∈ V se e s´ o se para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que ku − vk < δ ⇒ kf (u) − f (v)k′ < ε. Usaremos no que se segue, e sem mais coment´arios, no¸c˜oes que se derivam destas sem qualquer dificuldade, como, por exemplo, as de interior, exterior, fronteira, e fecho de qualquer conjunto U ⊆ V. Exemplos 5.4.18. 1. O teorema da convergˆencia dominada de Lebesgue pode ser enunciado como se segue: Se fn → f pontualmente em X, e existe g ∈ L1µ (X) tal que |fn (x)| ≤ g(x) µ-qtp em X, ent˜ ao fn tamb´em converge para f em L1 . Um resultado p an´alogo ´e v´alido em L (exerc´ıcio 4). 2. O integral definido φ : L1µ (X) → R ´e um funcional cont´ınuo em L1µ (X): Z Z Z |φ(f ) − φ(g)| = f dµ − gdµ ≤ |f − g| dµ = kf − gk1 . X X X 334 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue 3. Seja U ⊂ L1 (R) formado pelas classes de fun¸co˜es que tˆem algum represen´ usual escrever U = Cc (R), n˜ tante f ∈ Cc (R). E ao distinguindo “fun¸co˜es” de “classes de equivalˆencia” de fun¸co˜es, para evitar sobrecarregar a nota¸ca˜o utilizada (13 ). Com esta conven¸ca˜o, o corol´ ario 3.6.8 afirma que Cc (R) ´e denso em L1 (R), i.e., Cc (R) = L1 (R). 4. Deixamos para o exerc´ıcio 7 verificar que, se 1 ≤ p, q < ∞, ent˜ ao Lpµ (X) ∩ q p Lµ (X) ´e denso em Lµ (X). ´ muito interessante observar que as defini¸c˜oes apresentadas em 5.4.17 E c), d) e e), dependem apenas da topologia do espa¸co em causa, i.e., da fam´ılia formada pelos conjuntos abertos, e n˜ ao da norma utilizada para definir essa topologia. Com efeito: Proposi¸ c˜ ao 5.4.19. Mantendo a nota¸ca ˜o em 5.4.17, temos: a) v n → v se e s´ o se, para qualquer vizinhan¸ca U de v, existe p ∈ N tal que n > p =⇒ v n ∈ U . b) A sucess˜ ao de termo geral v n ´e fundamental se e s´ o se, para qualquer vizinhan¸ca U de 0 ∈ V, existe p ∈ N tal que n, m > p =⇒ (v n − v m ) ∈ U. c) A fun¸ca ˜o f : V → W ´e cont´ınua em v ∈ V se e s´ o se para qualquer vizinhan¸ca W de f (v) em W existe uma vizinhan¸ca V de v em V tal que f (V ) ⊆ W . Por esta raz˜ ao, duas normas definidas no mesmo espa¸co vectorial dizemse equivalentes se determinam a mesma topologia. Esta no¸c˜ao ´e irrelevante no estudo dos espa¸cos de dimens˜ao finita, porque todas as normas num mesmo espa¸co s˜ ao automaticamente equivalentes. A situa¸c˜ao ´e dramaticamente diferente nos espa¸cos de dimens˜ao infinita, o que introduz uma complexidade e riqueza de resultados muito interessante na teoria. Exemplos 5.4.20. 1. Lpµ (X) ∩ Lqµ (X) ´e um subespa¸co vectorial, tanto de Lpµ (X), como de Lqµ (X). No entanto, em geral, as normas de Lp e de Lq geram topologias distintas em Lpµ (X) ∩ Lqµ (X). Por exemplo, se gn ´e a fun¸ca˜o caracter´ıstica do intervalo √ ao fn = ngn → 0, com a norma de L1 , ou [0, n1 ] no intervalo X = [0, 1], ent˜ √ 1 ∞ “em L ”, mas a sucess˜ao diverge em L , porque kfn k∞ = n → ∞. Por outras palavras, as topologias determinadas em L1 (X) ∩ L∞ (X) pelas normas de L1 (X) e de L∞ (X) s˜ao diferentes. 2. Vimos atr´ as que Cc (RN ) ´e denso em L1 (RN ), i.e., Cc (RN ) = L1 (RN ), na ´ relativamente simples mostrar que Cc (RN ) = C0 (RN ), na topologia de L1 . E ∞ topologia de L (exerc´ıcio 5). 13 ´ E relevante observar que se f, g ∈ Cc (RN ) e f ≃ g ent˜ ao f = g, ou seja, a fun¸c˜ ao φ : Cc (RN ) → L1 (RN ) dada por φ(f ) = [f ] ´e injectiva. 5.4. Os Espa¸cos Lp 335 1 3. Se x ∈ RN , temos kxk∞ ≤ kxkp ≤ N p kxk∞ . Segue-se daqui que todas as normas Lp em RN s˜ao equivalentes. O seguinte resultado relaciona as sucess˜oes convergentes com as sucess˜oes fundamentais. Lema 5.4.21. Seja V um espa¸co vectorial normado. Ent˜ ao a) Qualquer sucess˜ ao convergente em V ´e fundamental. b) Qualquer sucess˜ ao fundamental em V com pelo menos uma subsucess˜ ao convergente ´e necessariamente convergente. Demonstra¸ca ˜o. Para provar a afirma¸c˜ao b), supomos que a sucess˜ao de termo geral xn ´e fundamental, e tem uma subsucess˜ ao de termo geral y n = xkn → y. Como a sucess˜ao de naturais de termo geral kn ´e estritamente crescente, e a sucess˜ao original ´e fundamental, temos kxn − y n k → 0. Observamos agora que: kxn − yk ≤ kxn − y n k + ky n − yk → 0. A demonstra¸c˜ ao de a) ´e parte do exerc´ıcio 8. No espa¸co RN , as sucess˜oes fundamentais s˜ ao convergentes, mas ´e simples dar exemplos de espa¸cos vectoriais normados com sucess˜oes fundamentais que divergem. Exemplo 5.4.22. Seja hn a fun¸ca˜o caracter´ıstica do intervalo [ n1 , 1], e ϕ(x) = √1x . Considere-se a sucess˜ao de fun¸co˜es ϕn = hn ϕ, no espa¸co L1 (X) ∩ L∞ (X), com a norma de ´ claro que a sucess˜ao converge em L1 para a fun¸ca˜o L1 (X), onde X = [0, 1]. E 1 ∞ ϕ 6∈ L (X) ∩ L (X). Portanto, a sucess˜ao ´e fundamental, mas divergente, no espa¸co L1 (X) ∩ L∞ (X), com a norma de L1 (X). Os espa¸cos vectoriais normados em que todas as sucess˜oes fundamentais convergem s˜ ao classificados como se segue: Defini¸ c˜ ao 5.4.23 (Espa¸cos de Banach, Espa¸cos de Hilbert). O espa¸co vectorial normado V diz-se um espac ¸ o de banach se e s´ o se as sucess˜oes fundamentais em V convergem em V. Um espac ¸ o de hilbert(14 ) ´e um espa¸co de Banach euclidiano. 14 David Hilbert, 1862-1943, alem˜ ao, professor em G¨ ottingen, um dos grandes matem´ aticos de sempre, tem o seu nome associado ` a c´elebre lista de problemas que apresentou no Congresso da Matem´ atica de 1900, como um desafio ` as capacidades dos matem´ aticos do s´eculo que ent˜ ao se iria iniciar. O seu problema no 8, sobre a chamada “Hip´ otese de Riemann”, ´e talvez o mais famoso problema da Matem´ atica ` a espera de solu¸c˜ ao. 336 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue Como sugerimos a prop´osito do teorema sobre a integra¸c˜ao de s´eries de fun¸c˜ oes som´ aveis, o crit´erio usual de convergˆencia de s´eries reais (“qualquer s´erie absolutamente convergente ´e convergente”), pode ser adaptado para caracterizar os espa¸cos de Banach. Teorema 5.4.24. Se V ´e um espa¸co vectorial normado, ent˜ ao as seguintes afirma¸co ˜es s˜ ao equivalentes: a) V ´e um espa¸co de Banach. b) Qualquer s´erie absolutamente convergente em V ´e convergente, i.e., se v n ∈ V, m ∞ X X v n − v = 0. kv n k < +∞ =⇒ Existe v ∈ V tal que lim m→∞ n=1 n=1 Demonstra¸ca ˜o. Deixamos a implica¸c˜ao “a) ⇒ b)” para o exerc´ıcio 9. Para provar que “b) ⇒ a)”, supomos que a sucess˜ao de termo geral xn ∈ V ´e fundamental, donde: Para qualquer k ∈ N, existe nk ∈ N tal que n, m ≥ nk ⇒ kxn − xm k < 1 . 2k Supomos sem perda de generalidade que a sucess˜ao de termo geral nk ´e estritamente crescente, e consideramos a subsucess˜ ao de termo geral y k = ´ claro que xnk , e a sucess˜ao auxiliar de termo geral z k = y k+1 − y k . E m X k=1 z k = y m+1 − y 1 , e ∞ X k=1 ∞ X 1 < +∞. kz k k < 2k k=1 Pm De acordo com b), existe z ∈ V tal que kz − k=1 z k k → 0. Por outras palavras, temos y m = xnm → z +y1 , quando m → ∞, e a sucess˜ao de termo geral xn tem uma subsucess˜ ao convergente. Conclu´ımos do lema 5.4.21 que a sucess˜ao fundamental de termo geral xn converge. O resultado que prov´amos anteriormente sobre s´eries de fun¸c˜oes som´ aveis ´e generaliz´ avel a qualquer espa¸co Lpµ (X). P Teorema 5.4.25. Se fn ∈ Lpµ (X), e ∞ ao: n=1 kfn kp < ∞, ent˜ P a) A s´erie f (x) = ∞ n=1 fn (x) converge absolutamente µ-qtp em X. P∞ b) kf kp ≤ n=1 kfn kp , donde f ∈ Lpµ (X), e P p c) As somas parciais m n=1 fn convergem para f em Lµ (X), i.e., m X fn − f = 0. lim m→∞ n=1 p 5.4. Os Espa¸cos Lp 337 Demonstra¸ca ˜o. Supomos 1 ≤ p < ∞, e deixamos o caso p = ∞ como exerc´ıcio. Observamos que gm (x) = m X n=1 |fn (x)| ր ∞ X n=1 |fn (x)| = g(x), donde gm (x)p ր g(x)p . Segue-se da propriedade de Beppo Levi que kgm kp → kgkp . Temos ainda, da desigualdade de Minkowski, que: kgm kp ≤ m X n=1 kfn kp ≤ ∞ X n=1 kfn kp < ∞, donde kgkp ≤ ∞ X n=1 kfn kp < ∞. Conclu´ımos que g ´e finita µ-qtp, o que Pestabelece a). Para provar b), definimos f (x) = ∞ n=1 fn (x), onde podemos supor que a s´erie converge, e ´e finita, em todo o conjunto X. A fun¸c˜ao f ´e mensur´avel, e temos: ∞ ∞ ∞ X X X kfn kp < ∞. |fn | = kgkp ≤ fn ≤ kf kp = n=1 p n=1 p n=1 P Aplicamos a afirma¸c˜ ao b) ` a cauda da s´erie ∞ n=1 fn , para concluir que ∞ m ∞ X X X kfn kp → 0, quando m → ∞. ≤ f f − f = n n n=1 p n=m+1 p n=m+1 O resultado seguinte ´e, certamente, um dos mais importantes resultados da teoria de integra¸c˜ ao de Lebesgue, e um dos seus sucessos t´ecnicos mais ´ uma consequˆencia evidente dos teoremas 5.4.24 e 5.4.25. significativos. E Corol´ ario 5.4.26 (Teorema de Riesz-Fischer). (15 ) Lpµ (X) ´e um espa¸co de Banach. Em particular, L2µ (X) ´e um espa¸co de Hilbert. Exerc´ıcios. 1. Prove que a rela¸ca˜o ≃ ´e de equivalˆencia. Prove que se f ≃ f ∗ , g ≃ g ∗ e c ∈ R, ent˜ ao f + g ≃ f ∗ + g ∗ , f g ≃ f ∗ g ∗ , e cf ≃ cf ∗ . 2. Demonstre as proposi¸co˜es 5.4.7 e 5.4.9, relativas aos espa¸cos L∞ . 3. Demonstre o teorema 5.4.25 para o caso p = ∞. 15 Ernst Fischer, 1875-1954, matem´ atico alem˜ ao de origem austr´ıaca, foi professor em Erlangen e Col´ onia. Este teorema foi provado para L2 quase simultaneamente por Riesz e por Fischer em 1907. Riesz definiu os espa¸cos Lp para p > 1 em 1910, e descobriu que s˜ ao espa¸cos de Banach, para qualquer p. 338 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue 4. Generalize o teorema da convergˆencia dominada de Lebesgue para o espa¸co ˜o: Suponha |fn | ≤ g, onde g ∈ Lp , e fn (x) → f (x), qtp em X. Lp . sugesta 5. Mostre que o fecho de Cc (RN ) na topologia de L∞ (RN ) ´e o espa¸co C0 (RN ). 6. Demonstre as seguintes afirma¸co˜es, relativas aos espa¸cos Lpµ (X): a) Se µ(X) < ∞, e p < q, ent˜ ao Lqµ (X) ⊆ Lpµ (X). b) Se p < q < r, e f ∈ Lpµ (X) ∩ Lrµ (X), ent˜ ao f ∈ Lqµ (X). c) Se p < q, ent˜ ao ℓp ⊆ ℓq , Lp (R)\Lq (R) 6= ∅, e Lq (R)\Lp (R) 6= ∅. 7. Seja Sµ (X) ⊆ Fµ (X) o conjunto das classes que tˆem um representante simples. Supondo 1 ≤ p, q < ∞, prove que: a) Sµ (X) ∩ Lpµ (X) ´e um subespa¸co denso de Lpµ (X). b) Lpµ (X) ∩ Lqµ (X) ´e denso em Lpµ (X). c) Sµ (X) ∩ L∞ e denso em L∞ µ (X) ´ µ (X). d) Existe um conjunto numer´avel, denso em Lp (RN ). 8. Complete a demonstra¸ca˜o do lema 5.4.21. 9. Complete a demonstra¸ca˜o do teorema 5.4.24, provando a implica¸ca˜o “a) ⇒ ˜o: Mostre que a sucess˜ao de somas parciais ´e fundamental. b)”. sugesta 5.5 Teoremas de Representa¸ c˜ ao de Riesz A generaliza¸c˜ ao das ideias e m´etodos do C´ alculo Diferencial, conhecidas do N espa¸co R , para um espa¸co vectorial normado V “arbitr´ario”, em particular para os espa¸cos Lpµ (X), utiliza transforma¸co ˜es lineares T : V → R apropriadas. Estas transforma¸c˜oes devem aproximar fun¸c˜oes ϕ : V → R, de forma a que ϕ(x + y) = ϕ(x) + T (y) + kyk ∆(x, y), onde ∆(x, y) → 0, quando y → 0. As transforma¸c˜ oes lineares em espa¸cos vectoriais normados de dimens˜ao finita s˜ ao automaticamente fun¸c˜oes cont´ınuas. Recorde-se que T : RN → R ´e linear se e s´ o se T (x) = a • x, onde a ∈ RN , e “•” designa o produto interno usual. No caso dos espa¸cos vectoriais de dimens˜ao infinita, e no seguimento das observa¸c˜oes que fiz´emos acima sobre a existˆencia de normas que n˜ ao s˜ ao equivalentes, n˜ ao ´e razo´ avel esperar que qualquer transforma¸c˜ao linear seja cont´ınua, e ´e necess´ario distinguir: Defini¸ c˜ ao 5.5.1 (Dual Alg´ebrico, Dual Topol´ogico). Seja V um espa¸co vectorial normado. a) O dual alg´ ebrico de V ´e o conjunto de todas as transforma¸c˜oes lineares f : V → R. 5.5. Teoremas de Representa¸c˜ ao de Riesz 339 ´ gico de V ´e o conjunto V∗ de todas as transforma¸c˜oes b) O dual topolo lineares cont´ınuas f : V → R. Exemplos 5.5.2. R 1. Se V = L1 (R) ∩ L∞ (R), e φ : V → R ´e dada por φ(f ) = R f dm, ´e evidente que φ ´e linear. Sendo fn a fun¸ca˜o caracter´ıstica de [0, n2 ], e gn = n1 fn , ent˜ ao φ(gn ) = n → ∞, e kgn k∞ = n1 → 0. Se considerarmos em V a topologia de L∞ , ent˜ ao φ n˜ ao ´e cont´ınua, i.e., φ pertence ao dual alg´ebrico, mas n˜ ao ao dual topol´ ogico. 2. No mesmo espa¸co, e supondo que E ∈ L(R) tem medida finita, a fun¸ca˜o R ϕ : V → R dada por ϕ(f ) = E f dm ´e linear, e cont´ınua. Basta observar que Z |f − g| dm ≤ kf − gk∞ m(E). |ϕ(f ) − ϕ(g)| ≤ E 3. ϕ : V → R ´e diferenci´ avel em V se e s´o se existe uma fun¸ca˜o Dϕ : V → V∗ tal que, para todo o x ∈ V, ϕ(x + y) − ϕ(x) − Dϕ(x)(y) =0 y→0 kyk lim Teorema 5.5.3. Seja V um espa¸co vectorial normado, e φ : V → R uma transforma¸ca ˜o linear. Ent˜ ao: a) φ ´e cont´ınua se e s´ o se kφk = sup {|φ(x)| : kxk ≤ 1} < ∞. Nesse caso, temos |φ(x)| ≤ kφk kxk , para qualquer x ∈ V. b) O dual topol´ ogico V∗ ´e um espa¸co de Banach, com norma dada por kφk = sup {|φ(x)| : kxk ≤ 1}. Demonstra¸ca ˜o. Para provar a), seja φ : V → R uma transforma¸c˜ao linear. (i) Suponha-se que φ ´e cont´ınua, em particular cont´ınua em 0 ∈ V. Existe por isso δ > 0 tal que kxk ≤ δ ⇒ |φ(x)| ≤ 1. Dado x 6= 0, δ x. Observamos que consideramos y = kxk 1 ≥ |φ(y)| = δ 1 |φ(x)| , e |φ(x)| ≤ kxk . kxk δ Segue-se que kφk = sup {|φ(x)| : kxk ≤ 1} ≤ 1δ < ∞, e ´e muito f´acil mostrar que |φ(x)| ≤ kφk kxk, para qualquer x ∈ V. (ii) Suponha-se que kφk = sup {|φ(x)| : kxk ≤ 1} < ∞, donde mais uma vez |φ(x)| ≤ kφk kxk. Se y ∈ V, ent˜ao |φ(x) − φ(y)| = |φ(x − y)| ≤ kφk kx − yk . ´ portanto evidente que φ ´e (uniformemente) cont´ınua em V. E 340 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue Para mostrarmos que V∗ ´e um espa¸co de Banach, ´e necess´ario verificar primeiro que kφk = sup {|φ(x)| : kxk ≤ 1} ´e uma norma em V∗ , o que deixamos para o exerc´ıcio 1. Dada uma sucess˜ao fundamental em V∗ , de termo geral φn , e x ∈ V, a sucess˜ao real de termo geral φn (x) ´e fundamental em R, e existe por isso limn→∞ φn (x), porque: |φn (x) − φm (x)| = |(φn − φm ) (x)| ≤ kφn − φm k kxk → 0. Podemos portanto definir φ : V → R por φ(x) = limn→∞ φn (x), e ´e simples verificar que φ ´e linear. Como kφn − φm k < M , temos |φ(x) − φm (x)| ≤ M kxk, e portanto |φ(x)| = |φ(x) − φm (x) + φm (x)| satisfaz |φ(x)| ≤ |φ(x) − φm (x)| + |φm (x)| ≤ (M + kφm k) kxk Conclu´ımos que φ ´e cont´ınua, e V ´e um espa¸co de Banach. Exemplos 5.5.4. 1. Se p e q s˜ao expoentesR conjugados, e g ∈ Lqµ (X), podemos definir T : older. Lpµ (X) → R por T (f ) = X f gdµ, de acordo com a desigualdade de H¨ Ainda de acordo com a mesma desigualdade, ´e claro que T ´e uma transforma¸ca˜o linear cont´ınua em Lp , e kT k ≤ kgkq . 2. Se µ ´eR uma medida real em B(RN ), podemos definir T : Cc (RN ) → R por T (f ) = RN f dµ. Temos neste caso que (16 ) |T (f )| ≤ kf k∞ |µ|(RN ) = kf k∞ kµk . Conclu´ımos que T ´e uma transforma¸ca˜o linear cont´ınua em Cc (RN ), com a topologia de L∞ . A identifica¸c˜ ao de transforma¸c˜oes lineares apropriadas definidas num dado espa¸co normado ´e um problema muito interessante, e apresentamos a seguir alguns resultados cl´assicos desta natureza. Precisaremos de usar no que segue a no¸c˜ ao de parti¸ca ˜o de unidade, que passamos a introduzir. Note-se que a demonstra¸c˜ao da sua existˆencia ´e uma adapta¸c˜ao engenhosa do argumento que introduzimos com a proposi¸c˜ao 3.6.1, que como diss´emos ´e por sua vez uma forma do Lema de Urysohn. Teorema 5.5.5 (Existˆencia de parti¸c˜oes da unidade). Se K ⊆ RN ´e compacto, e C = {U1 , · · · , Um } uma cobertura de K por abertos em RN , ent˜ ao N 17 existem fun¸co ˜es h1 , · · · , hm : R → [0, 1] tais que:( ) 16 Recorde do Cap´ıtulo 4 que a fun¸c˜ ao kµk = |µ|(X) ´e uma norma no espa¸co vectorial de todas as medidas reais definidas em (X, M). 17 ˜ o da unidade Dizemos neste caso que a fam´ılia de fun¸c˜ oes h1 , · · · , hm ´e uma partic ¸a ` cobertura C. em K subordinada a 341 5.5. Teoremas de Representa¸c˜ ao de Riesz a) hn ∈ Cc (RN ) tem suporte compacto em Un , e b) h1 (x) + h2 (x) + · · · hm (x) = 1, para qualquer x ∈ K. Demonstra¸ca ˜o. Se x ∈ K ent˜ ao existe pelo menos um aberto Un tal que x ∈ Un , e existe igualmente um rectˆ angulo aberto limitado Rx tal que x ∈ Rx ⊂ Rx ⊂ Un . A fam´ılia D = {Rx : x ∈ K} ´e uma cobertura aberta de K, e existe por isso uma subcobertura finita de K por rectˆ angulos Rx1 , · · · , Rxp . Agrupamos os rectˆ angulos Rxi ⊂ Un , ou seja, tomamos Kn = [ i∈In Rxi , In = {i : Rxi ⊂ Un } donde K ⊆ m [ Kn . n=1 De acordo com a proposi¸c˜ ao 3.6.1, existem fun¸c˜oes gn ∈ Cc (RN ) tais que χKn ≤ gn ≤ χUn . Tomamos h1 = g1 , h2 = (1 − g1 )g2 , · · · , hm = (1 − g1 )(1 − g2 ) · · · (1 − gm−1 )gm . Repare-se que 0 ≤ hn ≤ 1 ´e uma fun¸c˜ao cont´ınua de suporte compacto, cujo suporte est´ a contido no de gn , e portanto est´ a contido em Un . Por outro lado, e observando que h = h1 + h2 + · · · + hm = 1 − (1 − g1 )(1 − g2 ) · · · (1 − gm ), conclu´ımos que h = 1 em cada um dos conjuntos Kn , porque quando x ∈ Kn temos certamente 1 − gn (x) = 0. Se µ ´e uma medida positiva localmente finita, ou real, definida em B(RN ), podemos definir uma correspondente transforma¸c˜ao linear (um funcional linear) no espa¸co Cc (RN ) por: Z f dµ Tµ (f ) = RN Dizemos que o funcional T : Cc (RN ) → R ´e crescente sempre que: f ≤ g em RN =⇒ T (f ) ≤ T (g). Deve ser claro que se µ ´e positiva ent˜ao Tµ ´e crescente. O pr´ oximo teorema mostra que todos os funcionais crescentes em Cc (RN ) s˜ ao da forma Tµ , com µ positiva, e refere igualmente que a aplica¸c˜ao µ 7→ Tµ ´e injectiva na classe das medidas positivas localmente finitas. 342 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue Teorema 5.5.6 (Teorema de Representa¸c˜ao de Riesz (I)). Se T : Cc (RN ) → R ´e uma transforma¸ca ˜o linear crescente ent˜ ao existe uma medida positiva localmente finita µ definida em B(RN ) tal que Z f dµ(18 ). T (f ) = Tµ (f ) = RN Temos ainda que se µ 6= µ′ ent˜ ao Tµ 6= Tµ′ . Demonstra¸ca ˜o. Supomos que U ⊆ RN ´e aberto, e designamos por F (U ) o conjunto das fun¸c˜ oes f ∈ Cc (RN ), com suporte compacto em U , e tais que N 0 ≤ f ≤ 1 em R . Definimos ainda • Se ∅ = 6 U ⊆ RN ´e aberto, τ (U ) = sup {T (f ) : f ∈ F (U )}, e τ (∅) = 0. • Para qualquer E ⊆ RN , µ∗ (E) = inf {τ (U ) : E ⊆ U, U , aberto }. Note-se como quase ´ obvio que, se U ´e aberto, ent˜ao µ∗ (U ) = τ (U ). Observese tamb´em que, de um ponto de vista por enquanto apenas heur´ıstico, parece claro que µ(U ) deve coincidir com τ (U ), e portanto µ∗ deve ser uma medida exterior, e µ s´ o pode ser a medida determinada por essa medida exterior. ´ o que passamos a mostrar ser verdade, demonstrando uma sequˆencia de E resultados parciais, numerados de (i) at´e (vi). (i) τ ´e aditiva e σ-subaditiva na classe dos conjuntos abertos. Demonstra¸ca ˜o. Supomos que U 6= ∅ e Un s˜ ao abertos, e U⊆ ∞ [ Un . n=1 Seja f ∈ F (U ), com suporte compacto K ⊆ U . A fam´ılia {Un : n ∈ N} ´e uma cobertura aberta de K, e existe por isso m ∈ N tal que K⊆ m [ Un . n=1 Pelo teorema 5.5.5, existe uma parti¸c˜ao da unidade em K subordinada ` a cobertura U1 , U2 , · · · , Um , e formada por fun¸c˜oes h1 , h2 , · · · , hm , onde hn ∈ F (Un ). Tomando fn = f hn , ´e claro que m X n=1 fn = f m X n=1 hn = f e fn ∈ F (Un ). Como T ´e linear e τ ≥ 0, conclu´ımos que f ∈ F (U ) =⇒ T (f ) = m X n=1 T (fn ) ≤ m X n=1 τ (Un ) ≤ ∞ X n=1 τ (Un ). 343 5.5. Teoremas de Representa¸c˜ ao de Riesz Segue-se que τ (U ) ≤ P∞ n=1 τ (Un ), i.e., τ ´e σ-subaditiva. A aditividade de τ ´e agora mais simples de estabelecer. Suponha-se que U1 , · · · , Um s˜ ao abertos e disjuntos, e U = ∪m n=1 P Un . Quaisquer que sejam as fun¸c˜ oes fn ∈ F (Un ), ´e claro que f = m n=1 fn ∈ F (U ), donde m X n=1 T (fn ) = T (f ) ≤ τ (U ), e por isso Como prov´amos acima que τ (U ) ≤ m X Pm m X n=1 τ (Un ) ≤ τ (U ). n=1 τ (Un ), ´e evidente que τ (Un ) = τ (U ). n=1 Temos assim que τ ´e aditiva. (ii) µ∗ ´e uma medida exterior, e E ⊆ RN ´e µ∗ -mensur´avel se e s´ o se τ (U ) = µ∗ (U ∩ E) + µ∗ (U − E), para qualquer aberto U ⊆ RN . A respectiva verifica¸c˜ ao, que ´e muito simples, fica para o exerc´ıcio 3. A pr´ oxima afirma¸c˜ ao ´e algo mais delicada de demonstrar. (iii) Os conjuntos compactos s˜ ao µ∗ -mensur´aveis. Demonstra¸ca ˜o. Sendo K compacto e U aberto, temos a provar que τ (U ) ≥ µ∗ (U ∩ K) + µ∗ (U − K) = µ∗ (U ∩ K) + τ (U − K). Dado ε > 0, existe f ∈ F (U − K), tal que T (f ) > τ (U − K) + ε. Sendo K ′ o suporte de f , que ´e disjunto de K, existem conjuntos abertos disjuntos V ′ , V tais que K ′ ⊂ V ′ , e K ⊂ V (19 ). (Ver figura 5.5.1.) Sejam W ′ = U ∩ V ′ , e W = U ∩ V . Como W ∪ W ′ ⊆ U , e os abertos W e W ′ s˜ ao disjuntos, temos: τ (U ) ≥ τ (W ∪ W ′ ) = τ (W ) + τ (W ′ ) Dado que K ′ ⊂ W ′ , e K ′ ´e o suporte de f , temos tamb´em τ (W ′ ) ≥ T (f ) > τ (U − K) + ε Como U ∩ K ⊂ W , temos ainda τ (W ) ≥ µ∗ (U ∩ K), e conclu´ımos que τ (U ) ≥ τ (W ) + τ (W ′ ) ≥ µ∗ (U ∩ K) + τ (U − K) + ε. O resultado segue-se fazendo ε → 0. 344 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue V V ′ K′ K U ∩K W W′ U Figura 5.5.1: Separa¸c˜ao de K e K ′ por abertos V e V ′ . Sendo M(RN ) a σ-´algebra dos conjuntos µ∗ -mensur´aveis, e µ a restri¸c˜ ao de µ∗ a B(RN ), podemos evidentemente concluir que (iv) µ ´e uma medida regular em B(RN ). O pr´ oximo resultado estabelece, em particular, que µ ´e localmente  finita. Definimos F (K) = f ∈ Cc (RN ) : χK ≤ f ≤ 1 , e passamos a provar que (v) Se K ´e compacto, ent˜ao  µ(K) = inf T (f ) : f ∈ F (K) < ∞. ´ simples estabelecer a desigualdade Demonstra¸ca ˜o. E  (v.1) µ(K) ≥ inf T (f ) : f ∈ F (K) . Dado ε > 0 existe um aberto U ⊃ K tal que τ (U ) ≤ µ(K) + ε. Como existem fun¸c˜ oes g ∈ F (K) ∩ F (U ) (a proposi¸c˜ao 3.6.1 ´e exactamente a afirma¸c˜ ao F (K) ∩ F (U ) 6= ∅), ´e claro que  inf T (f ) : f ∈ F (K) ≤ T (g) ≤ τ (U ) ≤ µ(K) + ε. Fazendo ε → 0, obtemos (v.1). A afirma¸c˜ ao (v) ficar´ a assim estabelecida se provarmos 19  (v.2) µ(K) ≤ inf T (f ) : f ∈ F (K) . Esta ´e mais uma propriedade de separa¸c˜ ao, v´ alida na realidade em qualquer espa¸co topol´ ogico de Hausdorff, e que n˜ ao deve ser considerada como “´ obvia”. A sua demonstra¸c˜ ao ´e o exerc´ıcio 2. 345 5.5. Teoremas de Representa¸c˜ ao de Riesz  ´ claro Dado f ∈ F (K) e 0 < ε < 1, seja Uε = x ∈ RN : f (x) > ε . E que Uε ´e um aberto que cont´em K. Por outro lado, se g ∈ F (Uε ) ent˜ao εg ≤ ε ≤ f . Como T ´e linear e crescente, conclu´ımos que g ∈ F (Uε ) ⇒ εg ≤ f ⇒ εT (g) ≤ T (f ) ⇒ T (g) ≤ 1 T (f ). ε Como g ∈ F (Uε ) ´e arbitr´aria, segue-se da defini¸c˜ao de τ que 1 τ (Uε ) ≤ T (f ), para qualquer 0 < ε < 1. ε Como µ(K) ≤ τ (Uε ), temos ainda 1 µ(K) ≤ T (f ), para qualquer 0 < ε < 1. ε Fazendo ε → 1 obtemos µ(K) ≤ T (f ) < ∞, o que estabelece (v.2). O pr´ oximo resultado mostra finalmente que a medida µ ´e uma representa¸ca ˜o do funcional T . R (vi) T (f ) = RN f dµ, para qualquer f ∈ Cc (RN ). Demonstra¸ca ˜o. Seja K o suporte de f , e R ⊇ K um rectˆ angulo compacto. Dado ε > 0, e como f ´e uniformemente cont´ınua em R, existe uma parti¸c˜ ao de R em rectˆ angulos R1 , · · · , Rn , tais que a oscila¸c˜ao de f em cada Rk ´e inferior a ε. Com Mk = sup {f (x) : x ∈ Rk }, temos: n X (vi.1) k=1 Mk µ(Rk ) ≤ Z (f + ε)dµ = R Z f dµ + εµ(R). R Notamos que • Existem abertos Vk ⊇ Rk tais que f (x) < Mk + ε, para x ∈ Vk , porque f ´e cont´ınua, e • Existem abertos Wk ⊇ Rk tais que µ(Rk ) ≤ τ (Wk ) < µ(Rk ) + nε . Tomamos Uk = Vk ∩ Wk , e consideramosP uma parti¸c˜ao da unidade para K subordinada aos abertos Uk , h = nk=1 hk . Observamos que fk = f hk < (Mk + ε)hk , porque fk ´e nula no complementar de Uk , e Uk ⊆ Vk , donde T (f ) = n X k=1 n n X X (Mk + ε)τ (Uk ) (Mk + ε)T (hk ) ≤ T (fk ) ≤ k=1 k=1 346 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue Temos ainda n n X X ε (Mk + ε)τ (Uk ) < (Mk + ε)(µ(Rk ) + ) = n k=1 = k=1 n X n Mk (µ(Rk ) + k=1 n X k=1 X ε ε )+ ε(µ(Rk ) + ) ≤ n n k=1 Mk µ(Rk ) + ε kf k∞ + εµ(R) + ε2 , e conclu´ımos que (vi.2) T (f ) ≤ n X k=1 Mk µ(Rk ) + ε kf k∞ + εµ(R) + ε2 . Combinando (vi.1) e (vi.2) resulta que Z f dµ + ε kf k∞ + 2εµ(R) + ε2 , T (f ) ≤ R R e fazendo ε → 0 conclu´ımos que T (f ) ≤ R f dµ. Como esta desigualRdade ´e tamb´em v´alida para a fun¸c˜ao −f , temos ent˜ao que T (f ) = R f dµ. A unicidade da medida µ fica estabelecida com o seguinte resultado, que deixamos para o exerc´ıcio 3. (vii) RPara estabelecer a unicidade da medida µ, supomos que T (f ) = X f dλ, e notamos que • f ∈ F (K) ⇒ λ(K) ≤ T (f ). De acordo com (v), conclu´ımos que λ(K) ≤ µ(K), para qualquer compacto K. • f ∈ F (U ) ⇒ λ(U ) ≥ T (f ). Conclu´ımos que λ(U ) ≥ τ (U ) = µ(U ), para qualquer aberto U . Como λ e µ s˜ ao regulares nos compactos, temos λ(K) ≥ µ(K) para qualquer compacto K. ´´ • E obvio que λ(K) = µ(K) para qualquer compacto K, e segue-se de 4.4.10 que λ = µ em B(RN ). Exemplo 5.5.7. Definimos T : Cc (RN ) → R tomando para T (f ) o integral de Riemann de f em RN . Sabemos que T ´e um funcional linear crescente em Cc (RN ). Deve ser evidente que a medida µ que lhe est´ a associada pelo teorema de representa¸ca˜o de Riesz ´e exactamente a medida de Lebesgue. 347 5.5. Teoremas de Representa¸c˜ ao de Riesz Passamos a estudar os duais topol´ogicos dos espa¸cos Lpµ (X). Recordamos da desigualdade de H¨older que, se p e q s˜ ao expoentes conjugados, f ∈ Lpµ (X) e g ∈ Lqµ (X) =⇒ f g ∈ L1µ (X) e kf gk1 ≤ kpkp kgkq . Conclu´ımos imediatamente que Lema 5.5.8. Se g ∈ Lqµ (X), ent˜ ao podemos definir T : Lpµ (X) → R por Z f gdµ, T (f ) = X e T ´e uma transforma¸ca ˜o linear cont´ınua, com kT k ≤ kgkq . ´ um pouco mais delicado estabelecer que kT k = kgkq , e deve notar-se E que esta igualdade pode falhar quando p = 1 e q = ∞. R Lema 5.5.9. Se T : Lpµ (X) → R ´e dada por T (f ) = X f gdµ, onde g ∈ Lqµ (X), ent˜ ao temos kT k = kgkq pelo menos desde que: a) 1 < p ≤ +∞, ou b) p = 1, quando o espa¸co X ´e σ-finito. Demonstra¸ca ˜o. Observamos que nada temos a provar se kgkq = 0, e organizamos a demonstra¸c˜ ao em trˆes casos distintos: • p = ∞ e q = 1: Tomamos f = sgn(g)(20 ). Como kf k∞ = 1 e Z Z |g|dµ = kgk1 , donde kT k = kgk1 . sgn(g)gdµ = T (f ) = X X q • 1 < p < ∞: Definimos f = |g| p sgn(g). Notamos que kf kpp = kgkqq , donde f ∈ Lpµ (X). Temos ent˜ao Z Z Z 1+ qp |T (f )| = f gdµ = |g| |g|q dµ = kgkqq . dµ = X X X Como T ´e cont´ınua, temos tamb´em que q |T (f )| ≤ kT k kf kp = kT k kgkqp q Conclu´ımos que kgkqq ≤ kT k kgkqp donde kgkq ≤ kT k, e segue-se do lema 5.5.8 que kgkq = kT k. 20 Recorde que sgn(g) (o sinal de g) ´e +1 quando g ≥ 0, e -1 quando g < 0) 348 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue • p = 1 e X ´e σ-finito: Sendo g ∈ L∞ µ (X), M = kgk∞ e ε > 0, existe um conjunto mensur´ avel E com µ(E) > 0 tal que M − ε ≤ |g(x)| ≤ M , para qualquer x ∈ E. Existem conjuntos mensur´aveis Xn ր X, com µ(Xn ) < 0, e definimos En = E ∩ Xn . Tomamos ainda fn = M χEn sgn(g), notamos como ´obvio que kfn k1 = M µ(En ), e fn ∈ L1µ (X). Supomos (sem perda de generalidade) que µ(En ) > 0 para qualquer n, e observamos que Z Z M |g|dµ ≥ M (M − ε)µ(En ) fn gdµ| = kfn k1 kT k ≥ |T (fn )| = | En X Como kfn k1 = M µ(En ), conclu´ımos que kT k ≥ M − ε, e fazemos ε → 0. De acordo com os dois lemas anteriores, o operador ∗ Ψ : Lqµ (X) → Lpµ (X) , dado por Ψ(g)(f ) = Z f gdµ X est´ a bem definido e ´e uma isometria, donde ´e injectivo. O operador ´e claramente linear, e o teorema seguinte mostra que ´e sobrejectivo. Estabelece por isso que Ψ ´e um isomorfismo de espa¸cos vectoriais normados. Teorema 5.5.10 (Teorema de Representa¸c˜ao de Riesz (II)). Seja (X, M, µ) um espa¸co σ-finito, 1 ≤ p < ∞, e T : Lpµ (X) → R uma transforma¸ca ˜o linear cont´ınua. Ent˜ ao existe g ∈ Lqµ (X), onde q ´e conjugado de p, tal que Z f gdµ. T (f ) = X Demonstra¸ca ˜o. Supomos primeiro p que µ(X) < ∞. Neste caso, dado qualquer E ∈ M, temos kχE kp = p µ(E) < ∞, donde χE ∈ Lpµ (X). Podemos ´ f´acil verificar que λ ´e uma assim definir λ : M → R por λ(E) = T (χE ). E medida real, e λ << µ (exerc´ıcio 4), e na verdade a fun¸ca ˜o g referida no dλ teorema ´e a derivada de Radon-Nikodym dµ . Temos ent˜ao: (i) Existe g ∈ L1µ (X) tal que λ(E) = Podemos agora provar: R E gdµ, para qualquer E ∈ M. (ii) g ∈ Lqµ (X), e kgkq ≤ kT k. ´ necess´ario tratar separadamente os casos p = 1 e Demonstra¸ca ˜o. E p > 1. 349 5.5. Teoremas de Representa¸c˜ ao de Riesz • p = 1: Dado um conjunto mensur´avel E, seja f = χE , donde kf k1 = µ(E), e note-se que: Z |T (f )| = |λ(E)| = gdµ ≤ kT kkf k1 = kT kµ(E). E Segue-se facilmente que kgk ≤ kT k qtp em X, i.e., kgk∞ ≤ kT k. P • p > 1: Sendo s = nk=1 αk χAk uma fun¸c˜ao simples mensur´avel, ´e claro que s ∈ Lpµ (X), e temos T (s) = n X αk T (χAk ) = n X αk λ(Ak ) = αk Z gdµ = Ak k=1 k=1 k=1 n X Z sgdµ. X Existem fun¸c˜ oes simples mensur´aveis tais que 0 ≤ sn ր |g|q . 1 Sendo tn = (sn ) p sgn(g), e como as fun¸c˜oes tn s˜ ao simples, temos Z Z 1 (sn ) p |g|dµ = |T (tn )| ≤ kT kktn kp tn gdµ = (1) T (tn ) = X X Observamos agora que, por um lado, Z Z Z 1 1+q/p p |g|q dµ = kgkqq |g| dµ = (sn ) |g|dµ ր (2) T (tn ) = X X X Temos por outro lado que Z Z Z p p |g|q dµ = kgkqq sn dµ ր |tn | dµ = (3) ktn kp = X X X Supondo sem perda de generalidade que kgkq > 0, conclu´ımos de (1), (2) e (3) que kgkqq ≤ kT kkgkq/p q , ou seja, kgkq ≤ kT k A afirma¸c˜ ao (iii) conclui a demonstra¸c˜ao para o caso µ(X) < ∞: Z f gdµ, para qualquer f ∈ Lpµ (X), e kT k = kgkq . (iii) T (f ) = X R Demonstra¸ca ˜o. Definimos S(f ) = X f gdµ, para qualquer f ∈ Lpµ (X). Notamos do lema 5.5.8 que S ´e um funcional linear cont´ınuo. Como S(f ) = T (f ) para qualquer fun¸c˜ao simples, e estas fun¸c˜oes s˜ ao p p densas em L , ´e f´acil concluir que S = T em L (exerc´ıcio 1). (iv) Supomos finalmente que X ´e σ-finito, e Xn ր X, onde os conjuntos Xn tˆem medida finita. 350 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue Demonstra¸ca ˜o. Designamos por µn a restri¸c˜ao de µ aos subconjuntos mensur´ aveis de Xn . Dada uma fun¸c˜ao f ∈ Lpµn (Xn ), seja en (f ) ∈ Lpµ (X) a extens˜ ao de f a X que ´e nula para x 6∈ Xn , e note-se que a norma de f em Lpµn (Xn ) ´e a norma de en (f ) em Lpµ (X), i.e., en ´e uma isometria. Definimos Tn : Lpµn (Xn ) → R por Tn (f ) = T (en (f )), e deve ser evidente que kTn k ≤ kT k. Como µ(Xn ) < ∞, existe uma fun¸c˜ao Z f gn dµn , e kgn kq = kTn k ≤ kT k. gn ∈ Lqµn (Xn ) tal que Tn (f ) = Xn Observe-se que se n > m ent˜ao gm ´e a restri¸c˜ao de gn a Xm , porque a representa¸c˜ ao de Tm ´e u ´nica. Existe portanto uma fun¸c˜ao g definida em X cuja restri¸c˜ ao a Xn ´e a fun¸c˜ao gn , e temos R que kgn kq ր kgkq |, ´ f´acil concluir que T (f ) = donde kgkq ≤ kT k. E X f gdµ. Deixamos para o exerc´ıcio 5 verificar que, no caso 1 < p < ∞, a restri¸c˜ao a espa¸cos σ-finitos ´e sup´erflua. O pr´ oximo teorema identifica o dual topol´ogico de Cc (RN ), na topologia ∞ de L . A respectiva demonstra¸c˜ao ´e interessante, em especial por utilizar duas topologias distintas em Cc (RN ), a da convergˆencia uniforme usual (de L∞ ), e a do espa¸co L1λ , onde λ = |µ|, e µ ´e a medida real que representa o funcional T em causa. Teorema 5.5.11 (Teorema de Representa¸c˜ao de Riesz (III)). A transforma¸ca ˜o linear T : Cc (RN ) → R ´e cont´ınua na topologia de L∞ se e s´ o se N existe uma medida real µ, definida em B(R ), tal que Z f dµ. T (f ) = RN Neste caso, kT k = kµk = |µ|(RN ).  Demonstra¸ca ˜o. Sendo Cc+ (RN ) = f ∈ Cc (RN ) : f ≥ 0 , definimos  ϕ(T ) : Cc+ (RN ) → R por ϕ(T )(f ) = sup |T (g)| : |g| ≤ f, g ∈ Cc (RN ) . Temos: (i) ϕ(T ) ´e crescente em Cc+ (RN ), e ϕ(T ) ≤ kT k kf k∞ . (ii) Se c ≥ 0 e f ∈ Cc+ (RN ), ent˜ao ϕ(T )(cf ) = cϕ(T )(f ) = ϕ(cT )(f ). (iii) Se f1 , f2 ∈ Cc+ (RN ), ent˜ao ϕ(T )(f1 + f2 ) = ϕ(T )(f1 ) + ϕ(T )(f2 ). 351 5.5. Teoremas de Representa¸c˜ ao de Riesz Demonstra¸ca ˜o. Demonstramos apenas (iii), j´a que (i) e (ii) s˜ ao eviN dentes. Se g1 , g2 ∈ Cc (R ), e |gi | ≤ fi , ´e claro que T (g1 ) + T (g2 ) = T (g1 + g2 ) ≤ ϕ(T )(f1 + f2 ), e podemos concluir que ϕ(T )(f1 ) + ϕ(T )(f2 ) ≤ ϕ(T )(f1 + f2 ). Por outro lado, se g ∈ Cc (RN ), e |g| ≤ f1 + f2 , definimos ( g(x)fi (x) f1 (x)+f2 (x) , se f1 (x) + f2 (x) 6= 0, gi (x) = 0, se f1 (x) + f2 (x) = 0. ´ claro que as fun¸c˜ E oes gi ∈ Cc (RN ), e |gi | ≤ fi . Temos assim que T (g) = T (g1 ) + T (g2 ) ≤ ϕ(T )(f1 ) + ϕ(T )(f2 ), donde conclu´ımos que ϕ(T )(f1 + f2 ) ≤ ϕ(T )(f1 ) + ϕ(T )(f2 ). Definimos Φ(T ) : Cc (RN ) → R por Φ(T )(f ) = ϕ(T )(f + ) − ϕ(T )(f − ). Observamos que, se f ≥ 0 ent˜ao Φ(T )(f ) = ϕ(T )(f ), e: R (iv) Existe uma medida positiva finita λ tal que Φ(T )(f ) = RN f dλ. Em R particular, |T (f )| ≤ RN |f | dλ, e portanto T ´e tamb´em cont´ınuo na topologia de L1λ (RN ). ´ muito simples mostrar que Φ(T ) ´e linear e crescente Demonstra¸ca ˜o. E N em Cc (R ). A existˆencia da medida λ segue-se assim do teorema de representa¸c˜ ao de Riesz 5.5.6. A medida λ ´e finita, de acordo com (i). Temos tamb´em, por defini¸c˜ ao de ϕ(T ), que |T (f )| ≤ ϕ(T )(|f |) = ϕ(T )(f + ) + ϕ(T )(f − ) = Z Z Z − + |f | dλ = kf k1 . f dλ = f dλ + = RN RN RN Como Cc (RN ) ´e denso em L1λ (RN ), existe um funcional linear T˜ : L1λ (RN ) → R, cont´ınuo na topologia de L1 , e que ´e extens˜ao de T (exerc´ıcio 1). De N acordo com 5.5.10, existe g ∈ L∞ λ (R ) tal que Z Z f dµ, para qualquer f ∈ L1λ (RN ), f gdλ = T˜(f ) = RN R RN onde µ(E) = E gdλ, i.e., µ ´e o integral indefinido de g em ordem a λ. Deixamos como exerc´ıcio verificar que kT k = kµk = |µ|(RN ). 352 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue Exerc´ıcios. 1. Seja V um espa¸co vectorial normado, W ⊆ V um subespa¸co denso de V, e φ ∈ V∗ . a) Mostre que kφk = sup{|φ(x)k : kxk ≤ 1} ´e uma norma em V∗ . b) Suponha que S, T ∈ V∗ . Prove que se S(x) = T (x) para qualquer x ∈ W ent˜ ao S = T . c) Suponha que S : W → R ´e linear e cont´ınua. Prove que S tem uma u ´ nica extens˜ao linear cont´ınua T a todo o espa¸co V, e que kT k = kSk, i.e., sup {|S(x)| : kxk ≤ 1, x ∈ W} = sup {|T (y)| : kyk ≤ 1, y ∈ V} . d) Suponha que B ´e um espa¸co de Banach, e T ´e o espa¸co das transforma¸co˜es lineares cont´ınuas T : V → B. Mostre que T ´e um espa¸co de Banach. 2. Mostre que se K e K ′ s˜ao conjuntos compactos disjuntos em RN ent˜ ao existem conjuntos abertos U e U ′ , tamb´em disjuntos, tais que K ⊂ U e K ′ ⊂ U ′ . 3. Complete a demonstra¸ca˜o do teorema de representa¸ca˜o de Riesz (I) (5.5.6), provando a afirma¸ca˜o (ii). 4. Complete a demonstra¸ca˜o do teorema de representa¸ca˜o de Riesz (II) (5.5.10) verificando que a fun¸ca˜o λ a´ı definida ´e uma medida, e λ ≪ µ. 5. Mostre que o teorema de representa¸ca˜o de Riesz (II) (5.5.10) ´e v´alido para ˜o: Proceda como 1 < p < ∞, mesmo quando o espa¸co n˜ ao ´e σ-finito. sugesta se segue: a) Prove que, se E ⊆ X ´e σ-finito, existe gE ∈ Lqµ (X), nula em ERc , tal que, para qualquer fun¸ca˜o f ∈ Lpµ (X), nula em E c , temos T (f ) = X f gE dµ. R b) Mostre que existe um conjunto σ-finito E onde E |gE |q dµ ´e m´aximo. 6. Complete a demonstra¸ca˜o de 5.5.11, provando que kT k = kµk. 5.6 Teoremas de Egorov, Lebesgue e Riesz ´ em alguns casos indispens´ E avel utilizar topologias que n˜ ao podem ser definidas a partir de normas, ou mesmo de qualquer outro tipo de m´etrica (21 ). Quando o conjunto em causa ´e um espa¸co vectorial, a limita¸c˜ao mais fundamental a ter em conta na defini¸c˜ao de topologias adequadas ´e a de garantir a compatibilidade entre as suas estruturas alg´ebrica e topol´ogica, 21 ˆ ncia, no conjunto X ´e uma fun¸c˜ Uma m´ etrica, ou dista ao d : X × X → [0, ∞[, tal que d(x, y) = d(y, x), d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z), e d(x, y) = 0 se e s´ o se x = y. Uma topologia gerada por uma m´etrica, a partir das chamadas bolas abertas, que s˜ ao os ´ vel. conjuntos Bρ (x) = {y ∈ X : d(x, y) < ρ}, ´e uma topologia metriza 5.6. Teoremas de Egorov, Lebesgue e Riesz 353 o que se resume a assegurar que as suas opera¸c˜oes alg´ebricas b´ asicas s˜ ao cont´ınuas. Mais precisamente, sendo O a classe dos conjuntos abertos no espa¸co vectorial real V, ´e necess´ario que: • Se x + y ∈ U ∈ O, ent˜ ao existem V, W ∈ O tal que x ∈ V , y ∈ W , e (v, w) ∈ V × W ⇒ v + w ∈ U , e • Se α ∈ R, x ∈ V, e αx ∈ U ∈ O, ent˜ao existe um aberto V ⊆ R, e W ∈ O, tal que (α, x) ∈ V × W , e (β, y) ∈ V × W ⇒ βy ∈ U . Dizemos que o espa¸co V com a topologia O ´e um espac ¸ o vectorial 22 ´ topologico( ). N˜ao nos detemos aqui a examinar em pormenor como definir topologias em espa¸cos deste tipo, mas notamos que, dada a fam´ılia O, ´e simples identificar as sucess˜oes convergentes. Dada uma sucess˜ao em V, de termo geral xn , dizemos que xn → x ∈ V na topologia O, se e s´ o se, para qualquer aberto U ∈ O, se x ∈ U ent˜ao existe p ∈ N tal que n > p ⇒ xn ∈ U . Dadas topologias O e O′ num mesmo espa¸co V, ´e comum dizer que O ´e mais forte que O′ , ou O′ ´e mais fraca que O, se e s´ o se O′ ⊆ O. Deve notar-se que se uma dada sucess˜ao converge na topologia O, ent˜ao converge necessariamente em qualquer topologia mais fraca do que O. Indicamos a seguir dois exemplos de crit´erios de convergˆencia de sucess˜oes, em ambos os casos determinados por topologias que n˜ ao s˜ ao em geral definidas por m´etricas.(23 ) Defini¸ c˜ ao 5.6.1 (Convergˆencia Pontual, e em Medida). Dada uma sucess˜ao fn ∈ Fµ (X), dizemos que a sucess˜ao converge para f a) pontualmente, se e s´ o se limn→∞ fn (x) = f (x), µ-qtp em X. b) em medida, se e s´ o se, para qualquer ε > 0, µ ({x ∈ X : |fn (x) − f (x)| > ε}) → 0 , quando n → ∞. Escrevemos neste caso “fn ⇒ f ”.(24 ) Note-se de passagem que a convergˆencia em medida ´e muito utilizada na Teoria das Probabilidades, j´a que afirma que a probabilidade da diferen¸ca entre as vari´ aveis aleat´ orias fn e f ser “significativa” ´e pequena, quando n → ∞. Exemplos 5.6.2. 22 ´ E comum incluir na defini¸c˜ ao de espa¸co vectorial topol´ ogico outras restri¸c˜ oes, em especial a de que o conjunto {0} ´e fechado. 23 A especifica¸c˜ ao de uma topologia determina um crit´erio espec´ıfico de convergˆencia de sucess˜ oes, mas o crit´erio de convergˆencia de sucess˜ oes em si pode n˜ ao ser suficiente para estabelecer a topologia em causa, quando a topologia n˜ ao ´e determinada por uma m´etrica. 24 A convergˆencia em medida foi definida por Riesz em 1909. 354 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue ´ claro que fn → 0 1. Seja fn : R → R a fun¸ca˜o caracter´ıstica de [n, n + 1]. E pontualmente, mas fn n˜ ao converge para 0 em Lp (R), para qualquer 1 ≤ p ≤ ∞, porque kfn kp = 1. A sucess˜ao fn tamb´em n˜ ao converge para 0 em medida. ao fn converge pontualmente e em 2. Se fn (x) = nχIn (x), onde In = [0, n1 ], ent˜ medida, mas n˜ ao converge em Lp .   3. Com n, k ∈ N, e 0 ≤ k < n, seja In,k = nk , k+1 ca˜o n , e gn,k a respectiva fun¸ caracter´ıstica. Reindexamos as fun¸co˜es gn,k , definindo hm = gn,k , quando m = nq + k. A sucess˜ao hn converge em Lp , mas n˜ ao converge pontualmente. As fun¸co˜es nhn convergem em medida, mas n˜ ao convergem em Lp . A topologia da convergˆencia uniforme ´e sempre mais forte do que a topologia da convergˆencia pontual, e mais forte do que a topologia de Lp , desde que µ(X) < ∞, o que ´e reflectido no pr´ oximo lema. Deixamos a respectiva demonstra¸c˜ ao para o exerc´ıcio 5. Lema 5.6.3. Se kfn − f k∞ → 0, ent˜ ao fn → f pontualmente, e em medida. p Se µ(X) < ∞, ent˜ ao fn → f em L , para qualquer 1 ≤ p ≤ ∞. A topologia de Lp pode ser introduzida no espa¸co Fµ (X), atrav´es da m´etrica, ou distˆ ancia, d, dada por d(f, g) = min{1, kf − gkp }. A topologia da convergˆencia em medida ´e mais fraca do que a topologia de Lp : Proposi¸ c˜ ao 5.6.4. Dada uma sucess˜ ao fn ∈ Fµ (X), se fn → f em Lp , ent˜ ao fn converge para f em medida. Demonstra¸ca ˜o. Fixado ε > 0, seja En = {x ∈ X : |fn (x) − f (x)| > ε}. Temos a provar que µ(En ) → 0, e deixamos o caso p = ∞ para o exerc´ıcio 7. Temos fn → f em Lp , donde kfn − f kp = Z p X |fn − f | dµ 1 p ≥ Z p En |fn − f | dµ 1 p 1 ≥ εµ(En ) p ≥ 0. ´ evidente que µ(En ) → 0. E Demonstramos a seguir trˆes resultados cl´assicos, devidos a Riesz, Egorov e Lebesgue, que relacionam alguns destes modos de convergˆencia. O primeiro destes resultados envolve a convergˆencia em medida e a convergˆencia pontual: (25 ), Teorema 5.6.5 (Teorema de Riesz). Dada uma sucess˜ ao fn ∈ Fµ (X), se fn ⇒ f ent˜ ao existe uma subsucess˜ ao fnk → f pontualmente. 25 Dimitri Egorov, 1869-1931, matem´ atico russo, de quem Luzin foi aluno. Foi professor da Universidade de Moscovo, e ocupou cargos muito relevantes, mas foi duramente perseguido pelas autoridades sovi´eticas pelas suas convic¸c˜ oes religiosas. Morreu no seguimento de uma greve da fome, que iniciou na pris˜ ao. 355 5.6. Teoremas de Egorov, Lebesgue e Riesz Demonstra¸ca ˜o. Fixado k ∈ N , temos   1 = 0. x ∈ X : |fn (x) − f (x)| ≥ lim µ n→∞ k Portanto, para cada k existe um natural nk tal que   1 1 µ x ∈ X : |fnk (x) − f (x)| ≥ < k. k 2 Definimos: a) gk = fnk , b) Ek = {x ∈ X : |gk (x) − f (x)| ≥ k1 }, donde µ(Ek ) < 21k . P∞ ∞ c) Fm = ∪∞ k=m k=m Ek , e F = ∩m=1 Fm , donde µ(Fm ) < µ(F ) = 0. 1 2k = 1 , 2m−1 e Se x 6∈ F , i.e., se x 6∈ Fm para algum m, ent˜ao x 6∈ Ek para todo o k ≥ m, e portanto |gk (x) − f (x)| < k1 para k ≥ m, donde gk (x) → f (x). Como gk (x) → f (x) para x 6∈ F e µ(F ) = 0 temos que gk → f pontualmente. Quando uma sucess˜ao converge em duas topologias distintas, n˜ ao ´e necessariamente verdade que o respectivo limite seja independente da topologia em causa. O teorema de Riesz mostra que este problema n˜ ao existe, no caso de sucess˜oes de fun¸c˜ oes que convergem de acordo com mais de um dos crit´erios que mencion´amos (exerc´ıcio 2). Passamos a demonstrar uma rela¸c˜ao algo surpreendente entre convergˆencia pontual e convergˆencia uniforme. Teorema 5.6.6 (Teorema de Egorov). Se fn (x) → f (x), µ-qtp em X, e µ(X) < +∞, ent˜ ao para qualquer ε > 0 existe um conjunto E com µ(X\E) < ε tal que fn → f uniformemente em E. Demonstra¸ca ˜o. Para cada n, k ∈ N, seja   1 . En,k = x ∈ X : |fn (x) − f (x)| < k Consideramos igualmente os conjuntos Fm,k = ∞ \ n=m En,k ր Ck = ∞ [ m=1 Fm,k , e C = ∞ \ Ck . k=1 ´ f´acil verificar que fn (x) → f (x) se e s´ E o se x ∈ C. Tomando k fixo, sabemos que µ(Fm,k ) ր µ(Ck ) < ∞. Conclu´ımos que, para cada k, existe um natural pk tal que ε µ(Ck \Fpk ,k ) < k . 2 356 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue Consideramos o conjunto E, onde E= ∞ \ Fpk ,k . k=1 Dado qualquer natural k, supomos que n ≥ pk e tomamos qualquer x ∈ E. Como x ∈ Fpk ,k , concluimos que |fn (x)−f (x)| < k1 , donde fn → f uniformemente em E. Por outro lado, ´e f´acil verificar que C\E ⊆ ∪∞ m=1 (Ck \Fpk ,k ), donde se segue imediatamente que µ(C\E) < ε. Como o complementar de C tem medida nula, o resultado est´ a demonstrado. O resultado seguinte relaciona a convergˆencia pontual com a convergˆencia em medida. Mais uma vez, s´ o ´e aplic´ avel quando µ(X) < +∞. Teorema 5.6.7 (Teorema de Lebesgue). Se fn → f pontualmente e µ(X) < +∞ ent˜ ao fn ⇒ f . Demonstra¸ca ˜o. Dado ε > 0, seja En = {x ∈ X : |fn (x) − f (x)| ≥ ε} . Dado δ > 0, sabemos do teorema de Egoroff que existe E ⊆ X tal que fn → f uniformemente em E, e µ(X\E) < δ. Existe, por isso, um natural p tal que n > p ⇒ |fn (x) − f (x)| < ε, para ´ portanto ´obvio que para n > p temos En ⊆ (X\E), qualquer x ∈ E. E donde n > p ⇒ µ(En ) < δ. ´ tradicional dizer que a topologia usual de um qualquer espa¸co vectorial E normado, associada ` a respectiva norma, ´e a sua topologia forte. Al´em desta, ´e muito comum a utiliza¸c˜ao das chamadas topologias “fraca”, e “fraca∗ ”, que se lˆe “fraca estrela”. Estas duas u ´ltimas s˜ ao mais fracas do que a topologia “forte”, como o respectivo nome indica, e, em geral, n˜ ao s˜ ao metriz´ aveis. A pr´ oxima defini¸c˜ao indica os crit´erios de convergˆencia de sucess˜oes que est˜ ao associados a estas topologias(26 ). Defini¸ c˜ ao 5.6.8 (Topologias Fraca, e Fraca∗ ). Seja V um espa¸co vectorial normado, e V∗ o seu dual topol´ogico. a) A sucess˜ao de termo geral xn ∈ V converge para x na topologia fraca se e s´ o se T (xn ) → T (x), para qualquer T ∈ V∗ . b) A sucess˜ao de termo geral Tn ∈ V∗ converge para T na topologia fraca∗ se e s´ o se Tn (x) → T (x), para qualquer x ∈ V. Exemplos 5.6.9. 26 Mas que, como j´ a observ´ amos, n˜ ao especificam completamente as correspondentes topologias. 5.6. Teoremas de Egorov, Lebesgue e Riesz 357 1. A sucess˜ao de fun¸co˜es fn (x) = sen(nx) converge para 0 na topologia fraca de L1 ([0, 2π]) (recorde o exerc´ıcio 6 da sec¸ca˜o 3.4). 2. A topologia fraca∗ ´e a usual convergˆencia pontual de fun¸co˜es, restrita ao espa¸co das transforma¸co˜es lineares cont´ınuas. 3. De acordo com o Teorema de Riesz, se V = Lp , e 1 < p < ∞, ent˜ ao V∗∗ = V. ∗ p∗ Portanto, as topologias fraca e fraca s˜ao iguais em L , desde que 1 < p < ∞. A t´ıtulo de curiosidade, indicamos aqui um resultado que sugere algumas das vantagens associadas a estas topologias fracas: Teorema 5.6.10 (Teorema de Alaoglu). A bola fechada unit´ aria {T ∈ V∗ : ∗ kT k ≤ 1} ´e compacta na topologia fraca . Uniforme @@  9 99 99 99  99  99  99  99  Egorov 99 p 99 Em LK KK t:: 99 KK t 99 KK t K 99 t KK t KK KK 999 t KK 9 t TCDL KK 9 t KK 99 t Lebesgue K%%  t b a a ` ` _ _ _ ^ ^ ] ] .. Pontual nn Em medida  Riesz Figura 5.6.1: Rela¸c˜ oes entre modos de convergˆencia Exerc´ıcios. 1. Suponha que fn , gn ∈ Fµ (X), α ∈ R, fn → f , e gn → g, pontualmente (respectivamente, em medida, em Lp ). Prove que fn +gn → f +g, e αfn → αf , pontualmente (respectivamente, em medida, em Lp ). 2. Suponha que fn ∈ Fµ (X), fn → f , e fn → g, de acordo com dois crit´erios de convergˆencia distintos (pontualmente, em medida, ou em Lp ). Prove que f = g. 3. Suponha que fn ∈ Fµ (X), e fn − fm → 0 pontualmente (respectivamente, em medida). Prove que existe f ∈ Fµ (X) tal que fn → f pontualmente (respectivamente, em medida). 358 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue 4. Seja V um espa¸co vectorial normado. Mostre que se a sucess˜ao de termo geral Tn converge na topologia fraca de V∗ , ent˜ ao converge igualmente na topologia fraca∗ . 5. Demonstre o lema 5.6.3. 6. Supondo µ(X) < ∞, e f, g ∈ Fµ (X), definimos Z |f − g| dµ. d(f, g) = 1 + |f − g| X Mostre que: a) d ´e uma m´etrica em Fµ (X). b) d(fn , f ) → 0 se e s´o se fn ⇒ f . 7. Demonstre a proposi¸ca˜o 5.6.4, para p = ∞. 8. Os teoremas 5.6.6 e 5.6.7 s˜ao aplic´ aveis em espa¸cos σ-finitos? 9. Mostre que, em geral, a bola unit´ aria fechada B 1 (0) = {v ∈ V : kvk ≤ 1} ˜o: Considere os espa¸cos ℓp . n˜ ao ´e compacta na topologia forte. sugesta 5.7 O Teorema de Fubini-Lebesgue Estudamos nesta sec¸c˜ ao vers˜ oes mais abstractas do teorema de FubiniLebesgue, agora aplic´ aveis no produto cartesiano de quaisquer dois espa¸cos de medida (X, M, µ) e (Y, N , ν). A teoria que vamos desenvolver exige a defini¸c˜ ao de um espa¸co de medida com suporte no produto cartesiano dos espa¸cos de medida indicados, e para isso demonstraremos o seguinte resultado. Teorema 5.7.1. Dados espa¸cos (X, M, µ) e (Y, N , ν), existe um espa¸co (X × Y, M ⊗ N , µ ⊗ ν) com (µ ⊗ ν)(A × B) = µ(A)ν(B), para quaisquer conjuntos A ∈ M e B ∈ N . O caso particular deste teorema com (Y, N , ν) = (R, B(R), m) ´e o teorema 5.1.7, que estud´amos a prop´osito da defini¸c˜ao de integrais de Lebesgue “em ordem ` a medida µ”. A demonstra¸c˜ao de 5.7.1 segue ali´as os mesmos passos da demonstra¸c˜ ao de 5.1.7, mas usando agora os resultados da sec¸c˜ao anterior sobre integrais de Lebesgue em ordem a uma qualquer medida. Fixados os espa¸cos de medida (X, M, µ) e (Y, N , ν), definimos: ˆngulos” A × B ⊆ X × Y , com • A classe R formada pelos “recta A ∈ M e B ∈ N, • A fun¸c˜ ao λ : R → [0, +∞] dada por ζ(A × B) = µ(A)ν(B), e 359 5.7. O Teorema de Fubini-Lebesgue • A classe E formada pelas uni˜ oes finitas de “rectˆ angulos” em R, ditos novamente conjuntos “elementares”. Deixamos para o exerc´ıcio 1 ´lgebra em X × Y . verificar que E ´e uma a Lema 5.7.2. A fun¸ca ˜o λ ´e σ-aditiva na classe R. Demonstra¸ca ˜o. Segue precisamente os passos da demonstra¸c˜ao de 5.1.18: angulos” Seja A × B = ∪∞ n=1 An × Bn , com A, An ∈ M, B, Bn ∈ N , e os “rectˆ An × Bn disjuntos. As sec¸c˜ oes (A × B)y e (An × Bn )y , com y ∈ Y , s˜ ao dadas, novamente, por:   An , se y ∈ Bn , A, se y ∈ B, , e (An × Bn )y = • (A × B)y = ∅, se y 6∈ Bn . ∅, se y 6∈ B. Segue-se, mais uma vez, e por raz˜ oes evidentes, que     µ (A × B)y = µ(A)χB (y) e µ (An × Bn )y = µ(An )χBn (y), para y ∈ Y. As sec¸c˜ oes (An × Bn )y s˜ ao conjuntos disjuntos, e, por isso, µ(A)χB (y) = ∞ X µ(An )χBn (y). n=1 Integramos esta identidade termo-a-termo, usando o teorema 5.2.19. Temos novamente µ(A)ν(B) = ∞ X n=1 µ(An )ν(Bn ), i.e., λ(A × B) = ∞ X n=1 λ(An × Bn ). Podemos alargar a defini¸c˜ ao de λ `a classe E dos conjuntos “elementares”, demonstrando o pr´ oximo lema exactamente como 5.1.19. Lema 5.7.3. Se E ´e “elementar”, i.e., se E ∈ E, ent˜ ao a) E ´e uma uni˜ ao finita de “rectˆ angulos” em R disjuntos, e b) Se P = {A1 × B1 , · · · , Am × Bm } e Q = {C1 × D1 , · · · , Cn × Dn } s˜ ao parti¸co ˜es de E em “rectˆ angulos” em R, ent˜ ao m X j=1 λ(Aj × Bj ) = n X k=1 λ(Ck × Dk ). Defini¸ c˜ ao 5.7.4. Se E ∈ E e P = {A1 × B1 , A2 × B2 , · · · , Am × Bm } ´e uma parti¸c˜ao de E em conjuntos de R, definimos λ(E) = m X j=1 λ(Aj × Bj ) = m X j=1 µ(Aj )ν(Bj ). 360 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue ´ claro que a fun¸c˜ E ao λ ´e σ-aditiva na ´algebra E, e segue-se do teorema de extens˜ ao de Hahn (5.1.16) que: Teorema 5.7.5. Existe um espa¸co de medida (X × Y, K, ρ) tal que R ⊆ E ⊆ K e ρ(E) = λ(E), para qualquer conjunto E ∈ E. A σ-´ algebra K referida acima cont´em a classe R, e por isso M ⊗ N ⊆ K. A restri¸c˜ ao da medida ρ `a σ-´algebra M ⊗ N ´e a medida µ ⊗ ν, o que termina a demonstra¸c˜ ao de 5.7.1. Temos naturalmente que ) (∞ ∞ [ X An × Bn , An ∈ M, Bn ∈ N . µ(An )ν(Bn ) : E ⊆ (µ ⊗ ν)(E) = inf n=1 n=1 Estabelecido assim o primeiro resultado que nos t´ınhamos proposto demonstrar nesta sec¸c˜ ao, passamos ao estudo do teorema de Fubini-Lebesgue na forma aplic´ avel a conjuntos: Teorema 5.7.6 (Teorema de Fubini-Lebesgue (I)). Dados espa¸cos de medida σ-finitos (X, M, µ) e (Y, N , ν), e supondo que o conjunto E ⊆ X × Y ´e M ⊗ N -mensur´ avel, ent˜ ao a) As sec¸co ˜es Ex = {y ∈ Y : (x, y) ∈ E} ∈ N , para todo o x ∈ X, b) As sec¸co ˜es E y = {x ∈ Y : (x, y) ∈ E} ∈ M, para todo o y ∈ Y , c) A fun¸ca ˜o A(x) = ν(Ex ) ´e M-mensur´ avel em X, d) A fun¸ca ˜o B(y) = µ(E y ) ´e N -mensur´ avel em Y , e Z Z µ(E y )dν = (µ ⊗ ν)(E). ν(Ex )dµ = X Y Para provar este resultado, consideramos a classe FL(µ ⊗ ν), formada pelos conjuntos em M ⊗ N que satisfazem todas as condi¸c˜oes indicadas em 5.7.6. Note que a defini¸c˜ao seguinte ignora as condi¸c˜oes 5.7.6 a) e b), j´a que estas s˜ ao satisfeitas por todos os conjuntos em M⊗ N , conforme verific´ amos em 5.1.10. Defini¸ c˜ ao 5.7.7 (A Classe FL(µ ⊗ ν)). Designamos por FL(µ ⊗ ν) a classe dos conjuntos E ∈ M ⊗ N tais que: a) A fun¸c˜ ao A(x) = ν(Ex ) ´e M-mensur´avel em X, b) A fun¸c˜ ao B(y) = µ(E y ) ´e N -mensur´avel em Y , e Z Z µ(E y )dν = (µ ⊗ ν)(E). ν(Ex )dµ = X Y 361 5.7. O Teorema de Fubini-Lebesgue Nesta terminologia, o teorema 5.7.6 ´e a identidade FL(µ ⊗ ν) = M ⊗ N . Mostramos a seguir que FL(µ ⊗ ν) cont´em os conjuntos “elementares”. Lema 5.7.8. E ⊆ FL(µ ⊗ ν). Demonstra¸ca ˜o. Suponha-se que E = A × B ´e um “rectˆ angulo”. Temos A ∈ M e B ∈ N , e sabemos que A(x) = ν(Ex ) = ν(B)χA (x), e B(y) = µ(E y ) = µ(A)χB (y). ´ evidente que estas fun¸c˜ E oes s˜ ao mensur´aveis, e que Z Z χA dµ = ν(B)µ(A) = (µ ⊗ ν)(E) = µ(A)ν(B) = Adµ =ν(B) X Z ZX Bdν. χB dν = =µ(A) Y Y Se E ´e um conjunto “elementar”, temos E= m [ n=1 An × Bn , com An ∈ M e Bn ∈ N , onde podemos supor que os “rectˆ angulos” An ×Bn s˜ ao disjuntos. Um c´alculo simples, semelhante ao que fiz´emos na demonstra¸c˜ao de 5.7.2, mostra que A(x) = ν(Ex ) = m X ν(Bn )χAn (x) e B(y) = µ(E y ) = m X µ(An )χBn (y). n=1 n=1 A e B s˜ ao, portanto, fun¸c˜ oes simples mensur´aveis, respectivamente em (X, M), e em (Y, N ), e temos Z Adµ = X m X n=1 ν(Bn )µ(An ) = (µ ⊗ ν)(E) = Z Bdν. Y Como M⊗ N ´e a σ-´ algebra gerada pelos “rectˆ angulos”, provar´ıamos que M⊗N ⊆ FL(µ⊗ν), e portanto que M⊗N = FL(µ⊗ν), estabelecendo que FL(µ⊗ν) ´e uma σ-´ algebra, mas esta ideia n˜ ao ´e f´acil de aplicar directamente. ´ E mais simples aproveitar outras propriedades de FL(µ ⊗ ν): Lema 5.7.9. Suponha-se que os conjuntos En , Fn ∈ FL(µ ⊗ ν). Temos ent˜ ao: a) Se En ր E = ∪∞ ao E ∈ FL(µ ⊗ ν), e n=1 En , ent˜ b) Se Fn ց F = ∩∞ ao F ∈ FL(µ ⊗ ν). n=1 Fn , ent˜ 362 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue Demonstra¸ca ˜o. Demonstramos a), deixando b) para o exerc´ıcio 2. O argumento que utilizamos ´e idˆentico para as sec¸c˜oes Ex e E y , e ilustramo-lo usando as sec¸c˜ oes Ex . Notamos como evidente que: En ր E = ∞ [ n=1 En =⇒ (En )x ր ∞ [ (En )x = Ex . n=1 Consideramos as fun¸c˜ oes A(x) = ν(Ex ) e An (x) = ν((En )x ). As fun¸c˜oes An s˜ ao M-mensur´ aveis por hip´ otese, e o teorema da convergˆencia mon´ otona para medidas mostra que An ր A. Conclu´ımos do teorema de Beppo Levi que A ´e M-mensur´ avel, e Z Z Adµ. An dµ → (i) X X Como En ∈ FL(µ ⊗ ν), e ainda do teorema da convergˆencia mon´ otona para medidas, temos Z An dµ = (µ ⊗ ν)(En ) → (µ ⊗ ν)(E). (ii) X Obtemos assim que (µ ⊗ ν)(E) = R X Adµ, i.e., E ∈ FL(µ ⊗ ν). As seguintes no¸c˜ oes abstractas s˜ ao sugeridas pelo lema anterior. Defini¸ c˜ ao 5.7.10 (Classe Mon´otona). Seja C uma classe de subconjuntos ´ tona se e s´ do conjunto Z. Dizemos que C ´e uma classe mono o se: a) En ∈ C e En ր E =⇒ E ∈ C, e b) Fn ∈ C e Fn ց F =⇒ F ∈ C. Exemplos 5.7.11. 1. F L(µ ⊗ ν) ´e uma classe mon´ otona, de acordo com 5.7.9. 2. Qualquer σ-´algebra, em particular M⊗N , ´e igualmente uma classe mon´ otona. 3. A classe dos intervalos em R n˜ ao ´e uma ´algebra, mas ´e uma classe mon´ otona. 4. Os conjuntos elementares em [0, 1] formam uma ´algebra que n˜ ao ´e mon´ otona. Deixamos para o exerc´ıcio 3 a demonstra¸c˜ao do seguinte lema. Lema 5.7.12. Se A ´e uma classe mon´ otona, ent˜ ao A ´e uma σ-´ algebra se e s´ o se A ´e uma a ´lgebra. Apresent´ amos no cap´ıtulo 2 a defini¸c˜ao de σ-´algebra gerada por uma classe de conjuntos. Observamos agora que o mesmo procedimento pode ser aplicado tamb´em a classes mon´ otonas. 5.7. O Teorema de Fubini-Lebesgue 363 Defini¸ c˜ ao 5.7.13 (Classe Mon´otona Gerada por S). Se S ´e uma classe ´ tona gerada por S ´e a de subconjuntos do conjunto Z, a classe mono intersec¸c˜ ao de todas as classes mon´ otonas em Z que cont´em S, e designa-se aqui mon(S). ´ muito f´acil verificar que mon(S) ´e a menor classe mon´ E otona que cont´em a classe S (exerc´ıcio 6). Temos ainda: Lema 5.7.14. Se S ´e uma a ´lgebra ent˜ ao mon(S) ´e uma σ-´ algebra. Em particular, mon(E) ´e uma σ-´ algebra que cont´em E. Demonstra¸ca ˜o. Dado E ∈ mon(S), consideramos a classe auxiliar comp(E) = {F ∈ mon(S) : E\F, F \E, E ∪ F ∈ mon(S)} ⊆ mon(S). Provamos primeiro que: (i) Se E ∈ S ent˜ ao S ⊆ comp(E) = mon(S). Demonstra¸ca ˜o. comp(E) ´e uma classe mon´ otona (exerc´ıcio 5). Como S ´e por hip´ otese uma ´ algebra, E, F ∈ S =⇒ E\F, F \E, E ∪ F ∈ S ⊆ mon(S), i.e. S ⊆ comp(E), e comp(E) ´e uma classe mon´ otona que cont´em S. Como mon(S) ´e a classe mon´ otona gerada por S, temos comp(E) ⊇ mon(S), donde comp(E) = mon(S). Provamos agora que: (ii) Se E ∈ mon(S) ent˜ ao S ⊆ comp(E) = mon(S), e mon(S) ´e uma semi-´ algebra. Demonstra¸ca ˜o. comp(E) ´e ainda uma classe mon´ otona. De acordo com (i), se F ∈ S temos E ∈ comp(F ), i.e., F ∈ comp(E), e S ⊆ comp(E). comp(E) ´e mais uma vez uma classe mon´ otona que cont´em S, donde comp(E) ⊇ mon(S), e comp(E) = mon(S). Em particular, se E, F ∈ mon(S) ent˜ ao E\F, F \E, E ∪ F ∈ mon(S), e mon(S) ´e uma semi-´ algebra. Como S ´e uma ´ algebra temos Z ∈ S, donde Z ∈ mon(S), e mon(S) ´e tamb´em uma ´ algebra. Segue-se de 5.7.12 que mon(S) ´e uma σ-´algebra. A demonstra¸c˜ ao do teorema de Fubini-Lebesgue 5.7.6 ´e uma aplica¸c˜ao muito simples deste u ´ltimo resultado: Demonstra¸ca ˜o. Limitamo-nos a observar que 364 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue • M ⊗ N ⊆ mon(E), porque mon(E) ´e uma σ-´algebra que cont´em E, e • mon(E) ⊆ FL(µ ⊗ ν), porque FL(µ ⊗ ν) ´e uma classe mon´ otona que cont´em E. Como FL(µ ⊗ ν) ⊆ M ⊗ N , temos M ⊗ N = mon(E) = FL(µ ⊗ ν). Estabelecido o teorema de Fubini-Lebesgue na forma aplic´ avel a conjuntos, ´e poss´ıvel aplic´ a-lo igualmente a fun¸c˜oes. Consideramos a seguir o caso de fun¸c˜ oes simples M ⊗ N -mensur´aveis e n˜ ao-negativas. Lema 5.7.15. Se f : X × Y → [0, +∞[ ´e simples e M ⊗ N -mensur´ avel, a) As fun¸co ˜es gx (y) = f (x, y) s˜ ao simples e N -mensur´ aveis, para todo o x ∈ X, Z b) As fun¸co ˜es hy (x) = f (x, y) s˜ ao simples e M-mensur´ aveis, para todo o y ∈Y, R c) A fun¸ca ˜o A(x) = Y gx dν ´e M-mensur´ avel e n˜ ao-negativa, R avel e n˜ ao-negativa, e d) A fun¸ca ˜o B(y) = X hy dµ ´e N -mensur´ Adµ = X Z Z X Y  gx dν dµ = Z Z Y  hy dµ dν = X Z Bdν = Y ZZ f d(µ⊗ν). X×Y Demonstra¸ca ˜o. Suponha-se que E ´e um conjunto M ⊗ N -mensur´avel, e f = χE ´e a fun¸c˜ ao caracter´ıstica de E, donde ZZ f d(µ ⊗ ν). (µ ⊗ ν)(E) = X×Y De acordo com o teorema 5.7.6 aplicado a E, temos que: • Os conjuntos Ex s˜ ao N -mensur´aveis, i.e., • As fun¸c˜ oes gx (y) = f (x, y) = χEx (y) s˜ ao N -mensur´aveis, R • A fun¸c˜ ao A(x) = ν(Ex ) = Y gx dν ´e M-mensur´avel, e (µ ⊗ ν)(E) = Z X Adµ = Z Z X  gx dν dµ. Y ´ claro que o O resultado fica assim demonstrado para a fun¸c˜ao A. E mesmo argumento ´e aplic´ avel `a fun¸c˜ao B, o que termina a demonstra¸c˜ao quando f ´e uma fun¸c˜ ao caracter´ıstica. Se f ´e uma fun¸c˜ ao simples, ent˜ao f ´e uma combina¸c˜ao linear finita de fun¸c˜ oes caracter´ısticas, e o resultado segue-se da linearidade e homogeneidade do integral. 365 5.7. O Teorema de Fubini-Lebesgue O teorema de Fubini-Lebesgue para fun¸c˜oes mensur´aveis n˜ ao-negativas ´e um corol´ ario do resultado anterior, obtido aproximando a fun¸c˜ao f por fun¸c˜oes simples mensur´ aveis. A sua demonstra¸c˜ao ´e o exerc´ıcio 7. Teorema 5.7.16 (Teorema de Fubini-Lebesgue (II)). Se f : X × Y → [0, +∞] ´e M ⊗ N -mensur´ avel, a) As fun¸co ˜es gx (y) = f (x, y) s˜ ao N -mensur´ aveis, para todo o x ∈ X, b) As fun¸co ˜es hy (x) = f (x, y) s˜ ao M-mensur´ aveis, para todo o y ∈ Y , R c) A fun¸ca ˜o A(x) = Y gx dν ´e M-mensur´ avel, R avel, e d) A fun¸ca ˜o B(y) = X hy dµ ´e N -mensur´ Z Z X  gx dν dµ = Y Z Z Y  hy dµ dν = X ZZ X×Y f d(µ ⊗ ν). O teorema de Fubini-Lebesgue para fun¸c˜oes som´ aveis obtem-se aplicando o resultado anterior separadamente `as partes positiva e negativa de f . A respectiva demonstra¸c˜ ao ´e ainda parte do exerc´ıcio 7. Teorema 5.7.17 (Teorema de Fubini-Lebesgue (III)). Se f : X × Y → R ´e M ⊗ N -mensur´ avel, e mantendo a nota¸ca ˜o do teorema anterior, temos   ZZ Z Z Z Z |f |d(µ ⊗ ν). |hy |dµ dν = |gx |dν dµ = X Y Y X X×Y Em particular, se pelo menos um destes integrais ´e finito ent˜ ao todos s˜ ao finitos, e f ´e (µ ⊗ ν)-som´ avel. Se f ´e (µ ⊗ ν)-som´ avel ent˜ ao as fun¸co ˜es gx e B s˜ ao ν-som´ aveis, hy e A s˜ ao µ-som´ aveis, e   ZZ Z Z Z Z f d(µ ⊗ ν). hy dµ dν = gx dν dµ = X Y Y X X×Y As diferen¸cas entre os enunciados apresentados nesta sec¸c˜ao e os seus correspondentes para a medida de Lebesgue nos espa¸cos RN , tal como indicados em 3.3, resultam naturalmente dos seguintes factos: (1) L(RN ) ⊗ L(RM ) 6= L(RN +M ), o que mostra que a teoria em 3.3 n˜ ao ´e um caso particular dos resultados desta sec¸c˜ao, e (2) Os espa¸cos (X, M, µ) e (Y, N , ν) n˜ ao foram aqui supostos completos. ´ simples introduzir neste contexto abstracto as extens˜oes completas aproE priadas, definidas pelo processo que indic´ amos em 2.3.17. Exemplos 5.7.18. 366 Cap´ıtulo 5. Outros Integrais de Lebesgue 1. A menor extens˜ao completa de (X ×Y, M⊗N , µ⊗ν) ´e o espa¸co (X ×Y, K, ρ), que mencion´ amos em 5.7.5. 2. A menor extens˜ao completa de L(RN ) ⊗ L(RM ) ´e L(RN +M ). Podemos adaptar os resultados desta sec¸c˜ao usando espa¸cos completos, e assim generalizar efectivamente a teoria desenvolvida em 3.3. A t´ıtulo de ilustra¸c˜ ao, e supondo que os espa¸cos (X, M, µ) e (Y, N , ν) s˜ ao completos, o teorema 5.7.16 tem o seguinte an´ alogo, que efectivamente generaliza 3.3.17. Teorema 5.7.19 (Teorema de Fubini-Lebesgue (II)). Se f : X × Y → [0, +∞] ´e K-mensur´ avel, a) As fun¸co ˜es gx (y) = f (x, y) s˜ ao N -mensur´ aveis, µ-qtp em X, b) As fun¸co ˜es hy (x) = f (x, y) s˜ ao M-mensur´ aveis, ν-qtp em Y , R c) A fun¸ca ˜o A(x) = Y gx dν est´ a definida µ-qtp em X e ´e M-mensur´ avel, R d) A fun¸ca ˜o B(y) = X hy dµ est´ a definida ν-qtp em Y , ´e N -mensur´ avel, e Z Z X  gx dλ dµ = Y Z Z Y  hy dµ dν = X ZZ f dρ. X×Y ´ talvez mais interessante investigar at´e que ponto as hip´ E oteses b´ asicas usadas nesta sec¸c˜ ao (e implicitamente tamb´em em 3.3) s˜ ao realmente necess´ arias. Repare-se que supusemos sempre: • Os espa¸cos de medida (X, M, µ) e (Y, N , ν) σ-finitos, e • A fun¸c˜ ao f mensur´avel (e som´ avel, se muda de sinal) em X × Y . Vimos j´a em exemplos simples nos exerc´ıcios da sec¸c˜ao 3.3 que a somabilidade de f ´e essencial. N˜ao mostraremos aqui por que raz˜ ao n˜ ao podemos concluir a mensurabilidade de f , mesmo supondo que as fun¸c˜oes auxiliares gx e hy s˜ ao mensur´ aveis, porque se trata de uma quest˜ao delicada, mais ´ no uma vez relacionada com os fundamentos da Teoria dos Conjuntos. E entanto relativamente simples mostrar que o teorema de Fubini-Lebesgue n˜ ao ´e v´alido se algum dos espa¸cos (X, M, µ) e (Y, N , ν) n˜ ao for σ-finito. Exemplo 5.7.20. Tomamos X = Y = [0, 1], sendo µ = # a medida de contagem e M = P(X), e ν = m a medida de Lebesgue, com N = L(Y ). Definimos f (x, y) = 1 se x = y, e f (x, y) = 0, se x 6= y. O espa¸co (X, M, µ) n˜ ao ´e σ-finito, e deixamos como exerc´ıcio verificar a mensurabilidade de f , e mostrar que neste caso temos   Z Z Z Z gx dν dµ 6= hy dµ dν. X Y Y X 367 5.7. O Teorema de Fubini-Lebesgue Exerc´ıcios. 1. Mostre que a classe E formada pelas uni˜oes finitas de “rectˆ angulos” em R (os conjuntos “elementares”) ´e uma ´algebra em X × Y . ˜o: Suponha primeiro que os espa¸cos (X, M, µ) 2. Demonstre 5.7.9b). sugesta e (Y, N , λ) s˜ao finitos, e depois generalize o argumento para espa¸cos σ-finitos. 3. Mostre que a classe mon´ otona A ´e uma σ-´algebra se e s´o se A ´e uma ´algebra. 4. Verifique as afirma¸co˜es feitas no texto nos exemplos 5.7.11.2 a 5.7.11.4. 5. Para concluir a demonstra¸ca˜o de 5.7.14, verifique que comp(E) ´e uma classe mon´ otona. 6. Seja S uma classe de subconjuntos do conjunto Z. Recorde 5.7.13, e mostre que mon(S) ´e a menor classe mon´ otona que cont´em S, i.e., prove que: a) Se M ´e uma classe mon´ otona que cont´em S ent˜ ao mon(S) ⊆ M, b) mon(S) ´e uma classe mon´ otona e S ⊆ mon(S), e c) Mostre que se S ´e uma ´ algebra ent˜ ao mon(S) ´e uma σ-´algebra. 7. Demonstre o teorema de Fubini-Lebesgue nas suas vers˜oes 5.7.16 e 5.7.17. 8. Considere o exemplo 5.7.20. Mostre que a fun¸ca˜o f ´e M ⊗ N -mensur´ avel, mas   Z Z Z Z hy dµ dλ = 1. gx dλ dµ = 0, e X Y Y X ´Indice 368 ´Indice denso, 31 diˆ ametro, 11 elementar, 13 Fσ , 115 Gδ , 115 Jordan-mensur´avel, 27 Lebesgue-mensur´ avel, 103 mensur´avel, 91 µ-negativo, 222 µ-nulo, 219 µ-positivo, 222 µ∗ -mensur´avel, 142 nulo, 56 perfeito, 34 σ-compacto, 83 σ-elementar, 77 conte´ udo, 9, 10, 15 de Jordan, 27 exterior, 26 interior, 26 continuidade absoluta, 234, 263 convergˆencia em medida, 353 em Lp , 333 pontual, 353 convolu¸c˜ao, 207 acontecimento, 93 aditividade, 10, 15, 20 ´algebra de conjuntos, 19 axioma da escolha, 131 B(x, r), Br (x), 52 Baire categorias de, 126 Teorema de, 126 Barrow, regra de, 60 Bola aberta, 52 B(RN ), 115 BV (I), 255 C(I), 30 Cε (I), 79 cardinal, 21, 93 categorias de Baire, 126 Cck (RN ), C0 (RN ), 210 classe mon´ otona, 362 gerada por, 363 c˜N , 77 cobertura sequencial, 140 combina¸c˜ ao convexa, 198 comprimento, 9 do gr´ afico de uma fun¸c˜ ao, 67 condi¸c˜ao de Lipschitz, 263 conjunto Borel-mensur´ avel, 115 de Borel, 115 de Cantor, 30 de Dirichlet, 31 de Lebesgue, 103 de Volterra, 79 de Volterra generalizado, 123 decomposi¸c˜ao de Hahn, 222 de Jordan, 220 de Lebesgue, 236, 320 derivada de Radon-Nikodym, 322 generalizada, 245 no sentido das distribui¸c˜oes, 245 369 370 desigualdade de H¨older, 331 de Minkowski, 332 desigualdade de Jensen, 198 diˆ ametro de conjunto, 11 de parti¸c˜ ao, 11 diferen¸ca de conjuntos, 13 Dirichlet conjunto de, 31 fun¸c˜ ao de, 37 distribui¸c˜ ao de Dirac, 22, 92 de probabilidade, 246 equivalˆencia de fun¸c˜ oes, 154, 327 E(RN ), 13 Eσ (RN ), 77 escada do Diabo, 64 espa¸co de Banach, 206, 335 de Hilbert, 335 de medida, 93 completo, 121 finito, 93 menor extens˜ ao completa, 121 σ-finito, 93 de probabilidade, 93 dual alg´ebrico, 338 topol´ ogico, 338 euclidiano, 331 L1 , 201 Lp , 329 L∞ , 330 mensur´ avel, 91 vectorial normado, 48 espa¸co das medidas reais/complexas em (X, M), 231 exemplo de Cantor conjunto, 30 fun¸c˜ ao, 64 ´INDICE Dirichlet conjunto, 31 fun¸c˜ao, 37 Hellinger, 283 Riemann, 37 Sierpinski, 136 van der Waerden, 68 Vitali, 130 Volterra conjunto, 79 fun¸c˜ao, 83 generalizado, 123 expoentes conjugados, 331 FL(µ ⊗ ν), 360 Fµ , 314 Fµ , 328 fun¸c˜ao absolutamente cont´ınua, 263 Borel-mensur´avel, 151, 153 cˆoncava, 198 caracter´ıstica, 37 cont´ınua de suporte compacto, 210 convexa, 198 de Cantor, 64 de Cantor-Lebesgue, 64 de conjuntos, 20 aditiva, 20 mon´ otona, 20 σ-aditiva, 75 σ-subaditiva, 75 subaditiva, 20 de Dirichlet, 37 de escolha, 132 de Heaviside, 22 de Hellinger, 283 de Riemann, 37 de saltos, 251 de van der Waerden, 68 de varia¸c˜ao limitada, 255 de Volterra, 83 discreta, 251 equivalente, 154 ´INDICE escada do Diabo, 64 gr´ afico, 43 comprimento, 67 Lebesgue-mensur´ avel, 151, 153 Lebesgue-som´avel, 151, 153 mensur´ avel, 310 M-mensur´ avel, 299 µ-som´ avel, 299 oscila¸c˜ ao, 52, 53 parte cont´ınua, 251 parte discreta, 251 parte negativa, 37 parte positiva, 37 regi˜ ao de ordenadas, 35 Riemann-integr´ avel, 36 semi-cont´ınua superior, 285 simples, 187 sinal, 63 singular, 285 som´ avel, 310 suporte de, 210 varia¸c˜ ao total, 255 funcional, 45 GE (f ), ΓE (f ), 157 gr´ afico rectific´ avel, 67 Hellinger fun¸c˜ ao de, 283 medida de, 285 impulso de Dirac, 22 indicatriz de Banach, 259 ´ındice-K, 173 integra¸c˜ ao por partes, 319 integral de Lebesgue em ordem a µ, 299 em ordem a mN , 151 de Riemann, 36, 58 de Stieltjes, 297 definido de Riemann, 45 371 desigualdade triangular, 38 homogeneidade, 38 impr´oprio de Riemann, 70, 152 absolutamente convergente, 153 indefinido de Lebesgue, 159 de Riemann, 49 inferior, 39 param´etrico, 169 superior, 39 Jensen, desigualdade, 198 J (RN ), 27 Jσ (RN ), 77 L(RN ), 103 ℓ1 , 314 L1 , 201 Lema de Borel-Cantelli, 97 de Fatou, 166, 312 de Fatou (II), 167, 312 de Jordan, 256 de Riesz (Sol Nascente), 269, 288 Lipschitz condi¸c˜ao de, 263 Lµ (RN ), 237, 242 µ-qtp, 219 majorante essencial, 329 M (B(RN )), 232 medida absolutamente cont´ınua, 234 completa, 121, 232 complexa, 91 concentrada em S, 218 de Borel, 236 de Cantor, 249 de contagem, 93 de Dirac, 22, 92 de Hellinger, 285 de Lebesgue, 104 de probabilidade, 93 ´INDICE 372 discreta, 231 exterior, 140 de Lebesgue, 98 finita, 91 interior de Lebesgue, 101 localmente finita, 239 parte cont´ınua, 250 parte discreta, 250 positiva, 91 real, 91 regular, 120, 242 σ-finita, 93 singular, 221 suporte de, 220 medidas de Borel, 232 Lebesgue-Stieltjes, 236 minorante essencial, 329 M (M, C), 231 M (M, R), 231 Mµ , 121, 232 mN , 104 m∗N , 98 M ⊗ N , 298 N BV (I), 255 norma, 48 de L1 , 46, 201 de Lp , 329 de L∞ , 215, 330 normas equivalentes, 233, 334 ωf , 53 ΩR (f ), 35 Oscf (s), 52 oscila¸c˜ ao de fun¸c˜ ao, 52, 53 paradoxo de Banach-Tarski, 132 parti¸c˜ ao, 11 apropriada, 187, 188 da unidade, 340 diˆ ametro, 11 refinamento, 12 pente de Dirac, 22, 93, 231, 251 πI , 173 ponto de acumula¸c˜ao, 34 probabilidade, 21 problema de Caratheodory, 142 de Borel, 81 de Stieltjes, 246 dif´ıcil de Lebesgue, 129 f´acil de Lebesgue, 101 produto de convolu¸c˜ao, 207 projec¸c˜ao, 173 qtp, 57, 219 R, 94 rectˆ angulo, 8 recta acabada, 94 rectific´ avel gr´ afico, 67 refinamento, 12 comum, 12 reflex˜ao, 16 regi˜ ao de ordenadas, 35 regra de Barrow, 60 ρI , 174 Riemann fun¸c˜ao de, 37 + R , 94 σ-aditividade, 75 σ-´algebra, 90 de Borel, 115 de Lebesgue, 106 gerada por, 115 σ-compacto, 83 semi-´ algebra de conjuntos, 19 semi-continuidade superior, 285 semi-norma, 48 Sf , 248 Sierpinski exemplo de, 136 soma de Riemann, 58 ´INDICE inferior de Darboux, 39 superior de Darboux, 39 σ-subaditividade, 75 subaditividade, 15, 20 suporte de uma fun¸c˜ ao, 210 medida, 220 medida regular, 244 Teorema (de/da) Alaoglu, 357 Baire, 126 Banach-Vitali, 260 Banach-Zaretsky, 266 Beppo Levi, 165, 312 Beppo Levi (II), 166, 312 Cantor, 81 convergˆencia dominada de Lebesgue, 167, 202, 314 convergˆencia mon´ otona de Lebesgue, 95 decomposi¸c˜ ao de Hahn-Jordan, 226 decomposi¸c˜ ao de Lebesgue, 279, 320 diferencia¸c˜ ao de Fubini, 327 diferencia¸c˜ ao de Lebesgue, 276 Egorov, 355 Fichtenholz, 268 Fubini-Lebesgue, 175, 181, 207, 360, 365 Fundamental do C´ alculo 1o , 62, 281 2o , 62, 64, 281 Hahn, extens˜ ao de, 305 Heine-Borel, 52 Lebesgue, 356 Radon-Nikodym, 321, 322 Radon-Nikodym-Lebesgue, 321 Representa¸c˜ ao de Riesz, 342, 348, 350 Riesz, 354 Riesz-Fischer, 206, 337 Vitali-Luzin, 212, 316 373 topologia, 333 transformada de Fourier, 203 continuidade, 215 transla¸c˜ao, 16 U(RN ), 13 vari´ avel aleat´oria, 297 varia¸c˜ao limitada, 231 negativa, 229 positiva, 229 total, 228, 230, 255 Vitali exemplo de, 130