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Livro - Organização Da Educação Brasileira

Livro de pedagogia ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

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    December 2018
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ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA Rogério de Andrade Córdova Estado do Acre Governador Arnóbio Marques de Almeida Júnior Vice-Governador Carlos César Correia de Messias Secretaria de Estado de Educação do Acre Maria Corrêa da Silva Coordenadora de Ensino Superior da SEEA Maria José Francisco Parreira Fundação Universidade de Brasília — FUB/UnB Reitor Timothy Martin Mulholland Vice-Reitor Edgar Nobuo Mamiya Decano de Ensino e Graduação Murilo Silva de Camargo Decano de Pesquisa e Pós-graduação Márcio Martins Pimentel Faculdade de Educação — FE/UnB Diretora Inês Maria Marques Zanforlin Pires de Almeida Vice-Diretora e Coordenadora Geral Laura Maria Coutinho Coordenadora Pedagógica Sílvia Lúcia Soares Coordenador de Tecnologias Lúcio França Teles Coordenação Pedagógica Maria Madalena Torres Secretaria do Curso Antonilde Gomes Bomfim Maria Cristina Siqueira Mello Administração da Plataforma Joviniano Rabelo Jacobina Setor Financeiro Francisco Fernando dos Santos Silva Coordenação Intermediária Aurecília Paiva Ruela José Ferreira da Silva Maria Lucilene Belmiro Melo Acácio Nilzete Costa de Melo Robéria Vieira Barreto Gomes Professores (as) – Mediadores (as) Adima Jafuri Maia Adriana Araújo de Farias Adriana Martins de Oliveira Aleuda Soares Dantas Tuma Ana Cláudia de Oliveira Souza Ana Maria Agostinho Farias Antonio Aucélio A de Almeida Antonio do Socorro da Silva Costa Artemiza Barros Pimentel Aulenir Souza de Araújo Carmem Cesarina Braga Pereira Cátia Maria da Silva Silvano Cristiano Almeida Barros Domingas Pereira da Costa Ferreira Eliana Maia de Lima Elizete Maia de Lima Érica Medeiros Geania Mendonça da Costa 2 Gercineide Maria da Silveira Fernandes Hevellin de Figueiredo Félix Hilda Jordete Marinho Ivanir Oliveira de Lima Jocileia Braga de Souza Jorge Gomes Pinheiro José Ribamar Gomes Amaral Leidisséia Alves de Castro Luciana Mª Rodrigues de Lima Luciene Nunes Calixto Lucilene de Andrade Moreira Luiz Augusto da Costa dos Santos Márcia da Silva Queiroz Márcia Maria de Assis Alencar Maria Cirlene Pontes de Paiva Maria de Nazaré Ferreira Pontes Maria do Carmo de Lima Gomes Maria do Rosário Andrade Sena Maria Itamar Isídio de Almeida Maria Izaunira N.da silva Maria Mirnes Soariano Oliveira Maria Zenilda de Lima Correia Marilza da Silva Rodrigues Miracélia Mª Freire de Moura Mirna Suelby Martins Nadir Silva de Souza Norma Mª da Silva Norma Maria Vasconcelos Balado Pedro Lopes da Silva Renilda Moreira Araújo Rita de Cássia Machado Mommerat Sâmia Gonçalves da Silva Sonja Priscila Vale de F. Fernandes Uilians Correia Costa Vânia Maria Maciel Taveira Vanucia Nunes Valente Calixto Vera Mª de Souza Moll Mo699 Módulo IV: Organização da Educação Brasileira / Rogério de Andrade Córdova – Brasília : Universidade de Brasília, 2008. 95 p. 1. Educação a distância. 2. Legislação. 3. Situação demográfica. 4. Programas de Nível Superior para Professores Indígenas. I. Córdova, Rogério de Andrade. II. Universidade de Brasília. CDD 577 ISBN: 978-85-230-0959-5 3 Sumário Conhecendo o autor _ _____________________6 Apresentação_ ___________________________7 Seção 1 Educação e instituição da sociedade_______ 11 1 Os marcos teóricos_ _________________________________ 12 2 A institucionalização da educação no Brasil_____________ 17 Seção 2 Conceitos, finalidades e organização da educação nacional_ __________________________ 33 1 Conceito, finalidades, objetivos e macro-organização_ ___ 34 Seção 3 A escola como instituição ________________ 61 1 A escola como instituição e suas instituições____________ 62 2 Para que serve a escola? _ ____________________________ 65 3 A escola única e suas armadilhas_ _____________________ 76 4 Princípios de formação escolar numa perspectiva institucional__________________________________________________ 77 5 As respostas do sistema ao fracasso____________________ 79 6 A organização do trabalho educativo no Brasil_ _________ 81 4 7 A formação dos quadros docentes_____________________ 87 Bibliografia____________________________ 94 5 Conhecendo o autor Natural do estado de Santa Catarina, nascido no atual município de Painel, o Professor Rogério de Andrade Córdova é licenciado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FAFI) da antiga FIDENE (Fundação para a integração e Educação do Noroeste do Rio Grande do Sul), atual UNIJUI, universidade localizada na cidade de Ijuí, RS. Realizou mestrado em Administração de Sistemas Educacionais, no extinto IESAE (Instituto de Estudos Superiores em Educação) da Fundação Getúlio Vargas, na cidade do Rio de Janeiro, concluído em 1982. Em 1997 obteve o título de doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ingressou no magistério em 1965, tendo iniciado como professor do ensino superior; que se expandia no interior de Santa Catarina. Tendo sido sempre politicamente atuante, esteve sempre envolvido na vida política dos educandários onde trabalhou, tendo, em virtude disso, passado assumir funções de natureza políticoadministrativas. Assim exerceu funções administrativas no Colégio Industrial de Lages (onde coordenou a implantação da Lei 5692/71) e, igualmente, na Faculdade de Ciências e Pedagogia, na mesma cidade. Após a conclusão de seus créditos de mestrado no Rio de Janeiro, retornando a sua cidade, integrou a equipe dirigente da Secretaria Municipal de Educação, trabalhando as questões ligadas á administração da educação de modo geral, mas, sobretudo, trabalhando com a educação de jovens e adultos, com a implantação da educação infantil, com educação comunitária e, sobretudo, com os problemas de uma rede municipal de ensino atuando especialmente em meio rural e na periferia urbana. A convite de seu orientador, nomeado Diretor Geral da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior), órgão do Ministério da Educação responsável pela política de pós-graduação, veio para Brasília em agosto de 1980, integrando sua assessoria. Permaneceu na CAPES até dezembro de 1988. Foi professor das Faculdades Católicas entre 1982 a 1987. Tendo prestado concurso para Professor da Universidade de Brasília em novembro de 1987, e tendo sido nomeado em janeiro de 1988, a partir de 1989 passou a se dedicar exclusivamente a suas atividades acadêmicas na Universidade de Brasília, onde igualmente tem ocupado diferentes funções administrativas, concomitantemente às suas atividades de docência e pesquisa. Sua área de maior interesse acadêmico, atualmente é a área de gestão das organizações educativas, abordada dentro da perspectiva de complexidade de considerada numa leitura multirreferencial. Esta leitura procura considerar as múltiplas determinações que exercem dentro das organizações educativas, levando em consideração, num pólo, o indivíduo com suas representações, afetos e intenções e, conseqüentemente, sua preocupação com o sentido de suas ações, e, no outro pólo, o social-histórico, com sua cultura, seus valores, suas significativas imaginárias, em resumo, com suas “instituições”. O trabalho educativo e administrativo resulta de uma ação situada entre esses dois pólos, com mediação de relações interpessoais, grupais, com as exigências organizacionais de eficiência, eficácia e produtividade, entretanto, a ser orientado por projeto, que deve ser ao mesmo tempo projeto de vida para indivíduos, 6 grupos e comunidades e um projeto de sociedade. É dentro de tal contexto de uma tal perspectiva que deve ser feito o estudo e a análise das políticas públicas em educação e das formas que elas assumem na organização concreta dos sistemas de ensino: o que está em jogo é, cada vez, a instituição da sociedade e a instituição dos indivíduos que lhe sejam funcionais. (Ou não!). 7 Apresentação Este trabalho consta de três seções, elaboradas para servirem aos cursos e programas de formação de professores. Visam dar uma visão e uma compreensão, o mais ampla e mais completa possível, da forma como está organizada a educação escolar no Brasil. Preocupado em dar uma visão atual da estruturação de nosso sistema de ensino (ou de educação escolarizada), o primeiro módulo faz recordar, num primeiro momento, o conceito de educação e sua função, ou funções, numa dada sociedade. Trata-se de um pressuposto básico do curso, no qual a educação é considerada um momento do processo mais amplo de institucionalização de uma sociedade. Dito em outras palavras: optar por trabalhar com educação, ou na educação, muito mais do que simplesmente dar umas “aulinhas” disto ou daquilo, é se inserir no processo de constituição da sociedade em seus valores mais profundos, contribuindo para formar ou “formatar” os estudantes segundo tais valores ou significações. Nesse mesmo módulo, e logo em seguida, como que exemplificando os conceitos anteriormente apresentados, procuraremos dar uma breve retrospectiva histórica de como esse processo de constituição do sistema de educação escolarizada ocorreu no Brasil. É importante fazê-lo quando estamos em pleno período dos quinhentos anos de construção do Brasil, considerando que Brasil, enquanto esta sociedade e não outra, começa a existir a partir da chegada dos portugueses e dos africanos. Os primeiros iniciam uma reeducação dos autóctones, impondo seus valores, suas significações imaginárias sociais, aos valores e significações imaginárias das sociedades aqui existentes, desencadeando o processo de constituição ou de instituição de uma sociedade “outra”, que virá a ser nossa sociedade brasileira. E poderemos ver como a educação escolarizada desempenhará (ou não!) um papel importante nesse processo, de que somos descendentes, herdeiros e continuadores... Feitas estas considerações preliminares, mergulhamos no Brasil. Como está organizada hoje a educação escolar brasileira? Procuraremos analisar esta organização e descobrir o que significa o fato de ela estar organizada de tal forma e não de outra. Procuraremos ser sempre fiéis a nossa orientação teórica e política inicial, sendo a educação um momento da instituição de uma sociedade, e sendo a organização da educação escolar brasileira um momento fundamental dessa instituição, cabe descobrir: a que instituições, ou seja, a que valores, a que significações imaginárias sociais remetem os dispositivos que regem atualmente nossos sistemas de ensino? Fica evidente que o texto da Lei 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, oferecerá o roteiro de nosso estudo atual. Fique bem claro, entretanto, que estamos falando de roteiro. Estudar a “organização da educação brasileira” não é “estudar as leis”. É isso também. Mas é mais do que isso. Conhecer e decorar leis, decretos, pareceres, e ficar por isso mesmo, nos formaria como burocratas, amarrando-nos a um formalismo jurídico. Mas se é evidente que precisamos conhecer as leis, pois elas são a presentificação da instituição explícita da sociedade tal como a estamos vivendo, 8 deve ficar entendido que é preciso ir mais a fundo, para interpretálas, captar o seu “espírito”, ou seja, as tais significações a que remetem e que, em última instância, cabe a nós, educadores, difundir e imprimir em nossos educandos. No primeiro caso, ficaríamos estritamente presos a uma postura reprodutora e legitimadora, acrítica, do já instituído. No segundo caso, sem desmerecer nossa função de educadores e de responsáveis pela permanência de nossa sociedade enquanto tal, naquilo que avaliarmos como adequado, fá-loemos numa perspectiva crítica e criadora, sem negar a importância das leis, não abdicaremos, igualmente, de analisar a propriedade ou a pertinência, a justeza da lei ou das leis vigentes, tendo em vista o projeto de sociedade que queremos construir. Faremos, então, uma leitura estrutural, mas, igualmente, política e filosófica das normas que regem a organização de nossa educação escolar. Esta leitura, porém, terá dois momentos, ou módulos. Na segunda Seção, consideraremos a organização macro-política ou macro-administrativa. Começando pela conceituação de educação, pela determinação das finalidades, dos direitos à educação, pela definição das responsabilidades administrativas relativamente à política e gestão da educação, incorporaremos a definição dos níveis e modalidades de educação e ensino, completando-se este módulo pela abordagem do financiamento e da formação dos professores. A terceira Seção, por sua vez, destaca, de maneira abrangente, os aspectos relativos à organização pedagógica do trabalho educativo. Aquilo que aparece como uma simples seção dentro de um título recheado de capítulos, seria, na verdade, merecedor de um Título específico, pois é exatamente em tais tópicos que a instituição se revela com toda sua força. Ao definir as coordenadas de tempo e de espaço do trabalho educativo, ao definir critérios de promoção ou reprovação, e assim por diante, a legislação concretiza as significações mais efetivas que regem o sistema educativo. Impossível passar ligeiramente sobre tais aspectos, como se fossem simples detalhes. Eles não são simples detalhes, são aspectos fundamentais da organização do trabalho pedagógico, ou do ensino, e, por seu intermédio, da instituição da educação escolarizada como momento da instituição da sociedade em toda sua profundidade. Sejam, pois, bem-vindos ao curso. E que, durante o desenrolar dele, possamos, dialogicamente, aperfeiçoá-lo. 9 10 1 Educação e instituição da sociedade OBJETIVOS ESPECÍFICOS - Conceituar instituição, imaginário, educação, alienação, autonomia e cidadania; - Apresentar um retrospecto histórico da institucionalização da educação escolarizada no Brasil. 11 1 Os marcos teóricos 1.1 A instituição Para saber um pouco mais a respeito do filósofo Cornélius Castoriadis, acesse: pt.wikipedia.org/wiki/ Cornelius_Castoriadis Segundo Cornélius Castoriadis1, a sociedade humana é autoinstituição. Isto quer dizer que a sociedade, enquanto sociedade humana, diferenciada das demais sociedades animais, é auto-criação. E esta auto-criação, ou auto-instituição, se realiza num processo efetivado na e pela posição de significações. Tais significações são os valores básicos ou fundamentais que dão o sentido, a orientação básica dessa sociedade, a sua identidade, o amálgama que lhe permite reunir-se e dizer-se. Ser brasileiro, por exemplo, é diferente de ser argentino ou norte-americano. O que é a “brasilidade”? É um “magma” de significações sociais, operantes em nosso agir, como um conjunto de representações da realidade, como um conjunto de afetos, de gostos, de preferências, e de intencionalidades ou desejos, ou atrações. Cada povo tem suas características, que denominamos “culturais”. Elas são exatamente isso: as marcas identificadoras e inconfundíveis de cada sociedade. Se pensarmos no Brasil, apenas, ninguém irá confundir um gaúcho com um carioca, ou um mineiro com um cearense, por exemplo. Há traços fundamentais, distintivos, e por isso mesmo identificadores. Se a seleção de futebol entra em campo, a “pátria de chuteiras”, na expressão de Nelson Rodrigues, certas diferenças profundas entre pessoas, por exemplo, de natureza ideológica, muito provavelmente darão lugar a uma profunda identificação, e ninguém, em sã consciência, sobretudo se estiver num ambiente coletivo, irá “torcer contra” ela. Há significações comuns a várias nações ou países. Assim, o capitalismo. Contemporaneamente, ou desde talvez duzentos anos, ou quinhentos anos, na sociedade ocidental, européia, emergiu uma significação nova, na qual e pela qual as atividades econômicas passaram ao primeiro plano, deixando as questões sociais, culturais, religiosas num plano secundário ou complementar. Simplificadamente, podemos dizer que o “ter” passou a prevalecer sobre o “ser”. E o conjunto das relações em sociedade sofreu uma profunda torção. O capitalismo, na acepção de Castoriadis (IIS: 363), se constituiu, objetivamente, como criação da “empresa como arranjo complexo de homens e máquinas”, apoiado num sem-número de instituições complementares – máquinas, Estados nacionais, escolas, ciências exatas e tecnologia, religiões reformadas – e, subjetivamente, ou seja, no plano da formação das consciências, como “investimento de uma formação específica: uma entidade em expansão e em proliferação incessantes, tendendo a um auto-crescimento contínuo e mergulhado numa solução nutritiva, um ‘mercado’, onde uma oferta e uma demanda sociais, anônimas, devem surgir e ser exploradas...” O capitalismo emergiu como uma maneira outra de “perceber, sentir, pensar e agir”, na qual, por exemplo, novas “necessidades” são continuamente criadas para, artificialmente, manter um ritmo de “crescimento” dos “negócios”, esgotando-se para satisfazê-las. E, como todas as significações, são significações, antes de mais nada, “operantes”, ou seja, que se realizam na nossa Filósofo nascido na Grécia em 1922 e falecido na França, onde viveu desde 1945, em dezembro de 1997, autor, entre outras obras, de Instituição imaginária da sociedade e Encruzilhadas do Labirinto (coletânea em seis volumes). 1 12 prática efetiva, antes de se tornarem objeto de consciência e de reflexão crítica, a realidade das “significações” nunca é captável em si mesma, mas indiretamente, pelas “sombras” que projetam no agir efetivo, individual ou coletivo, a partir de seus resultados, de seus derivados, de suas conseqüências. (Esta concepção será importante para entendermos porquê a educação escolar no Brasil se “instituiu” da maneira como veremos, e não de outra, e porque está, atualmente, “instituída”, formulada, regulamentada, de tal maneira e não de outra). 1.2 O imaginário Tudo que acabamos de dizer acima, principalmente ao final, caracteriza o que se pode denominar de “imaginário capitalista”. Que quer dizer imaginário? Neste caso, imaginário quer dizer o conjunto, (Castoriadis prefere falar em “magma”, para caracterizar o caráter de fluidez dessas significações e a profunda imbricação existente entre elas, dificultando separar ‘com precisão’ uma dimensão de outra – pois economia se mescla com política, que se mescla com religião, que se mescla com cultura, e assim sucessivamente, de sorte que se é possível destacar uma de outra, demarcando-as, é difícil traçar os limites “precisos” entre uma e outra), das representações, dos gostos, “das preferências”, dos interesses e desejos que caracterizam uma sociedade em determinado período histórico. Então, em diferentes momentos, cada sociedade define para si o que é e o que não é, o que pode e o que não pode, o que vale e o que não vale, o que é certo e o que é errado. (Leiamos, por exemplo, a Carta de Pedro Vaz de Caminha e observemos, na leitura, o contraste entre as duas culturas, a portuguesa e a autóctone. A carta é um precioso documento que mostra o contraste que está na nossa origem como “sociedade brasileira”). Contemporaneamente, o multiculturalismo atualiza essa problemática, num momento em que o desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação, dos transportes e assim por diante, tornam o planeta efetivamente globalizado e põe todos os dias, na tela da televisão ou nos jornais, o contraste entre diferentes culturas ou civilizações. Por que no Irã as mulheres podem ou não podem fazer determinadas coisas? E no Afeganistão? E na Nigéria? E entre nossos indígenas? Por que se diferenciam tanto os hábitos alimentares entre nós, sul-americanos? Representações, afetos e intenções que formam o imaginário efetivo de um povo ou nação ou sociedade. Ele é diferente para cada sociedade porque, defende Castoriadis, existe o imaginário radical, entendido como capacidade originária profunda, existente nos indivíduos e nas coletividades, de fazer ser o que não é, de “criar” efetivamente, de inventar formas, figuras, ou figurações de significações e de sentido. O que faz um artista ser “criativo” e “original”? A resposta é: “a imaginação radical” que existe nele como capacidade de representação, afeto e intenção nas profundezas da psique. Capacidade, diga-se de passagem, que existe em todas as pessoas e que se expressa nas diferentes esferas da vida, nas diferentes atividades, independente do grau de escolaridade, insista-se. (Se o pensamento tradicional aceita a idéia de criação para a arte, mas a nega para outras esferas do fazer humano, Castoriadis amplia esse conceito, afirmando essa capacidade como constitutiva de cada ser humano, Multiculturalismo (ou pluralismo cultural) é um termo que descreve a existência de muitas culturas numa localidade, cidade ou país, sem que uma delas predomine, porém separadas geograficamente e até convivialmente no que se convencionou chamar de “mosaico cultural”. 13 ainda que se expresse de forma diferenciada: uns são músicos, outros pintores, mas outros são inventivos no vestuário, outros na culinária, todos na criação das suas instituições sociais, nas suas formas de governo, de realizar a justiça, a educação, e assim por diante). O que faz um povo, uma sociedade, ou até mesmo comunidades (os mineiros e os cariocas, por exemplo) serem diferentes entre si? Resposta: o “imaginário social”. Este imaginário social é a capacidade que tem a sociedade, enquanto coletivo anônimo, instituído, de criar, de inventar, de fazer serem “significações imaginárias sociais”, ou seja, coletivas, e assumir uma postura instituinte. Por isso, ainda que inconscientemente, as sociedades também mudam, evoluem (tanto para melhor quanto para pior, infelizmente), nunca permanecem exatamente iguais, tanto em detalhes menos importantes quanto em suas significações centrais. Basta falarmos com nossos pais, tios e avós e ouvirmos comparações sobre os “seus tempos”, basta observar a forma de sentir, de pensar e de agir de nossos filhos, ou alunos, e as comparar com as formas do “nosso tempo”, o que nos faz relembrar o filósofo grego Heráclito, conhecido por ter afirmado coisas como a impossibilidade de nos banharmos duas vezes nas mesmas águas de um rio. Ou salientando, a situação de conflito permanente na qual vivemos, lembrando que o conflito – inclusive de significações ou valores – é o pai de todas as coisas... Resumindo: viver numa sociedade humana é viver imerso num magma de significações imaginárias sociais que dão sentido e orientação a nossas vidas enquanto sociedade. Diante delas, cada um de nós tem de encontrar sentido para sua vida pessoal, construir sua identidade pessoal, constituir-se como sujeito. E é nesse processo que a educação desempenha uma função fundamental. 1.3 A educação Seguindo na mesma linha de exposição teórica, a educação é um processo pelo qual uma sociedade “fabrica” ou “modela” os indivíduos que a constituem, assegurando sua reprodução ou continuidade histórica enquanto tal. Por esse longo processo de “escolarização” que dura a vida toda, a sociedade repassa a seus membros as suas instituições, ou seja, suas significações imaginárias, os seus valores, os seus saberes (suas interpretações do mundo, seus conhecimentos, suas “leis”, suas normas), o seu saber fazer (as suas técnicas)2. Mas o que importa, aqui e agora, é rememorarmos a centralidade dos processos educativos na institucionalização de uma sociedade, na sua preservação, na sua constituição. E importa termos em conta que todos nós, com ou sem escola, somos “escolarizados” pelo conjunto da sociedade, através de suas múltiplas organizações. Platão dizia que os muros da cidade educam. E nós abemos da importância não dos muros, mas dos out-doors, das fachadas luminosas, da televisão, das rádios, e da própria configuração urbanística da cidade. Crescemos ouvindo falar de, e vivenciando, uma cidade instituída como “centro” e “periferia”, como áreas mais nobres e áreas menos nobres (no caso brasiliense, em Plano Piloto e cidades-satélites), entre “cidade” e “morro”, entre conjuntos habi É notável, neste particular, a contribuição de Edgar Morin, em sua obra O Paradigma Perdido: a natureza humana. Há uma outa tradução, brasileira, da mesma obra, com o título O Enigma do Homem. 2 14 tacionais e favelas. Em resumo: as formas como as sociedades estão materialmente estabelecidas, presentificam as significações imaginárias nas quais e pelas quais a sociedade se auto-institui, se autoorganiza. O “concreto” é o resultado, a sombra de tais significações, derivam delas como suas conseqüências materializadas. E é nestas e por estas realizações concretas que aquelas existem. As instituições são redes simbólicas materializadas nas organizações. Basta nos perguntarmos porquê todas as escolas são tão iguais, mundo afora, e porquê todas têm as mesmas salas de aula e cada sala de aula tem exatamente, ou quase exatamente, a mesma configuração espacial. E pensarmos nas dificuldades imensas que um educador ou uma educadora têm quando, por exemplo, procuram implantar uma outra metodologia (baseada, por exemplo, em C. Freinet ou Paulo Freire). Nascidos, então, numa dada sociedade, somos “modelados” por ela através da introjeção, em nossa psique, das instituições, das significações imaginárias que a constituem, e que nos “ensinaram” o que é e o que não é, o que pode e o que não pode, o que vale e o que não vale, o que é certo e o que é errado. A partir daí constituímos nossa identidade, individual e coletiva, fomos obrigados a investir tais instituições e as respectivas significações num longo processo de sublimação. Encontramos os nossos “lugares” sociais, inclusive. E, ao realizá-lo, mantemos a sociedade em seus pilares fundamentais, reproduzindo suas categorias sociais, seus tipos sociais, em sua tipicidade e em sua complementaridade. Numa sociedade capitalista, reproduzem-se as camadas dirigentes e reproduzem-se as camadas dirigidas. Como uma sociedade capitalista se conservaria se não reproduzisse os tipos que são fundamentais a sua sobrevivência enquanto sociedade capitalista, que são os empresários (“os empreendedores”, os “dirigentes”) e os proletários (os “subordinados”, os “dirigidos”)? Diante disso, coloca-se o desafio: instituir uma educação “outra”, uma educação que, permitindo a reflexividade e a deliberação sobre as instituições (significações, valores, leis, regras, normas) vigentes, permita abrir caminho dentro do instituído para, num processo instituinte, trabalhar na criação ou institucionalização de uma sociedade “outra”, ou seja, fundamentada em outras significações, em outros valores. Coloca-se o desafio de fazer de um processo reprodutivista um processo transformador, uma educação para a mudança e não para a simples e pura reprodução de uma sociedade tal como existe. “O homem, diz Castoriadis, é um animal inconscientemente filosófico, que fez a si mesmo perguntas na filosofia dos fatos, muito tempo antes que a filosofia existisse como reflexão explícita; e é um animal poético, que fornece, no imaginário, respostas a essas perguntas” (IIS:178). Reflita um pouco sobre isso. 1.4 Alienação, autonomia e cidadania O processo educativo, pois, dentro da perspectiva assumida, não é neutro. Ao contrário, ele é momento decisivo da instituição da “polis”, ou seja, da “cidade” ou da sociedade em seu sentido mais amplo e genérico. Por isso, é um processo intrinsecamente político. E isso acontece com a “maior naturalidade”. Como diz uma certa letra musical: “não sei como aconteceu, quando notei, eu já era eu”. Quando ingressamos na escola primária, já falávamos uma certa língua, com todo seu vocabulário (que não escolhemos), cada vocábulo tendo suas significações (que também independem de nós, que as encontramos prontas). Tudo parece, então, muito “natu15 ral”. E não nos damos conta de que tudo isso é parte da instituição e que, como tal, tudo foi social-historicamente criado, pela espécie humana, por nós, seres humanos, em nossas relações com o mundo, com a natureza, com nossos semelhantes. O fato de termos perdido a noção das origens, leva a uma naturalização, e até mesmo a uma atribuição de sua origem a fontes extra-sociais, até mesmo divinas, extra-terrestres. Nesse caso, que é o mais comum, ou o habitual, as instituições, os costumes, “autonomizam-se”, como se tivessem vida própria. Perdendo a noção de sua origem “real” (de fato: o imaginário radical), mantemos com elas uma relação “imaginária” (aqui no sentido de equivocada, nascida de uma fonte que não a nossa real capacidade imaginária). Eis aí a origem mais ampla e profunda de todas as alienações: o estranhamento, o não reconhecimento das coisas construídas socialmente como criações nossas. E, se nós, nos desencontros da vida, não gostamos da forma como a sociedade está organizada, isto é, instituída, no caso presente, como dilacerada entre ricos e pobres, proprietários e despossuídos, e queremos uma outra sociedade, podemos assumir diante da educação uma nova postura: a da indagação crítica sobre os fundamentos das instituições que trazemos dentro de nós e dentro das quais vivemos. Neste caso, passamos de uma postura de educadores reprodutores e mistificadores a uma postura crítica, de educadores que estimulam, explicitamente, a reflexão sobre as instituições, e estimulam, igualmente, o desenvolvimento da capacidade deliberativa dos educandos sobre as instituições atuais. A começar pelas próprias instituições escolares nas quais trabalhamos e convivemos, que “nos educaram e continuam nos educando”, ou seja, nos “modelaram e modelam” para a aceitação acrítica do instituído, ou, ao contrário, optar por uma postura reativa e afirmativamente instituinte de outra educação preparatória de uma outra sociedade, moldada segundo um outro projeto, fundada em outras significações, e operando o mais possível segundo essas outras significações. Nesse caso, a alienação, postura ou condição de quem vê as instituições fora do seu alcance, alheia a seu poder e sua vontade, dá passagem à autonomia, que é uma postura ou uma atitude de apropriação crítica das instituições. Esta apropriação pode resultar ora numa aceitação positiva das leis que considerarmos válidas (é ótimo que nossos filhos e netos nasçam numa sociedade com leis que humanizem o trânsito, por exemplo, e que condenem a prostituição, sobretudo a infantil), ora na rejeição das leis e sua substituição por outras, quando considerarmos inadequadas, ou inaceitáveis, ou injustas. E, neste caso, ascedemos, como educadores, e ajudamos aos nossos educandos a ascederem, à cidadania. Então, cidadania deixa de ser um termo esvaziado e mistificador, e recupera seu conteúdo político efetivo e pleno. Temos uma educação que avança para uma postura emancipadora. E nos encontramos, de então em diante, na senda aberta por educadores como Celestin Freinet e Paulo Freire, para citar apenas dois, dentre os grandes pedagogos que criaram as pedagogias para a autonomia e a emancipação individual e coletiva. Na história da humanidade, que se instituiu assimetricamente, emergiu a autonomia como uma significação constatadora da heteronomia. E, desde então, se constituiu num projeto que se tem expressado social-his16 toricamente como “movimento democratizante”, um projeto sempre tênue (“a democracia, diz Castoriadis, é um regime trágico, pois sempre exposto a ser democraticamente comprometido...”). A história da constituição dos sistemas de educação escolarizada no Brasil, quer no plano macro, da formulação das grandes políticas, quer no plano micro, da definição do modo de operar na esfera pedagógica, na esfera do trabalho educativo propriamente dito, certamente acompanha e expressa o vaivém desse movimento e dele depende a sorte do projeto de instituição de uma sociedade autônoma, com cidadãos emancipados e solidários. ATIVIDADES SUGERIDAS 1 A propósito do conceito de “educação”, reveja suas anotações de outras disciplinas, notadamente de Filosofia, Psicologia e Sociologia, confronte-as e faça seus comentários, destacando os pontos de convergência e divergência. 2. Ou faça a mesma coisa a propósito do conceito de “alienação” e “autonomia”. 3. Faça uma resenha dos capítulos iniciais de O Paradigma Perdido: a natureza Humana, de Edgar Morin. Comente as passagens que mais diretamente abordam a função educativa na constituição da humanidade, no processo de hominização. 4. Leia e resenhe o texto Psicanálise e Política, de Cornelius Castoriadis, destacando tudo quanto se aplica à pedagogia e à educação. 5. Leia (ou releia) o livro Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire, e comente-o à luz dos conceitos apresentados neste texto. 2 A institucionalização da educação no Brasil Missionários de Cristo na Terra dos Papagaios Este subtílulo foi inspirado no título de um livro recente de um historiador brasileiro3. Aparentemente jocoso, o teor do título nos alerta para uma significação importante, presente no “descobrimento”. É importante registrar, entretanto, que quando os portugueses chegaram ao Brasil, não encontraram um território vazio, nem apenas papagaios. O território era ocupado por saudáveis habitantes cuja “formosura” e “pureza” encantou os marinheiros adventícios (é interessante retornar à Carta de Pero Vaz de Caminha). E, desde então, os viajantes e missionários passaram a relatar os costumes, as crenças, os valores, em suma, a cultura ou o “imaginário efetivo” dos povos da terra recém encontrada. 2.1 Educando os curumins e as cunhatãs Florestan Fernandes, grande sociólogo, educador e militante político brasileiro, elaborou, com base em tais relatos, uma interessante reconstituição do imaginário e do processo educativo através dos quais os tupinambás se perpetuavam4. De uma tal leitura (e de 3 Luiz Felipe de Alencastro. FERNANDES, Florestan. Notas sobre a educação na sociedade Tupinambá. In: Educação e Sociedade no Brasil, São Paulo: Dominus Editora/Editora da Univrsidade de São Paulo, 1966, pp.144 e ss. 4 17 outras que o(a) formando(a) interessado(a) poderá fazer), vale destacar as seguintes características: a) Os processos de transmissão da cultura, (tratava-se, no caso, de uma sociedade “tradicionalista”, “sagrada” e “fechada”) procediam por via oral, através de contatos primários, do face a face, segundo as próprias circunstâncias produzidas pelas rotinas da vida diária. Todos aprendiam algo em qualquer tipo de relação social, fazendo de qualquer indivíduo um agente de educação tribal, projetando os papéis de “adestradores” ou de “mestres” em todas as posições da estrutura social. O valor da tradição se impunha, era sagrado, um saber “puro”, capaz de orientar as ações e decisões dos homens em qualquer circunstância, reproduzindo a experiência dos “ancestrais”. Ela definia os mínimos morais e os graus de honorabilidade das ações e do caráter dos seres humanos. O que contava era o valor da ação e o valor do exemplo. Aprendia-se fazendo, parece ter sido a máxima da “filosofia educacional” entre eles. Os adultos envolviam os menores nas atividades e os estimulavam a repetir situações determinadas, iniciando-os nas atitudes, nos valores, nos comportamentos adequados. O adestramento dos menores não se separava da realização das obrigações. E cada qual devia considerar suas ações como modelo para os demais. Todos eram “mestres” pelo “exemplo”, o comportamento manifesto devia traduzir fielmente o sentido do legado dos antepassados, o conteúdo prático das tradições. A imitação era o processo educativo básico. b) Quanto às condições de transmissão da cultura, havia variações importantes segundo o sexo e a idade dos envolvidos. Até começar a andar, todos dependiam da mãe, esta jamais se afastava dos pequenos, de modo a poder socorrer-lhes em caso de necessidade. Os curumins (meninos) aprendiam a fazer arco e flecha, furavam os lábios entre quatro e seis anos, folgavam com os companheiros, aprendiam cantos e danças, e, mais tarde, com os pais, aprendiam a caçar, a pescar, a buscar comida para o grupo doméstico. A partir dos quinze anos tornavam-se “unidades produtivas da economia doméstica”, trabalhando arduamente em todos os setores de atividades masculinas. Eram remadores nas expedições, fabricantes de flexas, pescadores, prestadores de serviços nas reuniões dos mais velhos. A partir dos vinte e cinco anos tornavamse guerreiros, sacrificavam a primeira vítima, renomavam-se, casavam, entravam no círculo dos adultos, aprendiam as tradições, as instituições, junto aos mais velhos. Já as cunhatãs (meninas) não se afastavam das mães até aos sete anos. Aprendiam a fiar para tecer as redes e a modelar para fazer vasilhames de barro. Entre sete e quinze anos ficavam apegadas às mães, e aprendiam os serviços caseiros, a fiação, o enodamento das redes, a semeadura e o plantio das roças, a preparação do cauim e dos outros alimentos. O grande acontecimento era a iniciação, após a primeira menstruação, seguindo-se a perda da virgindade. A partir dos quinze anos de idade, preparavam-se para o matrimônio dominando as prendas domésticas. As jovens eram introduzidas, paulatinamente, nos papéis e na concepção de mundo das mulheres. A cada fase da vida correspondiam novos papéis e atribuições. Aos “professores” cabia ensinar pela prática, executando com perfeição as coisas para po18 der bem ensiná-las. Não havia formalismo pedagógico, nem dissociação entre prática e teoria. c) Os conteúdos da educação afetavam todas as esferas da vida social organizada. d) As funções sociais da educação, remetiam às relações e aos controles sociais do ambiente natural, a transmissão da tecnologia levava em conta sexo e idade. O corpo humano era o grande instrumento tecnológico, tratava-se de explorar suas possibilidades, trabalhando com o machado de pedra e recursos técnicos correspondentes. O mutirão era importante. “O homem era o principal ‘meio’ do próprio homem” (Florestan:162). Nas relações interpessoais, aprendiam-se as regras de tratamento assimétrico (por idade ou sexo), o companheirismo, a solidariedade, a reciprocidade, os cerimoniais complexos, os ritos, a guerra, a caça, a unidade tribal. Nas relações com o sagrado, aprendiam o conhecimento dos mitos, das técnicas mágico-religiosas, dos ritos (de passagem, de sacrifícios), o xamanismo. Em síntese, a educação entre os autóctones era informal e assistemática, comparativamente aos padrões europeus, mas era eficaz e efetiva. Assegurava a perpetuação da “herança social” recebida dos antepassados, perpetuando o “imaginário” tribal e suas significações, ainda que sem técnicas de educação sistemática e sem criação de situações caracteristicamente pedagógicas (Florestan:153). 2.2 A sociedade mercantilista Os homens que chegaram ao novo mundo, chegaram em caravelas, e não em canoas. Traziam armas de fogo, não usavam arco e flecha. Cobriam seus corpos com vestimentas. Bebiam algo muito diferente do cauim. Utilizavam muitos equipamentos, sofisticadíssimos comparativamente à rusticidade dos locais. Eram representantes da mais avançada sociedade européia da época, sua tecnologia era de ponta e tão desenvolvida que lhes permitia aventurar-se nas navegações mar afora, como cinco séculos depois outras nações navegaram pelo espaço sideral. E eram homens que viajavam em busca de mercadorias. A Europa vivia o mercantilismo, que, segundo o Aurélio, significa “tendência para subordinar tudo ao comércio, ao interesse, ao lucro, ao ganho”, ou ainda, “predominância do interesse ou do espírito mercantil”. Em outras palavras, a Europa estava criando um outro tipo de sociedade, fundamentada em outros valores, em outras significações, que virá a ser conhecida ou batizada como “capitalismo”. Esse é um tipo de sociedade em que o econômico prevalece e, a partir dele, tudo tende a ser transformado em “mercadoria”, a assumir a forma mercadoria. E, como tal, a ser elemento de troca. Nossos aborígenes faziam prisioneiros nas suas guerras, que eram motivadas pela necessidade de buscar novos territórios, havendo um esgotamento relativo dos territórios anteriormente ocupados. Os prisioneiros eram sacrificados em rituais próprios, carregados de significações. Mas não eram vendidos. Esta significação não existia entre eles. Com os portugueses, chega o espírito mercantil, a venda, a exploração mercantil dos recursos naturais (o pau brasil foi devastado, e assim começou a devastação da Mata Atlântica...), pessoas eram feitas prisioneiras e transformadas em 19 mercadorias: escravos eram mercadorias, vendidas e compradas no mercado de escravos...(Há um outro livro interessante e recomendável: trata-se de A Nação Mercantilista, de Jorge Caldeira5). Havia uma significação imaginária, operante e pesada, que se expressava como reificação das relações. Segundo C. Castoriadis, é a captação de uma categoria de homens (e mulheres) como assimilável, em todos os sentidos práticos, a animais ou coisas, fazendo deles escravos (no caso dos indígenas) ou mercadorias (ou ambas as coisas) no caso dos portugueses... Trata-se de uma relação na qual alguns homens se vêem e agem, uns em relação aos outros, “não como aliados para ajudar, rivais para dominar, inimigos para exterminar ou mesmo comer, mas como objetos para possuir”(IIS:185). A instituição antagônica e assimétrica das sociedades indígenas, onde havia escravidão e canibalismo, conhece uma outra forma de desumanização: a reificação mercantilista, que se realiza no anonimato da sociedade. Mais do que a troca de homens por objetos, o que está presente é a “transformação dos homens ‘em objetos’”. E, assim, uma outra pedagogia se instaura. 2.3 A ratio studiorum nos trópicos Conjunto de normas criado para regulamentar o ensino nos colégios jesuíticos. Sua primeira edição, de 1599, além de sustentar a educação jesuítica, ganhou status de norma para toda a Companhia de Jesus. Tinha por finalidade ordenar as atividades, funções e os métodos de avaliação nas escolas jesuíticas. Evidentemente, os contatos estabelecidos instauraram um novo processo educativo, ou re-educativo. Os autóctones foram aprendendo novas formas de ser, de se relacionar, de agir, de pensar. A educação sistemática, porém, irá começar com os jesuítas. A ocupação sistemática do novo mundo vai requerer a inculcação de nova maneira de ser, de pensar e de agir entre os nativos. O processo dito civilizatório visava “dilatar a fé e o império”. Em resumo: visava fazer viger uma outra civilização, um outro imaginário. De lá para cá, sabemos o que aconteceu, pois somos herdeiros desse processo dito civilizatório. Processo civilizatório de inspiração cristã, católica, ibérica e capitalista, no qual se reitera, de forma renovada, um sistema de poder e de riqueza profundamente assimétrico, no qual, adverte Caldeira (p.7 e ss.), “a formulação de política econômica era deliberadamente pensada como modo de excluir os interesses da maioria dos agentes e satisfazer uma minoria (pouco interessada no progresso). Uma cultura e uma política de exclusão, na qual a maioria dos agentes não deveria aparecer como sujeitos de desejos próprios que devessem ser levados em consideração.” Pois bem, nossos primeiros educadores formalmente designados como tal, valendo-se de uma pedagogia específica, elaborada, formalizada, foram os jesuítas. Eles marcaram sua presença educacional no Brasil de 1549 a 1759. Serão 210 anos de influência religiosa: inculcação dos novos valores, do novo sagrado. Na Bahia, criaram as Confrarias dos Meninos de Jesus, que mantinham os Colégios dos Meninos de Jesus, onde ensinavam aos filhos dos “principais da terra” e, inicialmente, aos filhos dos caciques indígenas, com os quais interessava manter bons contatos. O sistema era financiado pela redízima, norma segundo a qual um percentual de dez por cento do quanto ia como tributação ao reino. Econômica e politicamente, instituiu-se a escolarização como extensão do Estado português. Sendo privado, era financiado com recursos públicos. Pedagogicamente, em sentido estrito, apoiava-se na ratio CALDEIRA, Jorge. A Nação Mercantilista – ensaio sobre o Brasil . São Paulo: Ed. 34, 1999. 5 20 studiorum, que eram as disposições da Companhia de Jesus, ordem religiosa recém-criada para contrapor-se ao protestantismo reformista e assegurar a defesa da ortodoxia católica. Esta determinava, além do elementar “ensinar a ler, escrever e contar”, o ensino das Humanidades (Gramática, Literatura (Humanidades) e Retórica), das Artes (Filosofia: Lógica, Metafísica e Filosofia Moral) e da Teologia (Ciências Sagradas). Sua base curricular eram o trivium (Gramática, Retórica e Dialética) e o quadrivium (Aritmética, Geometria, Música e Astronomia), herança medieval de inspiração escolástica e aristotélica, esta profundamente torcionada pelo tomismo. A língua oficial era latim ou grego. A novidade, no Brasil, foi a introdução da língua portuguesa e da própria língua tupi para facilitar a comunicação com os nativos6. Mas o interesse maior, senão exclusivo, era o de formar os próprios quadros clericais e os amanuenses para o comércio da época. Ao final do período, estima-se que haveria uma “rede” profissionalizante com cerca de três mil alunos, espalhados pelo Brasil, seguindo as trilhas do processo evangelizador. O que não seria, talvez, de pouca importância se nos lembrarmos do que foi o trabalho “civilizador” dos jesuítas espanhóis que instituíram os Sete Povos das Missões, no noroeste do que hoje é o Rio Grande do Sul, a “região missioneira”. Como quer que seja, igualmente, o ensino superior que foi ensaiado pelos jesuítas na Bahia, foi impedido de continuar, ainda no século XVI. 2.4 As vozes da África Os portugueses, tendo viajado muito pela África, conheciam os mouros do norte e os negros do interior do continente. Muitos desses negros viviam em Lisboa. Por isso, quando chegaram ao Brasil, chamaram os índios de negros da terra. Por serem diferentes dos europeus, estes os achavam inferiores. Para que tivessem algum valor para os europeus, era preciso que se tornassem idênticos a eles. Era preciso catequizar os indígenas, convertendo-os a qualquer custo ao cristianismo. E era preciso ensiná-los a viver em aldeias como as da Europa e trabalhar como os europeus. Como não estavam acostumados a viver e trabalhar desse modo, era preciso obrigá-los a trabalhar e viver assim. Era preciso transformá-los em escravos dos colonos brancos portugueses. Nos primeiros tempos, a plantação da cana-de-açúcar foi tocada assim, com o trabalho dos índios escravizados. Os bandeirantes, que saíam pelo sertão afora para procurar ouro e pedras preciosas, também buscavam indígenas para apresar e trazer para o trabalho nas plantações. Mas os indígenas, que não estavam acostumados a esse modo de vida, rendiam pouco como mão-de-obra nos engenhos de cana. E, depois, os padres jesuítas, que tinham por missão convertê-los à religião dos colonizadores, não se conformavam com essas práticas dos bandeirantes, porque eram um péssimo exemplo da civilização dos brancos cristãos. Foi por isso que os portugueses donos dos engenhos de cana resolveram buscar outra gente para trabalhar em suas terras. Se os negros da terra não serviam, era melhor ir buscar os negros da África. E é aqui que começa a história da presença dos africanos negros no Brasil. Nossos antepassados negros eram pessoas muito diferenCHAGAS, Valnir. A preparação de quatro séculos. In: O Ensino de 1º e 2º Graus – antes, agora, e depois? São Paulo: Saraiva, 1984. 6 21 tes umas das outras, tal como os indígenas que viviam no Brasil na época do descobrimento. Aqui não havia índios, simplesmente, mas muitos povos indígenas de várias nações, que falavam línguas diferentes e viviam de muitas maneiras diversas. E o mesmo aconteceu com os escravos vindos da África. Eles não eram simplesmente negros africanos escravos, mas povos que pertenciam a muitas nações. Os primeiros africanos que foram trazidos como escravos para o Brasil vinham da costa da África ocidental. Eram povos que aqui ficaram conhecidos como negros minas, congos, angolas, guinés, cabindas, rebolos, benguelas, moçambiques e muitos outros nomes, e todos eles pertenciam ao grupo dos povos bantu e sudaneses. Os países da África que hoje se chamam Angola, Congo, Moçambique ou Guiné receberam esses nomes por causa desses povos que lá viviam há muito tempo e foi dessas regiões que vieram os primeiros escravos. Depois, também vieram como escravos os povos de cultura iorubá, da Nigéria e do Benin, e também eles formavam nações distintas, dos nagôs, dos geges, dos ijexás. Muitos deles viviam em civilizações altamente desenvolvidas, como no reino de Oyó, onde havia grandes cidades. Ali, reis poderosos exibiam o luxo de suas cortes e tinham uma cultura muito refinada. Os artesãos sabiam trabalhar os metais como ninguém e em sua arte as esculturas de ferro e de madeira entalhada eram maravilhosas. Cada um desses povos tinha um modo de vida próprio, com costumes diferentes e crenças religiosas muito elaboradas. Entre os povos bantu, cada grupo de famílias cultuava seus antepassados, pois acreditavam que vinha deles a força que sustentava a vida de todos os membros do grupo. Os deuses dos iorubá eram os orixás, ligados aos elementos e às forças da natureza. Havia divindades do fogo e do ar, da água e da terra. Havia deuses e deusas das matas e dos rios, da chuva, da tempestade, dos raios, do trovão, do arco-íris. Havia um deus dos metais, da agricultura e das armas de guerra e outro que protegia as pessoas das doenças. Mas, apesar disso tudo, para os brancos europeus eles eram apenas negros que, como os índios da América, era preciso civilizar. Os negros eram capturados na África e depois vendidos aos comerciantes de escravos. De lá, eram embarcados nos navios chamados negreiros e uma enorme quantidade deles morria na travessia do oceano Atlântico, por causa das doenças e dos maus tratos que sofriam. Às vezes, mesmo antes de embarcar, eles eram batizados, recebendo um nome cristão, e isso bastava para que fossem considerados “convertidos” à fé dos seus senhores. Outras vezes, eram batizados assim que desembarcavam nos portos do Brasil, em Pernambuco e na Bahia, antes de serem levados ao mercado de escravos. Os escravos que eram comprados nos mercados de Recife ou Salvador iam trabalhar nas plantações de cana-de-açúcar do litoral ou nas fazendas de gado do interior. Como a cana não se adaptou bem na capitania de São Vicente, nas terras do litoral de São Paulo, a lavoura ali não foi para frente. Mas ela se deu muito bem com o litoral ensolarado de Pernambuco e da Bahia, e foi aí que se instalaram os grandes engenhos de açúcar. E depois, quando o povoamento português entrou pelas terras do sertão, foram surgindo as grandes fazendas de gado. Na casa-grande do engenho ou da fazenda, os escravos fa22 ziam todo tipo de serviços. Era preciso plantar e limpar a cana, depois cortar a cana do pé, moer cada uma e ferver o caldo, para fazer o açúcar que seria vendido lá fora, o melado e a rapadura para fazer os doces e adoçar os bolos na casa de fazenda. Os escravos faziam as peças da moenda e cuidavam dos bois que faziam a moenda girar. Plantavam a mandioca, o milho, o feijão e a abóbora que todos comiam. Nas fazendas do sertão, cuidavam do gado no pasto e o recolhiam ao curral e davam para ele comer o bagaço da cana quando havia por perto um engenho. Cuidavam das crias e aproveitavam o leite das vacas para fazer queijo. Quando o gado já tinha engordado bem no pasto, eles matavam os bois, salgavam e secavam sua carne no sol, para fazer o charque. Era essa carne seca que os escravos levavam para vender nos engenhos e nas cidades do litoral. No terreiro dos engenhos e das fazendas, as escravas criavam os frangos que matavam na hora, quando chegava uma visita ou para fazer o caldo que a senhora do engenho tomava, quando estava de resguardo, depois do nascimento de uma criança. Eram elas que engordavam os porcos e com sua carne faziam lingüiça e chouriço, guardando a banha para temperar a comida. Cuidavam do fogão de lenha, do forno de barro, faziam os doces e assavam as broas de milho e os bolos de mandioca que todos comiam na casagrande. Muitas teciam no tear o pano de suas roupas, que elas próprias costuravam. Também cuidavam da roupa de cama que todos usavam na casa grande. E ainda, como mucamas, tinham de cuidar da sinhá. Era preciso lavar, engomar e passar suas roupas, cuidar de seus sapatos, pentear seus cabelos. As escravas também cuidavam dos filhos pequenos da sinhá. Eram elas que amamentavam as crianças, que davam banho nelas, que cuidavam de suas roupinhas e preparavam sua comida. Mas o filho da escrava já nascia escravo. Assim que crescia um pouco mais, o moleque ia ajudar na plantação ou na lida do gado e fazia todo tipo de pequenos serviços na casa. E quando o sinhô ou a sinhá quisesse, podia vender o moleque, ou dá-lo de presente a algum conhecido, sem se importar com sua mãe escrava, que ficava com a família do senhor para cuidar dos filhos dele. Os senhores-de-engenho ou das fazendas de gado também costumavam ter uma casa na cidade. Então, era ali que os escravos iam cuidar da família de seus senhores, nos grandes sobrados de Recife, Olinda e Salvador. E também na cidade faziam todos os serviços: vendiam, pela rua, frutas, doces, a água que se tomava nas casas. Levavam as pesadas barricas de madeira onde todo dia se despejava a urina e as fezes dos moradores das casas, para esvaziálas no rio ou no mar. E na cidade também aprendiam todo tipo de ofício. Eram ferreiros, barbeiros, carpinteiros. Aprendiam a construir casas e igrejas, e aprendiam também a entalhar na madeira os altares das igrejas, suas colunas, aprendiam a esculpir no barro ou na madeira as imagens dos santos, a pintar de ouro suas roupas. Toda a arte nesse período foi feita com a contribuição do seu trabalho. Era assim a vida dos escravos negros vindos da África, desde os primeiros tempos em que a colonização portuguesa se dedicou ao cultivo da cana, no final do século XVI. Foi nos engenhos e nas fazendas que os escravos africanos construíram a riqueza do Brasil por todo o século XVII. Mas continuavam a ser desprezados e maltratados 23 Saiba mais sobre o líder Zumbi e o Quilombo dos Palmares em: http://www. historiadobrasil.net/quilombos/ 24 pelos senhores brancos, porque eram negros e escravos. O sofrimento dos escravos começava na África e continuava depois no Brasil. Às vezes, eram capturados na África todos os membros de uma família, mas eles eram separados uns dos outros para serem vendidos como escravos no Brasil. Também os que falavam a mesma língua e vinham de uma mesma região, como os congos, angolas, benguelas ou guinés, por exemplo, eram separados na hora da venda. Isso porque os donos dos engenhos tinham medo. Pois, se eles pudessem se entender uns com os outros e ficassem todos juntos, talvez quisessem defender os parentes e os amigos contra os castigos e maus-tratos que sofriam e poderiam organizar uma revolta. E sobravam motivos para revoltas, porque maus-tratos não faltavam. Os escravos moravam amontoados nas senzalas e o feitor, que os vigiava por conta do senhor-de-engenho, por qualquer coisa dava a eles todo tipo de castigo. Eram presos no tronco, uma grande peça de madeira com buracos onde enfiavam seus pés e suas mãos. Quando andavam de um lugar para outro, iam amarrados juntos por uma comprida corrente, chamada libambo. Às vezes tinham que carregar no ombro ou apoiada na cabeça uma pesada peça de madeira, o cepo, que era preso no seu tornozelo com uma corrente, para impedir que eles pudessem correr e fugir. Outras vezes, o senhor punha no pescoço do escravo a gargalheira, um pesado colar de ferro com três pontas bem altas para impedir que ele virasse a cabeça, mal podia andar assim. Outras vezes, ainda, os escravos eram castigados com a palmatória, uma prancha de madeira cheia de furos que o feitor batia com força na sua mão. Mesmo nas crianças se batia com a palmatória e suas mãozinhas ficavam inchadas e cheias de marcas. Por isso as revoltas eram constantes. E, apesar da vigilância do senhor e do feitor, muitos conseguiam fugir dos engenhos de açúcar e das fazendas. O senhor mandava atrás deles o capitão do mato e, quando eram apanhados e trazidos de volta, sofriam ainda maiores castigos. Por isso os escravos precisavam fugir cada vez mais para longe, para lugares onde não pudessem ser alcançados. E, quando conseguiam se reunir nesses lugares, precisavam se organizar muito bem para se defender dos brancos, caso eles chegassem até lá. Essas comunidades criadas pelos negros eram chamadas quilombos e os que ali viviam eram conhecidos como quilombolas. O quilombo mais importante que existiu no Brasil foi Palmares, que se organizou no atual Estado de Alagoas por volta de 1597. Palmares conseguiu resistir aos brancos por quase 100 anos e, no período mais importante de sua história, durante 30 anos, conseguiu manter vivendo ali cerca de 30 mil pessoas. Os líderes de Palmares que se tornaram mais conhecidos foram Ganga-Zumba e Zumbi e é por causa da resistência heróica dos escravos daquele quilombo que o dia da morte de Zumbi, 20 de novembro, passou a ser comemorado no Brasil desde 1978 como o Dia da Consciência Negra. O quilombo dos Palmares foi destruído em 1694 por um bandeirante paulista, Domingos Jorge Velho. E são os bandeirantes e os quilombos que nos fazem chegar mais perto da origem dos atuais remanescentes dos quilombos, espalhados por diferentes cantos do território brasileiro, a exemplo do povo Kalunga, em Goiás, território que também foi um quilombo, surgido na época em que os bandeirantes paulistas chegaram até às terras de Goiás7. 2.5 As reformas pombalinas A “rede” jesuíta de ensino, este embrião de “sistema de ensino”, cujas características estão sumariamente reproduzidas, foram eliminadas em 1759 pelo Marquês de Pombal. Era o “Iluminismo” chegando ao Brasil e, entre outras razões de natureza política e econômica, declarando a necessidade de lutar contra o atraso filosófico, o aristotelismo, defendo a incorporação de novos ideais filosóficos e científicos, um novo sentido de educação que deveria ser implantado por intermédio da escola (nesta época as escolas começavam igualmente a serem criadas na Europa8). O Estado português reassume o protagonismo, antes em poder da Igreja, em matéria educacional. Mas obtém resultados desastrosos. Apenas treze anos depois da expulsão dos jesuítas foi criado o “subsídio literário”, para financiar o ensino elementar e de humanidades, que constaria de “aulas régias”, isto é, aulas “avulsas”, de latim, grego ou retórica para evitar a simples e pura ausência de escola. A população beirava os “três milhões” de habitantes. Sociedade rígida e escravocrata, nela não poderia haver nem tipografias nem manufaturas, nem sequer oficinas de ourivesaria. Os “professores” passaram a ser improvisados, sem a formação dos jesuítas, que era notável. (Talvez daí decorra a expressão de “professor leigo”, associando o despreparo ao fato de serem não “religiosos”, como até então). Vale lembrar algumas premissas da reforma pombalina, tal como expressas por Antonio Nunes Ribeiro Sanches (amigo de Luiz Antonio Verney, autor de O Verdadeiro Método de Estudar, inspirador filosófico da reforma), o mentor político das mudanças: no ensino primário, afastar das escolas de ler e escrever os filhos dos pobres e das pessoas do campo, porque se estes se alfabetizassem, deixariam o campo, ou quereriam ser outra coisa que não roceiros, pescadores ou ocupar ofícios humildes como seus pais. Para evitar isso, deveriam ser eliminadas as escolas, públicas ou particulares, nas aldeias e pequenos vilarejos. Quanto às colônias, no caso o Brasil, dever-se-ia ter presente que seu único objeto deveria ser “a agricultura e o comércio”, não podendo nelas existirem instrução, cultura, elevação científica. Pois fariam frutificar honras, cargos, dinheiro e valores humanos que só deveriam frutificar na metrópole. Isso só poderia beneficiar pessoas das Colônias “se frutificassem na corte”.9 Eram proibidas as escolas de latim (ensino médio), pelas mesmas razões. Era importante cultivar expressamente a dependência da colônia em relação à capital, o reino. No Brasil, da nova proposta, apenas no Seminário de Olinda, sob inspiração do bispo D. Azeredo Coutinho, aconteceu alguma coisa de tal reforma do ensino médio, que consistiu em incluir no currículo o estudo das ciências matemáticas, físicas e naturais, complementando as matérias tradicionais. E O texto sobre a contribuição trazida da África é de autoria da Prof.ª Dr.ª Maria da Glória Moura, da Universidade de Brasília e do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, e integra um livro em fase de conclusão sob o título Uma História Kalunga, que trata dos quilombos formados pelos povos Kalunga na região de Goiás. 8 LOBROT, Michel. Para que serve a escola? 9 SANCHES, Ribeiro. Cartas sobre a Educação da Mocidade, apud José Antônio Tobias, História da Educação Brasileira, São Paulo: Editora Juriscredi, 1972, p. 120. 7 25 o Seminário de Olinda é considerado um centro importante de renovação do pensamento filosófico e político no nordeste brasileiro, com influência decisiva na história de Pernambuco e da Revolução Pernambucana de 1817. 2.6 A educação de D. João VI Quando a família real chegou ao Brasil, em 1808, praticamente nada havia em matéria de ensino. Era um total vazio. Ao monarca coube várias iniciativas no campo cultural, tais como a criação da Imprensa Régia, do Jardim botânico, da Biblioteca, do Museu Nacional. Os interesses do Estado aqui implantado requeria médicos, engenheiros, oficiais militares. Daí a criação da Escola de Cirurgia na Bahia, da cadeira de Ciência Econômica, da Academia de GuardasMarinha, da cadeira de Medicina Operatória e Arte Obstétrica, da cadeira de Cálculo Integral, Mecânica e Hidrodinâmica em Pernambuco, da cadeira de Medicina Clínica no Hospital Real Militar e de Marinha, da Academia Real Militar, considerada a primeira faculdade brasileira oficialmente criada. Implanta-se o sistema de ensino no Brasil, começando pelo ensino superior, instituído em forma de ensino profissionalizante em estabelecimentos ou unidades isoladas. 2.7 O ensino no Império A situação da educação escolarizada no Brasil não sofrerá grandes alterações ao longo do Império. De um modo geral, o ensino superior consolida as escolas criadas por D. João VI, acrescentando a elas as Faculdades de Direito de São Paulo e do Recife, e já no seu final, a Escola de Minas, de Ouro Preto. No ensino médio, surgem os Liceus, tendo como referência “modelar” o Colégio Pedro II, criado no Município da Corte, com alguns outros espalhando-se pelas províncias. O setor privado vai construindo também os seus espaços. A grande referência, por exemplo, em Minas Gerais, é o Colégio Caraça. Entretanto, nada de uma rede pública respeitável. No ensino primário, então, o panorama é desolador. Com a Independência, a educação do povo se exprime de forma genérica e superficial. Na Constituição de 1823, o artigo 19 determina “a instrução primária gratuita a todos os cidadãos”. Em 1826, surge uma primeira reforma do ensino, promovida pelo Cônego Januário da Cunha Barbosa, propondo a inspeção escolar, e, em 1827, uma lei é promulgada criando as escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugarejos, e estabelecendo o método Lancaster ou de ensino mútuo. Nos conventos havia escolas para meninos ou meninas, conforme fosse a congregação masculina ou feminina. A educação feminina era uma raridade. Em 1834, entretanto, o Ato Adicional, estabelecendo uma monarquia federativa e descentralizadora, cria as Assembléias Legislativas Provinciais, e descentraliza também a educação, que fica sob responsabilidade das Províncias, a cujas Assembléias competiria legislar “sobre a instrução pública e os estabelecimentos próprios a promovê-la”. Esta descentralização prosseguirá com a República, retomando em nossos dias a forma de municipalização do ensino. A escassez de recursos, ou de interesse, deixou o ensino básico a descoberto. No ensino médio, as reformas seguiram, numa tensão ora 26 estruturante ora desestruturante, haja vista, por exemplo, o caso da reforma Leôncio de Carvalho, que, em 1879, estabeleceu o “ensino livre”, ou seja, ampliou para todo o Império as medidas que estabeleceram, no mesmo ano, no Município da Corte, os exames vagos e o regime de freqüência livre. Agora abria ao setor privado a possibilidade de abrir escolas e cursos de todos os tipos e níveis, podendo conceder graus acadêmicos e vantagens até então concedidos exclusivamente pelos estabelecimentos públicos. A responsabilidade pública era apenas quanto à inspeção para garantir as condições “de moralidade e higiene”.10 E é com esse quadro de precariedade que entramos na República. 2.8 A política educacional na Primeira República A primeira reforma educacional no período republicano aconteceu em 1890, tendo sido criado o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Sua ênfase recaiu sobre o ensino médio, reformando o Colégio Pedro II, destacando o ensino das ciências naturais e exatas. Em 1901 (Epitácio Pessoa), depois em 1911 (Rivadávia Correia novamente reedita Leôncio de Carvalho desoficializando e privatizando o ensino público), depois em 1915 (Carlos Maximiliano), depois em 1925 (Luiz Alves/Rocha Vaz) aconteceram novas “reformas”. Para Otaíza Romanelli, entretanto, “todas essas reformas não passaram de tentativas frustradas e, mesmo quando aplicadas, representaram o pensamento isolado e desordenado dos comandos políticos, o que estava muito longe de poder comparar-se a uma política nacional de educação”11. O mais importante dessa fase da história da sociedade brasileira e da institucionalização da educação escolarizada é um forte movimento de reforma nascido entre os educadores que em 1924 criaram a Associação Brasileira de Educação e realizaram várias reformas estaduais, em São Paulo, em Minas Gerais, no Ceará, no Distrito Federal e na Bahia. Nesse contexto aconteceu o movimento da Escola Nova e se constituirá o núcleo dos “pioneiros da educação”, que terão muita influência na década seguinte. 2.9 A educação a partir dos anos 30: as leis “orgânicas” É a partir dos anos 30 do século XX, no bojo de um movimento de sociedade que culmina na Revolução de 30, que se começará um sistema de ensino público segundo uma tal política nacional. É a Reforma Francisco Campos que, em 1931, dá a largada do processo. Este processo vai desaguar na Constituição de 1934. Nesta, vão se fazer ouvir os ecos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que, assinado por ilustres figuras da vida pública e educacional brasileira, procurara, em 1932, despertar a nação para a importância da reforma educacional, dirigindo “ao povo e ao governo” uma proposta de “reconstrução educacional no Brasil”, afirmando a importância e a gravidade do “problema educacional” dentro da “hierarquia dos problemas nacionais”, afirmando a impossibilidade de “desenvolver as forças econômicas ou de produção sem o preparo intensivo das HAIDAR, Maria de Lourdes Mariotto. O Ensino Secundário no Império Brasileiro. São Paulo: Editorial Grijalbo, 1972, p.189. 11 ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 43. 10 27 forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade”. Na avaliação dos signatários, após 43 anos de República, ainda não se lograra “criar um sistema de organização escolar”, permanecendo “tudo fragmento e desarticulado” na esfera das iniciativas de política educacional. Propunha-se, então, uma política com “visão global do problema, em todos os seus aspectos”. Esse “estado antes de inorganização do que de desorganização do aparelho escolar, (tem sua causa principal) na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins da educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação”12. Propunham um “movimento de renovação educacional” para a reconstrução da área, buscando “transferir do terreno administrativo para os planos político-sociais a solução dos problemas escolares”. Essa “campanha de renovação educacional” procurou “formular, em documento público, as bases e diretrizes do movimento”. O documento apresentava, assim, um programa para uma “nova política educacional”, formulada a partir de “uma visão global do problema educativo”. E, na seqüência, abordaram as finalidades da educação, o problema dos valores (valores mutáveis e valores permanentes), o papel do Estado em face da educação, caracterizando a esta como “uma função essencialmente pública”, propondo o “princípio da escola para todos” – “escola comum ou única” – de sorte a “não admitir dentro do sistema escolar do Estado, quaisquer classes ou escolas a que só tenha acesso uma minoria, por um privilégio exclusivamente econômico”. Afirmam-se, então, os princípios da laicidade, da gratuidade, da obrigatoriedade e da coeducação (educação conjunta de estudantes de ambos os gêneros), da unidade da função educacional, da sua autonomia, da descentralização. Discutem-se, ainda, importantes elementos metodológicos, fundamentado o “processo educativo” nos conceitos e fundamentos da “educação nova”. Enfatizava-se a importância “do estudo científico e experimental da educação” por oposição do “empirismo” reinante (e é dessa época a criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP). Propunha-se um “plano de reconstrução educacional” que representasse uma “radical transformação da educação pública em todos os seus graus”, compreendo “dos jardins de infância à Universidade”, passando por uma escola secundária “unificada para se evitar o divórcio entre os trabalhadores manuais e intelectuais”, tendo “uma sólida base comum de cultura geral”, para “posterior bifurcação em secção de preponderância intelectual (...) e em secção de preferência manual, ramificada por sua vez em ciclos, escolas ou cursos destinados à preparação às atividades profissionais...” Propunha-se uma vigorosa reforma da Universidade, dando-se especial atenção à formação dos “melhores talentos”, indispensáveis “à formação das elites de pensadores, sábios, cientistas, técnicos e educadores” indispensáveis para “o estudo e solução” dos diferentes problemas nacionais. Finalmente, enfatizava a importância da formação dos professores, em todos os níveis, preconizando “o princípio da unidade GHIRAREDELLI JR., Paulo. História da Educação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1994. p.54 e ss. 12 28 da função educacional” contra a “tradição das hierarquias docentes baseadas na diferenciação dos graus de ensino”, que diferenciava “mestres, professores e catedráticos”, fundamental para a “libertação espiritual e econômica do professor, mediante uma formação e remuneração equivalentes que lhes permita manter, com a eficiência no trabalho, a dignidade e o prestígio indispensáveis aos educadores”. Após abordar o “papel da escola na vida e a sua função social”, o documento conclui afirmando “a disposição obstinada” de enfrentar as dificuldades apontadas, a disposição de lutar “na defesa de nossos ideais educacionais”, para realizar “uma nova política educacional, com sentido unitário e de bases científicas”. Tratava-se, para os signatários, de “uma missão a cumprir”, contra a indiferença e a hostilidade, “em luta aberta contra preconceitos e prevenções enraizadas”, convictos de que “as únicas revoluções fecundas são as que se fazem ou se consolidam pela educação”. Este era, dentre todos os deveres do Estado, ”o que exige maior capacidade de dedicação e justifica a maior soma de sacrifícios, aquele com que não é possível transigir sem a perda irreparável de algumas gerações...” Trata-se de um texto histórico, riquíssimo, que merece ser conhecido em detalhes. Seus efeitos se farão sentir na Constituição de 1934, que, pela primeira vez, falará em “diretrizes e bases da educação” e proporá a realização de um plano nacional de educação. E então deslancha um processo de reforma e estruturação do sistema educacional brasileiro. Esse processo vai prosseguir durante todo o período Vargas, completando-se em 1946. Na verdade, serão bem quinze anos de reformas, começando com a do ensino superior, em 1931 (mas que acontecerá de fato na criação da USP em 1934), passará pelas Leis Orgânicas do Ensino Secundário, Industrial, Comercial e Agrícola entre 1942 e 1943, e terminará com as Leis Orgânicas do Ensino Primário e do Ensino Normal, em 1946. Registre-se, considerando o ensino primário, que sua normatização data de 1946, ou seja, tem, no ano de 2001, apenas 55 anos de vigência. Foi na Constituição de 1934 que a expressão “diretrizes e bases da educação nacional”, criada pelos pioneiros, se incorporou definitivamente no vocabulário educacional brasileiro, enquanto expressão que, na realidade, vai se efetivar através das leis orgânicas, já mencionadas, e na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cujo projeto, de 1948, após a Constituição de 1946, foi aprovada em 1961, para ser reformada em 1971, até chegar à atual Lei 9394/96, sob cuja égide nos encontramos. A institucionalização, pois, de um sistema nacional de educação, apoiado numa política nacional consistente, democraticamente elaborada, tem apenas cerca de 40 anos no Brasil. Pois foi a partir de tal período, 1961, que, efetivamente, se “organizou” o sistema de forma consistente e coerente. Os próximos módulos abordarão a forma e os termos em que este sistema se organizou, tanto no plano filosófico, macro político e administrativo, quanto no plano pedagógico propriamente dito, e na esfera micropolítica, o plano dos estabelecimentos de ensino. 29 ATIVIDADES SUGERIDAS Em função de seu interesse particular, selecione um artigo em 500 Anos de Educação no Brasil e comente-o, levando em conta os conceitos da primeira parte do módulo. Procure entrar em contato com a Fundação Cultural Palmares (www.minc.org.br/fcp/) e pesquise sobre as características das culturas africanas que vieram para o Brasil com os escravos. Atualize seus conhecimentos sobre as culturas indígenas, seus povos, sua sabedoria. Busque em www.cimi.org.br e em www. funai.org.br. Identifique um tema de seu interesse particular (educação fundamental, média, profissional) e pesquise sobre ela, partindo da bibliografia apresentada, mas sem se limitar a ela. Estude e compare a evolução da questão educacional nas diferentes Constituições brasileiras. Interprete as mudanças em função dos conceitos apresentados como fundamentação. Complemente com outras leituras e teorias, se o desejar. 30 31 32 2 Conceitos, finalidades e organização da educação nacional OBJETIVOS ESPECÍFICOS - Analisar os objetivos propostos para cada nível de ensino; - Analisar tais formulações numa perspectiva filosófico-crítica; - Identificar a problemática fundamental da organização do sistema de ensino em seus diferentes níveis e modalidades; 33 1 Conceito, finalidades, objetivos e macro-organização Considerando a institucionalização da educação como parte do processo de instituição da sociedade, e sendo a sociedade auto-instituição, seu destino depende de nós. Dito de outra forma, a sociedade não é algo pronto, acabado de uma vez por todas. Ao contrário, é algo que se faz e se refaz permanentemente. É algo porser, por-fazer. E que cabe aos cidadãos definirem o rumo que deve tomar, antecipando o tipo de sociedade que querem ter, querem construir, pro-jetando, isto é, antecipando o futuro que desejam. Daí a sociedade poder ser considerada um pro-jeto: algo a ser construído segundo nossos interesses, desejos e necessidades. Como se fora nossa casa. Ou talvez, nosso barco comum, na travessia da vida. Qual educação, então? Bem, isso depende de qual sociedade queiramos. De onde podemos dizer que a cada projeto de sociedade corresponde um projeto de educação. Esta postura define o caráter da educação: uma educação que assume seu caráter radicalmente político, pois que define os valores em torno dos quais a sociedade, ou seja a polis, se organiza? Ou uma educação doméstica, serva da ordem existente, posta exclusivamente a seu serviço, apenas preparadora da mão-de-obra funcionalmente necessária e, em tempos capitalistas, preocupada com a educabilidade como condição da empregabilidade que depende da produtividade que dispensa critérios de estabilidade no trabalho? Dentro de tal perspectiva é que vamos recuperar as disposições das leis que regeram nossa educação. São elas, principalmente, as leis nº 4024 (de dezembro de 1961), nº 5692 (de agosto de 1971) e nº 9394/96 (de dezembro de 1996). 1.1 O conceito de educação A Lei 9394/96 começa situando a educação escolar dentro de um quadro no qual aparece a educação como fenômeno antropológico fundamental que se desenvolve “na vida familiar, na convivência humana, no trabalho”, nos movimentos sociais, nas organizações da sociedade civil, nas manifestações culturais (art.1º). E, por isso, dispõe que a educação escolar deva estar vinculada ao mundo do trabalho e à prática escolar (§ 2º). 1.2 As finalidades da educação escolar Os últimos cinqüenta anos da educação escolar brasileira (pois o projeto da LDB apareceu em 1948) assim apresentam as finalidades educacionais. Na Lei n.º 4024/61, nós as encontramos assim formuladas: “Art.1º: A educação nacional, inspirada nos ideais de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fim: a) a compreensão dos direitos e dos deveres da pessoa humana, do cidadão, do estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade; 34 mem; b) o respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do ho- c) o fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade internacional; d) o desenvolvimento integral da personalidade humana e a sua participação na obra do bem comum; e) o preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos que lhes permitam utilizar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio; f) a preservação e expansão do patrimônio cultural; g) a condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a quaisquer preconceitos de classe ou raça.13 O ensino primário, por sua parte, deveria “ter por fim o desenvolvimento do raciocínio e das atividades de expressão da criança, e a sua integração no meio físico e social”. Já a educação de grau médio, “em prosseguimento à ministrada na escola primária, destina-se à formação do adolescente”. E ao falar de educação da criança e, logo a seguir, do adolescente, o texto explicita um importante elemento: o da consideração do desenvolvimento humano, bio-psicosociológico. Em agosto de 1971, surge a Lei nº 5692. Estamos novamente em plena ditadura, o Brasil sendo governado pelo General Emílio G. Médici, no período mais difícil do último regime militar. E o que encontramos? Primeiramente, temos a Constituição outorgada pelos militares em 1969, cujo artigo 176 dispõe que “a educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será ministrada no lar e na escola”. São mantidos praticamente na íntegra os Títulos I a V da lei 4024/61. E se lhes acrescenta o seguinte objetivo geral: “O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania” (Lei 5692, art.1º.) A finalidade da educação, de acordo com a Lei 9394/96, é “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 2º). 1.3 A educação como direito e dever Apresentada a grande declaração de intenções, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n.º 4.024, de dezembro de 1961, passa a tratar do direito à educação, do conceito de liberdade do ensino. Este último item certamente foi o mais polêmico, pois definia a participação do Estado e dos setores privados e, mais que isso, privatistas. De acordo com a Lei 9394/96, entre os princípios a serem observados no ensino cabe destacar aqueles que dispõem sobre VILLALOBOS, João. Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional. São Paulo: Pioneira, 1961, p. 225. 13 35 “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, o da “garantia do padrão de qualidade”, a “valorização da experiência extra-escolar” e a “vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais” (art. 3º). No artigo 4º cabe destacar, entre os indicadores de cumprimento do dever do Estado para com a educação escolar pública, a garantia de “oferta de ensino noturno regular adequado às condições do educando” (inciso VI), “ a oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola” (inciso VII). 1.4 As atribuições institucionais Pela Lei 4024/61, o item referente à administração do ensino destacava serem do MEC as atribuições do Poder Público em matéria de educação e constituía o Conselho Federal de Educação. Definia os sistemas de ensino, destacando o papel da União, dos Estados e do Distrito Federal na organização dos mesmos. Registrese, aqui, o aparecimento explícito da competência dos Estados e do Distrito Federal para autorizar o funcionamento dos estabelecimentos de ensino primário e médio (quando não pertencentes à União), bem como a competência de reconhecê-los e inspecionálos. A Lei 5692/71 pouco se detém sobre a questão da organização político-administrativa em nível macro. Em compensação, a Lei 9394/96, elaborada num contexto mais democrático e de maior debate e participação, amplia consideravelmente este tópico. O assunto é tratado no Título IV, cujo título é exatamente Da Organização da Educação Nacional. E começa falando das atribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que devem “em regime de colaboração, organizar os respectivos sistemas de ensino”. A constituição de tais sistemas é apresentada nos artigos 16, 17 e 18, e compreendem as respectivas instituições de ensino (estabelecimentos escolares) e os órgãos (instâncias gestoras) de educação. À União cabe “a coordenação (grifo meu) da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo a função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais”. Mas os sistemas de ensino, respeitadas as diretrizes da lei, terão liberdade para organizar-se. No artigo 9º detalha as atribuições da União, cabendo destacar a de elaborar o Plano Nacional de Educação, prestar assistência técnica e financeira às demais instâncias, estabelecer diretrizes para as diferentes modalidades de ensino, manter um sistema de informações sobre a educação, assegurar um processo nacional de avaliação do rendimento escolar em todos os níveis de ensino, entre outras. Aos Estados (artigo 10) cabe a responsabilidade de “organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais de seus sistemas de ensino”, definir juntamente com os municípios as formas de cooperação para oferta do ensino fundamental distribuindo as responsabilidades de forma proporcional, considerando o tamanho da população e a disponibilidade de recursos financeiros disponíveis em cada esfera, “elaborar e executar políticas e planos educacionais, levando em conta as diretrizes nacionais e buscando integrar suas ações com as dos municí36 pios...”. É explicitamente atribuído aos Estados a responsabilidade por “assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio”. Aos Municípios (artigo 11) cabe a incumbência de cuidar dos órgãos e instituições oficiais de seu sistema de ensino, integrando-se às políticas e planos formulados pela União e pelos Estados, baixar as normas complementares necessárias ao sistema municipal, “exercer a ação redistributiva em relação às suas escolas”, e “oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino”. Registre-se a possibilidade aberta de municípios optarem por se integrar ao sistema estadual, compondo “um sistema único de educação básica”. E quanto ao Distrito Federal? “Ao Distrito Federal aplicar-se-ão as competências referentes aos Estados e Municípios”, diz o parágrafo único do artigo 10. Novidade importante na atual lei da educação nacional é a consideração, entre os atores do ensino, dos “estabelecimentos de ensino” (artigo 12) e, principalmente, dos “docentes” (artigo 13). Relativamente aos estabelecimentos de ensino, cabe-lhes (sempre respeitadas as normas comuns e as de seu sistema) “elaborar e executar sua proposta pedagógica”; “administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros”; “assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidos”; “velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente”; “prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento”; “articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola”; “informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica”. Quanto aos docentes, nos termos legais, “incumbir-se-ão de: i) participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; ii) elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; iii) zelar pela aprendizagem dos alunos; iv) estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; v) ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidas, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; vi) colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade”. Trata-se, certamente, ainda que se possa imaginar outras formas de apresentar o papel dos estabelecimentos e dos docentes, de um reconhecimento de tais atores, institucional e coletivo, e individualizados, como sujeitos do processo, resgatando em parte o ideário dos Pioneiros, no Manifesto de 1932. E certamente condizente, em boa parte, com a constituição dos movimentos docentes nos diferentes níveis de ensino, associados em sindicatos e outras formas de representatividade e participação. Nessa linha deve-se entender o espaço (entre)aberto para a gestão democrática “do ensino público na educação básica” (e não na superior), ainda que “de acordo com as suas peculiaridades” e 37 “conforme os princípios” de participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e da participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes (artigo 14, incisos I e II). Na mesma direção afirma-se que “os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público”(artigo 15). São as marcas do “movimento democrático”, da dinâmica social-histórica pela realização do projeto de autonomia abrindo brechas e caminhos por entre as formas instituídas de formular as políticas educativas e gerir as organizações correspondentes. A velha e inicial diferenciação entre público e privado, que tanta celeuma provocou quando da discussão da lei 4024/61, nos anos sessenta, permanece intacta. O artigo 19 contempla uma classificação das instituições de ensino, nos diferentes níveis, entre “públicas” (“assim entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público”), e “privadas” (“assim entendidas as mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado”). As privadas, por sua vez, (de acordo com o artigo 20, incisos I a IV) se enquadram em diferentes categorias: i) particulares em sentido estrito (aquelas instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas jurídicas de direito privado); ii) comunitárias (“instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativa de professores e alunos que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade”); iii) confessionais (“instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas”, além de atenderem ao disposto no inciso anterior, ou seja, incluírem representantes da comunidade em sua entidade mantenedora); iv) filantrópicas (na forma da lei). As instituições privadas, entretanto, integram os sistemas de ensino. As de ensino superior estão compreendidas no Sistema Federal de Ensino; as de ensino fundamental e médio, aos sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal; as de educação infantil, aos sistemas municipais. Como quer que seja, ao final do século XX definem-se as responsabilidades institucionais em matéria de educação, pelo menos no plano político-administrativo. Lembremos que apenas com a proclamação da República foi criado o Ministério da Instrução, correios e Telégrafos, de curta duração, tendo os assuntos da educação passado ao Ministério da Justiça. Apenas em 1930 vai ser recriado, como Ministério da Educação e Saúde, desvinculando-se deste apenas depois de 1950, tendo passado por um sem-número de reformas, associando-se ora à Cultura, ora ao Desporto. Resta ver quem paga a conta! 1.5 O financiamento da educação Idéias generosas ficam no papel se não são acompanhadas de efetiva decisão política. E esta efetividade materializa-se no orçamento: sem dinheiro, nada acontece. Ou muito pouco, pois como adverte um economista muito conhecido, “não há almoço de graça”, muito menos se estrutura uma rede escolar sem fundos financeiros. 38 A educação escolarizada no Brasil começou privatizada, sob responsabilidade dos jesuítas, com recursos providos pelo Rei de Portugal. De início era a redízima, ou uma décima parte dos dízimos, ou impostos, que iam para a Corte. Segundo João Monlevade14, tais recursos logo começaram a faltar, mas os padres da Companhia de Jesus já haviam constituído um patrimônio para a ordem, em terras, gados e produção, que fez dela uma importante companhia comercial, representando cerca de 25 por cento do PIB colonial no século XVIII, segundo historiadores de nossa economia. A Companhia, portanto, era capaz de sustentar-se enquanto ordem, como as “dezenas de escolas de primeiras letras” que funcionavam para atender populações de periferias e as missões indígenas (constituindo uma rede por todo o território) e os Colégios principais: Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo. Nosso “sistema educacional” começou privatizado e em moldes empresariais... De qualquer modo, havia uma sistema em constituição e, lembremos sempre, as reduções jesuíticas das Missões, nos dão uma amostra da qualidade de tal formação. Com a reforma pombalina, apenas nos anos de 1770, é implantado o “subsídio literário” que deverá financiar as famosas “aulas régias”, denominação pomposa para designar “aulas avulsas”, ou seja, o financiamento de professores “leigos”, figura já comentada, que vai abrir classes nos desvãos das igrejas e salões, ensinando a título precário e particular... (Ainda no início dos anos 1950, na minha terra, em Santa Catarina, havia remanescentes dessa categoria, deslocando-se pelas fazendas da região serrana para ensinar aos fazendeiros e seus filhos. Meus antepassados todos foram “escolarizados” (?!) dessa forma.) No Império, também já o vimos, o governo Central cuidava do ensino superior e do Colégio Pedro II, situado no município da Corte. Tudo o mais era responsabilidade das províncias, equivalendo a dizer que nas mais ricas estruturou-se um embrião de sistema, enquanto nas mais pobres praticamente não se estruturou sistema nenhum à míngua de recursos, dando início às “disparidades regionais” tão bem conhecidas contemporaneamente. Na Primeira República, nada de relevante aconteceu. É nos anos 1930, a partir do movimento dos educadores congregados na Associação Brasileira de Educação (ABE) – movimento de que o Manifesto é uma das expressões, pois houve várias Conferências realizadas sob sua égide –, que se busca definir uma política de financiamento, propondo-se a criação de “fundos” especiais para a educação, “para a manutenção e o desenvolvimento dos sistemas educacionais”. Começam a surgir as propostas de instituição de índices fixos para tal finalidade. Assim, a Constituição de 1934 vai determinar que a União e os municípios deveriam reservar um mínimo de 10% do orçamento anual para a educação, devendo os Estados e o Distrito Federal reservarem 20%. A Constituição ditatorial de 1937, porém, faz disso letra morta, ao desconsiderar o assunto. Ele será retomado na Constituição de 1946, dispondo (artigo 169) que a União aplicaria “nunca menos de 10% , e os Estados, o Distrito Federal e os municípios nunca menos de 20% da renda resultante dos impostos...”. O texto da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 1961, reitera essa responsabilidade, aumentando, porém, MONLEVADE, João. Educação Pública no Brasil: contos e descontos. Ceilândia, DF: Idea Editora, 1997. 14 39 Acesse: portal.mec.gov. br/arquivos/pdf/ldb.pdf e leia na íntegra a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional para 12% a contribuição da União (artigo 92). Este é um capítulo importante na história da política educacional brasileira, cheio de idas e vindas. De 1961 até 1988, data da última Constituinte, outras iniciativas têm ocorrido. Em 1964, foi criado o “salário-educação” (Lei nº 4.420) e, em novembro de 1968, a Lei nº 5.537 cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), destinado a captar recursos financeiros para o financiamento de projetos de ensino e pesquisa, incluindo alimentação escolar e bolsas de ensino. Seus recursos viriam do orçamento da União, de incentivos fiscais, do Fundo Especial da Loteria Esportiva (20%), do salário-educação, e outras fontes. Destaque-se ainda, no período, a instituição da Emenda Calmon, remetendo ao nome de seu autor, o Senador João Calmon, que lutou bravamente, a fim de ampliar os valores para 18%, no caso da União, e 25% nos demais casos. Isso como teto mínimo, pois há Estados e municípios que recolhem mais que isso. A atual LDB (Lei nº 9.394/96) dedica dez artigos ao tema do financiamento, desdobrando o que está contido na Constituição vigente. Assim, há: i) recursos provenientes dos impostos próprios a cada esfera administrativa (União, Estados, Distrito Federal e Municípios); ii) receitas de transferências constitucionais que a União faz às demais instâncias; iii) receitas do salário-educação e de outras contribuições sociais; iv) outros recursos previstos em lei. Sem nos determos, por ora, nos detalhes das transações financeiras da movimentação dos recursos (que não é nada trivial), é fundamental estar atento ao que se pode, ou não, considerar como “despesas de ensino”. O artigo 70 explicita o que se considera como “manutenção e desenvolvimento do ensino” (em todos os níveis): “I) remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação; II) aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino; III) uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino; IV) levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino; V) realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino; VI) concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas; VII) amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto neste artigo (manutenção e desenvolvimento do ensino!!); VIII) aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar”. Esta foi uma definição importante, pois até então a Lei 5692 falava em aplicação “preferencialmente na manutenção e desenvolvimento do ensino oficial”, deixando margem aos mais estapafúrdios usos dos recursos públicos destinados à educação, em todos os níveis administrativos. Por isso, é igualmente importante a definição, contida no artigo 71, daquilo que “não constitui despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino”: “I) pesquisa, quando não vinculada às instituições de ensino, ou, quando efetivadas fora dos sistemas de ensino, que não vise, precipuamente, ao aprimoramento de sua qualidade ou à sua expansão; II) subvenção a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial, desportivo ou cultural; III) formação de quadros especiais para a administração públi- 40 ca, sejam militares ou civis, inclusive diplomáticos; IV) programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social; V) obras de infra-estrutura, ainda que realizada para beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar; VI) pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino”. Resta, pois, cumprir as determinações dos artigos 72 e 73, acompanhando os balanços do Poder Público, fiscalizando as prestações de conta, acompanhando o estabelecimento dos “padrões mínimos de oportunidades educacionais para o ensino fundamental, baseado no cálculo do custo mínimo por aluno, capaz de assegurar ensino de qualidade”. Da mesma forma, define-se a responsabilidade redistributiva da União e dos Estados, cabendo a eles exercer uma “ação supletiva e redistributiva (...) de modo a corrigir, progressivamente, as disparidades de acesso e garantir o padrão mínimo de qualidade de ensino”, valendo-se esta ação de uma “fórmula de domínio público” que deve incluir a capacidade de atendimento e a medida do “esforço fiscal” das instâncias administrativas envolvidas. Quase coincidindo com a promulgação da Lei nº 9394/96, foi promulgada a lei nº 9.424/96, que, viabilizada pela emenda constitucional 14/96, criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). Com a criação do Fundo abre-se para cada Estado e município uma conta especial, a ser utilizada exclusivamente nas finalidades mencionadas: manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental. Deixando também de lado, por ora, todo o complicado processo contábil de operacionalização do FUNDEF, cumpre destacar: i) a exigência de criação, em cada esfera de governo, de um Conselho responsável pelo acompanhamento e controle social sobre a repartição, transferência e aplicação dos recursos do Fundo (deveriam ter sido criados até 30 de julho de 1997); ii) a exigência de um novo (?!) Plano de Carreira e Remuneração do Magistério igualmente em cada esfera de governo e dentro do mesmo prazo. Tais recursos devem estar depositados em “conta bancária específica”, junto ao Banco do Brasil, cada esfera de governo deve “comprovar” o cumprimento da aplicação mínima (25% dos recursos previstos na Constituição), deve apresentar o Plano de Carreira e Remuneração do magistério, deve fornecer informações solicitadas pelo Censo Educacional. Quanto à aplicação, 60% dos recursos, “pelo menos”, devem ser aplicados “na remuneração dos profissionais do Magistério em efetivo exercício de suas atividades no ensino fundamental público” (parte poderia ser aplicado na formação de professores leigos nos cinco primeiros anos a partir de 1º de janeiro de 1997, ou seja, até 31 de dezembro de 2001), e os restantes 40% devem ser aplicados “na manutenção e desenvolvimento do ensino 41 fundamental”, nos termos da Lei, conforme visto acima. Registra-se a importância do controle social do Fundo, através de Conselhos, de composição variável de acordo com a esfera de governo, incluindo, no caso da União, representante do Poder Executivo, do Conselho Nacional de Educação, do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), da União dos dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e de pais de alunos e de professores das escolas públicas do ensino fundamental. Na esfera Estadual (e do Distrito Federal), além da representação dos poderes executivos estadual e municipais, do Conselho de Educação, das respectivas seccionais da UNDIME e da CNTE, igualmente de pais e alunos e represente do MEC, através da Delegacia no Estado. Na esfera municipal, fazem parte representante da Secretaria Municipal de Educação, professores e diretores das escolas públicas, pais de alunos e servidores das escolas, além do conselho Municipal, onde houver. Tais Conselhos têm a competência de acompanhar e controlar a repartição, transferência e aplicação dos recursos do fundo, verificar os registros contábeis e demonstrativos gerenciais mensais e atualizados, além de supervisionar o Censo Educacional Anual. E, além disso, deve haver uma outra fiscalização da aplicação dos recursos através de órgãos do respectivo sistema de ensino e dos Tribunais de Conta respectivos. Ao Ministério da Educação cabe realizar avaliação periódica dos resultados da Lei, tendo em vista a adoção de medidas operacionais e político-educacionais. O acompanhamento da imprensa diária mostra que este acompanhamento tem sido também administrativo e jurídico, desencadeando processos de cassação de autoridades responsabilizadas por malversação de tais recursos. Enfim, no plano das disposições legais, houve um avanço inequívoco. Isto não significa, entretanto, que se tenha alcançado a perfeição quer no plano conceitual, quer no plano operacional. No primeiro, critica-se a exclusão da educação infantil e de jovens e adultos, provocando profundas distorções nas redes, em alguns casos. No segundo, a não definição dos critérios para escolha dos representantes, pode deixar os executivos à vontade para indicar exclusivamente pessoas “de confiança” dos dirigentes, anulando a intenção da legislação. Além disso, há quem critique o plano em seu conjunto, por ter operado apenas um remanejamento dos recursos disponíveis, penalizando as unidades mais ricas em benefício de outras menos aquinhoadas, sem se haver preocupado em criar novos recursos. Situação que pode ser sintetizada na expressão popular, “despe-se um santo para vestir outro”, nivelando-se os sistemas “por baixo”. Daí a existência de projetos alternativos, tramitando no Congresso Nacional, como o do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), propondo mudanças para seu aperfeiçoamento. Finalmente, cabe um registro: se a educação escolarizada no Brasil foi instituída como um sistema privado, a atualização do sistema tem pagado sempre um tributo a essa condição, numa sociedade que, além de ser capitalista, é igualmente estamental e patrimonialista. Assim, o artigo 77 da LDB estabelece que “os recur42 sos públicos são destinados às escolas públicas, (mas!) podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas que: I) comprovem finalidade não-lucrativa e não distribuam seus resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcela de seu patrimônio sob nenhuma forma ou pretexto; II) apliquem seus excedentes financeiros em educação; III) assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades; IV) prestem contas ao Poder Público dos recursos recebidos”. Tais recursos podem ser aplicados, ainda nos termos da lei, em bolsas de estudo para a educação básica para quem demonstre insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública de domicílio do educando, ou, ainda, em atividades universitárias de pesquisa e extensão. Uma importante janela permanece aberta ao setor privado. Como quer que seja, o texto da lei é resultado patente de um embate vivo e constante entre duas forças em movimento: de um lado, os defensores da escola pública, na esteira de Anísio Teixeira, de Florestan Fernandes e dos Pioneiros da Educação Nova; de outro, os arautos da escola privada, da educação livre, que vem dos jesuítas, dos outros educadores privados, de Leôncio de Carvalho no Império, de Rivadávia Correia na Primeira República, da concepção liberal, que persiste entre nós atualizada em sua forma de neo-liberalismo, consentânea com uma sociedade capitalista que faz profissão de fé da “livre iniciativa” e da liberdade de escolha da educação a ser ministrada aos filhos. Um debate aberto e em pleno movimento. Um capítulo igualmente importante da institucionalização da educação escolarizada é o referente à definição dos níveis e das modalidades de educação e de ensino. É o que consideraremos na próxima seção. 1.6 A definição dos níveis e modalidades de ensino Para melhor situarmos a análise e a interpretação do que segue, e sem nos determos em maiores elementos históricos, convém situarmos a institucionalização das diferentes modalidades de ensino a partir das “leis orgânicas”, ordenadas pelo ministro Gustavo Capanema, durante o Estado Novo, na ditadura getulista, todas implantadas através de decretos-lei. Daí também a denominação de Reformas Capanema. O Brasil vivia um período de modernização, de industrialização, de urbanização, constituía-se cada vez mais como nação capitalista moderna, plena. E o Estado brasileiro era figura-chave na implementação de tal processo, juntamente com a organização dos industriais, dos comerciantes , e dos próprios trabalhadores. Pois bem, a essa altura, depois do barulho reformista, mas pouco significativo de Francisco Campos em 1931, estamos em 1942, quando as ditas leis orgânicas emergem. Por elas teremos o quadro apresentado na página seguinte. Os traços característicos são pelo menos cinco. Primeiramente, a estruturação do ensino primário, pela primeira vez em nível federal, um dado muito positivo. Em segundo lugar, a demarcação muito clara entre o ensino secundário (“destinado a formar as individualidades condutoras”, segundo a exposição de motivos do 43 ministro Capanema) e as modalidades técnicas, destinadas aos filhos dos trabalhadores, segundo a mesma exposição. Em terceiro lugar, a restrição à passagem das modalidades técnicas para o secundário, bem como a restrição ao acesso á diversidade de cursos superiores. A organização da educação, sob este aspecto, reforçava a institucionalização da dualidade básica da sociedade capitalista: herdeiros legítimos do capital e do capital cultural, para usar termos de Pierre Bourdieu, de um lado, os não legítimos herdeiros, os filhos dos trabalhadores; de outro, reproduzindo a divisão e a assimetria fundamental da sociedade e seus tipos característicos, complementares e necessários, nos termos de C. Castoriadis. Em quarto lugar, a centralização: para todos os níveis e modalidades, as instruções derivavam do Ministério da Educação, no Rio de janeiro. Em quinto lugar, registre-se que a reforma do ensino normal e do ensino primário só saem em 1946, bem depois, portanto, dos demais níveis de ensino, tendo a reforma universitária sido a primeira dentre todas. Assim, o ensino em todos os níveis e modalidades se estruturava no Brasil pela primeira vez e de forma padronizada, homogeneizada para todo o território, apesar de todas as suas variações culturais e históricas. E renasce daí a luta. Num sentido, pela eliminação das barreiras e restrições de fluxo entre níveis e modalidades. Noutro, pela descentralização. Uma lei de 1953 vai eliminando as barreiras entre níveis e modalidades. E em 1948, após a Constituinte de 1946, sai o ante-projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, propondo mudanças em diferentes pontos, democratizando e descentralizando. Gustavo Capanema, então na Câmara Federal, e na Comissão de Educação, vai dar um parecer sobre o ante-projeto reafirmando uma concepção centralizadora de “sistema” e vai produzir o engavetamento da proposta, que só vai ser aprovada em 1961, treze anos depois. 44 Quadro 1 Organização das modalidades e níveis de ensino conforme as “leis orgânicas” editadas na Reforma Capanema no período 1942/1946. 1) Ensino primário: a) fundamental: em quatro anos b) complementar: em um ano c) supletivo: dois anos (para adolescentes e adultos). 2) Ensino secundário: a) primeiro ciclo: ginásio (quatro anos); b) segundo ciclo: colégio (três anos), com duas modalidades: i) clássico (ênfase nas humanidades) e ii) científico (ênfase nas ciências naturais e exatas). 3) Ensino industrial: a) primeiro ciclo (em quatro anos) podendo ter os seguintes níveis: i. ensino industrial básico: formação do artífice; ii. ensino de mestria: formação do mestre; iii. ensino artesanal: aprendizagem inicial, em menos de dois anos. b) segundo ciclo: ensino técnico (em três anos). 4) Ensino agrícola: a) primeiro ciclo (em quatro anos), tendo os níveis: i. iniciação agrícola (em dois anos); ii. mestria agrícola (em dois anos). b) segundo ciclo: (em três anos): ensino agrotécnico. 5) Ensino comercial: a) primeiro ciclo (em quatro anos): comercial básico; b) segundo ciclo (em três anos): comercial técnico. 6) Ensino normal: a) primeiro ciclo: (em quatro anos): curso normal regional (para regência do ensino primário); b) segundo ciclo: (em três anos): curso normal (formação do professor primário). 7) Educação superior a) de acordo com a formação anterior: o ensino secundário permitia todas as escolhas, o curso normal encaminhava para a Faculdade de Filosofia, os cursos técnicos abriam possibilidades nas áreas técnicas correlatas. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada, finalmente, trinta anos após o Manifesto dos Pioneiros, vai consagrar a organização dos níveis e modalidades de ensino advindo das leis orgânicas, mas eliminando as barreiras de circulação 45 horizontal (entre modalidades) e verticais (entre níveis). Ela introduz o conceito de “educação pré-primária” (artigos 23 e 24) a ser ministrada “em escolas maternais ou jardins de infância”, devendo as empresas serem “estimuladas” a organizar e manter tais atividades quando empregando mães de menores de sete anos. O ensino primário é mantido com quatro anos, podendo ter mais dois anos de acréscimo, “iniciando os alunos em artes aplicadas adequadas ao sexo e à idade”. Tem por finalidade “o desenvolvimento do raciocínio e das atividades de expressão da criança, e a sua integração ao meio físico e social” (artigo 25). Segue-se a “educação de grau médio”, que “destina-se à formação do adolescente” (artigo 33), a que se poderia ter acesso mediante “aprovação em exame de admissão” (artigo 36). Este ensino médio está estruturado em dois ciclos, como anteriormente, o ginasial, com quatro anos, e o colegial, com três. Em cada ciclo se mantinha a diversificação entre: secundário, técnico (industrial, agrícola e comercial) e de formação do magistério. Porém, houve um esforço por aproximar os currículos ao do secundário, introduzindo-se disciplinas comuns, e permitindo as transferências entre modalidades mediante “adaptação”. Introduzse o conceito de disciplinas “obrigatórias” (fixadas nacionalmente) e “optativas” (fixadas pelos conselhos estaduais), estas últimas devendo ser escolhidas pelos estabelecimentos de ensino. Esta mesma lei trata do ensino superior, atribuindo-lhe os objetivos de “pesquisa, desenvolvimento das ciências, letras e artes e a formação de profissionais de nível universitário” (artigo 66), podendo ser oferecido em universidades ou estabelecimentos isolados. Poderiam ser oferecidos cursos de “graduação, de pós-graduação, de especialização, aperfeiçoamento e extensão ou quaisquer outros, a juízo do respectivo instituto de ensino...”. O Título X aborda, ainda que de forma sucinta, a “educação de excepcionais”, dispondo que ela deve, “no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade”. As iniciativas “consideradas eficientes” deveriam receber tratamento especial dos poderes públicos, em forma de bolsas de estudo, empréstimo, subvenções. O “artigo 99”, que ficará muito conhecido e popularizado, disporá que “aos maiores de dezesseis anos será permitida a obtenção de certificado de conclusão do curso ginasial, mediante a prestação de exames de madureza (destaque meu) em dois anos, no mínimo, e três anos, no máximo, após estudos realizados sem observância do regime escolar”. E o parágrafo único que lhe segue, acrescenta: “nas mesmas condições permitir-se-á a obtenção do certificado de conclusão de curso colegial aos maiores de dezenove anos”. A reforma de 1971, com a lei 5692/71, novamente em momento de ditadura política, e de prevalência da tecnocracia como forma de gestão dos negócios públicos, trouxe algumas mudanças. A primeira grande mudança se situa na instituição de novo ordenamento dos níveis escolares, quando alterou-se a denominação de “ensino primário” e de “ensino médio”, conforme os termos da Constituição de 1967, respectivamente, para “ensino de primeiro grau”, compreendendo oito anos de estudo, e “ensino de 2º grau”, mantida a duração de três anos. A segunda a destacar foi a concepção dos currículos, para ambos os graus, de dois componentes distintos: um 46 núcleo comum e uma parte diversificada. O primeiro, obrigatório em âmbito nacional, e a segunda, diversificada, como diz a expressão, “para atender, conforme as necessidades e possibilidades concretas, às peculiaridades locais, aos planos dos estabelecimentos e às diferenças individuais dos alunos” (artigo 4º). Instituiu-se, complementarmente, o conceito de “currículo pleno” (artigo 5º, entendido este como a tradução, ao nível de cada estabelecimento, da organização curricular, ordenando “disciplinas, áreas de estudo e atividades” da maneira mais apropriada possível, mas sempre considerando uma outra disposição: aquela que determinava uma composição curricular baseada em “educação geral” e “formação especial”. A “educação geral”, que no primeiro grau deveria ser “exclusiva nas séries iniciais e predominante nas finais”, no segundo grau seria minoritária, pois a este grau deveria ser “preponderante” a “formação especial”. E esta “formação especial” deveria ter, no 1º grau, o caráter de “sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho”, enquanto no 2º grau teria como objetivo a “habilitação profissional”. As escolhas, nesta dimensão, deveriam ser fixadas “em consonância com o mercado de trabalho local ou regional, à vista de levantamentos periodicamente renovados”. Estava implantada, dessa forma, através do conceito de “habilitação”, a formação profissional obrigatória para todos os estudantes, numa tentativa de eliminar, por meio da legislação, o tradicional dualismo entre ensino secundário e ensino técnico ou profissional, notadamente no segundo grau, antigo ensino médio. Na argumentação de um dos maiores expoentes dessa reforma, Valnir Chagas15, tratava-se de um imperativo do projeto nacional, num momento de crescente influência da técnica, estando socialmente apoiada na análise das estatísticas que mostravam as matrículas no conjunto das modalidades de ensino técnico, profissionalizante, crescendo em taxas superiores ao ensino secundário, estrada real preparatória para o ensino superior. Esta certamente terá sido a dimensão mais polêmica e mais contestada da reforma, a ponto de merecer sucessivos pareceres amenizadores da exigência por parte do Conselho Federal de Educação, culminando na sua extinção pela Lei nº 7.044, de outubro de 1982, pela qual a preparação para o trabalho “pode(ria) ensejar habilitação profissional, a critério do estabelecimento de ensino” (artigo 4º, parágrafo 2º). O popular “artigo 99” da Lei 4024 será substituído por um extenso capítulo tratando do “ensino supletivo”. Em quatro longos artigos, trata-se da modalidade de ensino cuja finalidade é “suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a tenham seguido ou concluído na idade própria”, bem como “proporcionar, mediante volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização para os que tenham seguido o ensino regular no todo ou em parte” (artigo 24, itens a e b). Ele abrangeria cursos e exames. Para o primeiro grau passou-se a exigir 18 anos para poder concluílo e, para o segundo grau, 21 anos. Não são abordadas a educação infantil, a educação para pessoas de necessidades educativas especiais. A educação de nível superior já fora contemplada em legislação própria, aprovada já em novembro de 1968. É dentro deste quadro que chegamos à atual legislação, aprovada em novembro de 1996. Vejamos de que maCHAGAS, Valnir. O ensino de 1º e 2º graus: antes, agora e depois? 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1984, ,p. 91 e ss.. 15 47 neira foi (ou está sendo) institucionalizada a educação entre nós ao final do século XX, início do século XXI, entrada do 3º milênio, quando está sob nossa responsabilidade direta preparar os destinos da sociedade brasileira, vale dizer, dos nossos descendentes. No Título V, artigo 21, está definido: “a educação escolar compõe-se de: I – educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; II – educação superior. O texto, pois, apresenta, novamente, a clara concepção de “educação escolar” (e não de ensino!), introduz o conceito de educação básica, ampliando, dessa forma, o entendimento a respeito da “base” educativa que os cidadãos precisam nestes tempos de constituição da sociedade do conhecimento e da informação, mas a diferencia segundo três modalidades distintas: infantil, fundamental e média. E usa uma dupla terminologia: ora é educação (escolar, básica, infantil, superior), ora é ensino (fundamental e médio). Certamente tal diferença não é gratuita e merece ser comentada. Ao falar das finalidades da educação básica, o artigo 22 afirma serem as de “desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Deixando de lado a análise das “disposições gerais” relativas a esse nível de educação (que apreciaremos em profundidade no próximo módulo), prosseguiremos nossa análise da “composição” (em nossa perspectiva teórica, “instituição” dos níveis escolares). A seção II, artigos 29 a 31, trata da educação infantil, nela é definida as finalidades: “o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”. Dispõe que ela seja oferecida em creches ou entidades equivalentes para crianças até três anos de idade, e em pré-escolas para as crianças de quatro a seis anos. Determina que a “avaliação” deve ser feita “mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento (das crianças), sem o objetivo de promoção, mesmo para o ensino fundamental.” A educação infantil, assim, assume direitos de cidadania, pela primeira vez na legislação, embora acontecendo na prática social desde há pelo menos 70 anos, quando, por exemplo, foram implantadas na cidade de São Paulo, pelo escritor Mário de Andrade. E as disposições caracterizam sua dimensão profundamente educativa, e não apenas de ensino, ou “instrutiva”. A seção III, nos artigos 32 a 34, trata do ensino fundamental. Este, substituindo o anterior 1º grau, deverá ter igualmente duração mínima de oito anos, será obrigatório e gratuito na escola pública. O texto não fala de “finalidades”, mas de “objetivos”. Estes são, pela ordem: “I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III – o desenvolvimento da capacidade de 48 aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores (destaques meus); IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social”. Além de outras disposições referentes à organização do trabalho escolar (que igualmente analisaremos no próximo módulo), o texto estabelece o ensino religioso como de matrícula facultativa nas escolas, mas como constituindo “disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”, ainda que sendo oferecido sem ônus para os cofres públicos e possa ser tanto confessional como inter-confessional, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis. Destaquemos, por ora, a determinação de que a jornada escolar deve incluir pelo menos quatro horas de trabalho efetivo “em sala de aula”, devendo ser progressivamente ampliado o período de permanência na escola, buscando o tempo integral, segundo os critérios dos sistemas. O ensino médio é tratado na seção seguinte, a seção IV. Sua duração mínima de três anos é confirmada. E, novamente, voltase a falar de “finalidades” que são definidas, pela ordem, como: “I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento nos estudos; II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina”. O currículo (artigo 36) deve “destacar a educação tecnológica básica; a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania”. Atendida a formação geral do educando, o ensino médio pode igualmente preparar para o exercício de profissões técnicas (parágrafo 2º), tendo todos os cursos equivalência legal, habilitando ao prosseguimento nos estudos. Assim, no texto desta lei, o dualismo geral/profissional desaparece, bem como corrigem-se os erros da Lei 5692/71, atuando no sentido da escola única a que os Pioneiros faziam referência nos anos de 1930. A habilitação profissional, bem como outras modalidades de preparação geral para o trabalho “poderão ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino médio em cooperação com instituições especializadas em educação profissional”. Esta é tratada num capítulo à parte, o capítulo III, do Título V, artigos 39 a 42. Sob a denominação de educação profissional, é conceituada como aquela que “conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva” (artigo 39), devendo ser “integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia”. Amplia-se, assim, o entendimento do que seja formação profissional, resgatando a idéia de “aprender fazer”, básica em qualquer sociedade. O acesso à educação profissional, de acordo com o mesmo 49 artigo, em seu parágrafo único, será possibilitado ao “aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio ou superior, bem como o (a) trabalhador (a) em geral, jovem ou adulto”. Ela pode ser desenvolvida “em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada”, e, ainda mais, “em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho”. Prevê-se, assim, a existência de escolas técnicas ou profissionais, as quais, de acordo com o artigo 42, “além dos seus cursos regulares, oferecerão cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não necessariamente ao nível da escolaridade”. Mantém-se, desse modo, por outras vias, o dualismo aparentemente superado nos outros dispositivos. E, mais ainda, uma legislação própria, complementar à lei 9394/96, virá certamente acentuar tal dualidade. Senão vejamos. De fato, em abril de 1997, quatro meses após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases, o Decreto nº 2208/97, vem regulamentar as disposições referentes à educação profissional, respectivamente o parágrafo 2º do artigo 36 e os artigos 39 a 42, que acabamos de analisar. Após definir os objetivos da educação profissional, e o faz retomando os termos da Lei9394/96, determina, no artigo 2º, que “a educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou em modalidades que contemplem estratégias de educação continuada, podendo ser realizada em escolas do ensino regular, em instituições especializadas ou nos ambientes de trabalho”. E define (artigo 3º) os seus níveis: “I – básico: destinado à qualificação e reprofissionalização de trabalhadores, independentemente de escolaridade prévia; II – técnico: destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino médio (...); III – tecnológico: correspondente a cursos de nível superior na área tecnológica, destinados a egressos do ensino médio e técnico”. Particularmente importante é a caracterização da educação profissional de nível básico: “modalidade de educação não-formal e de duração variável, destinada a proporcionar ao cidadão trabalhador conhecimentos que lhe permitam reprofissionalizar-se, qualificar-se, atualizar-se para o exercício de funções demandadas pelo mundo do trabalho, compatíveis com a complexidade tecnológica do trabalho, o seu grau de conhecimento técnico e o nível de escolaridade do aluno, não estando sujeita à regulamentação curricular”. A conclusão de tais cursos permite conferir o certificado de qualificação profissional. A educação profissional de nível técnico, por sua vez, terá organização curricular “própria e independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou seqüencial a este”. Esta é, porém, uma esfera densamente regulamentada, diferentemente da anterior, em termos de organização curricular. A expedição do diploma de técnico, porém, requer que o interessado apresente o “certificado de conclusão do ensino médio”. A oferta de tais cursos será feita por “professores, instrutores e monitores selecionados principalmente em função de sua experiência profissional, (e) deverão ser preparados para o magistério, previamente ou em serviço, através de cursos regulares de licenciatura ou de programas especiais de formação pedagógica” (Artigo 8º. Parágrafo 4º). 50 Finalmente, a educação profissional de nível tecnológico deverá ser ministrada em cursos de nível superior, estruturados segundo os diferentes setores da economia, abrangendo áreas especializadas, e oferecendo o diploma de tecnólogo. A Portaria Ministerial n.º 646, de maio de 1997, determina as providências a serem tomadas pelas instituições federais de ensino tecnológico para implantar as determinações do decreto. Uma “Política para a Educação Profissional” foi elabora em conjunto pelo Ministério da Educação (onde há uma Secretaria para o Ensino Médio e Tecnológico - SETEC) e Ministério do Trabalho (onde há uma Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional). Criou-se um Programa de Reforma da Educação Profissional (PROEP) e um Plano Nacional de Educação Profissional (PLANFOR), que prevê programas nacionais, estaduais e emergenciais de formação, a ser financiados com recursos do Fundo de amparo ao Trabalhador (FAT). Registre-se, na oportunidade, a existência continuada do denominado Sistema S (SESI/SENAI, SESC/SENAC, e SENAR) que, desde 1942, desenvolvem sistema de formação profissional em seus diferentes níveis. Ao concluir os registros sobre a educação profissional, parece oportuno considerar a relevância da matéria. Registre-se uma posição totalmente contrária a todo sistema de profissionalização precoce que venha em detrimento da formação básica geral, da “escola única” preconizada pelos Pioneiros. Uma dualidade que seja excludente, apenas perpetua uma situação de dualidade social, enclausurando as pessoas em estamentos sociais insuperáveis. Por outro lado, cabe lembrar as observações feitas por Georges Snyders16, que enfoca a luta contra os fracassos escolares, a importância de um diálogo cultural, dentro do princípio de continuidade-ruptura, da manutenção inicial e da continuidade da cultura dos alunos, “uma cultura na qual (as crianças das classes operárias) reconhecem seus valores” (p.108). O trabalhador traz uma cultura do trabalho, que faz parte da cultura técnica, que a escola não deve desprezar o trabalho operário e seu saber prático. visto que, este pode ser tomado como ponto de partida, para, a partir dele, realizar as rupturas necessárias e possíveis. A educação de jovens e adultos é um outro capítulo importante. O poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu, entre tantas, uma crônica muito bem-humorada sob o título de Ponto Facultativo. E começa a crônica indagando: “saberão os groenlandenses o que é ponto facultativo? Os brasileiros sabem: é feriado obrigatório, no duro”. Não vem ao caso o restante da crônica, interessantíssima. Mas a indagação pode ser parafraseada: saberão os groenlandenses o que é educação de jovens e adultos? Certamente nós, brasileiros, sabemos: é um eufemismo para falar de coisas como o analfabetismo crônico, de evasão escolar, de trabalho infantil, de estratégias de sobrevivência dos mais pobres e assim por diante. Senão, vejamos a conceituação que lhe dá o texto legal: “a educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria” (artigo 37). Trata-se, pois, não de uma concepção de educação continuada ou permanente, a que todos temos direito para continuarmos atualizados face aos desenvolvimentos das tecnologias, SNYDERS, Georges. A Alegria na Escola. São Paulo: Editora Manole, 1988, particularmente a segunda parte, capítulo terceiro. 16 51 às mudanças na sociedade, aos desafios do sistema ocupacional. Trata-se, e o texto é claro, de uma nova (outra?) oportunidade a ser propiciada aos excluídos do sistema, que se encontram nessa condição pelas mais diversas razões, muitas delas de responsabilidade da incompetência do próprio sistema escolar, pela sua incapacidade de adaptação aos diferentes sujeitos-aprendizes. E pela nossa incapacidade, os docentes, de criarmos uma dinâmica escolar, metodológica compatível com esses mesmos sujeitos, freqüentemente vitimados que somos pelas amarras burocráticas e formalistas, fora e dentro de nós mesmos. Por tal razão é fundamental nos atermos ao que dispõe o texto legal, na seqüência: “Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames”(artigo 37, parágrafo 1º). Saiba mais sobre Educação de Jovens e Adultos no portal dos Fóruns de EJA do Brasil: www.forumeja.org.br 52 Os destaques em itálico são meus, evidentemente. E querem realçar que não se trata de oferecer, mais uma vez, a mesma modalidade de escolarização que provavelmente foi responsável pelo afastamento da escola. Estudantes, são alunos, são seres humanos, são sujeitos com direito à palavra, à participação nos projetos pedagógicos, dentro das suas condições concretas “de vida e de trabalho”. Torna-se, evidente, então, a importância de pensar formas alternativas de organização do trabalho educativo (veremos isso no próximo módulo), fugindo ao hábito de repetir pura e simplesmente a programação diária nos cursos noturnos, freqüentemente funcionando de forma extremamente precária. Mais ainda, o texto determina: “o Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si” (artigo 37, parágrafo 2º). Este contingente de concidadãos deverá ser atendido através de “cursos” e “exames” que, uma vez vencidos, permitirão retomar o curso habitual de escolarização. Para fazer os exames, exigir-se-á, agora, quinze anos para o ensino fundamental e dezoito para o ensino médio, retornando ao tradicional, desfazendo a elevação de idade proposta pela Lei 5692. Além disso, registre-se a abertura prevista na legislação para o “reconhecimento” de “conhecimentos e habilidades” adquiridos pelos educandos por meios informais, ou seja, no processo educativo que é a vida em sociedade, na família e no trabalho, e não apenas nas organizações escolares (artigo38, parágrafo 2º). Está posto um grande desafio às unidades escolares, sobretudo àquelas comprometidas com um projeto de emancipação humana, de inclusão social dos excluídos, contribuindo para o resgate da dívida social brasileira, pesada herança que trazemos desde, pelo menos, o Marquês de Pombal e sua reforma iluminista que, no caso brasileiro, apagou as poucas luzes que havia. Dentro desta análise, porém, restam ainda quatro aspectos a considerar. O primeiro é o referente à educação especial, o segundo, à educação indígena e o terceiro, à educação a distância e ao ensino superior, às universidades. A educação inclusiva mereceu três ricos artigos dos legisladores (artigos 58, 59 e 60). Inicialmente, ela é conceituada como “a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais” (artigo 58). O destaque é meu, para enfatizar a idéia de “inclusão”, presente no texto, por oposição a uma concepção estigmatizante e marginalizante que talvez prevaleça entre os educadores e na própria sociedade. Evidentemente, a legislação prevê a existência, “quando necessário”, de serviços de apoio especializado na escola regular para atender ás peculiaridades dessa clientela. O atendimento fora das classes comuns de ensino regular deverá acontecer em “classes, escolas ou serviços especializados sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível sua integração nas classes comuns de ensino regular”(parágrafos 1º e 2). A educação especial é definida como “dever constitucional do Estado”, devendo começar na faixa etária de zero anos, indo até aos seis, ou seja, ainda na educação infantil. O artigo 59 é rico quanto aos dispositivos metodológicos: “I - Currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; II – terminalidade específica para aqueles que não puderam atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes mais comuns; IV – educação especial para o trabalho, visando sua efetiva integração na sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora; V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo ensino regular”. Finalmente, ainda que abrindo possibilidade de atuação de instituições privadas “sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial”, nesse campo de educação, define a lei que “o Poder Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino...”(artigo 60, caput e parágrafo único). Visto em nossa perspectiva histórica, trata-se sem dúvida alguma de um outro notável avanço, uma conquista importante em termos legais, a ser referendado na prática político-administrativa dos sistemas e na prática pedagógico-administrativa dos estabelecimentos de ensino, para que o “proclamado” se torne “real”. A educação indígena e a educação básica do campo foram contempladas na lei. A educação indígena mereceu uma atenção bastante expressiva. Já a educação das comunidades rurais foi tratada de maneira mais leve, tendo, por isso, ficado distante do que preconizam os movimentos sociais nessa esfera. A propósito da “educação básica para a população rural”, diz o texto legal, no ar53 tigo 28, que “os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região”, considerando: “I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar ás fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III – adequação à natureza do trabalho na zona rural”. É só isso, mas, convenhamos, não é tão pouco assim, à primeira vista. Quanto à educação das populações indígenas, ela é mencionada obliquamente, quando ao falar do ensino fundamental, no artigo 32, diz, no parágrafo 3º, que o ensino fundamental regular deve ser oferecido em língua portuguesa, “assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”. E retoma o tema no Título VIII, ao tratar das “disposições gerais” que “o Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência ao índio, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngüe e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos: “I – proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências; II – garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso ás informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não índias”. Quinhentos anos após a invasão de sua cultura e de seu espaço, os indígenas retomam um movimento de resgate de sua cultura e de sua história, figurando como novos sujeitos social-históricos na sociedade brasileira. E um denso movimento emancipador se constitui em seus meios, com repercussões importantes no campo educativo. Registre-se, entretanto, o movimento “por uma educação básica do campo” que, com apoio da CNBB, do MST, da UnB, da UNESCO e da UNICEF, entre outras entidades, realizou no mês de julho de 1998 uma “Conferência por uma Educação Básica do Campo”, tendo como antecedentes preparatórios encontros estaduais onde foram analisados os problemas e as experiências comuns à educação no meio rural. A preocupação, porém, é mais profunda: viabilizar a construção de um novo Projeto Nacional. Um dos compromissos é o de “colocar os povos do meio rural (por “povos do campo” compreendem-se os indígenas, os quilombolas e os camponeses em toda a sua diversidade) na agenda política do país e aprofundar a discussão sobre o lugar do campo em um novo projeto nacional”17. Uma importante inclusão no texto definidor das diretrizes da educação nacional é aquela que se refere à educação a distância. Ela aprece em múltiplas passagens. A primeira oportunidade é no artigo 32, parágrafo 4º, quando determina que “o ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais”. Quando aborda o ensino superior, diz, no parágrafo 3º do artigo 47, que “é KOLLING, Edgar J.; MOLINA, Mônica & NÉRY (Irmão). Por uma educação básica do campo (memória). Brasília: EDUNB/MST/CNBB/UNESCO/UNICEF, s/d., p. 78. 17 54 obrigatória a freqüência de alunos e professores, salvo nos programas de educação a distância. Depois, já no final, no Título VIII, novamente nas “Disposições Gerais”, no artigo 80, diz: “O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada”. Define, na seqüência, que cursos dentro dessa “modalidade” serão organizados com abertura e regime especiais, sendo oferecidos “por instituições especificamente credenciadas pela União”, a quem cabe regulamentar os requisitos para a realização de exames e registros de diploma relativos a tais cursos. Cada sistema de ensino deve, por sua vez, produzir, controlar e avaliar os programas de educação a distância, bem como autorizar sua implementação. E propõe, na seqüência, que tal modalidade receba um tratamento diferenciado em custos de transmissão nos canais comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens; que lhes sejam concedidos canais com finalidades exclusivamente educativas; que seja reservado tempo mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos concessionários de canais comerciais. Mais adiante, no Título IX, “Das Disposições Transitórias”, após instituir a Década da Educação, diz, no parágrafo 3º, entre outras coisas, que “cada município e, supletivamente, o Estado e a União, deverá “...prover cursos presenciais ou a distância aos jovens e adultos insuficientemente escolarizados”, bem como “realizar programas de capacitação para todos os professores em exercício, utilizando também, para isto, os recursos da educação a distância”. O quadro legal e o panorama político-administrativo se ampliaram depois disso. De uma parte, no plano legal, os decretos de nº 2.494/98 e 2.561/98, mais um conjunto de quatro portarias ministeriais e uma resolução da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação buscam explicitar os dispositivos legais, regulamentando-os. O mesmo começa a acontecer ao nível dos Estados e do Distrito Federal. E no plano organizacional e administrativo, foi criada a Secretaria de Educação a Distância no âmbito do Ministério da Educação, responsável pelo Programa Nacional de Informática na Educação, a partir do qual desencadeou-se uma política de formação de quadros para integrar os Núcleos de Tecnologia Educativa nas diferentes unidades da Federação, núcleos responsáveis pelo apoio às respectivas unidades escolares. O Programa TV Escola mantém uma presença importante no território nacional, equipando as escolas com aparelhos receptores e difundindo uma programação variadíssima para uso dos docentes. Os textos, de modo geral, insistem no papel que a introdução das tecnologias da informação na esfera educativa podem trazer para: ampliar a oferta permanente de programas de formação, sobretudo continuada, tanto no campo da educação formal, quanto a não-formal, em todos os níveis e modalidades, ampliando as oportunidades de educação para todos. Um aspecto, entretanto, precisa ser salientado: o texto legal pouco fala do desenvolvimento da infovia, da internet. Esta, particularmente, vem produzindo uma revolução fundamental nas organizações, ao mudar nossas habituais coordenadas de espaço e tempo e de acesso às informações. Trata-se uma profunda revolução tecnológica responsável pela constituição de um outro tipo de Saiba mais sobre Educação a Distância em: http://www.portal.mec. gov.br/seed/ 55 sociedade, a sociedade da informação que, por sua vez, abre caminho para a sociedade do conhecimento. Trata-se de um tipo de sociedade perpassada, em todas as esferas, pelo uso de tecnologias da informação, cujo manejo requer o conhecimento de tais meios para sua adequada utilização. E, certamente, o futuro da sociedade globalizada está profundamente ligado ao uso de tais recursos, dele dependendo o tipo de inserção que cada nação pode vir a ter no cenário mundial. Pois bem, o domínio de tais tecnologias, o acesso a tal tipo de sociedade, passa pela competência com que cada escola venha a se apropriar e utilizar de tais recursos. Não se trata, porém, de um uso puramente administrativo, a serviço das direções e das secretarias, como memória burocrática. A informatização nas escolas precisa estar a serviço da formação e da atualização permanente dos docentes e dos estudantes. Enquanto isso não acontecer, as escolas estarão à margem dos novos tempos, da nova sociedade, acumulando atraso. Se tais recursos, notadamente da informática e internet, não podem, nem devem, ser considerados como o atalho da salvação da educação nacional, envergonhada por pelo menos quatro séculos e meio de descaso, parece inegável que a adequada utilização pedagógica desses recursos pode ser de grande valia. Por tal razão, os cursos de formação de professores, desde as séries iniciais do ensino fundamental, devem propiciar a iniciação ao uso de tais tecnologias. E cumpre desencadear um movimento para equipar as escolas, todas as escolas. Um novo dualismo está acontecendo nas redes: escolas, notadamente da iniciativa privada, que fazem da disponibilidade de tais recursos matéria de atração de uma clientela de classe média e alta, convivem – inelutável condição da forma de institucionalização assimétrica e desigual da sociedade brasileira – com as escolas da rede pública, mal providas em geral de quase todo tipo de equipamento. Impõe-se, pois, um movimento de democratização da informática e da internet, que as faça acessíveis a estudantes e docentes. A disponibilidade de tais equipamentos ajudará na constituição de uma “cultura técnica” nos docentes, necessária para que não fiquem demasiadamente ultrapassados pelos próprios estudantes, cuja geração, contemporânea de tais recursos, aprende a manejálos com facilidade. Por outro lado, a introdução das tecnologias certamente abrirá as portas de uma profunda revolução escolar, dentro e fora das salas de aula. Fora, ignorando os limites de espaço escolar e acessando ao novo mundo das informações globalizadas. Dentro, colocando aos educadores o desafio de buscar uma outra metodologia de trabalho, que ajude a fazer do trabalho educativo uma fonte de prazer e alegria. Vale lembra o grande educador e pedagogo Celestin Freinet: “Uma coisa pelo menos é certa: ao modificar as técnicas de trabalho, modificamos automaticamente as condições da vida escolar e pára-escolar;criamos um novo clima; melhoramos as relações entre as crianças e o meio, entre as crianças e os professores. E é com certeza o benefício mais importante com que contribuímos para o progresso da educação e da cultura”18 Finalmente, é preciso algumas linhas sobre a educação supeFREINET, Celestin. As Técnicas Freinet da Escola Moderna. Lisboa: Editorial Estampa, 1976, p. 46. 18 56 rior e as universidades. Dentro da perspectiva social-histórica, vale relembrar: os colonizadores portugueses, diferentemente dos espanhóis em relação à América Espanhola, proibiram a implantação de ensino superior no Brasil. Os primeiros cursos foram criados por D. João VI, e muito pouco aconteceu durante o Império. Na República começa um movimento de ampliação nos Estados, surgindo diferentes iniciativas. Entretanto, o termo universidade não correspondia ao conceito de “universidade” concebida como instituição de formação e de investigação. Tendo prevalecido a criação de institutos isolados de formação técnico-profissional, era pertinente a crítica dos Pioneiros, tal como examinamos no primeiro módulo. A sociedade brasileira vai conhecer a primeira universidade propriamente dita em 1934, com a criação da Universidade de São Paulo. E, na esfera federal, a federalização das “universidades” estaduais nos anos cinqüenta e sessenta, e a criação do CNPq e da CAPES, financiando pesquisas e formando os quadros docentes pós-graduados vão marcar a instituição do espírito universitário e de uma rede universitária de bom nível no país. Trata-se, pois, de uma rede com quase setenta anos, no caso paulista, e com cerca de cinqüenta anos no caso da rede federal. Hoje, uma rede de universidades se articula em todo o país, com pelo menos em cada unidade da federação. É disso, pois, que se trata quando se discute a questão do ensino superior e das universidades públicas federais. Interessa a uma sociedade autônoma uma rede assim constituída? É possível uma sociedade autônoma sem uma rede universitária digna de tal nome? E, sem a intervenção e investimento da União, do Poder Público federal pode ser mantida uma tal rede? E pode ser a rede universitária culpabilizada pela situação de atraso das redes de educação básica? Cabe punir as universidades públicas pelos déficits do ensino básico - fundamental e médio? Será o setor privado capaz de manter uma tal rede, na dimensão e na qualificação que o projeto de uma sociedade autônoma requer? Feita a introdução, vamos às disposições institucionais. De início, no artigo 43, cabe destacar a “finalidade” do ensino superior: criação de cultura e desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; formação de diplomados para atuarem nos diferentes setores profissionais, participarem do desenvolvimento da sociedade e colaborar na sua formação contínua; incentivar a pesquisa e a investigação científica, criar e difundir a cultura; promover a divulgação dos conhecimentos culturais, técnicos e científicos; suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional, possibilitar sua concretização; integrar tais conhecimentos numa “estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração”; “estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais”; prestar serviços especializados à comunidade, estabelecendo com ela uma relação de reciprocidade; promover a extensão, aberta à participação da população, visando difundir as conquistas e benefícios da criação cultural e da pesquisa. Deixando, por ora, de lado, algumas definições mais formais, cumpre destacar as seguintes determinações: “As instituições informarão aos interessados, antes de cada 57 período letivo, os programas dos cursos e demais componentes curriculares, sua duração, requisitos, qualificação dos professores, recursos disponíveis e critérios de avaliação, obrigando-se a cumprir as respectivas condições”(artigo 47, parágrafo 1º); As instituições de educação superior oferecerão, no período noturno, cursos de graduação nos mesmos padrões de qualidade mantidos no período diurno, sendo obrigatória a oferta noturna nas instituições públicas, garantida necessária previsão orçamentária”. Por último, registre-se a reafirmação do princípio da autonomia universitária, prevista na Constituição e requisito para que a instituição possa dar conta das finalidades e tarefas que lhe são atribuídas pela sociedade. E, cumpre cuidar para que se cumpra o artigo 55, segundo o qual “Caberá à União assegurar, anualmente, em seu Orçamento Geral, recursos suficientes para manutenção e desenvolvimento das instituições de educação superior por ela mantidas”. Como no que diz respeito aos demais dispositivos, é preciso ter presente que a realização daquilo que é proposto faz parte do processo de institucionalização da sociedade, e este processo remete a conflitos de interesse e supõe a participação ativa dos interessados, sem o que pode “as leis não pegarem”. E se até o momento analisamos a instituição da educação escolar brasileira em seus traços mais gerais, é preciso, de agora em diante, entrar no mérito dos processos pedagógicos propostos. Estes são momentos fundamentais para assegurar, igualmente, o êxito das políticas educativas. Supondo que os poderes públicos façam sua parte, há algo que o “sistema” não faz diretamente: a educação e o ensino propriamente ditos. Estes acontecem num contexto organizacional muito específico: o das escolas. Ou, se quisermos, das “instituições escolares”, entendo por isso, tanto os estabelecimentos em sua realidade física e política, em seu prestígio social, quanto aos valores, as significações efetivamente operantes em seu seio, materializados nas regras de trabalho, nas normas, nos estatutos e nos regimentos que regulam, orientam a realização do trabalho educativo, do qual, no final de contas, depende em última instância o sucesso das políticas e, sobretudo, dos seres humanos sob a responsabilidade dos profissionais da educação. 58 ATIVIDADES SUGERIDAS 1. Elabore um texto com o resultado de suas leituras e debates sobre o conceito de educação e de educação escolar propostos na lei 9394/96. Comente-os à luz das teorias estudadas nesta e em outras áreas. 2. Faça um levantamento das finalidades e objetivos propostos para a educação, no geral e em cada nível e modalidade de ensino. Confronte-os com o artigo Os deficientes cívicos, de Milton Santos (Folha de S. Paulo, 24.01/99) e Robert Kurz A comercialização da alma (FSP, 11.02.2001). 3. Escolha um nível ou modalidade de educação. Procure dados estatísticos sobre sua evolução no Brasil. Analise e comente. Em seguida, procure os dados sobre o mesmo nível de ensino referentes a seu município ou Estado (ou Distrito Federal). Compare-os. Comente. 4. Pesquise sobre os parâmetros curriculares do nível de ensino em que você atua. Discuta-os com os colegas, do ponto de vista filosófico, técnico-pedagógico e político. Comente-os. 5. Informe-se sobre o Sistema de Avaliação da Educação Básica. Conheça seus fundamentos e sua metodologia. Conheça os resultados referentes ao nível de ensino em que você atua. Compare os resultados de seu Estado ou município (ou Distrito Federal) com o restante do País. Comente tais resultados. 6. Procure saber, coletar dados, sobre o funcionamento do FUNDEB em sua cidade. Comente sua organização e seus resultados. 59 60 3 A escola como instituição OBJETIVOS ESPECÍFICOS - Conceituar a instituição escolar; - Rever critica e historicamente o papel das organizações escolares; - Conhecer os dispositivos legais referentes à organização do trabalho educativo nas organizações escolares; 61 1 A escola como instituição e suas instituições 1.1 O papel da escola Instituições são organizações ou mecanismos sociais que controlam o funcionamento da sociedade e dos indivíduos. São produtos do interesse social que refletem as experiências quantitativas e qualitativas dos processos socioeconômicos. Organizadas sob a forma de regras e normas, visam à ordenação das interações entre os indivíduos e suas respectivas formas organizacionais. Fonte: Wikipédia 62 Existe o pressuposto, e a convicção, de que nada vai mudar em educação, no final de contas, se não houver mudanças na escola e, mais ainda, dentro das salas de aula. E é por isso que existe na legislação um conjunto de disposições normativas determinando procedimentos e atitudes dentro das escolas e das salas de aula, na organização do trabalho educativo. Neste módulo se quer trabalhar sobre essa questão, especificamente. Pois ela não pode ser confundida com as discussões macro-políticas. Ao contrário, é neste plano micro-político que a instituição educativa se revela e se realiza naquilo que tem de mais tradicional e efetivo. Por isso é preciso lançar os holofotes sobre este plano. E fá-lo-emos guiados por alguns elementos colhidos no movimento da Pedagogia Institucional. Este movimento, forte nos anos sessenta do século XX, teve em Michel Lobrot um de seus mais importantes líderes. Entendo ser correto afirmar que Paulo Freire terá sido, no Brasil, a grande figura da pedagogia institucional, ainda que não seja conhecido sob esse prisma. Trata-se de um prisma que amplia a análise da instituição educativa em seus diferentes planos, não se contentando nem com a dimensão macro, nem com a dimensão micro. Mas articula ambas as dimensões, levando em conta a “transversalidade” da instituição. 1.2 Uma abordagem institucional De acordo com a escolha teórica que preside a este trabalho, assume-se o pressuposto de que a “instituição” da escola e de suas “instituições” é momento de um processo mais amplo e envolvente de “instituição” da própria sociedade, enquanto tal, determinada, tendo, desse modo, em foco “esta” sociedade e não outra. Para Cornelius Castoriadis, lembremos, a sociedade é auto-instituição, autocriação. E as organizações que a compõem são instituições derivadas, são a encarnação de instituições centrais, originárias, constituídas como magma de significações imaginárias sociais. A escola em nossa sociedade é uma dessas organizações fundamentais. Nesta linha encontramos elementos capazes de nos orientar na interpretação desse fenômeno que é a natureza do processo de institucionalização de nosso sistema de ensino. Como e por que se manifesta e persiste, no caso brasileiro em específico, a distância entre os “valores proclamados” e os “valores reais”? O que significam os dados referentes ao renitente “fracasso escolar”, repetência e evasão? Uma significação, relembremos, longe de ser apenas um conceito ou representação abstrata, é uma significação operante, com suas conseqüências sociais e históricas. Ela age no fazer e na prática de uma sociedade, vale dizer, dos indivíduos que a compõem, “como sentido organizador do comportamento humano e das relações sociais, independentemente de sua existência ‘para a consciência’ dessa sociedade”. Os dados estatísticos são as conseqüências, os resultados, os derivados da ação dessas significações sociais profundas. Os dados estatísticos são conseqüência da ação do nosso “imaginário efetivo”, que presentifica as significações nas quais e pelas quais agimos. Assim, quem produz o fracasso é, sim, o “sistema”. Mas quem é o sistema? O sistema somos nós. O “sistema” é a instituição que articula uma sociedade, pela sua encarnação nas normas, escritas ou não, que regem a sociedade. Nas instituições que fazem essa sociedade. E os indivíduos são igualmente instituições, pois foram instituídos pela sociedade que instituem. No caso brasileiro, somos uma sociedade excludente e profundamente assimétrica, simbolizada e sancionada por regras profundas, mais profundas que as leis positivas. São significações articuladas entre si, caracterizando a forma típica de ser de uma tal sociedade. As disposições legais acima referidas representam um esforço, talvez tímido, de decantar o imaginário subjacente à organização do trabalho escolar, uma tentativa de fissurar o imaginário instituído. Duas dimensões estão presentes no caso: as finalidades proclamadas para a educação e a organização do trabalho escolar. Cabe, agora, um mergulho nessa organização chamada escola e perguntar: para que serve, afinal, a escola? Qual sua função? A organização da educação, do trabalho escolar com todas as suas diretrizes metodológicas, que se pode mencionar como organização curricular, num sentido bem amplo, é uma questão central, senão a questão central quando se trata da educação escolar. Com efeito, é nessa organização do trabalho escolar – na definição das atividades a serem desenvolvidas, na seleção dos conteúdos programáticos, das “disciplinas” ou das atividades, na escolha das metodologias de aprendizagem e de ensino, nas estratégias de avaliação, na organização dos tempos e dos espaços, que os ditos sistemas de ensino em geral, e cada estabelecimento em particular, concretizam aquilo a que se denomina “projeto político-pedagógico”. Como vimos na análise da LDB, o texto fala de “proposta pedagógica”, correspondendo à expressão “projeto pedagógico” em uso nos meios educativos. Este projeto, expressão pro-jetada ou diferida daquilo que a educação escolar quer alcançar, tem uma dupla dimensão. De um lado, lembra J. Ardoino, remete a um projeto intencionalidade, expressão do projeto de sociedade que desejamos construir. E um projeto de sociedade remete aos valores, às significações centrais, às regras fundamentais sobre as quais se erige a vida humana associada, na expressão de Guerreiro Ramos. É neste plano que a sociedade afirma o que é e o que não é, o que vale e o que não vale, o que pode e o que não pode, o que é “certo” e o que é “errado” (Castoriadis). Estes valores costumam ser expressos , legalmente, pela explicitação ou declaração das finalidades da educação, em especial da educação escolar. Complementarmente, os desdobramentos normativos entram pela organização da educação escolar. Entram naquilo que se pode denominar de “currículo” com todas as dimensões mencionadas há pouco. Nos termos de J. Ardoino, entra-se no plano do projeto-programa. Este é a tradução organizacional daquele. É o seu equacionamento operacional. Quais metas? Quais conteúdos? Quais metodologias? Qual a duração das atividades? Qual seqüenciação das atividades? Quais critérios de progressão e de avaliação? Aqui aparecem termos tais como: promoção, reprovação, aproveitamento de estudos, seriação, organização por ciclos ou por fases, certificação, aproveitamento ou rendimento escolar, matrícula, repetência, dependência e outros. E é 63 exatamente nesta tradução da teoria na prática, das intenções num programa de trabalho, da praxis em poiesis 19(F. Imbert) que se joga a sorte dos princípios e ideais formulados nas finalidades gerais, filosófica, política e eticamente, no geral, bastante bem formulados. É na escolha e na organização dos meios que reside um momento crucial, no sentido mais originário do termo, da educação escolar. Assim como, de resto, de outras tantas atividades humanas interativas. É importante, então, retomarmos a verificação de ambos os momentos na legislação educacional brasileira. De um lado, a declaração das finalidades. De outro, a tradução organizacional de tais finalidades no currículo dos estabelecimentos de ensino. Mas, antes, vamos fazer mais uma incursão no plano da teoria da instituição e das organizações escolares. 1.3 A educação e a escola A escola é tipicamente aquilo que se denomina de organização. Para Castoriadis, as organizações são instituições secundárias, ou derivadas. Isso não quer dizer que sejam entidades de segunda importância. Não é disso que se trata. Ao contrário, as instituições secundárias são exatamente aquelas nas quais e pelas quais as instituições primeiras – as significações fundamentais – se realizam concretamente, materialmente. Não existiria capitalismo sem as empresas capitalistas, organizações que são as portadoras de suas significações. Assim, igualmente, as escolas. René Lourau20 caracteriza as organizações como “formas sociais”, dotadas de uma unidade “funcional”, marcadas pela negatividade, no sentido hegeliano. Isto quer dizer que elas freqüentemente proclamam suas finalidades “operatórias”, aquelas mais evidentes ou mais esperadas, as funções “oficiais”, que podem ser explicitadas, mas deixam esquecido o fato de que essas finalidades operatórias explícitas estão ligadas a outras finalidades criadas pela existência de relações contínuas entre determinada organização (como a escolar) e outras com funções diferentes, bem como por suas relações “com o conjunto do sistema social” (LOURAU:12). Por isso, diz ele, julgar uma organização pelos serviços que presta, ou julga prestar, não é suficiente. “A unidade de uma organização é feita, de um lado, por uma disposição específica das funções sociais em redor de uma função oficialmente privilegiada e, de outro lado, pela exclusão oficial de um certo número de outras funções, que se tornam então latentes, acidentais ou informais” (LOURAU:13). Há um sistema como totalidade de relações entre elementos compreendidos numa instituição territorial ou numa área de influência política que a transcende. A positividade, oficialmente proclamada, esconde a negatividade em ação, esconde a transversalidade das instituições, o seu ser permeado pelo econômico, pelo social, pelo político, pelo ideológico e assim por diante. Há o proclamado. E há o não proclamado. Há o positivo. E há o negativo. Daí que o quantitativo possa IMBERT, Francis. Vers une clinique du pedagogique: um itinéraire em sciences de l´education Vigneux: Matrice/PI, 1992. Para o autor, “práxis” designa o projeto no seu momento filosófico, amplo, genérico, conceitual. Mas para se tornar realidade esse projeto, essa concepção filosófica, precisa ser traduzida numa proposta concreta de trabalho. A essa proposta o autor denomina de “poiesis”. 20 LOURAU, René. Análise Institucional. Petrópolis: Vozes, 1995. Trata-se de um sociólogo e educador francês, falecido em janeiro de 2000, notabilizado por ser um dos fundadores do movimento de “análise institucional”. 19 64 esconder elementos qualitativos importantes, proclamando funções “nobres” (crescimento, desenvolvimento, cidadania e outros) “a expensas das funções não confessadas ou inconfessáveis, mas inteiramente objetivas, das organizações” (LOURAU:14). No caso da escola, ela proclama a integração, mas na verdade os resultados estatísticos indicam que ela, de fato, realiza a seleção e a exclusão, que são traduzidas por “fracasso escolar”. E esses processos, conforme vimos no primeiro módulo, são perfeitamente compatíveis com a história da instituição da sociedade brasileira, escravista, colonial, dependente, excludente, genocida, capitalista, patrimonial, estamental. Os dados estatísticos sobre a exclusão escolar são perfeitamente compatíveis com o quadro de uma sociedade excludente. Expressam a forma como essa sociedade se auto-reproduz. Voltando a Castoriadis, propõe ele que o processo educativo acontece como socialização da psique, pelo que ele denomina, seguindo Freud, de “sublimação”. É por esse processo que a psique retoma as formas socialmente instituídas e as significações que as acompanham. A psique se apropria do social pela constituição de uma interface de contato entre o mundo privado e o mundo público ou comum. Do ponto de vista dos indivíduos, é preciso que eles criem modelos identificatórios. Da parte da sociedade, é preciso que ela ofereça objetos a serem investidos. E para que haja sociedade, é preciso que os objetos de sublimação sejam, ao mesmo tempo, típicos, categorizados e complementares uns dos outros. Assim, por exemplo, ao pólo identificador “senhor” deve necessariamente corresponder o pólo identificador “servo” e, no mundo capitalista, ao pólo “capitalista” deve corresponder o pólo “proletário”, que se devem produzir e multiplicar nas proporções devidas para a manutenção do sistema. Este sistema se expressa como um conjunto de instituições solidárias, formando um magma de significações operantes, de instituições secundárias: capitalistas, proletários, máquinas, Estado, ciência e tecnologia, educação, religião e assim por diante. Um outro autor, Michel Lobrot21, em “Para que serve a escola” retoma essa questão, já dentro da perspectiva da organização escolar. Você considera que a escola cumpri seu papel da melhor forma? Para você, qual papel a escola deve cumprir? 2 Para que serve a escola? Para Michel Lobrot, a escola é uma instituição a serviço da cultura. Cultura, para ele, entretanto, não significa o mesmo que para os antropólogos. Para estes, cultura é “o conjunto de condutas, de comportamentos e de costumes praticados por uma comunidade...” (LOBROT:1995, p. 6). Ele prefere conceituar cultura como “conjunto de atividades ‘imanentes’ a uma população”. “Imanentes”, neste quadro conceitual, significam atividades internas às pessoas, se opõem a “transitivas”. As atividades imanentes são aquelas que o sujeito vive no seu interior e que englobam um determinado número de mecanismos de ordem psicológica: reconhecimento, percepções, representações, elaborações, recordações, projetos, aspirações, LOBROT, Michel. Para que serve a escola? Lisboa: Terramar, 1995. Lobrot se notabilizou também pela obra Pedagogia Institucional, que fez dele um dos mais expressivos membros do movimento institucionalista francês, no qual realiza uma profunda crítica da escola como instituição burocrática e retoma a concepção de uma organização escolar profundamente renovada, auto-gerida. 21 65 imaginação, etc. E são atividades que, “além de seus efeitos exteriores, suscitam por si próprias, necessariamente, prazeres, dores, frustrações, angústias, esperanças”. Mas, por outro lado, “têm suas leis e mecanismos próprios que não se confundem com os dos fenômenos acionados exteriormente”, ainda que dificilmente fiquem reduzidas à dimensão interior, e possam vir a ter traduções e manifestações exteriores de suma importância. As atividades transitivas passam a ser o lado objetivo, exteriorizado, das atividades imanentes, que são percebidas através daquelas. São exteriorizadas nos “comportamentos”. As atividades imanentes, porém, ainda que suscitem atividades transitivas, não se confundem com elas. Elas têm eficácia, utilidade e interesses próprios e distintos. Lobrot quer chamar a atenção para a importante dimensão psicológica da cultura, por contraponto a uma leitura sociológica, exterior e objetivante. Sendo assim, a escola teria surgido como uma criação das grandes civilizações para propiciar um lugar que desse oportunidade aos processos de caráter imanente: as aprendizagens. Estas são, para ele, e apesar de seus impactos utilitários, transitivos, fenômenos imanentes. Uma aprendizagem, então, para ser durável, precisa ir além do caráter utilitário, instrumental, passageiro e circunstancial. Para ser durável, é importante que ela se debruce sobre si mesma e vise seus próprios mecanismos. Há um êxito na realização dessas atividades que vai além da realização de um objetivo extrínseco: “Neste caso, o que se torna interessante já não é o resultado, mas sim o próprio processo, a saber, a descoberta dos meios que permitem atingir determinados objetivos. Isto implica que esta descoberta suscite prazer e satisfação. Isto também é válido para a memória, fenômeno estreitamente ligado à cultura” (LOBROT:1990, p. 8). Dentro de tal perspectiva, a retenção na memória acontece quando se põem em prática operações imanentes interessantes por si próprias. A escola nasceu na humanidade, foi criada, para dar lugar às exigências de aprendizagem, instituindo-se um período da infância centrado sobre ela, consagrando-lhe tempo, destinando-lhe adultos para ajudar os indivíduos nesse processo, construíram-se indivíduos para acolhê-los, destinou-se montantes de recursos financeiros. Seu nascimento se dá com o aparecimento da escrita, na Mesopotâmia, nos III e IV milênios antes de nossa era, e isto tem a ver com o processo de simbolização que lhe permite produzir diretamente, e quase sem intermediários, “efeitos psicológicos de caráter permanente”. Com ela, toda a literatura se constitui num corpus, entre o espaço existencial, faz entrar na humanidade um conjunto de realidades e valores, um grande desenvolvimento cultural. A escola, pois, desde suas origens, se articula com a cultura, com essa “realidade essencialmente exterior, gratuita e que, sob determinados pontos de vista, pode parecer inútil”. E aí começam também seus problemas. Como as sociedades tratarão o problema da articulação na escola entre o desenvolvimento do indivíduo e a utilidade social? A história da escolarização oscilará, pois, entre dois pêndulos: ora a utilidade social será a referência básica, ora a cultura, enquanto atividade imanente, será desvalorizada em si e será considerada por sua função socialmente instrumental. Se na civilização greco-romana, com a paidéia, essas duas dimensões 66 chegaram a coexistir mais ou menos bem, sem que uma dimensão elimine a outra, dava-se grande valor à cultura do corpo e do espírito sob todas as formas possíveis (filosofia, retórica, ginástica, música, desenho, etc.). Mas, com o surgimento, na alta idade média, do imperialismo, do espírito de dominação, a generalização da escravatura, o totalitarismo imperial, a burocracia, a exploração social, tudo isso vai propiciar um “desvio” da escola. 2.1 O desvio da escola O desvio da escola, segundo Lobrot, ocorre a partir do momento em que a sociedade no seu todo – particularmente suas instâncias dirigentes – decide que a escola não tem por objetivo a transmissão e difusão da cultura, mas uma outra função de natureza transitiva e utilitária que varia consoante as épocas (LOBROT:1990, p.12). Assim, no período que vai dos séculos VII e VIII ao século XIV (a grosso modo, o período da Idade Média no ocidente), à escola é atribuída a finalidade exclusiva de dar a conhecer a doutrina cristã, os dogmas cristãos, os grandes textos do cristianismo, os padres e os teólogos cristãos. O ensino da “cultura profana” é interditado e o papel de mentalização, de espiritualização, que foram fundamentais na origem do cristianismo, e de todas as grandes religiões, deixa de ter um papel central, sendo remetido a um segundo plano. Reprime-se a libido sciendi (desejo de saber) e a libido legendi (desejo de ler). Tudo que é ligado ao corpo, ao mundo, aos prazeres terrestres se torna suspeito, há que evitar os perigos do mundo, de que faz parte a cultura. Do século XV ao século XVIII, período clássico, com a invenção da imprensa, as grandes descobertas, as grandes revoluções, não chega a desaparecer a finalidade religiosa. Mas esta encontra uma grande concorrente na finalidade de socialização do indivíduo. Não se trata mais de ver a escola a partir de um referente religioso a transmitir ou veicular. Os valores agora postos em evidência são a civilidade, a decência, a moderação, a honestidade, o trabalho, a adaptação social, a conformidade. É preciso pôr um prática, para que a sociedade exista, a organização. E isso acontecerá por intermédio dos colégios, da constituição de hábitos sociais. A escola do humanismo é, contraditoriamente, uma escola em que prevalece o instrumental social. O terceiro período, que segundo Lobrot perdura até nossos dias, é o “período tecnicista”. Neste período, os ideais e objetivos humanistas são quase totalmente deixados de lado, e vem a prevalecer o lado das ciências e da tecnologia. O primeiro lugar é ocupado pela aquisição do conhecimento no sentido restrito, e todas as demais disciplinas são vistas através dele. Estuda-se antes a história da literatura ou a história a mergulhar na literatura, a fazê-la. Desde então passa a vigir a concepção de que “a escola é feita para transmitir sabedoria”, ou seja, conhecimento. Fica em segundo plano que esta sabedoria, que também é cultura, por certo, é um produto da vida psicológica, que ela precisa ter um sentido, que ela produz dor ou prazer ou angústia, que ela é susceptível de bloqueios libidinosos. A sabedoria se restringe a “um conjunto de conteúdos que nos podemos contentar em expor” e que “é necessário assimilar”. Por outro lado, os conteúdos são eles próprios fatores de socialização por permitirem, graças aos exames e diplomas, indicar 67 quem os possuem e posicioná-los no sistema produtivo.(LOBROT: 1990, p. 14). A aprendizagem gratuita deixou de existir. 2.2 A sobrevida da escola Como e por que a escola continuou existindo ao longo de todas essas profundas mutações? Se é impossível haver ato de aprendizagem sem desejá-lo ou sem gostar dele, como atesta a psicologia contemporânea, se a escola continuou funcionando, foi porque “na realidade o princípio cultural (imanente) continuou determinando nela um papel principal, um papel primordial, apenas de uma forma dissimulada, clandestina, não reconhecida. O que teria mantido a escola, e o seu sucesso, onde e quando houve, teria sido a dimensão cultural imanente. A montante, garantida pela presença de um corpus cultural utilizado como suporte e como material, e que se mostrou fascinante. Esse corpus era constituído pela leitura dos clássicos, dos grandes pensadores e literatos, gregos e latinos. Essa cultura impregnava certos estratos sociais e garantia o sucesso das escolas na medida em que elas a dispensava. A cultura, oficialmente rejeitada e desfigurada, e os processos psicológicos menosprezados, eram, clandestinamente, os fatores de sucesso da escola. Paradoxalmente, as crianças que têm êxito na escola, e por isso penetram nos estratos superiores da classificação social, são aquelas que tiverem melhor contato com essa cultura. Cumprem-se assim os desígnios hierárquicos do sistema social. Paradoxalmente, os que mergulharem a fundo na cultura e a ela aderirem se tornarão os revolucionários e os reformadores. Contudo, a maioria talvez, abandonará, renegará essa cultura, neutralizarão seus efeitos para melhor se integrarem nas estruturas de poder da vida social. O problema é duplo. De um lado, o que funciona, no sistema, funciona por dissimulação. Mas, sobretudo, o problema reside em que o sistema não funciona: ele é predominantemente travado, e produz disfunções, efeitos perversos e catastróficos. E, sobretudo, ele impede o acesso das classes pobres à cultura, de então até nossos dias. A cultura decididamente não se democratiza, as massas não têm acesso a ela. O desvio da escola resulta de um fenômeno de dominação e continua ligado a ele. E se vem agravando a cada período, a partir da Renascença, tendo destaque, além da obediência do grupo social e sua submissão, a produtividade e a rentabilidade. Desde então, aquilo que se tem em mente é assegurar o crescimento coletivo através da produção, sob a direção de uma elite técnica e burocrática detentora dos instrumentos de comando. O grande problema se coloca: como levar ao sucesso as crianças das classes populares, que não trazem “do berço” os elementos iniciais dessa cultura? De uma cultura que lhes é apresentada com determinadas finalidades e sob condições especiais que definem os quadros, o tempo, o ritmo, o momento, o lugar onde aprendê-la, desde fora? Como desencadear nos filhos dos operários o aprender a gostar de ler, a gostar de aprender? 2.3 A organização da escola moderna A escola moderna emerge, como tal, juntamente com a explosão da cultura humanista propiciada pela invenção da imprensa 68 e, com esta, a difusão dos livros. A esta altura, prossegue Lobrot, apoiado em Chartier e Neveu, as escolas se multiplicam por todo lado a partir de iniciativas provenientes das cidades, das comunas e de particulares. Mas, se na Idade Média a expansão das escolas monásticas, em si um fenômeno interessante, se fez ás custas da autoridade religiosa, agora o processo acontece sob a autoridade civil. As cidades descobrem o dever educativo, instituem fiscalização municipal nos estabelecimentos onde se dá educação, e fiscalizam sem restrições. Surgem as escolas, geralmente gratuitas, surgem, os colégios: “O Colégio é uma realidade nova que vai servir de enquadramento a uma nova concepção de educação. O que antes tinha sido uma instituição para bolseiros que estudam na Universidade, torna-se um lugar onde se faculta o ensino. O que o caracteriza e distingue da Universidade medieval é a sua organização do tempo e simultaneamente do espaço, com sistema de turmas. Os alunos estão submetidos a uma forte disciplina. Montaigne fala de uma ‘juventude cativa’ evocando a disciplina reinante nos colégios” (LOBROT:1992, p. 24). E prossegue: “O fenômeno a que se vai assistir é a substituição progressiva do contido pelo conteúdo, nos objetivos destinados ao ensino. [...] No entanto, os métodos não são em nada diferentes do de hoje em dia. Essencialmente magistrais e ‘simultâneos’, não deixam muito lugar à individualização e à iniciativa do aluno”. E a ratio studiorum, dos jesuítas, fala das finalidades: educar os jovens de maneira a que se formem nas belasletras e ao mesmo tempo nos bons costumes (dignos de um cristão). A escolaridade que ora se propunha se destinava a assegurar o destino social dos filhos dos seus fundadores e administradores, constituindo a elite citadina destinada a partilhar os encargos reais e municipais, os senhoris que viviam de renda e aspiravam à nobreza. A educação clássica deveria permitir a esta nova classe subir os degraus da hierarquia social, formando-se num modo de vida sensato e erudito, diferenciando-se da antiga nobreza e da burguesia mercantil. Os colégios cumpriam tal finalidade admiravelmente: constituíam-se em coletividades hierarquizadas e disciplinadas, ensinavam a civilidade, a honestidade, o decoro, a cortesia, a moderação, a pureza dos costumes. E, no fundo, criavam o homem social: o homem em conformidade com a sociedade e seus valores. Além dos Colégios, surgiam as pequenas escolas onde se ensinava a gramática, e que são as precursoras do atual ensino elementar. Estas, patrocinadas por múltiplos atores sociais, visavam policiar e cristianizar a cidade através da educação. Gratuitas em boa parte dos casos – caritativas–, atendiam também aos filhos dos grupos sociais desfavorecidos, tirando-os das ruas. A escola continuava, entretanto, uma instituição citadina, dela ficando excluída a população campesina. A religião influenciava-a profundamente, dando-lhe um caráter profundamente moralizante. A civilidade que aí se ensinava era um 69 conjunto de regras de boas maneiras e de cortesia, buscando uma conformidade profunda, interiorizada, com os princípios da vida social, com uma crítica acentuada a todas as formas de hipocrisia a que aquela dá lugar (LOBROT:1990, p. 28). A aplicação de tal concepção às classes populares, todavia, faziam-na permanecer excluída da cultura (no sentido imanente). Assim, apenas as classes superiores se beneficiavam de tal cultura, na medida em que eram as detentoras do “capital intelectual” necessário para dela tirar proveito, por possuírem livros em suas casas, criando um ambiente propício a seu aproveitamento. Era uma burguesia “técnica” que se constituía: médicos, advogados, oficiais, notários, parlamentares, procuradores, escrivães, dentre outros. Daí, e do acúmulo de livros onde a história passa a substituir a teologia, emergem as sociedades literárias, as sociedades dos pensadores, de hipnotismo, as sociedades maçônicas e outras que vão ter papel fundamental na Revolução Francesa. A Revolução Francesa marca uma ruptura e, ao mesmo tempo, uma continuidade. Dela nasce uma escola diferenciada da do Antigo Regime, mas subsiste uma continuidade relacionada à concepção de uma escola estatal e tecnocrática, que emergira com força anteriormente a ela. Data de antes da Revolução a concepção de que a educação deveria ser nacional e controlada pelo Estado, tendo as instituições educativas definidas com clareza sua natureza política e jurídica. A Revolução traz consigo a idéia de generalização da instrução, que deveria ser o motor do progresso social e humano. No caso francês, a escola assume, outra vez com maior ênfase, o papel de disseminar a “sabedoria” (os conhecimentos), preponderantemente à doutrina religiosa e aos bons costumes. É a escola propugnada pelos enciclopedistas. Ela é tributária da concepção do século XVIII relativamente ao desenvolvimento da ciência e da técnica: “Agora a sociedade é concebida como uma grande máquina que os dirigentes políticos conduzem à prosperidade. Nesta máquina é importante que cada qual ocupe seu lugar e trabalhe, o que implica aptidões e capacidades. Estas adquirem-se na escola e, entre elas, a aprendizagem da leitura – a alfabetização – constitui a base. Assim, a escola assume um papel principal” (LOBROT:1990, p. 31). E o ensino elementar assume papel de destaque – pilar de toda a construção social. As escolas elementares se multiplicam como acontecera com os colégios na Renascença (no caso brasileiro, houve um movimento que começou de cima – das Universidades –, desceu ao nível médio – os Colégios –, para finalmente chegar á base: as escolas elementares). 2.4 Os objetivos da escola moderna e as condições de seu sucesso/fracasso Para M. Lobrot, não é possível haver aquisição do domínio da aprendizagem se não se passa pelo que ele denomina de operação cultural (imanente). Não há pesquisa sem desejo de fazer pesquisa, não há observação acurada de um fenômeno sem o desejo de fazê-la. A aprendizagem é, antes de tudo, um ato interiorizado, 70 imanente, que depois se traduz exteriormente e serve a outras instituições sociais. “É um ato capital no domínio humano que, necessariamente, comporta uma boa dose de criatividade, de prazer, de esforço, de elaboração” (LOBROT:1990, p. 35). Não obstante, registra ele, isto pode parecer supérfluo, ou incômodo, ou inútil, num “sistema centrado exclusivamente sobre um efeito útil, sobre uma dada vantagem bem delimitada”. E, de fato, desde o século XIX, a escola segue o objetivo de “aquisição da sabedoria” (conhecimentos). Pois é ela que permitirá aos indivíduos agirem sobre o mundo, sobre si próprios, sobre os outros. Que permite modificar seu destino, sobreviver e progredir, viver ou morrer. É um fator de adaptação e de sucesso. É, para Lobrot, uma visão pragmática que prevalece, por conta dos processos de dominação e controle sociais. E que deixa na obscuridade uma outra dimensão fundamental: a da sabedoria como ato psicológico á base de representação, contendo uma dose variável de abstração e susceptível de investimento afetivo (“desejo de sabedoria”). Esta remete à preocupação com a felicidade e com o desenvolvimento humano. E não se trata de escolher entre um ou outro, porquanto um e outro são inelimináveis e devem ser indissociáveis. Mas isto traz conseqüências decisivas para a organização da escola e o alcance dos resultados que declara buscar. A ênfase na dimensão pragmática e utilitária da sabedoria deixa na obscuridade o discente em sua dimensão psicológica, em sua subjetividade, com seus sentimentos e aspirações, passando a acentuar a dimensão do agente eficaz capaz de efetuar determinados atos e alcançar determinados resultados. É isto que se afirma, que se reivindica, pois é disso que depende “o progresso social e a prosperidade coletiva”. Decorre daí que a escola seja um lugar de “trabalho”, no qual as crianças devem “trabalhar”, pois a criança que não “trabalha” põe em risco o sucesso, o futuro de sua sociedade. A criança que não trabalha “põe em risco” seu futuro, o de sua família, o de seu grupo social, o da nação... Então, levar em conta a psicologia dos sujeitos, seus desejos, suas reflexões interiores, suas revoltas, suas deformações perceptivas, suas necessidades, esperanças e desesperos, eis algo que incomoda a escola, que deixou de ser seu eixo fundamental, seu postulado essencial. A felicidade e o êxito pessoal dos indivíduos enquanto sujeitos são contrapostos ao “bem da sociedade como um todo”. E desta concepção de bens concorrentes, nasce a coação como instrumento pedagógico. É preciso realizar os objetivos sociais a qualquer custo. Como diz Augusto Matraga, personagem guimarãesroseano, ao missionário que o buscava converter: “No céu eu hei de entrar nem que seja a porrete”. O ensino se torna, sem hesitação, mas com toda legitimidade institucional, um exercício de coação: é-se obrigado a aprender isto, isso e aquilo. E alcançamos o âmago do problema: “Esta coação nada seria se se limitasse à pressão de um indivíduo sobre outro, de um professor sobre um aluno. De fato é muito mais que isto. É um sistema altamente organizado. Está de tal maneira presente nas sociedades modernas que já não é possível vê-lo. Quase nunca é analisado, nem sequer descrito. Paradoxalmente, nas sociedades democráticas em que a palavra é dada a todos, aparece como um gigantesco corporativismo” (LOBROT: 1990, p. 37). Isso significa que 71 as sociedades modernas, democráticas, que afirmam ter abolido o corporativismo, na verdade continuam a praticá-lo, aperfeiçoando-o agora, é o Estado que, em lugar das antigas corporações, determina quais são os diplomas exigidos para exercer as profissões diferentes, quais os níveis exigidos, os exames que permitem obtêlos: “qualquer indivíduo deve, necessariamente, estar certificado, rotulado, verificado, para poder trabalhar e até para poder existir socialmente (a carteira de identidade é apenas uma entre outras formas de certificação. A finalidade do sistema é essencialmente, e antes de tudo, preparar isto” (LOBROT: 1990, p. 37). E Lobrot cita R. Boudon que, por sua vez, citando P. Sorokin, afirma: “A escola não tem apenas a função de fornecer as competências necessárias às sociedades; tem, também, a função de selecionar os indivíduos e de os orientar na direção das posições sociais existentes”. As exigências do sistema são realizadas pelas escolas e, concretamente, pelos docentes singular e coletivamente considerados. Quando ensinam e preparam os indivíduos para exercerem determinadas tarefas, são os docentes que os selecionam, aceitando ou não a entrada deles numa ou noutra atividade, são os docentes que atestam a competência para receberem (ou não) os diplomas. O exercício docente é uma resposta às exigências da sociedade. E dificilmente, senão nunca, é uma resposta às exigências e interesses dos alunos (ainda que os documentos oficiais proclamem que o aluno é o centro das atividades escolares). Se por vezes os interesses e exigências podem coincidir, muitas vezes mal se articulam, outras vezes estarão em plena contradição. A finalidade principal da escola é a transmissão de conhecimentos (sabedoria), desse modo, esta define suas escolhas pedagógicas. E aquilo que em si é bom – transmitir sabedoria/conhecimentos – desvinculado das imposições ou determinações subjetivas (culturais ou imanentes) –, produz uma abordagem tecnicista do processo de ensino-aprendizagem: “organiza-se, pois, segundo estruturas de caráter funcional. Cria-se um sistema possuidor de uma forte racionalidade, tanto ao nível dos suportes (turmas, distribuição e encaminhamento dos alunos, etc...), como ao nível dos conteúdos (programas, cursos, etc.)”. Mas o pior de tudo consiste no fato de que a escola não faz seriamente a verificação quanto à viabilidade de suas finalidades e de sua organização, pois, quando o faz, o faz igualmente em termos técnicos, ou seja, ao invés de definir suas finalidades como “formação real dos espíritos”, o faz em termos formais: sucesso nos exames, obtenção de diplomas e assim por diante: “Ora, os exames mais não são do que provas que medem a inculcação, e não uma determinada formação; e os diplomas são a expressão social e utilitária desse sucesso (registro escrito e oficial de um determinado sucesso, um documento destinado a ser mostrado. Portanto, a escola se fecha sobre si mesma, como determinadas pessoas que ficam solteiras. Torna-se um universo fechado, incapaz de compreender e de se controlar a si próprio, condenado a seguir cega e indefinidamente a sua louca corrida. Instala-se na rigidez, torna-se incapaz de evoluir” (LOBROT: 1990, p. 39). A opção pela alternativa técnica, mata a alternativa pedagógica. A preocupação com o conhecimento (os programas!), fundamentais para a ciência e a tecnologia, encoberta a preocupação 72 com os sujeitos e sua formação humana. É uma instituição centrada na transmissão do conhecimento, que esquece o sujeito psicológico ao qual o conhecimento se destina, concretamente. Resulta, na prática, que “a conseqüência da opção tecnicista é uma evolução muito clara para a opressão, o enquadramento, o autoritarismo, a centralização” (LOBROT: 1990, p.39). E este é um movimento que data do século XVI, quando da criação dos colégios: “Passa-se, assim, [na criação dos colégios] de uma regra que estabelece os princípios diretores de uma moral e de um gênero de vida, para uma regra que determina com rigor cada ocupação do dia. Passa-se de uma administração colegiada para um regime de autoridade; [passa-se] de uma comunidade de mestres e alunos, para uma administração rigorosa dos alunos feita pelos mestres [...] antes do século XV o estudante não se encontrava submetido a uma autoridade disciplinar extracorporativa, a uma hierarquia escolar [...] Simultaneamente aparecem duas novas idéias: a noção de enfermidade da infância e o sentimento de responsabilidade moral dos mestres [...] Para definir este sistema, distinguir-se-ão as suas três características principais: o vigiar constante, a delação – elevada a princípio de governo e de instituição–, e a aplicação alargada de castigos corporais (...) Doravante os educadores reconhecem um valor moral nos uniformes e na disciplina militar” (citação extraída de Philippe Ariés: L´enfant et la vie familiale sous l´Ancien Régime). Tais características irão se acentuando até ao liceu napoleônico e, a partir daí, o castigo corporal sendo aos poucos substituído pela ameaça: o insucesso nos exames como antecipação do insucesso na vida. A escola assume um caráter militarizado e moralizador. A organização escolar se torna a organização da submissão e da normalização. E então se coloca o problema fundamental: qual é o resultado, do ponto de vista da aquisição cultural imanente, verdadeira, desta supressão da liberdade entre os jovens, dessa opressão generalizada, deste isolamento cego? Qual é o impacto dessa escolha tecnicista sobre as próprias finalidades da escola? Qual a diferença que separa a instituição escolar projetada em suas finalidades e a instituição realmente existente, a partir de seus resultados? O sistema escolar, e suas escolas: 1) Tornam-se incapazes, em todos os níveis, de criar o gosto e o desejo da sabedoria, a profunda disposição psicológica para a pesquisa e o conhecimento (que dependem sobretudo das famílias e do meio ambiente, notadamente dos meios de comunicação social); 2) A escola, pelas razões acima, não existe solta no espaço, mas num contexto social-histórico específico, e se diferencia fortemente daqueles que acolhe em função de suas origens geográficas e culturais; 3) Num meio cultural e economicamente pobre, a escola não pode ter outro efeito, em razão disso, que o de levar ao insucesso e à ignorância, reforçando as resistências à sabedoria que poderiam existir de início, criando verdadeiras desvantagens culturais; 4) Num meio cultural e economicamente rico, a escola tem uma certa utilidade, devido ao fato de facultar às elites o contato 73 com numerosos canais de informação, de sorte que a escola as ajuda a progredirem, apesar do quadro opressor que ela cria, pois que o apetite cultural já vem de casa... Tais hipóteses sustentam uma explicação para o fracasso escolar, que consiste exatamente nisto: ainda que aumentem vertiginosamente as taxas de escolarização – como é o caso brasileiro –, as taxas de alfabetização e de aproveitamento não acompanham tal crescimento (se coloca o problema da “qualidade” do sistema). Ao contrário, os dados estatísticos apenas corroboram esse insucesso. Da mesma forma testemunham-no as diferentes proposições que, ao longo das leis, são sugeridas para alterar o quadro, alterando a organização do trabalho escolar: seriação, não seriação, ciclos, fases, exames de segunda época, atividades e períodos de recuperação (que são a tortura de professores e estudantes), turmas de aceleração, matrículas por dependência, formação de turmas por nível de aproveitamento, e todo um arsenal de medidas pontuais, buscando alterar os sintomas de um mal profundo: a incapacidade de a escola ser uma verdadeira agência de motivação cultural imanente. O sistema escolar, organizando burocraticamente o tempo, os espaços e as convivências, é um sistema opressor e irrealista. A atividade de aquisição da sabedoria, programada, obrigatória, definida desde “fora”, deixa de levar em conta que a aquisição do desejo da sabedoria requer uma experiência positiva no ato de aprender. A organização do trabalho escolar – os conteúdos, os tempos, os espaços, as convivências (turmas) – é fonte de frustração intelectual, e não de desenvolvimento. E é dessa forma que a escola contribui para a diferenciação social, mantendo o corte que separa dominantes e dominados. Isso é tão mais grave quanto, a partir da Revolução Industrial, e agora na sociedade da informação ou do conhecimento, a sabedoria técnica e científica assume papel central, é condição de progresso individual e social. As novas tecnologias requerem cada vez maior qualificação, sendo esta a chave do segredo para todos. O que se impõe, então, segundo Lobrot, é a superação dos equívocos organizacionais da escola: o despotismo tecnocrático e burocrático não conduz à sabedoria, ao domínio da ciência e da tecnologia. Antes afasta dessa meta as grandes massas de alunos, notadamente os das classes populares. A organização não pode ser o único valor e a única realidade, deixando em segundo plano os valores humanos. A organização escolar contém e anuncia a organização fabril: espaço de alienação, superorganização que neutraliza as iniciativas e a autonomia. Ao tecnicismo em que mergulham as classes dirigentes, pode muito bem corresponder, nas classes subalternas, o afundamento no anti-tecnicismo, no desprezo pela cultura erudita, pelo progresso social tal como apresentado, produzindo uma desqualificação radical, uma desculturação, uma hostilidade contra a escola, favorecendo uma degradação cultural que os espetáculos televisivos saciam, mais que promovem. A cultura, a leitura, convertida em instrumento, desconsiderada enquanto valor em si, não é capaz de motivar os estudantes. A escola se converte em espaço/tempo de tédio e ceticismo. E, ao invés de estimular a criação de outras formas de organização do trabalho, de outras relações humanas, de outros tipos de participação, a escola estimula o oportunismo: ao invés de estimular a ca74 pacidade de empreendimento (e nesta época tanto se fala do empreendedorismo), a educação escolar estimula a espera da salvação vinda do Estado ou dos organismos públicos, cria as “rãs à espera de um rei”, abrindo caminho a todas as investidas demagógicas de esquerda e de direita, sendo capazes de eleger democraticamente os regimes políticos mais tirânicos, reeditando o Dezoito Brumário em várias latitudes e longitudes. A escola contribui para isso ao dividir a sociedade em classes sócio-culturais antagônicas, ao produzir a desculturação das classes populares, sob um discurso que promete exatamente o contrário. O insucesso da escola passa pela sua incapacidade de propor desenvolvimento no plano das relações e, assim, encontrar soluções humanas para os problemas humanos. A violência escolar encontra aqui muitos elementos explicativos. O insucesso da escola, a incapacidade de alcançar suas finalidades e sua missão declarada, é tanto mais grave quanto atinge a todas as camadas da população, ainda que em proporção menor: “Defino essa impotência como uma incapacidade de levar em conta o desejo do estudante – aluno, escolar, etc.– seja ele de um meio social elevado ou baixo [...]. Por desejo é preciso entender duas coisas. Em primeiríssimo lugar, trata-se do desejo que o estudante leva para a escola e que se construiu nele, no seio de sua família e em contato com o seu meio. Em seguida, é necessário entender o desejo que nasce, ou que pode nascer, a partir deste desejo inicial, devido aos contatos que suscita e permite [...]. O desejo gera o desejo. O desejo não nasce do nada, mas sim de um desejo anterior, que cria uma situação favorável ao aparecimento de outro desejo. A escola não se enquadra na dinâmica dos desejos. Prefere prever programas e avanços a priori, que normalmente não se adaptam aos desejos concretos [...]. O fenômeno central é que a escola não cria o incentivo centrado na sabedoria” (LOBROT: 1999, p. 60). 2.5 A escola que é preciso criar A escola burocrática deriva da opção tecnicista que leva a rejeitar, de fato, os valores humanistas, entendidos como todas as atitudes que conduzem ao respeito da liberdade e da autonomia dos seres humanos e favorecem sua relacionalidade. O tecnicismo se caracteriza pela opção pelas estruturas opressivas e hierarquizadas, pela disciplina (as relações quotidianas) e pelos estudos que propõe. Estes são dominados pelos programas, pelos exames. E estes estão associados a sanções do sistema: aprovação, reprovação. Os exames são convertidos no elemento supostamente mobilizador para o trabalho escolar dos estudantes. Eles obrigam, eles oprimem: os estudantes “passam”, são promovidos, ou “rodam”, são reprovados, não são promovidos. Que escola criar para ser capaz de realizar sua missão, inclusive a de promover a sabedoria? A escola que os institucionalistas22 propõem precisa estar, teórica e praticamente, estruturada segundo os princípios de liberdade, de autonomia, de democracia, de relacionamento (Dewey, Os institucionalistas, no caso, são uma corrente pedagógica bem caracterizada, na França, em torno de M. Lobrot, G. Lapassade, R. Lourau, mas igualmente Fernand. Oury e Aída Vasquez. De M. Lobrot, cite-se A Pedagogia Institucional. E de F. Oury e A . Vasquez, “Vers une pédagogie institutionnelle”.(este último sem tradução brasileira, anunciada há tempos pela Editora Perspectiva, mas não realizada). 22 75 Montessori, Freinet, Decroly, Paulo Freire, Oliveira Lima e outros). Trata-se de uma escola redefinida: ela abre espaços à subjetividade, à afetividade (e à sexualidade), aos incentivos, à relação com os outros, bem como ao conhecimento, à sabedoria. É uma escola voltada à formação. Os professores deixam de ser apenas peritos em determinados saberes, mas passam a ser, sobretudo, animadores de grupos, e até mesmo terapeutas23. Que assumem a dimensão relacional de suas atividades, respeitando a personalidade dos estudantes, não afastando o problema, recalcando-o. Esta escola se redefine pela sua missão educativa, formativa, não apenas instrutiva. É um espaço de desenvolvimento humano multirreferenciado, e não apenas intelectual, atuando como um meio social formador. A escola moderna, na perspectiva institucionalista de M. Lobrot e outros, é filha da burguesia técnica, caracterizada pela capacidade de gestão-informação-direção. Tem um poder direto sobre os homens e as instituições, mediados pela organização. É claro que a organização é fundamental, da mesma forma que o é o espírito organizativo. Como ser de outra maneira para gerir uma rede que envolve toda a população, milhões de estudantes, milhares de docentes e de técnico-administrativos? Mas ela não pode matar a formação, atividade voltada para a interioridade: aprender é uma atividade interior, de assimilação, que depende da vontade profunda dos sujeitos, de suas motivações e de seus fantasmas. É ato subjetivo, difícil de objetivar, medir, planificar, organizar. É atividade da práxis. E tudo passa a dar errado se a primazia passa da pedagogia (práxis) para a organização e os organizadores e o espírito de organização (poiesis). Pois a educação não pode ser reduzida a um problema de técnica, no qual se decide, se impõe, se resolve tecnocraticamente, ainda que citando pedagogos ilustres. As exigências da formação não são redutíveis a critérios simples como sucesso em exames, pois objetivos demasiadamente simplificados não são atingidos e impedem o alcance de outros, diz Lobrot. 3 A escola única e suas armadilhas Para Lobrot, a ideologia democrática (e vale acrescentar: liberal) propõe a igualdade de todos perante a sabedoria e a promoção, igualdade de oportunidades independentemente das origens sociais, desejando que a escola não seja reprodutora das desigualdades sociais e assim por diante. Prega-se, então, a escola única, a escola do povo, livre e igualitária. Tais postulados, entretanto, são extraordinariamente compatíveis com a tecnocracia organizativa quando impelem a que se sujeitem as crianças ao mesmo tipo de tratamento, ao mesmo ritmo, ao mesmo regime, aos mesmos quadros, mesmo tipo de estabelecimentos, de regime administrativo, (há até uma tipologia escolar entre nós), a única diferença ficando por conta das aptidões inatas, trazidas para a escola, dons da natureza. Aí se encontram igualmente as escolhas curriculares. Afirma-se a Vale registrar uma importante linha de elaboração teórica e metodológica reconhece uma dimensão clínica á Pedagogia. Ver, por exemplo, F. Imbert, “Vers une clinique du pédagogique: um itinéraire em sciences de l´éducation”, Vigneux:Matrice/ PI, 1992. Ou ainda, do mesmo autor, e do Groupe de Recherche em Pédagogie Institutionnelle,”Médiations, institutions et loi dans la classe: pratioques de ppedagogie institutionnelle”, Paris: ESF éditeur, 1994). Trata-se de um conjunto de obras que precisam de urgente tradução e divulgação, para acrescerem-se ao movimento que existe com a preocupação de pensar a escola e sua organização. 23 76 existência de uma sabedoria universal, de conhecimentos de base, de corpus propedêuticos universalizados, busca-se o elemento comum a todas as disciplinas e a todas as ciências, busca-se então a “cultura geral”, métodos, linguagens e instrumentos comuns. Há os troncos comuns e as especializações, definidos num contexto neutro e desprovido de interesse, pois definido sem os interessados. O acesso à instituição escolar é gratuito, a freqüência é obrigatória: não se concebe a escolaridade como uma escolha pessoal, mas como uma imposição social, fenômeno tipicamente tecnocrático: “é necessário que se tenha instrução”. É um princípio de base que afasta muito o desejo de aprender. E, de quebra, definem-se desde fora as ações a realizar, os programas, os cursos. Ao pretender regras extremamente rigorosas, forma-se um verdadeiro arquétipo no plano dos objetivos pretendidos: para além da igualdade, se busca uma igualização, uma indiferenciação, uma nivelação. Buscase um “sistema”. Propõe-se um ideal inatingível para muitas crianças, colocando-as numa situação de insucesso, de inferiorização relativamente aos demais colegas. A busca da igualdade a todo preço gera uma hierarquização maciça, uma seleção impiedosa, pois é o meio social que está na origem da incapacidade de atingir as normas. E o sistema supostamente democrático se converte num sistema profundamente anti-democrático, em razão da seletividade que opera. Ela amplia as diferenças sociais. Quando o processo termina, ele classifica e hierarquiza a futura vida social (LOBROT:1990, p. 76-77). A lógica produz resultados perversos, o arquétipo imposto desde cima, pelas exigências planificadoras, conduz a uma média. Então, proclamamse os objetivos: ler, escrever e contar, ter conhecimentos, ser cidadão honesto, profissional competente. Mas os resultados não são alcançados, porque não operacionalizáveis pedagogicamente. Daí resulta o fracasso. As diferenças sociais iniciais se transformam em inferioridade, em exclusão, em seletividade. Os processos pedagógicos são psicológicos e sociais, não suscetíveis de abordagens mecanicistas. Submeter todo mundo a uma igualdade inicial, ao mesmo regime, não assegura que se chegue à igualdade no fim do processo. Esta é a grande ilusão tecnocrática. As desigualdades devem ser tratadas desigualmente. 4 Princípios de formação escolar numa perspectiva institucional A perspectiva institucionalista propõe que um autêntico sistema de formação considere: 1) máxima diferenciação dos ramos e carreiras, desde o início; 2) individualização do trabalho de aprendizagem; 3) autodeterminação do aluno perante os ramos e carreiras e os métodos que lhe são oferecidos. Ao não se levar em consideração tais pressupostos, ter-se-á muita organização e pouca pedagogia. De resto, a análise dos documentos e planos oficiais, de política educacional, revela uma busca de diferenciações, individualizações e autodeterminações, impostas pelas circunstâncias e pelos fracassos. Há uma luta incessante entre o espírito pedagógico e o espírito organizador, aquele bus77 cando espaços de diferenciação, este reiterando a uniformidade, a padronização. O espírito organizador é burocraticamente igualizador a qualquer preço, desconsiderando a subjetividade, o ser humano com seus interesses e necessidades, como ator e co-autor de seu processo formativo, a formação como autorização. Ao contrário, a diferenciação proposta pelos institucionalistas, far-se-ia a partir de grupos de base, grupos de animação e de relacionamento, a partir dos quais se fariam as escolhas. A individualização se faz pelo desafio da autonomia, do aprender a trabalhar sozinho, da aprendizagem de métodos de trabalho, de pesquisa, de informação, de reflexão sobre determinado assunto. E pelo uso dos recursos materiais disponíveis: as novas tecnologias em particular. O desenvolvimento pessoal, finalmente, tornará possível o alcance das finalidades sociais: a aquisição bem sucedida de conhecimentos, indispensáveis ao domínio científico e tecnológico. O desenvolvimento pessoal torna-se meio para a inserção social. A formação abre os caminhos para a instrução, a profissionalização. E não o contrário! Para Lobrot, referindo-se a seu país, a escola (francesa) atual não responde a uma missão de desenvolvimento que poderia desempenhar porque é apenas a continuidade de antigas estruturas escolares. Ela é a generalização dessas estruturas, através de planejamento, ampliando sua influência, sua cobertura. A isso se limitou o conceito de democratização, que não entrou no mérito dessas estruturas enquanto forma social heterônoma. As escolas generalizaram-se, tornaram-se gratuitas, mais ou menos melhor equipadas, foram laicizadas em grande parte. Permanecem, entretanto, centradas na aquisição de um certo número de conhecimentos e hábitos, deixando de lado as aptidões profundas, buscam “fazer aprender”, não se preocupam adequadamente com levar a “aprender a aprender”. Não despertam o gosto pela reflexão, pela investigação, não chegam ao desejo, ao mundo afetivo. Elas se inspiram no princípio autoritário que consiste “em pretender fazer o bem às pessoas contra a sua vontade”. Trata-se de um princípio administrativo que desapropria as pessoas de seu ser-sujeito, da responsabilidade sobre si mesmo, tornando-o um objeto manipulável nas mãos dos mestres. Trata-se de uma adaptação das pessoas à sociedade, se necessário à revelia delas (“nem que seja a porrete”, como nosso personagem literário). A organização do trabalho educativo, nesta perspectiva, se torna padronizado: procedimentos idênticos para todo mundo, planificação para todos sem atendimento às características individuais, com seus interesses, desvantagens ou diferenças sociais. Prevalece o princípio da indiferenciação na definição dos programas, instruções, métodos e materiais educativos. Denominar-se-á de democratização, em tais casos, o não-respeito pela diferença. Daí que o sistema, criado pelas elites para si própria, continue sendo elitista. A natureza, por conseguinte, superficial da ação exercida pela escola, deixa intactas as influências estruturais anteriores e exteriores à escola, que continuam a determinar as possibilidades de aquisição, os gostos, o dinamismo intelectual, as aspirações e os objetivos finais do indivíduo, quer se trate de vantagens, ou desvantagens. A estruturação da escola é a grande vilã da história: a escola mantém, contra tudo e contra todos, a obrigação de 78 aprender certas coisas – a ler, por exemplo –, em certo período de tempo (apesar de a maioria fracassar). É que a escola fabrica seus programas, seus ritmos, seus métodos, seus objetivos não levando em conta os estudantes, suas bagagens e interesses, mas refletindo, ao nível institucional, os programas e os empregos do tempo que são os da sociedade em geral. “Não há qualquer vontade diabólica nisso, mas apenas a mania planificadora que não leva em conta nem os indivíduos, nem as suas diferenças. As crianças do povo não podem adaptar-se a essas normas porque são normas ideais, abstratas, que se dirigem a um aluno teórico, espécie de protótipo, que possuiria, à partida, todas as qualidades exigidas para realizar as normas. O mecanismo é o mesmo quando se impõe aos operários na cadeia de produção um certo ritmo, sob o pretexto de que os cronometradores calcularam que este corresponderia ao tempo de um indivíduo médio. Não se procura, ao fazer isso, perseguir aquele que não se pode adaptar a estas normas, mas procura-se assegurar a produção num esquema mecanicista e desumano” (LOBROT: 1990, p. 106-107). E nós, professores, ao aceitarmos as normas burocratizadoras, contribuímos, ainda que involuntariamente, ao processo elitizante. Somos os perfeitos agentes do sistema, que cumpre seus desígnios com nossa mediação. Lobrot encaminha para a conclusão de sua tese: “...a escola atual está obcecada pelo igualitarismo e pela homogeneidade porque é de essência burocrática. Em vez de considerar a criança como um ser humano integral, considera-a como um objeto escolarizável, idêntico em tudo às outras crianças que, também elas, não passam de objetos escolarizáveis. Feito isso ela responde a outro esquema de dominação [...] no qual certos indivíduos, em posição administrativa, pretendem fazer o bem de todos pela coerção e pela servidão de cada um, o que lhes atrai a simpatia e o apoio daqueles que, possuídos pelo medo do outro, procuram a sua salvação nesse processo. O constrangimento operado sobre a criança satisfaz, com efeito, os pais e a sociedade inteira, que vêem nele o seu futuro mais precioso. A escola é a instituição encarregada de aplicar este constrangimento. A seleção que daí resulta [...] é, de preferência, uma rejeição por não-conformidade” (LOBROT: 1990, p. 113). 5 As respostas do sistema ao fracasso Os fracassos deixam o sistema e seus dirigentes desolados. Ninguém gostaria de tal seleção. Ela é detestável e detestada. E então se desencadeiam iniciativas de reparo: turmas de aperfeiçoamento, turmas de aceleração, turmas de transição, turmas de repescagem e assim por diante. De que se trata? Trata-se, em última instância, de fazer as turmas voltarem à “norma”, ao padrão, acabar com as distorções (entre elas a tão falada “distorção idade-série”). Trata-se de tentar conseguir fazer com que as crianças, todas elas, voltem a entrar no circuito comum, mas não escapem a esta educação geral, âncora do funcionamento social burocrático e heterônomo. E graças ao sistema de exames – pilar do sistema escolar –, aos programas, ao emprego do tempo cronometrado, ao controle dos professores, todo mundo é submetido, cria-se a sociedade dócil, submissa, dependente, heterônoma. E se assegura a continuidade de uma sociedade tecnocrática. Entretanto, se se quer instaurar 79 uma nova sociedade, uma sociedade outra, no sentido que Castoriadis empresta ao termo “outro”, referindo-se a uma outra forma/ figura de sociedade (e que no fundo consiste em tornar realidade as finalidades proclamadas pela sociedade liberal), deve-se criar uma outra escola (ou uma escola outra) como parte integrante de criação dessa nova sociedade. Esta nova escola (ou escola “outra”) deverá ter em conta: 1) a diversidade dos estudantes, adaptando-se a todos, a todas as mentalidades, a todos os níveis sociais, a todas as psicologias, a todas as desvantagens e vantagens, a todos os ritmos, a todos os indivíduos; 2) o ponto comum é a formação máxima: oferecer os meios materiais e humanos para o máximo desenvolvimento pessoal, no sentido que cada um escolher, respeitada a soberania de cada indivíduo, sem que ninguém se substitua a ele dizendo-lhe o que lhe interessa, o que o preocupa, o que ele procura, o que ele deve obter; 3) considerar o “princípio da livre disposição”: não há enriquecimento interior possível se este não for verdadeiramente desejado pelo seu autor. Esta é a lei da aprendizagem; 4) permitir reformas institucionais que facultem uma liberdade de movimentos suficiente, suprimindo a “canga dos exames”, que ocupam o espaço da avaliação e que servem apenas como elemento de pressão para “trabalhar” escolarmente; 5) criar dispositivos pedagógicos e estruturais adequados, tais como: i) princípio de imersão: deixar aos indivíduos possibilidades de se porem em contato com certos tipos de objetos ou atividades durante tempos extremamente longos, meses ou anos, pois é assim que se fazem as grandes aquisições, superando a dispersão dos currículos e programas oficiais padronizados e desconectados; ii) princípio do desenvolvimento “primal”: o ingresso numa atividade requer permanecer durante muito tempo num nível extremamente baixo, primário, infantil, embrionário, que constitui a matriz de qualquer desenvolvimento. A aprendizagem pressupõe um apelo para a aquisição, um gosto, uma aspiração que são de ordem afetiva. É preciso criar a motivação, fazer nascer os interesses. É uma função iniciática, como na educação infantil; iii) princípio do dualismo: articular animação e ensino. Fazer conviver uma dualidade: de um lado, estruturas e objetos relativamente rígido e fixos, portadores da informação e, de outro, estruturas e objetos que suportam e reforçam a atividade subjetiva. “O essencial está num processo de suporte da própria atividade que foi aceita, encorajada, prolongada, valorizada e que pode afirmarse e ir até ao fim”. A escola viva, centrada nas pessoas em formação, terá uma estrutura centrada inteiramente sobre o saber e os conhecimentos (bibliotecas, laboratórios e outros) e uma estrutura para ajudar os alunos a desenvolverem a comunicação, a viverem experiências desejadas, a afirmarem seus objetivos, a elaborarem seus fins, a falarem de seus problemas, estrutura esta, evidentemente, apoiada em animadores competentes. Os alunos circulariam entre essas duas estruturas: entre animação e saber, saber e animação. Esta leitura institucionalista da organização escolar deve pro80 curar aguçar nossa capacidade de reler atenta e criticamente os dipositivos legais que regem nossas escolas, sua organização e seus processos. Isso é o que faremos a seguir. 6 A organização do trabalho educativo no Brasil 6.1 As disposições legais Entre os artigos 22 e 28 da Lei 9394/96, encontram-se as principais disposições normativas em função das quais a escola “institui” seu trabalho, e se “organiza” pedagogicamente. Entretanto, este “código pedagógico” tem entre nós, também, uma história. E podemos começar pela Lei 4024/61, isto é, a primeira lelgislação “democrática” que tivemos. De particular interesse são, no caso, dois artigos. O primeiro deles é o artigo 18. Ele estabelece: “Nos estabelecimentos oficiais de ensino médio e superior será recusada a matrícula ao aluno reprovado mais de uma vez em qualquer série ou conjunto de disciplinas”. Nesse artigo aparecem dois conceitos centrais: o de reprovação, e o de “recusa de matrícula”. Já o artigo 20 fala da “organização do ensino primário e médio”, dispondo que: “na organização do ensino primário e médio, a lei federal ou estadual atenderá: a) à variedade de métodos de ensino e formas de atividade escolar, tendo-se em vista as peculiaridades da região e de grupos sociais; b) ao estímulo de experiências pedagógicas com o fim de aperfeiçoar os processos educativos” (VILLALOBOS, p. 230). No Título VI são apresentadas as finalidades dos diferentes níveis de educação: a) “A educação pré-primária se destina aos menores ou até sete anos, e será ministrada em escolas maternais ou jardim de infância”(artigo 23); b) “O ensino primário tem por fim o desenvolvimento do raciocínio e das atividades de expressão da criança, e a sua integração no meio físico e social” (artigo 25); c) “A educação de grau médio, em prosseguimento à ministrada na escola primária, destina-se à formação do adolescente”. Tem-se, então, ora “ensino”, ora “educação”, às vezes, são indicados os destinatários, mas não as finalidades. Apenas ao referir-se à educação de grau médio é usado o termo “formação” (do adolescente), sem que seja conceituado o que se entende por tal. E passa logo a tratar dos “ciclos” e das modalidades de ensino, para, em seguida, definir que, em cada um deles, haveria “disciplinas” e “práticas educativas”, “obrigatórias e optativas”, definindo as competências institucionais (Conselhos Federal e estaduais) para indicar tais disciplinas, inclusive as optativas dentre as quais a “escolha” pelos 81 estabelecimentos de ensino poderia ser feita. Aos Conselhos cabia “definir a amplitude e o desenvolvimento dos seus programas em cada ciclo” (artigo 35, parágrafos1º e 2º). E fala em “currículo” – o das duas primeiras séries do 1º ciclo deveria ser comum a todos os cursos de ensino médio no que se refere às matérias obrigatórias (parágrafo 3º). O Capítulo I do Título VII é o mais rico da Lei 4024 no que se refere à organização do trabalho educativo propriamente falando. O artigo 36 estabelece a necessidade de aprovação em “exame de admissão” para se poder ingressar “na primeira série do primeiro ciclo dos cursos de ensino médio”, devendo ficar devidamente “demonstrada satisfatória educação primária”, além de o candidato ter “onze anos completos ou (vir) a alcançar essa idade no correr do ano letivo”. O artigo 38, ao dispor sobre a “organização do ensino de grau médio”, é todo feito de “ normas”, que definem: a) duração mínima do período escolar (180 dias de trabalho escolar efetivo, não incluído o tempo reservado a “provas” e “ exames” e “24 horas semanais de aulas para o ensino de disciplinas e práticas educativas”); b) cumprimento dos “programas” elaborados para o período de trabalho escolar; c) formação moral e cívica do educando; d) atividades complementares de educação artística; e) instituição da orientação educativa e vocacional; f ) “freqüência obrigatória só podendo prestar exame final, em primeira época, o aluno que houver comparecido a no mínimo 75% das aulas dadas”. O artigo 39 trata da “apuração do rendimento escolar”, a cargo dos estabelecimentos de ensino, responsáveis pela expedição de “certificados de conclusão de séries e ciclos e diplomas de conclusão de cursos”. A “avaliação do aproveitamento do aluno” deveria levar em conta os resultados obtidos ao longo do ano escolar, “asseguradas ao professor, nos exames e provas, liberdade de formulação de questões e autoridade de julgamento”. Estes exames, por sua vez, deveriam ser “prestados perante comissão examinadora, formada por professores do próprio estabelecimento, e, se este fosse particular, sob fiscalização da autoridade competente”. Em todo o Título VII aparecem os termos “séries” e “ciclos”, determinado que “o ensino primário será ministrado, no mínimo, em quatro séries anuais” (art. 26), podendo durar até seis anos e iniciando os alunos “em artes aplicadas, adequadas ao sexo e à idade”. Quanto ao ensino médio, lembremos, seria divido em dois “ciclos”, o “ginasial” e o “colegial”. O colegial abrangeria o curso “secundário”. Uma preocupação comum a todas as leis, concebidas como “sistemas” normativos, é aquela com a “transferência” dos alunos. No caso de ela acontecer, seriam permitidas “adaptações”. Finalmente, o artigo 43 dispõe que “cada estabelecimento de ensino médio disporá em regimento ou estatutos sobre a sua organização, a constituição dos seus cursos e o seu regime administrativo, disciplinar e didático”. Era o espaço de autonomia concedido aos estabelecimentos. 82 A Lei 5.692/71 traz interessantes e sugestivos elementos inovadores quanto à organização do trabalho escolar. É importante ter presente que, àquela época, estava em voga a teoria do capital humano, e segundo ela se apregoava a importância da educação para o desenvolvimento econômico – era a época do denominado “milagre brasileiro” e as estatísticas educacionais eram pouco animadoras. Elevadas taxas de analfabetismo, insuficiência de cobertura escolar, elevados índices de evasão e repetência –com seus custos muito bem calculados – faziam a preocupação dos sistemas. Assim, por exemplo, no Estado de Santa Catarina, em 1969, se implantou uma nova legislação de ensino que propunha o fim das reprovações e repetências, introduzindo o “avanço progressivo”, modalidade de organização em que não mais haveria reprovação, a avaliação dos alunos devendo ser feita mais qualitativamente, seu histórico sendo registrado numa ampla folha corrida de avaliação escolar. Dentro deste espírito, podem-se registrar no texto da lei as seguintes disposições: 1) Os estabelecimentos de ensino deveriam ser criados ou reorganizados “sob critérios que assegurem a plena utilização dos seus recursos materiais e humanos, sem duplicação de meios para fins idênticos ou equivalentes”(artigo 2º); 2) “A organização administrativa, didática e disciplinar de cada estabelecimento de ensino será regulada no respectivo regimento, a ser aprovado pelo órgão próprio do sistema, observadas as normas fixadas pelo respectivo Conselho de Educação (parágrafo único do artigo 2º); 3) A composição curricular, ao nível dos estabelecimentos, deveria levar em conta um “núcleo comum”, obrigatório nacionalmente, e uma “parte diversificada”, fixada regionalmente, que deveria atender às peculiaridades locais, aos planos dos estabelecimentos, inclusive “às diferenças individuais”, “conforme as necessidades e possibilidades concretas” (artigo 4º ); 4) Instituía o conceito de “currículo pleno”, significando com isso a articulação, ao nível de cada unidade de ensino, das “disciplinas, áreas de estudo e atividades”, nas quais as matérias de ensino fossem traduzidas didática ou pedagogicamente, tratando do seu “relacionamento, ordenação e seqüência” (artigo 5º); 5) O currículo deveria ser ordenado “por séries anuais de disciplinas ou áreas de estudo organizadas de forma a permitir, conforme o plano e as possibilidades do estabelecimento, a inclusão de opções que atendam às diferenças individuais dos alunos e, no ensino de 2º grau, ensejem variedade de habilitações”(artigo 8º ); 6) Admitia-se a organização semestral no ensino, tanto de 1º quanto de 2º graus, a matrícula por disciplina no 2º grau e, inclusive, que, em qualquer grau, pudessem se organizar “classes que reúnam alunos de diferentes séries e de equivalentes níveis de adiantamento, “para o ensino de línguas estrangeiras e de outras disciplinas, áreas de estudo ou atividades em que tal solução se aconselhe”(artigo 8º, parágrafos 1º e 2º); 7) Poder-se-ia dispensar “tratamento especial” aos portadores de deficiências físicas ou mentais, aos “que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula” e aos superdo83 tados, respeitadas as normas dos respectivos Conselhos de Educação; 8) Mantida a duração do ano e do semestre letivos em 180 e 90 dias, respectivamente, instituíam-se os períodos de “recuperação” para os alunos de aproveitamento irregular e, inclusive podem-se ministrar disciplinas, áreas de estudo ou atividades “em caráter intensivo” nos períodos de férias ou “entre os períodos letivos regulares”; 9) A verificação do rendimento escolar, sob responsabilidade dos estabelecimentos de ensino, deveria considerar a “avaliação do aproveitamento e a apuração da assiduidade”, sendo que, relativamente ao aproveitamento, “aspectos qualitativos” deveriam prevalecer sobre os “quantitativos”, introduzindo-se a expressão da avaliação por “menções” e não apenas “notas” e, mais importante talvez, 10) Poder-se-ia admitir, “verificadas as condições necessárias”, “a adoção de critérios que permitam avanços progressivos dos alunos pela conjugação dos elementos de idade e aproveitamento”; 11) Admitia-se a matrícula “com dependência de uma ou duas disciplinas” a partir da 7ª série; 12) Explicitava-se que o ensino de 1º grau se destinava à “formação da criança e do pré-adolescente, variando em conteúdo e métodos segundo as fases de desenvolvimento dos alunos”, enquanto o ensino de 2º grau era destinado “à formação integral do adolescente”; 13) Finalmente, o artigo 64, talvez o menos utilizado da lei, dispunha que os Conselhos de Educação poderiam autorizar “experiências pedagógicas, com regimes diversos dos prescritos na presente lei, assegurando a validade dos estudos assim realizados”. A leitura do texto legal sugere um esforço dos pedagogos responsáveis pela sua elaboração, por uma flexibilização das instituições educativas, de sorte a torná-las mais adaptáveis às necessidades e características dos formandos, em que pese uma grande ambivalência entre desenvolvimento integral e valoração dos aspectos cognitivos, pois não há uma definição do que sejam “aspectos qualitativos” a avaliar. Este quadro de busca de “flexibilização” da organização do trabalho escolar se repete na Lei n.º 9394/96, no Título V, capítulo II, Seção I, nas “disposições gerais” relativas à organização do trabalho escolar. Essas disposições são antecedidas por uma reafirmação da finalidade da educação básica: “desenvolver o educando, assegurarlhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (art. 22). Quanto à organização do trabalho escolar, cabe destacar as seguintes disposições: 1) Possibilidade de organização por séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados “com base na idade, na competência e em outros critérios, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar” (art.23); 2) Classificação dos alunos em qualquer série ou etapa, exce84 to a primeira do ensino fundamental, considerando promoção com aproveitamento na série ou fase anterior; por transferência para os alunos procedentes de outras escolas e até independentemente de escolarização anterior mediante avaliação feita pela escola, considerando o grau de desenvolvimento e experiência do candidato; 3) Formas de progressão parcial, quando seriada; 4) Organização de turmas ou classes com alunos de séries distintas, segundo o adiantamento na matéria; 5) Verificação do rendimento escolar com base em avaliação contínua e cumulativa, prevalência de aspectos qualitativos, possibilidade de aceleração de estudos, possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante a verificação do aprendizado, obrigatoriedade de estudos de recuperação. Registre-se, finalmente, que ao dispor sobre o ensino fundamental de maneira específica, a lei reitera o objetivo de “formação básica do cidadão”, através da “capacidade de aprender” pelo domínio da leitura, da escrita e do cálculo, o “desenvolvimento da capacidade de aprendizagem tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores”, reiterando, igualmente, a possibilidade de desdobrar o ensino fundamental em ciclos e o regime de progressão continuada (art.32, incisos I e III, e § 1º). Este foi um inventário das disposições normativas, materializadas nos textos legais, referentes à organização do trabalho escolar. Um texto de jornal (FSP, 18/9/97) traz matéria sucinta, mas ilustrativa. Nela são transcritas críticas aos artigos 23 e 24 da LDB, feitas pelo presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (SINDEEESP) que se refere aos dispositivos liberalizantes como a “lei de Gérson da educação”. Trata-se de uma reação a duas resoluções do Conselho Estadual de Educação daquela unidade da federação regulamentando a introdução dos ciclos e dando às escolas a possibilidade de classificar e reclassificar os alunos, com base em seu projeto pedagógico. Na matéria, o crítico se refere à LDB como a “constituição” da área educacional. Expostos os dispositivos “constitucionais” explicitados na lei, cumpre, então, aos cursistas, aprofundar a análise do tema, comentando os tópicos à luz das teorias pedagógicas apropriadas. Mas resta ainda um registro a fazer. 6.2 As portas da inovação Em todas as leis aparece uma disposição que merece, a meu ver, ser mais considerada. É a que trata da “experimentação”. Na Lei 4024/61 ela aparece assim: “Será permitida a organização de cursos ou escolas experimentais, com currículos, métodos e períodos escolares próprios, dependendo o seu funcionamento, para fins de validade legal, da autorização do Conselho Estadual de Educação, quando se tratar de cursos primários e médios, e do Conselho Federal de Educação, quando de cursos superiores ou de estabelecimentos de ensino primário e médio sob a jurisdição do Governo Federal”(Artigo 104). 85 A Lei 6692/71 se expressa assim: “Os Conselhos de Educação poderão autorizar experiências pedagógicas, com regimes diversos dos prescritos na presente lei, assegurando a validade dos estudos assim realizados” (Artigo 64). Esta possibilidade permanece na Lei 9394/96 com o seguinte teor: “É permitida a organização de cursos ou instituições de ensino experimentais, desde que obedecidas as disposições desta lei” (Artigo 81). Não estará aqui um caminho a ser melhor explorado, rumo a uma mudança mais profunda da organização do trabalho, levando às últimas conseqüências as possibilidades de elaborar uma “proposta pedagógica” que leve em conta a singularidade de cada estabelecimento, situado social-historicamente em contextos sempre específicos? E não conduziria, esse caminho, a um conceito de “rede de ensino”, em substituição ao conceito de “sistema”, carregado de um peso burocratizante e homogeneizador inegável? ATIVIDADES SUGERIDAS 1. Releia atentamente a primeira parte deste módulo. Levante todos os pontos com os quais você está de acordo. Faça o mesmo com os pontos com os quais está em desacordo. Debata-os com seus colegas de trabalho e/ou de curso. Destaque os pontos que gostaria de ver numa lista de discussão (via internet). 2. Comente as disposições sobre a organização do trabalho educativo, tais como propostos pela atual LDB à luz das propostas avançadas por Michel Lobrot. 3. Faça uma pesquisa sobre experiências de mudança em educação. Levante bibliografia a respeito. Por exemplo: Paulo Freire em “A Educação na Cidade”, ou os livros de Celestin Freinet, ou os exemplares da coleção publicada pelo Ministério da Educação e do Desporto, na série “INOVAÇÕES”, como, por exemplo, o volume intitulado Escola Plural: proposta político-pedagógica. 4. Troque idéias com seus colegas sobre as diferentes mudanças vividas por cada um em sua rede de ensino. Quantas experiências de mudança já foram vividas? Quais as características de cada uma delas? Quais, de seu ponto de vista, as mudanças aceitáveis e as não aceitáveis? Por quê? 5. Faça uma relação das mudanças que você recomendaria em sua escola, notadamente nas relações entre professores e alunos, no processo de aprendizagem e ensino. Faça um balanço da sua experiência como educador(a), destacando, se for o caso, as diferenças em cada nível ou modalidade de ensino ou educação. 7 A formação dos quadros docentes 7.1 Os docentes: protagonistas de um novo projeto 86 ou força-auxiliar do sistema? Certamente um dos ramos mais antigos do sistema de ensino brasileiro seja o da formação de “normalistas”. As escolas normais, de fato, vêm do século XIX, e as “normalistas” são decantadas em prosa e verso. Há até um romance de Inglês de Sousa cujo título é A Normalista. Mas, deixando de lado uma certa visão romanceada da profissão e de suas (ou seus) profissionais, elas e eles exercem uma função vital na sociedade: a formação das gerações. O crescimento das redes, sua expansão espetacular trouxe professoras e professores a uma situação sócio-econômica tipicamente proletarizada. Longe está a época em que “chopim” era a denominação maliciosa de marido de professora (invejavelmente remunerada, em termos relativos!). Como quer que seja, a categoria se ampliou, se proletarizou (ou foi proletarizada), ao mesmo tempo em que se organizou, se associou, se sindicalizou, e passou a ser um ator coletivo dentro do “sistema educacional”. Já foi visto, na segunda parte deste trabalho, como, no Título IV, ao dispor sobre a “organização da educação nacional”, a Lei 9394/96 inicia pelas responsabilidades da União, desce pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, para “aterrissar” nos estabelecimentos (Artigo 12) e, dentro deles, desembocar nos professores (Artigo 13). O texto da lei, plenamente verticalista, isto é, situando numa posição “de cima para baixo”, passa aos professores as atribuições operativas de: 1) “participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; 2) elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; 3) zelar pela aprendizagem do aluno; 4) estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; 5)ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; 6) colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade”. Registre-se, entretanto, que, através de suas entidades representativas, os professores estiveram presentes em todos os momentos da elaboração da atual legislação, dentro do Fórum das Entidades, combatendo pelo seu projeto de lei, contrapondo-se ao projeto oficial que, ao termo, acabou prevalecendo. Mas o objetivo desta unidade é tratar da formação dos docentes. Lembremo-nos de que a primeira Lei Orgânica do Ensino Normal saiu em 1946, ao término da ditadura varguista, juntamente com a Lei Orgânica do Ensino Primário. Uma coisa e outra estiveram, desde então, associadas. 7.2 A formação docente na primeira LDB Na Lei 4024/61, a formação docente é tratada no Capítulo IV, do Titulo VII que, vale lembrar, tratava do ensino médio. Sob o título “Da formação do Magistério para o Ensino Primário e Médio” dispu87 nha que: I) a formação de professores, orientadores, supervisores e administradores escolares destinados ao ensino primário, bem como o “desenvolvimento dos conhecimentos técnicos ”relativos à educação da infância seriam a finalidade do ensino normal; II) essa formação poder-se-ia dar em “escola normal de grau ginasial”, com quatro anos, com disciplinas próprias do ginásio acrescidas de “preparação pedagógica”, ou em “escola normal de grau colegial”, estas com três séries anuais, “no mínimo”, em prosseguimento ao ginasial; III) as escolas normais de grau ginasial formariam os “regentes de ensino primário”, enquanto as de grau colegial formariam os “professores primários”; IV) os “institutos de educação” (instituição importante na história da educação brasileira) poderiam oferecer, além dos cursos de formação acima mencionados (de regente e de professor primário), cursos de especialização, de administradores escolares e de aperfeiçoamento, abertos aos graduados em escolas normais de grau colegial; V) a formação dos professores para o ensino médio seria feita nas “faculdades de filosofia, ciências e letras”, enquanto os professores para as disciplinas específicas do ensino médio técnico seria feita em “cursos especiais de formação técnica”; VI) finalmente, dispunha que “nos institutos de educação poder(iam) funcionar cursos de formação de professores para o ensino normal, dentro das normas estabelecidas para os cursos pedagógicos das faculdades de filosofia, ciências e letras”. Especialistas ou generalistas: O que você pensa sobre essa questão? A formação dos “orientadores de educação” e dos “inspetores” era tratada à parte. E foi nesse contexto que começaram a surgir as Faculdades de Educação e os Cursos de Pedagogia (mas, isto é outra história). 7.3 A era dos “especialistas” A lei 5692/71 trata da formação docente no Capítulo 5, “Dos Professores e Especialistas”. E dispunha que tal formação: I) fosse feita “em níveis que se elev(ass)em progressivamente, II) ajustando-se as diferenças culturais de cada região; III) com orientação que atende(sse) aos objetivos específicos de cada grau, às características das disciplinas, áreas de estudo ou atividades e “as fases de desenvolvimento dos educandos”; IV) requeria-se mínimo de 2º grau para atuar de 1ª a 4ª séries do 1º grau, e habilitação específica para atuar no 2º; V) previa-se a possibilidade de uma “licenciatura de primeiro grau” (para atuar da 1º à 8ª série, a ser ministrada em “cursos de curta duração); VI) finalmente, “habilitação específica obtida em curso superior de graduação”, correspondente a “licenciatura plena”, em todo o ensino de 1º e de 2º graus. As licenciaturas deveriam ser ministradas “nas universidades 88 e demais instituições que mantenham cursos de duração plena”. Os especialistas, entendendo-se como tais “administradores, planejadores, orientadores, inspetores, supervisores de demais...”, eram formados em curso superior de graduação, com duração curta ou plena, ou de pós-graduação. Completam o quadro geral (afora detalhes que não vêm ao caso, neste momento) as seguintes disposições: I) os sistemas de ensino deveriam estimular, mediante planejamento apropriado, o aperfeiçoamento e atualização constantes dos seus professores e especialistas de Educação; II) a remuneração dos professores e especialistas deveria ser fixada “tendo em vista a maior qualificação em cursos e estágios de formação, aperfeiçoamento ou especialização, sem distinção de graus escolares”; III) os formados em grau superior deveriam, para poder exercer o magistério ou a especialidade pedagógica, obter o “registro profissional” em órgão do Ministério da Educação. 7.4 Na república dos professores A Lei 9394/96 atualiza essa temática. E o faz destacando-a num título específico, o Título VI, onde dispõe sobre “os profissionais da educação”, designação já por si sugestiva, ao apelar para o “profissionalismo”, por contraste com o romantismo pregresso. Esta Lei (Artigo 61) deve “atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando”, tendo como fundamentos: I – a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço; II – aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades. O nível da formação docente para atuar na “formação básica” (ou seja: na educação infantil, fundamental e média) “far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal” (art. 62). De acordo com a lei (a prática é outra história), portanto, a formação “na modalidade Normal” passa a ter seus dias contados, uma vez que se preconiza, clara e abertamente, a “formação em nível superior”. Por outro lado, essa formação “em nível superior” pode-se dar tanto em universidades (e por conseqüência, nas Faculdades de Educação e seus cursos de Pedagogia) quanto em “institutos superiores de educação”. A lei, portanto, resgata a figura dos Institutos de Educação, porém, não mais ao nível médio. Agora, ao “nível superior”. E cria uma figura institucional para concorrer com as Faculdades de Educação e com os cursos de Pedagogia. As disposições legais (artigos 64, 65 e 66) determinam ainda que: I) a formação de profissionais da educação para a administra89 ção, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, seja feita em cursos de graduação em Pedagogia, ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino; II) essa formação deve ter “uma base comum nacional”; III) deve incluir “prática de ensino” de no mínimo trezentas horas; IV) a preparação para o magistério superior deve se fazer em nível de pós-graduação, prioritariamente em mestrado ou doutorado. E se reitera a necessidade de “valorização dos profissionais da educação” (artigo 67). Esta se concretizará pela inserção, nos planos de carreira e nos estatutos, das seguintes disposições: los; I) ingresso “exclusivo” por concurso público de provas e títu- II) aperfeiçoamento profissional continuado, “inclusive com licenciamento remunerado para esse fim”; III) progressão funcional baseada na titulação ou habilitação “E” na “avaliação do desempenho”; IV) período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; V) condições adequadas de trabalho; VI) exigência da experiência docente ”como pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério.” Certamente tem-se, no caso, o reflexo das lutas dos “profissionais da educação” auto-instituídos, no processo social-histórico brasileiro, como atores e co-autores das instituições educativas, mais que meros agentes ou executantes das disposições da burocracia educacional e estatal. O que, evidentemente, não significa que se haja chegado à perfeição, situação social-histórica jamais realizável, mas sempre a ser buscada e conquistada como projeto de cada categoria profissional, atenta certamente a seus interesses corporativos legítimos, e sem perder de vista os interesses e as condições da sociedade como um todo, para evitar cair no “materialismo sórdido” de um corporativismo cego e carreirista que K. Marx tanto critica na sua crítica à teoria do Estado de Hegel. Mas, voltemos ainda um pouco à problemática da formação docente. 7.5 O conflito, a violência e o que está em jogo A preocupação com as condições precárias do sistema escolar brasileiro, com seus déficits de quantidade e, agora, sobretudo, de qualidade, levou os legisladores a instituírem a Década da Educação (Título IX – Das Disposições Transitórias). E entre outras disposições (elaboração de um Plano Nacional de Educação; recenseamento dos educandos no ensino fundamental especialmente os grupos de sete a quatorze e quinze a dezesseis anos; prover cursos presenciais ou a distância para jovens e adultos insuficientemente escolarizados; integração de todos os estabelecimentos de ensino fundamental do território brasileiro ao sistema nacional de avaliação do rendimento escolar; progressão das redes escolares públicas 90 urbanas de ensino fundamental para o regime de escolas de tempo integral), determina: I – A determinação de que a formação dos profissionais da educação básica aconteça em nível superior deve, certamente, ser saudada como um avanço. A instituição dos Institutos Superiores de Educação, porém, tem causado polêmica. E, em particular, a criação dos Cursos Normais Superiores e a imposição de sua “exclusividade” na formação, conforme o texto inicialmente editado do Decreto presidencial24. “Realizar programas de capacitação para todos os professores em exercício, utilizando também, para isto, os recursos da educação a distância” (artigo 87, parágrafo 3º, item III); e II – “até o fim da década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço”. (parágrafo 5º). Criou-se assim um compromisso de grande envergadura, pois o número de “funções docentes” no ensino fundamental (1ª a 8ª) era, em 1998, equivalente a 2.129.274. E tomando por base que a cada função docente corresponderia um professor, as estimativas são de que haveria 29.458 professores em educação infantil precisando de formação de nível médio (e/ou superior); para as quatro primeiras séries, seriam 94.976 docentes precisando de formação de nível médio (normal) ou superior; nas últimas quatro séries, seriam 159.883 os docentes carecendo de formação em nível superior.25 Trata-se de um contingente superior a 300.000 docentes. E como não pode haver mágica que dispensa a formação, o compromisso implica investimentos maciços nos programas de formação de professores, nas Faculdades de Educação, nos cursos de Pedagogia, notadamente nas universidades públicas, onde se concentram os maiores contingentes de especialistas pós-graduados, ao longo de cinqüenta anos de pós-graduação. Evidentemente, esse custo diminui se a formação for “barateada” e, sobretudo, se for realizada pelas instituições privadas, evidentemente custeadas pelos próprios professores do ensino fundamental com seus salários. Isso representaria, por certo, uma reedição, ao final do século, da estratégia dos governos militares, que consistiu em viabilizar a expansão das matrículas no ensino superior incentivando o setor privado a investir nesse nível de ensino, privatizando-o em 60% das matrículas, conforme os dados do Plano Nacional de Educação, já citado. No bojo do processo de democratização da sociedade, e da própria educação, foi uma violência sem par a subtração da elaboração das normas sobre a formação docente e os Instututos Superiores de Educação, das Comissões de Especialistas que o MEC costuma consultar, e, mais que isso, sua subtração ao Conselho Nacional de Educação, onde estavam para ser estabelecidas, nos termos das competências institucionais, e indo diretamente à Presidência da República para ser implantada por decreto, o Decreto nº 3.276 de 06/12/99. E exatamente na véspera de sua apreciação pelo plenário do Conselho Nacional de Educação, diante dos educadores de todo o país e de toda a sociedade. A posterior correção, substituindo o termo “exclusivamente” por “preferencialmente”, corrige uma injustiça, mas não desfaz a mancha autoritária que continua marcando o documento e sua legitimidade. O que este em jogo? Para a contundência da ação governamental, certamente não é pouca coisa. Não basta a atenção ao “dizer” da lei, é sempre preciso estar atendo ao “fazer” dos administradores e intérpretes da lei, pois conhecemos a cruel separação entre “valores proclamados” e “valores reais”, ou executados. 25 Plano Nacional de Educação, apresentação de Vital didonet. Brasília: Editora Plano, 2001, p. 152. 24 91 A criação dos Institutos Superiores de Educação certamente não precisa ser apenas isso, pois os espaços de formação docente podem ser repensados, recriados, reestruturados, ainda há muitos desafios a superar. Pode-se aceitar a idéia de “constituição de todo um novo ambiente institucional, mais propício à renovação das práticas necessárias à formação dos docentes”26, mas não podem ser inferiores em instalações e quadros docentes às Faculdades de Educação e seus cursos de Pedagogia, com tradição e experiência acumuladas historicamente. Entretanto, a Resolução CP nº 1, de 30 de setembro de 1999, admite um corpo docente com “pelo menos 10% (dez por cento) com titulação de mestre ou doutor” e “1/3 (um terço) em regime de tempo integral”. (artigo 4°, parágrafo 1º, itens I e II). Pelo Parecer n.º CP 10/2000, de maio de 2000, o Conselho Nacional de Educação aprovou a substituição da expressão “exclusivamente” por “preferencialmente”, mitigando a situação criada pelo Decreto nº 3.276, de dezembro de 1999. Mas não marcou posição contra a iniciativa do decreto que, autoritário, usurpou as competências do próprio Conselho e feriu de morte o conceito de democracia no processo formativo, dando um exemplo de educação autoritária exatamente aos futuros formadores. O gesto autoritário do Presidente da República valeu, por enquanto, apenas para aquela categoria que mais se tem afirmado como sujeito social-histórico na instituição da sociedade e da educação brasileiras... Será possível, algum dia, uma educação democrática sem formar os docentes para tal sociedade e tal educação? Um projeto legislativo, negociado com as bancadas oposicionistas, tramita no Congresso Nacional objetivando desfazer tamanho acinte à democracia e à formação. Seu resultado certamente depende da mobilização da categoria que está desafiada a “educar o educador presidente”. Estes esclarecimentos são importantes, pois os educadores e educandos não podem estar alienados em relação a tais questões, vitais para seu próprio processo “formativo”, e não apenas “qualificativo” ou “certificativo”. Mas, para não destacar apenas o lado negativo, é importante ressaltar o que se destaca nos trabalhos sobre a formação docente, como ponto, a meu ver, positivo: i) a instituição de mecanismos de entendimento das instituições formadoras com os sistemas de ensino para assegurar o desenvolvimento da parte prática da formação em escolas de educação básica; ii) a organização da parte prática da formação com base no projeto pedagógico da escola em que vier a ser desenvolvida (propiciando o diálogo entre ambas as instituições); iii) a supervisão da parte prática da formação através de seminários multidisciplinares; iv) a participação da escola na avaliação dos formandos em sua parte prática; v) a preocupação com a articulação entre teoria e prática, valorizando o exercício da docência; vi) a preocupação com a articulação entre as áreas de conhecimento ou disciplinas; Diretrizes Gerais para os Institutos Superiores de Educação. Parecer n.º CP 53/99, do Conselho Nacional de Educação. 26 92 vii) o aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e na prática profissional; viii) a preocupação com a ampliação dos horizontes culturais e o desenvolvimento da sensibilidade para as transformações do mundo contemporâneo. Abre-se uma nova perspectiva para a formação docente, apesar dos pesares. Resta exigir que os Poderes Públicos não passem essa responsabilidade ao setor privado, deixando os docentes à mercê dos interesses do capital lucrativo. E resta que as instituições formadoras públicas sejam corajosas no enfrentamento das inovações propostas e de seus desafios, assumindo a iniciativa e a liderança do processo, ocupando os espaços que são seus e, a partir deles, lutando pelos recursos indispensáveis. ATIVIDADES SUGERIDAS 1. Leia os Pareceres CP 53/99; CP 115/99; CP 10/2000. Destaque os pontos com os quais você concorda e com os quais discorda. Debata-os com colegas de trabalho. Elabore um texto com a exposição de suas considerações e conclusões. (Você encontra os textos na internet: , e, a partir daí, localizando o Conselho Federal de Educação. 2. Leia o Plano Nacional de Educação, no item IV –MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA. Elabore um texto com suas análises e seus comentários, após discutir com colegas de trabalho. 3. Aprofunde o estudo e a discussão sobre os conceitos de “qualificação” e “formação” docente. Que significa cada um dos termos quando considerados na sua profundidade conceitual? 4. Apanhe os documentos com o currículo do seu curso de formação, analise-o, considerando, por um lado, sua concepção teórica e, por outro, a maneira como vem sendo realizado. 5. Procure repensar sua formação, desde seu início. Faça uma espécie de “memorial”, destacando aquilo que você considera inesquecível, por ter gostado e/ou por ter desgostado profundamente. O que te fez crescer, o que te feriu, apequenou. Qual seria, para você, o perfil do “professor(a) inesquecível”? 93 Bibliografia BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto nº 3.276, de 06.12.1999. Dispõe sobre a formação em nível superior de professores para atuar na educação básica, e dá outras providências. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CP nº 1, de 30.09.99. Dispõe sobre os Institutos Superiores de Educação, considerados os artigos 62 e 63 da Lei 9.394/96 e o artigo 9º, parágrafo 2º, alíneas “c” e “h” da Lei 4.024/61, com a redação dada pela Lei 9.131/95. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer nº CP 115/99, aprovado em 10/08/99. Diretrizes Gerais para os Institutos Superiores de Educação”. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Proposta de Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica, em Cursos de Nível Superior. Brasília: MEC, maio/2000. (Endereço eletrônico: www. mec.gov.br). BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CEB nº /2001, de ../../...(Processo). Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da Educação Básica em Nível Superior (Relator: Carlos Roberto Jamil Cury). BRZEZINSKI, Iria. A formação do Professor para o Início da Escolarização. Goiânia: Editora UCG, 1987. MARQUES, Mário Osório. Formação do Profissional da Educação. 3. ed. At. Ijuí, RS: Ed. UNIJUÍ, 2000. NÓVOA, Antonio (org.). Profissão: professor. Porto: Porto Editora, 1991. RIBEIRO, Antônio Carrilho. Formar professores: elementos para uma teoria e prática da formação. 4. ed. Lisboa: Texto Editora, 1993. BERNARDO, Maristela Veloso Campos (et al.). Pensando a educação: ensaios sobre a formação do professor e a política educacional. São Paulo: Editora da UNESP, 1989. SILVA, Waldeck Carneiro da. (org.). Formação dos Profissionais da Educação: o novo contexto legal e os labirintos do real. Niterói, RJ: EdUFF, 1998. 94 95