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Introduçao A Mecanica Quantica

notas de aula, exercicios resolvidos (em portugues)

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Módulo 1 Volume Raul José Donangelo Rodrigo Barbosa Capaz Introdução à Mecânica Quântica 2 Introdução à Mecânica Quântica Volume 2 - Módulo 1 Apoio: Raul José Donangelo Rodrigo Barbosa Capaz Fundação Cecierj / Consórcio Cederj Rua Visconde de Niterói, 1364 – Mangueira – Rio de Janeiro, RJ – CEP 20943-001 Tel.: (21) 2334-1569 Fax: (21) 2568-0725 Presidente Masako Oya Masuda Vice-presidente Mirian Crapez Coordenação do Curso de Física Luiz Felipe Canto Material Didático ELABORAÇÃO DE CONTEÚDO ELABORAÇÃO DE CONTEÚDO Raul José Donangelo Cristine Costa Barreto Nasceu em Montevidéu, Uruguai, em 1947. Formou-se como Engenheiro Industrial na Universidad de la República, em Montevidéu, em 1971. Doutorou-se em Física pela University of Califórnia, em Berkeley em 1977. Vem trabalhando no Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro desde 1978, desde 1994 como Professor Titular. Suas principais áreas de pesquisa são a Física Nuclear Teórica e a Física de Sistemas Complexos. É bolsista de pesquisa do CNPq desde 1980, desde 1993 no nível 1A. DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL E REVISÃO Rodrigo Barbosa Capaz Raul José Donangelo Rodrigo Barbosa Capaz COORDENAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL Marcelo Bastos Matos Patrícia Alves COORDENAÇÃO DE AVALIAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO Débora Barreiros AVALIAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO Possui graduação em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1989), mestrado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1991) e Ph.D. em Física pelo Massachusetts Institute of Technology MIT (1996). Prêmios: Guggenheim Fellow (2003) e Young Scientist Award TWAS-ROLAC (2007, menção honrosa). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Física, com ênfase em Física da Matéria Condensada, atuando principalmente nos seguintes temas: nanotubos de carbono, semicondutores e superfícies. Letícia Calhau Departamento de Produção EDITORA PROGRAMAÇÃO VISUAL Tereza Queiroz Sanny Reis REVISÃO TIPOGRÁFICA ILUSTRAÇÃO Cristina Freixinho Elaine Bayma Patrícia Paula Jefferson Caçador COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO Jorge Moura CAPA Copyright © 2008, Fundação Cecierj / Consórcio Cederj Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Fundação. D676i Donangelo, Raul José. Introdução à mecânica quântica. v. 2 / Raul José Donangelo; Rodrigo Barbosa Capaz. – Rio de Janeiro Fundação CECIERJ, 2009. Jefferson Caçador 162p.; 21 x 29,7 cm. PRODUÇÃO GRÁFICA ISBN: 978-85-7648-543-8 Andréa Dias Fiães Fábio Rapello Alencar 1. Mecânica quântica. 2. Barreiras de potêncial. 3. Poço infinito e infinito. 4. Oscilador harmônico. 5. Equação de Schrödinger. I. Capaz, Rodrigo Barbosa. II. Título. CDD:530.12 2009/1 Referências Bibliográficas e catalogação na fonte, de acordo com as normas da ABNT. Governo do Estado do Rio de Janeiro Governador Sérgio Cabral Filho Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia Alexandre Cardoso Universidades Consorciadas UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO Reitor: Almy Junior Cordeiro de Carvalho UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Reitor: Aloísio Teixeira UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Reitor: Ricardo Vieiralves UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO Reitor: Ricardo Motta Miranda UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Reitor: Roberto de Souza Salles UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Reitora: Malvina Tania Tuttman Introdução à Mecânica Quântica SUMÁRIO Volume 2 - Módulo 1 Aula 11 – A barreira de potencial: casos E < V0 e E > V0 _____________________ 7 Raul José Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz Aula 12 – Barreira de potencial: exemplos e aplicações ____________________ 19 Raul José Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz Aula 13 – O poço de potencial finito__________________________________ 31 Raul José Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz Aula 14 – O poço de potencial infinito ________________________________ 45 Raul José Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz Aula 15 – O oscilador harmônico ____________________________________ 59 Raul José Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz Aula 16 – Exercícios ______________________________________________ 73 Raul José Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz Aula 17 – Separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas 1. Partícula livre e caixa de potencial tridimensional ______________ 83 Raul José Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz Aula 18 – Separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas 2. Partícula numa caixa cúbica e num potencial harmônico tridimensional ________________________________ 97 Raul José Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz Aula 19 – O operador momento angular ______________________________ 109 Raul José Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz Aula 20 – O átomo de hidrogênio____________________________________127 Raul José Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz Aula 21 – Exercícios ______________________________________147 Raul José Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz Referências ___________________________________________161 11 AULA A barreira de potencial: casos E < V0 e E > V0 Meta da aula objetivos Aplicar o formalismo quântico ao caso de uma partícula que incide sobre uma barreira de potencial, em que a energia potencial tem um valor 0 para x < 0 e para x > a, e um valor V0 > 0 para 0 < x < a. • mostrar que, no caso de a energia E da partícula ser menor do que a altura da barreira, existe a possibilidade de a partícula atravessar a barreira (efeito túnel), em contraste com o comportamento de uma partícula clássica; • comprovar que, no caso de a energia E da partícula ser maior do que a altura da barreira, existe a possibilidade de a partícula ser refletida, o que também está em contraste com as previsões clássicas; • aplicar as regras da mecânica quântica para calcular as probabilidades de reflexão e transmissão em cada caso. Pré-requisitos Para uma melhor compreensão desta aula, é importante que você revise as Aulas 8 e 9 desta disciplina e, também, os conceitos de reflexão e transmissão de ondas na interface entre duas regiões com índices de refração diferentes (Aula 6 de Física 4A). Introdução à Mecânica Quântica | A barreira de potencial: casos E < V0 e E > V0 A BARREIRA DE POTENCIAL Barreiras de potencial são muito comuns no dia-a-dia. Pense em um carro de montanha-russa prestes a subir uma ladeira. Ele somente chegará ao cume se tiver energia cinética suficiente para vencer a barreira de energia potencial gravitacional imposta pela ladeira. Caso contrário, será refletido pela barreira, movimentando-se no sentido oposto ao inicial. Na Física Quântica, a transmissão e a reflexão de partículas por barreiras de potencial são também muito importantes, sendo responsáveis por diversos fenômenos interessantes e aplicações práticas. Trataremos o caso de uma partícula quântica de massa m que incide sobre uma barreira, definida pelo seguinte perfil de energia potencial: V (x) = 0, x < 0 V (x) = V0 , 0 < x < a V (x) = 0, (11.1) x>a em que o valor de V0 é positivo. Esta barreira está mostrada na Figura 11.1. A energia potencial V0 define a altura da barreira e a distância a define sua largura. Trata-se de um modelo bastante simplificado para as barreiras reais, conhecido como “barreira retangular”. No entanto, veremos que é possível extrair deste modelo simples todos os comportamentos físicos mais relevantes, e que são comuns a todas as barreiras de potencial existentes na natureza, com a vantagem de que a barreira retangular apresenta uma simplicidade matemática muito maior. V E > V0 V0 E < V0 m 0 a x Figura 11.1: Uma partícula quântica de massa m que incide sobre uma barreira de potencial. A figura mostra os dois casos possíveis: E < V0 (energia menor que a altura da barreira) e E > V0 (energia maior que a altura da barreira). 8 CEDERJ MÓDULO 1 AULA 11 SOLUÇÃO DA EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER NAS REGIÕES x<0Ex>a Pelos mesmos argumentos utilizados para a partícula livre e para o degrau de potencial, sabemos que não existe solução se a energia total da partícula for negativa. Portanto, podemos considerar apenas a situação em que E > 0. Nas regiões x < 0 e x > a, a partícula se movimenta livremente, de modo que a solução geral da equação de Schrödinger nessas duas regiões é dada por: ψ (x) = Aeikx + Be − ikx , x < 0 ψ (x) = Ceikx + De − ikx , x > a (11.2) em que A, B, C e D são constantes, em geral complexas, e, da mesma forma que nas Aulas 8 e 9, o vetor de onda é k = 2mE h. Também como nas Aulas 8 e 9, vamos considerar a situação em que a partícula incide sobre a barreira de potencial pelo lado esquerdo, como indicado na Figura 11.1. Nesse caso, do lado direito, não teremos uma onda se propagando para a esquerda, e portanto D = 0 na Equação (11.2). Como no caso do degrau de potencial, o coeficiente A representa a amplitude da onda de probabilidade incidente, B a da refletida e C a da transmitida, todas com o mesmo valor do vetor de onda k e, portanto, o mesmo valor do comprimento de onda de de Broglie. A densidade de corrente de probabilidade j será constante, como em todos os casos estacionários, e terá como valor: ( 2 j = vg A − B 2 )=v 2 g C , (11.3) em que, como definido anteriormente, v g = hk / m é a velocidade da partícula, ou velocidade de grupo. De forma análoga ao caso do degrau de potencial, podemos definir os coeficientes de reflexão R e de transmissão T como: R= B 2 A 2 , T= C 2 A 2 , (11.4) em que foi utilizado o fato de vg ser a mesma do lado direito e do esquerdo da barreira, diferentemente do que aconteceu no estudo do degrau de potencial. CEDERJ 9 Introdução à Mecânica Quântica | A barreira de potencial: casos E < V0 e E > V0 Até agora, estudamos a solução da equação de Schrödinger nas regiões x < 0 e x > a, e tudo que dissemos é válido tanto para o caso da energia total da partícula ser menor do que a altura da barreira, E < V0 , ou maior do que a mesma, E > V0. Para completar nosso estudo, teremos de buscar as soluções também na região interna à barreira, 0 < x < a. Para tanto, será necessário considerar separadamente os casos E < V0 e E > V0. Antes de iniciarmos, vamos lembrar mais uma vez o que acontece no domínio da Física Clássica, ou seja, para sistemas macroscópicos. No primeiro caso (energia menor que a barreira), a partícula clássica deveria ser simplesmente refletida pela barreira. Já no segundo caso (energia maior que a barreira), a partícula clássica passaria sem ser refletida, diminuindo sua energia cinética quando estivesse na região da barreira, mas recuperando sua velocidade inicial depois de atravessá-la. Mais uma vez, veremos que a Física Quântica nos leva a resultados diferentes dos previstos classicamente. SOLUÇÃO COMPLETA NO CASO 0 < E < V0 Lembrando que em 0 < x < a a energia potencial vale V(x) = V0 e definindo, como na Aula 8, K = 2m (V0 − E ) / h , escrevemos a solução da equação de Schrödinger na região da barreira: ψ (x) = Fe Kx + Ge − Kx , 0 < x < a (11.5) Combinando as Equações (11.2) e (11.5), podemos relacionar as constantes A, B, C, F e G pelas condições de continuidade de ψ(x) e de sua derivada nos pontos x = 0 e x = a. Para x = 0, encontramos: A+B=F+G ik(A – B) = K(F – G) . (11.6) Já para x = a, temos: Ceika = FeKa + Ge–Ka ikCeika = K(FeKa – Ge–Ka) . 10 CEDERJ (11.7) MÓDULO 1 11 Podemos eliminar F e G das Equações (11.6) e (11.7) e calcular AULA as relações B/A e C/A. O resultado, cuja obtenção sugerimos como uma exercício opcional, nos leva aos seguintes coeficientes de reflexão e transmissão:   4k2 K 2  R = 2 = 1 +  ( k2 + K 2 )2 senh2 ( Ka )  A   −1  ( k2 + K 2 )2 senh2 ( Ka )   T = 2 = 1 +   4k2 K 2 A   −1 B C 2 2 . (11.8) ATIVIDADES 1. Verifique, a partir da Equação (11.8), que R + T = 1. ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ RESPOSTA COMENTADA −1 a  b  Note que as expressões para R e T são da forma R = 1 +  e T = 1 +  a   b ( em que, nesse caso em particular, a = 4k K e b = k + K ) 2 2 2 2 = b a + = 1. a+b a+b 2 −1 senh2 ( Ka ) . Efetuando a soma de R e T, temos: −1 a   b R + T = 1 +  + 1 +  a  b  −1 2. Mostre que, no limite em que Ka >> 1, o coeficiente de transmissão se simplifica: T = 16k2 K 2 −2 Ka e . ( k2 + K 2 ) ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ CEDERJ 11 Introdução à Mecânica Quântica | A barreira de potencial: casos E < V0 e E > V0 RESPOSTA COMENTADA Partindo da Equação (10.8) e usando o resultado senh(x) = de modo que lim senh (x) = x→∞ ex − e− x , 2 ex , obtemos: 2  ( k2 + K 2 )2 e2 Ka   T ≈ 1 +   16k2 K 2   −1 ≈ 16k2 K 2 (k 2 +K ) 2 2 e −2 Ka . Note, portanto, que o coeficiente de transmissão, nessas condições, apresenta um decaimento exponencial com a largura da barreira. Perceba a relação entre esse resultado e o decaimento exponencial da probabilidade no degrau de potencial que discutimos na Aula 8 (veja a Equação (8.14)). Podemos, esquematicamente, mostrar a densidade de probabilidade correspondente à função de onda definida pelas Equações (11.2) e (11.5). O resultado pode ser visto na Figura 11.2. Na região à esquerda da barreira, vêem-se as oscilações resultantes da interferência entre as ondas incidente e refletida. Dentro da barreira, a densidade de probabilidade decai de forma aproximadamente exponencial com a distância. Finalmente, na região à esquerda, a densidade de probabilidade é constante, correspondendo à onda transmitida que se propaga nessa região. p V0 0 a x Figura 11.2: Densidade de probabilidade para uma partícula quântica incidente em uma barreira de potencial, vinda da esquerda com energia E < V0. 12 CEDERJ MÓDULO 1 11 O fato de o coeficiente de transmissão ter um valor diferente AULA de zero demonstra que uma partícula pode atravessar uma barreira de potencial que seria completamente intransponível se prevalecesse o ponto de vista da Mecânica Clássica! Esse fenômeno, que já foi mencionado no estudo do degrau de potencial, é chamado de penetração de barreira, ou efeito túnel, e aparece com frequência em vários ramos da Física, como veremos na próxima aula. SOLUÇÃO COMPLETA NO CASO E > V0 Neste caso, na região interna, a solução da equação de Schrödinger é dada por ψ (x) = Feik’ x + Ge − ik’ x , 0 < x < a, (11.9) em que, como no estudo do degrau de potencial, k ’ = 2m ( E − V0 ) / h,. Repetindo o tratamento de impor a continuidade de ψ(x) e da sua derivada nos pontos x = 0 e x = a, determinamos as constantes A, B, C, F e G. Eliminando F e G, calculamos B/A e C/A e podemos, a partir deles, calcular os coeficientes de reflexão e transmissão:   4k2 k′2  R = 2 = 1 + 2 2 2 2  A ′ ′   ( k − k ) sen ( k a )  B 2 −1 −1  ( k2 − k′2 )2 sen2 ( k′a )   . T = 2 = 1 +   4k2 k′2 A   C 2 (11.10) ATIVIDADE 3. Verifique que os valores de R e T da Equação (11.10) satisfazem a relação de conservação da densidade de fluxo de probabilidade, R + T = 1. ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ CEDERJ 13 Introdução à Mecânica Quântica | A barreira de potencial: casos E < V0 e E > V0 RESPOSTA COMENTADA   As expressões para R e T no caso E > V0 também são da forma R = 1 +   b a b  −1 −1 e T = 1 +  , exatamente como no caso E < V0 , de modo que a a  relação R + T = 1 fica automaticamente demonstrada. A Equação (11.10) mostra que o coeficiente de transmissão T é em geral menor do que 1, o que difere do resultado clássico em que T = 1 quando E > V0. Em outras palavras, uma partícula quântica que incide sobre uma barreira de potencial com uma energia maior que a altura da barreira pode ser refletida! Por outro lado, vemos que T = 1 ocorre quando k’a = nπ, em que n é um número inteiro positivo. Assim, a partícula é transmitida com 100% de probabilidade, quando a espessura da barreira é igual a um múltiplo inteiro da metade do comprimento de onda para a partícula dentro da barreira, λ’ = 2π/k’. Esse é um fenômeno de interferência quântica análogo ao que acontece na ótica ondulatória com lâminas de espessura igual a meio comprimento de onda (ou múltiplos deste valor) da radiação eletromagnética incidente: toda a radiação é transmitida nesse caso. Esse fenômeno está relacionado ao efeito Ramsauer, que discutiremos futuramente. A Figura 11.3 mostra a densidade de probabilidade no caso E > V0. Note que, além do padrão de interferência entre as ondas incidente e refletida na região x < 0 (que já aparecia no caso E < V0), também surgem oscilações desse tipo na região da barreira, porém com um comprimento de onda maior. p V0 0 a x Figura 11.3: Densidade de probabilidade para uma partícula quântica incidente em uma barreira de potencial, vinda da esquerda com energia E < V0. 14 CEDERJ MÓDULO 1 11 Vale a pena verificar que, para E = V0 , as expressões (11.8) e AULA (11.10) coincidem, o que significa que o gráfico de R ou T como função da energia é contínuo. Vamos verificar este resultado na Atividade 4. ATIVIDADE 4. Mostre que, na situação limite E = V0 , tanto a Equação (11.8) como a −1  mV0 a2  (11.10) levam a T =  1 + . 2h2   _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ RESPOSTA COMENTADA Partindo da Equação (11.8), observamos que o limite E = V0 corresponde a K = 0. Assim, precisamos inicialmente tomar o limite: 2  e Ka − e − Ka  2 . lim senh2 (Ka) = lim   = (Ka) Ka →0 Ka →0 2   Substituindo esse resultado na Equação (11.8) com K = 0, temos:  k4 K 2 a2  T = 1 +  4k2 K 2   −1  k2 a 2  = 1 +  4   −1 −1  mV0 a2  = 1 +  . 2h2   Partindo agora da Equação (11.10), o limite E = V0 corresponde agora a k’ = 0. Sabendo também o limite lim sen2 (k′a) = (k′a)2 , obtemos o k′a →0 valor limite para o coeficiente de transmissão:  k4 k′2 a2  T = 1 +  4k2 k′2   −1  k2 a 2  = 1 +  4   Observe que o número adimensional −1 −1  mV0 a2  = 1 +  . 2h2   mV0 a2 mede a opacidade da 2h2 barreira. Quanto maior esse número, menor será o fluxo de probabilidade que atravessar a barreira. Perceba como é razoável que esse número seja tanto maior quanto maior for a altura da barreira V0 , sua largura a e a massa da partícula m. CEDERJ 15 Introdução à Mecânica Quântica | A barreira de potencial: casos E < V0 e E > V0 Na Figura 11.4, mostramos, de forma esquemática, o comportamento dos coeficientes de transmissão e reflexão como função de E/V0. Perceba a existência de probabilidade de transmissão para E < V0 (tunelamento). Note ainda as oscilações no coeficiente de transmissão para E > V0 , dando T = 1 para alguns valores bem precisos de energia, como discutimos anteriormente. ReT 1 T 0,5 R 1 E / V0 Figura 11.4: Coeficientes de transmissão e reflexão de uma partícula quântica por uma barreira de potencial. Consideramos mV0 a2 = 1 , o que dá um 2h2 coeficiente de transmissão igual a 0,5 quando E = V0 . CONCLUSÃO Vimos nesta aula, de maneira formal, como se comporta uma partícula quântica que incide sobre uma barreira de potencial. Mas nosso estudo desse assunto não termina aqui. Como dissemos, a Física é rica em exemplos, e os fenômenos descritos aqui são importantes e podem, inclusive, ser usados em aplicações práticas, como veremos na próxima aula. ATIVIDADES FINAIS 1. No caso considerado na Figura 11.4, ou seja, uma barreira de potencial mV0 a2 em que = 1 , calcule os valores de E/V0 para os quais a probabilidade de 2h2 transmissão é igual a 1. ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 16 CEDERJ MÓDULO 1 11 RESPOSTA COMENTADA ser satisfeita. Como k′ = 2m ( E − V0 ) h , temos: k′a = a 2m ( E − V0 ) h = nπ ⇒ Usando a condição AULA Para que o coeficiente de transmissão seja igual a 1, a relação k′a = nπ deve E n 2 π2 h 2 = 1+ . V0 2mV0 a2 mV0 a2 = 1 , obtemos: 2h2 E n 2 π2 = 1+ , em que n = 1, 2, 3 etc. V0 4 2. (a) Calcule o coeficiente de transmissão para um elétron de energia total igual a 2 eV, incidente sobre uma barreira de potencial de altura 4 eV e largura 10–10 m, usando a Equação (11.8) e, depois, usando a fórmula aproximada demonstrada na Atividade 2 desta aula. (b) Repita o cálculo para uma barreira com largura de 10–9 m. (Eisberg-Resnick, Problema 8, Capítulo 6). ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ RESPOSTA COMENTADA (a) Substituindo os valores numéricos nas fórmulas indicadas e lembrando que a massa do elétron vale 9,1 × 10–31 kg, obtemos T = 62%, usando a Equação (11.8), e T = 94%, usando a expressão aproximada obtida na Atividade 2. Note que, nesse caso, a barreira é bastante estreita, de modo que a probabilidade de tunelamento é alta. É por isso que não estamos no limite de validade da expressão da Atividade 2 desta aula (decaimento exponencial). (b) Já no caso de uma largura 10 vezes maior, o valor obtido com ambas as fórmulas é de T = 2,02 × 10–6. Veja como esse aumento na largura da distância causa uma redução drástica na probabilidade de tunelamento! Nesse caso, a expressão aproximada obtida na Atividade 2 é certamente válida. Esse exemplo tem conexões com o mecanismo de funcionamento do microscópio de tunelamento, que discutiremos na próxima aula. CEDERJ 17 Introdução à Mecânica Quântica | A barreira de potencial: casos E < V0 e E > V0 Vamos agora explorar a barreira de potencial no site http://perg.phys.ksu.edu/vqm/ AVQM%20Website/WFEApplet.html Selecione o modo Explorer no botão superior esquerdo (Mode). Escolha o número de regiões do potencial (Number of Regions) igual a 3. Escolha a largura da região central igual a 0,3 nm e o valor da energia potencial igual a 2,0 eV nessa região. Mantenha o potencial nas duas outras regiões igual a zero. Escolha 1,5 eV para a energia da partícula, assim você estará observando o efeito túnel. Selecione ainda as opções Connect from right to left, Right eigenfunction: Cexp(ikx) + Dexp(-ikx) e os coeficientes C = 1 e D = 0. Assim, estaremos simulando exatamente as situações descritas nesta aula. Outra opção interessante é clicar em Run, para observar a evolução temporal da função de onda e da densidade de probabilidade. Explore as diversas situações discutidas nesta aula. RESUMO Se uma partícula incide sobre uma barreira de potencial com energia menor ou maior que a altura do degrau, ela pode ser refletida ou transmitida. A transmissão no caso de energia menor que a barreira (efeito túnel) e a reflexão no caso de energia maior que a barreira são situações não previstas pela Mecânica Clássica. As probabilidades de transmissão e reflexão em cada caso são obtidas pelas leis da Mecânica Quântica. INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, vamos explorar diversos exemplos e aplicações da barreira de potencial, entre eles o microscópio de tunelamento, o diodo túnel, a emissão de partículas alfa e a fusão nuclear. 18 CEDERJ 12 AULA Barreira de potencial: exemplos e aplicações Meta da aula objetivos Discutir alguns exemplos e aplicações do efeito-túnel que podem ser modelados pela barreira de potencial, tais como o microscópio de tunelamento, a emissão de partículas alfa, a fusão nuclear e a emissão de elétrons por metais frios. • explicar como funciona um microscópio de tunelamento e a emissão de elétrons por metais frios; • analisar a emissão de partículas alfa pelos núcleos e a fusão nuclear; • identificar a importância conceitual e prática do efeito-túnel na Física. Pré-requisito Para uma melhor compreensão desta aula, é importante que você revise a Aula 11 desta disciplina. Introdução à Mecânica Quântica | Barreira de potencial: exemplos e aplicações O MICROSCÓPIO ELETRÔNICO DE VARREDURA POR TUNELAMENTO (STM): ENXERGANDO OS ÁTOMOS O físico americano Richard Feynman fez o seguinte questionamento: Se, por algum cataclisma, todo conhecimento científico fosse destruído, e apenas uma frase pudesse ser passada às próximas gerações, qual afirmação conteria o máximo de informação no menor número de palavras? Creio que é a hipótese atômica, ou seja, que todas as coisas são feitas de átomos. Essa afirmação de Feynman descreve bem a importância da teoria atômica da matéria, não só para a Física, mas para todas as ciências. Mas como sabemos que os átomos realmente existem? Será que podemos, por meio de um microscópio, enxergar os átomos? Bem, veremos que isso é possível, mas a verdade é que a nossa convicção sobre a existência dos átomos vem de muito antes. Nesse caso, não foi necessário “ver para crer”. O desenvolvimento da teoria atômica teve uma longa e bela história, que começou como filosofia com o grego Demócrito, no século V a.C. Depois, virou ciência com os trabalhos de Dalton, Boltzmann, Brown, Einstein, J. J. Thomson, Moseley, Chadwick e outros. Mas, ainda que soubessem da existência dos átomos e de muitas de suas características, os microscopistas nunca desistiram do que parecia o objetivo final: vê-los com os próprios olhos! Como dissemos na Aula 3, os instrumentos óticos possuem a limitação do comprimento de onda da luz visível, dada pelo critério de difração de Rayleigh. Um sistema ótico é capaz de “resolver” (ou seja, ver separadamente) duas fontes pontuais, se os diagramas de difração dessas duas fontes estão suficientemente separados para serem distinguidos. Calculando numericamente, conclui-se que só podem ser resolvidos objetos de 200 a 350 nm, ou seja, com tamanhos da ordem da metade do comprimento de onda da luz visível. Como os átomos são muito menores do que isso, como fazer para observá-los? Em 1981, Gerd Binnig e Heinrich Rohrer, da IBM de Zurique, inventaram o microscópio de varredura por tunelamento (scanning tunneling microscope, ou simplesmente STM). O STM foi o primeiro instrumento capaz de gerar imagens reais de superfícies com resolução atômica. Em 1986, seus inventores, mostrados na Figura 12.1, ganharam o Prêmio Nobel de Física. 20 CEDERJ MÓDULO 1 12 AULA Amostra Ponta Elétrons tunelando Figura 12.1: Os inventores do STM, Heinrich Rohrer e Gerd Binnig (à esquerda) e o mecanismo de funcionamento do mesmo (à direita). O princípio de funcionamento do STM é surpreendentemente simples e está esquematizado na Figura 12.1. Aproxima-se da superfície que se quer analisar uma ponta metálica muito fina. Quando a distância ponta-amostra for suficientemente pequena (veja a Atividade 1), os elétrons da amostra começam a tunelar da amostra para a ponta (ou vice-versa), através da barreira de potencial que ocorre na região de vácuo entre a ponta e a amostra, como mostra a Figura 12.2. O sentido dessa corrente de tunelamento depende da polaridade de uma voltagem aplicada entre a ponta e a amostra. Φ Φ Estados vazios EF d EF Estados ocupados Amostra Vácuo Ponta eV Amostra Ponta Figura 12.2: Esquema de energias para o problema de tunelamento em um STM. À esquerda, temos o caso em que não há diferença de potencial entre a ponta e a amostra. Nesse caso, a função trabalho vale Φ, as energias de Fermi da amostra e da ponta valem EF e a espessura da camada de vácuo (ou seja, a distância entre a ponta e a amostra) é igual a d. No painel à direita, mostramos como a situação se altera, quando se aplica uma voltagem igual a V entre a ponta e a amostra, possibilitando o tunelamento. A figura mostra, de forma esquemática, a função de onda para uma partícula que tunela da amostra para a ponta. CEDERJ 21 Introdução à Mecânica Quântica | Barreira de potencial: exemplos e aplicações A Figura 12.2 descreve detalhadamente como surge a PRINCÍPIO DE EXCLUSÃO DE PAULI corrente de tunelamento. No painel à esquerda, mostramos O Princípio de Exclusão de Pauli foi formulado pelo físico austríaco Wolfgang Pauli (Figura 12.3), em 1925. É um dos princípios mais importantes da Mecânica Quântica. Você pode não ter se dado conta, mas aplicou o Princípio de Exclusão em seus estudos de Química do Ensino Médio, quando estudou a distribuição dos elétrons pelos orbitais atômicos. De fato, o Princípio de Exclusão de Pauli explica a estrutura de camadas dos átomos e, portanto, a existência da Tabela Periódica dos Elementos, que norteia toda a Química. Você se lembra, de seus estudos, que cada orbital atômico só pode ser ocupado por dois elétrons, um com spin para cima e outro com spin para baixo? Pois bem, em sua formulação mais simples, essa é a essência do Princípio de Exclusão. As partículas quânticas podem se classificar em férmions (como o elétron, próton, nêutron) e bósons (como as partículas alfa, píons, dêuterons). Os férmions estão sujeitos ao Princípio de Exclusão: dois férmions não podem ocupar simultaneamente o mesmo estado quântico (e isso inclui também a orientação do spin). É por isso que, no processo de tunelamento mostrado na Figura 12.2, só pode haver transporte de elétrons dos estados ocupados da amostra para os estados vazios da ponta: os elétrons estão “excluídos” de entrar nos estados já ocupados. Formulações mais rigorosas do Princípio de Exclusão, e a própria noção de spin, são objeto de estudo de cursos mais avançados de Mecânica Quântica. o perfil de energia de potencial, quando não se aplica uma voltagem entre a amostra e a ponta. A região acinzentada mostra os níveis de energia de estados quânticos que estão ocupados por elétrons em um metal. A energia dos elétrons mais energéticos é conhecida como energia de Fermi (EF). Há níveis com energia maior que EF , mas eles não estão ocupados por elétrons. São estados vazios, cuja energia está na região branca da figura, acima do nível de Fermi. Vamos supor, por simplicidade, que tanto a amostra quanto a ponta sejam metálicas e tenham a mesma função trabalho Φ. Como vimos na discussão sobre o efeito fotoelétrico na Aula 8 de Física 4B e na Figura 12.2, a função trabalho é a diferença de energia entre o nível de Fermi e o nível de vácuo. Na situação mostrada no painel da esquerda da Figura 12.2, não há corrente de tunelamento, pois os elétrons só podem tunelar de estados ocupados para estados vazios com a mesma energia, devido ao PRINCÍPIO DE EXCLUSÃO DE PAULI. No painel à direita da Figura 12.2, vemos como a situação se modifica quando se aplica uma voltagem igual a V entre a amostra e a ponta: as energias de Fermi ficam desbalanceadas por uma diferença de energia igual a eV, em que e é a carga elementar. Agora, os elétrons podem tunelar da amostra para a ponta, já que há estados ocupados da amostra com a mesma energia de estados vazios da ponta. Podemos também obter a dependência da corrente de tunelamento com a função trabalho e com a distância d entre a ponta e a amostra. Para isso, vamos usar o formalismo desenvolvido na aula passada. Perceba que, no entanto, a barreira mostrada na Figura 12.2 não é retangular. Porém, no limite de baixas voltagens (eV << Φ), podemos usar a Figura 12.3: O físico austríaco Wolfgang Pauli (1900-1958), agraciado com o Prêmio Nobel de Física em 1945 pela descoberta do Princípio de Exclusão. aproximação de uma barreira retangular de altura Φ. Assim, a corrente de tunelamento será proporcional ao coeficiente de transmissão de um elétron incidente com energia EF sobre essa barreira. Segundo o resultado aproximado obtido na Atividade 2 da aula passada, iremos mostrar (Atividade 1 desta aula) que o coeficiente de transmissão é dado por: 22 CEDERJ MÓDULO 1 12  8mΦ  16EF Φ d . exp  − 2 h (EF + Φ)   (12.1) AULA T= A corrente de tunelamento é proporcional ao coeficiente de transmissão da Equação (12.1). Além disso, deve ser proporcional ao número de estados disponíveis para tunelar. Olhando a Figura 12.2, vemos que a quantidade desses estados será tanto maior quanto maior for a diferença de potencial V. Assim, a corrente de tunelamento é proporcional a V. Combinando esse resultado com a Equação (12.1), chegamos ao importante resultado para a corrente de tunelamento I:  d I ∝ V exp  −  ,  λ em que λ = (12.2) h é um comprimento característico de decai8mΦ mento da corrente. Em outras palavras, poderemos observar uma corrente de tunelamento apreciável, quando a distância d entre a ponta e a amostra não for muito maior que λ. A Equação (12.2) é bastante útil na análise dos experimentos de STM. ATIVIDADE 1. a. Demonstre a Equação (12.1). 1. b. A função trabalho do cobre vale 4.7 eV. Calcule o comprimento de decaimento da corrente de tunelamento (λ) para o cobre. _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ RESPOSTA COMENTADA 1. a. Partindo do resultado obtido na Atividade 2 da Aula 11, a saber: T= usando as definições d = a e λ = 1/2K , 16k2 K 2 (k EF = 2 +K 2 2 hk 2m ) 2 2 e e−2 Ka , Φ= h2 K 2 , e identificando 2m chegamos ao resultado esperado. CEDERJ 23 Introdução à Mecânica Quântica | Barreira de potencial: exemplos e aplicações 1. b. Usando a definição λ = h 8mΦ , obtemos λ = 50 pm. No entanto, os equipamentos de STM apresentam uma alta sensibilidade, podendo, em alguns casos, medir correntes de tunelamento menores que 1 pA. Isso faz com que a distância entre a ponta e a amostra possa chegar a 1 nm. Mas como podemos fazer imagens de STM com resolução atômica? Bem, toda a análise que fizemos até agora foi bastante simplificada. Na verdade, as funções de onda dos elétrons em um material não são exatamente ondas planas, mas são fortemente localizadas em torno dos átomos que o compõem. Assim, é muito mais fácil “encontrar” um elétron para tunelar, quando a ponta está bem acima de um dos átomos da superfície. A corrente de tunelamento aumenta nesse caso. Mas, obviamente, para que tudo isso seja possível, é importante que a ponta do microscópio seja bastante fina, tendo precisamente um átomo em sua região mais inferior, como mostra a Figura 12.1. Podemos, então, varrendo a superfície e mapeando os altos e baixos da corrente de tunelamento, obter uma imagem da mesma com resolução atômica, como a que está mostrada na Figura 12.4. Figura 12.4: Imagem de uma superfície de silício com resolução atômica. Os círculos brilhantes indicam as posições de átomos individuais. Cortesia: Fernando Stavale, Instituto Nacional de Metrologia, Padronização e Qualidade Industrial (INMETRO). 24 CEDERJ MÓDULO 1 AULA 12 EMISSÃO DE ELÉTRONS DE METAIS FRIOS Um mecanismo semelhante ao funcionamento do STM é responsável pela emissão de elétrons de metais frios, observada pela primeira vez em 1922. Na ocasião, notou-se que elétrons podem ser extraídos de metais, através da aplicação de um campo elétrico alto. Para entender esse fenômeno, vamos analisar o diagrama de energias mostrado na Figura 12.5. Como no caso do STM, os elétrons mais energéticos do metal têm energia EF e estão presos a ele por um degrau de potencial de altura Φ (função trabalho). Essa situação está mostrada no lado esquerdo da figura, em que não existe nenhum campo elétrico aplicado. Ao aplicarmos um campo elétrico na região do vácuo e perpendicular à superfície do metal, temos a situação mostrada no lado direito. Veja que a energia potencial não é mais constante na região do vácuo, mas varia como V (x) = EF + Φ − eEx , em que E é o campo elétrico aplicado e x é a distância até a superfície. Perceba que agora surge uma barreira triangular, através da qual o elétron pode tunelar. O cálculo da probabilidade de tunelamento não é tão simples quanto o da barreira retangular, que vimos na Aula 10, mas pode ser realizado usando-se a aproximação WKB (Wentzel-Kramers-Brillouin), que é vista em cursos mais avançados de Mecânica Quântica. Esse cálculo foi realizado pela primeira vez por Fowler e Nordheim em 1928. Eles obtiveram a corrente de elétrons emitidos como função do campo elétrico aplicado, explicando os resultados experimentais. Essa foi uma das primeiras demonstrações claras da importância do efeito-túnel. Metal Vácuo Metal Vácuo V (x) = EF + Φ − eEx Φ Estados vazios EF EF Estados ocupados E=0 E>0 Figura 12.5: Diagrama de energias para o problema de emissão de elétrons por metais frios. O painel da esquerda mostra a situação em que não há campo elétrico aplicado, enquanto que o painel da direita mostra o que ocorre quando um campo elétrico é aplicado. CEDERJ 25 Introdução à Mecânica Quântica | Barreira de potencial: exemplos e aplicações A EMISSÃO DE PARTÍCULAS ALFA E A FUSÃO NUCLEAR Uma outra situação importante em que ocorre o fenômeno de tunelamento é na emissão de partículas alfa pelos núcleos. Partículas alfa são compostas por dois prótons e dois nêutrons, ou seja, são núcleos de He. Essas partículas são emitidas quando ocorre o decaimento de núcleos radioativos. Por exemplo, o núcleo de U238 pode sofrer o seguinte decaimento: 238 U→ 234 Th + α , (12.3) com a emissão de uma partícula alfa. Em 1928, os físicos Gamow, Condon e Gurney resolveram um problema há muito existente em relação à emissão das partículas alfa pelos núcleos. Sabia-se, desde os experimentos do físico neozelandês Ernest Rutherford em 1910, que o potencial de interação entre uma partícula alfa e o núcleo de 238 U era, para distâncias de separação r suficientemente grandes, o potencial de uma repulsão coulombiana entre a partícula alfa com carga 2e e o núcleo com carga Ze: V (r) = 2Ze 2 . 4πε0 r (12.4) Esse potencial está mostrado na linha tracejada da Figura 12.6. E Rutherford mostrou esse resultado através de seus experimentos de V espalhamento (veja uma descrição desses experimentos na Aula 10 de Mecânica). Segundo esses experimentos E Rn r e outros posteriores, o potencial de interação obedece à Equação (12.4) para distâncias maiores que o raio do núcleo de urânio (Rn), algo em torno de Figura 12.6: Energia potencial de uma partícula alfa interagindo com um núcleo de 238U. A linha cheia mostra, de forma esquemática, o potencial de interação real, contendo uma região repulsiva coulombiana (linha tracejada) e uma região atrativa onde predominam as interações nucleares. Para que as partículas alfa escapem do núcleo com energia E < V, elas têm de tunelar através de uma barreira de potencial. 26 CEDERJ 10–14 m. Para distâncias dessa ordem ou menores, as interações nucleares passam a ser importantes, e o potencial se torna atrativo, como se vê na Figura 12.6. MÓDULO 1 12 O problema era que as partículas alfa escapavam do núcleo de 238U AULA com uma energia E muito menor que a altura da barreira coulombiana, de altura V. Ou seja, segundo a mecânica clássica, seria impossível que as partículas alfa escapassem do núcleo com uma energia tão baixa. Gamow, Condon e Gurney propuseram que a emissão dessas partículas seria através do tunelamento pela barreira de potencial. Seus cálculos, em bom acordo com os resultados experimentais, mostraram que essa hipótese era essencialmente correta. A fusão nuclear é um processo no qual dois núcleos colidem e, se tiverem energia suficiente, poderão vencer a barreira da repulsão coulombiana esquematizada na Figura 12.6 e se fundir em um único núcleo. De certa forma, é o processo inverso ao que ocorre na emissão da partícula alfa. O processo de fusão libera uma grande quantidade de energia: a imensa energia produzida pelo Sol (e por todas as demais estrelas), e que chega até nós sob a forma de luz, é fruto dos processos de fusão nuclear. Infelizmente, a energia liberada na fusão nuclear pode ser também utilizada nas armas mas destrutivas que o homem já produziu, as bombas de hidrogênio. Tunelamento em semicondutores e supercondutores Em 1973, a importância do fenômeno de tunelamento para a Física, tanto a básica quanto a aplicada, foi reconhecida com o Prêmio Nobel. Foram agraciados os físicos Leo Esaki, do Japão, Ivar Giaever, da Noruega, e Brian Josephson, da Inglaterra. Esses cientistas descobriram efeitos quânticos devido ao tunelamento que podem ser usados para fabricar dispositivos eletrônicos. Esses dispositivos são bastante diferentes dos que estamos acostumados a ver em nossos estudos de eletricidade básica. Leo Esaki inventou um dispositivo semicondutor conhecido como “diodo-túnel”, cujo funcionamento é baseado no fenômeno de tunelamento em materiais semicondutores. A curva característica, ou curva corrente-voltagem (I-V) do diodo-túnel está na Figura 12.7. Perceba como um diodo-túnel é bastante diferente de um resistor ôhmico (V = RI), cuja curva característica é uma reta. Em particular, há uma região de voltagens onde ocorre a chamada resistência diferencial negativa, ou seja, ao aumentarmos a voltagem, a corrente diminui! Resistência diferencial negativa Corrente Figura 12.7: Curva característica do diodo-túnel. 0 0 Voltagem CEDERJ 27 Introdução à Mecânica Quântica | Barreira de potencial: exemplos e aplicações Ivar Giaever e Brian Josephson descobriram fenômenos intrigantes de tunelamento em junções formadas por um material isolante entre dois materiais supercondutores. Um material supercondutor é aquele em que uma corrente elétrica pode ser transmitida sem nenhuma perda, ou seja, a resistência elétrica é nula. Tais junções são conhecidas hoje em dia como junções Josephson e apresentam comportamentos que podem parecer, à primeira vista, bastante exóticos. Por exemplo, ao se aplicar uma voltagem contínua a uma junção Josephson, surge uma corrente alternada e, ao se aplicar uma corrente alternada, surge uma voltagem contínua! Ainda mais interessante, a relação entre a freqüência f aplicada e a voltagem contínua V envolve apenas constantes universais: V= hf , 2e (12.5) em que h é a constante de Planck e e é a carga elementar. Por relacionar uma voltagem com uma freqüência, que é uma grandeza que pode ser medida com bastante precisão, essa relação é usada em metrologia para definir um padrão preciso de voltagem. Como vimos, o efeito-túnel é importante em muitas aplicações. Na maioria delas, a barreira não é retangular. Às vezes, a aproximação de uma barreira retangular é suficientemente boa, segundo a análise do STM, de modo que podemos usar os resultados obtidos na Aula 10. Em outros casos, isso não é possível, e cálculos mais sofisticados (por exemplo, usando a aproximação WKB ou mesmo buscando uma solução numérica da equação de Schrödinger) devem ser feitos. Mas, como esses correspondem a cursos mais avançados de Mecânica Quântica, não foram detalhados aqui. No entanto, mesmo nesses casos, o comportamento qualitativo pode ser entendido com modelos simples como o da barreira retangular. ATIVIDADE FINAL Uma reação de fusão importante na produção de energia solar envolve a captura de um próton por um núcleo de carbono, que tem a carga seis vezes maior do −15 que a carga do próton e um raio de Rn ≈ 2 × 10 m. (a) Faça uma estimativa do potencial coulombiano V que atua sobre o próton, se ele estiver na superfície nuclear. (b) O próton incide sobre o núcleo devido a seu movimento térmico. Podemos realisticamente supor que sua energia total seja da ordem de 10kT, em que k é a constante de Boltzmann e T é a temperatura interna do Sol, que 28 CEDERJ MÓDULO 1 12 é de aproximadamente 107 K. Faça uma estimativa da energia total do próton, AULA comparando-a com a altura da barreira coulombiana. (c) Calcule a probabilidade de o próton penetrar em uma barreira retangular de altura V, que se estende de Rn a 2Rn, ou seja, até o ponto no qual a barreira de potencial coulombiana cai a V/2. (Eisberg-Resnick, Problema 10, Capítulo 6) ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ RESPOSTA COMENTADA (a) Basta utilizar a expressão para a energia potencial entre duas partículas carregadas, o próton com carga e = 1,6 × 10-19 C e o núcleo de carbono com carga 6e: V= 6e 2 = 6, 9 × 10−13 J = 4,3 MeV. 4πε 0 Rn (b) Usando o valor da constante de Boltzmann, k = 1,4 × 10 -23 J/K, obtemos E = 10kT = 1,4 × 10-15 J = 8,8 keV. Vale a pena explicar o motivo de termos usado o valor de 10 kT para a energia térmica do próton. Segundo o resultado bem conhecido da teoria cinética dos gases (Aula 7 de Física 2A), a energia cinética média do próton é de apenas 3 kT . No entanto, esse é apenas o valor médio, ou seja, há prótons 2 com energia maior e menor que esse valor. Os prótons mais energéticos, ainda que não correspondam a uma fração significativa de todo o conjunto de prótons, são os mais importantes para o nosso problema, porque eles terão maior probabilidade de participar da fusão nuclear. (c) Usando a expressão para o coeficiente de transmissão (Equação (11.8) da Aula 11): em que k = −1  ( k2 + K 2 )2 senh2 ( Ka )   , T = 1 +   4k2 K 2   2mE = 2, 0 × 1013 m-1; K = h 2m(V − E) = 4, 5 × 1014 m-1; e , h a = Rn = 2 × 10−15 m obtemos T = 0,7 %. Perceba que, mesmo para os prótons com energia cinética muito acima da média, a probabilidade de transmissão é muito baixa. Portanto, o processo de fusão de um número apreciável de átomos acontece muito lentamente, o que leva a um tempo de bilhões de anos para a vida de uma estrela como o Sol (quando terminar o processo de fusão, acabará o “combustível” que faz o Sol brilhar). Para estrelas maiores, e portanto mais quentes, esses processos são mais rápidos, e o tempo de vida dessas estrelas é consideravelmente menor. CEDERJ 29 Introdução à Mecânica Quântica | Barreira de potencial: exemplos e aplicações RESUMO O efeito-túnel é de fundamental importância, tanto na Física básica quanto na aplicada. Ele se manifesta em áreas bastante distintas, como a emissão de elétrons por metais frios e a emissão de partículas alfa pelos núcleos. É também usado em várias aplicações, como o microscópio de tunelamento, a fusão nuclear, o diodotúnel e as junções Josephson. INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, faremos exercícios sobre tudo o que vimos até agora no Módulo II desta disciplina. 30 CEDERJ 13 AULA O poço de potencial finito Meta da aula objetivos Aplicar o formalismo quântico ao caso de um potencial V(x) que tem a forma de um poço (tem um valor V0 para x < -a/2 e para x > a/2, e um valor 0 para –a/2 < x < a/2). • mostrar que no caso de a partícula ter uma energia E > V0 , a partícula é transmitida ou refletida, como no caso da barreira de potencial com energia maior que a altura da barreira (Aula 11 desta disciplina); • explicar que, se 0 < E < V0, existem soluções para a equação de Schrödinger para apenas alguns valores da energia (estados ligados); • identificar a paridade dos estados ligados; e • mostrar que, quanto maior o número de nodos das funções de onda correspondentes a estados ligados, maior o valor da energia da partícula. Pré-requisitos Para uma melhor compreensão desta aula, é importante que você revise a Aula 11 desta disciplina. Introdução à Mecânica Quântica | O poço de potencial finito O POÇO DE POTENCIAL FINITO Até agora, estudamos a equação de Schrödinger com o degrau e a barreira de potencial. Esses perfis de potencial dão origem a soluções propagantes, ou seja, funções de onda que representam partículas quânticas se movimentando livremente para a direita ou para a esquerda. Nesta aula, iniciaremos nosso estudo de uma outra classe importante de soluções da equação de Schrödinger: os estados ligados. Essas soluções representam partículas que estão presas ou confinadas a uma região do espaço, pela ação de um potencial atrativo, usualmente conhecido como poço de potencial. Veremos, nas próximas aulas, que inúmeros sistemas físicos apresentam poços de potencial contendo estados ligados. Como usual, iniciaremos nosso estudo com um modelo de poço de potencial que é bastante simplificado, mas que incorpora muitos aspectos qualitativos que são comuns aos poços reais. Trata-se do poço de potencial finito, também conhecido como poço quadrado, em uma dimensão. O poço finito está mostrado na Figura 13.1 e é definido por: V (x) = V0 , x < −a / 2 V (x) = 0 , − a / 2 < x < a / 2 V (x) = V0 , x > a / 2 (13.1) onde V0 é uma constante positiva que define a profundidade do poço. Dependendo do valor da energia, teremos dois casos fisicamente aceitáveis, como no caso da barreira de potencial: E > V0 e 0 < E < V0 . Vamos estudar primeiro o caso E > V0, já que é muito semelhante à situação considerada na Aula 10 para a barreira de potencial. V(x) V0 Figura 13.1: O poço de potencial finito de profundidade V0. 32 CEDERJ –a/2 0 a/2 x MÓDULO 1 AULA 13 PRIMEIRO CASO: E > V0. O caso E > V0 é bastante parecido com o problema da barreira de potencial em que a energia é maior que a altura da barreira, que tratamos na Aula 10. Neste caso, a solução para a função de onda na região interna ( − a 2 < x < a 2), em que o potencial é nulo, será a mesma da partícula livre: ψ (x) = Feikx + Ge − ikx , − a / 2 < x < a / 2 (13.2) com k = 2mE / h . No caso das regiões externas ( x < − a 2 e x > a 2 ), a equação de Schrödinger tem a forma − h2 d 2ψ (x) + V0ψ (x) = Eψ (x) 2m dx 2 (13.3) cuja solução é a equação de onda correspondente à de uma partícula livre com energia total (E-V0): ψ (x) = Aeik"x + Be − ik"x , x < −a / 2 ψ (x) = Ceik"x + De − ik"x , x > a / 2 (13.4) com k" = 2m ( E − V0 ) / h . Como na Aula 10, consideramos o caso em que D = 0, que corresponde a uma onda incidente pela esquerda sobre o poço de potencial. O procedimento para determinar as constantes A, B, C, F e G é o mesmo que o estudado na Aula 10 para o caso da barreira de potencial. Igualando-se os valores da função de onda e da sua derivada em x = a/2, obtemos: Feika / 2 + Ge − ika / 2 = Ceik"a / 2 ik ( Feika / 2 − Ge − ika / 2 ) = ik"Ceik"a / 2, (13.5) de onde podemos determinar o quociente F/G, F  k + k′′  − ika = e G  k − k′′  (13.6) CEDERJ 33 Introdução à Mecânica Quântica | O poço de potencial finito ATIVIDADE 1. Obtenha a Equação (13.6) a partir da (13.5). _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ ____________________________________________________________ RESPOSTA COMENTADA A partir das duas Equações (13.5), basta dividir a de cima pela de baixo, obtendo: F / G + e − ika k . = − ika k" F /G − e A partir daí, com algumas manipulações algébricas, chega-se ao resultado esperado. Da mesma forma, em x = –a/2 teremos, Fe − ika / 2 + Geika / 2 = Ae − ik"a / 2 + Beik"a / 2 ik ( Fe − ika / 2 − Geika / 2 ) = ik"( Ae − ik"a / 2 − Beik"a / 2 ) (13.7) que levam a F / G + eika k A / B + eik"a . = F / G − eika k" A / B − eik"a (13.8) As Equações (13.6) e (13.8) permitem calcular o quociente B/A e, a partir deste, o coeficiente de reflexão R. De forma análoga, pode-se calcular C/A e o coeficiente de transmissão T. Deixamos como exercício opcional a realização dos passos intermediários, sendo o resultado dos cálculos dados pelas expressões:   4k2 k′′2   R = 2 = 1+  ( k2 − k′′2 )2 sen2 ( ka )  A   −1  ( k2 − k′′2 )2 sen2 ( ka )   T = 2 = 1 +   4k2 k′′2 A   −1 B C 34 CEDERJ 2 2 . (13.9) MÓDULO 1 13 Veja como a Equação (13.9) é parecida com a Equação (10.10), termos de E e V0:  4E(E − V0 )  R = 1 + 2  2  V0 sen ( ka )  −1  V 2 sen2 ( ka )  T = 1 + 0  4E(E − V0 )   −1 . AULA que obtivemos na Aula 10. Podemos escrever a Equação (13.9) em (13.10) ATIVIDADE 2. Obtenha a Equação (13.10) a partir da Equação (13.9). ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ RESPOSTA COMENTADA Basta fazer as substituições k = 2mE / h e k" = 2m ( E − V0 ) / h e fazer algumas manipulações algébricas. A partir das Equações (13.9) ou (13.10), podemos verificar que R + T = 1, como era de se esperar, exatamente como fizemos na Atividade 3 da Aula 10. Observamos também que o coeficiente de transmissão T é, em geral, menor do que 1, em contradição com a situação clássica, em que a partícula é sempre transmitida. De forma esquemática, o comportamento de T como função da energia é bem semelhante ao mostrado na Figura 10.4 da Aula 10, na região E > V0 dessa figura. Um ponto interessante para se chamar a atenção é que, mais uma vez, ocorrem oscilações no coeficiente de transmissão e que T = 1 quando ka = nπ, ou seja, quando a espessura do poço de potencial é igual a um múltiplo inteiro da metade do comprimento de onda para a partícula dentro do poço, λ = 2π/k. CEDERJ 35 Introdução à Mecânica Quântica | O poço de potencial finito Efeito Ramsauer No início da década de 1920, o físico alemão Carl Ramsauer, realizando experimentos de espalhamento de elétrons por átomos de gases nobres, observou um efeito bastante intrigante. Ele notou que, para certos valores das energias dos elétrons, estes eram transmitidos através dos átomos com probabilidade de 100%, ou seja, era como se os átomos fossem transparentes para esses elétrons! Isto é conhecido por efeito Ramsauer. O resultado que acabamos de obter para o poço quadrado, ou seja, transmissão perfeita para alguns valores da energia, explica o efeito Ramsauer. É claro que se trata de uma explicação qualitativa, já que o potencial de interação entre um elétron e um átomo de gás nobre não é um potencial quadrado, apesar de apresentar os mesmos ingredientes: atrativo a curtas distâncias, quando o elétron está próximo do núcleo positivo, e indo a zero a longas distâncias (afinal os átomos são neutros). Além disso, há a diferença crucial de que o sistema real é em três dimensões e nosso modelo é em 1D. No entanto, a explicação qualitativa está correta. SEGUNDO CASO: E < V0 Neste caso, veremos as soluções correspondentes a estados ligados, ou seja, confinados na região do poço. A discussão que se segue envolve várias manipulações algébricas, e é mais interessante de ser acompanhada com um lápis e papel, em que você possa reproduzir todas as passagens. A equação de Schrödinger nas regiões externas, x < -a/2 e x > a/2 é dada por − h2 d 2ψ (x) = ( E − V0 )ψ (x) 2m dx 2 (13.11) que pode ser escrita na forma d 2ψ (x) = K ’2 ψ (x) dx 2 (13.12) onde K ’ = 2m(V0 − E) / h . De forma semelhante ao que vimos na Aula 10 para a barreira de potencial (energia menor que a altura da barreira), as soluções serão da forma ψ (x) = Ae K ’ x + Be − K ’ x , x < −a / 2 . ψ (x) = Ce K’x + De −K’x (13.13) , x > a/2 As condições de que a função de onda deve ser finita quando x →–∞ e x →+∞ levam a B = 0 e a C = 0, respectivamente. Portanto teremos 36 CEDERJ . 13 MÓDULO 1 ψ (x) = De −K’x (13.14) AULA ψ (x) = Ae K ’ x , x < −a / 2 , x > a/2 Na região interna, -a/2 < x < a/2, nada muda em relação ao caso E >V0, ou seja: ψ (x) = Feikx + Ge − ikx , − a / 2 < x < a / 2 (13.15) com k = 2mE / h . A partir das condições de continuidade de ψ(x) e da sua derivada nos pontos x = -a/2 e x = a/2, determinamos as constantes A, D, F e G. A continuidade em x = a/2 leva às equações: Feika / 2 + Ge − ika / 2 = De − K ’ a / 2 ik ( Feika / 2 − Ge − ika / 2 ) = −K ’ De − K ’ a / 2 , (13.16) enquanto que a continuidade em x = -a/2 leva a Ae − K ’ a / 2 = Fe − ika / 2 + Geika / 2 K ’ Ae − K ’ a / 2 = ik ( Fe − ika / 2 − Geika / 2 ) (13.17) A partir da Equação (13.17), podemos calcular F e G como função de A: F= 1 K ’  − K ’ a / 2 ika / 2 e  1 − i  Ae 2 k  G= 1 K ’  − K ’ a / 2 − ika / 2 e  1 + i  Ae 2 k  (13.18) que, quando substituídas na Equação (13.15), levam a uma expressão para a função de onda ψ (x) na região –a/2 < x < a/2: K’   ψ (x) = Ae − K ’ a / 2 cos k(x + a / 2) + senk (x + a / 2) . k   (13.19) CEDERJ 37 Introdução à Mecânica Quântica | O poço de potencial finito Através das fórmulas para o seno e o cosseno de uma soma de ângulos, podemos reescrever ψ (x) como:   K′   cos ( ka 2 ) + k sen ( k a 2 )  cos ( kx ) +  . (13.20)    ψ (x) = Ae − K ′a / 2     −sen ( k a 2 ) + K ′ cos ( k a 2 )  sen ( kx )      k  De forma semelhante, a partir da Equação (13.16), podemos calcular F e G como função de D, F= 1 K ’  − K ’ a / 2 − ika / 2 e  1 + i  De , 2 k  G= 1 K ’  − K ’ a / 2 ika / 2 e  1 − i  De 2 k  (13.21) que, quando substituídas na Equação (13.15), levam a K’   ψ (x) = De − K ’ a / 2 cos k(x − a / 2) − sen k(x − a / 2) k  . (13.22) Usando agora as fórmulas para o seno e o cosseno da diferença entre dois ângulos, obtemos:   K′   cos ( ka 2 ) + k sen ( k a 2 )  cos ( kx ) +  .    ψ (x) = De − K ′a / 2    sen ( k a 2 ) − K ′ cos ( k a 2 )  sen ( kx )      k  (13.23) Observe que as Equações (13.20) e (13.23) devem representar a mesma função de onda. Portanto, os coeficientes de sen(kx) e cos(kx) devem ser necessariamente idênticos. A igualdade entre os coeficientes de cos(kx) leva a K’ K’     A cos ( ka / 2 ) + sen ( ka / 2 )  = D cos ( ka / 2 ) + sen ( ka / 2 )  (13.24) k k     que tem por soluções A = D ou k cot ( ka 2 ) = −K ′ , 38 CEDERJ (13.25) MÓDULO 1 AULA 13 enquanto que a igualdade entre os coeficientes de sen(kx) leva a K’ K’     A  −sen ( ka / 2 ) + cos ( ka / 2 )  = D sen ( ka / 2 ) − cos ( ka / 2 )  (13.26) k k     que tem por solução: A = −D ou k tan ( ka 2 ) = K ′ . (13.27) Não podemos ter simultaneamente A = D e A = -D, já que nesse caso A = D = 0, e, pelas Equações (13.18) e (13.19), também teríamos F = G = 0, e a função de onda ψ(x) seria, portanto, nula para todo valor de x. Como vimos nas aulas anteriores, |ψ(x)|2 é a densidade de probabilidade de encontrar a partícula no ponto x, e a integral desta função em todo o espaço deve ser igual a 1. Isto não poderia acontecer se ψ(x)=0 para todo valor de x, e chegaríamos a um absurdo. Assim, se A = D, então necessariamente k tan ( ka 2 ) = K ′ deve ser satisfeita. Substituindo este resultado na Equação (13.20), vemos que o coeficiente de sen(kx) se anula, e portanto ψ(x) no intervalo –a/2 < x < a/2 tem a forma de um cosseno:   K ′ 2  ψ (x) = Ae − K ′a / 2 cos ( k a 2 ) 1 +    cos ( kx ) (solução par). (13.28)   k   Portanto, a solução da equação de Schrödinger ψ(x) é uma função par, ou seja, que satisfaz ψ(-x)= ψ(x). Se, por outro lado, tivermos A = –D, então necessariamente k cot ( ka 2 ) = −K ′ deve ser satisfeita. Novamente, substituindo este resultado na Equação (13.23), vemos que, neste caso, o coeficiente de cos(kx) se anula, e, portanto, ψ(x) no intervalo –a/2 < x < a/2 tem a forma de um seno:   K ′ 2  ψ (x) = De − K ′a / 2 sen ( ka 2 ) 1 +    sen ( kx ) , (solução ímpar). (13.29)   k   Trata-se, portanto, de uma função ímpar, ou seja, em que se verifica a relação ψ(-x) = - ψ(x). CEDERJ 39 Introdução à Mecânica Quântica | O poço de potencial finito Para uma determinação completa das soluções, nos restaria agora determinar os valores de k ou, equivalentemente, os valores de energia E possíveis para a partícula dentro do poço. Para isso, teríamos que resolver as equações k tan(ka / 2) = K ’(para as soluções pares) e k cot(ka / 2) = −K ’(para as soluções ímpares). Estas são equações transcendentes, ou seja, a incógnita, neste caso a energia E, aparece no argumento de uma função não-polinomial. Em geral, essas equações somente podem ser resolvidas por métodos numéricos ou gráficos. Em particular, no Apêndice G do livro de Eisberg e Resnick é mostrada a solução gráfica para estas equações. Não nos preocuparemos tanto com a solução dessas equações, o mais importante para o nosso estudo é discutir os seguintes aspectos qualitativos dessas soluções: (I) Tanto no caso das soluções pares quanto no caso das soluções ímpares, as equações transcendentes são satisfeitas por apenas um número finito de valores da energia E. Isto está esquematizado na Figura 13.2, que mostra as três energias mais baixas (E1, E2 e E3) de um poço quadrado. Nessa situação, que será observada novamente em exemplos a serem estudados nas próximas aulas, dizemos que a energia está quantizada ou, ainda, que para essa região de energias (E < V0) o espectro é discreto. Perceba como esta situação é distinta do caso E > V0, em que qualquer energia é permitida (desde que seja maior que V0). Neste último caso (E > V0), temos um espectro contínuo. V(x) –a/2 V0 a/2 E3 E2 E1 Figura 13.2: O poço de potencial e três valores possíveis da energia E. 40 CEDERJ MÓDULO 1 13 (II) As funções de onda associadas às energias E1, E2 e E3 têm AULA as formas indicadas na Figura 13.3. Observe que, à medida em que aumenta o valor da energia, é maior o número de oscilações (ou nodos) da função de onda. Isso ocorre porque k = 2mE / h , ou seja, quanto maior a energia, maior o número de onda que aparece no argumento dos cossenos ou senos da função de onda na região entre –a/2 e +a/2. (III) Note que o estado de mais baixa energia (estado fundamental) é par (cosseno), o primeiro estado excitado é ímpar (seno), e o segundo estado excitado é novamente par (cosseno). Como veremos novamente nas próximas aulas, existe sempre uma alternância entre as soluções pares e ímpares da equação de Schrödinger à medida que aumenta a energia e a função de onda do estado fundamental é sempre par. E1 E2 –a/2 a/2 E3 –a/2 a/2 Figura 13.3: Soluções para o poço de potencial quadrado correspondentes às energias E1 (estado fundamental, par), E2 (primeiro estado excitado, ímpar) e E3 (segundo estado excitado, par). Pode-se mostrar que o número de estados ligados de um poço de  2mVa2   + 1 , onde [x] representa πh   o maior número inteiro menor que x. Note que, portanto, há no potencial é dado por N =  mínimo um estado ligado no poço de potencial em uma dimensão, o estado fundamental. A ocorrência de estados excitados vai depender da largura e da profundidade do poço: quanto mais largo e mais profundo, maior o número de estados excitados. CEDERJ 41 Introdução à Mecânica Quântica | O poço de potencial finito ATIVIDADE FINAL Um feixe de elétrons com energia cinética de 3 eV se move ao longo do eixo x, na direção de x positivo, quando encontra um poço de potencial de largura 0.4 nm e profundidade V0 = 1,5 eV. (a) Determine o comprimento de onda dos elétrons no feixe incidente. (b) Determine o comprimento de onda dos elétrons no poço de potencial. (c) Qual fração do feixe incidente é transmitida além do poço? Qual fração é refletida? (d) Calcule a energia cinética mais baixa dos elétrons em que ocorre transmissão perfeita (efeito Ramsauer). ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ RESPOSTA COMENTADA (a) Se a energia cinética dos elétrons incidentes vale E – V0 = 3 eV, então o número de onda na região fora do poço é k′′ = 2m(E − V0 ) / h = 2 × ( 9,1 × 10-31 ) × 3 × (1,6 × 10-19 ) /1,05 × 10-34 = 8, 9 × 109 m-1 Portanto, o comprimento de onda é λ ′′ = 2π k′′ = 0, 71 nm . (b) Na região interna ao poço, onde a energia cinética vale 4,5 eV, temos k = 2mE / h = 1, 1 × 1010 m-1 e λ = 2π k = 0, 58 nm . (c) Usando a expressão para o coeficiente de transmissão, Equação (13.10): −1  V 2 sen2 ( ka )  T = 1 + 0  4E(E − V0 )  , com E = 4,5 eV, V0 = 1,5 eV e a = 0,4 nm, obtemos:  −1 T = 1 + 0, 042 sen2 ( ka )  . Usando o valor de k encontrado no item (b), obtemos ka = 4,4 radianos e, portanto, sen(ka) = – 0,95. Desta forma, o coeficiente de transmissao tem o valor T = 0,96. O coeficiente de reflexão pode ser calculado por R = 1 − T = 0, 04 . (d) A condição para transmissão perfeita é ka = nπ . O valor mais baixo de energia corresponde a n = 1, ou seja, k = π a = 7, 9 × 10 m 9 total dos elétrons vale -1 . Desta forma, a energia −34 9 h2 k2 (1, 05 × 10 × 7, 9 × 10 ) E= = = 3, 7 × 10−19 J = 2, 3 eV , 2 × 9, 1 × 10−31 2m 2 e a energia cinética incidente vale E − V0 = 0, 8 eV . 42 CEDERJ MÓDULO 1 13 AULA RESUMO Uma partícula incidente em um poço de potencial com E > V0 pode ser transmitida ou refletida, exatamente como no caso da barreira de potencial. Os coeficientes de reflexão e transmissão apresentam oscilações com a energia da particula incidente. Em particular, para alguns valores da energia incidente, a partícula é transmitida com probabilidade de 100%, o que é conhecido como efeito Ramsauer. Já se 0 < E < V0, existem soluções para a equação de Schrödinger para apenas alguns valores da energia (estados ligados). Essas soluções podem ser pares ou ímpares, e quanto maior o número de nodos das funções de onda, maior o valor da energia da partícula. INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, vamos conhecer mais um perfil de potencial em uma dimensão que dá origem a estados ligados: o poço infinito. CEDERJ 43 14 AULA O poço de potencial infinito Meta da aula objetivos Aplicar o formalismo quântico ao caso de um potencial V(x) que tem a forma de um poço infinito: o potencial é infinito para x < –a/2 e para x > a/2, e tem o valor 0 para –a/2 < x < a/2. • obter as funções de onda e as energias de partículas confinadas em um poço infinito; • identificar a paridade dos estados ligados; • mostrar que, quanto maior for o número de nodos das funções de onda correspondentes a estados ligados, maior será o valor da energia da partícula, como no caso do poço finito. Pré-requisito Para melhor compreensão desta aula, é importante que você revise o caso E < Vo da Aula 13 desta disciplina. Introdução à Mecânica Quântica | O poço de potencial infinito SOLUÇÃO DO POÇO DE POTENCIAL INFINITO O poço infinito corresponde a um caso limite do poço finito, estudado na última aula, em que a altura do poço tende a um valor infinito. Seu perfil de potencial está mostrado na Figura 14.1. V(x) –a/2 0 a/2 x Figura 14.1: O poço de potencial infinito com largura a. Matematicamente, podemos definir um poço infinito de largura a da seguinte forma: V (x) = +∞, x < −a / 2 V (x) = 0 , − a / 2 < x < a / 2 V (x) = +∞, x > a/2 . (14.1) Como vemos, o perfil de potencial é bem semelhante ao do poço finito visto na Aula 13, só que agora o valor de V0 é tão grande que pode ser considerado infinito. Em muitos sistemas físicos, esta é uma aproximação bastante boa e, como veremos, bastante útil, pois o poço infinito tem soluções muito mais simples que o poço finito. As soluções do poço infinito são confinadas no interior do mesmo, já que seria necessária uma energia infinita para encontrar a partícula fora do poço. Portanto, precisamos considerar apenas a equação de Schrödinger na região −a 2 < x < a 2 , que, para uma partícula de massa m, tem a forma: − 46 CEDERJ h2 d 2 ψ(x) = Eψ (x), − a / 2 < x < a / 2 . 2m dx 2 (14.2) MÓDULO 1 14 Como já vimos diversas vezes, a solução geral desta equação é AULA ψ (x) = Aeikx + Be − ikx. No entanto, desta vez vamos escrevê-la de uma outra forma: ψ (x) = A cos kx + B sen kx, − a / 2 < x < a / 2 (14.3) com k = 2mE / h . É claro que as duas formas são equivalentes, mas a Expressão (14.3) irá simplificar nossos cálculos no caso do poço infinito. No caso das regiões externas, como já argumentamos, o potencial é infinito, e portanto a probabilidade de encontrarmos a partícula fora do poço é necessariamente nula. A função de onda terá, portanto, de ser nula na região externa: ψ (x) = 0, ψ (x) = 0, x < −a / 2 x > a/2 . (14.4) A continuidade da função de onda impõe que ψ(a/2) = ψ(-a/2) = 0. Vamos ver a seguir que esta condição de fronteira ou de contorno nos leva diretamente à QUANTIZAÇÃO da energia. Mas, antes, notamos que, neste caso, a derivada da função de onda, dψ(x)/dx, não pode também ser nula nestes pontos extremos (x = ± a/2), já que, se esse fosse o caso, então a função de onda ψ(x) = 0 para todo valor de x. A QUANTIZAÇÃO de energia ocorre quando os níveis de energia de um sistema quântico são discretos. Para justificar que se ψ(x) e dψ(x)/dx são nulas para o mesmo valor de x, então ψ(x) = 0 para todo x, vamos recordar a analogia da equação de Schrödinger (14.2) com a equação de movimento do oscilador harmônico simples: m d2x = −kx . Lembre-se de que são equações diferenciais idênticas, basta dt 2 fazer a correspondência ψ → x e x → t (a menor das constantes, é claro). Assim, o caso em que ψ(x) = 0 e dψ(x)/dx = 0 para o mesmo valor de x iria corresponder, no caso do oscilador harmônico, a x = 0 e dx/dt = 0 em um certo instante de tempo, ou seja, a partícula estaria na origem (portanto, sem sofrer ação de força) e com velocidade nula. Portanto, nunca sairia da origem, ou seja, x = 0 para todo t. Apesar de x = 0 para todo t ser uma solução possível para o oscilador harmônico, ψ(x) = 0 para todo x não é uma solução válida da equação de Schrödinger. CEDERJ 47 Introdução à Mecânica Quântica | O poço de potencial infinito Portanto, vemos aqui uma diferença com relação ao que acontece no caso do poço finito: a derivada da função de onda é descontínua em x = ± a/2. Você pode estar intrigado pelo fato de isso ser possível. Afinal, nos vários problemas que resolvemos até agora, sempre impusemos a continuidade da derivada. Na verdade, como dissemos claramente na Aula 4, são permitidas descontinuidades na derivada da função de onda, dψ(x)/dx, apenas nos pontos em que o potencial apresenta descontinuidades infinitas. ATIVIDADE 1. Mostre, a partir da equação de Schrödinger, que são permitidas descontinuidades na derivada da função de onda apenas nos pontos em que o potencial apresenta descontinuidades infinitas. Para isso, integre a equação de Schrödinger com um potencial V(x) entre os pontos x0-δ e x0+δ, em que x0 é o ponto em que ocorre a descontinuidade do potencial e δ é infinitesimal. RESPOSTA COMENTADA Integramos ambos os lados da equação de Schrödinger entre os limites sugeridos: − h2 d 2ψ + V (x)ψ (x) = Eψ (x) 2m dx 2 x +δ x +δ x +δ 0 0 h2 0 d 2ψ − dx + ∫ V (x)ψ (x)dx = E ∫ ψ (x)dx 2 ∫ 2m x0 − δ dx x0 − δ x0 − δ h2  dψ −  2m  dx x0 + δ dψ − dx x0 + δ x0 + δ   = E ∫ ψ (x)dx − ∫ V (x)ψ (x)dx x0 − δ  x0 − δ x0 − δ  A última equação é uma expressão para a descontinuidade da derivada dψ . Repare que há dois termos do lado direito da equação. dx O primeiro termo deve ser nulo no limite δ → 0, já que a função de onda tem de ser finita. Assim, para que haja uma descontinuidade na derivada, o segundo termo não pode se anular. A única maneira de satisfazer esta condição é através de um potencial infinito. 48 CEDERJ MÓDULO 1 14 Determinamos as constantes A e B da Equação (14.3) aplicando A cos(ka / 2) + Bsen(ka / 2) = 0, A cos(ka / 2) − Bsen(ka / 2) = 0, AULA as condições de fronteira ψ(a/2) = ψ(–a/2) = 0. Temos assim: (14.5) onde utilizamos o fato que cos(–x) = cos(x), e sen(–x) = –sen(x). Somando e substraindo essas relações, chegamos em A cos(ka / 2) = 0, Bsen(ka / 2) = 0. (14.6) Como as constantes A e B não podem ser simultaneamente nulas, já que isto levaria novamente a ψ(x) = 0 para todo valor de x, as soluções possíveis para a Equação (14.6) são: B = 0, cos(ka / 2) = 0, A = 0, sen(ka / 2) = 0. (14.7) No primeiro caso, as soluções serão da forma ψ(x) = Acos(kx), onde k deve satisfazer cos(ka/2) = 0. Por causa desta condição, os valores possíveis de k são aqueles para os quais ka é um múltiplo impar de π, kn = nπ , n = 1, 3, 5,... a (14.8) As funções de onda associadas a cada valor de kn , ψn(x) = Ancos(knx), podem ser normalizadas: a/2 ∫ 2 ψ n (x) dx = 1; An −a / 2 2 a/2 ∫ cos2 (nπx / a)dx = 1, (14.9) −a / 2 de onde obtemos An = (2/a)1/2, independente de n. A forma geral dessas soluções será, portanto, ψ n (x) = 2  nπ  cos  x  , n = 1, 3, 5,... a  a  (14.10) Da mesma maneira, podemos encontrar a segunda classe de soluções da Equação (14.7), que correspondem a A = 0 e sen(ka/2) = 0. O resultado é: ψ n (x) = 2  nπ  sen  x  , n = 2, 4, 6,... a  a  (14.11) CEDERJ 49 Introdução à Mecânica Quântica | O poço de potencial infinito Nesse caso, a solução com n = 0 não é possível, já que levaria a ψ(x) = 0 para todo valor de x. Também é necessário esclarecer que não é necessário considerar valores negativos de n, já que levam às mesmas soluções do que os positivos, como é possível verificar. Considerando os dois tipos de soluções, observamos que os valores de k = 2mE / h estão quantizados, já que eles são dados por nπ , n = 1, 2, 3,... O número inteiro n é um exemplo de número a quântico, pois ele identifica, como uma etiqueta, as diferentes soluções kn = do problema. Observamos que os comprimentos de onda de de Broglie 2π 2a = , n = 1, 2, 3,... , ou seja, kn n que as funções de onda possíveis são apenas aquelas para as quais temos correspondentes têm os valores λn = um número inteiro ou semi-inteiro de comprimentos de onda de de Broglie dentro do intervalo [–a/2, a/2]. Em contraste com o caso clássico, em que uma partícula pode se mover dentro do poço com qualquer valor da energia, vemos que no problema quântico a energia está quantizada, tendo apenas os seguintes valores possíveis: En = h2 kn 2 h2 π2 n 2 = , n = 1, 2, 3,... (14.12) 2m 2ma2 Os níveis de energia do poço infinito estão mostrados na Figura 14.2. Vemos que o espectro de energias consiste em um número infinito de níveis discretos de energia. Veja também que as energias dos estados aumentam em forma quadrática com o valor de n. Note que, como existe apenas uma função de onda para uma dada energia, esses níveis de energia são chamados não-degenerados. Veremos, em outras aulas, que nem sempre é assim. Em algumas situações, dois ou mais estados quânticos podem ter a mesma energia. Quando isso acontece, o nível de energia correspondente é chamado degenerado. V(x) Figura 14.2: Os três primeiros níveis de energia do poço de potencial infinito. n=3 E3 = 9E1 n=2 E2 = 4E1 n=1 E1 –a/2 50 CEDERJ 0 a/2 x MÓDULO 1 14 As funções de onda correspondentes aos três estados de energia AULA mais baixa do poço infinito estão mostradas na Figura 14.3. Veja também, a partir das Equações (14.10) e (14.11), que a n-ésima função de onda, ψn(x), tem (n-1) nodos na região interna (sem contar os extremos x = ± a/2). Desta forma, assim como no caso do poço finito, perceba que quanto maior for número de nodos da função de onda, maior será a energia da partícula. Você também pode verificar que as funções de onda ψn(x) e ψm(x) associadas a energias diferentes, En e Em , são ortogonais, ou seja, a/2 ∫ ψ n* (x)ψ m (x)dx = 0, n ≠ m . (14.13) −a / 2 0.2 =1 =2 =3 0.15 0.1 0.05 0 –60 –40 0 –20 –20 –40 –60 –0.05 –0.1 –0.15 –0.2 Figura 14.3: As funções de onda do poço quadrado infinito no caso a = 100, para n = 1,2,3. CEDERJ 51 Introdução à Mecânica Quântica | O poço de potencial infinito ATIVIDADE 2. Verifique a Equação (14.13). RESPOSTA COMENTADA Vamos substituir as Expressões (14.10) e (14.11) na Equação (14.13) para verificar sua validade. Há três casos a considerar: as duas funções de onda ψn(x) e ψm(x) podem ser do tipo (14.10), as duas podem ser do tipo (14.11) ou, finalmente, podemos ter uma de cada tipo. No primeiro caso, a integral da Equação (14.13) torna-se: a/2 2  nπ x   mπ x  cos   cos   dx . ∫ a −a / 2  a   a  Fazendo a substituição θ = πx , temos: a π/2 2 cos ( nθ ) cos ( mθ ) dθ π − π∫/ 2 Você pode verificar em uma tabela de integrais que essa integral é nula para m ≠ n. Possivelmente você já viu esse resultado antes, quando estudou séries de Fourier. Analogamente, os outros dois casos vão resultar nas integrais π/2 π /2 2 2 sen ( nθ ) sen ( mθ ) dθ e sen ( nθ ) cos ( mθ ) dθ , ∫ π −π / 2 π −π∫/ 2 que também são nulas pelos mesmos motivos. Dizer que duas funções de onda são “ortogonais” é, de certa forma, tomar emprestado uma expressão que você conhece melhor do seu curso de Álgebra Linear. Naquele caso, dizia-se que dois vetores são ortogonais quando o produto escalar entre eles é zero. O uso dessa expressão para funções de onda nos remete à equivalência entre o formalismo de Schrödinger (baseado em funções de onda) e o formalismo de Heisenberg (baseado na álgebra de vetores e matrizes). Discutimos brevemente esse ponto na Aula 6. A Equação (14.13) corresponde precisamente, no formalismo de Heisenberg, ao produto escalar entre dois “vetores” (que representam os dois estados quânticos) ser nulo. 52 CEDERJ MÓDULO 1 AULA 14 ENERGIA DE PONTO ZERO E O PRINCÍPIO DA INCERTEZA Note que não existe um estado com energia zero. O estado h 2 π2 , cujo valor é chamado de energia de 2ma2 ponto zero do poço infinito, e será visto em outros exemplos nas próximas de menor energia é o E1 = aulas. Perceba que isso está em contraste com a Mecânica Clássica, segundo a qual seria possível que uma partícula estivesse parada dentro do poço e, portanto, com energia zero. De certa forma, a Mecânica Quântica impede que a partícula esteja “parada”. Isso pode ser visto como uma conseqüência do Princípio de Incerteza, já que, como a incerteza na posição é da ordem de ∆x = a, não é possível ter o valor do momento com incerteza nula, como seria o caso se a energia fosse 0. ATIVIDADE 3. Usando o Princípio da Incerteza, obtenha um limite mínimo para a energia do estado fundamental do poço infinito e verifique se o valor que calculamos obedece a esse limite. RESPOSTA COMENTADA Como a partícula está confinada dentro do poço, sua incerteza na posição tem de ser menor que a largura do poço, ou seja, ∆x ≤ a . Assim, usando o Princípio da Incerteza, podemos obter um valor máximo para a incerteza no momento: ∆x∆p ≥ h 2 ⇒ ∆p ≥ h 2a . Portanto, podemos obter um valor mínimo da energia permitido pelo Princípio da Incerteza: E ≈ calculamos, E1 = ( ∆p ) 2m 2 = h2 . O valor que 8ma2 h 2 π2 é certamente maior que esse limite. 2ma2 CEDERJ 53 Introdução à Mecânica Quântica | O poço de potencial infinito PARIDADE DA FUNÇÃO DE ONDA Verificamos, assim como aconteceu no caso do poço finito, que as soluções que encontramos são pares ou ímpares. As funções descritas pela Equação (14.10) satisfazem ψn(-x) = ψm(x) e são, portanto, funções pares de x, enquanto as descritas pela Equação (14.11) satisfazem ψn(-x) = -ψm(x) e são, portanto, funções ímpares de x. Pode ser mostrado que essa divisão das autofunções ψn(x) em autofunções de paridade definida (par para o primeiro grupo, ímpar para o segundo) é uma conseqüência direta do fato de o potencial ser simétrico em torno de x = 0, ou seja, V(-x) =V(x). As funções de onda pares terão um número par de nodos, e as ímpares, um número ímpar de nodos. Como conseqüência disso, quando ordenamos as funções de onda de forma crescente em relação à sua energia, as funções de onda vão ser, alternadamente, pares e ímpares, com o estado fundamental sendo sempre uma função par. Como vimos nesta aula, os resultados para o poço de potencial infinito concordam com esse resultado, e se revirmos a aula anterior, veremos que também é esse o caso para o poço de potencial finito. Na próxima aula, veremos o oscilador harmônico, em que também é verificada esta propriedade geral das funções de onda em potenciais simétricos. O fato de as autofunções da equação de Schrödinger no caso V(-x) = V(x) poderem sempre ser escolhidas como sendo pares ou ímpares simplifica alguns cálculos. Em particular, é suficiente obter as autofunções para valores positivos de x, e sabemos que as autofunções ímpares são nulas na origem, e as pares têm derivada nula para x = 0. Com isto vamos conseguir uma maior eficiência no estudo dos próximos sistemas quânticos. 54 CEDERJ MÓDULO 1 AULA 14 ATIVIDADES FINAIS 1. Considere uma partícula de massa m em um poço infinito de largura a. a. Supondo que a partícula esteja no estado fundamental, calcule a densidade de probabilidade como função de x. Faça um esboço do seu resultado. b. Qual a probabilidade de encontrar a partícula na metade direita da caixa, ou seja, entre 0 e a/2? c. Qual a probabilidade de encontrá-la na metade central da caixa, entre –a/4 e a/4? d. Repita os itens a, b e c, supondo agora que a partícula esteja no primeiro estado excitado. RESPOSTA COMENTADA a. No estado fundamental, a função de onda é dada por ψ 1 (x) = 2  πx  cos   a  a  dentro do poço. Assim, a densidade de probabilidade dentro do poço é 2 p1 (x) = ψ 1 (x) = 2  πx  cos2   a  a  Fora do poço, a densidade de probabilidade é zero, pois ψ(x) = 0. O esboço da densidade de probabilidade está mostrado a seguir: p1(x) –a/2 a/2 x CEDERJ 55 Introdução à Mecânica Quântica | O poço de potencial infinito b. A probabilidade de encontrar a partícula na metade direita da caixa é: P [0, a 2] = a2 ∫ 0 2 1  πx  cos2   dx = a a  a  a2  1  2πx    + 1 dx = . a   2 ∫ cos  0 Poderíamos ter antecipado esse resultado pela simetria do problema, ou seja, a partícula tem igual probabilidade de estar na metade esquerda ou na metade direita. c. A probabilidade de encontrarmos a partícula na metade central da caixa é: P [ − a 4 , a 4] = a4 a4 2 1  πx   2πx   cos2   dx = ∫ cos   + 1 dx = ∫ a a a    a   −a 4 −a 4  a4 1 a a  1 1  2π x  +  =  +  ≈ 82%.  sen   a  2π  a  − a 4 2   π 2  Ou seja, há uma probabilidade maior de encontrarmos a partícula na região central do que próximo às bordas da caixa. d. No caso de a partícula estar no primeiro estado excitado, a função de onda é dada por ψ 2 (x) = 2  2π x  sen   dentro do poço. Assim, a  a  a densidade de probabilidade dentro do poço é p2 (x) = ψ 2 (x) 2 = 2  2π x  . sen2   a  a  Fora do poço, a densidade de probabilidade é novamente zero, pois ψ(x) = 0. O esboço da densidade de probabilidade está mostrado a seguir: p2(x) a/2 –a/2 x A probabilidade de encontrarmos a partícula na metade direita da caixa agora é: P [0, a 2] = a2 ∫ 0 2 1  2π x  sen2   dx = a a  a  a2  1  4π x     dx = . a  2 ∫ 1 − cos  0 Novamente, poderíamos ter obtido este resultado por simetria. 56 CEDERJ MÓDULO 1 a4 a4 2 1   2π x   4π x   sen2   dx = ∫ 1 − cos    dx = ∫ a a −a 4   a   a  −a 4 1 a a  4π x  sen   −  a  2 4π  a  AULA P [ − a 4 , a 4] = 14 A probabilidade de encontrarmos a partícula na metade central da caixa é:  1 = . −a 4   2 a 4 Desta vez, há igual probabilidade de encontrarmos a partícula na região central e nas regiões laterais da caixa. 2. Considere 8 elétrons dentro de um poço infinito de largura a. Suponha que a interação entre os elétrons é fraca, de modo que eles sentem apenas o potencial do poço, como se estivessem isolados uns dos outros. O Princípio de Exclusão de Pauli permite apenas que 2 elétrons ocupem cada nível, cada um com uma orientação de spin. a. Preenchendo cada nível de energia com 2 elétrons, obtenha a energia interna total do sistema de 8 elétrons. b. Suponha agora que um agente externo diminui o tamanho da caixa, comprimindo-a de uma largura de a para a - ∆a. Qual a variação da energia interna do sistema de 8 elétrons, no limite ∆a << a? c. Qual o trabalho que o agente externo teve de realizar? RESPOSTA COMENTADA a. Se temos um total de 8 elétrons, os 4 níveis de energia mais baixos estão ocupados com dois elétrons cada. Assim a energia total do sistema será: ET = 2E1 + 2E2 + 2E3 + 2E4 = 2 30h2π 2 h2π 2 + + + = . 1 4 9 16 ( ) ma2 2ma2 b. Se diminuimos o tamanho da caixa para a - ∆a, a nova energia interna será ET′ = 30h2 π2 2 . No limite ∆ a << a, obtemos m ( a − ∆a ) 30h2π 2 30h2π 2 30h2π 2 ET′ = ≈ ≈ (1 + 2∆a a ) 2 2 ma (1 − 2∆a a ) ma2 ma2 (1 − ∆a a ) A variação da energia interna é a diferença entre energia final e a energia inicial: ∆E = ET′ − ET = 60h2π 2 ∆a . Notamos então que a energia ma3 interna do sistema aumenta. CEDERJ 57 Introdução à Mecânica Quântica | O poço de potencial infinito b. Pela conservação da energia, o trabalho realizado pelo agente externo é igual à variação de energia interna do sistema. Portanto, W = ∆E = 60h2π 2 ∆a , ou seja, o trabalho é positivo. ma3 Se fizermos uma analogia entre esse problema e o problema de um gás ideal em um recipiente fechado, que estudamos em Física 2A, chegamos à conclusão de que o sistema de elétrons parece estar exercendo pressão sobre as paredes do recipiente. Isto é intrigante, já que aprendemos em Termodinâmica que a pressão em um gás surge da transferência de momento que ocorre nas colisões das moléculas do gás e as paredes do recipiente que o contém, e será tanto maior quanto maior for a velocidade média das moléculas do gás. Por sua vez, a velocidade média das moléculas do gás é proporcional à temperatura do mesmo. Assim, em um gás ideal clássico a pressão vai a zero quando a temperatura vai a zero. No entanto, no caso quântico, os elétrons exercem pressão sobre as paredes da caixa também no caso em que a temperatura é nula! O surgimento desta pressão é mais um efeito puramente quântico. RESUMO O poço de potencial infinito apresenta estados ligados que, assim como no poço finito, também podem ser pares ou ímpares. As funções de onda apresentam um número de nodos que, como no caso do poço finito, aumenta com a energia da partícula. INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, vamos resolver um dos problemas mais importantes da Mecânica Quântica: o oscilador harmônico. 58 CEDERJ 15 AULA O oscilador harmônico Meta da aula objetivos Aplicar o formalismo quântico ao caso de um potencial de um oscilador harmônico simples, V (x) = 12 kx 2. • obter a solução da equação de Schrödinger para um oscilador harmônico simples quântico; • comparar esses resultados com o correspondente oscilador clássico. Pré-requisitos Para melhor compreensão desta aula, você deverá rever o oscilador harmônico clássico, que estudou em Física 2B e Mecânica Clássica, e seus estudos sobre equações diferenciais e séries de potências das disciplinas de Cálculo. Introdução à Mecânica Quântica | O oscilador harmônico O OSCILADOR HARMÔNICO SIMPLES O oscilador harmônico simples é um dos primeiros sistemas que estudamos na Mecânica Clássica e também um dos mais importantes. Uma de suas realizações experimentais mais simples é por meio de uma massa m ligada a uma mola ideal de constante elástica k. A mola exerce sobre a massa uma força restauradora F = −kx (Lei de Hooke) sempre que a partícula sofre um deslocamento x, medido a partir da posição em que a mola está relaxada. O sistema é descrito por uma energia potencial V (x) = 21 kx 2, e as soluções da equação de movimento de Newton são funções x(t) que oscilam no tempo com a freqüência natural do oscilador, ω = k m. Ao longo do seu curso, você deve ter percebido que a importância do oscilador harmônico na Física Clássica vai muito além do sistema massa-mola. Oscilações harmônicas surgem em uma imensa variedade de sistemas: pêndulo, fluidos, circuitos eletromagnéticos etc. Um sistema “massa-mola” quântico é definido por uma partícula 2 quântica de massa m sob ação de um potencial da forma V (x) = 21 kx , tal como o ilustrado na Figura 15.1. V(x) 0 x Figura 15.1: O potencial do oscilador harmônico. Assim como na Física Clássica, o oscilador harmônico também tem uma importância fundamental na Mecânica Quântica. O motivo para isso é que sempre podemos aproximar o ponto de equilíbrio de um potencial qualquer, V(x), pelo potencial parabólico do oscilador harmônico, como ilustrado na Figura 15.2. Graficamente, isso significa encontrar a parábola que melhor se ajusta ao potencial em torno do mínimo. Se a energia total da partícula for suficientemente pequena, de 60 CEDERJ MÓDULO 1 15 modo que a partícula passa a maior parte do tempo em torno do mínimo, AULA onde a parábola é uma boa aproximação à curva de energia potencial, o sistema será aproximadamente harmônico. V(x) Figura 15.2: O potencial V(x) (linha cheia), aproximado na região do entorno de seu mínimo, em x = a, por um potencial parabólico, típico de um oscilador harmônico (linha tracejada). V(a) a x Analiticamente, podemos encontrar o potencial harmônico que aproxima V(x) na vizinhança do ponto x = a, em que V(x) tem um mínimo, considerando a expansão em série de Taylor em torno do mínimo, 2 1  dV  2d V  V (x) = V (a) + (x − a)  ( ) + − x a  2  + ...   dx  x = a 2 ,  dx  x = a  d 2V  1 ≈ V (a) + (x − a)2  2  2  dx  x = a (15.1) já que a primeira derivada do potencial, em x = a, é nula, por se tratar de um mínimo. Assim, vemos que o potencial de oscilador harmônico  d 2V  é uma aproximação de V(x) em torno do mínimo. 2   dx  x = a com k =  Desta forma, o potencial harmônico pode ser utilizado em casos em que existem pequenas oscilações em torno de pontos de equilíbrio estável, como, por exemplo, no estudo de vibrações de moléculas ou dos átomos em um sólido. SOLUÇÃO DA EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER No caso do oscilador harmônico, a equação de Schrödinger tem a forma: − h2 d 2ψ (x) 1 2 + kx ψ (x) = Eψ (x) , 2m dx 2 2 (15.2) CEDERJ 61 Introdução à Mecânica Quântica | O oscilador harmônico que tem soluções para valores positivos da energia E. Costuma-se reescrever a Equação (15.2) utilizando as definições da freqüência angular do oscilador clássico,ω = k / m, e das variáveis adimensionais λ = 2E /(hω ) e ξ = ( ) mω / h x . Fazendo essas substituições, a equação de Schrödinger fica na forma: d 2ψ (ξ ) + ( λ − ξ 2 )ψ (ξ ) = 0 . dξ 2 (15.3) Vamos começar nosso estudo pela análise do comportamento da função de onda ψ(ξ). Fazemos mais uma substituição, definindo a função h(ξ) de modo que: ψ (ξ ) = e −ξ 2 /2 h(ξ ) . (15.4) Substituindo a Equação (15.4) na Equação (15.3), obtemos a equação diferencial para h(ξ): dh(ξ) d 2 h(ξ ) − 2ξ + (λ − 1)h(ξ ) = 0 . 2 dξ dξ Essa equação é conhecida como equação de Hermite. ATIVIDADE 1. Faça, em detalhe, os passos algébricos que levam à Equação (15.3) e à Equação (15.5). _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ ______________________________________________________________ RESPOSTA COMENTADA 2 2 Partimos da equação de Schrödinger, − h d ψ (x) + 1 kx 2ψ (x) = Eψ (x) , 2m dx 2 2 e fazemos as substituições sugeridas, ou seja, ω = ( ) k / m , λ = 2E /(hω ) mω / h x . Note que as derivadas com relação a x também mω dψ d 2ψ mω d 2ψ . têm de ser substituídas: dψ = ⇒ = h dξ h dξ 2 dx dx 2 eξ = Assim, obtemos: 62 CEDERJ (15.5) MÓDULO 1 − hω d 2ψ hω 2 hωλ + ξ ψ (ξ ) = ψ (ξ ) 2 2 2 dξ 2 15 h 2 hωλ h2 mω d 2ψ 1 + mω 2 ψ (ξ ) ξ ψ (ξ ) = 2 2m h dξ mω 2 2 AULA − d 2ψ + ( λ − ξ 2 )ψ (ξ ) = 0, dξ 2 que é a Equação (15.3). Fazendo agora a substituição ψ (ξ ) = e −ξ 2 / 2 h(ξ ) , vamos tomar a derivada segunda: 2  d 2ψ d  −ξ 2 2 dh = − ξ e −ξ 2 h (ξ )  e 2 dξ dξ  dξ  2 2 2 2 dh d h = e −ξ 2 2 − 2ξ e−ξ 2 + (ξ 2 − 1) e −ξ 2 h (ξ ) . dξ dξ Finalmente, substituindo esse resultado em Equação (15.5): e −ξ 2 2 d 2ψ + ( λ − ξ 2 )ψ (ξ ) = 0 , obtemos a dξ 2 2 2 2 d2h dh − 2ξ e −ξ 2 + (ξ 2 − 1) e −ξ 2 h (ξ ) + ( λ − ξ 2 ) e −ξ 2 h (ξ ) = 0 2 dξ dξ dh d2h − 2ξ + ( λ − 1) h (ξ ) = 0. 2 dξ dξ Para resolver a equação de Hermite, lembramos que, como o potencial do oscilador harmônico é uma função par, V(-x) =V(x), pela discussão da aula passada, a função de onda ψ(x) e, portanto, a função h(ξ) terão paridade bem definida; ou seja, serão funções pares ou ímpares. Vamos, assim, considerar a expansão de h(ξ) em séries de potências nos dois casos: quando essa função for par e quando ela for ímpar. a. h(ξ) par Neste caso, h(ξ) terá uma expansão exclusivamente em potências pares: ∞ h(ξ ) = ∑ cnξ 2 n , n =0 (15.6) que, quando substituída na Equação (15.5), leva à relação ∞ ∑ 2n(2n − 1)c ξ n =0 2(n −1) n + (λ − 1 − 4n)cnξ 2 n  = 0 (15.7) + (λ − 1 − 4n)cn ] ξ2 n = 0 (15.8) a que pode ser reescrita ∞ ∑ [2(n + 1)(2n + 1)c n =0 n +1 CEDERJ 63 Introdução à Mecânica Quântica | O oscilador harmônico Essa série de potências será exatamente nula somente se todos os coeficientes forem nulos, o que leva imediatamente à relação de recorrência: c n +1 = 4n + 1 − λ cn 2(n + 1)(2n + 1) (15.9) ATIVIDADE 2. Obtenha a Equação (15.7). ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ _____________________________________________________________ RESPOSTA Substituindo a Equação (15.6) na Equação (15.5), obtemos: d2  ∞ d  ∞    ∞  c ξ 2 n  − 2ξ cn ξ2 n  + ( λ − 1)  ∑ cnξ 2 n  = 0 ∑  2 ∑ n dξ  n =0 d ξ   n =0   n =0  d  ∞   ∞   ∞  2ncnξ 2 n −1  − 2ξ  ∑ 2ncn ξ2 n −1  + ( λ − 1)  ∑ cnξ 2 n  = 0 ∑  dξ  n =1   n =1   n =0   ∞  ∞ 2n  2n  2n −2 + − ( ) λ 1 2 n 2 n − 1 c ξ − 4 nc ξ ( ) ∑ n n ∑   ∑ c nξ  = 0 n =1  n =1   n =0  ∞ ∞ ∑ 2n(2n − 1)c ξ n =0 n 2n −2 + ( λ − 1 − 4n ) cnξ 2 n  = 0 Observamos que, para valores grandes de n, o quociente cn + 1 cn ≈ 1 , n +1 (15.10) que é justamente a relação entre os coeficientes da expansão ∞ 1 2n ξ ; n =0 n ! eξ = ∑ 2 64 CEDERJ (15.11) MÓDULO 1 . (15.12) AULA 1 /(n + 1)! 1 = 1 / n! n +1 15 já que Vemos assim que, para valores grandes de ξ, em que é necessário incluir muitos termos na expansão em série de Taylor, que o comportamento assintótico de h(ξ) é aproximadamente: lim h (ξ ) ≈ eξ , 2 (15.13) ξ →∞ e, portanto, lim ψ ( ξ ) = lim e−ξ ξ →∞  2 ξ →∞ Isto é inaceitável, já que a função eξ 2 2 h ( ξ )  ≈. eξ  2 2 2 (15.14) não pode ser normalizada. A única maneira de evitar esta divergência de ψ( ξ) para valores grandes de | ξ| é fazer com que a série (15.6) não seja infinita e termine para um dado valor de n = N. Nesse caso, h(ξ) vai ser um polinômio na variável ξ2. Se consideramos que a máxima potência de ξ2 nesse polinômio é ξ2N, temos, na Equação (15.6), que cN ≠ 0, enquanto que cN +1 = 0. Levando essa informação na relação (15.9), vemos que isso somente pode acontecer se λ = 4N + 1 . Temos agora a liberdade de escolher em qual valor N a expansão polinomial irá terminar. Na verdade, isso pode ocorrer para qualquer valor finito de N, de modo que, para cada um desses valores, teremos uma solução diferente da equação de Schrödinger. Assim, λ pode tomar um dos valores λ = 4N + 1, N = 0, 1, 2,... (15.15) Para cada um desses valores de N, a função h(ξ) será um polinômio de ordem 2N de ξ, e teremos uma função de onda ψ(ξ) par e que vai tender a zero para valores grandes de |ξ|, o que é fisicamente aceitável. b. h(ξ) ímpar Neste caso ψ(-ξ) = -ψ(ξ), e, portanto, h(-ξ) = -h(ξ), que terá uma expansão em série de Taylor com todos os expoentes ímpares: ∞ h(ξ ) = ∑ dn ξ 2 n +1 , n =0 (15.16) CEDERJ 65 Introdução à Mecânica Quântica | O oscilador harmônico que, quando substituída na Equação (15.7), leva, após um tratamento similar ao feito no caso de h(ξ) par, à seguinte relação entre os coeficientes: d n +1 = 4n + 3 − λ dn . 2(n + 1)(2n + 3) (15.17) Tal como no caso a, o quociente dos coeficientes dn+1/dn ≈ 1/ (n +1) para valores grandes de n, o que novamente leva à necessidade de interromper a série de potências em n = N, ou seja, dN ≠ 0, dN+1= 0. Nesse caso os valores possíveis de λ serão: λ = 4N + 3, N = 0, 1, 2,... . (15.18) Assim, cada valor N = 0, 1, 2, ... terá associado um polinômio h(ξ) de grau 2N+1 e uma função de onda ímpar, ψ(ξ). NÍVEIS DE ENERGIA Juntando os casos a e b, temos que os autovalores λ da Equação (15.3) são da forma: λ = 2n + 1, n = 0, 1, 2,... , (15.19) e, como λ = 2E /(hω) , os valores possíves para a energia são dados por: En = (n + 1 / 2)hω, n = 0, 1, 2,... . (15.20) Perceba as diferenças com relação ao oscilador harmônico clássico. No caso clássico, a energia pode ter qualquer valor, sendo determinada pelas condições iniciais do problema (velocidade e posição iniciais da massa). Já no caso quântico, o espectro de energias consiste em um número infinito de níveis discretos, como mostrado na Figura 15.3. Vemos que, para todos os valores da energia, a partícula está ligada, e que os níveis de energia estão igualmente espaçados, com separação hω entre eles; exatamente da mesma forma que Planck havia proposto quando formulou a teoria que explicava a radiação emitida por um corpo 66 CEDERJ MÓDULO 1 15 negro, que voce estudou em Física 4B. Outra diferença com relação ao AULA oscilador clássico é que o nível de menor energia corresponde a n = 0 e é E0 =hω /2. Este valor finito da energia do estado fundamental, como vimos na discussão do poço infinito, é chamado de energia de ponto zero, um fenômeno essencialmente quântico e que está relacionado ao Princípio da Incerteza. Enquanto na Mecânica Clássica a menor energia possível para o oscilador seria a que corresponde à situação em que a partícula estiver em repouso na origem de coordenadas, ou seja, energia igual a zero, no caso da Mecânica Quântica a relação de incerteza não permite esta situação de termos a partícula com momento zero em uma posição determinada, pois assim teria posição e momento simultaneamente bem definidos. Notamos, finalmente, que, de acordo com a observação de que os estados ligados dos sistemas em uma dimensão são não-degenerados, também no caso do oscilador harmônico quântico existe apenas uma função de onda associada a cada energia En. V(x) E4 E3 E2 E1 E0 x 0 Figura 15.3: Espectro de energias para o potencial de oscilador harmônico quântico. FUNÇÕES DE ONDA Voltando às funções de onda ψ(ξ), vimos que elas podem ser colocadas na forma ψ n (ξ ) = Hn (ξ )e −ξ 2 /2 , (15.21) CEDERJ 67 Introdução à Mecânica Quântica | O oscilador harmônico onde as funções Hn(ξ), que vínhamos chamando de h(ξ), são polinômios de grau n chamados de polinômios de Hermite. A partir do que discutimos anteriormente, as funções Hn(ξ) satisfazem à equação de Hermite (15.5) para λ = 2n+1, ou seja: d 2 H n (ξ ) dξ 2 − 2ξ dHn (ξ ) dξ + 2nHn (ξ ) = 0 . (15.22) As soluções desta equação são obtidas a partir das equações (15.6) e (15.16): N H 2 N (ξ ) = ∑ ciξ 2i (n = 2N, caso par), i =0 (15.23) N H 2 N +1 (ξ ) = ∑ diξ 2i +1 (n = 2N +1, caso ímpar) . i =0 (15.24) Como a Equação (15.22) é homogênea, os polinômios de Hermite estão definidos a menos de uma constante multiplicativa. Por convenção, costuma-se escolher esta constante de modo que o coeficiente de ξn em Hn(ξ) seja 2n . Isto define completamente os demais coeficientes a partir das relações de recorrência (15.9) e (15.17), que, usando os valores permitidos para λ, tornam-se: ci +1 = di + 1 = 4 (i − N ) 2(i + 1)(2i + 1) 4 (i − N ) 2(i + 1)(2i + 3) ci (caso par, polinômio de grau 2N), (15.25) di (caso ímpar, polinômio de grau 2N + 1). (15.26) Os cinco primeiros polinômios de Hermite são: H0 (ξ) = 1 H1 (ξ) = 2ξ H 2 (ξ) = 4ξ2 − 2 H3 (ξ) = 8ξ3 − 12ξ H 4 (ξ) = 16ξ4 − 48ξ2 + 12 68 CEDERJ (15.27) MÓDULO 1 AULA 15 ATIVIDADE 3. A partir das definições (15.23) e (15.24) e das relações de recorrência (15.25) e (15.26), obtenha os quatro primeiros polinômios de Hermite. ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ RESPOSTA COMENTADA 1 . n = 0 (par). Só haverá um termo constante no polinômio, o que pela convenção adotada será c0 = 2 = 1 . Assim, o polinômio 0 será H0 (ξ ) = 1 . 2o. n = 1 (ímpar). Mais uma vez, só haverá um termo no polinômio, correspondendo a N = 0. Usando novamente a convenção, 1 o coeficiente deste termo será d0 = 2 = 2 . Assim, o polinômio será H1 (ξ ) = 2ξ . 3o. n = 2 (par). Desta vez, teremos dois termos no polinômio. 2 O coeficiente do termo de ordem mais alta será c1 = 2 = 4 . = 2 =ser1 obtido pela relação de recorrência (15.23): O coeficiente c0 pode 4 ( 0 − 1) c1 = c0 , que dá c0 = −2 . Assim, o polinômio é 2(0 + 1)(0 + 1) 0 H 2 (ξ ) = 4ξ 2 − 2 . 4o. n = 3 (ímpar). Novamente, teremos dois termos no polinômio. O coeficiente do termo de ordem mais alta será d1 = 2 = 8 . O co3 = −12ser obtido pela relação de recorrência (15.24): eficiente d0 pode d1 = 4 ( 0 − 1) 2(0 + 1)(0 + 3) d0 , que dá d = −12 . Assim, o polinômio 0 3 é H3 (ξ ) = 8ξ − 12ξ . ! Existe uma fórmula geral que permite calcular todos os polinômios de Hermite: 2 H n (ξ ) = (−1)n eξ 2 d n e −ξ . dξ n (15.28) CEDERJ 69 Introdução à Mecânica Quântica | O oscilador harmônico Finalmente, concluimos que para cada autovalor da energia, 1 En = (n + )hω , corresponde uma única autofunção ψn(x), que pode ser 2 escrita na forma: ψ n (x) = Cn Hn (α x)e−α 2 2 x /2 , (15.29) onde α = mω / h vem da definição da variável ξ , e Cn é uma constante que vem da exigência da função de onda estar normalizada, ou seja, que: +∞ ∫ 2 ψ n (x) dx = −∞ Cn 2 α +∞ ∫e −ξ 2 Hn 2 (ξ ) dξ = 1. (15.30) −∞ A partir de uma propriedade geral dos polinômios de Hermite, de que +∞ ∫e − ξ2 Hn (ξ ) H m (ξ ) dξ = π 2n n ! δnm , (15.31) −∞ onde δnm δnm é a delta de Kronecker, = 0 para n ≠ m, δ nm = 1, encontramos que 1/ 2   α Cn =   n  π 2 n!  , (15.32) de onde temos a expressão geral para ψn(x): 1/ 2   α ψ n (x) =   n  π 2 n!  H n (α x) e−α 2 2 x /2 . (15.33) Na Figura 15.4, mostramos algumas funções de onda do oscilador harmônico. Em particular, notamos que, à medida que aumenta a energia, a paridade das funções de onda vai alternando entre par e ímpar. Note ainda que a energia da partícula aumenta com o número de nodos de sua função de onda, da mesma maneira que observamos nos poços de potencial finito e infinito. 70 CEDERJ MÓDULO 1 está apropriadamente normalizada e funções ψn(x) e ψm(x) para n ≠ m são ortogonais. Matematicamente, +∞ ∫ψ * n (x)ψ m (x) dx = δ nm . –6 –4 –2 0 E= 1 hω 2 4 6 E= 3 hω 2 4 6 E= 5 hω 2 4 6 2 (15.34) −∞ A partir do conhecimento das funções de onda ψn(x), podemos calcular todas as propriedades do oscilador harmônico –6 –4 –2 0 2 quântico. Por exemplo, podemos mostrar muito facilmente que o valor esperado da posição x, para qualquer ψn(x), é nulo. De fato, na expressão x = +∞ * ∫ ψ n (x) xψ n (x) dx = −∞ +∞ ∫ψ 2 n (x) x dx . (15.35) –6 –4 –2 0 2 −∞ temos que, como ψn(x) tem paridade definida, par ou ímpar, |ψn(x)|2 vai ser sempre uma função par, e quando E= multiplicada por x vai resultar em um integrando ímpar na Equação (15.35), que vai levar sempre a uma integral nula. –6 –4 –2 0 2 7 hω 2 4 6 De forma semelhante, utilizando as propriedades de ψn(x), ou mais precisamente, dos polinômios de Hermite, que podem ser encontradas em livros-texto, podemos mostrar que: x2 = +∞ ∫ψ * n −∞ p = +∞ ∫ψ −∞ p 2 +∞ * n 1 h  (x) x 2 ψ n (x) dx =  n +  2  mω  (15.36) E= –6 –4 –2 0 2 4 dψ (x)   (x)  −i h n  dx = 0 dx   E=  d 2 ψ n (x)  1  = ∫ ψ n (x)  −h2  dx =  n +  mhω 2 dx  2   −∞ * –6 –4 –2 0 9 hω 2 2 6 11 hω 2 4 6 Concluímos enfatizando, mais uma vez, a importância do oscilador harmônico na Mecânica Quântica. Como vimos, trata-se de um sistema que pode ser solucionado exatamente, apesar de que as dificuldades matemáticas são um pouco Figura 15.4: As funções de onda do oscilador harmônico para n = 0, 1, 2, 3, 4 e 5. maiores do que as que vimos nos sistemas que estudamos anteriormente. No entanto, o importante é que encontramos todas as funções de onda e autovalores da energia. Isto não é comum em Mecânica Quântica; pelo contrário, a maioria dos sistemas quânticos não tem solução exata! CEDERJ 71 15 à ortonormalidade das funções de onda, ou seja, cada ψn(x) AULA Vemos também que a expressão (15.31) também leva Introdução à Mecânica Quântica | O oscilador harmônico ATIVIDADE FINAL No oscilador harmônico clássico, o valor médio temporal da energia cinética é igual ao da energia potencial. Usando as relações (15.36), mostre que algo semelhante ocorre com o oscilador harmônico quântico: os valores esperados da energia cinética e da energia potencial são ambos iguais à metade da energia do oscilador, qualquer que seja o estado quântico em que ele se encontre. ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ RESPOSTA COMENTADA Os valores esperados da energia cinética e da energia potencial são, respectivamente, p2 e 1 mω 2 x 2 . Usando as expressões (15.36) para a 2 2m função de onda ψn(x), obtemos: p2 2m 1 1 1 h  mω 2 x 2 = mω 2  n +  = 2 2 2  mω  ( n + 21 ) mhω ( n + 21 ) hω e = 2m 2 ( n + 21 ) hω , como queríamos = 2 demonstrar. RESUMO Um oscilador harmônico quântico possui níveis discretos de energia dados por En = ( n + 21 ) hω , n = 0, 1, 2, ... São, portanto, níveis de energia igualmente espaçados. Note ainda que a energia do estado fundamental não é nula, e sim hω 2 , em acordo com o Princípio da Incerteza. As funções de onda do oscilador são pares ou ímpares, com um número de nodos que cresce com a energia. INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, vamos resolver um conjunto de exercícios para fixar os conteúdos da Aulas 11 a 15. 72 CEDERJ 16 AULA Exercícios Meta da aula objetivo Aplicar o formalismo quântico estudado nas Aulas 11 a 15 deste módulo à resolução de um conjunto de exercícios. • Esperamos que, após o término desta aula, você tenha consolidado os conteúdos das Aulas 11 a 15, do Módulo 2. Pré-requisitos Os conteúdos das Aulas 11 a 15 desta disciplina. Introdução à Mecânica Quântica | Exercícios 1. BARREIRA DE POTENCIAL (AULAS 11 E 12) 1.1. Um feixe de elétrons de 2 eV incide sobre uma barreira de potencial retangular de 4 eV de altura e 1 nm de espessura. (a) Qual é a probabilidade de transmissão T? (b) Qual seria o valor de T para elétrons de 6eV? RESPOSTA COMENTADA (a) Trata-se do caso em que a energia é menor que a altura da barreira. Podemos usar a Equação (11.8) deduzida na Aula 11:  ( k2 + K 2 )2 senh2 ( Ka )   T = 1 +   4k2 K 2   −1 −1  V 2 senh2 ( Ka )  = 1 + 0  , 4E (V0 − E )   2m (V0 − E ) h = 7, 2nm –1 . Substituindo os valores na fórmula, obtemos T = 2, 2 × 10−6. em que K = (b) Agora temos a energia maior que a altura da barreira, então usamos a Equação (11.10) da Aula 11:  ( k2 − k′2 )2 sen2 ( k′a )   T = 1 +   4k2 k′2   −1 −1  V 2 sen2 ( k′a )  = 1 + 0  , 4E ( E − V0 )   2m ( E − V0 ) h = 7, 2 nm –1 . Substituindo os valores na fórmula, obtemos T = 0, 83 . em que k′ = 1.2. Supondo que podemos ajustar a espessura da barreira do exercício 1.1.a, qual o valor da mesma para que 1 elétron, de cada 1000 incidentes, tunelasse através dela? 74 CEDERJ MÓDULO 1 16 RESPOSTA COMENTADA AULA Podemos usar a Equação (11.8) da Aula 11 para obter uma expressão para a espessura a:  4E (V − E ) (T −1 − 1)  1 0 –1   a = senh   K V02   Usando T = 1/1000 , E = 2 eV, V0 = 4 eV e K = 7,2 nm–1, obtemos a = 0.576 nm. 1.3. Um próton e um dêuteron (que possui duas vezes a massa do próton), ambos com uma energia cinética de 3MeV, incidem sobre uma barreira de 10fm de espessura e altura igual a 10MeV. Calcule a probabilidade de transmissão para cada uma destas partículas. RESPOSTA COMENTADA −1  V02 senh2 ( Ka )  Usamos novamente a expressão T = 1 + . 4E ( V0 − E )   No caso do próton, usamos m = 1,67 × 10 –27 kg e obtemos K = 2m (V0 − E ) h = 5, 8 × 1014 m –1 . Substituindo na fórmula, obtemos T = 3,1 × 10–5. Já no caso do dêuteron, temos K = 8,2 × 1014 m–1 e T = 2,5 × 10–7. Veja que, se aumentarmos a massa apenas por um fator 2, a probabilidade de tunelamento diminui por duas ordens de magnitude! CEDERJ 75 Introdução à Mecânica Quântica | Exercícios O POÇO DE POTENCIAL FINITO (AULA 13) 2.1. Um elétron está no interior de um poço quadrado de 10 eV de profundidade. a. Se a energia do estado fundamental do eletron no poço é de 8 eV, calcule a largura do poço. b. Repita o item anterior para o caso em que 8 eV seja a energia do primeiro estado excitado. RESPOSTA COMENTADA a. Usando a Equação (13.27), temos k tan ( ka 2 ) = K ′ , que relaciona a energia e a largura de um poço quadrado no caso de uma solução par (como a do estado fundamental). Usando as definições de k e K’, temos: k= 2mE , K′ = h 2m (V0 − E ) h ⇒ V0 − E 1 K′ = = k E 2 Deste modo, tan ( ka 2 ) = 1 2 ⇒ ka = 0, 46 + nπ (em radianos) 2 onde n = 0, 1, 2, ... . Assim, há vários valores possíveis da largura a que satisfazem os dados do problema. No entanto, note que ainda não impusemos a condição de que este é o estado fundamental (o estado par com menor energia). Os diferentes valores possíveis de a correspondem a diferentes estados pares, todos com energia de 8 eV, mas apenas um deles deve ser o estado fundamental para o poço correspondente. Note que, quanto mais largo o poço, maior o número de estados ligados. Ou seja, se aumentarmos muito a largura do poço, certamente introduziremos estados pares com energia menor que 8 eV. Assim, o valor de n para o qual o estado em questão é o estado fundamental deve corresponder à menor largura de poço possível, ou seja, n = 0. Obtemos então a = 0, 93 . Como k k= 2mE = h 2 × 9, 11 × 10−31 × 8 × 1, 60 × 10−19 m–1 = 1, 05 × 10−34 1,45 × 1010 m–1, então obtemos finalmente a = 6,4 × 10–2 nm. b. No caso do primeiro estado excitado, temos de usar a Equação (13.25), k cot ( ka 2 ) = −K ′ , que se refere a funções de onda ímpares. Repetindo o procedimento do item anterior, obtemos: cot ( ka 2 ) = − 1 2 ⇒ 76 CEDERJ ka = 2, 03 + nπ 2 (em radianos) MÓDULO 1 16 onde, novamente, n = 0, 1, 2, ... . Pela mesma argumentação anterior, Obtemos então a = AULA escolhemos n = 0 (estamos em busca do estado ímpar de menor energia). 4, 06 = 0, 28 nm. k ! A atividade a seguir é opcional, pois requer do aluno um conhecimento básico de programação. 2.2. Crie um pequeno programa de computador que calcule as energias dos estados ligados de um elétron em um poço quadrado finito. RESPOSTA COMENTADA Seu programa deve ter aproximadamente a seguinte estrutura: 1. Defina a massa do elétron, constante de Planck, a altura e a largura do poço. 2. Varie a energia E em passos muito pequenos desde 0 até V0 , e calcule k e K’. 3. Em cada passo, verifique se as Equações (13.25) (para estados ímpares) ou (13.27) (para estados pares) são satisfeitas, dentro de uma certa tolerância. O POÇO DE POTENCIAL INFINITO (AULA 14) 3.1. Faça uma estimativa da energia de ponto zero de um nêutron em um núcleo, tratando-o como se estivesse em um poço quadrado infinito de largura igual a um diâmetro nuclear de 10–14 m (Eisberg-Resnick, Problema 20, Capítulo 6). CEDERJ 77 Introdução à Mecânica Quântica | Exercícios RESPOSTA COMENTADA A energia de ponto zero é a energia do estado fundamental 2 2 (n = 1) do poço infinito: E = h π . Usando a = 10 -14 m e 1 2 2ma m = 1,67 × 10–27 kg, obtemos E1 = 2,0 MeV. 3.2. a. Para uma partícula em uma caixa, mostre que a diferença fracional de energia entre autovalores adjacentes é ∆En = 2n + 1 . En n2 b. Use essa fórmula para discutir o limite clássico do sistema (Eisberg-Resnick, Problema 22, Capítulo 6). RESPOSTA COMENTADA a. Usando a fórmula (14.12) para as auto-energias do poço infinito, En = h2π 2 n 2 , temos: 2ma2 2 ∆En En +1 − En ( n + 1) − n 2n + 1 = = = En En n2 n2 2 b. O limite clássico é obtido para grandes números quânticos. Nesse limite, deve haver uma correspondência entre os resultados quânticos e os clássicos. Pela fórmula obtida no item anterior, no limite de grandes números quânticos (n → ∞), a diferença fracional tende a zero. Ou seja, torna-se imperceptível a quantização da energia, o que está de acordo com a Mecânica Clássica, já que, para uma partícula clássica dentro de um poço, qualquer valor positivo da energia é possível. 78 CEDERJ MÓDULO 1 2 2 3.3. Calcule os valores esperados x , p , x , p 16 para o AULA estado com n = 3 do poço infinito e comente sobre cada resultado. RESPOSTA COMENTADA A função de onda normalizada para n = 3 é dada pela Equação (14.10) da Aula 14: ψ (x) = 2 cos  3π x  . Calculando os valores esperados: 3   a  a  x = ∞ * ∫ ψ 3 (x) xψ 3 (x) dx = −∞ a2 2  3π  x  dx = 0 . x cos2  a − a∫ 2  a  2 Para qualquer autofunção do poço infinito, ψ (x) é sempre uma função par, de modo que a densidade de probabilidade de encontrarmos a partícula em x é sempre igual que em –x. Sendo assim, o valor mais provável para a posição da partícula tem de ser em x = 0. p = ∞ ∫ψ −∞ * 3 ∂  2i h 3π  (x)  −i h ψ 3 (x) dx = ∂ x a a   a2  3π   3π  x  dx = 0 cos  x  sin   a   a  −a 2 ∫ A partícula tem probabilidade igual de se mover para a direita ou para a esquerda. Portanto, o momento linear médio deve ser nulo. ∞ x2 = * 2 ∫ ψ 3 (x)x ψ 3 (x)dx = −∞ a2 2 1   3π   1 x 2 cos2  − x  dx = 0 = a2  ≈ 0, 077 a2 2  a − a∫ 2  a   12 18π  Com esse resultado, podemos obter a incerteza na medida da posição: ∆x = x2 − x 2 ≈ 0, 28a , um pouco menor que a largura do poço, como deveria ser. p2 = ∞ ∫ψ −∞ * 3  ∂2  2 9π 2 h2 (x)  −h2 2 ψ 3 (x) dx = a a2 ∂x   a2 9π 2 h2  3π  cos2  x  dx = , a2  a  −a 2 ∫ O valor esperado de p2 poderia também ser obtido a partir do autovalor da energia e usando E = p2/2m. A partir do valor obtido, podemos calcular a incerteza no momento: ∆p = p2 − p 2 = 3π h . Podemos, então, verificar a h o princípio da incerteza para esse estado quântico: ∆x∆p ≈ 2, 6h > 2 . CEDERJ 79 Introdução à Mecânica Quântica | Exercícios O OSCILADOR HARMÔNICO (AULA 15) 4.1. A constante de força restauradora (constante de mola) k para vibrações interatômicas de uma molécula diatômica típica é de aproximadamente 103 J/m2. Use esse valor para fazer uma estimativa da energia de ponto zero das vibrações moleculares (Eisberg-Resnick, Problema 29, Capítulo 6). RESPOSTA COMENTADA 1 hω. 2 Para obtermos a freqüência, precisamos estimar a massa da molécula (de A energia de ponto zero de um oscilador harmônico simples é dada por forma mais rigorosa, a massa reduzida para o movimento relativo de vibração). Obviamente, essa massa varia de acordo com a molécula, mas podemos tomar cerca 10 vezes a massa do próton como uma ordem de grandeza para uma molécula formada por átomos leves. Sendo assim, a freqüência é 1 ω = 2,4 × 1014 rad/s, e a energia é hω = 0,08 eV. 2 4.2. a. Faça uma estimativa da diferença em energia entre o estado fundamental e o primeiro estado excitado de vibração da molécula do exercício anterior. b. A partir dessa estimativa, determine a energia do fóton emitido quando a molécula faz uma transição entre o primeiro estado excitado e o estado fundamental. c. Determine também a freqüência do fóton e compare-a com a freqüência de oscilação clássica do sistema. d. Em qual região do espectro eletromagnético está a radiação emitida? 80 CEDERJ MÓDULO 1 16 RESPOSTA COMENTADA AULA a. As auto-energias do oscilador harmônico quântico são dadas pela Equação (15.20): En = (n + 1 2)hω . Assim, a diferença de energia entre dois níveis consecutivos quaisquer, inclusive entre o estado fundamental e o primeiro estado excitado, é igual a hω . Portanto, no caso da molécula considerada na atividade anterior, temos hω = 0, 16 eV. b. A energia do fóton emitido quando a molécula faz a transição entre dois estados quânticos é precisamente a diferença de energias entre os dois estados, que calculamos no item anterior. c. Pela relação de Einstein, a frequência do fóton é ν = E h , onde E é a sua energia, calculada no item anterior. Sendo assim, a frequência do fóton é idêntica à freqüência de vibração da molécula. Podemos entender este resultado a partir do eletromagnetismo clássico. Uma molécula é composta por elétrons e núcleos, que contêm carga elétrica. Quando a molécula oscila, as oscilações de carga dão origem a ondas eletromagnéticas (fótons) de mesma freqüência, de forma semelhante ao que ocorre em uma antena. d. Usando a relação de Einstein com E = 0,16 eV, temos ν = E h = 3,8 × 1013 Hz ou comprimento de onda de = c/ = 7,7 µm. Esta radiação está na faixa do infravermelho. É por este motivo que a espectroscopia na região do infravermelho é uma das técnicas mais poderosas no estudo de moléculas. 4.3. Um pêndulo, constituído por uma massa de 1 kg no extremo de uma barra leve de 1 m, oscila com uma amplitude de 0,1 m. Calcule as seguintes grandezas: a. freqüência de oscilação; b. energia de oscilação; c. valor aproximado do número quântico para a oscilação; d. separação entre energias possíveis adjacentes; e. separação em distância entre os máximos adjacentes na função densidade de probabilidade em torno do ponto de equilíbrio (EisbergResnick, Problema 31, Capítulo 6). CEDERJ 81 Introdução à Mecânica Quântica | Exercícios RESPOSTA COMENTADA ν= 1 2π g 1 = l 2π a. A frequência do pêndulo é dada por ν = 1 9, 8 m/s2 2π = 0, 50 Hz. 1m g 1 = l 2π 9, 8 m/s2 = 0, 50 Hz. 1m 1 mω 2 A2, 2 onde A é a amplitude do movimento. Usando os dados do problema, b. Pela Mecânica Clássica, a energia de oscilação é dada por E = 1 2 2 × 1 × ( 2π × 0, 50 ) × ( 0, 1) = 4, 9 × 10 2 J. 2 E 1 1 1   c. Usando a relação En =  n +  hω =  n +  hν, temos n = n − = temos E =  2  E 1 4, 9 × 10−2 1 . n= n − = − ≈ 1, 4 × 1032 hν 2 6, 63 × 10−34 × 0, 5 2 2 hν 2 4, 9 × 10−2 1 − ≈ 1, 4 × 10 6, 63 × 10−34 × 0, 5 2 Note que um sistema clássico corresponde, dentro de uma descrição quântica, a números quânticos absurdamente altos. d. A separação entre níveis adjacentes é hω = 3, 3 × 10−34 J = 2,1 × 10–15 eV. Esta diferença de energias é tão pequena que é impossível de ser medida. Ou seja, é impossível afirmar, para valores tão altos do número quântico n, se o oscilador está realmente no nível n ou no nível n + 1. e. O número de máximos da densidade de probabilidade para um estado do oscilador harmônico com número quântico n é igual a n + 1. Assim, o número de máximos é também aproximadamente igual a 1,4 × 1032. Supondo que os os máximos adjacentes estão igualmente espaçados entre si ao longo da trajetória do pêndulo, a distância entre dois máximos adjacentes é igual a 2 × 0, 1 ≈ 1, 4 × 10−33 m. 1, 4 × 1032 Esta é também uma distância impossível de ser medida. INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, iniciaremos o Módulo 3 de nossa disciplina, que trata de sistemas quânticos em três dimensões. 82 CEDERJ 17 AULA Separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas 1. Partícula livre e caixa de potencial tridimensional Meta da aula objetivos Estudar uma partícula quântica livre e presa em uma caixa em três dimensões. • identificar as dificuldades para resolver a equação de Schrödinger em três dimensões; • reconhecer que, para alguns potenciais, chamados separáveis, a equação de Schrödinger em três dimensões pode ser escrita na forma de três equações de Schrödinger em uma dimensão; • aplicar esse estudo ao caso da partícula livre em três dimensões e de uma partícula em uma caixa. Pré-requisito Para melhor compreensão desta aula, é preciso que você reveja as Aulas 4 e 7 desta disciplina. Introdução à Mecânica Quântica | Separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas 1. Partícula livre e caixa de potencial tridimensional EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER EM TRÊS DIMENSÕES Vimos, na Aula 4 desta disciplina, que uma partícula microscópica (por exemplo, um elétron) tem o seu estado, em um instante de tempo t, completamente definido por uma função complexa chamada função de onda, indicada pelo símbolo Ψ(x, y, z, t), em que (x, y, z) são as coordenadas espaciais cartesianas. Supondo que a partícula tenha massa m e se mova sob a influência de uma energia potencial V(x, y, z, t), vimos que essa função de onda satisfaz a equação de Schrödinger dependente do tempo: ih ∂Ψ h2  ∂ 2 Ψ ∂ 2 Ψ ∂ 2 Ψ  + + =−   + V (x, y, z, t)Ψ . (17.1) ∂t 2m  ∂ x 2 ∂ y 2 ∂ z 2  Inicialmente, vamos generalizar esse resultado para o problema mais geral de duas partículas, de massas m A e m B, nas posições (xA , yA , zA) e (xB , yB , zB), respectivamente, que interagem por meio de um potencial V(x, y, z, t) que depende apenas das coordenadas relativas, x = xA– xB , y = yA – yB , z = zA – zB. Sabemos, do curso de Mecânica, que esse problema se resolve por meio de uma mudança de coordenadas para as coordenadas relativas e do centro de massa. O movimento da coordenada do centro de massa estará sujeito à ação de forças externas. Vamos deixá-lo de lado no momento, pois nosso foco é o estudo do movimento da coordenada relativa. Na coordenada relativa, o problema é equivalente ao estudo de uma única partícula de massa µ = mA mB ( mA + mB )(a chamada massa reduzida), que se movimenta no potencial V(x, y, z, t). Neste caso, a Equação de Schrödinger tem a forma: ih ∂Ψ h2  ∂ 2 Ψ ∂ 2 Ψ ∂ 2 Ψ  + + 2  + V (x, y, z, t)Ψ . (17.2) =−  ∂t 2µ  ∂ x2 ∂ y2 ∂z  Note que o caso particular de uma única partícula de massa m, estudado pela Equação (17.1), pode também ser estudado pela Equação (17.2). Para isso, basta fazer mA = m, mB = ∞; e, considerando que esta última partícula está na origem de coordenadas, xB = yB = zB = 0. No caso em que o potencial V não dependa explicitamente do tempo, V =V(x, y, z), podemos separar a função de onda Ψ(x, y, z, t) no produto de uma função das coordenadas ψ(x, y, z) e outra do tempo, da forma: Ψ(x, y, z, t) = ψ(x, y, z) e− iEt / h . 84 CEDERJ (17.3) MÓDULO 1 17 Onde, analogamente ao caso unidimensional, E representa a energia AULA total do sistema. Substituindo a Equação (17.3) na Equação (17.2), obtemos a equação de Schrödinger independente do tempo no caso tridimensional: − h2 2µ  ∂2ψ ∂2ψ ∂2ψ   2 + 2 + 2  + V (x, y, z) ψ (x, y, z)= E ψ (x, y, z) . ∂y ∂z   ∂x (17.4) A Equação (17.4) pode também ser escrita na forma h2 2 ∇ ψ + V (x, y, z)ψ (x, y, z) = Eψ (x, y, z) , 2µ em que ∇2 é o operador laplaciano. − ATIVIDADE 1. Verifique que a função de onda Ψ(x, y, z, t), dada pela Equação (17.3), é solução da equação de Schrödinger dependente do tempo, Equação (17.2), se ψ(x, y, z) for solução da equação de Schrödinger independente do tempo, Equação (17.4). ________________________________________________________ ________________________________________________________ _________________________________________________________ RESPOSTA COMENTADA Vamos substituir a função de onda Ψ(x, y, z, t), definida pela Equação (17.3), na Equação (17.2): ih ∂Ψ h2 =− ∂t 2µ  ∂2 Ψ ∂2 Ψ ∂2 Ψ   2 + 2 + 2  + V (x, y, z, t)Ψ ∂y ∂z   ∂x ∂ h2  ∂ 2ψ ∂ 2ψ ∂ 2ψ  − iEt / h ψ (x, y, z)e− iEt / h  = − + V (x, y, z, t)ψ (x, y, z)e − iEt / h  2 + 2 + 2 e ∂t 2µ  ∂ x ∂y ∂z  2 2 2 2 h  ∂ ψ ∂ ψ ∂ ψ  − iEt / h Eψ (x, y, z)e − iEt / h = − + + + V (x, y, z, t)ψ (x, y, z)e − iEt / h  e 2 µ  ∂x 2 ∂y 2 ∂z 2  ih Eψ (x, y, z) = − h2 2µ  ∂ 2ψ ∂ 2ψ ∂ 2ψ   2 + 2 + 2  + V (x, y, z, t) ψ (x, y, z), ∂y ∂z   ∂x que é precisamente a Equação (17.4), como queríamos demonstrar. CEDERJ 85 Introdução à Mecânica Quântica | Separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas 1. Partícula livre e caixa de potencial tridimensional Observamos que a equação de Schrödinger independente do tempo, neste caso tridimensional, é uma equação em derivadas parciais de segunda ordem, diferentemente da equação de Schrödinger independente do tempo no caso unidimensional, que estudamos em detalhes no Módulo 2, e que era uma equação diferencial ordinária, também de segunda ordem. Como conseqüência disso, a solução da Equação (17.4) somente pode ser obtida em forma explícita em alguns casos simples. Em particular, a solução vai ser possível quando a forma do potencial permitir a utilização do procedimento de separação de variáveis. Nesse caso, a equação de Schrödinger tridimensional pode ser reduzida a equações mais simples em uma dimensão. Vamos estudar, primeiramente, o caso em que a equação de Schrödinger é separável em coordenadas cartesianas. Futuramente, veremos casos em que essa equação é separável em coordenadas esféricas. SEPARAÇÃO DA EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER EM COORDENADAS CARTESIANAS Vamos considerar, inicialmente, o caso em que o potencial V(x, y ,z) pode ser escrito na seguinte forma: V (x, y, z) = V1 (x) + V2 (y) + V3 (z) . (17.5) Neste caso, a equação de Schrödinger (17.4) pode ser escrita na forma:   h2 ∂ 2   h2 ∂ 2   h2 ∂ 2   − + ( ) + ( ) + V3 (z) ψ (x, y, z) = V x V y + −  1 2    + − 2 2 2 ∂z   2µ ∂ y   2 µ (17.6)     2 µ ∂ x 2 2   h2 ∂ 2   h2 ∂ 2     h ∂ + ( ) + ( ) + V3 (z) ψ (x, y, z) = Eψ (x, y, z) . V x V y + − − 1 2    + − 2 2 2   2 µ ∂ x   2µ ∂ y   2µ ∂ z   A forma dessa equação sugere que procuremos soluções que sejam produtos de três funções de uma variável, ψ (x, y, z) = ψ 1 (x)ψ 2 (y)ψ 3 (z) . (17.7) Substituindo a Equação (17.7) na Equação (17.6) e dividindo os dois lados por ψ(x, y, z), obtemos: 86 CEDERJ 2 17 MÓDULO 1     h2 1 d 2ψ 3 d 2ψ 2 + + V3 (z)  = E . V ( y )  + − 2 2 2 dy   2 µ ψ 3 dz   AULA 2 2     h2 1 d 2ψ 2   h2 1 d 2ψ 3   h 1 d ψ 1 + + + V3 (z)  = E + − V ( x ) V ( y ) −    + − 1 2 2 2 2   2 µ ψ 1 dx   2 µ ψ 2 dy   2 µ ψ 3 dz   (17.8) Cada uma das expressões nos colchetes é função de apenas uma das variáveis x, y e z. Portanto, para que a soma dessas expressões seja igual à constante E, cada uma delas deve ser uma constante, que denominamos E1, E2, E3, respectivamente. Obtemos, então, o sistema de três equações diferenciais ordinárias: − h2 d 2ψ 1 + V1 (x)ψ 1 (x)= E1ψ 1 (x) , 2 µ dx 2 (17.9.a) − h2 d 2ψ 2 + V2 (y)ψ 2 (y)= E2ψ 2 (y) , 2 µ dy 2 (17.9.b) h2 d 2ψ 3 + V3 (z)ψ 3 (z)= E3ψ 3 (z) , 2 µ dz 2 (17.9.c) − com a condição adicional E1 + E2 + E3 = E . (17.9.d) Cada uma das equações (17.9.a.b.c) tem a forma da equação de Schrödinger unidimensional, que estudamos no Módulo 2. Vemos, portanto, que no caso do potencial ser separável (na forma indicada pela Equação (17.5)), a solução da equação de Schrödinger tridimensional pode ser expressa em termos dos resultados conhecidos para as soluções da equação de Schrödinger unidimensional. A seguir, vamos considerar os seguintes exemplos: o estudo da partícula livre em três dimensões, de uma partícula em uma caixa de potencial em três dimensões e, finalmente, do oscilador harmônico tridimensional. Nesta aula, consideraremos apenas os dois primeiros desses sistemas, deixando o estudo do oscilador harmônico para ser feito na próxima aula. CEDERJ 87 Introdução à Mecânica Quântica | Separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas 1. Partícula livre e caixa de potencial tridimensional A PARTÍCULA LIVRE EM TRÊS DIMENSÕES Como primeiro exemplo, vamos considerar o movimento de uma partícula livre de massa µ. Neste caso, o potencial é nulo em todo o espaço, e a equação de Schrödinger (17.4) fica na forma: h2 − 2µ .  ∂ 2ψ ∂ 2ψ ∂ 2ψ   2 + 2 + 2  = Eψ (x, y, z) . ∂y ∂z   ∂x (17.10) Essa equação é facilmente separável em coordenadas cartesianas, considerando V1(x) = V2(y) = V3(z) = 0. Por exemplo, a Equação (17.9.a) vai ser escrita na forma: − h2 d 2ψ 1 = E1ψ 1 (x) , 2 µ dx 2 (17.11) que é exatamente a mesma forma da Equação (7.1) da Aula 7, para o caso da partícula livre em uma dimensão. Lembrando o que foi discutido naquela aula, a Equação (17.11) tem solução para todo valor de E1 > 0, e essa solução tem a forma: ψ 1 (x) = A1eik1x + B1e − ik1x, (17.12.a) onde k1 = 2µ E1 / h e A1 e B1 são constantes arbitrárias. Procedendo da mesma forma com as Equações (17.9.b) e (17.9.c), obtemos: ψ 2 (y) = A2 eik2 y + B2 e − ik2 y , (17.12.b) ψ 3 (z) = A3eik3z + B3e − ik3z . (17.12.c) Portanto, a solução da equação de Schrödinger ψ(x, y, z) = ψ1(x) ψ2(y) ψ3(z) pode ser escrita como uma combinação linear de estados na forma rr ψ (x, y, z) = Cei (k1x + k2 y + k3z) = Ceik.r , (17.13) r em que definimos o vetor de onda k = (k1, k2, k3), e o vetor posição da r partícula r = (x, y, z). Finalmente, da Equação (17.9.d) obtemos: h2 h 2 k2 p2 , (17.14) k12 + k2 2 + k32 ) = = ( 2µ 2µ 2µ ur r onde p é o módulo do vetor momento p = hk . E = E1 + E2 + E3 = 88 CEDERJ MÓDULO 1 17 ∂ , ∂x r r ∂ ∂ ∂ passa a ser, em três dimensões, p = −i h∇ , onde r xˆ + yˆ + zˆ , ∇= ∂x ∂y ∂z Operador momento linear, que em uma dimensão era p = −i h AULA ! é o operador gradiente. ATIVIDADE 2. Mostre que a função de onda (17.13) r é autofunção do operador momento com autovalor hk . RESPOSTA COMENTADA Vamos aplicar o operador momento à função de onda (17.13): r r i (k x + k y + k z ) pψ (x, y, z) = −i h∇ Ce x y z      ∂  ∂ i (k x + k y + k z )  i (k x + k y + k z )  i (k x + k y + k z )    ∂ = −i h   Ce x y z  xˆ +  Ce x y z  yˆ +  Ce x y z  zˆ  ∂ x ∂ y ∂ z         i ( kx x + ky y + kz z ) i ( kx x + ky y + kz z ) i ( kx x + ky y + kz z ) xˆ + ikyCe yˆ + ikzCe zˆ = −i h ikxCe r = h ( kx xˆ + ky yˆ + kz zˆ )ψ (x, y, z) = hk ψ (x, y, z) , { } como queríamos demonstrar. Em relação à condição de normalização da função de onda da partícula livre descrita pela Equação (17.13), temos, de maneira similar à vista na Aula 7, que ela pode ser escrita na forma: ∞ ∞ ∞ ∫∫∫ −∞ −∞ −∞ 2 ψ (x, y, z) dx dy dz = 1 ⇒ C 2 ∞ ∞ ∞ ∫ ∫ ∫ dx dy dz = 1 . −∞ −∞ −∞ (17.15) CEDERJ 89 Introdução à Mecânica Quântica | Separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas 1. Partícula livre e caixa de potencial tridimensional ∞ ∞ ∞ Novamente temos um problema, pois a integral ∫ ∫ ∫ dx dy dz tem −∞ −∞ −∞ valor infinito, de modo que teríamos de ter C = 0. Lembramos que essa dificuldade surgiu porque a situação de uma partícula livre em uma região de extensão infinita é não-física, já que os experimentos são sempre realizados em locais com extensão finita. Em sistemas tridimensionais como o que estamos considerando, isto pode ser conseguido, por exemplo, impondo que a função de onda seja normalizada em uma caixa cúbica de lado L. A condição de normalização torna-se, então L2 L2 L2 ∫ ∫ ∫ 2 ψ (x, y, z) dx dy dz = 1 ⇒ C −L 2 −L 2 −L 2 L2 L2 L2 ∫ ∫ ∫ 2 ψ (x, y, z) dx dy dz = 1 ⇒ C 2 L2 L2 L2 ∫ ∫ ∫ dx dy dz = 1 ⇒ C = −L 2 −L 2 −L 2 2 −L 2 −L 2 −L 2 L2 L2 L2 ∫ ∫ ∫ dx dy dz = 1 ⇒ C = −L 2 −L 2 −L 2 1 ( ) L 3 . (17.16) Chegamos, dessa maneira, ao valor de C que normaliza a função de onda da partícula livre em três dimensões. Observamos que a escolha da forma e do tamanho da caixa foram arbitrários, mas, como no caso unidimensional, as propriedades da função de onda não dependem do valor da constante C. Podemos, portanto, considerar que a função de onda normalizada para a partícula livre movimentando-se em três ur r dimensões com momento p = hk é dada por: rr ψ (x, y, z) = L−3 / 2 eik.r . (17.17) A PARTÍCULA EM UMA CAIXA EM TRÊS DIMENSÕES Como segundo exemplo, vamos considerar uma partícula de massa µ que se movimenta dentro de uma caixa com forma de paralelepípedo de lados L1, L2, L3 e de paredes impenetráveis. No interior da caixa, o potencial V é constante, e consideramos que o valor do mesmo é zero, enquanto nas paredes V é infinito. Esse problema é, portanto, uma extensão para três dimensões do estudo do poço quadrado infinito estudado na Aula 14. A equação de Schrödinger a ser resolvida no interior da caixa é similar ao caso da partícula livre, − 90 CEDERJ h2 2µ  ∂ 2ψ ∂ 2ψ ∂ 2ψ   2 + 2 + 2  = Eψ (x, y, z) , ∂y ∂z  ∂ x (17.18) 1 ( L) 3 MÓDULO 1 17 mas agora temos de acrescentar a condição de que a função de onda AULA ψ(x, y, z) deve ser nula nas paredes (e também no espaço exterior à caixa). Considerando a origem de coordenadas em uma das quinas da caixa e, lembrando que ψ (x, y, z) = ψ 1 (x)ψ 2 (y)ψ 3 (z) , temos que, para 0≤ x ≤ L1, a função de onda ψ1(x) satisfaz a equação − h 2 d 2 ψ1 =E1ψ1 (x) 2 µ dx 2 (17.19) com as condições ψ1(0) = ψ1(L1) = 0. A partir dos resultados obtidos na Aula 14, os valores possíveis para E1 são: En1 = h2 π2 n12 , n1 = 1, 2, 3,... . 2 µ L12 (17.20) As autofunções correspondentes, já normalizadas, vão ter a forma: 1/ 2  2 ψ n1 (x) =    L1  πn  sen  1 x  , n1 = 1, 2, 3,... .  L1  (17.21) Efetuando o mesmo procedimento para as funções de onda ψ2(y) e ψ3(z), obtemos que as funções de onda normalizadas para a partícula na caixa tridimensional são dadas pela expressão: 1/ 2  8  ψ n1n2 n3 (x, y, z) =    L1L2 L3  πn  πn  πn  sen  1 x  sen  2 y  sen  3 z  . (17.22)  L1   L2   L3  Os valores da energia associados a esta função de onda são: En1n2 n3 = En1 + En2 + En3 = π 2 h2  n12 n2 2 n32  + +  . 2 µ  L12 L2 2 L32  . (17.23) Vemos que, para valores diferentes dos lados L1, L2, L3 da caixa, temos, em geral, que cada conjunto de valores dos números quânticos n1, n2, n3 tem associado um único valor da energia En n n . Mais precisa1 2 3 mente, isso acontece quando as relações entre os lados da caixa são números incomensuráveis, ou seja, não são números racionais. Neste caso, em que ao nível de energia En1n2 n3 corresponde um único estado do CEDERJ 91 Introdução à Mecânica Quântica | Separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas 1. Partícula livre e caixa de potencial tridimensional sistema, caracterizado pela função de onda, temos um nível de energia não-degenerado. Vamos ver, na próxima aula, que se dois ou mais lados da caixa forem iguais, podemos ter mais de um estado com o mesmo valor da energia, ou seja, níveis degenerados. Como observação final, mencionamos que os níveis de energia da partícula livre são infinitamente degenerados. De fato, vimos que a energia da partícula é dada por E = h2 k2 / 2 µ e, portanto, todas as funções de onda rr r ψ(x, y, z) = Cei (k1x + k2 y + k3z) = Ceik.r , associadas a vetores k = (k1, k2, k3) com o mesmo módulo, têm o mesmo valor da energia. ATIVIDADE 3. Considere uma partícula de massa µ em uma caixa em três dimensões em que L1 = L2 = L e L3 = L/2. Calcule as energias e as degenerescências dos dois níveis de energia mais baixa. RESPOSTA COMENTADA Partimos da expressão (17.23) para as energias permitidas: En1n2 n3 = π 2 h2  n12 n22 n32  π 2 h2 2 n + n22 + 4n32 )  2 + 2 + 2= 2 ( 1 2 µ  L1 L2 L3  2 µ L Vamos agora inspecionar os valores (inteiros e positivos) de n1 , n2 e n3 que fornecem as energias mais baixas. Certamente, a energia mais baixa (estado fundamental) ocorre com n1 = n2 = n3 = 1. Apenas essa combinação de números quânticos fornece a energia mais baixa, que é igual a E111 = π 2 h2 3π 2 h2 . 1 + 1 + 4) = 2 ( 2µ L µ L2 Já, para o primeiro estado excitado, um dos números quânticos será igual a 2 e os demais permanecem sendo iguais a 1. Vemos que tanto (n1 , n2 , n3) = (2,1,1) como (n1 , n2 , n3) = (1, 2, 1) fornecem a mesma energia E211 = E121 = π 2 h2 9π 2 h2 , 4 = 4 + 1 + ( ) 2 µ L2 2 µ L2 que, portanto, tem degenerescência igual a 2. 92 CEDERJ MÓDULO 1 AULA 17 ATIVIDADES FINAIS 1. Obtenha a expressão para a densidade de corrente de probabilidade em três dimensões, seguindo os mesmos passos que foram tomados em uma dimensão na Aula 6 (Equações (6.16) a (6.20)). RESPOSTA COMENTADA A definição da densidade de corrente de probabilidade foi obtida, na Aula 6, 2 calculando-se a derivada temporal da densidade de probabilidade, ∂ Ψ(x, t) . Executamos, agora, os mesmos passos, só que em três dimensões: ∂ t r 2 ∂ Ψ(r , t) ∂t = ∂ ∂Ψ ∂ Ψ* r r .  Ψ* (r , t)Ψ(r , t) = Ψ* +Ψ ∂t ∂t ∂t Usando a equação de Schrödinger e sua complexa conjugada: ih podemos escrever r 2 ∂ Ψ(r , t) ∂t = ∂Ψ h2 2 =− ∇ Ψ +VΨ ∂t 2m −i h , ∂Ψ h =− ∇ 2 Ψ* + V Ψ* ∂t 2m * 2 r r ih ih r  Ψ*∇ 2 Ψ − Ψ∇ 2 Ψ*  = ∇ ⋅  Ψ*∇ Ψ − Ψ ∇ Ψ*  , 2m 2m r r onde, no último passo, usamos a identidade ∇ ⋅ ∇ Ψ = ∇ 2 Ψ (lembre-se: r r r r ∇ ⋅ ν significa o divergente do vetor ∇ ⋅ ν ). Note que essa equação pode ser escrita da seguinte forma: r 2 ∂ Ψ(r , t) ∂t r r +∇⋅j = 0 , que é uma equação de continuidade em três dimensões. A densidade de corrente de probabilidade é agora um vetor, dado por: rr ih r r r r r r  Ψ(r , t)∇ Ψ* (r , t) − Ψ* (r , t)∇ Ψ(r , t) . j (r , t) = 2m CEDERJ 93 Introdução à Mecânica Quântica | Separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas 1. Partícula livre e caixa de potencial tridimensional 2. Calcule a densidade de corrente de probabilidade para uma partícula livre em três dimensões descrita pela função de onda (17.13). RESPOSTA COMENTADA rr Partimos da função de onda (17.13): ψ(x, y, z) = Ce i (k1x + k2 y + k3z ) = Ce ik.r . Para calcularmos a densidade de corrente de probabilidade, precisamos tomar o gradiente de ψ e de sua complexa conjugada. Como vimos na Atividade 2 desta aula, isso é equivalente a aplicar o operador momento, e o resultado é: r r r r ∇ψ = ikψ , ∇ψ * = −ikψ *. Substituindo esse resultado na expressão para a densidade de probabilidade encontrada na atividade anterior, obtemos: r r r r 2hk hk 2 r *r ψ (r )ψ (r ) = j (r ) = C . 2m  m Compare essa expressão com a que foi obtida na Atividade 3 da Aula 7, para o caso unidimensional. A generalização é imediata. Aqui também podemos 2 fazer analogia com o caso de um fluido de densidade C , movendo-se com a r r hk velocidade de grupo da onda ν g = . m 94 CEDERJ MÓDULO 1 17 AULA RESUMO Embora a resolução da equação de Schrödinger no caso tridimensional seja muito mais difícil do que no unidimensional (por se tratar de uma equação em derivadas parciais), ela pode ser desenvolvida facilmente no caso em que o potencial seja separável. No caso de uma partícula livre em três dimensões, são obtidos resultados semelhantes ao do unidimensional, sendo os estados r quânticos da partícula caracterizados pelo vetor propagação k = (k1, k2, k3), e dados explicitamente pelas funções de onda ψ (x, y, z) = Ce i (k1 x + k2 y + k3 z ) , com energias E = h k / 2 µ . Se uma partícula se movimenta no interior de uma 2 2 caixa tridimensional, as funções de onda e os níveis de energia lembram os do poço de potencial infinito, mas, neste caso, as funções de onda e os níveis de energia são caracterizados pelos três índices (números quânticos) n1 , n2 , n3 = 1, 2, 3,... . Para uma escolha qualquer das dimensões laterais da caixa, esses níveis são, em geral, 2 2 não-degenerados, enquanto, no caso da partícula livre com energia E = h k / 2 µ , eles são infinitamente degenerados. INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, vamos estudar o caso particular da caixa tridimensional em que os lados são iguais (caixa cúbica), estudando o grau de degenerescência dos níveis de energia, e também considerar a aplicação do método de separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas ao caso do oscilador harmônico tridimensional. CEDERJ 95 18 AULA Separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas 2. Partícula numa caixa cúbica e num potencial harmônico tridimensional Meta da aula objetivos Resolver a equação de Schrödinger para o caso de uma caixa cúbica e para o potencial harmônico tridimensional, reduzindo este problema ao já estudado em uma dimensão. • aplicar o estudado na aula anterior ao caso de uma caixa de lados iguais; • estabelecer a relação entre o grau de degenerescência de um nível de energia e a simetria do potencial; • descrever o movimento quântico do oscilador harmônico tridimensional. Pré-requisitos Para melhor compreensão desta aula, é preciso que você reveja as Aulas 15 e 17 desta disciplina. Introdução à Mecânica Quântica | Separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas 2. Partícula numa caixa cúbica e num potencial harmônico tridimensional A CAIXA CÚBICA Na aula passada, estudamos o comportamento de uma partícula quântica de massa µ em uma caixa tridimensional com o formato de um paralelepípedo de lados L1, L2, L3. Vimos, naquele caso, que o problema podia ser separado nas coordenadas x, y e z, e que podíamos facilmente obter as soluções da equação de Schrödinger em três dimensões a partir das soluções para o problema do poço infinito de potencial, estudado na Aula 14. Nesta aula, consideraremos um caso particular, porém importante, do sistema estudado na aula passada. Vamos considerar que temos uma partícula quântica em uma caixa tridimensional cúbica, ou seja, em que L1 = L2 = L3 = L. Obtivemos, na aula passada, as funções de onda normalizadas para uma partícula de massa µ em uma caixa tridimensional de lados L1, L2, L3: 1/ 2  8  ψ n1n2 n3 (x,y,z) =    L1L2 L3  πn  πn  πn  sen  1 x  sen  2 y  sen  3 z  (18.1)  L1   L2   L3  cujos valores da energia associados são: En1n2 n3 = En1 + En2 + En3 = π 2 h 2  n12 n2 2 n32  + +   . (18.2) 2 µ  L12 L2 2 L32  Lembre-se: estes são os níveis de energia quantizados do sistema designados pelo conjunto de números quânticos n1, n2 e n3, que são inteiros positivos. Vamos agora tomar o caso particular de uma caixa cúbica de lado L, fazendo L1 = L2 = L3 = L nas Equações (18.1) e (18.2). Obtemos, assim, as funções de onda e as auto-energias da caixa cúbica: 1/ 2  8 ψ n1n2 n3 (x,y,z) =  3  L  πn sen  1  L  πn x  sen  2   L e En1n2 n3 = 98 CEDERJ πn   y  sen  3 z  ,   L  (18.3) π 2 h2 ( n12 + n22 + n32 ) . (18.4) 2 µ L2 MÓDULO 1 18 Vemos que o estado de menor energia, o chamado estado AULA fundamental, corresponde aos valores n1 = n2 = n3 = 1 ou, se preferirmos, utilizando a notação vetorial (n1, n2, n3), o estado fundamental é o estado (1,1,1). A energia deste estado, pela Equação (18.4), é: E111 = 3π2 h2 . 2 µ L2 (18.5) É conveniente medirmos a energia em unidades de π 2 h2 / 2 µ L2 . Nestas unidades normalizadas, o valor da energia do estado fundamental é E111= 3. O seguinte nível de energia corresponde ao caso em que um dos valores n1, n2 ou n3 é igual a 2, e os restantes são iguais a 1. Temos, desta forma, que três estados, o (2,1,1), o (1,2,1) e o (1,1,2), têm o mesmo valor da energia: E211 = E121 = E112 = 6 (nas unidades normalizadas). Considerando as funções de onda correspondentes, dadas pela Equação (18.1), vemos que essas três funções de onda são diferentes, ou seja, correspondem de fato a três estados distintos da partícula quântica, mas que compartilham o mesmo valor da energia. Portanto, este nível de energia é triplamente degenerado. Da mesma forma, podemos verificar que o seguinte nível de energia será E221 = E212 = E122 = 9 e, portanto, também será triplamente degenerado. ATIVIDADE 1. Calcule as energias e o grau de degenerescência dos primeiros 8 níveis da caixa cúbica. RESPOSTA COMENTADA Não há outra maneira de resolver esse problema, senão por inspeção direta. O resultado é: Primeiro nível: E = 3; estado (1,1,1); degenerescência = 1 (nãodegenerado). Segundo nível: E = 6; estados (2,1,1), (1,2,1), (1,1,2); degenerescência = 3. CEDERJ 99 Introdução à Mecânica Quântica | Separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas 2. Partícula numa caixa cúbica e num potencial harmônico tridimensional Terceiro nível: E = 9; estados (1,2,2), (2,1,2), (2,2,1); degenerescência = 3. Quarto nível: E = 11; estados (3,1,1), (1,3,1), (1,1,3); degenerescência = 3. Quinto nível: E = 12; estado (2,2,2); degenerescência = 1. Sexto nível: E = 14; estados (3,2,1), (3,1,2), (1,3,2), (2,3,1), (1,2,3), (2,1,3); degenerescência = 6. Sétimo nível: E = 17; estados (3,2,2), (2,3,2), (2,2,3); degenerescência = 3. Oitavo nível: E = 18; estados (4,1,1), (1,4,1), (1,1,4); degenerescência = 3. Como resultado geral, note que, sempre que os três números quânticos forem diferentes, teremos uma degenerescência igual a 3! = 6. Se apenas dois deles forem iguais, a degenerescência é 3!/2! = 3. E, obviamente, se os três números forem iguais, não há degenerescência. Lembre-se de que, no caso do poço infinito unidimensional, não tínhamos encontrado degenerescências nos seus níveis de energia. Também não há degenerescências no caso da caixa tridimensional para valores diferentes de L1, L2, L3 (a não ser para escolhas muito particulares destes comprimentos). A origem da degenerescência que encontramos agora está diretamente associada às simetrias do potencial. Este é um resultado bastante geral: quanto maior a simetria de um potencial, maior a degenerescência dos níveis de energia associados a ele. ATIVIDADE 2. Considere o caso em que dois dos lados da caixa são iguais, e o terceiro apenas 10% maior, por exemplo L1 = L2 e L3 = 1,1L1. Esta é uma caixa chamada tetragonal, em vez de cúbica. Encontre as energias e degenerescências dos 3 níveis de energia mais baixa. Use unidades de π 2 h 2 / 2 µ L12e considere como parâmetro a quantidade λ = L3 / L1 > 1. Verifique que, sendo menor a simetria do potencial, também vai ser menor a degenerescência dos níveis quando comparados com os da caixa cúbica. 100 CEDERJ MÓDULO 1 18 AULA RESPOSTA COMENTADA A expressão (18.2) torna-se En1n2 n3 = n32  π 2 h2  2 n2  π 2 h2  2  n1 + n22 + = n + n22 + 3  . 2 2 2  1 2 µ L1  1, 21  (1, 1)  2µ L1  ( ) 2 2 2 2 2 2 Em unidades de π h / 2 µ L1 , temos En1n2 n3 = n1 + n2 + 0, 83 . n3 . Sendo assim, os 3 níveis mais baixos são: Primeiro nível: E = 2,83; estado (1,1,1); degenerescência = 1. Segundo nível: E = 5,32; estado (1,1,2); degenerescência = 1. Terceiro nível: E = 5,83; estados (2,1,1) e (1,2,1); degenerescência = 2. Apenas com estes três níveis, já podemos notar que a caixa tetragonal tem níveis com menor degenerescência que a caixa cúbica. No caso da caixa cúbica, o segundo nível tinha degenerescência 3. Para a caixa tetragonal, vemos que esta degenerescência tripla é quebrada: surge, em seu lugar, um nível com degenerescência dupla e outro não degenerado. O OSCILADOR HARMÔNICO EM TRÊS DIMENSÕES Consideramos, como outro exemplo de um sistema tridimensional separável em coordenadas cartesianas, o movimento de uma partícula de massa µ no potencial V (x, y, z) = 1 1 1 k1 x 2 + k2 y 2 + k3 z 2 , (18.6) 2 2 2 onde k1, k2, k3 são constantes. Perceba que este potencial é a soma de três potenciais harmônicos nas três direções cartesianas, como se a partícula estivesse ligada a três molas atuando nas três direções. Como sistema mecânico, isto seria difícil de se realizar, mas, na verdade, o potencial (18.6) é bem mais comum do que possa parecer. Você se lembra de quando dissemos, na Aula 15, que o potencial harmônico era uma aproximação para qualquer potencial em 1-D que tivesse um mínimo? Pois bem, o mesmo acontece em 3-D: o potencial (18.6) é uma aproximação para qualquer potencial que tenha um mínimo no espaço tridimensional! CEDERJ 101 Introdução à Mecânica Quântica | Separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas 2. Partícula numa caixa cúbica e num potencial harmônico tridimensional Vemos que esse potencial corresponde a termos forças restauradoras lineares, Fx = -k1x , Fy = -k2y, Fz = -k3z, ou seja, que seguem a lei de Hooke, como no caso unidimensional. Como dissemos, o potencial é separável, ou seja, pode ser escrito na forma V (x, y, z) = V1 (x) + V2 (y) + V3 (z) , 1 2 se definirmos V1 ( x ) = k1 x 2 , V2 (y) = (18.7) 1 1 k2 y 2 ,V3 ( z ) = k3 x 2 . 2 2 Assim, podemos, da mesma forma que estudamos na aula anterior, procurar soluções que sejam produtos de três funções de uma variável, ψ (x, y, z) = ψ1 (x) ψ 2 (y) ψ 3 (z), (18.8) que satisfazem as equações de Schrödinger unidimensionais: − h2 d 2ψ 1 1 + k1 x 2ψ 1 (x) = E1ψ 1 (x) 2 µ dx 2 2 (18.9.a) − h2 d 2ψ 2 1 + k2 y 2ψ 2 (y) = E2ψ 2 (y) 2 µ dy 2 2 (18.9.b) − h2 d 2ψ 3 1 + k3 z 2ψ 3 (z) = E3ψ 3 (z) 2 µ dz 2 2 (18.9.c) com a condição adicional (18.9.d) E1 + E2 + E3 = E Utilizando os resultados do caso unidimensional estudado na Aula 15, temos que os valores possíveis da energia são: 1 1 1 En1n2 n3 = (n1 + ) hω1 + (n2 + ) hω 2 + (n3 + ) hω3 , n1 , n2 , n3 = 0, 1, 2,... . , (18.10) 2 2 2 onde ω1 = k1 / µ , ω 2 = k2 / µ , ω3 = k3 / µ . As funções de onda correspondentes podem ser obtidas como produto das funções de onda unidimensionais que são soluções das Equações (18.9.a.b.c), e que foram obtidas na Aula 15. A forma explícita destas funções de onda tridimensionais é: ψ n1 n2 n3 (x, y, z) = Cn1 Cn2 Cn3 Hn1 (α1 x) Hn2 (α 2 y) Hn3 (α 3 z) e 102 CEDERJ − ( 1 2 2 α1 x +α 22 y 2 +α 32 z 2 2 ) , (18.11) MÓDULO 1 µωi / h , i = 1, 2, 3 , e os fatores de normalização Cn são AULA Aula 15, α i = 18 onde os H n (ξ) são os polinômios de Hermite, estudados na dados por 1/ 2   αi Cni =   π 2ni n !  i   , i = 1, 2, 3. (18.12) Observamos que, se as constantes k1, k2, k3 são diferentes, os níveis de energia dados pela Equação (18.10) são, em geral, não degenerados. Como fizemos no caso da caixa tridimensional, vamos considerar, a seguir, o caso em que o potencial é simétrico. O OSCILADOR HARMÔNICO ISOTRÓPICO No caso em que k1 = k2 = k3 = k, os níveis de energia do oscilador harmônico podem ser escritos na forma 3 En1n2 n3 = (n1 + n2 + n3 + ) hω , n1 , n2 , n3 = 0, 1, 2,... , (18.13) 2 em que ω = k / µ . As autofunções vão ser dadas pelas Equações (18.11) e (18.12), com α1 = α 2 = α 3 = µω / h . Vemos que, no caso do oscilador harmônico, os níveis de energia dependem da soma dos números quânticos n1, n2, n3, enquanto no caso da caixa tridimensional, estudado anteriormente, os níveis de energia dependiam da soma dos quadrados desses números. No caso do oscilador harmônico, é possível En caracterizar os níveis de energia por apenas um número quântico, n = n1 + n2 + n3. Observamos que o nível de menor energia é aquele em que 3 hω . Este nível é 2 não degenerado, já que corresponde a apenas uma autofunção do sistema, n1 = n2 = n3 = n = 0, e tem um valor da energia E0 = embora todos os outros o sejam, como veremos a seguir. Por exemplo, o nível de energia logo acima do estado fundamental 5 hω , e é triplamente 2 degenerado, já que está associado às autofunções obtidas com os valores corresponde a n = 1, tem um valor da energia E1 = de (n1, n2, n3): (1,0,0), (0,1,0) e (0,0,1). Da mesma forma, o segundo nível 7 hω , e é seis vezes degenerado, já que 2 os valores possíveis de (n1, n2, n3) são: (2,0,0), (0,2,0), (0,0,2), (1,1,0), excitado tem uma energia E2 = (1,0,1) e (0,1,1). CEDERJ 103 Introdução à Mecânica Quântica | Separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas 2. Partícula numa caixa cúbica e num potencial harmônico tridimensional ATIVIDADE 3. Calcule as energias e degenerescências dos primeiros 5 níveis do oscilador harmônico isotrópico. RESPOSTA Mais uma vez, procedemos por inspeção direta da Equação (18.13). Primeiro nível: E0 = 3 hω ; estado (0,0,0); degenerescência = 1. 2 5 Segundo nível: E1 = hω ; estados (1,0,0), (0,1,0) e (0,0,1); degene2 rescência = 3. 7 Terceiro nível: E2 = hω ; estados (2,0,0), (0,2,0), (0,0,2), (1,1,0), (1,0,1) 2 e (0,1,1); degenerescência = 6. Quarto nível: E3 = 9 hω ; estados (3,0,0), (0,3,0), (0,0,3), (2,1,0), (1,2,0), 2 (2,0,1), (1,0,2), (0,1,2), (0,2,1) e (1,1,1); degenerescência = 10. Quinto nível: E4 = 11 hω ; estados (4,0,0), (0,4,0), (0,0,4), (3,1,0), (1,3,0), 2 (3,0,1), (1,0,3), (0,1,3), (0,3,1), (2,2,0), (2,0,2), (0,2,2), (2,1,1), (1,2,1) e (1,1,2); degenerescência = 15. Note que os níveis de energia são igualmente espaçados, já que a diferença de energia entre dois níveis consecutivos é sempre ∆E = hω , exatamente como no oscilador em 1-D. Podemos também observar 3 que o nível de energia En = (n + )hω é (n+1)(n+2)/2 vezes degenerado, 2 já que esse é o número de maneiras pelo qual pode ser obtido n como soma dos três números inteiros n1, n2, n3. Portanto, o oscilador harmônico isotrópico é outro exemplo de como a simetria do potencial é associada à degenerescência dos níveis de energia. 104 CEDERJ MÓDULO 1 AULA 18 ATIVIDADES FINAIS 1. Vamos calcular a pressão exercida por um gás com 20 elétrons em uma caixa cúbica de volume V. Este problema é semelhante ao que você resolveu nas Atividades Finais da Aula 14, para o poço infinito. Como naquela ocasião, vamos supor que a interação entre os elétrons seja fraca, de modo que eles sintam apenas o potencial da caixa, como se estivessem isolados uns dos outros. Lembramos ainda que o Princípio de Exclusão de Pauli permite apenas que 2 elétrons ocupem cada estado quântico, cada um com uma orientação de spin. a. Preenchendo cada estado com 2 elétrons, obtenha a energia interna total do sistema de 20 elétrons. b. Suponha agora que um agente externo aumente o tamanho da caixa, expandindo-a de um volume V para V + ∆V. Qual a variação da energia interna E do sistema de 20 elétrons no limite ∆V << V ? c. Sabendo que a pressão é p = −dE / dV , qual a pressão exercida pelos elétrons na caixa? RESPOSTA COMENTADA a. Se temos um total de 20 elétrons, utilizando o resultado da Atividade 1 desta aula, vemos que os 4 níveis de energia mais baixos estarão totalmente ocupados com elétrons. Assim, a energia interna do sistema será: E = 2 × (1 × E111 ) + ( 3 × E211 ) + ( 3 × E221 ) + ( 3 × E311 )  = 2× 81π 2 h2 π 2 h2 × 1 × 3 + 3 × 6 + 3 × 9 + 3 × 11 =   ( ) ( ) ( ) ( )  mV 2 3 , 2mV 2 3  CEDERJ 105 Introdução à Mecânica Quântica | Separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas 2. Partícula numa caixa cúbica e num potencial harmônico tridimensional em que m é a massa do elétron, e usamos V = L3. b. Se o volume da caixa aumenta para V + será E′ = ∆V << 81π 2 h2 m (V + ∆V ) 2/3 V, obtemos E′ ≈ = ∆V, a nova energia interna 81π 2 h2 mV 2 3 (1 + ∆V V ) 81π 2 h2 2∆V   mV 2 3  1 +  3V   ≈ 2/3 . No limite 2∆V  . 81π 2 h2  1 −  mV 2 3  3V  A variação da energia interna é a diferença entre energia final e energia inicial: ∆E = E′ − E = − 54π 2 h2 ∆V . Notamos, então, que a energia mV 5 3 interna do gás de elétrons diminui quando aumentamos o volume, da mesma forma que ocorre com um gás clássico. c. A pressão é calculada por p = − dE ∆E 54π 2 h2 = ≈− . Veja que re∆V mV 5 3 dV sultado curioso! Em primeiro lugar, notamos que há uma pressão não-nula, mesmo à temperatura zero, o que não ocorre em um gás ideal clássico. Por outro lado, note que o produto pV5/3 mantém-se constante durante o processo de expansão do gás. Isto é exatamente o que acontece durante a expansão adiabática de um gás ideal monoatômico clássico, como você γ deve ter visto em Física 2A. Naquele caso, o produto pV era constante, onde γ = cp / cv = 5/3 para um gás monoatômico! 2. Para o oscilador harmônico tridimensional, considere o caso em que k1 = k2 ≠ k3, e estude as degenerescências dos 3 níveis de energia mais baixos, em unidades de hω1, e compare-as com o caso do oscilador harmônico isotrópico. Considere que a freqüência ω3 é apenas 10% maior que ω1, ou seja, ω3 = 1,1ω1. Verifique que, como no caso da caixa tridimensional, sendo menor a simetria do potencial, também vai ser menor a degenerescência dos níveis, quando comparados com os do oscilador harmônico isotrópico. 106 CEDERJ MÓDULO 1 18 RESPOSTA COMENTADA AULA A partir da Equação (18.10), temos: 1  En1n2 n3 = ( n1 + n2 + 1) hω1 +  n3 +  hω3 = ( n1 + n2 + 1, 1n3 + 1,55) hω1 2  Assim, em unidades de hω1 , temos: Primeiro nível: E = 1,55; estado (0,0,0); degenerescência = 1. Segundo nível: E = 2,55; estados (1,0,0) e (0,1,0); degenerescência = 2. Terceiro nível: E = 2,65; estado (0,0,1); degenerescência = 1. Já podemos notar que a redução da simetria quebra a degenerescência do segundo nível do oscilador harmônico isotrópico, que antes tinha energia igual a 2,5 e era triplamente degenerado, em dois níveis com energias 5,55 (duplamente degenerado) e 2,65 (não degenerado). RESUMO No caso de uma partícula que se movimenta no interior de uma caixa tridimensional de lados iguais, os níveis de energia associados a funções de onda diferentes podem ser iguais, ou seja, podem apresentar degenerescência. A degenerescência dos níveis de energia é associada à simetria do potencial em que se movimenta a partícula. No caso do oscilador harmônico tridimensional, as funções de onda associadas aos estados de uma partícula que se movimenta sob a ação deste potencial têm a forma de um produto de três funções de onda do oscilador harmônico unidimensional, com energias associadas iguais à soma das energias de cada um destes osciladores unidimensionais. No caso em que as constantes de mola dos osciladores tenham todas o mesmo valor, o oscilador harmônico isotrópico resultante terá estados excitados degenerados, com um grau de degenerescência que aumenta com a energia do nível. Também nesse caso, a degenerescência é causada pela simetria do potencial em que se movimenta a partícula. CEDERJ 107 Introdução à Mecânica Quântica | Separação da equação de Schrödinger em coordenadas cartesianas 2. Partícula numa caixa cúbica e num potencial harmônico tridimensional INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, vamos considerar outro método de separação da equação de Schrödinger tridimensional em equações em uma dimensão, desta vez utilizando coordenadas polares esféricas. Esse método será aplicado a diferentes sistemas que serão estudados no restante da disciplina. 108 CEDERJ 19 AULA O operador momento angular Meta da aula objetivos Introduzir o operador momento angular quântico. • escrever a expressão para o operador momento angular em coordenadas esféricas; • identificar os autovalores e autofunções dos operadores Lˆ 2 e Lˆ z ; • identificar e manipular matematicamente os harmônicos esféricos. Pré-requisito Para melhor compreender esta aula, é preciso que você reveja a Aula 18 desta disciplina. Introdução à Mecânica Quântica | O operador momento angular PARTÍCULA SOBRE UM CÍRCULO (ROTOR RÍGIDO): VISÃO SEMICLÁSSICA DO MOMENTO ANGULAR Para abordar os problemas físicos desta aula e da próxima, precisaremos utilizar alguns resultados matemáticos sem demonstrálos. Na maioria das vezes, isso não prejudicará o entendimento físico dos problemas, no qual iremos focalizar nossa atenção. A derivação completa desses resultados pode ser encontrada em livros-texto mais avançados de Mecânica Quântica. Nas últimas aulas, estudamos alguns sistemas quânticos em três dimensões pelo método de separação de variáveis em coordenadas cartesianas. Esse método, apesar de bastante útil em algumas situações, não é o mais conveniente para se utilizar quando o potencial tem simetria esférica (potencial central), ou seja, quando podemos escrever V = V(r), em que r = x 2 + y 2 + z 2 . Nesse caso, o uso de coordenadas esféricas é mais adequado. Vale destacar que esse tipo de situação é bastante comum em Física. Em particular, sistemas atômicos, que constituem uma das aplicações mais antigas e importantes da Mecânica Quântica, têm simetria esférica. Na Mecânica Clássica, vimos que uma partícula sob a ação de um potencial tem seu momento angular conservado. O mesmo ocorrerá na Mecânica Quântica. Sendo assim, é importante introduzir o operador momento angular, que terá um papel fundamental em nossa abordagem: rˆ r r L = rˆ × pˆ , (19.1) onde os operadores posição e momento linear são vetores em três dimensões. Estes podem ser obtidos por uma generalização imediata de suas definições em uma dimensão: r r r r rˆ = xi + yj + zk r r  ∂ r ∂ r ∂ r pˆ = −i h  i+ j + k  = −i h∇. ∂y ∂z   ∂x (19.2) Antes de abordarmos o problema do operador momento angular em sua forma completa, é instrutivo fazer uma análise mais simplificada, usando uma abordagem semiclássica. Vamos considerar o problema de uma partícula quântica em movimento circular no plano xy, com 110 CEDERJ MÓDULO 1 19 raio constante r e momento linear de módulo p, como mostrado na AULA Figura 19.1. Este problema também é conhecido como o rotor rígido, ou seja, imagina-se a partícula presa a uma haste rígida de massa desprezível e comprimento r. A partícula movimenta-se livremente ao longo do círculo (em outras palavras, a energia potencial não depende do ângulo ϕ, também mostrado na figura). Este problema é bastante parecido com o de uma partícula livre em 1D e, portanto, é consideravelmente mais simples que o problema de uma partícula em 3D sob ação de um potencial central. No entanto, veremos que é possível obter alguns resultados interessantes e que serão úteis em nossa análise posterior. y r p r r ϕ x Figura 19.1: Partícula em movimento circular de raio r e momento linear tracejada indica a onda de de Broglie associada ao movimento. r p . A linha Usando a hipótese de de Broglie, vemos que a onda associada ao movimento da partícula tem comprimento de onda λ = h p . Esta onda está indicada, de forma pictórica, por uma linha tracejada na figura. Vimos que, na teoria de Schrödinger, esta onda é, na verdade, uma função de onda Φ, que determina a dinâmica quântica da partícula. Como a distância da partícula à origem é fixa, podemos usar o ângulo ϕ como variável de movimento. Assim, utilizaremos a função de onda Φ(ϕ) para descrever esse sistema. CEDERJ 111 Introdução à Mecânica Quântica | O operador momento angular Como o movimento é livre ao longo de ϕ, a função de onda será uma onda plana, semelhante à de uma partícula livre em 1D, discutida na Aula 7: Φ(ϕ ) = Neiks = Neikrϕ , (19.3) em que o comprimento de arco de circunferência s = rϕ é a coordenada tangencial e N é uma constante de normalização. Como a função de onda deve ser unívoca, temos Φ(ϕ + 2π ) = Φ(ϕ ) , (19.4) o que nos leva à quantização do número de onda m = 0, ±1, ±2, ... kr = m, (19.5) A quantização do número de onda k nos leva, pela condição de de Broglie, à quantização do momento linear p = h λ = hk = mh . r (19.6) Na geometria considerada na Figura 19.1, o momento angular tem apenas a componente z, dada pela relação Lz = rp . Isso nos leva, pela Equação (19.6), à quantização da componente z do momento angular: Lz = mh (19.7) Portanto, vemos que, ao contrário do que acontece na Mecânica Clássica, a componente z do momento angular não pode ter qualquer valor, mas apenas múltiplos inteiros Lz = de mh . O número inteiro m é conhecido como número quântico magnético. Valores positivos de m correspondem à partícula (ou sua onda associada) se movimentando no sentido anti-horário, enquanto que valores negativos de m estão associados à propagação no sentido horário. O resultado obtido na Equação (19.7), apesar de ter sido obtido por uma abordagem semiclássica, permanece correto na descrição puramente quântica, como veremos mais adiante, devendo apenas ser reinterpretado da seguinte forma: os autovalores do operador 112 CEDERJ MÓDULO 1 19 momento angular Lˆ z são iguais a mh, em que m é inteiro, com as autoLz = AULA funções (19.3) que podem ser escritas como Φ m (ϕ ) = eimϕ , (19.8) em que omitimos a constante de normalização. Vamos obter uma expressão para o operador Lˆ z . Sabemos que ∂ . Em nosso ∂x caso, a coordenada “linear” do movimento é a coordenada tangencial o operador momento linear em 1D é dado por pˆ = −i h s, de modo que podemos adaptar a expressão para o momento linear tangencial: $ = −i h ∂ p ∂s (19.9) Sabendo que s = rϕ e Lz = rp, obtemos a expressão para o operador Lˆ z : µ z = −i h ∂ L ∂ϕ (19.10) Como veremos, essa expressão permanece válida na descrição puramente quântica. É fácil verificar que as funções (19.8) são autofunções deste operador com autovalores m h: Lz = m ∂Φ Lˆ z Φ m (ϕ ) = −i h m = −i h ∂ϕ ∂ ( eimϕ ) ∂ϕ = mhΦ m (ϕ ) (19.11) ATIVIDADE 1. Obtenha os autovalores da energia para uma partícula de massa µ sobre um círculo. ________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ . CEDERJ 113 Introdução à Mecânica Quântica | O operador momento angular RESPOSTA COMENTADA A energia é puramente cinética, com o Hamiltoniano pˆ 2 h2 ∂ 2 Hˆ = =− 2µ 2 µ ∂s2 Aplicando o Hamiltoniano à função de onda da Equação (19.3), obtemos a equação: h 2 ∂ 2 Φ  h 2 k2  Hˆ ψ = − =  Φ. 2 µ ∂ϕ 2  2 µ  Portanto, vemos que o autovalor da energia vale E = relação de quantização (19.5), obtemos E = às vezes, escrita como E = h 2 k2 . Usando a 2µ h2 m2 . Esta expressão é, 2µ r 2 h2 m2 2 , em que I = µ r é o momento de inércia 2I da partícula em relação à origem. O OPERADOR MOMENTO ANGULAR EM COORDENADAS ESFÉRICAS E HARMÔNICOS ESFÉRICOS Vamos agora iniciar a abordagem quântica do problema do momento angular. Como dissemos, o uso de coordenadas esféricas é mais adequado para esse propósito. O sistema de coordenadas esféricas está ilustrado na Figura 19.2. A partir desta figura, podemos obter a correspondência entre as coordenadas esféricas r, θ e ϕ e as coordenadas cartesianas x, y e z: rˆ z ϕˆ θ r θˆ y x ϕ x = r senθ cos ϕ y = r senθ senϕ z = r cosθ Figura 19.2: Sistema de coordenadas esféricas. Na figura, estão também definidos os vetores unitários rˆ , θˆ e ϕˆ. 114 CEDERJ MÓDULO 1 19 Sendo assim, será necessário expressar o operador gradiente em r ∂ 1 ∂ 1 ∂ + ϕˆ . ∇ = rˆ + θˆ r ∂θ ∂r r senθ ∂ϕ AULA coordenadas esféricas: (19.13) Esta relação pode ser encontrada em livros de Cálculo, Mecânica ou Eletromagnetismo. Em particular, você deve tê-la visto na Aula 2 da r disciplina Introdução ao Eletromagnetismo. Notando ainda que r = rrˆ , podemos usar a Equação (19.1) para obter a expressão para o operador momento angular em coordenadas esféricas: rˆ  ∂ 1 ∂  L = − i h  ϕˆ − θˆ , senθ ∂ϕ   ∂θ (19.14) em que usamos as relações rˆ × rˆ = 0, rˆ × θˆ = ϕˆ, rˆ × ϕˆ = −θˆ. Tais relações podem ser verificadas a partir da Figura (19.2). Note que o operador momento angular depende apenas das coordenadas angulares θ e ϕ. A partir da Equação (19.14), podemos escrever as componentes cartesianas Lˆ x , Lˆ y e Lˆ z em coordenadas esféricas:  ∂ ∂  + cot θ cos ϕ Lˆ x = i h  sen ϕ  ∂ θ ∂ ϕ  (19.15)  ∂ ∂  + cot θ senϕ Lˆ y = i h  − cos ϕ  ∂θ ∂ϕ   ∂ . Lˆ z = −i h ∂ϕ ∂ Em particular, note que Lˆ z = −i h na descrição puramente ∂ϕ quântica, confirmando a Equação (19.10), com autofunções Lz = mh . Φ m (ϕ) = eimϕ e autovalores ATIVIDADE 2. Obtenha as Equações (19.15) a partir da Equação (19.14). _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ __________________________________________________________________ CEDERJ 115 Introdução à Mecânica Quântica | O operador momento angular RESPOSTA COMENTADA É preciso projetar as componentes esféricas nas componentes cartesianas. Para isso, observando a Figura (19.2), vemos que ϕˆ ⋅ xˆ = −senϕ , ϕˆ ⋅ yˆ = cos ϕ , ϕˆ ⋅ zˆ = 0 e θˆ ⋅ xˆ = cosθ cos ϕ , θˆ ⋅ yˆ = cosθ senϕ , θˆ ⋅ zˆ = −sen θ . Logo,  ∂ cosθ cos ϕ ∂  − Lˆ x = −i h  −sen ϕ  sen θ ∂ϕ  ∂θ   ∂ cosθ sen ϕ ∂  , − Lˆ y = −i h  cos ϕ  sen θ ∂ϕ  ∂θ  1 ∂ Lˆ z = i h ( − senθ ) senθ ∂ϕ  ∂ ∂  Lˆ x = i h  sen ϕ + cot θ cos ϕ  ∂ θ ∂ ϕ  ou seja,  ∂ ∂ , Lˆ y = i h  − cos ϕ + cot θ senϕ  ∂θ ∂ϕ   ∂ , Lˆ z = −i h ∂ϕ como queríamos demonstrar. Nesse momento, poderíamos tentar buscar as autofunções das componentes Lˆ e Lˆ do operador momento angular. No entanto, não x y é possível obter autofunções simultâneas das três componentes do momento angular. Este resultado, que enunciamos sem demonstrar, é, de fato, semelhante ao Princípio de Incerteza, segundo o qual não é possível determinar simultaneamente a posição e o momento de uma partícula. Se conhecemos perfeitamente a componente z do momento angular, não podemos conhecer com certeza as componentes x e y. ! 116 CEDERJ É importante enfatizar que, em um potencial central, não há nada que privilegie a direção z em relação às demais. Por convenção e por conveniências matemáticas, escolheˆ em detrimento das se trabalhar com autofunções de L z demais componentes. Diz-se então que o eixo z é o eixo de quantização do sistema. Mas, em termos físicos, seria igualmente válido usar os eixos x, y, ou qualquer outro, como eixo de quantização. MÓDULO 1 19 No entanto, é possível ter autofunções simultâneas de Lˆ z e do  1 ∂  ∂  1 ∂2  θ + sen Lˆ 2 = Lˆ 2x + Lˆ 2y + Lˆ 2z = −h2  .   ∂θ  sen2θ ∂ϕ 2   sen θ ∂θ  AULA operador Lˆ 2, definido por (19.16) Essa expressão pode ser obtida a partir das definições (19.15), o que deixamos como exercício opcional. Perceba que este operador está associado à magnitude do momento angular. Vamos buscar as autofunções deste operador usando o método de separação de variáveis, ou seja, buscamos funções Ylm (θ , ϕ ) que possam ser escritas na forma: Ylm (θ , ϕ ) = Θlm (θ ) Φ m (ϕ ), (19.17) em que Φ m (ϕ ) = eimϕ são as autofunções de Lˆ z apresentadas anteriormente e l é um novo número quântico, chamado número quântico azimutal, do qual falaremos a seguir. Obviamente, as funções Ylm (θ , ϕ ) também são autofunções de Lˆ z com os mesmos autovalores: Lˆ zYlm (θ , ϕ ) = mhYlm (θ , ϕ ) . (19.18) Aplicando agora o operador Lˆ 2 nas funçõesYlm (θ , ϕ ) na forma (19.17), chegamos a uma equação de autovalores para Lˆ 2 envolvendo as funções Θlm (θ ) . Pode-se mostrar que os autovalores de Lˆ 2 podem ser escritos como h2 l(l + 1) , de modo que Lˆ 2Ylm (θ , ϕ ) = h2 l(l + 1)Ylm (θ , ϕ ), (19.19) o que nos leva à equação para Θlm (θ ) : − m2 Θlm (θ ) d Θlm (θ )  1 d  = l (l + 1)Θlm (θ ) . + sen θ  2 sen θ senθ dθ  dθ  (19.20) Mais uma vez, não nos preocupamos com os detalhes da solução da Equação (19.20), que podem ser encontrados em livros-texto ou em cursos mais avançados de Mecânica Quântica. Vamos apenas enunciar algumas características das soluções. A Equação (19.20) tem soluções para valores de l inteiros, tais que, para cada valor de l, os valores possíveis de m são: m = –l, –l +1, –l + 2, ... –2, –1, 0, 1, 2, ... , l –2, l –1, l (19.21) CEDERJ 117 Introdução à Mecânica Quântica | O operador momento angular Além disso, para cada par de valores aceitáveis de l e m, chamados números quânticos l e m, as funções Θlm (θ ) têm a forma: Θlm (θ ) = ( sen θ ) Fl m ( cosθ ) , m (19.22) onde as funções Fl|m| são polinômios em (cos θ). As funções Ylm (θ , ϕ ) = Θlm (θ ) Φ m (ϕ ) são conhecidas como har- mônicos esféricos e também aparecem em outras áreas da Física (por exemplo, na expansão do campo elétrico em multipolos). Após serem normalizadas, a forma explícita destas funções Ylm para os primeiros valores dos números quânticos l e m está mostrada na Tabela 19.1. A normalização é dada pela condição 2π π 0 0 * * ∫ dϕ ∫ senθ Ylm (θ ,ϕ)Ylm (θ ,ϕ)dθ = 1. Tabela 19.1: Fórmulas de alguns harmônicos esféricos m Ylm (θ ) 0 0  1  Y00 =    4π  1 0  3  Y10 =    4π  1 ±1  3  Y1±1 = m    8π  2 0  5  Y20 =    16π  2 ±1  15  Y2 ±1 = m    8π  2 ±2  15  Y2 ± 2 =    32π  3 0  7  Y30 =    16π  l 1/ 2 1/ 2 cosθ 1/ 2 senθ e ± iϕ 1/ 2 ( 3 cos 2 θ − 1) 1/ 2 senθ cosθ e ± iϕ 1/ 2 1/ 2 sen2θ e±2iϕ ( 5 cos θ − 3 cosθ ) 3 1/ 2  21  = m   64π  3 ±1 Y3±1 3 ±2  105  Y3± 2 =    32π  3 ±3  35  Y3± 3 = m    64π  seenθ ( 5 cos2 θ − 1) e ± iϕ 1/ 2 sen2θ cosθ e ±2iϕ 1/ 2 118 CEDERJ sen3θ e ±3iϕ (19.23) MÓDULO 1 19 Vamos agora analisar a distribuição angular da densidade de AULA probabilidade associada a estas funções. Esta pode ser obtida pela seguinte equação em coordenadas esféricas: 2 rlm (θ , ϕ ) = Ylm* (θ , ϕ )Ylm (θ , ϕ ) = Ylm (θ , ϕ ) . (19.24) Note que esta é a equação de uma superfície em coordenadas esféricas, onde a coordenada radial rlm é proporcional ao módulo ao quadrado do harmônico esférico correspondente. Em outras palavras, a magnitude de rlm ao longo de uma certa direção (θ, ϕ) será proporcional à probabilidade de encontrarmos a partícula quântica ao longo dessa direção. Começamos nossa análise pelo harmônico esférico Y00. Pela fórmula da Tabela 19.1, obtemos Y00 (θ , ϕ ) 2 = 1 4π, ou seja, uma cons- tante independente de θ e ϕ. O gráfico da superfície correspondente, definida pela Equação (19.24), está mostrado na Figura 19.3 como um corte no plano yz (à esquerda) e como uma superfície em 3D (à direita). Perceba que o harmônico esférico Y00 é esfericamente simétrico. z |Y00|2 y Figura 19.3: Harmônico esférico Y00. CEDERJ 119 Introdução à Mecânica Quântica | O operador momento angular Vamos analisar agora os harmônicos esféricos correspondentes a l = 1, ou seja, Y 11, Y 10 e Y 1-1. Pela Tabela 19.1, temos Y10 (θ , ϕ ) 2 = ( 3 4π ) cos2 θ e Y11 (θ , ϕ ) 2 = Y1−1 (θ , ϕ ) = ( 3 8π ) sen2θ . 2 Os gráficos correspondentes estão mostrados na Figura 19.4, novamente como um corte no plano yz (à esquerda) e como uma superfície em 3D (à direita). Perceba que o harmônico esférico Y10 é alongado na direção z: a partícula tem probabilidade máxima de ser encontrada naquela direção. Note ainda que a probabilidade de que a partícula seja encontrada no plano xy é nula. Em contrapartida, os harmônicos esféricos Y11 e Y1-1 fornecem probabilidade máxima no plano xy e probabilidade nula ao longo de z. Perceba que a densidade de probabilidade não depende de ϕ. Com efeito, isso vale para qualquer harmônico esférico Ylm. z |Y10|2 y z |Y11|2 = |Y1–1|2 y Figura 19.4: Harmônicos esféricos com l = 1. 120 CEDERJ MÓDULO 1 bilidade associada aos harmônicos esféricos com l = 2: Y22, Y21, Y20, = ( 5 16π ) ( 3 cos2 θ − 1) , 2 2 Y22 (θ , ϕ ) 2 = Y2 − 2 (θ , ϕ ) = (15 32π ) sen4θ Y21 (θ , ϕ ) 2 = Y2 −1 (θ , ϕ ) = (15 8π ) sen2θ cos2 θ e Y2-1 e Y2-2. Pela Tabela 19.1, temos Y20 (θ , ϕ ) Y22 (θ , ϕ ) 2 2 2 . π ) sen4θ . Os gráficos correspondentes estão mos= Y2 − 2 (θ , ϕ ) = (15 32 2 trados na Figura 19.5. Perceba que a dependência angular da densidade se torna cada vez mais complexa à medida que aumentamos o valor de l. z |Y20|2 y z |Y21|2 = |Y2–1|2 y z |Y22|2 = |Y2–2|2 y Figura 19.5: Harmônicos esféricos com l = 2. CEDERJ 121 AULA 19 Como último exemplo, vamos apresentar a densidade de proba- Introdução à Mecânica Quântica | O operador momento angular Finalmente, vamos fazer uma nova análise semiclássica do momento angular. Vimos que os harmônicos esféricos Ylm (θ , ϕ ) são 2 autofunções dos operadores Lˆ z e Lˆ 2 com autovalores m h2el(lh+ l1 (l)+ 1), respectivamente. Vimos ainda que m pode ter qualquer valor inteiro entre –l e l, em que l também é inteiro. A analogia clássica que podemos fazer deste sistema está mostrada na Figura 19.6. A figura mostra um vetor momento angular de módulo igual a 6h (correspondendo portanto a l = 2) que pode ter apenas cinco valores possíveis para a componente z(−2h, − h, 0, h e 2h) , mas nunca valores intermediários. Pode-se mostrar que os valores esperados das componentes x e y do momento angular são nulos em qualquer autoestado de Lˆ z . Assim, o análogo clássico desse resultado corresponderia ao vetor momento angular em movimento de precessão em torno do eixo z, com a componente z fixa, mas com as componentes x e y oscilando em torno de um valor médio nulo. Lˆ z 2h −h L 0 −h 2h l=2 Figura 19.6: Analogia clássica dos cinco estados quânticos com l = 2. Como dissemos no início desta aula, o estudo do momento angular quântico é de fundamental importância para os problemas que envolvem potenciais centrais. Veremos isso detalhadamente na próxima aula, quando estudarmos o átomo de hidrogênio. 122 CEDERJ MÓDULO 1 AULA 19 ATIVIDADES FINAIS 1. Mostre que os harmônicos esféricos Y00, Y11, Y10 e Y1–1 são autofunções dos Lz = mh e h2 l (l + 1), respectivamente. operadores Lˆ z e Lˆ 2 com autovalores RESPOSTA COMENTADA Vamos aplicar as expressões (19.15) e (19.16) para os operadores Lˆ z e Lˆ 2 aos diferentes harmônicos esféricos: • l = 0 e m = 0: 12  ∂  1  Lˆ zY00 =  −i h   ∂ϕ   4π   = 0 = 0× h 12  1 ∂  ∂  1 ∂2   1  Lˆ 2 Y00 = −h2    senθ +  ∂θ  sen2θ ∂ϕ 2   4π   sen θ ∂θ  = 0 = h2 × 0 • l = 1 e m = 1: 12    3 1 2   ∂   3  iϕ iϕ − sen θ = h Lˆ zY11 =  −i h e    −   senθ e  = hY11    ∂ϕ    8π      8π    1 ∂  ∂ Lˆ 2Y11 = −h2   senθ ∂θ  senθ ∂θ  12  1 ∂2    3   iϕ + −     senθ e  2 2   sen θ ∂ϕ    8π   12  iϕ 1 d  d senθ  e  senθ senθ dθ  dθ  12 1   1 d  3 eiϕ  = h2   ( senθ cos θ ) −  senθ   senθ dθ  8π   3  = h2    8π   3  = h2    8π  2 iϕ  senθ d e  +  2 2   sen θ dϕ  12  cos2 θ − sen2θ − 1  eiϕ   senθ     3 1 2  = h  −   2 senθ eiϕ  = 2h2Y11   8π   2 CEDERJ 123 Introdução à Mecânica Quântica | O operador momento angular • l = 1 e m = 0: 12  ∂   3  Lˆ zY10 =  −i h    cosθ ∂ϕ   4π     = 0 = 0 × Y10  12 ∂  ∂  1 ∂ 2   3  2 2  1 ˆ L Y10 = −h     sen θ +  cosθ ∂θ  sen2θ ∂ϕ 2   4π   sen θ ∂θ  12  3  = −h    4π  2 12  3  = h2    4π  12  1 d  d cosθ   2 3   sen θ   = −h    dθ    4π   senθ dθ       1 d sen2θ ) ( −  sen θ dθ   2 sen θ cosθ  2   = 2h Y10 s e n θ   • l = 1 e m = -1: 12    3 1 2   ∂   3  − iϕ − iϕ sen θ = h Lˆ zY1−1 =  −i h e    −   senθ e  = −hY1−1    ∂ϕ   8π      8π   12   1 ∂  ∂  1 ∂ 2   3  − iϕ θ + Lˆ 2Y1−1 = −h2  sen     senθ e  2 2   ∂θ  sen θ ∂ϕ   8π    senθ ∂θ  12  − iϕ 1 d  d senθ e  senθ senθ dθ  dθ  12 1   1 d  3 e − iϕ  = −h2   ( senθ cosθ ) −  senθ   senθ dθ  8π   3  = −h2    8π   3  = −h2    8π   3 1 2  = h   2 senθ e − iϕ  = 2h2Y1−1  8π   2 124 CEDERJ 2 − iϕ  senθ d e  +  2 2   sen θ dϕ  12  cos2 θ − sen2θ − 1  e − iϕ   senθ   MÓDULO 1 19 2. Vimos que o harmônico esférico Y10 é orientado ao longo do eixo z. Neste AULA exercício, veremos que é possível construir funções análogas orientadas ao longo dos eixos x e y. (a) Mostre que o harmônico esférico Y10 pode ser escrito como Y10 = Y1z = ( 3 4π ) 12 z. r (b) Usando combinações lineares dos demais harmônicos esféricos com l = 1, construa as funções Y1x e Y1y , orientadas ao longo de x e y, respectivamente. RESPOSTA COMENTADA (a) Basta notar que z = r cosθ , portanto, Y10 = ( 3 4π ) 12 cosθ = ( 3 4π ) 12 (b) Por analogia com a função Y1z , buscamos as funções Y1x = ( 3 4π ) 12 Y1y = ( 3 4π ) 12 Y1x = ( 3 4π ) 12 eiϕ + e − iϕ eiϕ − e − iϕ e sen ϕ = , chegamos aos resultados 2 2i  eiϕ + e − iϕ  x 12 12 = ( 3 4π ) sen θ cos ϕ = ( 3 4π ) sen θ   r 2   Y1−1 − Y11 2 Y1y = ( 3 4π ) 12 Y1y = e y . Usando as expressões da Tabela 19.1, as Equações (19.12) r e as identidades cos ϕ = Y1x = x r z . r  eiϕ − e − iϕ  y 12 12 = ( 3 4π ) sen θ senϕ = ( 3 4π ) sen θ   r 2i   −Y1−1 − Y11 2i Portanto, podemos construir harmônicos esféricos com l = 1 orientados nas direções x e y a partir de combinações lineares dos harmônicos esféricos originais. Na verdade, podemos construir, com essa metodologia, funções orientadas espacialmente em qualquer direção do espaço. Este conceito é bastante útil em Química, pois está associado à idéia de valência dirigida: os estados quânticos orientados em certas direções podem ser usados em moléculas ou sólidos para construir ligações químicas naquelas direções. CEDERJ 125 Introdução à Mecânica Quântica | O operador momento angular RESUMO No caso de uma partícula que se movimenta sob o efeito de um potencial central, é importante estudar o operador momento angular, cujas componentes podem ser escritas em coordenadas esféricas. Podemos encontrar autofunções simultâneas dos operadores Lˆ z e Lˆ 2 : são os harmônicos esféricos Ylm (θ , ϕ ) . Essas funções são caracterizadas por dois números quânticos, l e m, que podem ser associados ao módulo e à projeção sobre o eixo z do momento angular orbital da partícula. INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, vamos aplicar o método de separação da equação de Schrödinger tridimensional em coordenadas esféricas ao caso de um átomo com um único elétron, como o átomo de hidrogênio. 126 CEDERJ AULA O átomo de hidrogênio 20 Meta da aula objetivos Aplicar o método de separação da equação de Schrödinger em coordenadas esféricas ao caso de átomos com um único elétron, tais como o átomo de hidrogênio. • aplicar o método estudado na aula anterior ao caso de um átomo de um único elétron; • verificar que as energias quantizadas desse sistema coincidem com as encontradas na teoria de Bohr e com os resultados experimentais; • descrever as autofunções desse sistema, em particular a dependência da distribuição de probabilidade de encontrar o elétron nas diferentes regiões do espaço em função dos números quânticos que caracterizam a função de onda. Pré-requisitos Para melhor compreender esta aula, é preciso que você reveja a Aula 19 desta disciplina e a discussão sobre o modelo de Bohr na Aula 9 da disciplina de Física 4B. Introdução à Mecânica Quântica | O átomo de hidrogênio ÁTOMOS DE UM ÚNICO ELÉTRON O estudo dos átomos de um único elétron, tais como o átomo de hidrogênio, é um dos mais importantes historicamente. Esse foi o primeiro sistema que Schrödinger estudou, em 1925, utilizando a nova teoria quântica. Na época, os resultados obtidos para as energias de excitação, que coincidiram de maneira espetacular com aqueles já conhecidos experimentalmente, forneceram a primeira verificação da nova teoria quântica. Além dessa importância histórica, o estudo de átomos de um único elétron é também importante porque serve de base para o estudo quântico de sistemas mais complexos, como átomos de muitos elétrons e moléculas, servindo como ponto de partida para toda a química. Os átomos de um único elétron são os sistemas ligados mais simples que ocorrem na natureza. Eles consistem em um núcleo carregado positivamente e um elétron com carga negativa, ligados pela atração Coulombiana. Esse potencial, em coordenadas esféricas, tem a forma: V (r) = −Ze 2 . 4πε 0 r (20.1) Nessa equação, Ze representa a carga positiva do núcleo, –e a carga negativa do elétron, r a distância entre ambos, e εo a constante dielétrica do vácuo. Vemos que o potencial é central, já que depende apenas do módulo da distância da partícula à origem de coordenadas. Deste modo, a equação de Schrödinger se escreve − h2 2 Ze 2 ∇ψ − ψ = Eψ , 2µ 4πε 0 r (20.2) onde µ é a massa reduzida do sistema núcleo-átomo, µ = Mnm/(Mn + m), em que Mn representa a massa do núcleo do átomo (a massa do próton no caso do átomo de hidrogênio), e m é a massa do elétron. Como a massa do elétron é muito menor que a massa do núcleo (no caso do núcleo mais leve, o hidrogênio, ela é 1.836 vezes menor), temos que, com boa aproximação, µ ≈ m. Porém, a pequena diferença entre µ e m é relevante experimentalmente e facilmente detectável por métodos espectroscópicos. 128 CEDERJ MÓDULO 1 Quando fazemos incidir luz em um sólido, sob certas condições, é possível levar um elétron a um estado excitado. Curiosamente, o “buraco” (ausência do elétron) deixado no nível fundamental atua como uma carga positiva efetiva, que pode atrair o elétron pela interação coulombiana, formando um sistema hidrogenóide. Um éxciton é precisamente isto: um “átomo de hidrogênio” formado pela ligação de um elétron excitado (negativo) com o buraco (positivo) que ele deixou no espectro de energias. ATIVIDADE 1. Seja ∆m = m − µ . Usando os valores tabelados para as massas do próton, nêutron e elétron, calcule ∆m / m para o hidrogênio, dêuteron, trítio, He+ e positrônio. RESPOSTA COMENTADA Os valores tabelados para as massas dessas partículas são m = 9,11 × 10–31 kg, mpróton ≈ mnêutron = M = 1,67 × 10–27 kg. Sendo assim, temos: mproton ∆mH m m = 1− = ≈ = 5, 46 × 10−4 m M + m + m m m ( ( proton ) proton ) ∆mdeuteron m m = ≈ = 2, 73 × 10−4 m ( m + mproton + mneutron ) 2M ^ ^ ∆mtritio m m = ≈ = 1, 82 × 10−4 m 3 M ( m + mproton + 2mneutron ) ^ ∆mHe+ m = m m ≈ = 1, 36 × 10−4 4 M m m 2 2 + + m ( proton neutron ) ^ ∆mpositronio ^ m = m = 0, 5 (m + m) CEDERJ 129 20 ÉXCITONS AULA Outros exemplos de átomos de um único elétron são o dêuteron (cujo núcleo é composto por um próton e um nêutron), o trítio (um próton e dois nêutrons) e o íon de He+ (dois prótons e dois nêutrons). Além disso, há outros sistemas não-atômicos que também são descritos pela Equação (20.2). Esses sistemas são conhecidos como “sistemas hidrogenóides”. Um exemplo bem conhecido é o positrônio, formado por um elétron e sua antipartícula, o pósitron (que tem a mesma massa que o elétron, porém carga oposta). Em Física da Matéria Condensada, há sistemas ainda mais complexos (impurezas hidrogenóides e ÉXCITONS, por exemplo) que podem, dentro de certas aproximações, ser descritos pela Equação (20.2). Daí a imensa importância do estudo do átomo de hidrogênio na Física. Introdução à Mecânica Quântica | O átomo de hidrogênio SEPARAÇÃO DE VARIÁVEIS EM COORDENADAS ESFÉRICAS A Equação (20.2) pode ser resolvida pelo procedimento de separação de variáveis em coordenadas esféricas. Para isso, lembramos da bem conhecida expressão para o laplaciano em coordenadas esféricas: ∇ 2ψ = 1 ∂  2 ∂ψ  1 ∂  ∂ψ  1 ∂ 2ψ (20.3) r + 2  senθ + 2 2 2 r ∂ r  ∂ r  r sen θ ∂θ  ∂θ  r sen θ ∂ϕ 2 e consideramos funções de onda da forma ψ (r,θ , ϕ ) = R(r) Θ (θ ) Φ (ϕ ) . (20.4) Substituindo na equação de Schrödinger, obtemos: − h2  1 ∂  2 ∂R(r) Θ(θ ) Φ(ϕ )  1 ∂ 2 R(r) Θ (θ ) Φ (ϕ ) r + +  2   2 2 2µ  r ∂ r  ∂r ∂ϕ 2  r sen θ 1 ∂  ∂R(r) Θ (θ ) Φ(ϕ )   Φ (ϕ ) = ER(r) Θ (θ ) Φ (ϕ )  sen θ   + V (r) R(r) Θ (θ )Φ 2 r sen θ ∂θ  ∂θ  , (20.5) que, depois de efetuarmos as derivadas parciais, resulta em: − h2  Θ (θ ) Φ (ϕ ) d  2 dR(r)  R(r) Θ (θ ) d 2 Φ(ϕ ) +  r + 2µ  r2 dr  dr  r 2 sen2θ dϕ 2 R(r) Φ(ϕ) d  d Θ(θ )    sen θ   + V (r) R(r) Θ (θ ) Φ (ϕ ) = ER(r) Θ (θ ) Φ (ϕ ) , (20.6) r 2 senθ d θ  dθ   onde substituímos as derivadas parciais de funções de uma variável pelas derivadas totais, já que ambas são equivalentes. Se dividirmos os dois lados da equação pelo fator − h2 R(r) Θ (θ ) Φ (ϕ ) , 2µ r 2 sen2θ (20.7) a Equação (20.6) fica da forma: sen2 θ d  2 dR(r)  1 d 2Φ (ϕ ) sen θ d  d Θ(θ )  +  sen θ  r + 2 Θ (θ ) dθ  R(r) dr  d θ  . (20.8) dr  Φ(ϕ ) dϕ 2 µV (r) 2 2µ E − r sen θ = 2 r 2 sen θ 2 h h 130 CEDERJ MÓDULO 1 20 Isolando o termo na variável ϕ do lado direito, obtemos: AULA sen2θ d  2 dR(r)  senθ d  d Θ (θ )  2 µ 2 2 r sen θ [ E − V (r)] r +  sen θ + R(r) dr  dθ  h2 dr  Θ (θ ) d θ  (20.9) 1 d 2 Φ (ϕ ) =− . Φ(ϕ ) dϕ 2 Como o lado direito da equação independe de r e θ, e o esquerdo independe de ϕ, o valor comum a ambos lados não pode depender de nenhuma dessas variáveis e, portanto, será uma constante, que vamos chamar de m2, para fazer conexão com o estudado na aula passada, conforme ficará claro imediatamente. Chegamos, desta maneira, a duas equações: 2 d 2 Φ (ϕ ) = − m22 Φ (ϕ ), dϕ22 d Θ(θ )  2 µ 22 22 sen22θ d  22 dR(r)  sen θ d  2 r + sen θ + r sen θ [E −−V (r) ] = m2    dθ  h22 R(r) dr  dr  Θ (θ ) dθ  (20.10) nθ d  d Θ(θ )  2 µ 2 2 2  seen θ  + 2 r sen θ [ E − V (r)] = m dθ  h (θ ) dθ  A primeira dessas equações tem como solução particular Φ m (ϕ ) = eimϕ , (20.11) a que, para ser uma função unívoca, ou seja, Φ m (ϕ ) = Φ m (ϕ + 2π ), exige que a constante m seja um número inteiro. Dessa maneira, temos que m = ...-3, -2, -1, 0, 1, 2, 3,... . Compare agora a Equação (20.11) com a Equação (19.8) da aula passada. Podemos identificar as funções Φ m (ϕ ) com as autofunções de Lˆ z e os números inteiros m com os números quânticos magnéticos apresentados naquela ocasião. Isso não é surpreendente, pois, como já dissemos, o momento angular se conserva para uma partícula em um potencial central. A segunda das Equações (20.10) pode ser separada em duas partes, uma dependendo exclusivamente de r e a outra de θ: 1 d  2 dR(r) r R(r) dr  dr 1 d Θ(θ )  m2 d   2µ 2 + − ( ) = − r E V r [ ]   senθ  2 2 sen θ Θ (θ ) senθ dθ  dθ   h CEDERJ 131 Introdução à Mecânica Quântica | O átomo de hidrogênio Novamente, como o lado esquerdo não depende de θ e o direito não depende de r, ambos devem ser iguais a uma constante, que vamos chamar de l (l + 1), também com o objetivo de fazermos conexão com os resultados da aula passada. Chegamos assim a outro par de equações diferenciais, m2 Θ (θ ) 1 d  d Θ (θ )  −  senθ  = l (l + 1) Θ (θ ) (20.12) sen2θ dθ  senθ dθ  R(r) 1 d  2 dR(r)  2 µ [ E − V (r)] R(r) = l (l + 1) 2 r + r 2 dr  r dr  h2 Note que a primeira dessas equações é precisamente a Equação (19.20) da aula passada. Assim, podemos utilizar todos os resultados já obtidos naquela aula, ou seja, as soluções podem ser escritasYlm na(θforma , ϕ ) = Θlm (θ ) ;Φ m (ϕ ) os valores de l (número quântico azimutal) são inteiros positivos, e para cada valor de l os valores possíveis de m são: m = –l, –l + 1, –l + 2, ... –2, –1, 0, 1, 2, ... , l – 2, l – 1, l ; (20.13) e, finalmente, Ylm (θ , ϕ ) = Θlm (θ ) Φ m (ϕ ) , de modo que as autofunções para o átomo de hidrogênio podem ser escritas na forma ψ (r,θ , ϕ ) = R(r)Ylm (θ , ϕ ) . (20.14) ! Você deve estar percebendo melhor agora a importância do estudo do momento angular quântico, realizado na aula passada, e a relação daquele estudo com o problema do potencial central. A Equação (20.14) deixa claro que a parte angular da função de onda consiste ˆ e Lˆ 2 . Assim, nos harmônicos esféricos, autofunções dos operadores L z as autofunções da Hamiltoniana do átomo de hidrogênio também serão autofunções desses operadores. Repare que não usamos ainda a Equação (20.1), de modo que o resultado (20.14) vale não apenas para o átomo de hidrogênio, mas para qualquer potencial central! A forma específica do potencial V(r) terá influência apenas sobre a parte radial da função de onda, R(r), e não sobre a parte angular. 132 CEDERJ MÓDULO 1 AULA 20 RESOLUÇÃO DA EQUAÇÃO RADIAL Resta-nos, portanto, concentrar nossa análise na equação diferencial para a coordenada radial que, a partir de (20.12), é escrita na forma: Ze 2  1 d  2 dR(r)  2 µ  R(r)  R(r) = l (l + 1) 2 r  + 2 E + 2 r dr  4πε 0 r  r dr  h  (20.15) Definindo uma nova função u(r) tal que uEl (r) = rREl (r) , (20.16) onde E e l são os parâmetros que aparecem na Equação (20.15) e que vão identificar a função de onda radial para o sistema, a Equação (20.15) fica na forma: d 2 uEl (r) 2 µ  Ze 2 h2 l (l + 1)  + E + −   uEl (r) = 0 . h2  4πε 0 r 2µ r 2  dr 2 (20.17) Vale a pena fazer aqui uma conexão com a Mecânica Clássica. A Equação (20.17) lembra uma equação de Schrödinger para uma partícula em uma dimensão sob a ação de um potencial efetivo dado pela soma do potencial coulombiano com o termo h2 l (l + 1) . Lembrando 2µ r 2 2 que h l (l + 1) são os autovalores de Lˆ 2, podemos identificar esse termo extra com a “barreira centrífuga” L2 que vimos na Mecânica 2µ r 2 Clássica quando estudamos, nas Aulas 8 e 10 dessa disciplina, o movimento de uma partícula em um potencial central. Para potenciais que variam como 1/r (como o potencial coulombiano e o gravitacional), vemos que a barreira centrífuga impede que a partícula seja encontrada na origem, a menos que ela tenha momento angular nulo. Para o átomo de hidrogênio, lembrando que r é a coordenada relativa entre elétron e próton, a barreira centrífuga exclui o elétron da vizinhança do próton (a menos que l = 0). Trata-se, portanto, de um “potencial” repulsivo. A Figura 20.1 ilustra o potencial radial efetivo, resultante da soma do potencial atrativo coulombiano e do potencial repulsivo centrífugo, para um l qualquer não nulo. A partir dessa figura, e usando nossos conhecimentos sobre potenciais em uma dimensão, podemos antecipar algumas características das soluções da Equação (20.17). Inicialmente, CEDERJ 133 Introdução à Mecânica Quântica | O átomo de hidrogênio perceba que o potencial tem um poço, de modo que devemos esperar estados ligados. Além disso, note que o potencial efetivo diverge em r → 0 , de modo que deve ser impossível encontrar um elétron na posição do núcleo se l é não nulo. Por outro lado, se l = 0, não haverá barreira centrífuga, e o elétron terá uma certa amplitude de probabilidade de ser encontrado em r = 0. E Vtotal = VCoulomb + V centrífugo V Vcentrifugo centrífugo = h2 l (l + 1) 2µ r 2 r VCoulomb = − Ze 2 4πε 0 r Figura 20.1: Energia potencial efetiva para a coordenada radial, resultante da soma do potencial coulombiano com o potencial centrífugo. Assim como na aula passada, não descreveremos em detalhes o procedimento para resolução da Equação (20.17), que pode ser encontrado em textos mais avançados de Mecânica Quântica. Tal procedimento é muito semelhante ao que usamos na Aula 15 para resolver o problema do oscilador harmônico quântico. Em lugar disso, enunciaremos as soluções e discutiremos algumas de suas propriedades. As soluções da Equação (20.17), combinadas com a definição (20.16) e já devidamente normalizadas, são as funções: 1/ 2  2Z 3 ( n − l − 1)!     Rnl (r) = −   3 na  2n ( n + l )!    e − ρ 2 ρ l Lnl (ρ ) (20.18) 4πε 0 h2 2Z a = em que ρ = é r é a coordenada radial renormalizada e µ e2 na precisamente o raio de Bohr, com o valor numérico a = 0,529 x 10–10 m, que corresponde, no modelo atômico de Bohr que você estudou em Física 4B, ao raio do átomo de hidrogênio no estado fundamental. O número n 134 CEDERJ MÓDULO 1 20 é um inteiro positivo (n = 1, 2, 3, ...) conhecido como número quântico AULA principal, que está relacionado à energia E, como veremos a seguir. As funções Lnl (ρ) são polinômios de grau (n – l – 1), conhecidos como polinômios de Laguerre associados. NÍVEIS DE ENERGIA DOS ÁTOMOS DE UM ÚNICO ELÉTRON Ao resolver a Equação (20.17), obtém-se que a energia E do sistema é quantizada, podendo ter os valores 2 µ  Ze 2  1 En = − 2  .  2h  4πε 0 h  n 2 (20.19) Relembrando a Aula 9 de Física 4B, vemos que os níveis do átomo de um único elétron, que encontramos resolvendo a equação de Schrödinger, coincidem exatamente com os encontrados no modelo simplificado de Bohr. No entanto, ao contrário do que acontecia naquele modelo, esse resultado não necessitou de nenhuma hipótese heurística, mas é uma conseqüência natural e bem fundamentada da teoria quântica de Schrödinger. O modelo de Bohr foi formulado em 1911 e descrevia muito bem os resultados experimentais, alguns deles conhecidos desde o século anterior, das linhas de absorção de luz pelos átomos de hidrogênio. A teoria de Schrödinger, de 1925, ao reproduzir e, de fato, explicar os resultados do modelo de Bohr, obteve assim o seu primeiro grande sucesso. Também no procedimento de solução da Equação (20.17), obtém-se que o número quântico principal limita os valores possíveis de l: l = 0, 1, 2, ... , n – 1 . (20.20) Note que a energia dos estados, dada pela Equação (20.19), independe dos outros números quânticos, l e m, relacionados com o momento angular. Esse fato leva a que os níveis excitados dos átomos de um único elétron sejam degenerados. Lembrando que, para cada valor de l existem (2l + 1) valores de m, o grau de degenerescência de um nível com número quântico principal n é: n −1 ∑ (2l + 1) = n . 2 (20.21) l =0 CEDERJ 135 Introdução à Mecânica Quântica | O átomo de hidrogênio De fato, para todos os potenciais centrais, os níveis de energia são degenerados em relação ao número quântico m, mas o mesmo não ocorre em relação ao número quântico l. O potencial coulombiano é especial quanto aos seus níveis de energia serem também degenerados em relação a l. Se substituirmos os valores das constantes físicas na Equação (20.19), encontraremos que: En = −13, 6 Z2 eV . n2 (20.22) A Figura 20.2 ilustra os autovalores para o caso do átomo de hidrogênio (Z = 1) usando a notação espectroscópica usual, definida na Tabela 20.1. Vemos que o estado fundamental do átomo é o 1s, com energia de –13,6 eV. Essa energia é conhecida como energia de ligação e seu módulo é a energia de ionização do hidrogênio, ou seja, a energia que deve ser fornecida para separar o elétron do próton. O primeiro nível excitado, em –3,39 eV, corresponde a dois estados com a mesma energia, o 2s e o 2p. Este último, por corresponder a l = 1, é triplamente degenerado, m = -1,0,1, fazendo que o grau de degenerescência do nível 2 seja 1 + 3 = 4 = 22, como esperado pela Equação (20.21). O segundo estado excitado, em -1, 51 eV, tem os níveis 3s, 3p e 3d, com graus de degenerescência 1, 3 e 5, respectivamente, verificando novamente que 1 + 3 + 5 = 32, e assim sucessivamente. Existe um número infinito de possíveis estados excitados, já que qualquer valor de n > 0 corresponde a um nível de energia. Para valores altos de n os níveis de energia estão muito próximos entre si, nas vizinhanças do zero de energia. 136 CEDERJ MÓDULO 1 l=1 (1) 3s (3) 3p – 3,39 (1) 2s (3) 2p – 13,6 (1) 20 l=0 0 – 1,51 l=2 (5) AULA E (eV) l 3d 1s Figura 20.2: Níveis de energia do átomo de hidrogênio, designados pela notação espectroscópica. O eixo horizontal mostra o número quântico l. Os números entre parênteses indicam a degenerescência no número quântico m. Tabela 20.1: Notação espectroscópica usual, em que os níveis de energia são descritos por dois símbolos. O primeiro é número quântico principal, n, o segundo, uma letra que indica o valor do número quântico de momento angular orbital l Valor de l 0 1 2 3 4 5 ... Código espectroscópico s p d f g h ... AUTOFUNÇÕES DOS ÁTOMOS DE UM ÚNICO ELÉTRON Como vimos pelo método de separação de variáveis em coordenadas esféricas, as autofunções dos átomos de um único elétron são dadas pelas funções de onda: ψ nlm (r,θ , ϕ ) = Rnl (r)Ylm (θ , ϕ ), (20.23) CEDERJ 137 Introdução à Mecânica Quântica | O átomo de hidrogênio onde Ylm(θ, ϕ) são os harmônicos esféricos, e Rnl(r) a função de onda radial estudada na primeira parte desta aula. A Tabela 20.2 mostra as primeiras autofunções para o átomo de um elétron, para valores quaisquer de Z, número atômico do núcleo do átomo de um elétron considerado. Note que, como esperado a partir de nossa discussão sobre a barreira centrífuga, somente nos estados s (l = 0) as autofunções são diferentes de zero na origem de coordenadas (r = 0), e têm os valores Z3 . π a3 n 3 2 ψ n00 (0) = Tabela 20.2: Funções de onda de átomos hidrogenóides n l m 0 ψ 100 2 0 0 ψ 200 = 2 1 0 ψ 210 = ψ 21±1 3/ 2 e − Zr / a 1 3/ 2 Zr  − Zr / 2 a  2 − e a   1 3/ 2 Zr − Zr / 2 a e cosθ a Z   32π  a  Z   32π  a  1 Z =   64π  a  1 3 0 0 ψ 300 = Z   81 3π  a  3 1 0 ψ 310 = 2 Z   81 π  a  3 1 ±1 3 2 CEDERJ 1 Z =   πa 1 0 2 1 ±1 138 ψ nlm (r,θ , ϕ ) 0 ψ 31±1 = ψ 320 ψ 32 ±1 = 1 3 2 ±2 ψ 32 ± 2 = 1 Z   81 π  a  1 3/ 2 2  Zr  Zr   − Zr / 3a + 27 − 18  e a  a    Zr  Zr  − Zr / 3a cosθ 6 − e a  a  3/ 2 Zr  − Zr / 3a Zr  sen θ e ± iϕ 6 − e a  a  3/ 2  Zr  − Zr / 3a 3 cos2 θ − 1) (   e  a  3/ 2  Zr  − Zr / 3a senθ cosθ e ± iϕ   e  a  Z   81 π  a  1 Zr − Zr / 2 a sen θ e ± iϕ e a 3/ 2 Z =   81 6π  a  3 2 ±1 3/ 2 Z   162 π  a  2 3/ 2 2 2  Zr  − Zr / 3a 2 ± 2iϕ sen θ e   e  a  MÓDULO 1 20 As constantes diante de cada autofunção da Tabela 20.2 foram AULA determinadas de maneira que elas sejam normalizadas, ou seja, para que a integral sobre todo o espaço do módulo ao quadrado de cada autofunção seja igual a 1. Em coordenadas esféricas, π ∞ 2 ∫ r dr ∫ senθ dθ 0 0 2π ∫ dϕ ψ ( r,θ ,ϕ ) 2 = 1, nlm (20.24) 0 em que ψ nlm ( r,θ , ϕ ) é a função densidade de probabilidade de encontrar 2 o elétron em uma região do espaço, em coordenadas esféricas. A dependência angular desta função, correspondente aos módulos ao quadrado dos esféricos harmônicos, Ynlm (θ , ϕ ) , foi analisada na aula passada. Nesta 2 aula, analisaremos em mais detalhe a dependência radial. Para tanto, é adequado analisar a densidade de probabilidade radial, P nl(r), definida por 2 Pnl (r) = Rnl (r) r 2 . (20.25) ATIVIDADE 2. Mostre que Pnl(r) dr é a probabilidade de que o elétron seja encontrado com a coordenada radial entre r e r + dr. RESPOSTA COMENTADA A probabilidade de que o elétron seja encontrado com a coordenada radial entre r e r + dr é obtida integrando-se a densidade de probabili- dade ψ nlm ( r,θ , ϕ ) no volume compreendido entre as duas esferas, 2 de raios r e r + dr: r + dr ∫ r π r ′2 dr ′∫ senθ dθ 0 2π ∫ dϕ ψ nlm ( r ′,θ ,ϕ ) = 2 0 r + dr ∫ r π r ′2 Rnl ( r′ ) dr ′∫ sen θ dθ 2 0 2π ∫ dϕ Y (θ ,ϕ ) 2 lm 0 A integral nas coordenadas angulares, pela normalização dos harmônicos esféricos, é igual a 1, de modo que a probabilidade é r + dr ∫ r r ′2 Rnl ( r ′ ) dr ′ 2 . CEDERJ 139 Introdução à Mecânica Quântica | O átomo de hidrogênio No limite em que dr é infinitesimal, o integrando não varia apreciavelmente entre r e r + dr, de modo que podemos aproximá-lo por uma constante. Assim, a probabilidade é Pnl ( r ) dr = r 2 Rnl ( r ) dr , 2 como queríamos demonstrar. Os gráficos de Pnl(r) para alguns valores de n e l estão apresentados na Figura 20.3. Algumas características interessantes destas distribuições de densidade de probabilidade são as seguintes: 1. Perto da origem as distribuições são proporcionais a r2l. Portanto, para l ≠ 0, as funções de onda têm valores pequenos em regiões que aumentam com l. 2. As distribuições têm n-l-1 nodos radiais (valores nulos), e n-l máximos. No caso l = n-1, em que l é máximo para um dado valor de n, há portanto um único máximo, que ocorre precisamente em rmax = n2a/Z. Note que este é exatamente o resultado obtido por Bohr para o raio das órbitas circulares! Veja que interessante: apesar de, no caso quântico, o movimento do elétron não ser descrito por uma trajetória, mas sim representado de forma difusa por uma nuvem de probabilidade, ainda assim o raio de Bohr adquire um significado físico. Ele não é mais o raio da órbita eletrônica, mas sim o raio em que a probabilidade de encontrar o elétron é máxima. Define, portanto, a ordem de grandeza do “tamanho” do átomo. 140 CEDERJ MÓDULO 1 20 AULA 0,5 0,4 0,3 0,2 n=1 n=0 0,1 0 5 10 0,2 n = 2, l = 0 0,1 0 5 15 10 0,2 n = 2, l = 1 0,1 Pnl (r) Z / ao 0 15 10 0,1 0 n = 3, l = 0 5 10 15 20 0,1 n = 3, l = 0 0 5 10 20 15 25 0,1 n = 3, l = 1 0 5 10 r ao / Z 15 20 25 Figura 20.3: Densidade de probabilidade radial para os estados 1s, 2s, 2p, 3s, 3p e 3d do átomo de hidrogênio. CEDERJ 141 Introdução à Mecânica Quântica | O átomo de hidrogênio DEPOIS DO ÁTOMO DE HIDROGÊNIO… Como dissemos, a solução do problema do átomo de hidrogênio foi um marco da Física Quântica e é, portanto, um tópico emblemático e conveniente para encerrarmos nosso curso introdutório sobre esta disciplina. De certa forma, representou o fechamento de uma teoria iniciada de maneira até certo ponto insegura por Max Planck em 1900, com sua hipótese dos pacotes de energia para explicar a radiação de corpo negro. A formulação da Física Quântica, uma teoria que, como vimos, parece estar em alguns momentos bastante distante de nossa intuição do dia-a-dia, é certamente uma das conquistas mais impressionantes do intelecto humano. Ter conseguido encontrar as leis que regem o mundo microscópico foi motivo de comentários eufóricos do físico inglês Paul Dirac: As leis fundamentais necessárias para o tratamento matemático de uma grande parte da Física e de toda a Química são, portanto, completamente conhecidas, e a dificuldade reside apenas no fato de que a aplicação dessas leis leva a equações que são muito complexas para serem resolvidas. Figura 20.4: O físico inglês Paul Dirac, Prêmio Nobel de Física de 1933. A frase de Dirac lembra um pouco o sentimento entre os físicos no final do século XIX, quando muitos acreditavam que as leis fundamentais da Física, baseadas na Mecânica Newtoniana, já estavam conhecidas e que pouco restava a ser descoberto. No entanto, as pequenas “nuvens do século XIX” no céu azul da Física, assim chamadas por Lord Kelvin em 1884, em breve se transformaram na tempestade que mudou o mundo no início do século XX com a Física Quântica e a Relatividade. Mas, e a Física Quântica? Cumpriu a profecia de Dirac e tornou-se a “teoria de tudo”? Sim e não. É verdade que até hoje não se encontrou teoria melhor para descrever a matéria na escala atômica. No entanto, dizer que a dificuldade reside apenas no fato de que a aplicação dessas leis leva a equações que são muito complexas para serem resolvidas pode esconder toda a beleza do desenvolvimento da Física que se seguiu ao átomo de hidrogênio, e que apresentamos de forma resumida a seguir: 1. A teoria de Schrödinger não era compatível com a Relatividade. O desenvolvimento da Mecânica Quântica relativística foi feito posteriormente, pelo próprio Dirac. Entre outras coisas, a teoria de Dirac incorpora a noção de spin, um momento angular intrínseco que 142 CEDERJ MÓDULO 1 20 as partículas microscópicas possuem, e diferentemente do momento AULA angular orbital (estudado na aula passada) não possui uma analogia na Física Clássica. Além disso, a teoria de Dirac previu a existência da antimatéria, que depois foi verificada experimentalmente. Segundo Dirac, cada partícula possuiria uma antipartícula correspondente, com a mesma massa, porém com carga oposta. 2. A descrição da constituição da matéria em dimensões menores que a do átomo, através do entendimento do núcleo atômico e das partículas elementares, só pôde ser feita dentro do contexto da Mecânica Quântica. Este conhecimento, que ainda é incompleto até os dias de hoje, produziu efeitos marcantes para a sociedade como um todo e para o entendimento mais fundamental da matéria e do universo. Nas áreas da Física Nuclear e da Física de Partículas Elementares, cientistas do mundo inteiro continuam avançando a fronteira de nosso conhecimento nesses assuntos. 3. Mesmo se nos restringirmos à equação de Schrödinger, que é consideravelmente mais simples que a de Dirac, sistemas com duas ou mais partículas quânticas (como o átomo de hélio, por exemplo) não podem ser resolvidos exatamente. Porém, isso não impediu que enormes avanços fossem realizados no estudo de átomos de muitos elétrons e de moléculas, utilizando-se métodos aproximados. Entre outras conquistas nesta área, o uso da Mecânica Quântica possibilitou o entendimento das ligações químicas em moléculas, causando uma revolução na Química. Estes avanços deram origem às áreas conhecidas hoje em dia como Física Atômica e Molecular e Química Quântica. 4. O entendimento dos materiais sólidos, sistemas ainda mais complicados que as moléculas, contendo um número da ordem de 1023 partículas quânticas, também se beneficiou enormemente do surgimento da Mecânica Quântica. Questões corriqueiras, como “por que alguns materiais conduzem eletricidade e outros não?”, só podem ser entendidas com base na teoria quântica. A área conhecida como Física da Matéria Condensada lida com esses sistemas, e seus avanços revolucionaram a humanidade por meio do desenvolvimento dos computadores, entre outras coisas. CEDERJ 143 Introdução à Mecânica Quântica | O átomo de hidrogênio Em resumo, a disciplina de Introdução à Mecânica Quântica é apenas isso: uma introdução, mas que permita que se abram as portas de um mundo completamente novo e, em grande parte, inexplorado dentro da Física. Convidamos você a explorar futuramente esse novo mundo, aprofundando seus conhecimentos em Mecânica Quântica e nas áreas da Física que surgiram a partir dela. ATIVIDADE FINAL Mostre que o máximo da densidade de probabilidade radial Pnl(r) para o estado 1s do átomo de hidrogênio ocorre em r = a. RESPOSTA COMENTADA Calculando a função P10 (r), obtemos: 2 P10 ( r ) = r 2 R10 ( r ) = r 2 e −2 r a , onde ignoramos os fatores multiplicativos. O valor máximo desta função é determinado pelo ponto onde a derivada é nula: dP10 2 r  = 2re −2 r a − r 2 e −2 r a = 2re −2 r a  1 −  = 0 a a dr  Esta equação tem duas raízes, uma em r = 0, que é um mínimo, já que P10 (0) = 0, e a outra em r = a, que é o máximo procurado. 144 CEDERJ MÓDULO 1 20 AULA RESUMO No caso de uma partícula que se movimenta sob o efeito de um potencial central Coulombiano, o átomo de um único elétron, as soluções ligadas da equação de Schrödinger têm a forma de um produto de uma função radial por um harmônico esférico. As funções radiais são da forma de um produto de um polinômio em r e uma exponencial, também em r. Elas são caracterizadas por três números quânticos, n, l, m, onde n é o número quântico principal e determina a energia de ligação do sistema. Cada nível de energia, caracterizado pelo número quântico n, é n2-vezes degenerado. Os valores desses níveis de energia coincidem com os encontrados com o modelo de Bohr. INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, exercitaremos o que aprendemos nas Aulas 17 a 20 por meio de um conjunto de problemas. CEDERJ 145 AULA Exercícios 21 Meta da aula objetivo Aplicar o formalismo quântico estudado neste módulo à resolução de uma série de exercícios. • Esperamos que, após o término desta aula, você tenha consolidado os conhecimentos adquiridos no Módulo 3 (Aulas 17 a 20). Pré-requisito Ter completado o estudo dos assuntos indicados no encabeçamento de cada grupo de exercícios. Introdução à Mecânica Quântica | Exercícios PARTÍCULA LIVRE E CAIXA DE POTENCIAL EM TRÊS DIMENSÕES (AULA 17) eikr é autofunção da r Hamiltoniana para a partícula livre, e encontre o valor de E correspondente. r 1.1. (a) Verifique se a função de onda ψ (r ) = Sugestão: use a expressão do laplaciano em coordenadas esféricas. (b) Verifique se a função de onda do item anterior é autofunção do momento linear. Sugestão: use a expressão do gradiente em coordenadas esféricas. (c) Interprete fisicamente esse estado quântico. RESPOSTA COMENTADA r eikr (a) Para verificar se a função de onda ψ (r ) = é autofunção da r equação de Schrödinger para a partícula livre com energia E, h2 2 ∇ ψ = Eψ , consideramos o operador laplaciano em coorde2m 1 ∂ 1 ∂  ∂f  1 ∂2 f nadas esféricas, ∇ 2 f = rf ) + 2  senθ + 2 2 2 ( r ∂r r senθ ∂θ  ∂θ  r sen θ ∂ϕ 2 − eikr na equação de onda, r h2 1 ∂ 2 h2 1 ∂ 2 ikr h2 k2 eikr h2 k2 − r ψ = − e = ψ = ( ) 2m r ∂r 2 2m r ∂ r 2 2m r 2m r e substituímos ψ (r ) = Portanto, a função de onda descreve uma partícula livre com energia E= h 2 k2 . 2m r (b) O gradiente em coordenadas esféricas é ∇f = rˆ ∂f + θˆ 1 ∂f + ϕˆ ∂r r ∂θ 1 ∂f . r senθ ∂ϕ Assim, aplicando o operador momento à função de onda, temos r  ikeikr eikr  . ∂ψ − i h∇ψ = i hrˆ − 2  i hrˆ  ∂r r   r Deste modo, como o resultado desta operação não é proporcional à função de onda, esta não é uma autofunção do momento. 148 CEDERJ MÓDULO 1 21 (c) Vemos que a função de onda representa uma onda esférica, podendo AULA então representar partículas quânticas emergentes de uma fonte pontual. Tais funções de onda são muito úteis em problemas de espalhamento, por exemplo. Como a onda esférica se propaga em todas as direções a partir da fonte, a função de onda não tem um vetor momento linear bem definido. PARTÍCULA NUMA CAIXA CÚBICA E NUM POTENCIAL HARMÔNICO TRIDIMENSIONAL (AULA 18) 2.1. Considere 20 elétrons em uma caixa inicialmente cúbica de volume V = L3, como na Atividade Final 1 da Aula 18. Suponha que um agente externo realize uma deformação uniaxial, ou seja, reduz apenas um dos lados da caixa (digamos, ao longo do eixo x) por uma fração ∆L/L. Qual a variação da energia total dos elétrons no limite ∆L< e para o elétron no estado fundamental do átomo de hidrogênio, expressando sua resposta em termos do raio de Bohr a. (b) Determine e no estado fundamental, usando o resultado do item anterior e as simetrias do estado fundamental (não é preciso calcular outras integrais). (c) Determine no estado n = 2, l = 1, m = 1. Note que esse estado não é esfericamente simétrico. CEDERJ 157 Introdução à Mecânica Quântica | Exercícios RESPOSTA COMENTADA (a) A função de onda do estado fundamental do átomo de hidrogênio, obtida a partir da Tabela 20.2 da Aula 20, usando Z = 1, é dada por ψ 100 (r,θ , ϕ ) = 1 a 32 π e−r a O valor esperado de r é 2π π 0 0 r = 1 a3π = ∞ 2 * ∫ dϕ ∫ dθ senθ ∫ dr r ψ 100 (r,θ ,ϕ) rψ 100 (r,θ ,ϕ) 0 2π π ∞ 0 0 0 3 − 2r a ∫ dϕ ∫ dθ senθ ∫ dr r e = ∞ 4 dr r 3e − 2 r a a3 ∫0 4 3 4 6a = a 3 a 16 2 = Já o valor esperado de r2 é dado por 2π r2 = π 0 = = 1 a3π ∞ 2 * 2 ∫ dϕ ∫ dθ senθ ∫ dr r ψ 100 (r,θ ,ϕ) r ψ 100 (r,θ ,ϕ) 0 2π 0 π ∞ 0 0 4 − 2r a ∫ dϕ ∫ dθ senθ ∫ dr r e = 0 ∞ 4 dr r 4 e − 2 r a 3 ∫ a 0 5 4 24a = 3a2 a3 32 Ambos os resultados reforçam a idéia de que o raio de Bohr é uma boa medida do tamanho do átomo de hidrogênio. (b) Como a distribuição de probabilidades associada ao estado 1s do átomo de hidrogênio é esfericamente simétrica, e levando-se em conta que x é uma função ímpar, temos: x = ∫ d 3r x ψ 100 (r,θ , ϕ ) = 0 , 2 2 pois o produto x ψ 100 (r,θ , ϕ ) será também uma função ímpar, cuja integal no espaço todo é nula. Para calcular o valor esperado de x2, podemos novamente usar a propriedade de simetria esférica do estado 1s, que nos leva ao seguinte resultado: x 2 = y 2 = z 2 = r2 3 . Assim, usando o resultado do item (a), obtemos x 2 = a 2. (c) A função de onda do estado n = 2, l = 1, m = 1, segundo os dados da Tabela 20.2 (novamente com Z = 1), é dada por: 158 CEDERJ MÓDULO 1 21 1 r senθ e − r 2 a eiϕ 32 64π a a AULA 1 ψ 211 (r,θ , ϕ ) = Sabendo que x = r senθ cos ϕ , podemos calcular o valor de : 2π x2 = π 0 = = ∞ 2 * ∫ dϕ ∫ dθ senθ ∫ dr r ψ 211(r,θ ,ϕ) ( r senθ cosϕ ) ψ 211(r,θ ,ϕ) 0 2 0 1 64a5π 2π π 0 0 1 64a5π 2π π ∞ 0 0 0 ∞ 6 2 2 −r a ∫ dϕ ∫ dθ senθ ∫ dr r sen θ cos ϕ e 0 2 3 6 −r a ∫ dϕ cos ϕ ∫ dθ sen θ ∫ dr r e 1 4 = × π × × 720a7 = 15a2 5 3 64a π 4.4. Vamos calcular a probabilidade P de que um elétron no estado fundamental do átomo de hidrogênio seja encontrado dentro do núcleo. (a) Calcule primeiro a resposta exata. Denote o raio do núcleo por R. (b) Expanda o seu resultado como uma série de potências em R/a, e mostre que o termo de ordem mais baixa é da forma: P ≈ (4/3)(R/a)3. Este termo já deveria ser uma boa aproximação, pois R<< a. (c) Alternativamente, poderíamos pensar que a função de onda do elétron é essencialmente constante sobre o pequeno volume do núcleo, de modo que P ≈ (4/3)πR3 |ψ100 (0) |2. Verifique que essa aproximação reproduz o resultado do item anterior. (d) Use R ≈ 10–15 m , a ≈ 10–10 m , para uma estimativa numérica de P. Esse valor representa a fração do tempo em que o elétron se encontra dentro do núcleo. CEDERJ 159 Introdução à Mecânica Quântica | Exercícios RESPOSTA COMENTADA (a) A probabilidade de encontrarmos o elétron no estado 1s dentro de uma esfera de raio R é 2π P= π 0 = = R ∫ dϕ ∫ dθ senθ ∫ dr r 1 a3π 0 2π 2 ψ 100 (r,θ , ϕ ) 0 π R ∫ dϕ ∫ dθ senθ ∫ dr r e 0 2 0 2 −2r a 0 R = 4 dr r 2 e − 2 r a 3 ∫ a 0 2  2R a 2  a3  4  a −2 R a  2 −2 R a  2R = + 1 − e + 1 + − aR + + e R      2 3 a a  2 2  4  a   (b) Para expandir o resultado do item anterior em potências de R/a, lembramos que e x ≈ 1 + x + x 2 x3 + + O (x 4 ) , de modo que 2 6  2R2 2R    4R3 2R 2R2 4R3   2R2 2R P = 1 − e −2 R a  2 + + 1 ≈ 1 −  1 − + 2 − 3 . 2 + + 1 = 3 a a a 3a   a a  a    3a (c) Supondo que a função de onda é constante na região do núcleo e que tem o valor ψ 100 (0) , a probabilidade é dada pelo produto do volume do núcleo pela densidade de probabilidade: P= 1 4R3 4 4 2 π R3 ψ 100 (0) = π R3 × 3 = 3 , 3 3 πa 3a reproduzindo o resultado do item anterior. (d) Usando os valores aproximados R ≈ 10–15 m e a ≈ 10–10 m, obtemos P≈ 4R3 ≈ 10−15 , 3a3 ou seja, um elétron passa uma fração ínfima do seu tempo dentro do núcleo. Para se ter uma idéia desse tempo, um elétron necessitaria estar ligado a um núcleo por cerca de 30 milhões de anos para estar, em média, um segundo dentro dele. Ainda assim, a presença, ainda que furtiva, do elétron dentro do núcleo, dá origem um efeito físico mensurável, conhecido como interação hiperfina de contato. 160 CEDERJ Referências Introdução à Mecânica Quântica Aulas 11 a 19 EISBERG, Robert; RESNICK, Robert. Física quântica : átomos, moléculas, sólidos, núcleos e partículas. 4. ed. rio de Janeiro: Campus, 1986. Aula 20 COHEN-TANNOUDJI, Claude; DIU, Bernard; LALOË, Franck. Quantum mechanics. Toronto: John Wiley and Sons, 1977. EISBERG, Robert; RESNICK, Robert. Física quântica : átomos, moléculas, sólidos, núcleos e partículas. 4. ed. rio de Janeiro: Campus, 1986. PIZA, Antonio Fernando Ribeiro de Toledo. Mecânica quântica. São Paulo: EDUSP, 2003. Aula 21 EISBERG, Robert; RESNICK, Robert. Física quântica : átomos, moléculas, sólidos, núcleos e partículas. 4. ed. rio de Janeiro: Campus, 1986. 162 CEDERJ ISBN 978-85-7648-543-8 código de barras 9 788576 485438