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Hidráulica

apostila de hidráulica aplicada a engenharia

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IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 HIDRÁULICA APLICADA 1. PRINCÍPIOS BÁSICOS E PROPRIEDADES FÍSICAS DOS FLUIDOS 1.1 Definição de Fluidos (Streeter,1909) Um fluido é uma substância que se deforma continuamente quando submetida a uma tensão de cisalhamento, não importando o quanto pequena possa ser essa tensão. Uma força de cisalhamento é uma componente tangencial de força que age sobre a superfície e, dividida pela área da superfície, dá origem à tensão de cisalhamento média sobre a área. Tensão de cisalhamento num ponto é o valor da relação entre a força de cisalhamento e a área quando a área tende a um ponto. Na Figura 1, uma substância é colocada entre duas placas paralelas bem próximas e grandes de modo que as perturbações nas bordas possam ser desprezadas. A placa inferior é fixa, e uma força F é aplicada na placa superior, a qual exerce uma tensão de cisalhamento (F/A) na substância entre as placas. A é a área da placa superior. Quando a força F movimenta a placa superior com uma velocidade (não nula) constante, não importando quão pequena seja a intensidade de F, pode-se concluir que a substância entre as duas placas é um fluido. Figura 1 - Deformação resultante da aplicação de força de cisalhamento constante. O fluido em contato com a superfície sólida tem a mesma velocidade que a superfície; isto é, não há escorregamento na superfície. Este é um fato experimental que é observado em ensaios com várias espécies de fluido e materiais de superfície. O fluido na área abcd escoa para a nova posição ab’c’d com cada partícula fluida movendo-se paralelamente à placa e a velocidade u variando linearmente de zero na placa estacionária até U na placa superior. A experiência mostra que, mantendo-se Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 1 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 outras grandezas constantes, F é diretamente proporcional a A e a U e inversamente proporcional a t. Em forma de equação, F=µ AU t (1) na qual µ é um fator de proporcionalidade que depende do fluido em estudo. Sendo a tensão de cisalhamento ( σ = F σ =µ A ): U t (2) A relação U/t é a velocidade angular do seguimento ab ou é a velocidade de deformação angular do fluido, isto é, a velocidade com que o ângulo bad diminui. A velocidade angular também pode ser escrita du/dy, pois tanto U/t como du/dy expressam a variação de velocidade divida pela distância ao longo da qual a variação ocorre. Entretanto, du/dy é mais geral porque continua válida nas situações nas quais a velocidade angular e a tensão de cisalhamento variam com y. O gradiente de velocidade du/dy pode também ser entendido como a velocidade com a qual uma camada se move em relação à outra adjacente. Na forma diferencial, σ =µ du dy (3) é a relação entre a tensão de cisalhamento e a velocidade de deformação angular para um escoamento unidimensional. O fator de proporcionalidade µ é chamado viscosidade do fluido, e a equação 3, lei de Newton da Viscosidade. Para fins de análise é feita freqüentemente a hipótese de que um fluido é nãoviscoso. Com viscosidade zero, a tensão de cisalhamento é sempre zero, não importando o movimento que o fluido possa ter. Se o fluido é também considerado incompressível, ele é então chamado fluido perfeito ou ideal. 1.2 Viscosidade De todas as propriedades dos fluidos, a viscosidade requer a maior consideração no estudo dos escoamentos. Viscosidade é a propriedade pela qual um fluido oferece resistência ao cisalhamento, ou seja, ao escoamento. A lei de Newton da viscosidade (Eq. 3) estabelece que, para uma dada velocidade de deformação angular de um fluido, a tensão de cisalhamento é diretamente proporcional à viscosidade. Melaço e alcatrão são exemplos de líquidos muito viscosos, enquanto que água e ar Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 2 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 apresentam viscosidades muito pequenas. Assim, um fluido de maior viscosidade apresenta maior resistência ao escoamento que, por sua vez, demandará maior energia. Um fluido em repouso ou movendo-se de modo que não haja movimento relativo entre camadas adjacentes, não apresentará forças de cisalhamento aparente, embora tenha viscosidade, porque du/dy é zero em qualquer ponto do fluido. Assim no estudo da estática dos fluidos, não se consideram as forças de cisalhamento porque as mesmas não existem nessa condição e as únicas tensões atuantes são as tensões normais ou pressões. As dimensões da viscosidade são determinadas a partir da lei de Newton da viscosidade (Eq. 3). Isolando a viscosidade µ: µ= σ du / dy (4) Introduzindo as dimensões F, L,T de força, comprimento e tempo: σ : F L-2 u : LT- 1 y:L resulta µ com a dimensão F L-2 T. Com a dimensão da força expressa em função da massa pelo uso da segunda lei da mecânica de Newton, F  M L T-2, a dimensão da viscosidade pode ser expressa como M L-1 T –1. A unidade no SI de viscosidade, o newton-segundo por metro quadrado (N s m-2) ou o quilograma por metro por segundo (kg m-1 s-1), não tem nome especial. - Viscosidade cinemática A viscosidade µ é frequentemente chamada de viscosidade absoluta ou dinâmica para se evitar confusão com a viscosidade cinemática, que é a relação entre viscosidade e massa específica do fluido: ν = µ ρ (5) A viscosidade cinemática aparece em muitas aplicações, como por exemplo, no coeficiente denominado número de Reynolds, utilizado na caracterização dos regimes de escoamento. Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 3 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 A dimensão de ν é L2T-1. A unidade SI de viscosidade cinemática é 1,0 m2 s-1, e a unidade inglesa usual é 1 ft2 s-1. Como dito anteriormente, a presença da viscosidade gera uma resistência ao deslizamento dos fluidos, tanto no interior da massa líquida (atrito interno) quanto ao longo de superfícies sólidas (atrito externo). Quando um líquido escoa em contato com uma superfície sólida, junto à mesma é criada uma camada fluida, aderente, que não se movimenta. Um exemplo importante é o que ocorre com o escoamento de um líquido em um tubo. Forma-se junto às paredes uma película fluida que não participa do movimento. Assim, junto à parede do tubo, a velocidade é zero, sendo máxima na parte central (Figura 2). Figura 2 - Perfil de velocidade em uma tubulação. Em conseqüência dos atritos e, principalmente, da viscosidade, o escoamento de um líquido em uma canalização somente se verifica com certa dissipação de energia, comumente denominada por perda de carga (Figura 3). Figura 3 – Demonstração da ocorrência da perda de carga. A Tabela 1 apresenta os valores de viscosidade cinemática da água, em função da temperatura. Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 4 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 Tabela 1 – Valores de viscosidade cinemática da água Temperatura (oC) 0 5 10 15 20 25 30 40 50 60 70 80 90 100 1.3 Viscosidade (x 10-6 m2 s-1) 1,79 1,52 1,31 1,14 1,01 0,90 0,80 0,66 0,56 0,48 0,42 0,37 0,33 0,30 Demais propriedades a) Coesão e adesão A primeira propriedade permite às partículas fluidas resistirem a pequenos esforços de tensão. A formação de uma gota d'água deve-se à coesão. Quando um líquido está em contato com um sólido, a atração exercida pelas moléculas do sólido pode ser maior que a atração existente entre as moléculas do próprio líquido. Ocorreu então a adesão. b) Pressão de vapor Dependendo da pressão a que está submetido, um líquido entra em ebulição a uma determinada temperatura; variando a pressão, varia a temperatura de ebulição. Por exemplo, a água entra em ebulição à temperatura de 100oC quando a pressão é 1,033 kgf cm-2 (1 atm), mas também pode ferver a temperaturas mais baixas se a pressão também for menor. Portanto, pressão de vapor corresponde ao valor da pressão em que há mudança da fase líquida para a gasosa. Todo líquido tem temperatura de saturação de vapor (tv) (quando entra em ebulição), que correspondem biunivocamente a pressões de saturação de vapor ou simplesmente tensões de vapor (pv). Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 5 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 Essa propriedade é fundamental na análise do fenômeno da cavitação, pois quando um líquido inicia a ebulição, inicia-se também a cavitação. c) Massa específica, peso específico e densidade A massa específica (ρ) de um fluido é definida como sua massa por unidade de volume. O peso específico (γ) de uma substância é o seu peso por unidade de volume. É variável com a posição, dependendo, portanto, da aceleração da gravidade. γ = ρg (6) É uma interessante propriedade quando se trata da estática dos fluidos ou de líquidos com uma superfície livre. A densidade (d) de uma substância é a relação entre seu peso e o peso de um igual volume de água nas condições normais. Pode também ser expressa como relação entre sua massa ou peso específico e os da água. A Tabela 2 apresenta alguns valores de massa específica, peso específico e pressão de vapor d´água em função da temperatura. Tabela 2 – Valores de massa específica, peso específico e pressão de vapor d´água Temperatura (oC) 0 2 4 5 10 15 20 25 30 40 50 60 70 80 90 100 Massa específica (kg m-3) 999,8 999,9 1.000,0 999,9 999,7 999,1 998,2 997,1 995,7 992,2 988,1 983,2 977,8 971,8 965,3 958,4 Prof. Daniel Fonseca de Carvalho Peso específico (N m-3) 9.805 9.806 9.810 9.806 9.803 9.798 9.780 9.779 9.767 9.737 9.697 9.658 9.600 9.557 9.499 9.438 Pressão de vapor d´agua (Pa) 611 ----873 1.266 1.707 2.335 3.169 4.238 7.377 12.331 19.924 31.166 47.372 70.132 101.357 6 IT 144 – Hidráulica Aplicada 1.4 Março/2010 Símbolos adotados e unidades usuais em Mecânica dos fluidos As grandezas físicas são compatíveis entre si através de medidas homogêneas, ou seja, referidas à mesma unidade. Os números sem dimensão de medidas nada informam em termos práticos: o que é maior: 8 ou 80? A pergunta necessita de sentido porque não há termo de comparação. Evidentemente que 8 m3 significa mais que 80 litros (80 dm3). Poderia ser de outra forma: 8 kg e 80 kg. As "unidades" de grandezas físicas (dimensões de um corpo, velocidade, força, trabalho ou potência) permitem organizar o trabalho científico e técnico sendo que, com apenas sete grandezas básicas é possível formar um sistema que abranja todas as necessidades. Tradicionalmente a Engenharia usava o denominado sistema MKS (metro, quilograma, segundo) ou CGC (centímetro, grama, segundo), ou Sistema Gravitacional, em que unidades básicas (MKS) são: Tabela 3 – Grandezas e unidades do sistema gravitacional GRANDEZAS UNIDADE SÍMBOLO DIMENSIONAL Força Comprimento Tempo quilograma - força metro segundo kgf m s F L T Entretanto, observou-se que esse sistema estabelecia uma certa confusão entre as noções de peso e massa, que do ponto de vista físico são coisas diferentes. A massa de um corpo refere-se à sua inércia e o peso de um corpo refere-se à força que sobre este corpo exerce a aceleração da gravidade (g). Entre a força (F) e a massa de um corpo existe uma relação expressa pela equação (2ª lei de Newton): F = kma (7) em que k = constante; m = massa do corpo; e a = aceleração. Há dois sistemas de unidades que tornam a constante k igual a 1 (um): o SI ( Sistema Internacional) ou absoluto e o gravitacional. No absoluto, k é igual a 1 (um) pela definição da unidade de força e no gravitacional pela definição da unidade de massa, ou seja: Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 7 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 Sistema Absoluto  a unidade de força é aquela que, ao agir sobre um corpo com a massa de um quilograma, ocasiona uma aceleração de um metro por segundo, por segundo (1m s-2), e se denomina “Newton”. A unidade de massa nesse sistema é correspondente a um bloco de platina denominado quilograma – protótipo, guardado em Sevres (França). Sistema Gravitacional  a unidade de força é igual a unidade de massa por unidade de comprimento por segundo, por segundo, logo a unidade de massa neste sistema é igual a g gramas. Melhor explicando, o Sistema Gravitacional torna o k igual à unidade pela definição da unidade de massa. “Se um corpo de peso unitário cai livremente, a força unitária atuará e a aceleração será g”; logo, para que a força unitária produza uma aceleração unitária, a unidade de massa será equivalente a g unidades de peso. No sistema métrico seria: 1kgf = unidade de massa x 1(m/s2), logo: unidade de massa = 1(kgf ) = g (kg) 1(ms −2 ) Em outras palavras, a força gravitacional comunica à massa de 1 kg a aceleração g: 1,0 kgf = g x 1,0 kg. O importante é entender que o peso de um corpo pode se reduzir a zero ao sair da gravidade terrestre, mas sua massa permanecerá a mesma. Por convenção internacional de 1960, foi criado o Sistema Internacional de Unidades (SI), também conhecido por Sistema Absoluto, legalmente em vigor no Brasil e na maioria dos países do mundo, do tipo MLT (massa, comprimento, tempo) e não FLT (força, comprimento, tempo) como era o Sistema Gravitacional. As unidades básicas desse sistema são o quilograma (neste caso seria um quilograma massa), o metro e o segundo. Deve-se atentar para a coincidência de nomenclatura entre a antiga unidade peso e a atual de massa, evitando-se, assim, as confusões daí advindas, infelizmente tão freqüentes. A Tabela 4 apresenta as grandezas que compõe o SI. As abreviaturas das unidades SI são escritas com letras minúsculas nos termos como horas (h), metros (m) e segundos (s). A exceção é o litro, que ao invés de se abreviar por “l”, utiliza-se a letra “L”. Quando uma unidade é designada por um nome próprio, a abreviatura (mas não o nome por extenso) é escrita com letra maiúscula. Exemplos são o watt (W), o pascal (Pa) e newton (N). Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 8 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 Tabela 4 – Grandezas básicas componentes do SI GRANDEZA Comprimento Massa Tempo Intensidade de corrente Temperatura termodinâmica Intensidade luminosa Quantidade de matéria UNIDADE Metro Quilograma Segundo Ampére Kelvin Candela mol SÍMBOLO m kg s A K cd mol Os múltiplos e submúltiplos, expressos em potências de 103, são indicados por prefixos, os quais também são abreviados. Os prefixos usuais são mostrados na Tabela 5. Tabela 5 – Prefixos usualmente utilizados Múltiplo 109 106 103 10-2 Prefixo SI giga mega kilo centi Abreviatura Múltiplo G M k c 10-3 10-6 10-9 10-12 Prefixo SI mili micro nano pico Abreviatura m µ n p Apresenta-se a seguir (Tabela 6) as grandezas mais freqüentes, com suas respectivas unidades para os cálculos relacionados com as atividades da hidráulica. Tabela 6 – Grandezas e unidades mais utilizadas Grandeza Símbolo Área Volume Velocidade Aceleração Massa específica Força Pressão Energia Potência Viscosidade dinâmica Viscosidade cinemática Momento de inércia Peso específico Prof. Daniel Fonseca de Carvalho N Pa J W P St Unidades Newton Pascal Joule Watt Poise Stokes Relação com as unidades básicas m² m³ m s-1 m s-² kg m-³ kg m s-² N m-² Nm J s-1 0,1 N s m-² 10-4 m2 s-1 m4 N m-3 Dimensional L² L³ L T-1 L T-2 M L-3 M L T-2 M L-1 T-2 M L² T-2 M L² T-3 M L-1T-1 L² T-1 L4 M L-2.T-2 9 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 2. ESTÁTICA DOS FLUIDOS É a parte da Hidráulica que estuda os líquidos em repouso, bem como as forças que podem ser aplicadas em corpos neles submersos. 2.1 Pressão e Empuxo Quando se considera a pressão, implicitamente relaciona-se uma força à unidade de área sobre a qual ela atua. Considerando-se, no interior de certa massa líquida, uma porção de volume V, limitada pela superfície A (Figura 4), se dA representar um elemento de área nessa superfície e dF a força que nela atua (perpendicularmente), a pressão será: p = dF dA Considerando-se toda a área, o efeito da pressão produzirá uma força resultante que se chama empuxo (E), sendo, às vezes chamada de pressão total. Essa força é dada pela integral: E = ∫ pdA A Se a pressão for a mesma em toda a área, o empuxo será: E = p A. Figura 4 - Massa líquida em repouso, com área “A”. 2.2 Lei de Pascal Seja um líquido homogêneo e em equilíbrio, no interior do qual isola-se um prisma com altura dy, largura dx e comprimento unitário (Figura 5). Se o prisma estiver em equilíbrio, a somatória das forças atuantes na direção “X” será nula. (ΣFx = 0). px dy.1 = ps . sen θ ds .1 ; sen θ = Prof. Daniel Fonseca de Carvalho dy ds 10 IT 144 – Hidráulica Aplicada px dy = ps ds Março/2010 dy dy dy ; px = ps ; px = ps ds ds ds Figura 5 – Forças atuantes em um prisma. Na direção “Y” deve ocorrer o mesmo: ΣFy = 0, havendo o equilíbrio. Logo: py dx.1 = ps ds . 1cos θ + dw py dx = ps ds . cos θ + γ dxdy . 1 2 Sendo o prisma elementar, suas dimensões são infinitesimais e, portanto, a força resultante de seu peso é desprezível. Portanto: py dx = ps ds dx ; ds py dx dx = ps ; py = ps ds ds Então, px = py = ps. Este é o princípio de Pascal, que se anuncia: “Em qualquer ponto no interior de uma massa líquida em repouso e homogênea, a pressão é a mesma em todas as direções”. A prensa hidráulica é uma importante aplicação desta lei. Na Figura abaixo, considere que o diâmetro do êmbulo maior seja de 4 vezes o diâmetro do êmbulo menor. Se for aplicada uma força F1 = 50 N, a pressão do fluido transmitirá, ao êmbulo maior, uma força F2 de 16 x 50 N, ou seja, F2 = 800 N. (p1 = p2 Prof. Daniel Fonseca de Carvalho  F1 A 2 = F2 A 1 ) 11 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 Figura 6 – Desenho esquemático de uma prensa hidráulica. A Figura 7 ilustra uma solução real para obtenção da movimentação de uma carga, onde estão adicionados uma reservatório e duas válvulas de retenção que viabilizam o movimento alternativo do cilindro 1, provocando um movimento contínuo do cilindro 2. O cilindro 1 e as duas válvulas caracterizam uma bomba de pistão de simples ação, ou seja, que produz vazão apenas em um sentido de movimentação do êmbulo. Figura 7 – Exemplo de aplicação da Lei de Pascal Exercício: Calcular a força P que deve ser aplicado no êmbolo menor da prensa hidráulica da Figura 8, para equilibrar a carga de 4.400 kgf colocada no êmbolo maior. Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 12 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 Os cilindros estão cheios, de um óleo com densidade 0,75 e as seções dos êmbolos são, respectivamente, 40 e 4000 cm2. Figura 8 – Desenho esquemático de uma prensa hidráulica 2.3 Lei de Stevin Na Figura 9, A é a área das faces, P é o peso da massa líquida e h é a diferença de nível entre os pontos considerados. Como P = γ.V e V = A.h então P = γ.A.h . Se o sistema estiver em equilíbrio, ΣFy = 0 e, portanto: Figura 9 – Demonstração da Lei de Stevin. p1A + P − p 2 A = 0 p1A + γAh − p 2 A = 0 p 2 A − p1A = γAh p 2 − p1 = γh ou p 2 p1 − =h γ γ Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 13 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 “A diferença de pressão entre dois pontos da massa de um líquido em equilíbrio é igual à diferença de nível entre os pontos, multiplicada pelo peso específico do líquido”. 2.4 Manometria As pressões são grandezas físicas muito importantes no trabalho com fluidos, haja vista a equação fundamental da Estática dos fluidos, que é expressa em termos de pressões e esforços. No século XVII Torricelli executou sua conhecida e célebre experiência ao nível do mar, quando, ao emborcar uma proveta cheia de mercúrio em uma cuba, o líquido fluiu da proveta para a cuba permanecendo apenas uma coluna de 762 milímetros de altura. A conclusão lógica era de que o ar atmosférico tinha peso, por conseguinte exercia pressão. Esta pressão, medida ao nível do mar, correspondia a uma coluna de mercúrio de 762 mm de altura. Este valor de pressão foi chamado de "uma atmosfera Física". Como o peso específico do mercúrio é 13.600 kgf m-3, vem: 13.600 kgf m-3 x 0,762 m = 10.363 kgf m-2 = 1,036 kgf cm-2 Como a densidade do mercúrio é 13,6, a mesma pressão atmosférica equilibraria uma coluna de água de: 13,6 x 0,762 = 10,36 m. Na prática da hidráulica se utiliza a atmosfera "técnica" que vale 735 mm Hg. 735 mmHg = 10 mca = 10.000 kgf m-2 = 1,0 kgf cm-2 = 1,034 atm. A pressão atmosférica é medida por barômetros ou por barógrafos, que são barômetros registradores. A pressão atmosférica varia com a altitude; para cada 100 metros de elevação de altitude ocorre um decréscimo na pressão atmosférica de 0,012 atm (0,12 mca); desta forma, em um local de altitude igual a 920 metros, a pressão é: patm = 1,034 atm - (0,012 . 9,2) = 1,034 - 0,110 = 0,92 atm Exercício: A Figura 10 reproduz a experiência de Torricelli em uma certa localidade, quando foi utilizado o mercúrio como líquido manométrico. Se, ao invés de mercúrio, Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 14 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 tivesse sido utilizado um óleo com densidade de 0,85, qual teria sido a altura da coluna de óleo? Figura 10 – Exemplo da experiência de Torricelli. 2.4.1 Tipos de pressão A um fluido com pressão atmosférica pode-se “acrescentar” ou "retirar” pressão. Tais pressões são denominadas “efetivas" ou manométricas, por que são medidas por manômetros e podem ser positivas ou negativas. Imaginem uma vasilha hermeticamente fechada contendo ar à pressão atmosférica local. Ligando-se o compressor indicado pelo sinal (+), mais ar será injetado dentro do recipiente e a pressão irá subindo concomitantemente, o que será mostrado pelo manômetro. O ponteiro girará para a direita (área positiva) partindo do valor zero. Suponha que o compressor tenha sido desligado quando a pressão manométrica era de 1,2 kgf cm-2. Em seguida, ligando-se a bomba de vácuo, ilustrada com o sinal (-), a pressão irá caindo (o ar esta sendo retirado) voltando ao valor inicial (zero). Neste ponto a pressão reinante no interior do recipiente é somente a pressão atmosférica, a qual não é acusada por manômetros. Com a continuação do processo, a pressão passará a ser negativa, com o ponteiro do manômetro girando para a esquerda; estará ocorrendo o que denomina-se "vácuo" ou depressão. Desligando-se o conjunto, o manômetro estará marcando uma pressão negativa (efetiva) de, por exemplo, -0,2 kgf cm-2. Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 15 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 Praticamente um fluido está sujeito, portanto, a dois tipos de pressão: a atmosférica e a efetiva. A somatória dos valores das duas pressões dará o que denomina-se pressão absoluta. No exemplo considerado, sendo por hipótese a pressão igual a 0,9 atm, as pressões absolutas serão: a) para pressão efetiva nula (ar à pressão atmosférica no interior do recipiente) Pabs = Patm + Pef = 0,9 + 0,0 = 0,9 atm b) para pressão efetiva de 1,2 atm Pabs = Patm + Pef = 0,9 + 1,2 = 2,1 atm c) para pressão efetiva de -0,2 atm. Pabs = Patm + Pef = 0,9 + (-0,2) = 0,7 atm Pode-se verificar que na situação do caso c, a pressão absoluta é menor que a pressão atmosférica local; logo, há depressão ou vácuo, no interior do recipiente. Como já mencionado a pressão efetiva é medida por manômetros. Vacuômetro é o manômetro que mede pressões efetivas negativas. 2.4.2 Classificação dos medidores de pressão a) Manômetro de líquido ou de coluna líquida São aqueles que medem as pressões em função das alturas da coluna dos líquidos que se elevam ou descem em tubos apropriados. Nesta categoria se agrupam: a1) Tubo Piezométrico, Piezômetro simples ou Manômetro Aberto É o tipo mais simples desses aparelhos. Consiste de um tubo transparente inserido no interior do ambiente onde se deseja medir a pressão (Figura 11). O líquido circulante no conduto se elevará no tubo piezométrico a uma altura h, que corrigida do efeito da capilaridade, dá diretamente a pressão em altura de coluna líquida. Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 16 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 PA = γ h Figura 11 – Esquema de um tubo piezométrico. A pressão no ponto A será: PA = γ h (Lei de Stevin), em que PA é a pressão em A (N m-2 ou kgf m-2); γ é o peso específico do líquido (N m-3 ou kgf m-3) e h é a altura de coluna líquida acima do ponto A (m). Observações: o diâmetro do tubo piezométrico deve ser maior que 1,0 cm, quando o efeito da capilaridade é desprezível. O tubo piezométrico pode ser inserido em qualquer posição em torno de uma tubulação que o líquido atingirá a mesma altura h, acima de A. a2) Manômetro de tubo em U É usado quando a pressão a ser medida tem um valor grande ou muito pequeno. Para tanto é necessário o uso de líquidos manométricos que permitam reduzir ou ampliar as alturas da coluna líquida. Esta redução ou ampliação da coluna é obtida utilizando-se um outro líquido que tenha maior ou menor peso específico, em relação ao líquido escoante (Figura 12). Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 17 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 y h Figura 12 – Esquema de um tubo em U. Este outro líquido é denominado líquido manométrico, e deve apresentar algumas características, como: - não ser miscível com o líquido escoante; - formar meniscos bem definidos; - ter densidade bem determinada. Para pequenas pressões os líquidos manométricos mais comuns são: água, cloreto de carbono, tetracloreto de carbono, tetrabrometo de acetileno e benzina. Para grandes pressões, o líquido mais usado é o mercúrio. Nos manômetros de tubo em U, a pressão já não é dada diretamente pela altura da coluna líquida, mas através de equações que caracterizam o equipamento. Para se conhecer a pressão em A, deve-se proceder da forma seguinte: 1) Demarque os meniscos separando assim as diferentes colunas líquidas e cancele as colunas equivalentes; 2) Começando em uma das extremidades escreva o valor da pressão nesse ponto; sendo incógnita use um símbolo; 3) Escreva em continuação o valor da pressão representada por uma a uma das colunas líquidas; para isto, multiplique a altura da coluna pelo peso específico do fluido; cada parcela será precedida do sinal (+) se a coluna tender a escoar para adiante sob a ação da gravidade e (-) em caso contrário; Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 18 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 4) Atingindo-se o último menisco a expressão será igualada à pressão nesse ponto, seja ela conhecida ou incógnita. Baseando-se nestes preceitos, chega-se a dois pontos: 1 e 2, onde: PA+ γ1y - γ2h = Patm = 0 O índice 2 se refere às características do líquido manométrico. Quando o manômetro é em forma de duplo U (Figura 13) ou mais (triplo U), é preferível começar por um dos ramos até chegar ao outro. Figura 13 – Esquema de um manômetro de duplo U. P1 ≠ P2 ≠ P3 ; PB = PC ; PD = PE PA + γ 1( x + h1 ) − γ 2h1 + γ 1y − γ 2h 2 = 0 PA + ( x + y + h1 )γ 1 − (h1 + h 2 )γ 2 = 0 Exercício: A Figura 14 representa um manômetro instalado em uma tubulação. Calcule a pressão no Ponto A, expressando-a em kgf m-2, kgf cm-2 e Pa. Considere: - líquido escoando na tubulação: água; Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 19 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 - líquido manométrico: mercúrio; - x = 15 cm; y = 20 cm; z = 8 cm; h = 22 cm; j = 20 cm. Figura 14 – Manômetro de duplo U. - Com base no tensiômetro de mercúrio da Figura 15, mostre que o potencial matricial no ponto A é ψ A = −12,6 h + h 2 + h1 Figura 15 – Desenho esquemático de um tensiômetro de mercúrio. a3) Manômetro Diferencial Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 20 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 É o aparelho usado para medir a diferença de pressão entre dois pontos (Figura 16). Figura 16 – Esquema de um manômetro diferencial. PA + ( x + y + h)γ 1 − γ 3 h − γ 2 y = PB PA − PB = γ 3h + γ 2 y − ( x + y + h)γ 1 Outro método: P1 = P2 P1 = PA + ( x + y + h)γ 1 e P2 = PB + γ 2 y + γ 3h PA + ( x + y + h)γ 1 = PB + γ 2 y + γ 3h PA − PB = γ 2 y + γ 3h − ( x + y + h)γ 1 em que PA – PB é a diferença de pressão entre A e B. a4) Manômetro inclinado Aparelho usado para medir pressões ou diferenças de pressões muito pequenas. A inclinação do tubo em por finalidade ampliar a escala de leitura. Conforme Figura 17, PA = γ h . Mas h = L senθ . Portanto: PA = γ L sen θ . Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 21 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 Figura 17 – Esquema de um manômetro inclinado. Figura 18 – Esquema de um manômetro inclinado diferencial. PA + γ 1y + γ 2h − γ 1x = PB → PB − PA = γ 1( y − x ) + γ 2h Exercício: Considere o manômetro conectado a uma tubulação, como mostra a Figura 19. Sabendo que a densidade do óleo é 0,83, calcule a diferença de pressão entre os pontos 1 e 2. Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 22 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 Figura 19 – Exemplo de um manômetro diferencial. b) Manômetro metálico ou de Bourdon São os manômetros metálicos os mais utilizados na prática, pois permitem leitura direta da pressão em um mostrador (Figura 20). As pressões são determinadas pela deformação de uma haste metálica oca, provocada pela pressão do líquido na mesma. A deformação movimenta um ponteiro que se desloca em uma escala. a b Figura 20 – Manômetro (a) e vacuômetro (b) metálicos. É constituído de um tubo metálico transversal (seção reta) elíptica que tende a se deformar quando a pressão P aumenta. Com isso a seção reta tende a ser circular Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 23 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 que por sua vez acarreta um aumento no raio de curvatura do tubo metálico e movimenta o ponteiro sobre a escala graduada diretamente para medir a pressão correspondente à deformação. São usados para medir pressões muito grandes 2.4.3 Relações entre as unidades de pressão Atmosfera padrão 1 atm = 760 mmHg = 1,033 kgf cm-2 = 10,33 mca = 14,7 psi = 101.337 Pa = 10330 kgf m-2 = 1,013 bar = 1013 mbar Atmosfera técnica 1 atm = 735 mmHg = 1,0 kgf cm-2 = 10,0 mca = 14,7 psi = 105 Pa = 104 kgf m-2 = 1,0 bar = 1000 mbar 2.5 Empuxo exercido por um líquido sobre uma superfície plana imersa Freqüentemente, o engenheiro encontra problemas relativos ao projeto de estruturas que devem resistir às pressões exercidas por líquidos. Tais são os projetos de comporta, registros, barragens, tanques, canalizações e outros. 2.5.1 Grandeza e direção do empuxo A Figura 21 mostra uma área de forma irregular, situada em um plano que faz um ângulo θ com a superfície livre do líquido. Figura 21 – Representação do empuxo. Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 24 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 Para a determinação do empuxo que atua em um dos lados da mencionada Figura, essa área será subdividida em elementos dA, localizada em profundidade genérica h e a uma distância de y da interseção 0. A força agindo em dA será: dF = pdA = γhdA = γy sen θdA Cada uma das forças dF será normal às respectivas áreas. A resultante ou empuxo (total) sobre total área, também normal, será dado por F = ∫ dF = ∫ A ∫ A γysenθdA = γsenθ∫ ydA. A ydA é o momento da área em relação à interseção 0. Portanto ∫ A ydA = A y , expressão onde y é a distância do centro de gravidade da área até 0, e A área total. F = γ y sen θA Como y sen θ = h  F = γ h A O empuxo exercido sobre uma superfície plana imersa é uma grandeza tensorial perpendicular à superfície e é igual ao produto da área pela pressão relativa ao centro de gravidade da área. 2.5.2 Determinação do centro de pressão A Figura 22 representa a posição do centro de pressão que pode ser determinada aplicando-se o teorema dos momentos, ou seja, o momento da resultante em relação à interseção 0 deve igualar-se aos momentos das forças elementares dF. F yp= ∫ dF y Na dedução anterior, dF = γysenθdA F = γ ysenθA . e Substituindo, γ y sen θAy p = ∫A γy sen θdAy = γ sen θ ∫A y 2dA Logo: yp ∫ Ay = 2 dA Ay = I Ay , Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 25 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 Figura 22 - Determinação do centro de pressão Nesta expressão, “I” é o momento de inércia em relação ao eixo-interseção. Mais comumente, conhece-se o momento de inércia relativo ao eixo que passa pelo centro de gravidade, sendo conveniente a substituição. I = Io + Ay 2 (Teorema de Huygens) yp = I0 + Ay 2 Como Ay ∴ yp = y + I0 Ay I0 = k 2 , quadrado do raio de giração (da área relativa ao eixo, passando A pelo centro de gravidade), tem-se, ainda, y p = y + k2 y . O centro de pressão está sempre abaixo do centro de gravidade a uma distância igual a k2 y , medida no plano da área. Exercício: Numa barragem de concreto está instalada uma comporta circular de ferro fundido com 0,20 m de raio, situada a 4,0 m abaixo do nível da água. Determinar o empuxo que atua na comporta. Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 26 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 3. HIDRODINÂMICA (Princípios gerais do movimento e Teorema de Bernoulli) 3.1 Movimento dos fluidos A Hidrodinâmica tem por objetivo o estudo dos movimentos dos fluidos. Consideremos um fluido perfeito em movimento, referindo as diversas posições dos seus pontos a um sistema de eixos retangulares 0x, 0y, 0z. O movimento desses fluidos ficará perfeitamente determinado se, em qualquer instante t, forem conhecidas a grandeza e a direção da velocidade v, relativa a qualquer ponto; ou, então, o que vem a ser o mesmo, se forem conhecidas as componentes vx, vy, e vz, dessa velocidade, segundo os três eixos considerados. Além disso, há de se considerar também, os valores da pressão p e da massa específica ρ, que caracterizam as condições do fluido em cada ponto considerado. O problema relativo ao escoamento dos fluidos perfeitos comporta, portanto, cinco incógnitas, vx, vy, vz, p e ρ, que são funções de quatro variáveis independentes, x, y, z, e t. A resolução do problema exige um sistema de cinco equações. As cinco equações necessárias compreendem: as três equações gerais do movimento, relativas a cada um dos três eixos; a equação da continuidade, que exprime a lei de conservação das massas; e uma equação complementar, que leva em conta a natureza do fluido. São dois os métodos gerais para a solução de problema; o método de Lagrange, que consiste em acompanhar as partículas em movimento, ao longo da suas trajetórias, e o de Euler, que estuda, no decorrer do tempo e em determinado ponto, a variação das grandezas mencionadas. O método de Euler será adotado, por ser muito mais simples e cômodo. 3.2 Vazão ou descarga Chama-se vazão ou descarga, numa determinada seção, o volume de líquido que atravessa essa seção na unidade de tempo. Na prática, a vazão é expressa em m³ s-1 ou em outras unidades múltiplas ou submúltiplas. Assim, para o cálculo de canalizações, é comum empregarem-se litros por segundo (L s-1); os perfuradores de poços e fornecedores de bombas costumam usar litros por hora (L h-1) ou metros cúbicos por hora (m3 h-1). Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 27 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 3.3 Classificação dos movimentos  Uniforme   Acelerado Permanente  Movimento  Nao uniforme Re tardado    Nao permanente  Movimento permanente é aquele cujas características (força, velocidade, pressão) são função exclusiva de ponto e independem do tempo. Com o movimento permanente, a vazão é constante em um ponto da corrente. Matematicamente: ∂v ∂p ∂ρ = 0; = 0; =0 ∂t ∂t ∂t As características do movimento não permanente, além de mudarem de ponto para ponto, variam de instante em instante, isto é, são função do tempo. De maneira semelhante: ∂v ∂p ∂ρ ≠ 0; ≠ 0; ≠0 ∂t ∂t ∂t O movimento permanente é uniforme quando a velocidade média permanece constante ao longo da corrente ( ∂v = 0 ). Neste caso, as seções transversais da ∂L corrente são iguais. No caso contrário, o movimento permanente pode ser acelerado ou retardado ( ∂v ≠ 0 ), ou seja, não uniforme. ∂L Um rio pode servir para ilustração (Figura 23). Há trechos regulares em que o movimento pode ser considerado permanente e uniforme. Em outros trechos (estreitos, corredeiras, etc.), o movimento, embora permanente (vazão constante), passa a ser acelerado. Durante as enchentes ocorre o movimento não permanente: a vazão altera-se. Figura 23 - Movimento permanente uniforme (a), acelerado (b) e não permanente (c). 3.4 Regimes de movimento Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 28 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 A observação dos líquidos em movimento leva- nos a distinguir dois tipos de movimento, de grande importância: a) regime laminar; b) regime turbulento. Figura 24 - Regimes laminar e turbulento. Com o regime laminar, as trajetórias das partículas em movimento são bem definidas e não se cruzam. Já o regime turbulento caracteriza-se pelo movimento desordenado das partículas. 3.5 Linhas e tubos de corrente Em um líquido em movimento, consideram-se linhas de corrente as linhas orientadas segundo a velocidade do líquido e que gozam da propriedade de não serem atravessadas por partículas do fluido. Figura 25 - Linhas e tubo de corrente. Em cada ponto de uma corrente passa, em cada instante t considerado, uma partícula de fluido animada de uma velocidade v. As linhas de corrente são, portanto, as curvas que no mesmo instante t considerado, se mantém tangentes em todos os pontos à velocidade v. Pelo próprio conceito, essas curvas não podem cortar-se. Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 29 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 Admitindo-se que o campo de velocidade v seja contínuo, pode-se considerar um tubo de corrente como uma figura imaginária, limitada por linhas de corrente. Os tubos de corrente, sendo formados por linhas de corrente, gozam da propriedade de não poderem ser atravessados por partículas de fluido: as suas paredes podem ser consideradas impermeáveis. Esses conceitos são de grande utilidade no estudo do escoamento de líquidos. 3.6 Equações Gerais do Movimento Seja no interior da massa líquida (em movimento) um ponto M, fixo, de coordenadas x, y, e z, ao redor do qual tomamos um cubo infinitesimal de arestas dx, dy e dz. A massa contida no cubo é ρdxdydz (Figura 26). Figura 26 - Volume líquido elementar. Sejam vx, vy, vz, as componentes da velocidade V com que as partículas atravessam nos sucessivos instantes de tempo o cubo em questão. Sejam ainda P e ρ as pressões e massas específicas, grandezas que são funções contínuas e uniformes das coordenadas. Sobre o prisma, agem os seguintes esforços: - as forças externas que dependem do volume considerado, como o peso, por exemplo, e que podem ser expressas por suas componentes segundo cada eixo e por unidade de massa: X, Y e Z. Os esforços totais em cada eixo serão: ρXdxdydz ρYdxdydz Prof. Daniel Fonseca de Carvalho ρZdxdydz 30 IT 144 – Hidráulica Aplicada - Março/2010 os esforços decorrentes das pressões atuantes nas faces do prisma; essas pressões são normais a cada face, como já visto na estática, e segundo o eixo X tem como resultante: P' = Pdydz − (P + ∂P dx )dydz ∂x P' = Pdydz − Pdydz − ∂P ∂P dxdydz  − dxdydz ∂x ∂x e segundo os outros eixos: − ∂p dx dy dz ∂y e − ∂p dx dy dz ∂z Sendo m a massa de uma partícula em movimento, “a” sua aceleração e F a d2 x dv força resultante, pode-se escrever: F = m a  F = m  F=m 2 dt dt Com relação ao eixo X, tem-se então: m d2 x = ΣFx dt 2 d2 x ∂p m 2 = ρ dx dy dz . X . dx dy dz ∂x dt ρ dx dy dz . ou ∂p d2 x = ρ X dx dy dz dx dy dz 2 ∂x dt O primeiro membro da equação anterior representa a força de inércia do movimento; o primeiro termo do segundo membro, a ação da força externa, F, e o segundo termo, a ação da pressão do fluido circundante. Simplificando a equação: d2 x 1 ∂p =X- . 2 ρ ∂x dt (8) d2 x Na equação acima, é a componente da aceleração da partícula considerada dt 2 conforme o eixo X. Essa componente é a derivada da componente da velocidade em relação ao tempo t. Logo: d 2 x dv x = dt dt 2 Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 31 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 Por outro lado, como Vx é função de x, y, z, t, pode-se escrever: dv x ∂v x ∂v x dx ∂v x d y ∂v x d z = + + + dt ∂t ∂x dt ∂y dt ∂z dt Equação que pode ser escrita assim: dv x ∂v x ∂v x ∂v x ∂v x = + vx + vy + vz dt ∂t ∂x ∂y ∂z Portanto, substituindo na equação 10, tem-se: ∂v x ∂v x ∂v x ∂v x 1 ∂p =X- . + vx + vy + vz ρ ∂x ∂t ∂x ∂y ∂z Por analogia, pode-se escrever para os demais eixos: ∂v y ∂t + vx . ∂v y ∂x + vy . ∂v y ∂y + vz . ∂v y ∂z =Y- 1 ∂p . ρ ∂y ∂v z ∂v ∂v ∂v 1 ∂p + vx . z + vy . z + vz . z = Z - . ∂t ∂x ∂y ∂z ρ ∂z Estas são as equações gerais do movimento dos fluidos perfeitos, denominadas “Equações de Euler”. Para a solução do problema do movimento dos fluidos são necessárias ainda duas equações que serão vistas adiante. 3.7 Movimento Permanente Analisando a equação 8, pode-se escrever para os três eixos: dv x 1 ∂p =X- . dt ρ ∂x  dv 1 ∂p . =X- x ρ ∂x dt 1 ∂p . ρ ∂y  dv y 1 ∂p . =Ydt ρ ∂y dv y dt =Y- Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 32 IT 144 – Hidráulica Aplicada dv z 1 ∂p =Z- . dt ρ ∂z  Março/2010 dv 1 ∂p . =Z- z ρ ∂z dt Multiplicando-se as equações por dx, dy e dz, respectivamente, e somando-se membro a membro, obtém-se: ∂p ∂p 1 ∂p dx dy dz ( dx + dy + dz ) = Xdx + Ydy + Zdz − (dv x + dv y + dv z ) ρ ∂x ∂y ∂z dt dt dt Obs: a transformação anterior implica fisicamente que não há variação de vx, vy e vz com o tempo, ou seja, que o regime de escoamento é permanente. O termo entre parênteses no primeiro membro da equação é a diferencial total de “p”. Logo é igual a dp. 1 dx dy dz dp = Xdx + Ydy + Zdz − (dv x + dv y + dv z ) ou ρ dt dt dt 1 v2 dp = Xdx + Ydy + Zdz − d( ) ρ 2 (9) A equação anterior é a Equação de Euler para regime permanente, também chamada de equação das forças vivas. 3.8 Equação da conservação das massas – Equação da continuidade Se no interior do cubo não há vazios (Figura anterior), ou seja, se ele permanece cheio de fluido durante o movimento, segue-se que a diferença entre a massa que entrou e a que saiu durante o tempo dt é igual à variação da massa no interior do mesmo. A massa fluida que durante o intervalo de tempo dt entra pelas três faces do prisma é: ρv x dydzdt + ρv y dxdzdt + ρv z dxdydt A massa que no mesmo intervalo sai pelas faces opostas: (ρ + ∂v ∂ρ dx )( v x + x )dydzdt + ∂x ∂x Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 33 IT 144 – Hidráulica Aplicada (ρ + ∂v y ∂ρ dy )( v y + )dxdzdt + ∂y ∂y (ρ + ∂v ∂ρ dz )( v z + z )dxdydt ∂z ∂z Março/2010 A diferença entre as duas é: −( ∂(ρv x ) ∂(ρv y ) ∂(ρv z ) + + ) dxdydzdt ∂y ∂z ∂x (10) Por outro lado, a massa contida no prisma no instante t é ρdxdydz e no instante t + dt é: (ρ + ∂ρ dt ) dxdydz ∂t A variação da massa é, portanto: ∂ρ dxdydzdt ∂t (11) Sendo as equações 10 e 11 equivalentes: −( ∂(ρv x ) ∂(ρv y ) ∂(ρv z ) ∂ρ + + ) dxdydzdt = dxdydzdt ∂x ∂y ∂z ∂t ∂(ρv x ) ∂(ρv y ) ∂(ρv z ) ∂ρ dt + + + =0 ∂t ∂x ∂y ∂z Esta é a equação da Lei da Conservação da Massa. É a quarta equação para o estudo do movimento. A quinta é a equação de estado dos fluidos, que será apresentada a seguir. Para os líquidos incompressíveis, ρ = constante. Assim: ∂v x ∂v y ∂v z + + =0 ∂x ∂y ∂z Considerando um trecho de um tubo de corrente, indicado na Figura 27, com as seções A1 e A2 e velocidades respectivas v1 e v2, a quantidade de líquido de massa específica ρ que passa pela primeira seção, na unidade de tempo, será: Prof. Daniel Fonseca de Carvalho dm1 = ρ1v 1A 1 dt 34 IT 144 – Hidráulica Aplicada Para a outra seção: Março/2010 dm 2 = ρ2 v 2 A 2 dt No movimento permanente, a quantidade de líquido que atravessa A1 é igual à quantidade que atravessa A2. Assim: ρ1v 1A 1 = ρ 2 v 2 A 2 Se o líquido for incompressível, ρ1=ρ2. Logo: v 1A 1 = v 2 A 2 = Q Esta é a equação da continuidade e mostra que no regime permanente, o volume de líquido que, por unidade de tempo, atravessa todas as seções da corrente é sempre o mesmo. Figura 27 - Tubo de corrente utilizado para demonstração do Teorema de Bernoulli. 3.9 Equação de estado dos fluidos A última equação da Hidrodinâmica necessária ao sistema de cinco equações é obtida considerando-se uma característica particular do fluido. Esta equação representa uma relação envolvendo a massa específica com a pressão e com a temperatura, para cada fluido. Nos casos dos fluidos homogêneos e incompressíveis, ρ é constante. Para os gases perfeitos, tem-se a equação geral: Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 35 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 p gRT = constante ρ Esta equação introduziria uma sexta variável que é a temperatura. Por isso, admitindo a temperatura constante, tem-se: p = constante. ρ 3.10 Teorema de Bernoulli para fluidos perfeitos O Teorema de Bernoulli decorre da aplicação da equação de Euler aos fluidos sujeitos à ação da gravidade (líquidos), em movimento permanente. Nessas condições: X = 0, Y = 0, Z = -g Substituindo na equação 9: 1 v2 dp = −gdz − d( ) ρ 2 Dividindo-se a equação anterior por g: dp v2 dz + + d( ) = 0 ρg 2g Sabendo que ρg = γ (peso específico), e dividindo-se todos os termos por ds (dx, dy, dz), obtem-se: d p v2 (z + + )=0 ds γ 2g p v2 → z+ + = constante γ 2g A Figura 27 mostra parte de um tubo de corrente, no qual escoa um líquido de peso específico γ. Nas duas seções indicadas, de áreas A1 e A2, atuam as pressões p1 e p2, sendo as velocidades, respectivamente, v1 e v2. As partículas, inicialmente em A1, num pequeno intervalo de tempo, passam a A´1, enquanto que as que estão em A2 movem-se para A´2. Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 36 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 Investigando apenas as forças que produzem trabalho, temos a variação da energia cinética: 1 1 1 m 2 v 22 − m1v 12 = mv 2 2 2 2 Sendo o líquido incompressível, A 1dS1 = A 2 dS 2 = V . V é o volume do líquido e a soma dos trabalhos das forças externas (empuxo e gravidade, pois não há atrito  líquido perfeito) será: p1A 1dS1 − p 2 A 2 dS 2 + γV( Z1 − Z 2 ) Igualando as duas equações anteriores: 1 1 m 2 v 22 − m1v 12 = p1A 1dS1 − p 2 A 2 dS 2 + γV( Z1 − Z 2 ) 2 2 1γ V( v 22 − v 12 ) = V(p1 − p 2 ) + γV( Z1 − Z 2 ) 2g Simplificando: v 22 v 12 p1 p 2 − = − + Z1 − Z 2 2g 2g γ γ v 12 p1 v2 p + + Z1 = 2 + 2 + Z 2 = constante 2g γ 2g γ Este é o importante Teorema de Bernoulli que pode ser anunciado: “Ao longo de qualquer linha de corrente é constante a soma das alturas cinética ( v2 ), 2g p γ piezométrica ( ) e geométrica ou potencial (Z)”. Este teorema é o próprio princípio da conservação da energia. Cada um dos termos da equação representa uma forma de energia. É importante notar que cada um dos termos pode ser expresso em metros, constituindo o que se denomina carga. 3.11 Demonstração experimental do Teorema de Bernoulli Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 37 IT 144 – Hidráulica Aplicada Março/2010 Em 1875, Froude apresentou importantes experiências sobre o teorema de Bernoulli. Uma delas consiste numa canalização horizontal e de diâmetro variável, conectada a um reservatório de nível constante. Instalando-se piezômetros nas diversas seções, verifica-se que a água sobe à alturas diferentes; nas seções de menor diâmetro, a velocidade é maior e, portanto, também é maior a carga cinética, resultando menor carga de pressão. Como as seções são conhecidas, podem-se verificar a distribuição e a constância da carga total (soma das alturas). Figura 28 - Ilustração do Teorema de Bernoulli. Exercício: Um líquido incompressível de massa específica igual a 800 kg m-3 escoa pelo duto representado na Figura 29 com vazão de 10 L s-1. Admitindo o escoamento como ideal e em regime permanente, calcule a diferença de pressão entre as seções 1 e 2 (1 N = 1 kg m s-2). Figura 29 – Exemplo da aplicação da equação de Bernoulli. Prof. Daniel Fonseca de Carvalho 38