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Gestão Ambiental 1 - Acidentes Quimicos E Processos Produtivos

Os acidentes químicos e os processos produtivos As indústrias armazenam e eles manipulam, dirija ou indiretamente, grande quantia de substância química e produtos combustíveis. A manipulação destas substâncias é controlada por normas e procedimentos que buscam minimizar os riscos, para a saúde do trabalhador, os danos para os equipamentos e o ambiente; porém, o conhecimento destas normas não impede os acidentes fatais e as contaminações ambientais que está acontecendo nestes dure 40 anos. A maioria destes...

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OS ACIDENTES QUÍMICOS E OS PROCESSOS PRODUTIVOS Fernando B. Mainier Universidade Federal Fluminense, Centro Tecnológico, Escola de Engenharia, Rua Passo da Pátria 156, Niterói, CEP 24210-240, Rio de Janeiro. Abstract The chemical accidents and the productive processes The industries store and they manipulate, direct or indirectly, great amount of chemical and combustible products. The handling of these substances is controlled by norms and procedures that seek to minimize the risks, to the worker's health, the damages to the equipments and the environment; however, the knowledge of these norms doesn't impede the fatal accidents and the environmental contaminations that it is happening on these last 40 years. Most of these processes was conceived in the beginning of the century or in the decade of forty, where the beginnings of the man's preservation, of the atmosphere and of the industrial safety they were not fundamental requirements in the implantations of these complex industrials. The most of chemical accidents have been leaving destruction traces in many parts of the world as Bhopal (India) and Minamata (Japan). The leaks of chlorine, hydrogen sulfide, ammonia, hydrochloric acid and sulfuric acid that in happening in the elaborate or in the rail transports and/or road they causes great material losses, environmental and deaths. It is aimed at in this work, with base in these facts, to insert in the programs of the disciplines of industrial processes an understanding technique-critic that relates the chemical accidents to the effective industrial processes. Key words – Contamination, environment, industrial safety. Gestão Ambiental nos Sistemas Produtivos 1 - INTRODUÇÃO Segundo Doménech (1994), na maioria das vezes os resíduos gerados em conseqüência dos processos naturais são convenientemente reciclados sem haver qualquer impacto ambiental negativo. O problema passa a existir no momento em que o homem usa a natureza para seu próprio proveito sem se importar com os desequilíbrios causados por sua ação deletéria. Durante os primeiros tempos da evolução do homem, o impacto ambiental era praticamente inexistente. Eram tribos nômades em constante migração para as áreas virgens, possibilitando, naturalmente, a reconstituição do habitat antigo. O aumento constante da população, as mudanças sociais, a criação racional de animais e a capacidade crescente do homem em assumir o desenvolvimento de técnicas agrícolas, as quais permitiam maior rendimento, forjaram a forma de vida sedentária, com a exploração permanente do seu entorno. Na mesma ótica, Bonillo (1994) diz que a degradação ambiental não surgiu repentinamente, foi se acumulando ao longo da história, desde a revolução industrial; entretanto, nestas últimas décadas, as tecnologias químicas, petroquímicas, de energia e afins, na ânsia de produção desenfreada, têm afetado drasticamente diversos campos da atividade humana. Nos países em desenvolvimento, por não terem políticas controladoras da ação dos grandes complexos químicos ou correlatos e por não conhecerem a dimensão dos problemas gerados pelas tecnologias obsoletas o problema tem se agravado e provavelmente será muito difícil a reconstituição de solos e rios contaminados. Forma-se, conseqüentemente, um ciclo vicioso e sistemático, de tal forma que quanto maior a produção, mais consumo e maior aplicação de tecnologias, que por sua vez aceleram os processos de transformação e, em conseqüência, geram maior produção, provocando o esgotamento dos recursos e impactando o ambiente com a acumulação de resíduos. Os sistemas produtivos, provavelmente conhecedores dos riscos dos seus processos industriais de fabricação e parecendo não se importar com o presente e nem com o futuro, continuam a exercer forte pressão sobre o meio ambiente, impondo ou mascarando tecnologias arcaicas que englobam rejeitos, embalagens, reciclagem e lixo tóxico, temas que muitas vezes se confundem, se interligam ou são mascarados. Diante dos interesses e das filosofias econômicas e industriais, os grandes complexos fabris e os países industrializados tornam-se co-autores de uma política de interesse mútuo, estando, em muitas situações, na contramão dos interesses do homem. Além disso, é fundamental entender os objetivos dos programas e dos processos de reciclagem e reutilização pois, também podem, direta ou indiretamente, contaminar o sistema ambiental. Muitos programas de reciclo e reutilização de produtos químicos, de plásticos, de ligas metálicas, de combustíveis residuais, de cinzas metálicas e/ou inorgânicas têm propiciado uma série de vantagens, sob o ponto de vista econômico, o que leva os países em desenvolvimento a buscarem a reutilização de resíduos, que tem sido praticada por várias décadas, porém sem a devida dimensão da toxidez desta "nova matéria prima". Portanto, é essencial desenvolver-se uma visão técnico-crítica para que sua utilização nos diversos segmentos industriais não constitua um grande problema no futuro. Nesta ótica, não basta monitorar e relatar os problemas sobre as poluições que pairam sobre as cidades, é fundamental uma política ambiental ativa e uma gestão ambiental direcionada à resolução preventiva dos impactos ambientais gerados decorrentes dos derramamentos, vazamentos e contaminações provocadas pelos complexos industriais, pelos oleodutos e pelos transportes rodoviários, ferroviários e marítimos de produtos inflamáveis, tóxicos ou explosivos. 2 - ACIDENTES TECNOLÓGICOS E AS CONTAMINAÇÕES AMBIENTAIS Os acidentes tecnológicos podem ser definidos, numa visão crítica, como eventos inesperados, indesejáveis, acidentais ou provocados por atividades humanas, que afetam, direta ou indiretamente, a saúde pública, a segurança das populações, os próprios sistemas industriais e conseqüentemente acabam degradando o meio ambiente. Compreendem vazamentos de petróleo e gás natural, vazamentos de gases industriais, explosões, incêndios industriais, contaminações de produtos químicos, etc. De uma maneira geral, as substâncias químicas com potenciais de risco de acidentes químicos podem ser classificadas em função dos seguintes parâmetros: toxidez; propriedades físico-químicas; diversidade de aplicação; volume e concentração dos reagentes, aditivos e outros produtos utilizados durante o processamento industrial, o armazenamento e o transporte. Segundo Mitchell (1996), grande parte da literatura técnica, quando ocorre um acidente tecnológico de grande porte, enfoca a repercussão na mídia, estima as perdas, identifica as causas e até desenvolve planos de intervenção no processo. Entretanto, poucos se preocupam e reexaminam o desastre tecnológico ocorrido após semanas e meses, e são extremamente raras as pesquisas que voltam a reexaminar o problema e as conseqüências da contaminação ambiental após 5, 10, 20 e 50 anos. Na ótica de Tigre et al. (1994), a sociedade, de um modo geral, ainda está longe de entender, com rigor, os efeitos ambientais de muitas práticas industriais. Conseqüentemente, as ações públicas e privadas são pouco adequadas para tratar dos problemas daí derivados. Além disso, é bastante limitado o conhecimento sobre os efeitos "colaterais" de muitos materiais e de formulações químicas que, à primeira vista, surgem como grandes soluções técnicas; pouco se sabe sobre a efetividade de sistemas para estocar e reprocessar os resíduos e são desconhecidas as conseqüências da combinação dos diferentes componentes químicos. Ou seja, na verdade, pouco se conhece sobre as relações entre tecnologia, meio ambiente e desenvolvimento. O futuro da nova revolução industrial ambientalmente viável fatalmente passará pelo controle e descoberta de formas de produção menos contaminantes e menos consumidoras de energia. Novas pesquisas, provavelmente, decretarão a obsolescência, a substituição, a transformação de materiais e a reutilização e/ou reprocessamento de materiais e processos, por outros similares com características exeqüíveis, ainda que resultem em custos mais onerosos. Não se tem certeza que tais projetivas resultem em benefícios. É provável que sejam intangíveis para um futuro próximo, sem contar que, às portas do limiar do século XXI, pouco se fez e quase nada se acena numa época em que os fenômenos químicos estão a eclodir sem fronteiras, desafiando o próprio destino da humanidade, à beira de um colapso ecológico diante dos vários acidentes que têm ocorrido nos processamentos químicos. Muitos acidentes tecnológicos têm deixado rastros de destruição em muitas partes do mundo. Nestas últimas três décadas têm ocorrido pequenos, médios e grandes acidentes em diversas partes do mundo com produtos químicos e derramamentos de petróleo, criando grande impacto ambiental, contaminando áreas e deixando inúmeros mortos e feridos. Os grandes desastres que foram manchetes mundiais na mídia até hoje continuam a ser citados como exemplos de contaminações ambientais, como o caso de Minamata no Japão, Seveso na Itália, Bhopal na Índia e Chernobyl na Rússia. Desde a década de 60, os acidentes com petroleiros têm lançado nos mares cerca de 4.000 mil toneladas de petróleo causando, na maioria das vezes, danos irreparáveis ao meio ambiente. O vazamento de mais de 40 mil toneladas de óleo pelo petroleiro Valdez, em março de 1989, no Alasca, causou um dos maiores desastres ecológicos da história, afetando a vida de 40.000 pessoas e dezenas de espécies animais. Em 1997, cerca de 9 mil toneladas de petróleo vazaram de um petroleiro grego no Golfo do México e um cargueiro da Tailândia lançou 25 mil toneladas de petróleo no estreito de Cingapura. Em fevereiro de 2001, o rompimento dos tanques do navio Jéssica, que encalhou perto de San Cristóbal, nas Ilhas Galápagos, derramando cerca de 60 toneladas de derivados de petróleo no mar, quase destruiu o santuário de Charles Darwin. Os derramamentos de petróleo de grande porte, dado às dimensões e características do evento, são apresentados na mídia com grande alarde, entretanto, os pequenos vazamentos de petróleo das refinarias e terminais, os produtos tóxicos que fluem diariamente nas indústrias, o uso inadequado de tecnologias, a origem e a qualidade questionável de certos produtos utilizados e manuseados nas indústrias de transformação, as embalagens inadequadas ou re-utilizadas, geram, seguramente, grandes contaminações ou danos irreversíveis ao homem e ao ambiente, que nem sempre são registrados. Tais fatos passam despercebidos pelas Agências Ambientais e, segundo Tolba (1992), "os métodos para determinar a ameaça potencial que os contaminantes ocasionam para o meio ambiente seguem representando numerosas interrogações" (p.109). Enquanto isto, nos países em desenvolvimento, continua patente "a carência de leis e controles dos produtos químicos tóxicos, assim como da capacidade técnica e institucional para aplicá-las" (p.109). O que se quer, na realidade, é a identificação da responsabilidade técnico-social dos produtos e/ou dos empreendimentos fabris ou comerciais que atuam, direta ou indiretamente, na sociedade. O que se deseja é que o homem comum não seja refém dos produtos e nem dos processos industriais. Segundo Wongtschowski (1999), a indústria química nasceu da necessidade de complementação das atividades básicas ligadas à preservação da vida humana. O grande desenvolvimento e o sucesso da indústria química moderna originaram-se do êxito na realização de descobrir novos produtos e materiais através de ensaios laboratoriais e no desenvolvimento desses ensaios para produção em escala industrial. No entanto, é desagradável admitir que nem sempre as indústrias químicas constituem um bem para a sociedade, principalmente quando geram produtos e/ou resíduos que constituem problemas de saúde e impactos ambientais. 3 – OS PROCESSOS PRODUTIVOS NA ÓTICA DA CONTAMINAÇÃO Numa visão ampla, é fundamental que os processos que geram ou tenham potenciais de riscos de causarem acidentes tecnológicos, de qualquer porte, devem passar por uma avaliação técnico-crítica, começando pelo ensino das disciplinas de processos e projetos industriais nas Universidades, passando pelos escritórios de projetos industriais, pelos Órgãos de Saúde Pública e Saúde do Trabalhador, pelos Bancos e Agências de Financiamentos e terminando nas Agências Ambientais. Estas passagens são importantes pois criam um vetor contínuo de um processo em constante avaliação. Para evidenciar os acidentes químicos são destacados, a seguir, os vazamentos de cloro (Cl2) durante o transporte de cilindros e o de cianeto de sódio (NaCN) para o rio Danúbio proveniente de uma instalação industrial. Para formar a avaliação crítica das contaminações industriais, são destacados dois casos: a fabricação de soda cáustica pelo processo das células de mercúrio e a queima de resíduos em fábricas de cimento. 3.1 - O transporte e o manuseio de cilindros de cloro A literatura apresenta vários casos de acidentes ocorridos durante o transporte e também pelo rompimento de conexões dos cilindros de cloro em piscinas de grande porte, hospitais, estações de tratamento de água e fábricas de produtos químicos (figura 1). Tais acidentes causaram vitimas e isolamento das áreas afetadas. Na Turquia, em 19/10/2000, cerca de 130 pessoas foram hospitalizadas durante um vazamento da estação de tratamento de água. Em 4 de abril de 2000, um vazamento de grande quantidade de cloro de uma fábrica de produtos clorados em Pittburgh, Estados Unidos, resultou na evacuação de 200 moradores residentes nas proximidades. 3.2 - O vazamento de cianeto de sódio no rio Danúbio Em janeiro de 2000 ocorreu um grande vazamento de 368 mil litros de solução de cianeto de uma unidade industrial para tratamento de ouro, em Baia Mare, a 650 quilômetros de Bucareste (Hungria) para os afluentes do rio Danúbio que cortam a Hungria, a Romênia e a Sérvia (El Pais, 2002; Le liberation, 2000). Tal catástrofe resultou numa grande mortandade de peixes onde os teores de cianeto foram 700 vezes maiores que os valores permitidos pelas normas ambientais (Figura 2). 3.3 - O processo de fabricação de soda cáustica através das células de mercúrio Os vazamentos de mercúrio e seus compostos vêm ocorrendo desde a década de 40, sejam no uso de sais de mercúrio como catalisadores ou como fungicidas, ou provenientes da tecnologia eletroquímica das células de mercúrio na produção de soda cáustica. Naquela época, acreditava-se que o mercúrio era inerte e os vazamentos para os rios e mares não trariam problemas ao homem e nem à vida marinha (Shreve & Brink, 1980, Laudau et al., 1992). Entretanto, o tempo e as pesquisas mostraram que os técnicos não souberam avaliar a dimensão da contaminação, pois se verificou, mais tarde, que a vida marinha concentra o mercúrio biologicamente e provoca concentrações, em alguns peixes e moluscos, de metil-mercúrio em doses letais para o homem.As bactérias existentes na água metabolizam o mercúrio e geram o metil-mercúrio. O ciclo da cadeia alimentar tem início quando os peixes pequenos se alimentam destas bactérias. Seguindo o ciclo, os peixes pequenos contaminados são comidos por outros peixes maiores, que, por sua vez, são comidos pelo homem. Experiências recentes de eletrofisiologia reportadas por Atchison & Hare (1994) revelam que o potencial de metil-mercúrio afeta a neurotransmissão, causando, conseqüentemente, vários danos nas células, seja nas alterações das concentrações fundamentais dos íons Ca2+, seja na formação de ATP (adenotrifosfato) ou inibindo a função de várias enzimas nos metabolismos essenciais do corpo humano. Tais fatos atestam, segundo Hart, (1991), que a contaminação branda ou severa de metil-mercúrio em mulheres grávidas, gerou crianças portadoras de várias deformações genéticas, como a cegueira permanente, o retardamento mental e a deficiência ou as dificuldades motoras. O caso clássico de contaminação com mercúrio ocorreu no Japão. Os vazamentos deste contaminante, continuamente, de uma fábrica localizada próxima à baía de Minamata, provocaram a morte e a contaminação de inúmeras pessoas. Foi estimado que, no período de 1932 a 1968, foram despejados cerca de 27 toneladas de compostos de mercúrio. Por volta de 1956, muitas pessoas apresentavam espasmos nos músculos, delírios, náuseas e dificuldades de caminhar. Gatos que comiam peixes tinham convulsões e rolavam na praia, enquanto as gaivotas não alçavam vôo e caíam no mar. Cerca de 3.000 pessoas foram examinadas clinicamente, sendo que 798 foram identificadas como portadoras de contaminações com mercúrio (Raloff, 1991; Cross, 1991). Das 17.000 pessoas que reivindicaram compensações monetárias relativas aos envenenamentos com mercúrio, foram rejeitadas 10.000, sendo que 5.000 ainda estão pendentes na justiça, no entanto, cerca de 2.000 vítimas receberam indenizações, que variaram entre 16 (US$ 116.800) e 18 milhões de ienes (US$ 131.400), dependendo do grau de contaminação com mercúrio. Além disto, algumas pessoas ainda recebem, como compensação, um pagamento mensal de cerca de 100.000 ienes (US$ 730) (Poulin, 1994). Estes fatos geraram a proibição de implantação de novas unidades industriais à base de células de mercúrio na produção de cloro-soda, a partir de 1975, tanto no Japão quanto nos Estados Unidos. Atualmente, existem 13 fábricas listadas, na produção americana, que ainda utilizam a tecnologia das células de mercúrio. Tais fábricas respondem por 14% da produção, enquanto as tecnologias das células de diafragmas e membranas são responsáveis pelos outros 86%. O fluxograma do processo e uma visão da célula eletrolítica de mercúrio são apresentados, a seguir, respectivamente, nas figuras 3 e 4. Há um compromisso formal de desativação destas fábricas que utilizam mercúrio, para o ano de 2002. Mas esta mesma política não foi adotada nas outras partes do mundo, pois continuam até hoje produzindo e implantando novas unidades de cloro-soda com células de mercúrio, sem se importar com o futuro. No Brasil, existem algumas fábricas que utilizam a tecnologia das células de mercúrio e não há o compromisso de tempo para sua desativação. Do ponto de vista ambiental, uma análise criteriosa das células de mercúrio revela as origens das possíveis perdas e/ou vazamentos de mercúrio que podem ser identificados e estimados, conforme mostra a tabela 1 (Paine,1994). Tabela 1 -Estimativas de perda de mercúrio nas células eletrolíticas segundo Paine,1994. "Fonte "Quantidade estimada " "Salmoura "50 g de mercúrio /t de " " "salmoura " "Produção de NaOH "15 a 20 g de mercúrio/t de" " "NaOH " "Sistema de "15 a 20 g de mercúrio/t de" "ventilação "NaOH " "Limpeza das "Não estimada " "células " " "Manutenção "Não estimada " Geralmente, as perdas de mercúrio estão associadas ao processo, às limpezas e às manutenções das células. A média de mercúrio consumida está estimada em 200 g de mercúrio por tonelada de hidróxido de sódio produzido. Por exemplo, se uma célula de mercúrio pode produzir, anualmente, 350 t de cloro (Cl2), 9,8 t de hidrogênio (H2) e 394 t de hidróxido de sódio (NaOH), é possível que a perda de mercúrio seja da ordem de 78,8 kg/ano. Nos Estados Unidos, um programa de avaliação e de monitoramento das unidades das células de mercúrio reduziu, no período de 1974 a 1989, de 200 g de mercúrio/t de NaOH para 98g de mercúrio/t de NaOH. Atualmente, com processos de tratamento efetivos, este valor se reduziu para 3g de mercúrio por tonelada de hidróxido de sódio. Não restam dúvidas de que ocorreram certos avanços tecnológicos no uso das células de mercúrio projetadas para o mínimo de despejo de mercúrio, entretanto, as tecnologias de diafragma e de membrana estão tomando o lugar deste processo, de tal forma que as células de mercúrio ficarão restritas aos países sem leis ambientais. Se fosse possível voltar ao passado, no cenário da década de 40, valeria questionar os profissionais de química e os empresários da época que geraram estas fábricas, e fazer as seguintes indagações críticas: Será que a produção de cloro-soda a partir da célula de mercúrio contribuiu para a melhoria da qualidade de vida do homem? Será que a soda, o cloro e o hidrogênio produzidos por este processo não foram contaminados pelo mercúrio? Será que os outros processos industriais, preferencialmente as indústrias alimentícias e farmacêuticas, que utilizaram, direta ou indiretamente, os produtos gerados pelas células de mercúrio, poderiam ter seus produtos finais contaminados com mercúrio? Será que se tem dimensão dos milhares de toneladas de mercúrio vazadas para o meio ambiente? Estas indagações são difíceis de ser respondidas, pois não estão definidas com clareza e nem contabilizadas, para que possam ser intensamente avaliadas e discutidas. No Brasil, existem algumas fábricas que ainda utilizam a tecnologia das células de mercúrio na produção de soda cáustica e de cloro. Por exemplo, em São Paulo, o representante das indústrias de soda cáustica diz que "os processos com mercúrio são seguros, tanto para os funcionários quanto para o meio ambiente..." e ainda declara "Um dentista polui mais o meio ambiente com mercúrio num dia de trabalho do que uma fábrica de cloro". Argumenta que as fábricas não poluem, pois "o controle à exposição ao mercúrio na indústria supera com folga os padrões nacionais e internacionais" (Niero Filho, Gazeta Mercantil, p.C-1, 20/01/1997). Da mesma forma, referendando estas declarações, o coordenador de segurança de uma fábrica de soda cáustica, localizada em São Paulo, diz que "as condições mudaram muito nos últimos anos", pois quando "a quantidade de mercúrio detectada na urina é superior ao permitido por lei, o funcionário é deslocado para outra área, até que o nível de metal volte aos padrões normais" e afirma "Mas isto não pode ser caracterizado como contaminação" (Niero Filho, Gazeta Mercantil, p.C-1, 20/01/1997). No Rio de Janeiro, já foi divulgada na imprensa (Braga, Jornal do Brasil, 5/09/1994, p.12) a contaminação, por mercúrio no sangue, de 75% dos funcionários de uma indústria de soda cáustica. Os exames de sangue, realizados pelo Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador (FIOCRUZ - Ministério da Saúde), mostraram que entre os examinados, 19% apresentaram valores superiores a 50 µg/l, quando o índice tolerável de mercúrio no sangue é de 10 µg/l, levando o Ministério Público do Trabalho a suspeitar de um índice de contaminação bem mais elevado, quando a empresa contava com 540 empregados. Diante destes fatos, cabe a pergunta: até quando as indústrias químicas continuarão, ainda, a ser manchetes na mídia, em relação às contaminações que afetam drasticamente o homem e o meio ambiente? Acredita-se que a solução mais viável seja a mudança tecnológica, ou seja, a desativação das células de mercúrio e a implantação das células de membrana, pois acarretará maior pureza na produção de soda cáustica e livrará o meio ambiente de contaminações mercuriais indesejáveis. 3.4 - A queima de resíduos industriais nas fábricas de cimento O cimento portland, produto de uso diversificado, consiste essencialmente de mistura de silicatos e aluminatos de cálcio, de cal e gesso. Os componentes básicos são constituídos de rocha calcária, sílica, óxido de alumínio e óxido de ferro calcinados em forno giratório (fig.5), em temperatura variando de 1400 a 1600°C, produzido pela combustão de gás natural, carvão ou óleo combustível. O material se funde e aglomera na forma de um clinquer. Depois de frio, o clinquer se mistura com 2 a 3 % de gesso e se reduz a um pó fino. A clinquerização da mistura gera grande quantidade de gás carbônico segundo a reação: CaCO3 + SiO2 ( xCaO.y SiO2 + CO2(. Atualmente, muitas cimenteiras estão queimando vários tipos de resíduos nos fornos rotativos e as normas continuam sendo as mesmas, não levando em consideração a nova constituição química dos materiais oxidados que ficam impregnados no cimento. Em S. Paulo, por exemplo, podem ser usados resíduos nas fábricas de cimento, pois há um acordo entre a Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) e a CETESB (S. Paulo) permitindo uso de resíduos sólidos Classe I (perigosos) e da Classe II (não inerte) como carga combustível dos fornos de clinquerização (Revista Meio Ambiente Industrial, 1998). Neste caso específico, cabe uma reflexão técnico-crítica: Será que os resíduos oxidados que farão parte do cimento podem ser considerados como produtos atóxicos? Será que a lixiviação do cimento poderá solubilizar estes óxidos? Será que as fábricas de cimento possuem sistemas adequados de tratamento e absorção dos gases tóxicos gerados durante esta queima? Ensaios laboratoriais realizados com amostras de argamassas de cimento contaminado com óxidos metálicos e produtos clorados comprovam a qualidade questionável deste material que pode ser lixiviado causando sistemáticos problemas de corrosão e/ou contaminações. Portanto, é fundamental discutir, numa visão crítica, este tipo de problema, considerando que o cimento é utilizado nos mais diversos segmentos da sociedade. 4 - CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÕES FINAIS Apesar dos consideráveis sucessos que os empreendimentos industriais e os órgãos ambientais estão conseguindo, para evitar ou minimizar os efeitos dos desastres tecnológicos, visando à melhor qualidade de vida para a sociedade, ainda assim existem contaminações industriais e ambientais que nem sempre são registradas pela mídia ou pelos órgãos ambientais. Diante dos fatos, conclui-se da necessidade de: articular a integração dos órgãos ambientais, de saúde e de industrialização com a sociedade organizada no sentido de estabelecer normas e procedimentos, visando a garantir uma real qualidade de vida; reavaliar e reestruturar os projetos industriais de tal forma que os efeitos ambientais, sociais, econômicos e políticos sejam identificados na fase de planejamento do projeto, antes que as decisões de implantações sejam adotadas; estabelecer uma política, com base no direito ambiental, que possa responsabilizar os causadores de vazamentos industriais ou contaminações, diretas ou indiretas, oriundas de manufaturas, de armazenamentos ou de transporte de produtos químicos e afins; desenvolver uma consciência técnico-crítica, que deve ser construída na sociedade, principalmente, na Universidade, visando ao entendimento das rotas de fabricação dos produtos e dos contaminantes gerados e/ou agregados durante o processamento industrial, com vista à preservação ambiental. 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