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OS ACIDENTES QUÍMICOS E OS PROCESSOS PRODUTIVOS
Fernando B. Mainier
Universidade Federal Fluminense, Centro Tecnológico, Escola de Engenharia,
Rua Passo da Pátria 156, Niterói, CEP 24210-240, Rio de Janeiro.
Abstract
The chemical accidents and the productive processes
The industries store and they manipulate, direct or indirectly, great
amount of chemical and combustible products. The handling of these
substances is controlled by norms and procedures that seek to minimize the
risks, to the worker's health, the damages to the equipments and the
environment; however, the knowledge of these norms doesn't impede the fatal
accidents and the environmental contaminations that it is happening on
these last 40 years. Most of these processes was conceived in the beginning
of the century or in the decade of forty, where the beginnings of the man's
preservation, of the atmosphere and of the industrial safety they were not
fundamental requirements in the implantations of these complex industrials.
The most of chemical accidents have been leaving destruction traces in many
parts of the world as Bhopal (India) and Minamata (Japan). The leaks of
chlorine, hydrogen sulfide, ammonia, hydrochloric acid and sulfuric acid
that in happening in the elaborate or in the rail transports and/or road
they causes great material losses, environmental and deaths. It is aimed at
in this work, with base in these facts, to insert in the programs of the
disciplines of industrial processes an understanding technique-critic that
relates the chemical accidents to the effective industrial processes.
Key words – Contamination, environment, industrial safety.
Gestão Ambiental nos Sistemas Produtivos
1 - INTRODUÇÃO
Segundo Doménech (1994), na maioria das vezes os resíduos gerados em
conseqüência dos processos naturais são convenientemente reciclados sem
haver qualquer impacto ambiental negativo. O problema passa a existir no
momento em que o homem usa a natureza para seu próprio proveito sem se
importar com os desequilíbrios causados por sua ação deletéria.
Durante os primeiros tempos da evolução do homem, o impacto ambiental
era praticamente inexistente. Eram tribos nômades em constante migração
para as áreas virgens, possibilitando, naturalmente, a reconstituição do
habitat antigo. O aumento constante da população, as mudanças sociais, a
criação racional de animais e a capacidade crescente do homem em assumir o
desenvolvimento de técnicas agrícolas, as quais permitiam maior rendimento,
forjaram a forma de vida sedentária, com a exploração permanente do seu
entorno.
Na mesma ótica, Bonillo (1994) diz que a degradação ambiental não
surgiu repentinamente, foi se acumulando ao longo da história, desde a
revolução industrial; entretanto, nestas últimas décadas, as tecnologias
químicas, petroquímicas, de energia e afins, na ânsia de produção
desenfreada, têm afetado drasticamente diversos campos da atividade humana.
Nos países em desenvolvimento, por não terem políticas controladoras da
ação dos grandes complexos químicos ou correlatos e por não conhecerem a
dimensão dos problemas gerados pelas tecnologias obsoletas o problema tem
se agravado e provavelmente será muito difícil a reconstituição de solos e
rios contaminados. Forma-se, conseqüentemente, um ciclo vicioso e
sistemático, de tal forma que quanto maior a produção, mais consumo e maior
aplicação de tecnologias, que por sua vez aceleram os processos de
transformação e, em conseqüência, geram maior produção, provocando o
esgotamento dos recursos e impactando o ambiente com a acumulação de
resíduos.
Os sistemas produtivos, provavelmente conhecedores dos riscos dos seus
processos industriais de fabricação e parecendo não se importar com o
presente e nem com o futuro, continuam a exercer forte pressão sobre o meio
ambiente, impondo ou mascarando tecnologias arcaicas que englobam rejeitos,
embalagens, reciclagem e lixo tóxico, temas que muitas vezes se confundem,
se interligam ou são mascarados.
Diante dos interesses e das filosofias econômicas e industriais, os
grandes complexos fabris e os países industrializados tornam-se co-autores
de uma política de interesse mútuo, estando, em muitas situações, na
contramão dos interesses do homem.
Além disso, é fundamental entender os objetivos dos programas e dos
processos de reciclagem e reutilização pois, também podem, direta ou
indiretamente, contaminar o sistema ambiental. Muitos programas de reciclo
e reutilização de produtos químicos, de plásticos, de ligas metálicas, de
combustíveis residuais, de cinzas metálicas e/ou inorgânicas têm propiciado
uma série de vantagens, sob o ponto de vista econômico, o que leva os
países em desenvolvimento a buscarem a reutilização de resíduos, que tem
sido praticada por várias décadas, porém sem a devida dimensão da toxidez
desta "nova matéria prima". Portanto, é essencial desenvolver-se uma visão
técnico-crítica para que sua utilização nos diversos segmentos industriais
não constitua um grande problema no futuro.
Nesta ótica, não basta monitorar e relatar os problemas sobre as
poluições que pairam sobre as cidades, é fundamental uma política ambiental
ativa e uma gestão ambiental direcionada à resolução preventiva dos
impactos ambientais gerados decorrentes dos derramamentos, vazamentos e
contaminações provocadas pelos complexos industriais, pelos oleodutos e
pelos transportes rodoviários, ferroviários e marítimos de produtos
inflamáveis, tóxicos ou explosivos.
2 - ACIDENTES TECNOLÓGICOS E AS CONTAMINAÇÕES AMBIENTAIS
Os acidentes tecnológicos podem ser definidos, numa visão crítica,
como eventos inesperados, indesejáveis, acidentais ou provocados por
atividades humanas, que afetam, direta ou indiretamente, a saúde pública, a
segurança das populações, os próprios sistemas industriais e
conseqüentemente acabam degradando o meio ambiente. Compreendem vazamentos
de petróleo e gás natural, vazamentos de gases industriais, explosões,
incêndios industriais, contaminações de produtos químicos, etc.
De uma maneira geral, as substâncias químicas com potenciais de risco
de acidentes químicos podem ser classificadas em função dos seguintes
parâmetros:
toxidez;
propriedades físico-químicas;
diversidade de aplicação;
volume e concentração dos reagentes, aditivos e outros produtos
utilizados durante o processamento industrial, o armazenamento e o
transporte.
Segundo Mitchell (1996), grande parte da literatura técnica, quando
ocorre um acidente tecnológico de grande porte, enfoca a repercussão na
mídia, estima as perdas, identifica as causas e até desenvolve planos de
intervenção no processo. Entretanto, poucos se preocupam e reexaminam o
desastre tecnológico ocorrido após semanas e meses, e são extremamente
raras as pesquisas que voltam a reexaminar o problema e as conseqüências da
contaminação ambiental após 5, 10, 20 e 50 anos.
Na ótica de Tigre et al. (1994), a sociedade, de um modo geral, ainda
está longe de entender, com rigor, os efeitos ambientais de muitas práticas
industriais. Conseqüentemente, as ações públicas e privadas são pouco
adequadas para tratar dos problemas daí derivados. Além disso, é bastante
limitado o conhecimento sobre os efeitos "colaterais" de muitos materiais e
de formulações químicas que, à primeira vista, surgem como grandes soluções
técnicas; pouco se sabe sobre a efetividade de sistemas para estocar e
reprocessar os resíduos e são desconhecidas as conseqüências da combinação
dos diferentes componentes químicos. Ou seja, na verdade, pouco se conhece
sobre as relações entre tecnologia, meio ambiente e desenvolvimento.
O futuro da nova revolução industrial ambientalmente viável fatalmente
passará pelo controle e descoberta de formas de produção menos
contaminantes e menos consumidoras de energia. Novas pesquisas,
provavelmente, decretarão a obsolescência, a substituição, a transformação
de materiais e a reutilização e/ou reprocessamento de materiais e
processos, por outros similares com características exeqüíveis, ainda que
resultem em custos mais onerosos.
Não se tem certeza que tais projetivas resultem em benefícios. É
provável que sejam intangíveis para um futuro próximo, sem contar que, às
portas do limiar do século XXI, pouco se fez e quase nada se acena numa
época em que os fenômenos químicos estão a eclodir sem fronteiras,
desafiando o próprio destino da humanidade, à beira de um colapso ecológico
diante dos vários acidentes que têm ocorrido nos processamentos químicos.
Muitos acidentes tecnológicos têm deixado rastros de destruição em
muitas partes do mundo. Nestas últimas três décadas têm ocorrido pequenos,
médios e grandes acidentes em diversas partes do mundo com produtos
químicos e derramamentos de petróleo, criando grande impacto ambiental,
contaminando áreas e deixando inúmeros mortos e feridos. Os grandes
desastres que foram manchetes mundiais na mídia até hoje continuam a ser
citados como exemplos de contaminações ambientais, como o caso de Minamata
no Japão, Seveso na Itália, Bhopal na Índia e Chernobyl na Rússia.
Desde a década de 60, os acidentes com petroleiros têm lançado nos
mares cerca de 4.000 mil toneladas de petróleo causando, na maioria das
vezes, danos irreparáveis ao meio ambiente. O vazamento de mais de 40 mil
toneladas de óleo pelo petroleiro Valdez, em março de 1989, no Alasca,
causou um dos maiores desastres ecológicos da história, afetando a vida de
40.000 pessoas e dezenas de espécies animais.
Em 1997, cerca de 9 mil toneladas de petróleo vazaram de um petroleiro
grego no Golfo do México e um cargueiro da Tailândia lançou 25 mil
toneladas de petróleo no estreito de Cingapura. Em fevereiro de 2001, o
rompimento dos tanques do navio Jéssica, que encalhou perto de San
Cristóbal, nas Ilhas Galápagos, derramando cerca de 60 toneladas de
derivados de petróleo no mar, quase destruiu o santuário de Charles Darwin.
Os derramamentos de petróleo de grande porte, dado às dimensões e
características do evento, são apresentados na mídia com grande alarde,
entretanto, os pequenos vazamentos de petróleo das refinarias e terminais,
os produtos tóxicos que fluem diariamente nas indústrias, o uso inadequado
de tecnologias, a origem e a qualidade questionável de certos produtos
utilizados e manuseados nas indústrias de transformação, as embalagens
inadequadas ou re-utilizadas, geram, seguramente, grandes contaminações ou
danos irreversíveis ao homem e ao ambiente, que nem sempre são registrados.
Tais fatos passam despercebidos pelas Agências Ambientais e, segundo
Tolba (1992), "os métodos para determinar a ameaça potencial que os
contaminantes ocasionam para o meio ambiente seguem representando numerosas
interrogações" (p.109). Enquanto isto, nos países em desenvolvimento,
continua patente "a carência de leis e controles dos produtos químicos
tóxicos, assim como da capacidade técnica e institucional para aplicá-las"
(p.109).
O que se quer, na realidade, é a identificação da responsabilidade
técnico-social dos produtos e/ou dos empreendimentos fabris ou comerciais
que atuam, direta ou indiretamente, na sociedade. O que se deseja é que o
homem comum não seja refém dos produtos e nem dos processos industriais.
Segundo Wongtschowski (1999), a indústria química nasceu da
necessidade de complementação das atividades básicas ligadas à preservação
da vida humana. O grande desenvolvimento e o sucesso da indústria química
moderna originaram-se do êxito na realização de descobrir novos produtos e
materiais através de ensaios laboratoriais e no desenvolvimento desses
ensaios para produção em escala industrial. No entanto, é desagradável
admitir que nem sempre as indústrias químicas constituem um bem para a
sociedade, principalmente quando geram produtos e/ou resíduos que
constituem problemas de saúde e impactos ambientais.
3 – OS PROCESSOS PRODUTIVOS NA ÓTICA DA CONTAMINAÇÃO
Numa visão ampla, é fundamental que os processos que geram ou tenham
potenciais de riscos de causarem acidentes tecnológicos, de qualquer porte,
devem passar por uma avaliação técnico-crítica, começando pelo ensino das
disciplinas de processos e projetos industriais nas Universidades, passando
pelos escritórios de projetos industriais, pelos Órgãos de Saúde Pública e
Saúde do Trabalhador, pelos Bancos e Agências de Financiamentos e
terminando nas Agências Ambientais. Estas passagens são importantes pois
criam um vetor contínuo de um processo em constante avaliação.
Para evidenciar os acidentes químicos são destacados, a seguir, os
vazamentos de cloro (Cl2) durante o transporte de cilindros e o de cianeto
de sódio (NaCN) para o rio Danúbio proveniente de uma instalação
industrial. Para formar a avaliação crítica das contaminações industriais,
são destacados dois casos: a fabricação de soda cáustica pelo processo das
células de mercúrio e a queima de resíduos em fábricas de cimento.
3.1 - O transporte e o manuseio de cilindros de cloro
A literatura apresenta vários casos de acidentes ocorridos durante o
transporte e também pelo rompimento de conexões dos cilindros de cloro em
piscinas de grande porte, hospitais, estações de tratamento de água e
fábricas de produtos químicos (figura 1). Tais acidentes causaram vitimas e
isolamento das áreas afetadas. Na Turquia, em 19/10/2000, cerca de 130
pessoas foram hospitalizadas durante um vazamento da estação de tratamento
de água. Em 4 de abril de 2000, um vazamento de grande quantidade de cloro
de uma fábrica de produtos clorados em Pittburgh, Estados Unidos, resultou
na evacuação de 200 moradores residentes nas proximidades.
3.2 - O vazamento de cianeto de sódio no rio Danúbio
Em janeiro de 2000 ocorreu um grande vazamento de 368 mil litros de
solução de cianeto de uma unidade industrial para tratamento de ouro, em
Baia Mare, a 650 quilômetros de Bucareste (Hungria) para os afluentes do
rio Danúbio que cortam a Hungria, a Romênia e a Sérvia (El Pais, 2002; Le
liberation, 2000). Tal catástrofe resultou numa grande mortandade de peixes
onde os teores de cianeto foram 700 vezes maiores que os valores permitidos
pelas normas ambientais (Figura 2).
3.3 - O processo de fabricação de soda cáustica através das células de
mercúrio
Os vazamentos de mercúrio e seus compostos vêm ocorrendo desde a
década de 40, sejam no uso de sais de mercúrio como catalisadores ou como
fungicidas, ou provenientes da tecnologia eletroquímica das células de
mercúrio na produção de soda cáustica. Naquela época, acreditava-se que o
mercúrio era inerte e os vazamentos para os rios e mares não trariam
problemas ao homem e nem à vida marinha (Shreve & Brink, 1980, Laudau et
al., 1992).
Entretanto, o tempo e as pesquisas mostraram que os técnicos não
souberam avaliar a dimensão da contaminação, pois se verificou, mais tarde,
que a vida marinha concentra o mercúrio biologicamente e provoca
concentrações, em alguns peixes e moluscos, de metil-mercúrio em doses
letais para o homem.As bactérias existentes na água metabolizam o mercúrio
e geram o metil-mercúrio. O ciclo da cadeia alimentar tem início quando os
peixes pequenos se alimentam destas bactérias. Seguindo o ciclo, os peixes
pequenos contaminados são comidos por outros peixes maiores, que, por sua
vez, são comidos pelo homem.
Experiências recentes de eletrofisiologia reportadas por Atchison &
Hare (1994) revelam que o potencial de metil-mercúrio afeta a
neurotransmissão, causando, conseqüentemente, vários danos nas células,
seja nas alterações das concentrações fundamentais dos íons Ca2+, seja na
formação de ATP (adenotrifosfato) ou inibindo a função de várias enzimas
nos metabolismos essenciais do corpo humano. Tais fatos atestam, segundo
Hart, (1991), que a contaminação branda ou severa de metil-mercúrio em
mulheres grávidas, gerou crianças portadoras de várias deformações
genéticas, como a cegueira permanente, o retardamento mental e a
deficiência ou as dificuldades motoras.
O caso clássico de contaminação com mercúrio ocorreu no Japão. Os
vazamentos deste contaminante, continuamente, de uma fábrica localizada
próxima à baía de Minamata, provocaram a morte e a contaminação de inúmeras
pessoas. Foi estimado que, no período de 1932 a 1968, foram despejados
cerca de 27 toneladas de compostos de mercúrio. Por volta de 1956, muitas
pessoas apresentavam espasmos nos músculos, delírios, náuseas e
dificuldades de caminhar. Gatos que comiam peixes tinham convulsões e
rolavam na praia, enquanto as gaivotas não alçavam vôo e caíam no mar.
Cerca de 3.000 pessoas foram examinadas clinicamente, sendo que 798
foram identificadas como portadoras de contaminações com mercúrio (Raloff,
1991; Cross, 1991). Das 17.000 pessoas que reivindicaram compensações
monetárias relativas aos envenenamentos com mercúrio, foram rejeitadas
10.000, sendo que 5.000 ainda estão pendentes na justiça, no entanto, cerca
de 2.000 vítimas receberam indenizações, que variaram entre 16 (US$
116.800) e 18 milhões de ienes (US$ 131.400), dependendo do grau de
contaminação com mercúrio. Além disto, algumas pessoas ainda recebem, como
compensação, um pagamento mensal de cerca de 100.000 ienes (US$ 730)
(Poulin, 1994).
Estes fatos geraram a proibição de implantação de novas unidades
industriais à base de células de mercúrio na produção de cloro-soda, a
partir de 1975, tanto no Japão quanto nos Estados Unidos. Atualmente,
existem 13 fábricas listadas, na produção americana, que ainda utilizam a
tecnologia das células de mercúrio. Tais fábricas respondem por 14% da
produção, enquanto as tecnologias das células de diafragmas e membranas são
responsáveis pelos outros 86%. O fluxograma do processo e uma visão da
célula eletrolítica de mercúrio são apresentados, a seguir,
respectivamente, nas figuras 3 e 4.
Há um compromisso formal de desativação destas fábricas que utilizam
mercúrio, para o ano de 2002. Mas esta mesma política não foi adotada nas
outras partes do mundo, pois continuam até hoje produzindo e implantando
novas unidades de cloro-soda com células de mercúrio, sem se importar com o
futuro. No Brasil, existem algumas fábricas que utilizam a tecnologia das
células de mercúrio e não há o compromisso de tempo para sua desativação.
Do ponto de vista ambiental, uma análise criteriosa das células de
mercúrio revela as origens das possíveis perdas e/ou vazamentos de mercúrio
que podem ser identificados e estimados, conforme mostra a tabela 1
(Paine,1994).
Tabela 1 -Estimativas de perda de mercúrio nas células eletrolíticas
segundo Paine,1994.
"Fonte "Quantidade estimada "
"Salmoura "50 g de mercúrio /t de "
" "salmoura "
"Produção de NaOH "15 a 20 g de mercúrio/t de"
" "NaOH "
"Sistema de "15 a 20 g de mercúrio/t de"
"ventilação "NaOH "
"Limpeza das "Não estimada "
"células " "
"Manutenção "Não estimada "
Geralmente, as perdas de mercúrio estão associadas ao processo, às
limpezas e às manutenções das células. A média de mercúrio consumida está
estimada em 200 g de mercúrio por tonelada de hidróxido de sódio produzido.
Por exemplo, se uma célula de mercúrio pode produzir, anualmente, 350
t de cloro (Cl2), 9,8 t de hidrogênio (H2) e 394 t de hidróxido de sódio
(NaOH), é possível que a perda de mercúrio seja da ordem de 78,8 kg/ano.
Nos Estados Unidos, um programa de avaliação e de monitoramento das
unidades das células de mercúrio reduziu, no período de 1974 a 1989, de 200
g de mercúrio/t de NaOH para 98g de mercúrio/t de NaOH. Atualmente, com
processos de tratamento efetivos, este valor se reduziu para 3g de mercúrio
por tonelada de hidróxido de sódio.
Não restam dúvidas de que ocorreram certos avanços tecnológicos no uso
das células de mercúrio projetadas para o mínimo de despejo de mercúrio,
entretanto, as tecnologias de diafragma e de membrana estão tomando o lugar
deste processo, de tal forma que as células de mercúrio ficarão restritas
aos países sem leis ambientais.
Se fosse possível voltar ao passado, no cenário da década de 40,
valeria questionar os profissionais de química e os empresários da época
que geraram estas fábricas, e fazer as seguintes indagações críticas:
Será que a produção de cloro-soda a partir da célula de mercúrio
contribuiu para a melhoria da qualidade de vida do homem?
Será que a soda, o cloro e o hidrogênio produzidos por este
processo não foram contaminados pelo mercúrio?
Será que os outros processos industriais, preferencialmente as
indústrias alimentícias e farmacêuticas, que utilizaram, direta ou
indiretamente, os produtos gerados pelas células de mercúrio,
poderiam ter seus produtos finais contaminados com mercúrio?
Será que se tem dimensão dos milhares de toneladas de mercúrio
vazadas para o meio ambiente?
Estas indagações são difíceis de ser respondidas, pois não estão
definidas com clareza e nem contabilizadas, para que possam ser
intensamente avaliadas e discutidas.
No Brasil, existem algumas fábricas que ainda utilizam a tecnologia
das células de mercúrio na produção de soda cáustica e de cloro. Por
exemplo, em São Paulo, o representante das indústrias de soda cáustica diz
que "os processos com mercúrio são seguros, tanto para os funcionários
quanto para o meio ambiente..." e ainda declara "Um dentista polui mais o
meio ambiente com mercúrio num dia de trabalho do que uma fábrica de
cloro". Argumenta que as fábricas não poluem, pois "o controle à exposição
ao mercúrio na indústria supera com folga os padrões nacionais e
internacionais" (Niero Filho, Gazeta Mercantil, p.C-1, 20/01/1997). Da
mesma forma, referendando estas declarações, o coordenador de segurança de
uma fábrica de soda cáustica, localizada em São Paulo, diz que "as
condições mudaram muito nos últimos anos", pois quando "a quantidade de
mercúrio detectada na urina é superior ao permitido por lei, o funcionário
é deslocado para outra área, até que o nível de metal volte aos padrões
normais" e afirma "Mas isto não pode ser caracterizado como contaminação"
(Niero Filho, Gazeta Mercantil, p.C-1, 20/01/1997).
No Rio de Janeiro, já foi divulgada na imprensa (Braga, Jornal do
Brasil, 5/09/1994, p.12) a contaminação, por mercúrio no sangue, de 75% dos
funcionários de uma indústria de soda cáustica. Os exames de sangue,
realizados pelo Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador (FIOCRUZ -
Ministério da Saúde), mostraram que entre os examinados, 19% apresentaram
valores superiores a 50 µg/l, quando o índice tolerável de mercúrio no
sangue é de 10 µg/l, levando o Ministério Público do Trabalho a suspeitar
de um índice de contaminação bem mais elevado, quando a empresa contava com
540 empregados.
Diante destes fatos, cabe a pergunta: até quando as indústrias
químicas continuarão, ainda, a ser manchetes na mídia, em relação às
contaminações que afetam drasticamente o homem e o meio ambiente?
Acredita-se que a solução mais viável seja a mudança tecnológica, ou
seja, a desativação das células de mercúrio e a implantação das células de
membrana, pois acarretará maior pureza na produção de soda cáustica e
livrará o meio ambiente de contaminações mercuriais indesejáveis.
3.4 - A queima de resíduos industriais nas fábricas de cimento
O cimento portland, produto de uso diversificado, consiste
essencialmente de mistura de silicatos e aluminatos de cálcio, de cal e
gesso. Os componentes básicos são constituídos de rocha calcária, sílica,
óxido de alumínio e óxido de ferro calcinados em forno giratório (fig.5),
em temperatura variando de 1400 a 1600°C, produzido pela combustão de gás
natural, carvão ou óleo combustível. O material se funde e aglomera na
forma de um clinquer. Depois de frio, o clinquer se mistura com 2 a 3 % de
gesso e se reduz a um pó fino. A clinquerização da mistura gera grande
quantidade de gás carbônico segundo a reação:
CaCO3 + SiO2 ( xCaO.y SiO2 + CO2(.
Atualmente, muitas cimenteiras estão queimando vários tipos de
resíduos nos fornos rotativos e as normas continuam sendo as mesmas, não
levando em consideração a nova constituição química dos materiais oxidados
que ficam impregnados no cimento. Em S. Paulo, por exemplo, podem ser
usados resíduos nas fábricas de cimento, pois há um acordo entre a
Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) e a CETESB (S. Paulo)
permitindo uso de resíduos sólidos Classe I (perigosos) e da Classe II (não
inerte) como carga combustível dos fornos de clinquerização (Revista Meio
Ambiente Industrial, 1998).
Neste caso específico, cabe uma reflexão técnico-crítica:
Será que os resíduos oxidados que farão parte do cimento podem ser
considerados como produtos atóxicos?
Será que a lixiviação do cimento poderá solubilizar estes óxidos?
Será que as fábricas de cimento possuem sistemas adequados de
tratamento e absorção dos gases tóxicos gerados durante esta
queima?
Ensaios laboratoriais realizados com amostras de argamassas de
cimento contaminado com óxidos metálicos e produtos clorados comprovam a
qualidade questionável deste material que pode ser lixiviado causando
sistemáticos problemas de corrosão e/ou contaminações. Portanto, é
fundamental discutir, numa visão crítica, este tipo de problema,
considerando que o cimento é utilizado nos mais diversos segmentos da
sociedade.
4 - CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÕES FINAIS
Apesar dos consideráveis sucessos que os empreendimentos industriais
e os órgãos ambientais estão conseguindo, para evitar ou minimizar os
efeitos dos desastres tecnológicos, visando à melhor qualidade de vida para
a sociedade, ainda assim existem contaminações industriais e ambientais que
nem sempre são registradas pela mídia ou pelos órgãos ambientais.
Diante dos fatos, conclui-se da necessidade de:
articular a integração dos órgãos ambientais, de saúde e de
industrialização com a sociedade organizada no sentido de
estabelecer normas e procedimentos, visando a garantir uma real
qualidade de vida;
reavaliar e reestruturar os projetos industriais de tal forma que
os efeitos ambientais, sociais, econômicos e políticos sejam
identificados na fase de planejamento do projeto, antes que as
decisões de implantações sejam adotadas;
estabelecer uma política, com base no direito ambiental, que possa
responsabilizar os causadores de vazamentos industriais ou
contaminações, diretas ou indiretas, oriundas de manufaturas, de
armazenamentos ou de transporte de produtos químicos e afins;
desenvolver uma consciência técnico-crítica, que deve ser
construída na sociedade, principalmente, na Universidade, visando
ao entendimento das rotas de fabricação dos produtos e dos
contaminantes gerados e/ou agregados durante o processamento
industrial, com vista à preservação ambiental.
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Fig.3 – Fluxograma de célula de mercúrio
Fig. 4 – Célula de mercúrio
Fig.1 – Vazamento de cloro
Fig.2 – Vazamento de cianeto para o rio Danúbio
Fig. 5 – Forno rotativo de indústria de cimento