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FEBRE AFTOSA
A febre aftosa foi descoberta na Itália no século XVI. No século XIX,
a doença foi observada em vários países da Europa, Ásia, África e América.
Com o desenvolvimento da agricultura houve também uma grande preocupação em
controlar esta enfermidade e no início do século passado vários países
decidiram combatê-la. A enfermidade agora está presente de forma endêmica
em algumas regiões da Ásia, América do Sul, África e no Oriente Médio.
Surtos da doença têm ocorrido em alguns países como Grécia, Taiwan,
Argentina, Brasil, Uruguai, Japão e recentemente, no Reino Unido. Os
prejuízos são causados pelas perdas diretas devido aos sinais clínicos, com
conseqüente queda na produção, e pelas perdas indiretas, através dos
embargos econômicos impostos pelos países importadores.
Todas as espécies de bi ungulados são naturalmente susceptíveis a
febre aftosa, especialmente os bovinos, suínos, ovinos, cervos, antílopes e
camelídeos. Os carnívoros são resistentes. No ser humano a infecção pode
ocorrer, apresentando poucas lesões na pele.
Etiologia
O agente etiológico da febre aftosa é um vírus da família
Picornaviridae, gênero Aphtovírus. O genoma viral consiste de uma molécula
de RNA de cadeia simples com aproximadamente 8 kilobases. O vírus não tem
envelope, mede 27 nm de diâmetro e apresenta simetria icosaédrica. Na
microscopia eletrônica as partículas virais apresentam-se lisas e
circulares.
Sete sorotipos já foram identificados (O, A, C, SAT1, SAT2, SAT3 e
Ásia 1) e estão distribuídos em diferentes regiões geográficas. Esta
heterogeneidade antigênica é muito importante na produção de vacinas. Todos
os sorotipos possuem uma grande variedade de subtipos, o que acarreta
dificuldades para o controle e erradicação da enfermidade. Os principais
sorotipos são apresentados no quadro abaixo:
"REGIÃO "VÍRUS "
"América do Sul - Brasil "O, A, C "
"Europa "O, A, C "
"África "O, A, C, SAT1, SAT2, SAT3 "
"Ásia "O, A, C, Ásia 1 "
"A . Norte e Central "Área livre "
"Caribe "Área livre "
"Oceania "Área livre "
O vírus da febre aftosa é extremamente resistente no meio ambiente e
sobrevive bem em material orgânico como fezes, sangue e em condições de
alta umidade e de pouca incidência solar. É inativado em pH abaixo de 6,0.
O vírus perde sua capacidade infectante quando exposto poucos dias em
temperatura ambiente acima de 37°C. Entretanto é muito resistente ao frio,
sendo estável por meses a –4°C e anos a –30°C. O vírus pode persistir por
até seis meses na medula óssea e linfonodos resfriados.
Patogenia
Em condições naturais, a forma mais comum de transmissão é por
aerossóis. A partir da porta de entrada, o vírus replica-se na mucosa e
tecidos linfóides da região da faringe, tonsilas ou pulmões. O período de
incubação varia entre 2-8 dias após o contato. Nas primeiras 72 horas há
uma grande replicação do vírus e por isso nesta fase os animais são grandes
disseminadores (o vírus está presente em todas as secreções e excreções).
A disseminação do vírus começa geralmente 24 horas antes do início dos
sinais clínicos e continua por vários dias. A viremia persiste por 3-5
dias, com disseminação e replicação do vírus em células epiteliais. O
fluído vesicular possui grande quantidade de vírus e o mesmo persiste no
local das lesões por 3 a 8 dias. Posteriormente há diminuição na carga
viral devido à presença de anticorpos neutralizantes. As vesículas
desenvolvem-se à medida que o vírus se replica dentro de um grupo de
células epiteliais, causando sua ruptura e criando uma grande "bolha" cheia
de fluido dentro do epitélio. Esse fluido vesicular contem quantidades
abundantes de partículas virais que também persistem nas células vizinhas
por 3-8 dias, diminuindo em número à medida que anticorpos são formados. A
replicação do vírus no epitélio da glândula mamária também ocorre e o vírus
pode ser encontrado no leite pelo menos por 10 dias após o início da
infecção.
Epidemiologia
A principal forma de transmissão é por aerossóis, usualmente quando os
animais estão próximos, contudo existem evidências de que o vírus pode ser
transmitido em distâncias superiores a 50 km. Aerossóis contendo o vírus da
febre aftosa podem ser liberados no ar exalado ou quando o leite está sendo
transferido para o caminhão coletor. O contato direto com animais afetados
e com excreções corporais é uma importante forma de transmissão. O vírus da
febre aftosa pode ser encontrado em altas concentrações em fluidos das
vesículas, saliva, fezes e leite. No pico da infecção o vírus está presente
no sangue e em tecidos de animais afetados. Leite e alimentos contaminados
podem conter o vírus por longos períodos de tempo e servir de fonte de
infecção para animais susceptíveis. Abatedouros, estábulos, leiterias e
outras instalações, como para produção de rações, podem servir como fonte
de contaminação. O trânsito de pessoas em áreas contaminadas pode favorecer
a disseminação do vírus através de roupas e calçados contaminados e as
pessoas também podem abrigar o vírus no trato respiratório ou garganta por
24 horas. Equipamentos usados por veterinários ou usados na própria fazenda
incluindo veículos podem disseminar o vírus da febre aftosa dentro ou para
fora da propriedade. Pneus e caminhões de leite com vazamentos podem deixar
um rastro contaminado pelo vírus. O uso de biológicos contaminados também
deve ser considerado, como vacinas para PSC.
Animais que transitam livremente entre as fazendas, tais como
roedores, veados, cães, gatos e aves podem disseminar o vírus da febre
aftosa de um animal pra outro ou de uma fazenda pra outra. Animais de casco
fendido, especialmente bovinos e bubalinos, também servem como
disseminadores da doença e a transmitem para animais susceptíveis por meses
ou anos após a infecção. Os bovinos podem conter o vírus no esôfago e
tonsilas por até 30 meses depois da recuperação. Os suínos tendem a
excretar mais que os bovinos, nos ovinos a doença é de difícil detecção,
tornando estes animais grandes disseminadores do vírus aos bovinos.
O vírus da febre aftosa pode sobreviver no meio ambiente por longos
períodos de tempo tendo as condições adequadas. O vírus pode resistir em pH
<9.0 ou >6.0 e pode persistir no meio ambiente por até um mês sob condições
favoráveis (ausência de luz, frio e pH adequado). A doença atravessa
fronteiras internacionais através do transporte de animais infectados, da
importação de animais e subprodutos animais contaminados e em fômites ou
pessoas que viajam através de fronteiras. Profissionais da área de saúde e
viajantes também podem servir de fonte de contaminação quando viajam de um
país para outro.
Sinais Clínicos
Os sinais clínicos iniciam com diminuição na ingestão de alimentos,
claudicação, febre e salivação intensa, principalmente devido às
dificuldades na deglutição. Muitas vezes os animais abrem e fecham a boca
com estalar dos lábios e apresentam diminuição na produção de
leite. Vesículas e úlceras desenvolvem-se principalmente em áreas sujeitas
a trauma como a mucosa oral, língua e espaço interdigital. As vesículas
primárias são pequenas, mas podem coalescer e produzir bolhas que mais
tarde se rompem levando às lesões ulcerativas. Quando os animais são
examinados é comum o desprendimento da camada epitelial da língua.
Miocardites podem levar a morte de terneiros com menos de seis meses. Em
suínos, a claudicação é o primeiro sinal clínico observado, seguida do
aparecimento de vesículas no focinho que se rompem facilmente. Em animais
que estão amamentando as lesões nos tetos são comuns e pode ocorrer a
transmissão da doença para os terneiros. As vesículas aparecem também nos
espaços interdigitais e bandas coronárias das patas. As lesões da boca e
língua regeneram rapidamente, mas as lesões das patas são susceptíveis às
infecções secundárias, agravando o quadro. Estas lesões tornam os animais
improdutivos ou pouco produtivos. Mastites e abortos também podem diminuir
a produção de leite.
Diagnóstico
Somente técnicos treinados do governo deverão inspecionar os animais,
coletar material e enviar a laboratórios de referência. Os materiais a
serem coletados incluem o líquido das vesículas antes de sua ruptura e o
epitélio de vesículas recém-rompidas, por conterem grandes quantidades de
vírus. Pode-se também coletar sangue com anticoagulante, soro e fluido do
esôfago/faringe.
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Uma técnica para colheita de material para diagnóstico
laboratorial que é usada unicamente para febre aftosa constitui-se da
colheita de fluidos do esôfago/faringe. Para obter essa amostra, um
instrumento conhecido como "probang" (foto acima à esquerda) é
inserido na cavidade oral do animal e lentamente introduzido dentro do
esôfago (foto acima à direita). Após leve agitação, o "probang" é
removido e a saliva/fluido esofágico coletados são colocados em meio
próprio (MEM, contendo 10% de soro bovino fetal) para o transporte do
material até o laboratório. As provas rotineiras para a demonstração
do agente são fixação do complemento e ELISA. O cultivo celular pode
ser realizado para isolar o vírus de tecidos, sangue, fluídos
esofágicos e faringe.
O diagnóstico diferencial deve ser feito de uma série de
enfermidades, como IBR, doença das mucosas, febre catarral maligna,
língua azul, estomatite vesicular dos suínos, exantema vesicular.
Controle
A OIE deve ser comunicada quanto à presença da febre aftosa dentro de
48 horas e essa organização informará os demais países interessados. Se a
produção animal representa uma parte significativa da economia nacional, o
país afetado geralmente instituirá medidas de controle drásticas e de
efeito imediato. A trajetória da doença deve ser seguida de perto e todos
os animais susceptíveis potencialmente expostos devem ser abatidos e então
queimados ou enterrados, seguindo certas regras. O transporte de animais e
subprodutos animais, incluindo leite, deve ser proibido dentro das áreas
afetadas e a exportação desses produtos também deve ser proibida. O
trânsito de pessoas, equipamentos e de outros produtos, incluindo lixo, e o
trânsito de animais não susceptíveis devem ser monitorados de perto e os
procedimentos de desinfecção devem ser observados. O trânsito livre de
animais tais como, cães, gatos, veados e roedores pela área afetada devem
ser controlados. Fazendas infectadas e tudo o que sai da fazenda, incluindo
pessoas e veículos, devem ser desinfetados usando desinfetantes
apropriados. Entre os desinfetantes recomendados podemos citar: ácidos tais
como ácido acético a 2%, carbonato de sódio a 4%, hidróxido de sódio a 2% e
ácido cítrico a 0.2%. O vinagre (o mesmo usado na cozinha) tem 5% de ácido
acético. Misture uma parte de vinagre com uma parte de água. Hipoclorito de
sódio também pode ser efetivo. Para tal, misture três partes de hipoclorito
de sódio com duas partes de água. É fundamental desinfetar pneus e a parte
de baixo de todos os veículos que saem da área afetada, A alimentação de
animais com subprodutos de outros animais dentro da fazenda deve ser
proibida. O calor e baixa umidade também podem destruir o vírus.
As vacinas são usadas para controlar os surtos de febre aftosa. Elas
podem ser usadas para diminuir a quantidade de vírus produzido ajudando a
controlar sua disseminação em casos de emergência e são também usadas em
zonas endêmicas e zonas tampão para prevenir a doença ativa. As vacinas
mais comumente usadas contém vírus inativado e adjuvante. Vários países tem
bancos de vacinas com os sorotipos que mais comumente ocorrem em suas
regiões. São conhecidos sete sorotipos e 70 cepas do vírus da febre
aftosa. No Brasil, a vacina em uso contém os sorotipos O, A e C inativados
e emulsionados em óleo mineral. Animais que tenham sido vacinados são soro-
positivos, tornando difícil certificar-se de que esses animais não são
portadores e de que a doença tenha sido verdadeiramente erradicada.
No Combate a Febre Aftosa resta ainda ressaltar importantes medidas de
defesa sanitária animal, como: 1) Notificação obrigatória, 2) assistência a
todos os focos, 3) vacinação de bovinos e bubalinos, 4) controle da
produção e fiscalização da comercialização da vacina, 5) controle e
fiscalização do trânsito de animais, 6) desinfecção de ambientes e
veículos, 7) sacrifício de animais doentes e de contatos, 8) destinação
correta de excretas, carcaças e restos de animais e 9) limpeza ou
destruição de equipamentos e materiais diversos utilizados no foco.