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EVOLUÇÃO
A Aventura da Vida
Antártida, o lugar mais frio do planeta,onde a temperatura do ar chega
a 50°C negativos. Talvez você ache que nada poderia sobreviver aqui. Mas,
aquecendo uns aos outros,estes pingüins-imperadores desenvolveram
estratégias para ganhar a batalha pela vida no gelo.
O frio não é o pior inimigo dos pingüins, mas este animal. A foca-
leopardo, com 4 metros de comprimento,é um superpredador. Não admira que os
pingüins hesitem em mergulhar. Pingüins e focas têm uma relação moldada ao
longo de milhões de anos:a relação de presa e predador.
É fácil ver o toque da natureza em forma de dentes e garras em um
mundo em que predadores decidem quem sobrevive ou não,e apenas os mais
velozes e fortes têm chance. A verdade é que predadores e presas são apenas
uma parte da história. Nosso mundo é uma rede vasta e complexa de inter-
relações. Os animais, inclusive nós, precisam achar parceiros, cuidar de
suas famílias e manter boas relações com os vizinhos. Todos esses
relacionamentos influem na maneira como nos apresentamos e nos comportamos.
Esta é a surpreendente história de como as inter-relações entre todas as
criaturas vivas vêm moldando toda a Aventura da Vida.
VIVENDO JUNTOS
Narrado por ANDREW SACHS
A vida na Terra nem sempre foi tão complicada quanto hoje. Houve um
tempo em que relacionamentos sequer existiam. Nada de violência,
praticamente nenhuma competição e nada de sexo.
Há 3 bilhões de anos, o auge da evolução eram esses estranhos calombos
no leito do oceano, os estromatólitos, constituídos de algas primitivas
azul-esverdeadas. Sua aparência pode não impressionar, mas os
estromatólitos tiveram o poder de mudar o mundo. Eles produziram oxigênio
pela primeira vez na história, transformando completamente a atmosfera do
planeta. Além de terem gerado o ar que respiramos, eles prepararam o
terreno para todas as formas de vida tal como são hoje. Graças a eles, um
novo tipo de célula desenvolveu-se, talvez a mais importante que já surgiu.
Estas revolucionárias células movidas a oxigênio deram origem a nossos
ancestrais. Elas movimentavam 20 vezes mais energia que os modelos
anteriores. E algumas descobriram que a forma mais rápida de conseguir uma
carga de energia era roubando-a, engolfando outras células. Nascia uma nova
força: o impulso predatório.
A luta entre predadores e presas repete-se há centenas de milhões de
anos. Os predadores encontram táticas melhores para caçar e matar, enquanto
as presas precisam aprimorar suas defesas. Ambos estão presos em uma
relação intensa, que os força a mudar, pois não podem ficar em desvantagem.
A seleção natural escolhe apenas genes vencedores. Os fracassados irão
desaparecer. Essa corrida evolutiva moldou as vidas e os corpos de
praticamente todos os seres que existem hoje e levou algumas criaturas a
encontrarem soluções extremas.
Este grilo talvez acredite que esteja em uma flor, até a flor mordê-lo bem
no pescoço. É uma espécie de louva-a-deus que evoluiu para se parecer com
uma orquídea. A bela virou fera!
Há outras estratégias de caça ainda mais surpreendentes. Ao longo das
eras, os esforços da tartaruga-mordedora para fisgar os peixes acabaram
transformando sua língua em uma isca apetitosa. Mas armas secretas não são
a única saída. Às vezes, são necessárias táticas mais sutis. Esta é uma
aranha-saltadora do gênero Portia, uma das menores assassinas do mundo. Ela
está à caça de uma aranha-fiandeira muito maior. Ela pode ser pequena, mas
seu apetite é gigantesco. Sua primeira investida direta alerta a presa, que
balança a teia, forçando a Portia a recuar. Mas ela tem um ''plano B''. Uma
tática que parece inspirada no filme ''Missão Impossível''. Ela desce
lentamente até chegar à distância ideal para o ataque. Então, ela salta,
morde e deixa o veneno fazer o resto do trabalho. Aqui, não é o tamanho ou
a discrição que contam, mas a estratégia. A Portia pode ser pequena, mas é
tão perigosa quanto qualquer outro predador.
A relação entre caça e caçador não molda apenas a maneira como os
predadores atacam, mas também a forma como as presas se defendem. Às vezes,
basta usar habilidades naturais, de forma diferente. Ao perceber que um
corvo faminto está cobiçando seus filhotes, o sabiá parte para o ''jogo
sujo''. "E lá vem bomba!
Que maneira de vencer a batalha!" Após milhões de anos de lutas entre
predadores e presas se desdobrando para vencer, qualquer coisa é possível.
O problema da disputa evolutiva é que não vemos seu desenvolvimento,
só vemos o resultado final. A história do pé de maracujá é uma rara
exceção. Como qualquer outra presa, as trepadeiras evoluem para se proteger
de predadores famintos. O que as torna especiais é que é quase possível
assistir ao processo. Em seu hábitat, na América tropical, elas vivem sob a
ameaça constante de predadores vorazes no meio da selva. As borboletas
Heliconius. As adultas são praticamente inofensivas. O problema é o que
elas deixam para trás. Mães borboletas põem seus ovos nas folhas do pé de
maracujá. Pequenas bombas-relógio, que logo libertarão lagartas esfomeadas.
O destino desta planta está selado. Em poucos dias, não restará nada dela.
Mas se um pé de maracujá já está com um ninho, não faz sentido que outra
borboleta desove nele. Não sobraria alimento para suas lagartas. Esse
detalhe dá às trepadeiras uma chance de defesa. Aqui, nem todos os ovos são
o que parecem. Alguns não passam de pontos amarelos criados pela própria
planta para enganar as borboletas. E, como em toda batalha acirrada, nem
todo ataque é mal-sucedido. Então, é preciso que o disfarce evolua cada vez
mais e agora alguns são tão bons que fica difícil distinguir os ovos
verdadeiros. "Falsos. Verdadeiros. Verdadeiros. Falsos. Verdadeiros." Quem
imaginaria que, da relação entre uma trepadeira e uma borboleta, nasceria
um disfarce tão sofisticado?
Mesmo quando você se livra dos predadores, nem sempre tudo corre às
mil maravilhas. É preciso lidar com a concorrência. Na África, muitos
carnívoros vivem atrás de boas refeições. O abutre tem a vantagem da visão
do alto para localizar carcaças. Mesmo assim, sua tranqüilidade não dura
muito. Logo, todas as aves carniceiras da região disputarão a carne. Neste
bufê, só os mais fortes são servidos. Os abutres são os maiores e mais
valentões. E tentam afastar os grifos antes que pousem. Mas a promessa de
almoço grátis atrai uma multidão. E penas voam na briga quando até os
abutres são obrigados a abrir caminho para os mamíferos recém-chegados.
Como acontece entre predadores e presas, este tipo de competição representa
uma grande força a ser considerada. Outra influência na evolução que
determina a sobrevivência dos mais fortes.
Competição é tão crucial nas vidas dos animais que tem forte
influência até na configuração de seus corpos. Muitos animais africanos
alimentam-se da acácia. Por que eles não brigam como os abutres? Porque
esses comensais desenvolveram formas e tamanhos diferentes para não terem
de pisotear uns aos outros na hora de comer. Os pequenos dik-diks mordiscam
folhas dos galhos espinhosos mais baixos de uma maneira que animais maiores
não conseguem. O impala, mais alto, controla a área mediana da árvore. Mas
mesmos eles são mantidos em seu lugar pela gazela-girafa, que tem um
equilíbrio sem igual entre os antílopes. As gazelas-girafas parecem
bailarinas. Elas chegam até a ficar na ponta dos cascos. Seus quadris e
colunas especialmente adaptados permitem que elas se apóiem nas patas
traseiras. Mas há outro animal capaz de alcançar ainda mais alto, pois
chega a mais de 6 metros do chão. Ele usa sua língua flexível como se fosse
uma mão para arrancar os galhos e folhas mais altos, graças ao pescoço mais
longo do mundo. É a girafa. Assim, a concorrência não levou os animais
apenas a desenvolver hábitos alimentares diferentes, mas ajudou a criar
espécies totalmente diferentes, capazes de viver em harmonia.
Mas o que acontece se dois vizinhos querem exatamente a mesma coisa?
Os lêmures vivem em bandos na ilha de Madagascar. Cada grupo precisa ter
seu território para sobreviver, com abrigo, alimento e um local seguro para
procriar. Muitas vezes, eles são ameaçados por outros grupos de lêmures,
que podem lhes tirar tudo, se conseguirem. Soa o alarme. É hora de reunir
as tropas. Estes intrusos não estão para brincadeira. A sociedade dos
lêmures é gerida pelas fêmeas. São elas que conduzem o bando para a
batalha. Soldados com filhotes em suas costas. Quando a concorrência se
acirra, os lêmures contra-atacam com o trabalho em equipe. Se animais são
levados a cooperar entre si, os laços profundos que nascem daí podem abrir
caminho para um novo estilo de vida. Suricatos são o prato predileto de
muitos predadores. Por isso, precisam cooperar entre si para se proteger.
São um dos raros mamíferos que se revezam nas tarefas. Enquanto o resto da
família cava em busca de comida, um membro fica de guarda, alerta ao sinal
de qualquer predador. Os outros podem cavar tranqüilos, sabendo que alguém
olha por eles. E não é só na função de sentinela que os suricatos se
revezam. Se um lagarto-monitor aparece, todos se reúnem para espantá-lo.
Reunidos, estes pequenos animais ganham uma força formidável. Trabalhar tão
bem em equipe é a fórmula do sucesso dos suricatos. "Um por todos e todos
por um."
Outros animais exploram ainda mais a cooperação. Há insetos, como
abelhas, cupins ou formigas, que vivem juntos em imensas colônias. Mas, em
vez de dividir tarefas, como os suricatos, os cupins desenvolveram formas e
tamanhos diferentes que os tornaram fisicamente aptos para certas tarefas.
Os operários são a força braçal básica. Inúmeras tarefas cabem a eles: de
achar alimento até cuidar dos filhotes ou consertar o ninho. A única razão
de viver dos soldados é defender a colônia. eles têm o dobro do tamanho dos
outros cupins e são armados com mandíbulas cortantes. Estes dois tipos de
cupins não podem se reproduzir. Esta tarefa cabe apenas à rainha, mãe de
todos os cupins da colônia. Ela se tornou uma máquina produtora de ovos.
Inchada e imobilizada, sem a ajuda de sua família de servos, a rainha
certamente morreria. E a verdade é que nenhum cupim pode sobreviver sem a
ajuda dos outros. Eles se tornaram um único superorganismo. É fácil
entender porque ajudamos nossos parentes.
Mas há animais que cooperam com indivíduos de outras espécies. Como
isso foi acontecer? A resposta está no mar. Um recife de coral é uma
metrópole natural, onde todos tentam viver da melhor maneira. Ela está
cheia de oportunidades e acordos que podem ser feitos. Um grupo
empreendedor está se limpando. Parece haver mercado para os limpadores
profissionais. Os limpadores, como estes pequenos labros, livram seus
clientes de parasitas e pedaços de pele morta. Eles montam suas próprias
estações de limpeza e os clientes vêm de longe fazer a higiene dental ou
uma limpeza das guelras. Em troca, o limpador tira dali sua refeição. O
camarão-limpador também serve a uma clientela distinta. E os peixes são
mais espertos do que você pensa. Eles têm boa memória e voltam sempre aos
mesmos locais para receber cuidados.
Não só os peixes tropicais descobriram que contratar ajuda pode ser
vantajoso. Há plantas que fazem a mesma coisa. As flores só existem por
causa de uma aliança antiga entre insetos e plantas. Como as plantas não se
mexem, precisam de ajuda para levar o pólen de uma para outra e produzir
sementes férteis. Assim, promoveram-se como lanchonetes de néctar. Enquanto
se alimentam, os insetos ficam com uma carga de pólen colada ao corpo. A
parceria tem sido tão bem-sucedida que as plantas com flores hoje dominam o
mundo. O único problema é que alguns insetos podem levar pólen para as
plantas erradas. Para contornar isso, certas flores desenvolveram contratos
de exclusividade com seus polinizadores. E as orquídeas, por exemplo, podem
ser bastante exigentes. Algumas, como estas, do gênero Coryanthes, chegam a
parecer cruéis. Este zangão da abelha Euglossina precisa do óleo perfumado
da flor para atrair a parceira. Mas, quando vai pegar o óleo, ele perde o
equilíbrio. Justamente como a orquídea queria. Ela desenvolveu uma complexa
armadilha que força os zangões a servi-la. A única maneira de ele sair é
por um túnel apertado na parte de trás da flor, passando pelas bolsas de
pólen. O pólen adere às costas do zangão. Ao se libertar finalmente,
certamente nunca mais vai chegar perto de uma orquídea. Mas, talvez, os
zangões tenham memória curta, porque aí está ele caindo no mesmo truque
outra vez. A única diferença é que, desta vez, ele está trazendo o pólen em
vez de pegá-lo. Não resta dúvida de quem manda nessa relação.
Outra parceria invisível é ainda mais importante para as plantas. Ela
envolve as árvores mais altas do planeta. As sequóias da Califórnia. Elas
podem viver mais de 2 mil anos e chegar a mais de 100 metros de altura.
Embora esses gigantes estejam entre as maiores criaturas vivas que existem,
dependem de minúsculos parceiros que vivem debaixo da terra. Seus cúmplices
secretos são os fungos. Eles penetram nas raízes da árvore e depois
alastram-se pelo solo, formando uma rede de filamentos. Estas árvores não
conseguem absorver água e nutrientes suficientes sozinhas, mas a rede de
fungos pode fazer isso. Sua enorme superfície de contato suga água e
minerais e transporta-os até as raízes da árvore. Em troca, a árvore
fornece aos fungos os açúcares produzidos por suas folhas. 90% das plantas
têm parcerias com fungos, das sequóias até as florestas tropicais. É um
casamento que já dura 400 milhões de anos. Sem ele, talvez as plantas nunca
tivessem conseguido colonizar a Terra. Sem todo esse verde, o que seria de
nós, animais? A estreita relação entre plantas e fungos é apenas uma das
grandes alianças que vêm moldando a vida. Existe outra. Talvez você precise
de um microscópio para vê-la, mas é uma das parcerias mais importantes do
planeta. Porque é o que garante a energia dos animais.
Em nossas células, há bilhões de estruturas conhecidas como
mitocôndrias. Cada uma é uma pequena fornalha que libera a energia dos
alimentos para gerar a força de vida que impulsiona nossos corpos. É uma
relação fundamental e teve início de uma maneira muito inusitada. Há
bilhões de anos, as mitocôndrias levavam vidas independentes como bactérias
isoladas. Então, nosso ancestral unicelular absorveu uma delas e, em vez de
digeri-la, estabeleceu uma aliança com sua presa. Os dois, então, juntaram
forças e sofreram uma transformação. As bactérias tornaram-se mitocôndrias,
criando um novo tipo híbrido de supercélula. Uma supercélula que se tornou
a estrutura mais básica de quase todo o ser vivo hoje.
Portanto, em algumas parcerias evolutivas, todos saem ganhando. Mas
todo mundo sabe que, nos relacionamentos, nem tudo é simples assim. A maior
parte dos herbívoros africanos sofre com picadas de insetos e carrapatos. E
eles contam com verdadeiros esquadrões do que parecem ser apenas ajudantes
desinteressados. Os chamados pica-bois, pássaros insetívoros, alcançam
partes do corpo dos animais que eles próprios não conseguem. Mas os pica-
bois não são tão inocentes quanto parecem. Eles não só comem os insetos,
mas fazem buracos na pele dos animais. Parecendo ser ajudantes honestos,
são, na verdade, parasitas sugadores de sangue, adotando um modo de vida
que é surpreendentemente comum. Veja o caso do coelho, por exemplo. Talvez
você ache que o maior problema da vida deles sejam os predadores. Afinal,
esses roedores são a caça predileta de um bando de feras. Mas, pelo menos,
eles podem correr dos predadores. Os coelhos enfrentam outra ameaça que não
podem ver, farejar nem ouvir: os parasitas. Cada coelho é infestado por
milhares de pulgas, carrapatos e ácaros, que são pequenos, mas
tremendamente vorazes. Estes vampiros minúsculos minam as forças dos
coelhos e podem guardar uma ameaça ainda mais fatal. O vírus da
mixomatose,que mata mais coelhos por ano do que todos os predadores
somados.
Um vírus é um pesadelo com ares de ficção científica. É um invasor com
uma única meta: replicar-se. E ele tem elementos especiais para cumprir
essa missão. Aí está a vítima em potencial: a membrana externa de uma
célula do corpo. No primeiro contato, o vírus acopla-se e funde-se a ela.
Sua cápsula interior penetra a célula e busca seu centro de comando, o
núcleo, para injetar sua arma secreta: uma cadeia de genes virais. Eles
corrompem a célula, transformando-a em uma fábrica de vírus. Por fim, a
célula morre e rompe-se, liberando milhares de novos vírus. E, nesse
momento, começa a verdadeira destruição. Todos os anos, praticamente todos
os filhotes de coelho na natureza pegam o vírus mortal. Somente um a cada
cinco consegue sobreviver. A pressão seletiva é grande. E não são só os
coelhos que estão na mira dos vírus.
Em 1918, no fim da Primeira Guerra Mundial, um vírus de gripe alastrou-
se na Europa. A guerra matou 25 milhões de pessoas em 4 anos, o que
equivale a 3 vezes a população atual de Londres. A epidemia de gripe causou
esse mesmo número de mortes em 4 meses. E o que poderia combater um inimigo
tão poderoso? A resposta é uma palavra que todos nós conhecemos bem: sexo!
Relações sexuais não servem apenas à reprodução. Na verdade, a
reprodução sem sexo é plenamente possível, por meio da clonagem. Os pulgões
são verdadeiras máquinas de fazer filhotes. E são todos fêmeas, não
precisam de parceiro. Cada uma gera sozinha novos pulgõezinhos, um a cada
20 minutos. E cada novo pulgão já vem com as sementes de seus filhotes,
todos fêmeas também. A clonagem é excelente para obter-se muitos indivíduos
rapidamente, mas ela tem um defeito: todos os filhotes clonados são
idênticos. Se uma doença atingir um deles, dizimará toda a geração. A coisa
mais importante que o sexo faz é criar mais variedade. Embora esta ninhada
de cachorrinhos tenha os mesmos pais, cada um é um ser único.
Na reprodução sexuada, o material genético é reembaralhado. Assim,
todo espermatozóide e todo óvulo têm uma composição única. Quando os dois
juntam-se para formar um filhote, este será um filhote único também. O
ponto crucial na luta contra os parasitas é que os cachorrinhos também
terão internamente características individuais. Talvez este tenha mais
resistência à parvovirose, e este outro, à cinomose. Com as doenças humanas
é a mesma coisa. Em indivíduos resistentes a elas, a membrana das células
impede a passagem do vírus, fazendo com que seu ciclo de destruição nem
comece.
Sexo, então, é fundamental. É a tática da evolução para garantir o
sucesso das gerações futuras. Não é de espantar que os animais vivam tão
desesperados por sexo. Uma vez por ano, no outono, os alces americanos
reúnem-se para procriar. É a época do cio, com o espetáculo das disputas
dos machos pela prioridade na procriação. Desta vez, o jogo do acasalamento
ocorre em um local muito improvável. No Parque Nacional de Yellowstone, os
gramados bem-cuidados atraem os animais para o centro urbano de
Yellowstone. Aqui, as pessoas podem assistir a tudo de camarote. Cada alce
macho tem duas metas: impressionar as fêmeas e assustar os rivais. Embora
os machos sejam maiores e tenham atitude mais agressiva, na verdade, são as
fêmeas que comandam o show. Como são elas que gerarão os filhotes, são
muito criteriosas na hora de escolher o parceiro. Só os machos com as
galhadas mais impressionantes e com melhores habilidades de luta cruzarão.
Isso obriga cada um a provar seu valor. É uma disputa implacável, em que só
os vencedores ganham o direito à reprodução. E, a cada geração, as batalhas
ficam mais acirradas e os machos, mais fortes. Como a escolha é da fêmea,
suas relações sexuais podem determinar a compleição física e o
comportamento de seus parceiros. A evolução caminha conduzida por elas.
Enquanto isso, a pressão para vencer e perpetuar seus genes pode levar
alguns machos a extremos.
Para a sorte de outros machos, há meios menos violentos de seduzir
fêmeas. Às vezes, basta que eles se exibam um pouco. Por isso, certos
animais investem tudo na aparência. E os exibicionistas podem ter tanto
sucesso quanto os brigões! Em vez de provarem seu valor no campo de
batalha, estes pavões exibem sua vistosa plumagem. As fêmeas só cruzarão
com aqueles que acharem mais atraentes. Mas o que tanta exibição significa
na verdade? Como a fêmea pode ter certeza de que vai ter filhotes fortes e
saudáveis? Um pequeno passarinho tem a prova de que a beleza masculina é
mais que mera futilidade. Os machos do diamante mandarim têm pernas e faces
alaranjadas e brilhantes bicos vermelhos. As fêmeas são bem menos
chamativas. Por que todas essas cores nos machos? Para descobrir, fizemos
uma experiência. As pernas e bicos dos machos são cheios do pigmento
carotenóide, encontrado nas cenouras e em certas frutas e sementes. Metade
dos machos recebeu uma dieta rica em carotenóides para realçar as partes
vermelhas. Então, um deles foi colocado em um viveiro especial, ao lado de
um macho que não havia recebido a alimentação especial. Os dois machos
ficaram em cubículos na parte de trás e uma fêmea na frente. Os
compartimentos foram isolados com paredes de vidro. Os machos não podiam
sair de seus espaços, mas a fêmea podia ir para a direita e para a
esquerda. Assim, ela podia escolher um dos machos, empoleirando-se diante
de sua janela. Pequenas câmeras registraram o que acontecia dentro do
viveiro. As imagens aceleradas mostram o que se passou em seguida. Observe
a fêmea na parte de baixo do vídeo. Ela parece ter escolhido o macho da
esquerda. A câmera no compartimento dele mostra que ela ficou a maior parte
do tempo do seu lado. Enquanto a outra câmera revela que o outro macho foi
ignorado. O mais popular foi o macho com o bico mais vermelho, sempre. Nos
testes, 9 em cada 10 fêmeas o escolheram. Mas a questão é: por quê? O
pigmento vermelho não só melhora a aparência do macho, mas o torna mais
resistente a doenças também. Um macho menos colorido deve ser mais fraco,
não sendo uma escolha tão boa para se acasalar. O macho de cores brilhantes
não só tem chances de ser mais saudável como irá passar seus genes
resistentes a parasitas, aos filhotes que tiver. A fêmea só se contenta com
o melhor. E este diamante mandarim macho passou nos testes com louvor!
Há um outro detalhe. Pesquisadores acreditam que esse poder de escolha
feminino pode até criar novas espécies. Este é o ciclídeo zebra. Estudos
demonstram que ele é um atento seguidor da moda. Na natureza, estes peixes
ó são encontrados no Lago Malawi, na África. O que os torna especiais é que
os machos podem apresentar uma paleta variada de cores, algo muito raro em
uma única espécie. A razão desses peixes terem tantas possibilidades de
cores era um mistério. Para investigar isso, eles foram isolados em
compartimentos especiais. Os machos, maiores e mais coloridos, ficaram
presos, e as pequenas fêmeas marrons podiam circular livremente. Bastava
que elas nadassem para junto do macho que mais a agradasse e a escolha
estava feita. As experiências tiveram resultados surpreendentes. Pelo
visto, mesmo fêmeas da mesma espécie têm idéias diferentes sobre o que é
atraente. Algumas preferiram os machos brancos, outras, os amarelos,
outras, os manchados, e assim por diante. Isso explica por que há machos do
ciclídeo zebra com tantas cores diferentes. Mas como isso ajuda a criar
novas espécies de ciclídeos? Se um grupo de fêmeas se reunir e decidir que
uma coloração particular é o tom do moda, elas vão se acasalar só com os
machos daquele padrão. Essa preferência será passada para seus filhotes-
fêmeas e, geração após geração, irá se formando um grupo isolado que se
transformará em um novo tipo de ciclídeo. O que terá acontecido com os
ciclídeos na natureza? O Lago Malawi, assim como outros grandes lagos
africanos, no princípio, tinha poucas espécies de ciclídeos. Hoje, eles
abrigam uma a cada 10 espécies de peixes de água doce do planeta, e atingem
a marca incrível de 1.700 espécies diferentes de ciclídeos. É a maior
explosão de novas espécies já descoberta no mundo, todas criadas pelos
padrões de relacionamento das fêmeas com seus machos.
Seja com familiares e amigos, com rivais ou inimigos, viverjunto nem
sempre é fácil. Mas os relacionamentos têm sido uma poderosa alavanca de
mudanças ao longo de toda a Aventura da Vida. Em última instância, nossas
conexões uns com os outros criaram a variedade espetacular de vida que
podemos ver hoje na Terra.
EVOLUÇÃO
A Aventura da Vida
Como seria se um biólogo alienígena visitasse a Terra? Imaginem que
ele tentasse descobrir qual a espécie mais inteligente entre as dezenas de
milhões que habitam o planeta. Ele provavelmente começaria observando os
primatas. Todos eles parecem muito espertos. Um chimpanzé é capaz de fazer
quase tudo que uma criança de dois anos e meio faz. E, se comparasse o DNA
dos dois, nosso cientista do espaço constataria que eles são quase
idênticos. Biologicamente, ele não hesitaria em classificar nós, humanos,
como apenas mais um tipo de chimpanzé. Mas, se ele ficasse aqui e
observasse como os humanos vivem e comportam-se, logo notaria a grande
diferença entre nossas habilidades e as de todos os outros primatas. Ele
veria os bilhões e bilhões de humanos que dominam a Terra. Como isso
aconteceu? Como nós, Homo sapiens, ficamos tão diferentes de todo o resto?
SERES HUMANOS
Narrado por ANDREW SACHS
Neste episódio, vamos refazer a jornada de 5 milhões de anos, dos
primatas que viviam em árvores até o homem moderno. Vamos conhecer nossos
parentes mais próximos e descobrir como utilizamos as mãos para atingir o
progresso. E, nos rastros de nossos ancestrais, veremos como contornamos
algumas falhas bastante graves de projeto. Por que dar à luz é tão difícil
para nós? Por que, durante tanto tempo, não fizemos nada além de grunhir? E
por que a fala é uma conquista pela qual vale a pena nos arriscar? Sempre
que abrimos a boca para falar, corremos o risco de engasgar-nos. Vamos
descobrir como a raça humana quase foi extinta e o que foi que nos salvou.
E vamos investigar o futuro. Ao assumir o controle de nossa própria
evolução, talvez possamos criar humanos perfeitos, e até desafiar o
processo de envelhecimento.
Homo sapiens. Homem e animal ao mesmo tempo. Um primata sem pêlos. E,
ainda assim, muito diferente de todos os outros animais do planeta. De onde
viemos? Por milhares de anos, buscamos essa resposta no reino do
sobrenatural. Mas existe uma explicação científica, que diz que evoluímos
gradativamente até o que somos hoje, ao longo de milhões de anos. As
melhores pistas para desvendar nosso passado estão nos chimpanzés, nossos
parentes mais próximos. Estes chimpanzés foram resgatados de um mercado de
carne na República dos Camarões. Hoje, quem cuida deles é Dieudonne, que
criou uma relação muito especial com estes animais. Quanto mais estudamos
os chimpanzés, mais descobrimos o quanto temos em comum. Os indícios de que
realmente descendemos de um ancestral simiesco estão no âmago de nossos
corpos, em nossos genes.
99% de nossos genes são exatamente iguais aos dos chimpanzés. E o que
há no 1% restante é o que nos faz ser homens, em vez de macacos. No
princípio, a diferença não tinha nada a ver com a potência cerebral. Entre
4 e 5 milhões de anos atrás, nossos ancestrais começaram a passar mais
tempo no chão. E dois planos de ação muito diferentes apareceram. Os
chimpanzés desenvolveram o caminhar apoiado nas articulações dos dedos. As
mãos permaneceram grossas e firmes para sustentar seu peso. Nós escolhemos
uma solução mais radical, e esse foi nosso primeiro passo na jornada
humana. Ficamos de pé, sobre duas pernas. Depois disso, avançamos sem olhar
para trás. Mas nossos cérebros não eram tão grandes como são hoje. Há 5
milhões de anos, eram muito menores. Tinham o mesmo tamanho do cérebro dos
chimpanzés. Então, por que o caminhar ereto foi um passo tão crucial?
Apoiando todo nosso peso nos pés, deixamos as mãos livres para fazer outras
coisas. Os chimpanzés brincam com os cadarços de Dieudonne há anos. E
parece haver uma disputa envolvida nisso. Eles não desistem nunca. Chegam a
emaranhar-se nos cadarços na tentativa de acertar. Ainda assim, por mais
que se esforcem, não podem competir conosco.
Como todos sabemos, aprender a dar laço nos cadarços é mais complicado
do que parece. E os chimpanzés simplesmente não têm o pré-requisito
necessário: o movimento de pinça delicado e preciso entre o indicador e o
polegar. Nossos polegares são mais longos e flexíveis que os dos
chimpanzés. Assim, as mãos humanas tornaram-se instrumentos de precisão que
podem ser utilizados de maneiras extraordinariamente variadas. Mas nossos
ancestrais não ganharam essas vantagens anatômicas do dia para a noite. Foi
preciso também uma mudança importante no clima para possibilitar o salto
evolutivo que nos distanciou dos chimpanzés. Foi o que marcou a separação
das duas espécies. Os chimpanzés ficaram nas árvores, enquanto nós partimos
para as recém-formadas savanas africanas. A mudança climática veio bem a
calhar para nossos ancestrais. Nos milhões de anos seguintes, o clima foi
ficando cada vez mais seco, transformando totalmente a paisagem de mata
fechada, a grandes clareiras.
À medida que nossos ancestrais passaram cada vez mais a usar suas mãos
para segurar coisas, isso os levou ao marco seguinte de sua jornada: a
criação das ferramentas. Algumas das mais antigas foram encontradas em
cavernas como esta. Eram todas ferramentas muito rudimentares. E muito
parecidas entre si. Esta era a tecnologia de ponta há 2,5 milhões de anos.
É quase uma espécie de canivete do homem-macaco. Sua borda cortante é quase
tão afiada quanto uma lâmina. E o design básico permaneceu inalterado por 1
milhão de anos. Significa que cerca de 5 mil gerações de hominídeos usaram
ferramentas exatamente iguais a esta. É impressionante pensar em quanto boa
parte da tecnologia atual, como os telefones celulares, evoluiu nos últimos
10 anos. Uma mesma pessoa pode ter tido todos esses tipos de celulares. Mas
isso não quer dizer que os usuários primitivos daquelas ferramentas
estivessem estagnados.
Assim que trocamos as árvores pelas planícies, tivemos de encarar um
novo desafio: não estávamos sozinhos ali. Dar uma volta a sós pela savana é
pedir para ter problemas. E os perigos aumentavam à medida que anoitecia.
Porque este é o território dos grandes felinos. À noite, os babuínos tentam
se proteger. Eles ficam todos juntos e, quando podem, refugiam-se no alto
de alguma árvore. Mas entram em pânico ao escutar um leopardo aproximar-se,
porque esses primatas não enxergam bem à noite. A meta do leopardo é fazer
com que o terror disperse o bando. Separado do grupo, um babuíno se torna
um alvo fácil. Imagine, então, como era a vida de nossos ancestrais, horas
por dia, tentando proteger suas famílias das feras. Este não é um bom lugar
para um humano indefeso vagar sozinho à noite. E há provas concretas
mostrando que nós, humanos, éramos o grande alvo da época. Mais uma vez, as
evidências estão no fundo das cavernas. Crânios de homens-macacos foram
encontrados com buracos que correspondem exatamente aos dentes de
leopardos, hienas e tigres-dentes-de-sabre. Em uma única caverna, havia
restos de mais de 300 babuínos e 150 homens-macacos. Entre 1 e 3 milhões de
anos atrás, nossos ancestrais estavam sendo dilacerados e devorados pelos
grandes felinos.
Mesmo de dia, a vida aqui não é brincadeira. Mas, pelo menos, os
babuínos, como nós, enxergam bem melhor com a luz do Sol. E eles vivem em
bandos numerosos, ou seja, há muitos pares de olhos para enxergar ameaças e
a força conjunta do grupo para espantar o predador. A segurança do bando dá
aos babuínos uma auto-confiança surpreendente. Eles chegam mesmo a ser
petulantes. Para nossos ancestrais, a união também era a melhor maneira de
evitar ser devorado.
A vida comunitária trouxe novos desafios e obrigou-nos a começar a
usar a cabeça. A convivência trouxe um elemento novo: a vida social. Mas,
quanto maior o grupo, mais problemas sociais podem aparecer. E você vai
precisar de um cérebro maior para lidar com eles. No grupo, criar amizades
e alianças é algo crucial. Você precisa lembrar quem é quem e o que é o
quê. E é necessário ter diplomacia para não acabar na mira de quem possua
armas mais poderosas que as suas. Uma simples gafe social pode ser
desastrosa. À medida que nós começamos a viver em grupo por segurança,
nossos cérebros cresceram para lidar com isso. E os cérebros continuaram
crescendo até aumentar seu volume em quase quatro vezes. Então, nossos
crânios tiveram de crescer também. Isso nos deixou diante do desafio
seguinte. Afinal, ser os ''intelectuais'' bípedes da savana criava-nos um
problema que nossos amigos quadrúpedes não tinham. Veja os gnus, por
exemplo. Como eles andam de quatro, podem sustentar ancas largas. Isso
torna o trabalho de parto rápido e fácil, o que é importante quando se tem
tantos predadores a seu redor. Embora o bebê gnu seja grande, seu cérebro e
seu crânio são bem pequenos em relação ao tamanho do corpo. Por isso, ele
escorrega facilmente para fora da mãe.
Mas, para nós, é na hora do nascimento que pagamos o preço pelo
cérebro grande. Passando das savanas do Quênia para a cidade de Nairóbi e
observando a silhueta das mulheres modernas, podemos entender o porquê. A
compleição ideal para andar ereto é um corpo esbelto, com quadris
estreitos. No entanto, quadris estreitos são a pior opção possível na hora
de dar à luz humanos com o cérebro avantajado. Esse foi um dos maiores
obstáculos com que nos deparamos em toda a Aventura da Vida. Estávamos
empacados. Até que a evolução arrumou uma solução surpreendente. Ao
contrário de quase todos os outros mamíferos, nosso crânio não está
totalmente formado quando nascemos. A cabeça do bebê humano é mole,
maleável, o que permite sua passagem pelo estreito canal de parto. Isso,
muito bem! Ao longo do primeiro ano de vida, as placas ósseas do crânio vão
gradativamente se unindo para proteger o cérebro. Na verdade, todos nós
nascemos prematuros. Então, nos primeiros meses, o bebê humano é
extremamente vulnerável e requer cuidado constante. Mas a vantagem que isso
acarreta, um cérebro gigante, compensa em muito os riscos. E mais um dilema
biológico foi resolvido.
Assim, há 300 mil anos, o Homo sapiens e seu grande cérebro
apareceram. Já podemos ver os sinais de nossa inteligência avantajada na
tecnologia conquistada, coisas que o homem-macaco jamais sonharia em criar.
O kit de ferramentas sofisticou-se. Ele passou a incluir pontas de lanças e
uma coleção de raspadeiras e lâminas variadas para manusear a carne. Entre
essas ferramentas estava um material simples que iria dar origem a muitas
obras-primas no futuro. Era o ocre, argila com óxido de ferro. Este
artefato foi encontrado na caverna Blombos, perto da Cidade do Cabo, na
África do Sul, e tem pelo menos 70 mil anos. O mais surpreendente é que há
entalhes nele. Estas formas abstratas são o primeiro registro que se tem de
uma obra de arte. A peça é um marco das raízes do que hoje chamamos cultura
e civilização.
Este osso da mandíbula de um suíno talvez nos dê uma pista sobre os
primórdios da religião. Ele foi descoberto na mesma tumba que um humano
primitivo e data de mais de 100 mil anos atrás. Trata-se do primeiro
indício conhecido de um rito funerário. O ato de enterrar cuidadosamente o
corpo com outros objetos indica que essas pessoas acreditavam que a morte
não era o fim. Que o espírito continuava vivendo. A arte e a religião
diferenciaram-nos do resto do reino animal e levaram-nos às grandes
civilizações. Muitos cientistas crêem que a chave para esses avanços
extraordinários é uma coisa em que não costumamos pensar muito. A
linguagem.
Aqui aconteceu a procissão original do Domingo de Ramos. Estudando
fósseis, os cientistas descobriram que nosso aparelho vocal, ou laringe,
ficava em um ponto bem mais alto em nossos ancestrais do que hoje. Na mesma
posição em que fica nos chimpanzés e nos outros primatas. Se nosso aparelho
vocal tivesse continuado assim, ninguém teria o dom da fala, além de
grunhidos ocasionais. Mas, há cerca de 200 mil anos, nossa laringe desceu
para sua posição atual, permitindo que articulássemos sons mais complexos.
E foi então que começamos a falar.
Mas por que a fala é tão importante na história da raça humana? Há
pistas para a resposta na África ocidental. Estes chimpanzés estão colhendo
castanhas. Eles precisam usar uma pedra para abrir as cascas. E adquirem
esse tipo de habilidade por imitação. Os pequenos aprendem observando as
mães. Na Grã-Bretanha, as crianças também recolhem castanhas. Mas não para
comer, e sim para brincar. Estas são castanhas-da-índia. Como os
chimpanzés, as crianças menores também aprendem imitando as maiores,
repassando habilidades através das gerações. A diferença é que o chimpanzé
pode levar seis anos para dominar totalmente a técnica de quebrar nozes.
Nós, humanos, por outro lado, podemos usar um atalho. Viu que castanha
bonita? Mas ela não é para comer. Vá e coloque junto com as outras. Podemos
ensinar, até as crianças mais novas, simplesmente falando com elas. Vocês
já abriram pisando nelas? Fica mais fácil desse jeito, não é? Assim, elas
podem aprender uma técnica nova de abrir castanhas instantaneamente. E, com
a linguagem, continuamos a aprender coisas novas pelo resto de nossas
vidas. Há 1oo mil anos, já resolvíamos problemas, conversando uns com os
outros.
Com nossos cérebros avantajados, criamos uma comunicação que nunca
havia sido tentada antes. Mas a fala trouxe-nos outro problema de ordem
biológica, e esse não foi resolvido até hoje. Voltemos aos chimpanzés da
República dos Camarões. Os chimpanzés respiram quase o tempo todo pelo
nariz e muito raramente pela boca. A boca é usada quase exclusivamente para
se alimentar. Assim, o ar entra por um caminho e a comida por outro. Com os
humanos, entretanto, é diferente. Lembra que, quando você era pequeno, o
ensinaram a não falar de boca cheia? Bem, há um motivo muito importante
para isso. Para falar, precisamos respirar pela boca também. Então usamos a
mesma via para falar, comer, beber e respirar. Quase sempre tudo dá certo.
Mas, às vezes, algo entra pelo caminho errado. E isso pode ter
conseqüências trágicas. Em geral, quando deglutimos, uma aba de cartilagem
cobre as vias aéreas, fazendo a comida seguir direto para o estômago. Mas
como nossa laringe hoje fica em uma posição mais baixa, ocasionalmente o
alimento acaba caindo nas vias aéreas, bloqueando o caminho para os pulmões
e fazendo-nos sufocar. Todos os anos, só na Grã-Bretanha, cerca de 200
pessoas morrem engasgadas. A fala foi um elemento tão crucial para nossa
evolução que, por ela, vale até mesmo correr risco de morte.
A esta altura da aventura, já estamos há 4 milhões de anos separados
dos macacos. E o que aconteceu conosco nesse tempo todo? A evolução
biológica, ou seja, as mudanças físicas, foram nos transformando de maneira
gradual, mas crítica. Primeiro, por volta dos 4 ou 5 milhões de anos atrás,
erguemo-nos sobre as pernas e caminhamos eretos. Então, mais 3 milhões de
anos tiveram de se passar, antes de começarmos a aproveitar de verdade as
nossas mãos. E foi só mais de 1 milhão de anos depois disso que nossos
cérebros chegaram ao tamanho que têm hoje. Durante todo esse tempo, nossa
única forma de conversação era, provavelmente, uma série de grunhidos. Foi
só em um momento muito recente da Aventura da Vida, cerca de 200 mil anos
atrás, que nossa laringe começou a baixar, nos dando capacidade de falar de
verdade. Quando nos tornamos seres falantes, nossa evolução cultural pôde
começar. Evolução cultural foi uma idéia totalmente nova. Ela não se baseia
nos genes, como a evolução biológica, mas no ato de partilhar idéias. Com a
fala, o conhecimento pôde ser disseminado depressa. Esse foi um dos avanços
mais revolucionários na Aventura da Vida, que nos colocou no caminho para
dominarmos o mundo.
Mas, talvez, o maior drama na história da raça humana ainda estava
para acontecer. Há 75 mil anos, quando humanos modernos e falantes
prosperavam no continente africano, ocorreu um desastre. Do outro lado do
mundo, em Sumatra, um vulcão chamado Toba entrou em erupção. Ele lançou
imensas nuvens de cinzas e dióxido de enxofre, por todo o planeta,
bloqueando a luz do sol. Foi o início de um inverno vulcânico de seis anos
que atingiu todo o planeta. A África, a mais de 6 mil km do vulcão, foi
arruinada pela seca e pela fome. Milhões de animais morreram, os animais
dos quais nós, humanos, tirávamos a carne para comer. Provavelmente, muitos
Homo sapiens primitivos também morreram. Por conta de um cataclismo
natural, nossos ancestrais quase foram extintos. Estudos de DNA indicam
que, talvez, tenham restado apenas cerca de mil pessoas no mundo. O que
significaria que os 6 bilhões de pessoas no mundo hoje seriam descendentes
desses mil sobreviventes africanos. Como sobrevivemos? Hoje, cientistas
acreditam que o que pode ter nos salvado da extinção completa foi o
trabalho em conjunto e a troca de informações. Para se ter uma idéia de
como deve ter sido a vida depois da erupção do Toba, basta visitar o
deserto de Kalahari. É um dos ambientes mais inóspitos do mundo. Mas, mesmo
aqui, há água e comida, desde que você saiba onde procurar. O povo zhuang,
do norte da Namíbia, vive basicamente de caça e coleta. Como eles conseguem
sobreviver em condições tão extremas? O mais importante é que um clã nunca
fica isolado muito tempo. Eles caminham regularmente de 2 a 3 dias pelo
deserto para visitar outros grupos familiares. Pode ter se passado meses
desde a última vez que se viram. O ponto alto da visita é a troca de
presentes. Eles fazem isso não só para reforçar os laços de amizade, mas
também para assegurar a cooperação e a troca de idéias. Em um ambiente
assim, uma dica dos vizinhos pode salvar sua vida. Talvez eles saibam a
localização de uma fonte de água, das melhores árvores frutíferas ou de
locais de caça. Além de, é claro, manterem você atualizado sobre as
fofocas. Sem essa troca regular de conhecimentos, os vários povoados
ficariam isolados e, sem ajuda externa, acabariam extinguindo-se.
Hoje, supõe-se que foi nossa habilidade para falar e ajudar uns aos
outros em um ambiente hostil que nos salvou, depois da erupção do Toba. E é
alentador pensar que a existência da raça humana talvez se deva mais à
cooperação do que ao conflito. Pouco a pouco, o mundo recuperou-se do
impacto e pequenos grupos humanos pioneiros começaram a deixar a África
rumo aos quatro cantos do planeta. Àquela altura, os humanos não estavam
apenas falando e compartilhando idéias, mas, mais do que nunca, já
trabalhavam juntos. A evolução cultural estava em pleno curso por todo o
planeta. Embora contar aos outros o que se sabe por meio da fala continue
sendo primordial para o homem, a capacidade de armazenar conhecimento
individualmente é muito limitada.
-É... Não sei se há algum lá em cima.
- É outra rua.
- Então não é para lá?
- Não, sinto muito.
- Isso, por ali. lsso...
- Está vendo a construção vermelha?
Uma pessoa sozinha não pode saber tudo.
- Com licença. Pode me dizer como chego à biblioteca?
- Você tem de contornar aqui e seguir pela Park Street até o fim,
depois...
Se alguém morre sem passar suas idéias e sua cultura adiante, elas
estarão perdidas para sempre. A menos, claro, que tenham sido escritas. A
solução foi preservarmos nossas idéias e conhecimento nos livros. A
evolução cultural, então, acelerou-se ainda mais. Com a escrita, gerações
futuras expandiram idéias que já haviam sido delineadas. Ninguém pode
lembrar sozinho como se constrói um foguete, mas, se estiver escrita, essa
informação estará ao alcance de muitas pessoas. Por 2.500 anos, preservamos
nossa preciosa cultura em livros.
Mas a quantidade de conhecimento que pode ser armazenada no computador
excede a de todos os livros, de todas as bibliotecas do mundo inteiro. Na
era da internet, qualquer pessoa, de qualquer lugar, pode explorar esse
repositório único. Na reserva florestal de Camarões, Dieudonne pode navegar
na rede e acessar as mesmas informações disponíveis para qualquer um com um
computador em qualquer parte do globo. E com rapidez incrível! Uma imagem
pode ser mandada para o outro lado do mundo em segundos. Nunca as idéias
foram disseminadas com tanta rapidez, seja para fins comerciais, educativos
ou por mero prazer. Os computadores são o centro da cultura moderna.
Sem a escrita e sem esse poder de armazenar conhecimento, onde será
que nós estaríamos? A resposta é aqui, na Idade da Pedra. Se pudéssemos
usar uma máquina do tempo para trazer um bebê das cavernas de 35 mil anos
atrás para a atualidade e o educássemos aqui no mundo moderno, ele se
tornaria capaz de qualquer coisa: ser piloto de avião, médico, até
presidente! Na Idade da Pedra, os humanos já eram tão inteligentes quanto
nós. Se um bebê do século 21 viajasse 35 mil anos para o passado, ele
também não seria mais avançado que os humanos da época. Tirando o aparato
tecnológico, no fundo, todos continuamos sendo os mesmos homens das
cavernas. Isso porque nossos genes não mudaram desde a Idade da Pedra.
Os bebês das duas eras teriam a mesma composição genética. Mas suponha
que estes dois bebês tivessem a infelicidade de nascer com uma disfunção
genética grave. Nas cavernas, o bebê iria morrer sem jamais passar seus
genes doentes adiante. Era um mundo, afinal, regido pela sobrevivência dos
mais aptos. Hoje, entretanto, a medicina está tão avançada que muitos
conseguem se manter vivos apesar de problemas genéticos. No passado, não
haveria a menor probabilidade disso. Esse fato está afetando toda a
evolução humana. Sem a pressão da seleção natural, a tendência é que esses
genes defeituosos se espalhem cada vez mais. Felizmente, talvez nossa maior
vantagem evolutiva, o cérebro avantajado, possa criar soluções para
contornar isso. A engenharia genética. Pode ser que, em apenas mais 10
anos, já sejamos capazes de alterar o perfil genético de nossos filhos
antes de seu nascimento. Hoje, já sabemos quais genes estão relacionados a
cerca de 5 mil doenças. Os cientistas acreditam que logo serão capazes de
manipular esses genes em um embrião fertilizado. Então, pela primeira vez
na história, nossos filhos e os filhos de nossos filhos poderão se ver
livres de más-formações e doenças genéticas. E lembrem-se: a evolução
cultural sempre tende a se acelerar cada vez mais. Cada vez mais.
Quando os cientistas tiverem o poder para curar essas doenças, o que
mais farão com esse conhecimento nos anos que se seguirem? Imagine um mundo
em que a mesma tecnologia pudesse ser usada para esculpir a aparência de
nossos filhos. Será que iremos fabricar bebês por encomenda? A primeira
coisa a pensar é: já decidiram o tom de pele que preferem? Será que, um
dia, escolheremos tudo de mais perfeito para nossos filhos? E decidir cada
detalhe, do tom da pele...
- Já pensaram na cor dos olhos? - Sim, meu marido e eu...
...até a cor dos olhos?
- Podem ser azuis?
- Já pensaram nos traços para o rosto?
Não haveria mais plásticas de nariz.
- E a boca? Decidiram o formato da boca?
Nem qualquer outra cirurgia estética.
- Lábios mais carnudos, eu acho.
- Está ótimo.
- É, assim está bom.
E quanto à potência cerebral? Pronto, vai ser uma menina linda.
Poderíamos criar descendentes que mostrassem mais inteligência que nós,
muito mais cedo. Então, crianças-prodígio talvez virem o padrão de
normalidade.
- Formato.
- Agora, só falta a inteligência.
Nossas crianças alcançariam o sucesso acadêmico muito mais cedo. E
fariam a mais complexa tecnologia de ponta parecer brincadeira. Há
cientistas que afirmam que, em 2020, seremos capazes de manipular até mesmo
os genes que controlam o envelhecimento. Enquanto envelheceremos no ritmo
de sempre, talvez nossos filhos possam chegar aos 200 anos, mantendo todo
seu frescor juvenil.
Trilhamos um longo caminho desde os chimpanzés. Impressionante, já que
isso se deve apenas àquele 1% de diferença no código genético. Nossa
Aventura da Vida não foi um caminho fácil e, até agora, a evolução sempre
foi um jogo de azar. Termos sobrevivido é quase um milagre. Ninguém pode
dizer o quanto ainda nos distanciaremos dos chimpanzés. Mas agora, isso só
depende de nossa vontade. Então, o que aquele cientista alienígena poderia
encontrar se voltasse à Terra no futuro? Se ele fosse estudar os primatas
novamente, talvez tivesse uma bela surpresa. Antes, ele havia comparado
nós, humanos, aos chimpanzés. Mas, se ele observasse os chimpanzés agora, e
as pessoas de hoje e depois observasse o super Homo sapiens do futuro,
talvez ele achasse uma diferença mais marcante entre os humanos de agora e
o super-humano do futuro do que havia encontrado anteriormente entre os
humanos de hoje e os chimpanzés.
Pela primeira vez na história da vida, podemos controlar nossa própria
evolução. Quer façamos isso ou não, hoje já temos conhecimento e poder para
determinar nosso futuro biológico, nossa própria Aventura da Vida.
Referência:
A AVENTURA da vida: Evolução. In: Super Interessante, São Paulo, Abril
Cultural, 2005. DVD.