Preview only show first 10 pages with watermark. For full document please download

Eucalipto Felizmente Existe Geral

Eucalipto Felizmente Existe

   EMBED


Share

Transcript

EUCALIPTO, FELIZMENTE EXISTE Roberto Ferreira de Novais(1) Comentários não favoráveis ao eucalipto ouvidos por minha filha, atualmente preparando-se para o vestibular, fizeram com que ela viesse conversar comigo sobre o assunto, sabendo do meu envolvimento científico com essa planta. Em uma conversa longa, procurei dar a ela uma visão do que se conhece com o necessário fundamento científico sobre esta planta e seu cultivo, sem, contudo, utilizar a linguagem científica que faria com que nossa conversa fosse mais rapidamente dada por “satisfeita” pela minha aluna casual. Ela estava brincando com uma chave na mão quando iniciamos nossa conversa. Lembro-me de sua indiferença inicial, própria da idade de “grandes problemas”, outros que não o eucalipto, quando lhe perguntei se para fazer aquela chave alguma árvore de eucalipto teria sido cortada. Imediatamente, a chave em sua mão ficou imóvel, sua atenção voltou-se para nossa conversa, dada sua expectativa de acerto a mais uma pergunta com alternativas, o que ela tanto exercitava nos últimos tempos. Neste caso, ela era favorecida pela escolha de uma única resposta entre duas alternativas apenas. Ouvi um enfático “claro que não”, seguido de um “nada a ver”, próprio da idade, e uma fisionomia do triunfo não apenas por aquele momento mas também como um presságio do sucesso que teria no vestibular. Disse-lhe eu: sim, felizmente uma árvore de eucalipto havia sido cortada para que aquela chave existisse. A fisionomia de triunfo de minha filha mudou-se imediatamente para a de contestação, não apenas pelo “sim” mas, também, e principalmente, pelo “felizmente”. A justificativa para o “sim” foi mais fácil: aquela chave embora devesse ser uma liga de metais, seu principal constituinte é ferro. Este metal é encontrado na natureza na forma oxidada Fe3+ ou ferro férrico (linguagem comum ao vestibulando com chances de sucesso) semelhante ao encontrado na forma de ferrugem em superfícies metálicas e também em nossos solos vermelhos ou avermelhados. A partir do Fe3+, sem forma definida, sem a rigidez necessária a todos os produtos do ferro metálico – Fe0 – e suas ligas como a de uma faca, martelo, motor de automóvel, estrutura metálica de prédios, etc. e a “chave” como a que ela tinha na mão, (1) Professor Titular do Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa 1 esse Fe3+ do “inútil” teria que ser reduzido ao Fe0, metálico, do “útil”, como a “chave” numa insistência repetitiva, necessária à manutenção da atenção de jovens pouco “antenados”. A ansiedade de minha aluna aumentava, demonstrada na pergunta: “e o que faz o eucalipto?” As grandes reservas de mineral de ferro em nosso país, como a de Carajás, para se tornarem úteis às diversas demandas do homem, entre elas a “chave”, o Fe3+ desses minérios terá que ser reduzido, como já comentado, e você como brilhante vestibulanda sabe que para isto este elemento terá que receber três elétrons. Alguma fonte de energia terá que suprir esses elétrons que, como se sabe, também ilumina ambientes com as lâmpadas acessas, entre muitas outras funções. A fusão de Fe3+ com algum composto em forma reduzida (com grande “estoque” de elétrons), como a gasolina e o carbono fixado – C0 –, que é o carvão que também usamos na churrasqueira, iria suprir ao Fe3+ os elétrons necessários à sua redução a Fe0. Nesse processo, o C0 do carvão torna-se menos (ou não) energético e é transformado a CO2, como também a “energética” gasolina ao ser queimada como combustível nos veículos motorizados; depois de cumpridas suas funções libera CO2 para a atmosfera, no cano de escarga A indústria siderúrgica para a produção do ferro gusa a partir dos minérios de ferro, matéria prima para a fabricação de aços especiais e ligas diversas, consome carvão como redutor – suprimento de elétrons ao Fe3+ da natureza. E aqui começa o envolvimento de eucalipto no processo: matéria prima para fazer o carvão vegetal necessário à obtenção da matéria prima, o aço, para fabricar veículos, implementos agrícolas, vergalhões necessários à estrutura do concreto nas construções, etc., etc. ... e chave, como a sua. Antes que me esqueça, adianto-lhe que carvão também é necessário à fabricação de armas diversas com revolveres, metralhadoras, canhões, ... Sua geração, mais que a minha, saberá dar o fim bom ao Fe0 como para a uma construção que dê conforto ao homem e não para sua destruição. Os padrões culturais do homem atual não permitiriam, em hipótese alguma, sobreviver sem Fe0 e seus derivados e esta forma reduzida de ferro não existe sem a redução do Fe3+, disponibilizada em grandeza espetacular como se a natureza tivesse previsto durante a gênese dos minerais de Fe a grande demanda que o homem teria deste elemento no planeta. Com um ar abatido da adolescente vencida pelos argumentos, novos para ela, tentou sua última cartada: e você considera que cortar uma árvore seja “felizmente”? 2 Para justificar o “felizmente” comecei por perguntar-lhe, mais com o objetivo de mantê-la ligada à nossa conversa, sobre as vantagens do carro a álcool em comparação ao carro à gasolina. Sem o preconceito anterior do “eucalipto, sou contra” que pelo início da conversa, lhe haviam incutido em um cérebro ainda receptivo aos comentários inquestionáveis de professor, numa reminiscência dos inquestionáveis “tios” do primeiro ciclo, ela deu uma aula de conhecimento, recheado de entusiasmo. Sumariando toda a sua conversa, ela disse que o álcool é um combustível renovável e o petróleo não era. Assim, o produto final do álcool depois de cumprir suas funções energéticas no carro, era CO2 e este voltava a formar álcool pela fotossíntese das plantas a partir do “ressuprimento” de elétrons pela luz solar, para “energizar”, de novo, o combalido e desgastado CO2 do cano de escarga. Dessa maneira, a concentração de CO2 da atmosfera não seria alterada dado um processo de ciclagem viabilizado pela recomposição do nível de energia inicial do álcool pelo processo fotossintético das plantas, cana de açúcar, principalmente, no caso do álcool etílico. Para gasolina, tendo também como produto final de sua “desenergização” o CO2, idêntico ao da queima do álcool, não há como voltar à gasolina a partir desse CO2, como acontece com o álcool. Não haveria ciclagem, ou renovação do combustível: mais petróleo seria explorado e transformado em energia mais CO2, num processo crescente de seu aumento na atmosfera com os conseqüentes efeitos-estufa e suas bem conhecidas e sentidas conseqüências. Eu disse então que o petróleo era um mal necessário e que o homem atual não sabe, ainda, viver sem sua ajuda. E, por outro lado, o álcool era o bem necessário e que tudo indicava que com ele e outras de suas variantes, como o “biodísel”, poderíamos deixar o petróleo sepultado para sempre onde não causaria mal à vida da terra pela sua impossibilidade de liberar CO2 nessas condições. A conversa até então foi uma preparação apenas para justificar de maneira incontestável o “felizmente” para o corte da árvore de eucalipto. Disse à minha aluna predileta que a redução do Fe3+ poderia tanto ser feita com o carvão vegetal como com o carvão mineral (“coque”) retirado de jazidas naturais, à semelhança do petróleo. É fonte de energia para diferentes fins como o carvão vegetal: redução de Fe3+, aquecimento para fins diversos e, no passado, para o suprimento de calor, pela sua queima, para movimentar máquinas a vapor – o mesmo pode ser feito com petróleo; observe a enorme semelhança entre o par petróleo e carvão mineral e 3 entre o par álcool combustível e carvão vegetal. No primeiro par não há como voltar ao produto original e a conseqüência de seus usos seria o aumento do CO2 atmosférico; no segundo caso não, como já explicado. A utilização do carvão mineral ou coque como redutor, além de liberar CO2 que não mais volta à origem, libera também diversos gases tóxicos, entre eles aqueles constituídos de enxofre, matéria prima para chuvas ácidas, bronquites, etc. A resposta de minha aluna foi definitiva: “concordo! Ainda bem que para fabricar minha chave cortou-se uma árvore de eucalipto e não se utilizou carvão mineral ou coque”. Embora ela tenha utilizado “ainda bem” que é mais ameno ou menos impactante que “felizmente”, numa reação própria da idade do “concordar com ressalvas”, ela me fez uma pergunta que me deixou feliz: quantas árvores de eucalipto foram cortadas para fazer o “Titanic”? Infelizmente, nenhuma, disse-lhe eu, porque naquela época só se usava carvão mineral mas sim o coque na indústria do aço; não plantavam eucalipto como hoje. Terminei fazendo-lhe uma sugestão: pergunte a seu professor se a construção do Titanic teve alguma culpa nas crises de bronquite que você tem tido. Se ele achar que sua pergunta é um desproposito, sem sentido, suas chances de aprovação no vestibular são um pouco menores. Alguns dias depois de minha primeira conversa sobre eucalipto com minha filha, ela me apareceu com uma nova pergunta sobre a mesma planta, desta vez com um sorrizinho maroto, indicativo de vitória antecipada. Era evidente que seu professor voltara ao tema com um novo argumento contra o eucalipto, muito provavelmente depois da “prensa” que deve ter levado de minha filha com os argumentos anteriores sobre a “chave”; com certeza, para aflorar mais sua veemência, com um misto de prepotência, ela deve ter começado a discussão com seu professor sobre a relação entre o Titanic e suas crises de bronquite. Certamente, o professor se sentiu perdido, foi convencido por ela quanto a algum grau de dependência causal entre as duas coisas e contra-atacou com algum argumento do tipo: “mas todo mundo sabe que o eucalipto seca o solo”, e contra isto não há argumento! De novo, minha resposta deixou minha nova aluna das causas florestais espantada, agora não mais com o desdém de nossa primeira conversa mas com uma postura de precaução, sinal que de alguma maneira nossa conversa anterior tinha mudado sua postura para melhor. 4 Minha resposta foi simples e direta: felizmente o eucalipto, como qualquer outra planta, seca o solo. Esse novo “felizmente” causava desta vez uma perceptível curiosidade e, até mesmo, ansiedade sobre o que tinha para ouvir sobre este aparente paradoxo do “felizmente, seca!”. Para lhe dar o suporte necessário à compreensão de toda a fundamentação teórica sobre o que íamos discutir, iniciei falando sobre como os solos são formados a partir das rochas, num processo denominado intemperismo. O intemperismo causa a desestruturação da forma compacta da rocha em partículas menores que alteradas química e biologicamente vão constituir o solo ou a terra numa linguagem mais comum. Embora alguns fatores estejam envolvidos na maior ou menor eficiência do intemperismo para transformar rocha em solo, uma é facilmente imaginada: as características da rocha como sua dureza ou resistência à desagregação. Além disso, dois outros fatores são extremamente importantes nesse processo do intemperismo: água e temperatura. Por exemplo, na Antártica a quase ausência de água líquida – ela é seqüestrada pelas baixas temperaturas transformando-se em gelo – e a temperatura muito baixa fazem com que nessa região a existência de solo, quando ocorre, é incipiente, o que faz com que a existência de plantas torne-se extremamente precária. Há muitas rochas, riquíssimas em nutrientes essenciais às plantas mas, por se encontrarem presos às estruturas das rochas, as plantas não os acessam. Nessas condições de “ausência” de água na forma líquida e temperaturas muito baixas o intemperismo ocorre numa lentidão extrema. Água é uma condição essencial às reações químicas (hidrólise) que fazem com que “coisas aconteçam” – múmias com mais de 2.000 anos são encontradas em regiões áridas dos desertos do Egito em condições de conservação, mas não o seriam sob mais de 2.000 mm de chuvas anuais na Amazônia. À medida que o volume médio de chuvas numa região é elevado, como nos Cerrados do Brasil Central, comparativamente ao Semi-Árido dos Sertões do Nordeste, ambos em condições de temperaturas elevadas, o solo torna-se muito profundo nos cerrados – algumas dezenas de metros – mas não no Semi-Árido, com um perfil médio de poucos centímetros. Pode-se deduzir que o volume de água pluvial que cai sobre uma região, mantendo outras características relacionadas à formação dos solos constantes – temperatura, relevo, características da rocha que deram origem ao solo, entre outros - é um grande definidor da espessura do solo sobre a rocha que lhe deu origem. Portanto, a 5 rocha matriz vai se distanciar cada vez mais da superfície do solo embora, com o tempo, de maneira menos rápida que no início quando ela se encontrava junto a superfície e sujeita à todas as ações desagregadoras do intemperismo. Essa menor lentidão de formação de solo com o tempo é conseqüência de sua proteção às ações do intemperismo por um perfil de solo cada vez mais espeço. Sumariando: os solos serão profundos (1) em regiões planas como nos Cerrados como que para preparar o tamanho da caixa (perfil do solo) capaz de acumular todo o volume de água precipitado durante a estação chuvosa. Por outro lado, no Semi-Árido dos Sertões Nordestinos as pequenas precipitações pluviais, mesmo em condições de temperaturas elevadas, fazem com que os solos sejam rasos. Portanto, as chuvas que caem ao longo dos milênios sobre uma região talha na rocha o volume de caixa com a capacidade necessária para estocar o volume de água compatível com o que chega na estação chuvosa: muita chuva, perfis profundos; pouca chuva, perfis superficiais ou praticamente ausentes como na Antártica. Minha filha, já inquieta com a longa conversa que lhe parecia completamente fora de foco, voltou a carga: “e daí, porque felizmente as árvores, e o eucalipto como uma delas, secam os solos? Parece-me um absurdo!”. Vamos abrir mais um parêntese sobre o conhecimento de minha aluna a respeito do que é calor específico da água. Outra vez, seu interesse em demonstrar como estava preparada para o vestibular, aflorou com entusiasmo: “calor especifico é uma propriedade da física que trata da energia necessária em calorias para alterar 1 ºC a temperatura de um grama de uma substância; o calor especifico da água é 1 ou seja é necessária uma caloria para elevar ou abaixar 1 ºC da temperatura de 1 g de água. Uma pergunta adicional deixou claro o quanto o conhecimento adquirido pelos nossos estudantes, de modo geral, é “particulado”, reducionista: qual o sentido prático desta informação, para que serve? Depois de algumas respostas especulativas, não conclusivas, expliquei-lhe que a umidade relativa elevada em uma região fazia com que sua temperatura se mantivesse mais amena, sem os excessos de calor no verão e de frio no inverno. Este tamponamento da temperatura era causado pela umidade, dado seu elevado calor específico que fazia com que fosse necessária maior entrada de energia na área para que (1) Comentários paralelos foram apresentados à minha filha como este: Em regiões declivosas, como nas montanhas, o solo formado pelo intenso intemperismo é erodido pela própria água em elevados volumes que ao mesmo tempo que “faz” solo o transporta para as regiões mais planas. Nessas regiões declivosas não há também razão para perfis profundos para estocar água como na região plana, por razões óbvias. 6 a temperatura se elevasse ou o contrário: a energia “estocada” na umidade atmosférica compensaria menor entrada de energia sobre a região durante a noite, não permitindo quedas bruscas de temperatura, por exemplo. Comentei com minha filha sobre as temperaturas extremas nos desertos, com temperaturas diurnas acima de 40 ºC e noturnas abaixo de 0 ºC – não há umidade no ar bastante para evitar esses extremos. Por razões semelhantes, compreendia-se a maior participação da água como maior componente dos seres vivos, de modo a torná-los menos susceptíveis às alterações de temperatura do ambiente. Falamos anteriormente que o regime pluvial de água de uma região era um forte componente da definição da espessura do perfil do solo como caixa “programada” para estocar aquela água que o definiu. Sabemos também que o crescimento de plantas é fortemente dependente, de maneira positiva, do aumento da pluviometria e da temperatura de uma região; basta ver as exuberantes florestas tropicais que já existiram ou ainda existem nas costas leste brasileiras – Mata Atlântica – e na Região Amazônica, onde os estoques de nutrientes originais dos solos foram maiores que os dos Cerrados. Mesmo nos Cerrados, naqueles locais onde há uma maior reserva de nutrientes no solo e de água, em algumas posições topográficas de acúmulo, a vegetação escassa, rala, muda na direção de cerradão, cada vez mais fechado e com árvores maiores com um perfil já não mais das árvores tortas dos Cerrados. E agora o ponto importante de nossa conversa: as chuvas mais intensas nesses ambientes de vegetação natural com maior biomassa deverão encher a caixa por elas mesmas preparadas ao longo dos milênios. Essa água estocada, uma condição também para a ocorrência de grandes árvores, deverá ser “esvaziada” no período de estiagem para que a água das chuvas no próximo período chuvoso tenha caixa disponível no solo para ser, de novo, estocada. Nossa qualidade de vida existe porque durante o esvaziamento da caixa, que é lento e gradual ao longo dos meses mais secos, e em particular durante o dia quando a transpiração ocorre em taxas elevadas, a umidade relativa do ar é mantida em níveis mais elevados tamponando a temperatura, diminuindo seus extremos, o que é causado pelo conforto do ‘esvaziamento’ da caixa d’água. E a natureza ajustou um índice de área foliar (IAF) entre 4 e 5 (indica que a somatória de todas as superfícies das folhas é 4 a 5 vezes maior que a superfície do solo onde essas plantas com suas folhas umidificadoras da atmosfera se encontram). Maior 7 IAF induz a pensar em maior ganho de energia (elétrons de novo; lembra-se de nossa primeira conversa?) a gerar maior crescimento, mais biomassa, que é intimamente dependente da perda de água pela transpiração. Todo o fenômeno é maravilhoso: folhas com grande superfície para realizar um trabalho de ganho de energia e aumentar a umidade relativa do ar com suas vantagens, até mesmo para a própria planta: mais estômatos abertos, mais CO2 fixado, mais energia metabolizada e, como não poderia deixar de ser, maior IAF, maior transpiração, temperatura sem extremos, mais tamponadas, e toda a vida sobre a terra agradece, inclusive nós. Já viram e ouviram sobre a grande importância de zonas verdes nas cidades, os parques, as alamedas; poderíamos ter como um indicador de qualidade de vida dos cidadãos de uma cidade o número de árvores por habitantes ou melhor ainda a área foliar (AF) não por árvore mas por habitante. Quanto maior a relação AF/habitante maior seria a qualidade climática para a população. A cidade de Curitiba (Pr) tem 51 m2 de área verde por habitante, muito superior aos 4 m3/habitante recomendados pela ONU, em garantia da elevada qualidade ambiental que essa cidade possui. Então, secar o solo pelas plantas é uma das maravilhas da natureza? Perguntou minha filha já sem a resistência inicial à alteração de um conhecimento que julgava irretocável. Então, agora compreendo, disse ela, que nos anos em que as chuvas são muito mais volumosas, as “caixas” do solo (perfil) que não foram programadas para tanto excesso de chuva transbordam; mesmo com a transpiração a todo vapor, há as enchentes que causam calamidades de toda ordem. Nas cidades, entende-se porque uma vez que as “caixas” (os solos) foram impermeabilizados com asfalto ou concreto, quando chove, toda a cidade torna-se um caos. Mesmo no campo, por ocasião de grandes chuvas (quantidade e intensidade), uma vez que o perfil do solo foi estabelecido por fenômenos médios e não pelos extremos como neste caso, a situação pode também tornar-se complicada pelas enchentes. Em algumas regiões da Costa Leste do Estados Unidos, denominadas “Everglades”, pouco acima do nível do mar, os alagados eram uma constante no passado – o perfil do solo, como caixa para estocar água era limitado pelo elevado lençol freático definido pelo mar. Assim, neste caso a compatibilização do tamanho da caixa (perfil do solo) não pôde ser definido pelo volume de chuvas uma vez que havia o limite em profundidade definido por um lençol freático muito elevado. Nessas condições, o corte de florestas plantadas de pinus naquela região somente é feito em um 8 mosaico de pequenos talhões alternados, deixando-se os intermediários de pé, transpirando água para a atmosfera e com isso não permitindo a retomada da região pelo alagamento que dificultaria o replantio da área com florestas, se grandes extensões fossem cortadas de uma só vez. Nesse caso, pode-se dizer que felizmente aquelas árvores secam o solo por sustentarem o cultivo por cortes sucessivos ao longo de décadas. Em condições não tão extremas a seca do solo pelas árvores torna o ambiente em que vivemos com uma condição climática – umidade relativa e temperatura – muito mais adequada a uma qualidade de vida superior. O que vai acontecer se eu plantar florestas de eucalipto na Antártica, onde há pouca água líquida, admitindo que a temperatura fosse adequada, ou no Nordeste SemiÁrido onde a água é naturalmente insatisfatória para a vida, de modo geral, pela sua escassez, perguntou-me minha filha. Você mesma poderia responder a essa pergunta, mas vamos lá. Haveria crescimento de uma floresta em um ambiente com forte limitação hídrica? Para essas condições é que foram desenvolvidos os processos de irrigação. Uma floresta de eucalipto não vai crescer se a limitação por água for extrema; vai crescer um pouco e daí por diante, somente enquanto houver mais água para ser esvaziada da pequena caixa. Você não compra uma bomba de grande potência e capacidade para esvaziar um poço com um pequeno volume de água que poderia ser retirada com uma pequena bomba. Da mesma maneira que há um tamanho de bomba adequado para cada volume de água a ser bombeado, há uma vegetação (IAF) com grandeza limitada pelo volume de água disponível para ser transpirada e novamente preenchido com novas entradas de água (chuvas) num processo curiosamente em fase. Bomba grande para caixa pequena e bomba pequena para caixa grande é um desperdício. Portanto, o tamanho da caixa define o tamanho da bomba e não o contrário. Se as árvores não secassem os solos ou morreríamos afogados nos períodos das chuvas, ou pelas temperaturas extremas ao longo do dia e, de maneira mais aguda, ao longo das estações do ano. Alguns dias se passaram sem que minha filha voltasse ao assunto eucalipto. Provavelmente, seu professor tivesse entendido que coisas relativas ao meio ambiente não podem ser tratadas com a emoção apenas, que a complexidade do tema não permite uma análise simplória, mesmo com a melhor das intenções. 9 Resolvi, então, provocar minha filha com uma pergunta sobre o mesmo assunto – eucalipto – dado o retorno que minha aluna predileta teve em nossas conversas anteriores: sua capacidade de ouvir havia melhorado, já não era necessário ficar brincando com uma chave na mão como se a conversa, antes de ser iniciada, “iria ser” enfadonha e, por outro lado, ela fazia transparecer que o tipo de conversa que estávamos desenvolvendo instigava sua curiosidade, provavelmente pelo final inesperado como nos bons livros de suspense. Eu lhe perguntei se o eucalipto empobrecia o solo, outra pergunta ouvida com muita freqüência. Antes que ela me perguntasse o que é “empobrecer o solo” eu lhe disse: essa expressão significa para nós, que trabalhamos, estudamos e pesquisamos os solos e a nutrição de plantas, que o eucalipto, como qualquer outra planta, para crescer, absorve elementos minerais denominados nutrientes e que desta maneira os solos teriam esses elementos subtraídos pela planta e seus estoques nos solos iriam se tornando cada vez menores, à medida que as florestas crescessem. Compreendo, disse minha filha, só que se este é o fato, à medida que os nutrientes vão sendo transferidos do solo para as árvores não há como dizer que os solos não serão empobrecidos com as florestas, quaisquer que sejam, como as do eucalipto, de pinus, da Amazônia, entre outras. Vai ser o caos para as futuras gerações! Um sorriso maroto estampou-lhe sutilmente a face. Aquela veemência “fechada”, acabada com um “ponto final e pronto!” me fez transparecer a maneira pouco analítica que provavelmente os assuntos mais abrangentes eram tratados em sua escola. A biologia provavelmente seria tratada como ciência exata, sem mais de uma resposta correta, independente de premiças e de condições diversas. Mais como uma pequena provação, o que a faria se manter “ligada” à nossa conversa, disse-lhe com um ar professoral: felizmente empobrece! Como já antevejo, essa resposta será amenizada no final com sua substituição para: há grandes vantagens para que isto aconteça! De novo para que você, minha aluna dedicada, entenda o que eu vou dizer é necessário que compreenda todo um embasamento teórico (não muito!) para que o desfecho de nossa conversa lhe seja convincente, como nos casos anteriores. Os solos atuam como um sistema bancário. Os bancos administram nosso dinheiro de modo a guardar excessos de dinheiro que no bolso poderiam ser submetidos a perdas diversas, como roubo, gastos por compulsão, etc. Guardamos um mínimo no bolso para os gastos imediatos, mantendo o restante protegido no banco. Quando o 10 disponível no bolso é gasto, vamos ao banco, retiramos uma nova quantia para recompor o bolso; o reverso é verdadeiro: a receita de nova quantia de dinheiro faz com que o excedente migre para o banco. No solo, ocorre sistema semelhante: um elemento nutriente é adicionado à solução de um solo, por meio de fertilizantes, cinza de queima de um resíduo orgânico, dejetos de origem animal, decomposição de folhas, frutos, raízes de plantas, etc. Se os nutrientes liberados por essas fontes permanecessem na solução do solos eles, à semelhança de grandes quantias de dinheiro no bolso, poderiam se perder por lixiviação, volatização, precipitação, etc. antes que a planta os absorvesse, tirando-os da solução do solo de modo a evitar suas perdas. O solo atua de modo semelhante ao sistema bancário como conseqüência de suas cargas elétricas negativas e positivas atraindo íons (nutrientes) de cargas contrárias. As cargas negativas atraem os cátions (com cargas positivas), como cálcio (Ca2+), magnésio (Mg2+) e potássio (K+), e as positivas atraem os ânions, como fosfato (H2PO4-), sulfato (SO42-), nitrato (NO3-), etc. Quando a planta absorve um nutriente, sua forma retida (adsorvida) na fase sólida do solo irá repor o que foi subtraído da solução pela planta, e novos ganhos daquele nutriente no solo, como pela aplicação de fertilizantes, farão com o aumento repentino do nutriente na solução migre para a forma adsorvida, também denominada trocável, protegendo, dessa maneira, possíveis perdas. À medida que os solos são submetidos a altos níveis de imtemperismo eles se tornam o que na ciência do solo é denominado solos altamente intemperizados e na linguagem popular: “solos velhos”, como numa boa analogia às nossas idades. Com esse “envelhecimento” crescente (avançar do imtemperismo), os solos perdem cargas negativas e, em contrapartida, ganham cargas positivas; portanto, o solo vai se tornando menos eletronegativo e, por outro lado, mais eletropositivo. Neste caso, numa análise apenas aritmética desse fenômeno, podemos dizer que os cátions como os nutrientes Ca2+, Mg2+ e K+ poderão se perder mais intensamente por lixiviação por serem permitidas suas presenças em maiores concentrações na solução do solo – a fase mineral do solo, ou o “sistema bancário solo”, torna-se cada vez mais indiferente aos cátions, perdendo sua eficiência em retirá-los da solução do solo, o que os “protegeria”. Por outro lado, os ânions estariam cada vez mais protegidos, pela afinidade crescente entre a fase sólida, dado o aumento do número de cargas positivas, e assim, cada vez mais resguardados de possíveis perdas. Esse é o lado aritmético, simplista do fenômeno que deixa a imagem de que com o aumento do imtemperismo o solo seria 11 cada vez mais relapso quanto aos cátions mas, por outro lado, mais cuidadoso quanto aos ânions. Do ponto de vista da química de solo, a situação não é exatamente esta: nutrientes catiônicos principais, como Ca2+, Mg2+ e K+, são adsorvidos ao solo por meio de ligações muito frágeis – eletrovalência ou atração eletrostática – enquanto os ânions como fosfato e sulfato são adsorvidos ao solo por ligações covalentes, de alta estabilidade. A ligação do fosfato (fósforo, generalizadamente) no solo, por essa razão, é tão estável que é comum a planta não conseguir absorvê-lo em quantidades necessárias dada sua restrita liberação para a solução. Sumariando, podemos dizer que os solos jovens, pouco imtemperizado como os do Canadá, por exemplo, terão muitas cargas negativas e pela quantidade compensando a “má qualidade” da ligação com aqueles nutrientes catiônicos, e a pequena presença de cargas positivas, bastante para evitar lixiviação de fosfato, entre outros ânions, mas não tanto a ponto de o solo competir com a planta por este nutriente, como ocorre nos solos de Cerrado, de modo geral, por exemplo. Por outro lado, no outro extremo, os solos muito intemperizados, como a maior parte de nossos solos – um bom exemplo são os de Cerrado – não favorecem as plantas quanto à baixa retenção de Ca2+, Mg2+ e K+ e, por outro lado, são extremamente ávidos por fósforo, entre outros nutrientes; este nutriente não é perdido por lixiviação mas também não é disponibilizado à planta nos padrões de qualidade como encontrado nos citados solos “jovens” do Canadá, entre outros. Agora, depois de tanta conversa de embasamento para a compreensão do assunto, apesar de minha filha já se encontrar agitando nervosamente uma caneta em suas mãos, demonstrando “ausência” crescente à minha conversa, consegui acalmá-la com a volta à pergunta inicial: Compreende agora porque felizmente florestas e entre elas o eucalipto empobrecem o solo, perguntei-lhe para que saísse da letargia em que eu a teria metido. A resposta foi um lacônico “não”! Agora eu já tinha como justificar esse último felizmente; além de tudo, minha aluna voltou a ficar ligada, o que era bom. Comecei minha explicação com uma pergunta: Você já imaginou ganhar sozinha todo o bolão de uma Sena acumulada e colocá-lo num banco absolutamente não confiável? Os nossos solos mais intemperizados poderiam, dessa maneira, ser comparados a esse banco não confiável. 12 Portanto, em muitos dos nossos solos, de modo particular naqueles que a fertilidade originalmente não era tão limitante ao crescimento das plantas, em um ambiente com muita chuva e temperaturas convenientemente elevadas, como na Marta Atlântica e na Região Amazônica, os nutrientes estão imobilizados na biomassa exuberante dessas florestas e, pode-se dizer, praticamente “ausentes” nos solos. Portanto, os nutrientes enquanto imobilizados na vegetação dessas florestas estarão resguardados de perdas significativas enquanto, se no solo, não estariam. À primeira vista, parecem ser incoerentes maciços florestais como esses, crescendo em solos tão inférteis. Umidade e temperaturas elevadas, e pequena reserva de nutrientes mais a ciclagem de nutriente na planta – nutrientes passando também por fora da árvore, por meio da queda de folhas, frutos que decompostos liberam os nutrientes que, de novo, serão absorvidos pelas plantas – permitiu o “milagre” na linguagem humana e “sapiência” na linguagem da natureza. Observe que o solo quando “jovem” é um bom “banco” para evitar perdas de nutrientes e, nestas condições, a presença de florestas como um banco adicional e confiável é a garantia global otimizada de preservação da qualidade ambiental para as gerações futuras. Portanto, os nutrientes em florestas do Canadá, em nosso exemplo de solos pouco intemperizados, “jovens”, estão duplamente protegidos, fazendo com que a sustentabilidade da qualidade produtiva da biomassa e, não menos importante, da qualidade climática e ambiental, seja a maior possível naquelas condições. Um “pera aí” de minha filha, com um ar de quem poderia estar sendo enganada, interrompeu minha conversa. E ela disse: até agora você não falou, em suas comparações, utilizando as culturas de arroz, milho, soja, entre outras! Não há como você dizer que a cultura da soja não é um “banco” de nutrientes tão bom como as florestas nativas! E a comparação entre florestas nativas milenares intocadas e, idealmente, intocáveis e as florestas de eucalipto? Senti-me entusiasmado com a evolução de nossa conversa. Então, disse-lhe em tom verdadeiro e não apenas como estimulante do ego de minha aluna e filha – a responsabilidade era dupla, uma vez que deveria acrescentar-lhe conhecimento e crescimento humano – : vou começar com uma nova metáfora. Se você dirigir um carro a 80 km/hora é mais ou menos seguro que a 130 kg/hora? Certamente, meu risco de morte é menor a 80 km/hora mas, por outro lado, chego mais depressa andando à velocidade maior. Observação lógica, disse-lhe eu. Você compara o benefício de chegar depressa com o custo possível de perder a vida. Voltaremos a essa conversa custo– 13 benefício mais à frente. Um parêntese para você acompanhar meus argumentos: Os cultivos de soja, milho, entre muitos outros que têm apenas uma espécie plantada na mesma área, são denominados monoculturas. São também monoculturas a pastagem, o cafezal e, não se esqueça, também, o eucalipto, contrariamente às florestas nativas com centenas ou mesmo milhares de espécies convivendo no mesmo ambiente. Voltando à velocidade de sua viagem, temos nas florestas nativas um carro parado na garagem – você nunca perderá a vida com uma batida, mas como custo não vai a lugar algum, a chave não poderá ser feita – no caso do eucalipto, com ciclo de corte de seis a oito anos, podemos assumir que a velocidade correspondente seria intermediária, 80 km/hora, com algum risco de morte, mas menor que naquela correspondente às culturas como a soja ou milho, 130 km/hora. Não vejo relação alguma de nada com nada, disse minha filha, com ar de zangada. Vamos então, inicialmente, juntar essa idéia da velocidade da viagem àquela anterior de planta como um “banco de preservação” de nutrientes. Se o ciclo de cultivo do milho, soja, algodão e diversas outras, é de três a quatro meses apenas e o resto do ano – oito a nove meses – o “banco planta” é praticamente desativado, transferindo-se a responsabilidade para a manutenção dos nutrientes para o sistema quase falido “banco solo tropical”. Você acha que a sustentabilidade desse sistema vai ser tão boa como em florestas nativas, com o “banco” sempre ativo? O “claro que não!” de minha aluna foi indicação de que meus argumentos agora estavam sendo compreendidos; que as peças começavam a se juntar preparando-lhe a base para a compreensão de nova peças que ainda seriam juntadas. Você nota, insisti, que o eucalipto fica no meio do caminho nessa comparação, soja versus floresta nativa, em cima do muro, como dizem vocês. Todavia ele, o eucalipto, é “desativado” a cada 6-8 anos e “reativado” poucos meses depois, com o plantio de nova floresta durante todo o ano, contrariamente àquelas monoculturas, em que o plantio vai se dar no início do novo período chuvoso. Portanto, durante um ciclo médio de sete anos da floresta de eucalipto, o “banco eucalipto” está ativo; por outro lado, o “banco soja”, com um ciclo médio de quatro meses, vai estar ativo em apenas 2,3 anos ao longo dos sete anos do eucalipto. Observe que tanto a maior velocidade do carro como a da cultura para fechar seu ciclo de produção leva, semelhantemente, a 14 situações de insustentabilidade da vida numa batida, no primeiro caso, ou da insustentabilidade do sistema solo-planta como fator de produção agrícola no segundo. Nessa comparação de tempo de utilização e de cobertura do solo com planta, mantendo-o não exposto, uma série de considerações devem ser feitas: 1. Em condições tropicais, a exposição do solo à luz e, por conseguinte, a elevadas temperaturas causa perdas de matéria orgânica do solo (indicador da qualidade da sustentabilidade da produção agrícola dos solos, particularmente dos mais intemperizados); danos a microbiota do solo, ciclos mais rápidos de umedecimento e secagem dos solos (observe que sob uma floresta os solos tendem a se manter mais úmidos) que causam a compactação do solo; certamente aumento da perda de umidade do solo por evaporação (lembre-se que quando transpirada, a água, entre outras vantagens, pode causar crescimento de plantas). Uma observação: você deve utilizar bloqueador solar de modo mais sistemático em condições tropicais para que não tenha a pele manchada, câncer de pele, etc. O bloqueador solar para os solos, também aqui em condições tropicais de modo especial, são as plantas, mantendo-os à sombra. De novo: na floresta nativa o “bloqueador solar” está sempre presente; no eucalipto ele permanece continuamente na maior parte durante ciclos de sete anos e alguns meses sem ele entre o corte e o replantio (ou brotação) de uma nova floresta; nas culturas anuais há quatro meses com e o restante do ano sem “bloqueador”(1). 2. Sete ciclos de cultivo enquanto ocorre apenas um de eucalipto permite entender que a mecanização será mais freqüente nos monocultivos: para o cultivo da soja haverá, pelo menos, um tráfego de máquinas para o plantio e um para a colheita, a cada ano, enquanto para o eucalipto processos semelhantes deverão ocorrer a cada sete anos apenas. A mecanização dos cultivos agrícolas – tráfego de máquinas – é uma das principais razões para a compactação dos solos, principalmente quando conduzida em períodos chuvosos que tornam o solo mais propenso e facilmente compatível. Essa alteração do solo é particularmente danosa em solos tropicais muito intemperizados (solos “velhos”) dada a baixa resiliência – poder de recuperação da forma original, antes do estresse – desses solos, contrariamente aos solos do Canadá, com elevada resiliência. (1) Com o plantio direto, esta situação foi parcialmente corrigida embora o plantio convencional ainda prevaleça em muitas regiões e culturas. O cultivo de eucalipto tem sido feito por todas empresas de produção de carvão ou celulose no País por meio de plantio direto ou cultivo mínimo. 15 A fração argila dos solos mais intemperizados é muito pouco ativa, constituída predominantemente de óxidos e hidróxidos de ferro e alumínio, com alta estabilidade de volume, independente da maior ou menor umidade do solo. Por outro lado solos pouco intemperizados (“Canadá”) tem argilas com alta atividade que aumentam de volume (até dobram) quando úmidas e diminuem quando secas – são chamadas argilas expansivas (argilas do tipo 2:1, como vermiculita e montimorilonita). Portanto, a simples alternância entre umidecimento e secagem dos solos do Cerrado, por exemplo, pode causar compactação como comentado no item anterior e, contrariamente, descompactação nos solos jovens, pouco intemperizados. Verifica-se que também, quanto aos padrões ideais de física de solos para o crescimento de plantas – otimização dos fluxos de água e de gases entre solo e atmosfera, por exemplo – os “solos jovens” têm grandes vantagens sobre os “solos velhos”. Aqui, muito mais que no Canadá, a mecanização dos solos pode se tornar um problema crescente com os cultivos. À medida que nossos solos são compactados, a infiltração de água das chuvas diminui (menor condutividade hidráulica), conseqüentemente, o perfil terá menos água para ser esvaziado, mais enchentes nas chuvas e maiores déficits hídricos nas secas (menor umidade relativa do ar e temperaturas com maiores flutuações ao longo dos dias e do ano, como já comentado). Nota que esta é a direção da compactação do solo para o extremo, que acontece nas grandes cidades, com suas superfícies impermeabilizadas. Por outro lado, nessas condições, no campo há grandes perdas de água e de solo, principalmente da camada superficial, mais fértil e com mais matéria orgânica, pelos processos erosivos. Todo esse processo indesejável segue, para condições semelhantes de declividade, tipo de solo, etc., a seguinte ordem crescente de insustentabilidade: monocultivos anuais > pastagens > florestas de eucalipto > florestas nativas. 3. Quando comparados ciclos distintos entre cultivos, alterações próprias do status nutricional do solo para cada caso devem ser consideradas. Como já comentado a eficiência, a confiabilidade do “banco planta” aumenta na direção: cultivos anuais < pastagens < eucalipto < florestas nativas. Além do tempo de atividade do “banco planta” ao longo dos anos, há diversas outras variáveis embutidas nessa comparação que merecem aprofundamento. Resultados de pesquisa sobre o assunto mostram que monoculturas como da soja demandam mais nutrientes aplicados ao solo na forma de fertilizantes por unidade de 16 produto econômico final – grãos de soja – ou por unidade de tempo de área disponibilizada para seu cultivo, que o eucalipto com seus produtos – madeira, carvão, celulose, óleos essenciais – resultados não comparáveis com as florestas nativas, que não são fertilizadas e não existe um tempo definido de cultivo. Retirados os produtos da área de cultivo e os nutrientes minerais neles contidos, ficam os resíduos que serão mineralizados, voltando os nutrientes contidos nesses resíduos, ao solo depois de “emprestados” à planta para estabelecer a “fábrica” de produtos energizados. Sabe-se também que a quantidade de nutrientes minerais imobilizados na parte aérea da planta durante seu ciclo de cultivo e que volta ao solo em relação a quantidade que sai da área na forma de produtos (“erosão de ponteira”) é muito maior para a cultura da soja que para a do eucalipto, quando se tem apenas o lenho retirado da área como técnica recomendada para o cultivo do eucalipto. Portanto, o solo é muito mais solicitado como fonte de nutrientes para a soja que para o eucalipto, para o mesmo período de utilização do solo com essas duas espécies. De novo, três aspectos principais devem ser considerados nessa comparação soja x eucalipto: o tempo necessário para que os nutrientes imobilizados nos resíduos da parte aérea voltem ao solos (mineralização dos resíduos com a liberação dos nutrientes para o solo, ou na nossa linguagem bancária: tempo necessário para que o “banco planta” devolva o empréstimo para o “banco solo”); a exaustão dos nutrientes do solo enquanto a planta os absorve, com conseqüências diversas aos solos enquanto temporariamente empobrecidos; e a grandeza dessas retiradas numa escala de tempo: para a soja esta retirada (“empréstimo”) ocorre durante quatro meses enquanto para o eucalipto ele ocorre durante sete anos. Cada um desses três aspectos merece comentários adicionais: a- Os nutrientes minerais imobilizados nos resíduos da soja (raiz, caule, folhas e palha das vagens) voltam ao solos em um período de não mais que um mês após a colheita. Há, assim, uma liberação rápida de grandes quantidades dos nutrientes ao solo, este com qualidades duvidosas quanto ao poder de retê-los no ritmo intenso da devolução. Lembre-se que a absorção desses nutrientes do solo pela cultura deu-se durante um período de quatro meses em contraposição a um período de reposição de apenas um mês. Se o “banco planta” é mais confiável que o “banco solo”, principalmente quando esse solo além de muito intemperizado é textura média ou arenosa, teríamos nesse processo de troca de bancos um favorecimento a perdas de nutrientes na alternância desfavorável ao tempo de participação do sistema protetor em 17 relação ao sistema de menor proteção: a resultante entre a alternância entre o bom e o mau, em tempos iguais, deverá ser zero; por outro lado, maior tempo com o bom, a resultante deverá ser positiva e, ao contrário, maior tempo com o mau a resultante deverá ser negativa. No caso do corte da floresta de eucalipto, os resíduos são constituídos por uma gama mais ampla de tecidos quanto á taxa de mineralização (velocidade com que o resíduo é mineralizado). As folhas são mineralizadas em um período de tempo não superior que um mês; os galhos finos um tempo maior – alguns meses – os galhos mais grossos numa escala de tempo de anos; as cascas deixadas no campo em um tempo maior ainda, e os troncos e raízes em um tempo superior ao ciclo da cultura em uma cinética variável com o diâmetro das raízes, tecidos constitutivos das raízes e tronco, etc. Portanto, para o eucalipto, o retorno ao solo dos nutrientes imobilizados nos resíduos da exploração florestal ocorre de maneira mais lenta e gradual, em um período de tempo total superior ao ciclo de exploração da cultura. Esse é o caso, contrario ao da soja, em que a participação do “banco bom” (planta – eucalipto) é superior ao do “banco mau” (solo) com uma esperada resultante positiva na sustentabilidade dos nutrientes nos solos. b- Quanto à exaustão de nutriente do solo e sua reposição parcial com a volta dos resíduos na colheita, tem havido um pensamento que se o balanço de nutrientes do solo – saída na forma de produtos e reposição por meio de fertilizantes – não for negativo ou, idealmente, positivo, o sistema solo não perderia sua sustentabilidade química para manter a produtividade de biomassa ao longo das gerações. Esse balanço tem uma visão parcial de um todo que deve ter nos elementos (nutrientes) do solo funções adicionais que a de simplesmente nutrir as plantas. O cálcio, por exemplo, tem funções extruturais no solo, como condicionante da agregação de partículas do solo, aumentando seu espaço de macroporos, viabilizando maiores fluxos de água e de gases nos solos, com suas vantagens como já fartamente discutido. Este elemento está entre aqueles absorvidos pelas plantas em maiores quantidades. Sabe-se também que esses nutrientes, como o cálcio, têm funções seculares no solo, de modo particular, e conhecido, aprimorando as propriedades físicas do solo, minimizando os já comentados problemas da “impermeabilização” do solo, na linguagem anteriormente utilizada, com suas conseqüências sobre o também discutido balanço hídrico solo-planta-atmosfera. 18 Quando há retiradas intensas e rápidas de cálcio(1) como no caso da soja e de um modo mais lento e gradual, com intensa ciclagem biogeoquímica a partir dos três anos (o cálcio imobilizado em folhas, cascas, raízes mortas, etc. é liberado pela mineralização desses resíduos e é reabsorvido pela planta sem uma demanda adicional ao solo), como o eucalipto, imaginar que com a reposição deste cálcio via calagem assim que seus teores no solo se tornarem baixos, após os cultivos, está tudo resolvido, é uma percepção simplificada de um fenômeno muito mais complexo que uma simples manutenção de um balanço positivo entre entradas e saídas deste nutriente dos solos. c- Voltamos ao carro viajando a 130 km/hora (soja) a 80 km/hora(eucalipto) ou parado na garagem (mata nativa) e os riscos de morte do motorista. A soja ao longo dos sete anos de um ciclo do eucalipto submete o solo a sete cultivos: sete retiradas e sete reposições de nutrientes, entre eles o cálcio de nosso exemplo, numa retirada deste nutriente do solo e sua devolução ao solo numa grandeza em torno de sete vezes maior que a ocorrida num ciclo de eucalipto. Pode-se imaginar as conseqüências para os ciclos de empobrecimento x enriquecimento do solo em tão curtos espaços de tempo. Lembra do que dissemos sobre o maior número de ciclos de umedecimento e secagem causando maior compactação em nossos solos, comparativamente a um menor número de ciclos sob florestas? Vamos imaginar esta situação de outra maneira: há uma planta perene que você deseja cultivar em solo naturalmente infértil, como os de Cerrado em geral. Para fazê-la crescer você é obrigado a adicionar todos os nutrientes minerais na forma de calcário e fertilizantes de modo a tornar viável o cultivo. Em um talhão você cultiva esta planta por um ano, corta sua parte aérea sem retirar nenhum resíduo da área; deixa toda a biomassa em decomposição por um ano quando se espera que os nutrientes, em suas formas minerais, voltem ao solo. Você planta de novo a mesma planta (espécie) e um ano mais corta sua parte aérea, deixa-se um ano e repete o processo dez vezes, perfazendo um período de tempo total de 20 anos. Em um talhão ao lado, igualmente fertilizado, você planta a mesma espécie, no mesmo dia do plantio inicial anterior, e não o corta durante 20 anos. Observe que você elevou o status inicial de nutrientes do solo a um nível bem acima do originalmente (1) Situação semelhante ocorre com o nitrogênio como componente essencial à matéria orgânica do solo – um dos indicadores mais utilizados pela literatura como medida da sustentabilidade da qualidade do solo como componente da produção agrícola. O enxofre, como o nitrogênio e o fósforo, é componente também essencial à matéria orgânica do solos, sua microbiota e diversos outros componentes e processos com função de longo prazo – secular mesmo. 19 existente anteriormente, em equilíbrio secular. No primeiro caso, os nutrientes foram em boa parte absorvidos e imobilizados na planta, protegidos pelo confiável “banco planta” durante 10 dos 20 anos do experimento, enquanto em boa parte dos outros 10 anos os nutrientes voltaram para o pouco-confiável “banco solo” do Cerrado. Digo boa parte dos 10 anos porque logo que a planta é cortada os nutrientes não são imediatamente liberados pela biomassa, indicando que uma liberação (mineralização), mais lenta dos nutrientes pelos resíduos, o que é, portanto, mais conveniente para evitar maiores perdas de nutrientes do solo como no caso da liberação mais rápida. Em qual das duas situações os nutrientes aplicados inicialmente no solo permanecerão em níveis mais próximos ao inicial? Minha filha, em uma linguagem própria à sua idade disse: há um banco do bem, a planta, e um banco do mal, o solo; assim, quanto menos o banco do mal participar desse jogo melhor, a reserva de nutrientes vai permanecer na área, mesmo que predominantemente na planta – o pacote solo + planta terá mais nutrientes no caso da do cultivo contínuo durante 20 anos do que no intermitente com 10 cortes. Perguntei-lhe, então, o óbvio: e se a comparação fosse entre o cultivo do milho, com ciclo de quatro meses, do eucalipto com sete anos e da mata nativa com ciclo infinito (não cortada), tendo-se inicialmente uma mesma fertilização, constante, em qual dos cultivos os nutrientes seriam mais preservados? Ô “veio” você esta achando que eu sou “tosca”. Embora eu não gostasse do “veio” (velho) e ela tivesse que me explicar o que significa “tosca” (boba, “debiloide”), eu me dei por satisfeito com sua resposta, embora dita de maneira transversa. Em mais uma metáfora: bancos que guardam nosso dinheiro lucram mais e também nos pagam mais por isto quando deixamos nosso dinheiro lá parado por mais tempo; em ciclos de tempo menores entre aplicações e retiradas, pode-se chegar a um ponto que começamos a pagar ao banco para ele guardar nosso dinheiro. Em suas intermináveis apostilas e um sem número de listas de questões de vestibulares formuladas por universidades e cursinhos, minha filha encontrou um comentário sobre eucalipto – a temporada de caça ao eucalipto estava aberta! A leitura do comentário me sugeriu, de novo, a visão simplista de um fenômeno complexo e, por sinal, muito interessante. O comentário era o seguinte: 20 O eucalipto, por exemplo, libera através de suas raízes uma substância tóxica (toxina), que impede a germinação de plantas a seu redor. Isso evita que outras plantas possam competir com ele para obter água ou nutrientes do solo. Ao redor do eucalipto não crescem outros vegetais. Mais dois exemplos: a aroeira e o ipê, duas árvores comuns no Brasil. Por tudo que já havíamos falado sobre essa planta, percebi na fisionomia de minha aluna um misto de curiosidade e do-não-desejo de antecipar opiniões, contrário ao que fazia com freqüência, mesmo que o assunto não fosse de seu domínio. Bom sinal! Provavelmente, esta postura de minha aluna era conseqüência dos desdobramentos imprevisíveis que nossas conversas anteriores haviam tomado. Como das vezes anteriores, iniciamos nossa conversa de modo a dar à minha aluna as informações básicas sobre o fenômeno “alelopatia”. Esta é uma palavra que vem do grego: allelon = de um para outro (mútuo) e pathos = sofrer (prejuízo), ou seja, é a influência de um indivíduo sobre outro. Para você imaginar a importância desse fenômeno, disse-lhe, existe a “Sociedade Internacional de Alelopatia” que trata do assunto com a profundidade científica que merece. E, segundo essa Sociedade, alelopatia é definida como o processo envolvendo metabólitos secundários(1) produzidos por plantas, bactérias e fungos que influenciam o crescimento e desenvolvimento de sistemas agrícolas e biológicos. De maneira mais simples, para o caso particular de plantas, alelopatia diz respeito à produção de compostos químicos ou metabólitos denominados aleloquímicos, que liberados por uma planta podem inibir ou prejudicar a germinação e, ou, o crescimento e desenvolvimento de outras plantas próximas. Embora menos freqüente, os efeitos elelopáticos podem também ser no sentido de beneficiar uma planta ou microrganismos na vizinhança da planta que libera o eleloquímico. Esses aleloquímicos são constituídos por diversas substâncias, como fenóis, alcalóides, ácidos graxos, taninos, solanina, etc. e produzidos como conseqüência da evolução das plantas (ou de outros organismos) no sentido de se beneficiar de uma vantagem comparativa contra a ação de plantas vizinhas, de microrganismos, vírus, insetos ou predadores em geral. (1) São compostos orgânicos produzidos por um organismo, sem a essencialidade à sua vida, como ocorre no metabolismo primário. 21 Esses aleloquímicos encontram-se em diferentes partes da planta, sendo liberados no ambiente pelos tecidos vivos e, ou, pelos resíduos em decomposição. Há diversas plantas que apresentam atividade alelopática; entre elas há: a cevada (você sabia que dela é feita a cerveja?), batata doce, trigo, algumas variedades de arroz, sorgo, aveia, girassol, alfafa, canela, algumas plantas de cerrado como a lobeira ou fruta-do-lobo, e até mesmo do capim-citronela (você deverá tomar seu chá na época do vestibular para ficar “calminha” – um meio sorriso de desaprovação à “piada” ficou estampado no rosto de minha filha), pinus, e também, o eucalipto, entre muitas outras plantas estudadas e muitas outras ainda não avaliadas. Para você ter uma idéia do significado do fenômeno, os restos culturais da lavoura de trigo podem retardar o crescimento de algodão ou de arroz cultivados em sucessão ao trigo; os restos culturais da soja podem inibir o crescimento de raízes de plantas de milho em sucessão. A atividade alelopática do trigo é tão intensa, que extratos de suas folhas podem inibir a germinação de sementes e o crescimento do próprio trigo. Que “irado”, disse minha filha. Depois de sua “tradução”, entendi que ela quis dizer “legal”, gíria de minha juventude. Estávamos conseguindo nos comunicar! Ao “irado”, ela acrescentou: e o “felizmente” não se aplica mais? O sarcasmo era evidente! Você já foi assaltada por um pivete (uma das neuroses de minha filha)? Graças a Deus, não! Foi sua resposta imediata. Graças a Deus é mais “forte” que felizmente? Claro que é, disse-me ela. Ótimo! Pensei eu. O eucalipto, como todos esses exemplos de plantas com diferentes graus de atividade alelopática são iguais a nós quanto a pivetes ou ladrões. Olha só nossa casa: tem alarme, cerca elétrica, por sabermos que apenas portas e chaves não evitariam a entrada de visitantes inoportunos. O nosso carro tem alarme e se morássemos em uma cidade maior, trocar o carro atual por um blindado seria uma hipótese a ser cogitada. Observe que no nosso caso utilizamos diversos “aleloquímicos”, semelhantemente produzidos por nós homens, para não sermos molestados por invasores que querem se apoderar de nossos bens. Em casos extremos, adquirimos armas de fogo para no caso de todos aqueles “aleloquímicos” falharem, termos um último, com elevadíssimo poder “alelopático”. 22 Felizmente, temos grande atividade “alelopática”, atualmente, o que nos dá a segurança de não sermos importunados. Lembra-se quando, no passado, nossa casa ainda não tinha toda a segurança atual, e fomos roubados (uma devassa!)? Lembro-me, disse-me ela com ar desolado, antevendo onde aquela conversa ia dar. Para encurtar a conversa ela disse, com forte entonação: Felizmente, temos muitos “aleloquímicos”! Posso dormir tranqüila! E por que “felizmente” para nós e não para o eucalipto, para o arroz, trigo, girassol, lobeira entre muitas outras plantas? Minha aluna brilhante preferiu ficar calada. Apenas três comentários para darmos esse assunto por encerrado, disse-lhe eu: Num primeiro comentário, podemos considerar os aleloquímicos que, à primeira vista, poderiam ser considerados como vilão entre as plantas têm se mostrado como alternativa futura para o controle biológico (natural) de plantas invasoras, pragas e doenças em substituição aos herbicidas, bactericidas, fungicidas e inseticidas usuais, sintéticos. Pesquisas neste sentido já estão em andamento em diversas partes do mundo. O meio ambiente agradecerá. Portanto, o vilão na visão simplista do desinformado sobre o assunto deverá se transformar em mocinho, e as futuras gerações poderão comemorar com um felizmente a existência dos aleloquímicos. Nós, na tranqüilidade de nossa casa, com os nossos “aleloprotetores” já comemoramos de maneira semelhante. Num segundo comentário, apenas especulativo, mas com o objetivo de aguçar seu espírito analítico: Há compostos semelhantes aos discutidos até então, denominados fitoalexinas, também metabólitos secundários de plantas, que são produzidos em resposta ao ataque de microrganismos patogênicos e insetos, como mecanismo de proteção das plantas. Assim, plantas não submetidas aos biocidas sintéticos que mal utilizados podem ser altamente tóxicos aos homens e animais e à biota de modo geral terão com o maior ataque de pragas e doenças a síntese de biocidas naturais estimulada. Esta é a situação dos cultivos orgânicos. Nessas condições, a maior presença compensatória dos biocidas naturais nas plantas pode ser considerada completamente inóqua à cadeia trofica? Algumas plantas de pradarias acumulam aleloquímicos em seus bulbos, tornando-os repelentes aos ratos de modo a não inviabilizarem a vida destas plantas. De modo semelhante, diversas plantas evoluíram produzindo metabólitos que as tornam não atrativas ao pastejo pelos animais. 23 Bem, começo a entrar num terreno minado, da especulação, o que pode me coroar como o desinformado discutindo o complexo, o que tanto temos criticado ao longo de todo este texto. De todo modo, pense sobre o assunto: biocidas sintéticos versus biocidas naturais. Ambos indiscutivelmente seguros? Palavra de pai: não sei, mas gostaria muitíssimo de saber. E num terceiro e último comentário, vamos voltar ao texto sobre o eucalipto, que você encontrou na apostila de seu cursinho. Efeito alelopático não pode ser confundido com competição, como diz esse texto. Não crescer plantas debaixo de uma mangueira frondosa é conseqüência de competição por luz. Na alelopatia, a planta adiciona ao meio um aleloquímico, um produto de seu metabolismo que poderá fazer com que outras plantas, em sua vizinhança, tenham seu crescimento inibido. Finalmente, os sistemas integrados de cultivos de arroz e soja nos dois primeiros anos, intercalados ao plantio de eucalipto e depois o cultivo de braquiária até o corte da floresta (sistema agrosilvopastoril) tem se mostrado extremamente produtivo, em todas as suas fases, indicando que não houve prejuízo algum às espécies cultivadas pelo eucalipto, sendo que para a braquiária, com crescimento superior ao que se vê em pastagens da região, o efeito aleloquímico, se houve, foi positivo, como teoricamente pode acontecer, pelo que você já sabe sobre a definição do fenômeno. Depois de alguns dias de conversa sobre o eucalipto, minha filha, sem um aviso prévio, expressou todo o seu espírito de contestação comum aos adolescentes com uma pergunta em tom enfático, mas, com evidente sarcasmo. Quando “felizmente” do eucalipto será “infelizmente”; há algum caso? Fiz uma longa pausa para organizar algumas idéias e, então, procurei fazê-la entender que nossas atividades, não apenas aquelas comerciais, mas de qualquer ordem, relativas às coisas da vida cotidiana, são avaliadas pelo balanço custo–benefício. O que pago por um dado modelo de uma marca de automóvel vai me trazer mais ou menos benefícios que outro, com o mesmo preço, de outra marca e modelo? É mais econômico eu produzir a hortaliça que consumo em minha casa ou comprá-la no mercado? Neste caso, a relação custo-benefício é facilmente estimada; todavia, a satisfação em cultivar minha própria horta, a melhoria da qualidade de vida pelo exercício físico e mental praticado, poderão compensar o custo maior dos produtos obtidos pelo cultivo da horta em minha casa. Note que dependendo da variável 24 considerada na comparação – dinheiro ou satisfação pessoal – a escolha entre as duas opções muda. Se você perguntar a um francês sobre a relação custo-benefício da Torre Eiffel em Paris ele vai dizer que só há benefícios; por outro lado, para outros que tiveram algum de seus familiares ou amigo morto pelo suicídio, saltando daquela torre – três a quatro pessoas por ano se matam desta maneira – vão torcer o nariz quando ouvirem sobre a Torre Eifel. A cidade de São Paulo, como exemplo, com toda a sua essencialidade e benefícios à vida, disponibilizando conforto aos seus habitantes, tem como razão para o grande custo sua arquitetura com grandes prédios e o negro do asfalto que absorvem energia luminosa e a dissipam na forma de calor, mantendo temperaturas demasiadamente desconfortáveis nos dias mais quentes, e também não absorve água devido às superfícies do solo impermeabilizadas condicionando baixa umidade relativa do ar com suas conseqüências indesejáveis já discutidas. Neste caso, há um benefício evidente e, também, um custo elevado: recebe-se muito mas paga-se muito também, de diversas maneiras, talvez até mesmo com um balanço final negativo quanto à qualidade de vida global. Com o já elevado e crescente preço da água tratada em muitas cidades brasileiras, com todo o seu beneficio, até mesmo pela ausência de sucedâneo, os jardins, hortas, gramados, que consomem água, estão sendo eliminados e essas áreas impermeabilizadas pelo concreto; haverá com isto menos água estocada no solo, enchentes cada vez maiores e menores níveis de umidade relativa do ar, com o seu desconforto causado a todos porque há cada vez menos água estocada e também menos plantas para transpirá-la. Então, aumentar o preço da água traz beneficio para quem a trata e distribui mas com elevado custo causado pelo seu menor consumo para irrigar plantas que já não podem mais ser cultivadas dado o custo dessa água e, daí para frente, o ciclo conhecido das enchentes, qualidade climática, etc. se repete. Na caso mais específico de plantas qual a relação custo-beneficio para o cultivo de fumo, maconha, coca? Um custo altíssimo para um benefício desprezível ou negativo, com a exceção do fumo dados os altíssimos impostos cobrados pelo governo – na verdade um grande malefício ao fumante, pelo menos. E, monoculturas como o algodão, com diversos benefícios diretos sabidos (o produto) e indiretos (emprego, impostos, etc.) tem um custo muito alto pela exposição do solo à temperaturas muito elevadas, à erosão, dada a manutenção da cultura sempre 25 no “limpo”, sem plantas invasoras, com conseqüentes danos à física desse solo como a compactação e suas conseqüências diversas. Outra característica de alto custo para o algodão é o consumo intenso de pesticidas e suas conseqüências ambientais bem conhecidas. Outras monoculturas como a soja, café, cana-de-açúcar têm relações custobenefício distintas mas numa mesma ordem de grandeza: os benefícios são conhecidos pelos produtos disponibilizados e os custos são retratados por alterações indesejáveis no solo e no meio ambiente, nem sempre contornáveis. Pois bem, minha mais nova e dedicada aluna, você verifica que as opções do homem para manter sua qualidade de vida são no sentido de ter suas demandas atendidas com o menor dano (custo) ambiental, possível. Não há mais como o homem ter toda a proteína animal disponível caçando os animais nas matas e campos nativos como num passado mais distante; ou os criando soltos nos quintais de suas casas. Hoje são necessárias as monocriações – numa analogia aos monocultivos – de aves, bovinos, peixes, etc. com seus eficientes matadouros. É curioso observar que o mais empedernido ambientalista não faz críticas pelos animais mortos quando os consome num “rodízio’, sendo que neste caso há meios para não os consumir, utilizando outras fontes de proteína; por outro lado, critica com veemência as florestas de eucalipto, esquecendo-se que essas são essenciais até mesmo ao papel utilizado em sua higiene pessoal. Ou esse papel deverá ser feito de mogno ou de pequizeiro? Utiliza ferro e suas ligas nos carros, aviões, utensílios domésticos e na “chave” – lembra-se de nossa conversa inicial? - à semelhança das carnes do “rodízio”, sem remorso algum, como se para todos aqueles produtos não tivesse que existir um redutor do ferro férrico para ferro metálico. Esse redutor deve então ser o carvão mineral? Ou então o carvão vegetal deverá ser feito de mogno, pequizeiro? Observe, minha prezada aluna, que nossa conversa teve uma visão ampla (holística) e que cada ponto central discutido pode ser esmiuçado cada vez mais numa visão reducionista de seus componentes cada vez menores. Você deve ter em mente que a visão ampla é resultante de efeitos de componentes menores, nem sempre na mesma direção – alguns anulando outros, ou invertendo uma direção inicial. À medida que os componentes dos componentes menores são levados em consideração, chegamos a um ponto em que nosso melhor conhecimento torna-se insatisfatório. Vocês que vão nos suceder nessa tarefa de conhecer o desconhecido atual vão ter seus limites também estabelecidos. 26 Quero deixar com você esses comentários com o objetivo maior de fazê-la compreender que não há nada acabado e que há muito por ser compreendido sobre meio ambiente e sua preservação e que isto só será conseguido com muito esforço de pessoas competentes, daquelas que conhecem muito de muito e não daquelas conhecem muito de pouco, embora isto possa ser bastante para se conseguir um título de pós-graduação; agora, aquelas que conhecem pouco de pouco não deveriam dizer que o eucalipto é uma árvore do mal, porque, na verdade, não sabem até mesmo de que é feita a insubstituível chave de sua casa. Felizmente, o eucalipto existe! DESERTIFICAÇÃO À medida que minha filha se aproximava do vestibular, para a minha felicidade não declarada, ela havia decidido pela agronomia, seu poder de análise de fragmentos de nossas longas conversas sobre coisas da vida em geral e da natureza em particular tornava-se cada vez mais aguçado. Claramente, ela juntava peças de conversas anteriores, de modo a agrupá-las naquilo que eram mais afins, satisfazendo-se com a coerência entre esses fragmentos ou não os aceitando quanto contraditórios, embora neste caso, tivessem se mostrado satisfatórios quando analisados individualmente. Nesse exercício de validação de fragmentos pela interdependência coerente entre eles, como constituintes de modelos mais abrangentes, nossas conversas tomaram novo rumo em qualidade e intensidade. Com essa nova descoberta de minha aluna em tempo integral de que a análise do todo era mais exata e conclusiva que de seus componentes individuais – ela se iniciava, por conta própria e risco, na já bem estabelecida discussão da provável maior eficácia da visão holística do conhecimento, comparativamente à visão reducionista – ela me faz uma pergunta com ares de vitória antecipada: Em nossas discussões sobre eucalipto, seus exemplos estão sempre relacionados a grandes empresas, como as do carvão vegetal para as siderúrgicas multinacionais e a celulose e papel para as também megaempresas deste setor. Essa “planta maravilhosa” – de novo o sarcasmo como do início de nossas primeiras conversas sobre o eucalipto – não é útil aos “pequenos da sociedade”, pelo que vejo estes são esquecidos até mesmo pelo eucalipto! 27 Em sua pergunta, senti-me orgulhoso, sem deixar transparecer, pela posição não apenas passiva demonstrada anteriormente mas pela “igualdade” que ela assumia ao dizer: “em nossas primeiras conversas”. Ela já demonstrava uma crescente melhoria de sua inteligência emocional o que muito me orgulhava. Para responder à minha filha, disse-lhe que eu havia visto, recentemente em dois programas do “Globo Rural” e nesta semana, no “Jornal Nacional”, reportagens sobre a desertificação acelerada e de grandes áreas no Sertão Nordestino, norte de Minas e mesmo em áreas de Cerrado de Minas, em solos denominados Cambissolos – solos jovens, frágeis quanto à resistência aos processos erosivos, e sem ou com mínima cobertura vegetal; tudo isto tornando-os pequenos inícios de prováveis grandes áreas desertificadas do futuro. Disse-lhe que a desertificação ocorre em áreas mesmo naquelas sem a limitação hídrica ao crescimento de plantas como nos desertos; essa limitação pode não ser elevada ou mesmo não existir e que, portanto, fazia com que áreas desertificadas não poderiam ser confundidas com desertos, como o do Saara. Disse-lhe, ainda, que em muitas dessas áreas o processo de desertificação tinha na retirada da cobertura vegetal e na ocorrência de pluviosidade de até mesmo de 1.200 a 1.400 mm ano-1 as causas primárias para o estabelecimento de intenso processo erosivo, com perda de camadas superficiais de solo, abertura de canais de erosão que evoluíam para grandes voçorocas impedindo o crescimento de cobertura vegetal na área. Como já esperado, soou a campainha de impaciência de minha filha: O que tem o eucalipto a ver com isto? Para aguçar sua curiosidade, disse-lhe que esse problema – desertificação – poderia ser evitado, minimizado ou corrigido aplicando-se um band-aid no “ferimento” do solo. O seu olhar de incredulidade me permitiu o espaço para mais um capítulo da “novela” que não lhe permitia antever seu fim, o que era conveniente para mantê-la antenada à nossa conversa. Disse-lhe que, com freqüência, nessas áreas havia um histórico de existência de famílias que sobreviviam da agricultura, caça, extração e venda de produtos locais como o carvão vegetal, artesanatos, que demandavam o sistemático corte da vegetação nativa, utilizada como energia para o consumo caseiro, construções diversas, queima de peças de artesanato de cerâmica, produção de carvão vegetal, entre outros fins. Com a eliminação da vegetação nativa, a conseqüente perda da diversidade biológica não imediatamente percebida pelos moradores de região – na verdade a 28 “biodiversidade” que deveria ser mantida a todo o custo eram os membros de sua própria família, em detrimento de qualquer outra coisa – era seguida pela desertificação, essa sim sentida até mesmo pelo aumento da distância a percorrer para obter novo combustível e madeira para aqueles fins diversos. Até mesmo o caminho a percorrer, além de distâncias cada vez maiores, eram modificados pela degradação crescente do solo, como se os caminhos de uma hora para outra se tornassem envelhecidos como a face dos mais velhos das famílias, com rugas cada vez mais profundas. O transito nesses caminhos tornava-se mais tortuoso de modo a contornar pequenas erosões iniciais que se tornavam voçorocas com o tempo. Fora estabelecida uma seqüência que redundava na desertificação das áreas: demanda de vegetação para fins diversos das famílias, exposição do solo ao sol (lembrase do que falamos antes sobre o sol nos causando estragos na pele como no solo?), escorrimento superficial de água causando erosão e com ela levando a parte mais fértil do solo e sua capa protetora – solo superficial com mais matéria orgânica, mais bem estruturado e como conseqüência maior infiltração de água. Isso, propícia piores condições para recomposição vegetativa que protegeria o solo à luz solar, calor, ciclos mais rápidos de umedecimento e secagem, ausência de plantas para esvaziar o conteúdo de água do perfil do solo, um novo volume de água, tudo isso, num processo já bem discutido por nós. E o início do desastre–desertificação é estabelecido. Este início avança para algo que não tem fim. Voçorocas enormes e uma paisagem destruída, envelhecida, carcomida pelas intempéries, sem nenhuma perspectiva de retorno. As distâncias de caminhadas das pessoas tornam-se continuamente mais longos, num ambiente cada vez mais inóspito e intransitável. Bem voltamos agora ao eucalipto. Uma floresta de eucalipto bem estabelecida nessas áreas apesar de todas as suas mazelas poderá produzir, anualmente, de 30 a 40 m3/ha ou 180 a 240 m3/ha em cortes de seis anos. A vegetação que antecedeu a destificação não deve produzir mais que 10 m3/ha como conseqüência de um crescimento secular, estável. Portanto, em um ano uma floresta de eucalipto bem manejada produz de três a quatro vezes mais que a secular vegetação nativa; ao longo de uma rotação de seis anos esta diferença aumenta para 18 a 24 vezes! Para a recuperação dessas regiões mais degradadas, com uma superfície intransitável pela erosão hídrica, haveria a necessidade de uma sistematização mínima 29 de modo a tornar a implantação da floresta, em plantio em nível, como não poderia deixar de ser, como coadjuvante ao controle das antigas “cicatrizes” causadas pela erosão. Portanto, a semelhança de uma pessoa que tenha passado por um desastre qualquer, o médico irá fazer as correções estruturais necessárias, como redução de fraturas, colocação de pinos, pontos, e, finalmente, uma proteção das áreas lesionadas por ataduras ou semelhantes, mais doses de antiflamatórios e antibióticos, de modo a proteger a superfície do membro lesionado. A área degradada sofreria intervenções semelhantes, correções estruturais, adição de corretivos ao solo lesionado, como calcário, gesso, fertilizantes minerais e, também orgânicos se disponíveis e, finalmente, a cobertura ou proteção da área, agora corrigida com uma floresta de rápido crescimento como o eucalipto; esta teria a função band-aid dessa floresta, evitando a exposição a um novo processo erosivo, até que a área se restabeleça das cicatrizes anteriores. É como no seu caso, quando corta o dedo, protege-o com um band-aid até que haja a cicatrização do corte; sem essa proteção, o corte poderia ser exposto a infecções, choque com objetos diversos que causariam dores ou, até mesmo, aumento do ferimento. A ausência do curativo, do band-aid, poderia levar a um processo que em casos extremos poderia levar a situações de reversibilidade cada vez mais difícil, como num caso extremo de uma infecção tetânica. Muito bem! Você coloca o “eucalipto-aid” no solo machucado e depois, o que faz com o “dedo” já cicatrizado? A pergunta de minha filha tinha sentido! Disse-lhe que no segundo “Globo Rural”, que ela não tinha visto – domingo é seu dia de compensar a necessidade de levantar às seis horas da manhã (madrugada segundo ela) de segunda a sexta-feira para suas aulas no colégio – havia diversas ONGs com trabalhos elogiáveis no sentido de melhorar a qualidade de vida de famílias que vivem nessas regiões com áreas desertificadas. As criações de abelhas e de galinhas foram apresentadas e pelo que foi mostrado com muito bons resultados. Embora essas duas alterações, entre outras, na rotina das famílias trouxessem resultados imediatos, algumas conseqüências negativas disso podem ser previstas: A primeira é que o gasto de madeira para os cercados e cobertas dos galinheiros iria aumentar, como também mais lenha como combustível para o consumo dos novos alimentos – carnes e ovos. A segunda é que as abelhas teriam na desertificação crescente um inimigo: a falta de vegetação natural (flores e néctares), como fonte natural para a fabricação de seus 30 produtos. Também para as abelhas, as distâncias de vôo seriam cada vez maiores com o aumento das áreas degradadas. O eucalipto seria utilizado como madeira para novas construções e para energia em um corte seletivo – algumas árvores seriam cortadas, seriam rebrotadas, tornando-se novas árvores, o que se denomina de rebrota ou condução – e também para a produção de mel (muitas espécies e clones são muito floríferas), como já acontece comercialmente em empresas florestais. Um ponto importante de todo esse efeito band-aid é que a vegetação nativa não seria mais cortada ou pelo menos seu corte seria minimizado, protegendo a biodiversidade (flora e fauna) desses locais. O que me parece até mesmo irônico é o fato de uma mono-cultura como eucalipto, além de melhorar a qualidade de vida do homem nessas condições, estaria protegendo a biodiversidade uma vez que, como já foi dito, um hectare de suas florestas substitui, no mínimo, o corte de 18 a 24 hectares de vegetação nativa, a cada seis anos. Pode-se, ainda, no futuro ter árvores não cortadas com a freqüência usual e utilizadas como madeira de serraria com todos os fins bem conhecidos para esse produto, cada vez mais escasso em nossa sociedade. A fisionomia de entusiasmo de minha filha, não completamente explicito porque ela nunca demonstrava satisfação total, acredito eu, como uma proteção para que conversas como essa fossem sempre renovadas, como numa partida de xadrez: perdi esta mas na próxima..., deixou-me com uma preocupação muito íntima, não declarável, que ela poderia substituir a agronomia pela engenharia florestal no seu vestibular próximo. Como nenhum de meus dois filhos mais velhos seguiram minha profissão, tenho na minha filha “rapa do tacho” a última esperança – não saberia explicar que sentimento estranho e egoísta (?) é este meu, como pai, mas que ele existe, existe – só que ela não pode saber. Até mesmo porque a engenharia florestal é uma bela profissão desde que tratada com a profundidade científica que exige, dada sua enorme complexidade. Certamente esta, tanto quanto a agronomia, é uma profissão para ser administrada, conduzida, sem excesso de emoção e carência de formação ou, como adjetiva a boa comunidade acadêmica atual: O envolvido não deve ser adepto apenas do “podes crer”. 31 MATAS CILIARES Em uma de minhas conversas com minha filha, eu lhe fiz uma pergunta sobre uma proposta de governo de um candidato à presidência da república, apresentada em um programa de entrevista em um canal de TV, na noite anterior. Disse-lhe que esse candidato prometia, se eleito, contratar milhares de pessoas para revegetar as margens do Rio São Francisco, para a recomposição de suas matas ciliares. Acrescentei, para localizar minha filha quanto à razão para aquela proposta, que diversos governos anteriores e também o atual tinham projetos de transposição das águas desse rio para regiões semi-áridas do nordeste, e que, historicamente, têm havido cidadãos de diferentes níveis na liderança social e administrativa brasileira a favor e outros contra este projeto. Aqueles a favor têm como um argumento inquestionável a disponibilização de água para uma população extremamente sofrida pela sua carência em quantidade e qualidade, até mesmo para o consumo humano. Aqueles contra o projeto têm como argumento principal a recuperação do São Francisco, segundo aqueles mais alarmistas, já em fase terminal. Para esses contrários à transposição, a recuperação do leito, já assoreado, com navegabilidade cada vez menor, de modo particular na estação seca, cuidar do “paciente” seria prioritário para depois, aí sim, pensar em transposição de suas águas. O candidato à presidência, certamente aquele como o melhor curriculum vitae científico e acadêmico entre todos os candidatos, mostrava-se sensível à lógica da recuperação do paciente para então utilizar parte de suas energias rejuvenescidas em benefício de uma população tão carente nesse bem – água. A pergunta do “vestibular – caseiro” foi então feita à minha aluna e vestibulanda: Qual sua análise da proposta desse candidato quanto à recomposição das matas ciliares do Rio São Francisco? Sua resposta, como esperada e também por ter sido induzida por mim em todo o preâmbulo inicial sobre a situação, foi de um entusiasmado “confirma” ao candidato, indicando já estar “modulada” pela propaganda eleitoral enfadonha que mostra como usar a urna eletrônica: “digite o número de seu candidato e aperte a tecla confirma”. Como eu quis abrir espaço para discussão e apresentação de novos conhecimentos à minha aluna, eu lhe disse que a tecla a ser digitada deveria ser “corrige” e escolher outro candidato que não aquele, tomando como base apenas sua 32 visão reduzida sobre mata ciliar. Eu sabia que haveria uma feroz reação de minha vestibulanda predileta à minha provocação. Ela veio com uma resposta cáustica: Estou preocupada com seus neurotransmissores! O nível de serotonina no seu cérebro deve estar mais baixo que a disponibilidade de água para os nordestinos do semi-árido! Impressionava-me de maneira positiva e agradável sua veemência e postura como tratava a discussão que se iniciava. Para mim, com os dezesseis anos de Sarah, seria impensável um tratamento tão íntimo para com o meu pai, sem o necessário “senhor”; e críticas tão fortes ao seu juízo, mesmo utilizando linguagem científica adequada como ela fez, bem além daquela que me seria possível utilizar na minha adolescência, que seria algo como “o senhor deve estar caducando”, também não fariam parte de minhas possibilidades. Essa resposta seria impensável por mais liberal que meu pai fosse, engenheiro agrônomo que sempre tive como brilhante, e certamente receptível a qualquer argumento meu. Voltando à conversa anterior – sobre meu pai sempre me causa uma desconcertante mas agradável emoção – disse à “vestibulanda estressada” que recompor as matas ciliares estava certo e que o grande equívoco do candidato seria contratar milhares de pessoas para essa tarefa, procedimento típico de políticos (não necessariamente para o candidato em discussão), para os quais as soluções passam, com freqüência, por maiores gastos e diminuição do desemprego de futuros eleitores. O ar de indagação de minha filha estava explícito em seu rosto; sem dizer nada, ela deixou transparecer a pergunta: como fazer isto sem a ajuda de milhares de pessoas, para o plantio das mudas que se tornariam árvores e que filtrariam as águas que chegariam ao rio? Para alongar a conversa, mantendo-a “ligada”, disse-lhe que toda a pujança do Egito antigo teve como um de seus alicerces a agricultura exuberante e sustentável estabelecida nos solos muito férteis das margens do Rio Nilo. Essa agricultura ocorreu por que os solos eram refertilizados anualmente pelas cheias do Nilo; os nutrientes absorvidos daqueles solos pelos cultivos eram repostos anualmente pela deposição de partículas finas do solo (argilominerais e matéria orgânica, principalmente) nas margens do rio durante as cheias. Disse-lhe que a fertilidade de qualquer solo é maior – mais concentrada – nas suas partículas mais finas. Nessas partículas mais finas, ao contrário das mais grosseiras, encontra-se maior presença de cargas elétricas, negativas e positivas, onde os 33 nutrientes catiônicos, como potássio, cálcio e magnésio, e aniônicos, como fosfato, sulfato, nitrato, são, respectivamente, retidos acumulando-se nesta fração mais fina do solo. O mesmo acontece com a matéria orgânica do solo como importante fonte de cargas negativas, principalmente, retendo cátions e tendo como constituintes nutrientes aniônicos como nitrogênio, fósforo, enxofre, etc. Portanto, quando os rios transportam em suas águas as partículas menores, com menor demanda energética, comparativamente àquela necessária ao transporte de partículas mais grosseiras, como as areias (observe que estas são mais encontradas nos leitos dos rios), eles estão enriquecendo os solos de suas margens com a deposição dessas partículas e com o recuo das águas depois das cheias. A maior riqueza de nutrientes nas partículas mais finas do solo é o que se denomina pelos edafólogos (aqueles que estudam a fertilidade, entre outras características dos solos) enriquecimento relativo. O enriquecimento relativo está em torno de 2 a 3, o que indica que as partículas mais finas que constituem os solos aluviais, por exemplo, são de duas a três vezes mais férteis que a média de todas as partículas, inclusive as finas, que constituem um solo em análise. Assim, os solos às margens dos rios são de duas a três vezes mais férteis que os solos da região por onde o rio passa (fora do limite da influência de suas enchentes). A já impaciente vestibulanda me interrompe: tudo bem! Nas margens dos rios as árvores vão crescer mais porque os solos são mais férteis. Entendo perfeitamente! – de novo o ar de empáfia – mas quem vai plantar as novas mudas numa margem desnuda, pelada como eu nasci? A natureza, disse-lhe eu, dando-lhe um tempo para que sua incredulidade e impaciência transbordassem como num rio na “enchente das goiabas”. A resposta dela foi: o nível de serotonina continua abaixando! Para acalmar seus ânimos, disse-lhe que os animais se incubem dessa tarefa ressemeando as margens dos rios quando vão beber água – semeam e adubam ao mesmo tempo. Como um bom exemplo didático, disse-lhe que o lobo guará, um voraz consumidor de araticum (ela adora o odor embora achasse enjoativo o sabor deste fruto dos cerrados), ingere também as sementes que tem e, segundo alguns biólogos, a dormência destas sementes é quebrada pela temperatura mais elevada e atividades enzimáticas diversas no intestino do lobo, tornando-as viáveis (“germináveis”) quando o lobo as deposita juntamente com suas fezes nas margens dos rios. O mesmo acontece com os pássaros, como verdadeiras plantadeiras, semeando as margens dos rios quando vão beber água. 34 Sementes que caem nas águas rio acima (certamente com densidade inferior à da água – a natureza não faria o contrário!) vêm flutuando até se ancorarem em algum ponto da margem do rio ou deixadas durante às enchentes em toda a área de abrangência dela, onde germinam. Portanto, há nas margens dos rios solos mais férteis, maior umidade e constante suprimento de sementes – aos sábados, domingos e feriados, sem horas extras, fundo de garantia, férias, décimo terceiro, vale transporte, vale alimentação, políticos “cultos” mas desinformados... (já imaginou os “incultos” e desinformados? Ninguém merece!). E um detalhe a mais e também importante: quanto mais deflorestada forem as margens dos rios, maior é o transporte de partículas (maior a erosão dos solos das margens) e maior será o enriquecimento relativo dos solos das margens. Observe então que a falta de mata ciliar prepara melhor a margem dos rios (tornam-se mais férteis) como se adequando-as mais intensamente para quando lhes for permitido reflorestar, como ocorria no passado sem a interferência do homem. O que você conclui da proposta do nosso candidato a presidência com excelente curriculum vitae científico e acadêmico? É... de fato não há razão para contratar milhares de pessoas para fazer aquilo que a natureza faz gratuitamente e de maneira tecnicamente perfeita! Você pode deduzir, disse-lhe eu, que no lugar de colocar mais homens para resolver o problema, o que deve ser feito é eliminar a presença do homem e de sua parafernália para ganhar dinheiro ou para seu bem estar: lavouras, gado, estradas, pesqueiros, fogo, etc. das margens dos rios – 30 m de cada lado, como manda a lei. Portanto, a solução para a recomposição da mata ciliar é colocar uma cerca de cada lado do rio, a pelo menos 30 m, vedando a presença do homem e de suas conseqüências, mas não da fauna; tudo será resolvido naturalmente. Quando você iniciou esta nossa (de novo, a boa postura!) conversa eu imaginava que o eucalipto estaria presente; estou espantada pela sua ausência, depois de tudo que já se falou sobre esta planta. O comentário de minha filha era pertinente e esta conversa parecia mesmo ter perdido o tom das conversas anteriores. Você pode imaginar que estou fazendo “hora com sua cara” (eu também estava, gradualmente, me ajustando à sua maneira de expressar, à sua linguagem), mas tudo que discutimos foi no sentido de prepará-la sobre como o eucalipto entra neste papo (!). A primeira coisa certa para todos nós é que o homem e suas atividades e necessidades diversas foram, de modo geral, responsáveis pelo desaparecimento total ou 35 parcial das matas ciliares. Mas coisa “certa” não é tão absoluta, como também a proposta sobre as matas ciliares do candidato à presidência parecia “certa” mas mostramos que não era. Os cultivos anuais, como da soja, milho, trigo, etc, e as pastagens de modo mais expressivo, na minha visão, foram os grandes responsáveis pelo desaparecimento das matas ciliares. A pastagem de modo mais expressivo porque os solos mais férteis e úmidos produzem mais biomassa durante todo o ano, diferença que se torna mais evidente pela usual não fertilização dos solos geralmente inférteis utilizados com pastagens e pela maior umidade que mantém a pastagem mais verde mesmo nos períodos de estiagem mais prolongados. Além do mais, o acesso do gado à água, o pisoteio de mudas novas e a compactação do solo levam ao raleamento da vegetação ribeirinha, por razões já discutidas por nós. Árvores maiores e mais retilíneas nessas condições, quando comparadas à vegetação de cerrado, de campo, de “matas-secas”, também eram mais visadas para a construção de cercas, currais, casas, etc. pelos proprietários – de novo o homem como a razão para o sumiço das matas ciliares. Por outro lado, os reflorestamentos com eucalipto constituem o uso agrícola do solo com o maior respeito às leis ambientais. A causa para isto parece ser pela juventude da atividade, desenvolvida mais intensivamente no país nas últimas três décadas, comparativamente à lavoura e pecuária (secular), à grandeza das empresas envolvidas, com forte espírito de respeito ao meio ambiente e à sustentabilidade do uso do solo, à melhor tecnologia de exploração florestal, sem maiores limitações de recursos como ocorre, com freqüência, com a agricultura tradicional, à utilização de um modelo internacional de respeito à leis ambientais e à visão de longo prazo, mais estável que a agricultura tradicional. Como conseqüência, a grande maioria das empresas florestais com eucalipto no país mantém mais de 50 % de suas áreas preservadas (isoladas e intocadas). Dessa maneira, as matas ciliares se existente são preservadas e se não serão isoladas – delimitadas – pelos talhões de eucalipto que pelo que você já sabe é a condição para que ela se refaça sem novas interferências antropogênicas. Essas matas ciliares vão se tornar ambiente para a recomposição da diversidade e restabelecimento da flora e da fauna, num ambiente em que a cadeia trófica dos animais é mais rica pelas mesmas razões que a vegetação é mais rica, como fonte inicial de energia para os componentes dessa cadeia. Portanto, as áreas não utilizadas pelas empresas são exatamente aquelas mais úteis à diversidade e sustentabilidade da flora e da fauna. Elas se tornam grandes 36 corredores naturais de trânsito dos animais e com a qualidade que aquelas áreas mais planas e mais adequadas ao cultivo do eucalipto não têm. Assim, as empresas estão preservando o que há de melhor para a flora e a fauna, em grandes proporções de suas áreas, como já dito, e com uma grande vantagem adicional: isolam essas áreas, evitando a presença do homem que por séculos usou as matas ciliares em beneficio próprio em detrimento do ambiente, seja por falta de opção ou mesmo por ignorância. Felizmente, o eucalipto tem feito aquilo que o candidato à presidência está prometendo fazer, só que com muito mais eficiência, rapidez e definitivamente sustentável, pelo menos enquanto o eucalipto existir. O EUCALIPTO E A DOENÇA DE CHAGAS Para testar o conhecimento de minha filha vestibulanda, durante uma de nossas horas de lazer, perguntei-lhe sobre a etiologia da doença de Chagas. Enquanto ela respondia com o entusiasmo de quem sabia a resposta e tinha o ego inflado ao demonstrá-la em detalhes, procurei entender o porquê de ter me lembrado exatamente da doença de Chagas quando tantas outras mais atuais, “modernas”, poderiam ter sido feitas: o problema explosivo, crescente, da AIDS para a humanidade ou, quem sabe, o sucesso espetacular e também explosivo e crescente, neste caso para o bem, das célulastronco, ou mesmo dos transgênicos. Depois de sua resposta satisfatória, fiz um retrospecto de minhas lembranças sobre a silenciosamente progressiva Chagas, com a morte também silenciosa mas rápida, imediata, de seus portadores, e ela se juntou ao eucalipto, em minha mente. O “afloramento”(1) desta doença em minha mente, com toda a certeza era conseqüência de uma longa mas significativa e, diria mesmo, maravilhosa viagem que havia feito na semana anterior, em regiões de grandes e vigorosos plantios de eucalipto, juntamente com o Prof. Nairam, o mestre, mesmo que com o seu brilhante PhD., do eucalipto no Brasil e lembrado e respeitado em todo o mundo. Visitamos empresas das regiões delimitadas pelas cidades de Itamandiba, Carbonita e Capelinha no Norte de Minas; um mar verde (e bom!) de florestas de eucalipto. E a doença ou “mal” de Chagas, o que tem a ver com isto? Enquanto visitávamos florestas com até 50-60 m3 ha-1 ano-1, de (1) Termo que utilizo, entre outros mais adequados ao que quero dizer, dada a minha formação pedológica e seu vocabulário próprio. 37 deixar os mais cépticos (“se hay eucalipto soy contra”) entusiasmados, lembrava-me da primeira vez que visitei aquela mesma região em 1977, recém chegado de um doutorado nos Estados Unidos e com o infundado complexo de sapiência que nos dias que se seguiram à minha chegada foi reduzido a cinzas ou, na linguagem laboratorial, a nihil (do nilismo). Éramos três professores da UFV, convidados por uma empresa de reforestamento que dava os primeiros passos na região, estimulados pelo incentivo fiscal ao plantio de eucalipto, em seus primórdios. Depois de uma viagem de dois dias, de sol a sol, de Viçosa àquela região, em uma estrada estreita e poeirenta, que acompanhava toda a sinuosidade do perfil da trajetória, como se quisesse compreender a gênese daqueles solos conhecendo-se a geomorfologia da região, chegamos exaustos a uma modesta pensão, a melhor da cidade, onde pernoitaríamos. Dado o aspecto da pensão, uma casa muito velha com paredes trincadas, indicando ser um habitat muito mais adequado aos “barbeiros” que aos seus novos hóspedes, tentamos dormir, dada a exaustão física, mas sem sucesso, dada a prontidão mental. Lembro-me de um de meus colegas, em pânico maior que os demais, ir a única farmácia para comprar, como produto de maior procura na região, uma lata de “neocid”. Ele polvilhou neocid, formando uma camada branca debaixo da porta, nas frestas das janelas, trincas das paredes e não permitiu que se apagasse a luz do quarto, onde todos nos tentávamos dormir. O pânico desse professor foi então maior ao deitar e verificar, com a ajuda da lâmpada acesa, que o quarto não tinha forro e que telhas feitas nas cochas(2) deixavam grandes frestas que permitiriam trânsito livre, não apenas aos barbeiros mas até mesmo a “bichos” maiores. Acreditamos hoje, trinta anos depois, que apesar do pânico, não formos picados por “barbeiros” ou se picados não fomos infectados com o Tripanossoma cruzis. Acredito que aquele meu colega ainda continue em dúvidas até hoje sobre sua infecção ou não. No dia seguinte, o entusiasmo do responsável técnico da empresa foi transformado em decepção por não ter tido nenhuma resposta consistente sobre como fazer o eucalipto crescer mais que os seus míseros 8-10 m3 ha-1 ano-1 daquela época. Não sabíamos nada sobre a necessidade de calagem dessa espécie (era tolerante a (2) As telhas antigamente tinham sua forma estabelecida pela moldagem de barro nas cochas de uma pessoa assentada, dando-lhes formas grosseiras e não uniformes quando comparadas às que lhes seguiram com a utilização de processos mecânicos que lhes dão a homogeneidade de forma que tem atualmente. 38 alumínio do solo ou não? Qual sua demanda por cálcio e magnésio), sobre a adubação NPK inicial, além do 6-30-6 ou equivalente já utilizado naquela época (a única coisa que permanece até hoje), fosfatagem, preparo de solo, espécies recomendadas (ainda não se falava em clones, alguns que, atualmente, parecem ter vindo de outro mundo, outro planeta, dadas suas características silviculturais espetaculares – vemos mas não acreditamos!). Voltamos de nossa viagem como fomos: não sabíamos absolutamente nada sobre o eucalipto. Na verdade, podíamos ter voltado com “Chagas” e com a certeza de que três diplomas de PhD foram inúteis à resolução de problemas tão elementares, se comparados ao que sabemos hoje. Nesta viagem da semana passada, trinta anos depois, as enormes áreas de florestas espetaculares, conseqüência dos melhores clones, melhores correção e fertilização dos solos, técnicas avançadas de produção de mudas, preparo do solo e implantação das florestas, durante o ano todo, com ou sem chuvas, além de toda uma parafernália para o controle de pragas e doenças, principalmente por meio de seleção de clones resistentes, etc, etc, me induziram a esta restrospectiva histórica e a chegar à conclusão que nós pesquisadores brasileiros somos, de fato, competentes, mesmo que em alguns momentos, o salário curto para um mês tão longo, falta de verbas e insentivos governamentais, tenham se tornado a nossa “doença de Chagas” atual, que também nos mata silenciosa e progressivamente, todavia de maneira mais dolorosa que a própria doença. Demos um grande salto, em apenas trinta anos, neste período(1) para a evolução do cultivo do eucalipto em nosso país. Hoje, pesquisadores e instituições de pesquisa por todo o país somos respeitados mundialmente quando se trata de tecnologia para o cultivo de florestas de eucalipto. Nesta nova viagem da semana passada ao Norte de Minas, dormimos em bons hotéis, em cada uma dessas cidades, comemos em bons restaurantes e fizemos uma viagem tranqüila de apenas oito horas em uma estrada totalmente asfaltada. As cidades naquela época tinham o esgoto das casas jogado na própria rua, a céu aberto, algumas casas, como a própria pensão onde serviam nossas refeições com um descuido higiênico evidente, testemunhado por uma nuvem de mosquitos que alternavam seus pousos entre o esgoto da rua e os pratos da comida servida, fizeram (1) Há outros saltos anteriores, não mesmo importantes que os atuais, como a introdução do eucalipto no Brasil pelo “visionário” Navarro de Andrade com seus passos iniciais persistentes que deram a base essencial aos passos seguintes. 39 com que meu colega mais preocupado com o “barbeiro” também perdesse alguns quilos nessa viagem. Hoje, dorme-se e come-se bem, tranqüilo, sem as preocupações (desesperos) do passado e verifica-se o enorme avanço da qualidade de vida dos habitantes da região, dos empregados das empresas, indicando a importância que foi a substituição do “barbeiro” pelo eucalipto. Porque alguns ambientalistas mais emperdenidos não vêm, ou não querem ver isto? Para mim, há uma situação análoga com aqueles que lidam com orquídeas: há os orquidófilos – que gostam de orquídeas (veja a etimologia da palavra) – muitos, já por décadas, cheios de idéias completamente equivocadas, trombeteadas com um bom nível de arrogância para os recém introduzidos aos cultivos dessas plantas, e há os orquidólogos. Os orquidólogos tratam e procuram entender a orquídea dentro de princípios rígidos da ciência, não “acham”, mas “afirmam”; desenvolvem novas técnicas que fazem com que o cultivo dessas plantas maravilhosas seja cada vez mais eficiente, com plantas e cultivos crescentemente melhores. Enquanto os orquidófilos, em número muito maior, fazem um estardalhaço improdutivo, os orquidólogos, em número muito menor, tentam, nem sempre com sucesso, convencer os recém-iniciados a mudar suas técnicas equivocadas e comprovadas pelo tempo como ineficientes. Fico imaginando se o eucalipto no Brasil tivesse sido tratado por “eucaliptófilos” e não por “eucaliptólogos”, onde ainda estaríamos – certamente com mais doença de Chagas que no passado. Apenas uma última indagação. Curiosidade apenas: Não há como diminuir o número de “ambientófilos” em favor de um número maior de “ambientólogos”, no país? Tomara que sim! 40