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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS
Departamento de Física – Prof. Marcílio de Freitas – fevereiro/2011 –
Manaus/AM
BREVE APRECIAÇÃO SOBRE A HISTÓRIA DA MECÂNICA CLÁSSICA
Esta resenha propõe-se fazer uma sucinta análise sobre aspectos
históricos relacionados com o desenvolvimento da mecânica. Ela constitui
uma síntese ampliada do importante artigo: UMA NOVA VISÃO DA HISTÓRIA DA
MECÂNICA, de autoria de Elio B. M. Cunha, publicado na Revista de Ensino de
Física, vol. 5, nº1, junho de 1993.
I – QUESTÕES PRELIMINARES
A mecânica clássica constitui um ramo das ciências físicas. Ela se
fundamenta num conjunto de leis físicas1 que balizam a construção de
métodos matemáticos que descrevem os movimentos de objetos. Para isso, a
mecânica se apóia na interpretação intuitiva da interrelação do conceito de
distância com a Geometria Euclidiana, e no pressuposto de que o tempo
comporta-se como uma magnitude absoluta, que flui igualmente para todas as
pessoas, independente de seus estados de movimento. A combinação dos
conceitos de espaço e tempo possibilita a definição da velocidade e da
aceleração de um objeto. O terceiro conceito fundamental, a massa, requer
uma elaboração intelectual mais sofisticada, de uma forma bem simplista as
definições operacionais dos conceitos de massa podem ser expressas como: 1)
massa inercial é aquela que determina a aceleração de um corpo submetido a
uma determinada força; 2) massa gravitacional2 é aquela que determina as
forças gravitacionais que se exercem entre um corpo e os demais corpos em
sua vizinhança.
A mecânica se complexificou em forma sistêmica, quando Newton
enunciou as leis (axiomas) que ampliaram o seu alcance heurístico,
possibilitando sua aplicação na solução de diversos problemas técnicos
postos à época. Conforme essas leis:
1 - Todo corpo permanece em repouso ou em movimento uniforme a menos
que sobre ele atue uma força.
2 – O (s) corpo (s) se move (m) de tal forma que a somatória das
forças que atuam sobre ele (s) é (são) igual (is) à taxa de variação de seu
(s) movimento (s) linear (es) com respeito ao tempo.
3 – Quando dois corpos exercem forças entre si, estas são de igual
intensidade e sentidos opostos3.
Segundo as abordagens nos livros textos de cursos acadêmicos, os
fundamentos da mecânica clássica foram estabelecidos em forma definitiva
por Newton na obra denominada "Matemathical Principles of Natural
Philosophy", publicada em 1687. A visão prevalecente, até mesmo entre os
profissionais da área, é que a mecânica clássica foi construída por um
desenvolvimento puramente dedutivo4, a partir das leis de Newton. Elio
Cunha nega esta premissa, e mostra que as informações atualmente
apresentadas para os leitores e estudiosos são rudimentos de mecânica,
construídos pelos Bernoulli, por Euler, Lagrange, Legendre, Laplace,
Jacobi, Hamilton e muitos outros, incluindo aqueles que, por meio de seus
erros, demandaram abordagens novas que contribuíram para o aperfeiçoamento
desta área científica.
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1 - Geralmente as leis físicas estão fundamentadas em resultados
experimentais.
2 - Os trabalhos experimentais que comprovaram a equivalência entre massa
inercial e massa gravitacional foram realizados por Galileu.
3- Estas leis foram enunciadas por Newton, em 1687, no livro
"Principias...".
4- Este fato se deve à divulgação da obra de Ernst Mach (1838-1916)
intitulada: "Desarrollo histórico critico de la mecanica".
Segundo os livros textos utilizados em cursos acadêmicos, os
fundamentos da mecânica clássica foram estabelecidos de uma forma
definitiva por Newton na obra denominada "Matemathical Principles of
Natural Philosophy", publicada em 1687. A visão prevalecente, até mesmo
entre os profissionais da área, é que a mecânica clássica foi construída
por um desenvolvimento puramente dedutivo5, a partir das leis de Newton.
Elio Cunha nega esta premissa, e mostra que as informações atualmente
apresentadas para os leitores e estudiosos são rudimentos de mecânica,
construídos pelos Bernoulli, por Euler, Lagrange, Legendre, Laplace,
Jacobi, Hamilton e muitos outros, incluindo aqueles que mostraram, por meio
de seus erros, outras abordagens realizadas no aperfeiçoamento desta área
científica.
II – BREVES COMENTÁRIOS SOBRE OS PRINCÍPIOS
Esta é a principal obra que dá vigência histórica à mecânica
clássica. Ela surpreende pela sua sofisticação, conteúdo e abrangência
intelectual, encontrando-se estruturada em 3 (três) livros, com os
ementários que se seguem:
CONTENTS
BIOGRAPHICAL NOTE
PREFACES TO THE FIRST, SECOND AND THIRD EDITIONS
DEFINITIONS
AXIOMS, OR LAWS OF MOTION
BOOK I. THE MOTION OF BODIES
SECTION
I. Method of first and last ratios
II. Determination of centripetal forces
III. Motion of bodies in ecentric conic sections
IV. Finding of elliptic, parabolic and hyperbolic orbits from the
focus given
V. How the orbit are to be found when neither focus is given
VI. How the motions are to be found in given orbits
VII. Rectilinear ascent and descent of bodies
VIII. Determination of orbits in which bodies will revolve, being
acted upon by any sort of centripetal force
IX. Motion of bodies in movable orbits and the motion of the psides
X. Motion of bodies in given surfaces and the oscillating
pendulous motion of bodies
XI. Motions of bodies tending to each other centripetal forces
XII. Atractive forces of spherical bodies
XIII. Atractive forces of bodies which are not spherical
XIV. Motion of very small bodies when agitated by centripetal forces
tending to the several parts of any very great body.
BOOK II. THE MOTION OF BODIES (IN RESISTING MEDIUNS)
I. Motion of bodies that are resisted in the ratio of the velocity
II. Motion of bodies that are resisted as the square of their
velocities
III. Motion of bodies that are resisted part in the ratio of the
velocities, and part as the square of the same ratio
IV. Circular motion of bodies in resisting mediuns
V. Density an compression of fluids; hydrostatics
VI. Motion and resistance of pendulous bodies
VII. Motion of fluids, and the resistance made to projected bodies
VIII. Motion propagated through fluids
IX. Circular motion of fluids
BOOK III. THE SYSTEM OF THE WORLD (IN MATHEMATICAL TREATMENT)
RULES OF REASONING IN PHILOSOPHY
PHENOMENA
PROPOSITIONS
MOTION OF THE MOON'S NODES
GENERAL SCHOLIUM
A primeira parte do livro I refere-se ao movimento dos corpos no
"vazio". Esta etapa do livro desperta grande admiração e respeito pela
forma clara e concisa como são introduzidos e matematicamente estruturados
os princípios da mecânica, a partir de algumas leis gerais. Essa base
dedutiva teria sido a principal responsável pelo êxito do Principia.
Ressalta-se que a maior parte do conteúdo da primeira metade do livro I,
segundo os historiadores de ciência, pode ser encontrada em escritos
anteriores.
A questão central da segunda parte do livro I relaciona-se com a
busca da solução matemática do problema relacionado com o movimento
simultâneo de três corpos. De acordo com Truesdell na sua obra denominada
"Ensayos de Historia de La Mecanica", Newton não oferece para este problema
nenhuma solução, nem o que se estende modernamente por uma solução
aproximada; e mais, nem sequer estabeleceu equações de movimento. O fato de
ele ter obtido algumas desigualdades matemáticas corretas e intuitivamente
se aproximado dos resultados de maior importância, deve-se à sua
inteligência excepcional. Contudo, isto não demonstra que sua formulação
sobre as leis gerais da mecânica clássica não fosse adequada; a história
mostra o contrário. Um maior progresso não exigia um instrumento matemático
muito mais refinado, pois Newton era um mestre em obter soluções
aproximadas, quadraturas e desenvolvimentos em série para os problemas
matemáticos, postos à época. O fato que transcorreram cinquenta anos antes
que estudiosos melhorassem seus resultados sobre o problema dos três
corpos, demonstra que Newton havia aprofundado no tema tudo o que seus
métodos e conceitos permitiam. Extrair tanto de uma formulação tão simples
da mecânica requereu a criatividade e a sabedoria de Newton. Nenhum de seus
discípulos conseguiu incorporar significativos avanços ao seu trabalho.
Foram necessários cinquenta anos de abstração, maior precisão e
generalização dos conceitos newtonianos para o aperfeiçoamento de sua
teoria. O primeiro a ultrapassar Newton em sua elaboração do problema dos
três corpos foi Euler, o pesquisador que inventou métodos que
possibilitaram formular problemas mecânicos como problemas matemáticos
perfeitamente definidos ("Ensayos...", pg 94).
No livro II, que se refere ao movimento dos corpos imersos em meios
resistivos, Newton tenta determinar matematicamente os efeitos do atrito
nos movimentos dos corpos. Ele aplica aos movimentos dos corpos na terra,
os dados e demais informações sobre mecânica celeste existentes até então.
Este livro não mantém uma estrutura matemática rigorosamente dedutiva, ao
contrário, a maioria das soluções dos problemas propostos são incorretas. O
seu papel teria sido principalmente, o de indicar uma série de problemas
que iriam ocupar boa parte das investigações de século seguinte: "apesar
desta sucessão anárquica de demonstrações matemáticas, hipóteses
brilhantes, intuições e erros crassos, o livro II tem sido considerado, com
justiça, como a manifestação mais grandiosa do gênio de Newton.
O livro II foi propriamente um desafio lançado aos geômetras da
época. Viram diante de si a necessidade de corrigir os erros, substituir as
intuições mediante hipóteses claras, ordenar essas hipóteses dentro de um
esquema da mecânica racional, trocar os equívocos por demonstrações
matemáticas e criar novos conceitos para alcançar o que Newton não havia
conseguido. Não é exagero afirmar que a mecânica racional e, portanto, a
física matemática junto com a visão da natureza a que esta deu lugar,
nasceu deste desafio, aceito como foi pela escola matemática da Basiléia
("Ensayos...", pg 143).
O livro III trata de astronomia. Newton mostra que as proposições do
livro I, com valores adequados, conseguem uma boa concordância com os
fenômenos conhecidos do sistema solar.
Resumido: "Nos três livros que compõem o "Principia", Newton mostra
seu talento de grande teórico por sua capacidade para organizar, deduzir
matematicamente, e refundir leis e fenômenos conhecidos, aparentemente
independentes entre si; criar conceitos novos, e obter predições numéricas
detalhadas e compará-las com valores medidos.
O que não fez, em absoluto, foi dar à mecânica "clássica", sua forma
atual, pois seus princípios não eram suficientemente claros e precisos
("Ensayos...", pg 95).
Uma das consequências dessa imprecisão conceitual teria sido a
seguinte: "Salvo para certos problemas particulares, que embora simples,
são importantes, Newton não parece ter sido capaz de estabelecer equações
diferenciais que descrevam movimento de um sistema mecânico."... grande
parte dos estudos sobre mecânica que apareceram ao longo dos sessenta anos
que se seguiram à publicação do "Principia", se ocuparam em estabelecer
equações do movimento para os sistemas mecânicos que o próprio Newton havia
estudado e também para os outros sistemas que se consideram regidos pelas
"Equações de Newton".
Em suma, nos "Principias..." não aparecem equações para o movimento
de sistemas compostos por mais de duas massas pontuais livres, nem para
sistemas com mais de uma massa pontual ligada, sua teorias acerca dos
fluidos são em sua maior parte falsas, e temas tais como o pião que gira ou
uma mola flexionada, encontram-se fora do seu alcance heurístico
("Ensayos...", pg 96).
Portanto, ao contrário do que afirma Mach, Newton não teria
estabelecido, na sua forma definitiva, os princípios da mecânica tal como
são aceitos hoje. Seu papel teria sido o de iniciar a formulação desses
princípios.
III – BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A MECÂNICA PÓS-NEWTONIANA
Continuando, Truesdell afirma que as maiores contribuições para a
mecânica no século posterior a Newton não foram realizadas pelos "físicos"
da época. Os trabalhos publicados por estes eram, geralmente, de natureza
puramente experimental ou especulativa, em geral, eles não se ocupavam da
teoria matemática. Esta teoria foi criada por vários "geômetras" ou
"algebristas" – assim chamados à época – que se empenharam em expressar em
forma matemática as leis que regem a experiência física comum, tão evidente
para qualquer um que se dê ao trabalho de observá-la (Ensayos..., pg 96).
Ou seja, o desenvolvimento desse ramo da ciência não teria sido devido ao
maior desenvolvimento experimental, no sentido que novas experiências
tivessem colaborado para o surgimento de novas leis, mas a um esforço
basicamente teórico, envolvendo a criação de novos conceitos que
representassem adequadamente determinadas características físicas dos
sistemas tratados e permitissem uma articulação matemática com a teoria
geral.
Os novos desenvolvimentos ontológicos e metodológicos surgiram
devido às dificuldades encontradas na solução de problemas particulares, o
que mostra que não bastava aplicar as leis de Newton, conforme elas se
apresentavam à época. No entanto, a solução desses problemas específicos
não era o suficiente para esses pesquisadores; eles partilhavam também da
aspiração pela organização da teoria em uma estrutura dedutiva e rigorosa.
Esse aspecto é ressaltado por Truesdell ao criticar o positivismo de
Mach: "Mach, assim como seus discípulos atuais, confundiu esta tendência
para a ordem e a precisão com a metafísica. Sua oposição à metafísica era
tão violenta que desterrou da história da mecânica quase a totalidade de
análise e de busca dos conceitos básicos desta matéria, deixando o leitor
com a impressão de que seu desenvolvimento foi puramente experimental."
Entretanto, a elegante generalidade da mecânica não nasceu da
especulação filosófica; a mecânica é, também, uma ciência baseada na
experiência; o teórico há de comparar a experiência contida em teorias
anteriores edificadas pra explicar os mesmos fenômenos. A história da
mecânica racional não é, somente, experimental nem filosófica, é, também,
matemática; constituída de problemas particulares, cujas soluções exigiram
a criação de novos princípios e métodos. A solução dos casos particulares
não era um fim em si mesmo, mas um guia para as generalizações corretas. A
ordem e o arcabouço da estrutura teórica eram tão importantes como a
validade de seus componentes ("Ensayos..., pg 98).
Assim como houve a aplicação da teoria já estabelecida a
determinados casos ou a criação de novos conceitos e métodos quando ela se
mostrava insuficiente, houve também a necessidade de um refinamento
conceitual e formal de princípios já formulados. Contrariando a visão de
Mach, que se tem um desenvolvimento puramente dedutivo, a partir das leis
de Newton, constata-se que essas mesmas leis sofreram um processo de
constante reformulação, visando uma maior precisão conceitual que
possibilitasse a emergência de condições para uma maior eficácia do
formalismo representativo desses conceitos, resultando na utilização de uma
matemática mais poderosa e sofisticada.
Um dos momentos em que isso ocorreu foi com a publicação do livro de
Euler denominado "Mecânica", em 1736. Esta obra reformulou os princípios da
mecânica mediante três conceitos novos. Em primeiro lugar, como Newton
tinha utilizado a palavra "corpo" de maneira vaga e com pelo menos três
sentidos distintos, Euler percebeu que os enunciados newtonianos geralmente
são corretos só quando se aplicam a massa concentradas em pontos isolados;
como desdobramento ele introduziu o conceito preciso de massa pontual, seu
trabalho constitui o primeiro tratado dedicado única e exclusivamente a
esse conceito. Também foi o primeiro a estudar explicitamente a aceleração
como uma magnitude cinemática definida no movimento sobre uma curva
qualquer. Finalmente, emprega o conceito de vetor ou "magnitude
geométrica", uma entidade matemática que se aplica não só à força estática,
aplicação já bem conhecida, mas também à velocidade, à aceleração e a
outras magnitudes físicas ("Ensayos..., pg 108).
Se as leis de Newton, formuladas com um conceito vago de corpo, nos
dão uma explicação satisfatória para o movimento de translação da Lua em
torno da Terra, elas se tornam insuficientes quando pretendemos abordar uma
situação desse sistema que leve em conta os movimentos de rotação da Lua e
da terra em torno dos seus eixos. Nesse caso, será preciso considerar, por
exemplo, os movimentos das partes dos corpos em relação ao seu centro de
gravidade, e não poderemos aplicar as leis na sua forma inicial que é
adequada somente às situações em que os corpos podem ser considerados como
massas pontuais.
Mas afinal em que consistiu essa mudança na formulação dessas leis?
Para tornar mais clara essa discussão, considere os dois primeiros axiomas,
tais como são apresentados por Newton:
"Todo corpo permanece em seu estado de repouso ou de movimento
retilíneo, a menos que seja obrigado a mudar tal estado por forças
aplicadas sobre ele".
O segundo axioma afirma que: "A variação do movimento linear é
proporcional à força motriz aplicada, e ocorre sobre a linha reta segundo a
qual se aplica tal força" ("Principia" – pg.14; em "Great Bokks of the
Western World, vol. 14 - Enciclopedia Britannica, Inc.).
Segundo Truesdell, a primeira vez em que as leis de Newton foram
apresentadas na forma diferencial (como são ensinadas atualmente),
explicitando toda sua generalidade e possibilidade de serem aplicadas a
qualquer parte de um sistema arbitrário, ocorreram em 1750, em um trabalho
de Euler. Isso se deu, devido às dificuldades encontradas para aplicá-las a
determinados sistemas físicos. Truesdell explica que, por volta de 1747,
Euler "...conseguia resultados satisfatórios para os sistemas discretos,
mas, todavia, não tinha sido capaz de obter um método geral e unificado
para os sólidos e os meios fluidos. Apoiando-se no método que utilizara
para investigar a corda vibrante e alguns problemas de hidráulica, por fim,
em 1750, viu que o princípio do momento linear (Segunda lei de Newton) era
aplicável a sistemas mecânicos de todo tipo, sejam discretos ou contínuos.
Seu estudo, intitulado "Descobrimento de um novo princípio da mecânica",
foi publicado em 1752, e apresenta as seguintes equações:
Fx = Max; Fy = May; Fz =
Maz
como os axiomas que "compreendem todas as leis da mecânica", e nos quais a
massa M pode ser tanto finita quanto infinitesimal. Mais adiante os
chamaria "os primeiros princípios da mecânica". Pela primeira vez as
famosas "Equações de Newton" são propostas como equações gerais, válidas
para problemas mecânicos de qualquer tipo.
Parece tão fácil o descobrimento deste princípio a partir das idéias
newtonianas que em geral credencia-se Newton como sendo seu autor. É um
fato inegável que se passarão sessenta anos de investigação por meio de
métodos mais complicados e sofisticados, incluindo às soluções para
problemas relativamente simples, antes que se reconhecesse esse "novo
princípio".
Os desdobramentos do "novo princípio" foram imediatos; no mesmo
trabalho em que Euler o publicou se encontram as equações do movimento para
um corpo rígido ("Ensayos..., pg 116).
Realmente, se um estudante atual de física lê as leis do movimento
tais como se encontram no "Principia", ele imediatamente as pensa na forma
em que são apresentadas por Euler, pois é dessa maneira que elas são
expressas normalmente. O que dificulta a avaliação da evolução conceitual
ocorrida nos sessenta anos que separam as duas formulações. No entanto, o
fato é que, na forma em que elas são apresentadas por Newton, as mesmas não
podem ser aplicadas na resolução de determinados problemas, como é o caso
da dinâmica dos corpos rígidos.
Sobre esse ponto o conhecimento que se tinha antes de 1750 era
bastante limitado, não se sabia determinar o movimento de um pião, e nem
mesmo calcular as reações sobre o apoio de um corpo girando em torno de um
eixo fixo. Em uma carta de Daniel Bernoulli a Euler, de dezembro de 1745,
há uma avaliação do problema geral de rotação como "extremamente difícil,
que não será resolvido com facilidade por ninguém" (citado por Truesdell)
("Ensayos..., pg 238), o que reafirma as dificuldades encontradas para
"aplicar as leis de Newton", nessa época.
IV – UMA LEI FUNDAMENTAL NOVA
Elio Cunha apresenta várias razões para a rejeição de uma visão
dedutiva e formal do desenvolvimento da mecânica. Entre outros pontos,
parece inegável que nesse processo houve necessidade de novas ideias
físicas, e não só matemáticas, assim como um conhecimento mais profundo de
conceitos já formulados, como condição prévia para a introdução de novas
técnicas matemáticas e a aplicação de leis já enunciadas às novas situações
vigentes.
No entanto, os aspectos da mecânica apresentados ao leitor e aos
estudiosos, ainda permitem uma reconstrução lógica dessa teoria, segundo as
concepções de Mach. Entretanto, os "novos princípios da mecânica" de Euler,
correspondem a uma formulação mais precisa das leis de Newton. A partir
deles pode-se construir uma estrutura teórica mais abrangente e
sofisticada. Trata-se de uma reconstrução "a posterior" e que não
corresponde à evolução histórica; entretanto, um partidário de Mach poderá
argumentar que o imenso trabalho teórico que a tornou possível foi
basicamente matemático e que "não se enunciou nenhum princípio
essencialmente novo desde o tempo de Newton".
Como já explicado antes, parece uma idéia simplista afirmar que, por
exemplo, as leis de Euler para a dinâmica dos corpos rígidos, envolvendo o
tensor de inércia, não tenham se constituído num princípio essencialmente
novo em termos de física. Contudo, é preciso reconhecer que essa discussão
está pressupondo determinadas posições sobre o significado físico dos
conceitos teóricos, de forma que um positivista convicto poderia partir de
pressupostos distintos e considerar satisfatoriamente a interpretação de
Mach.
Contudo, ao se abordar a mecânica em forma holística, constata-se
que se torna inadmissível considerar essa interpretação, porque na mecânica
dos corpos deformáveis, que engloba a mecânica dos fluidos e a elasticidade
dos meios, torna-se necessária a introdução de uma lei básica, que não pode
ser deduzida das leis de Newton.
Trata-se do seguinte princípio: "A variação temporal do momento
angular de um corpo arbitrário é igual ao torque (ou binário, ou momento de
força) total aplicado sobre ele". Podemos chamá-lo de "princípio do momento
angular", ou, como Truesdell, "princípio do momento da quantidade do
movimento". Ele representa para o movimento de rotação o mesmo que a
segunda lei de Newton (o "princípio do momento linear") representa para o
movimento de translação.
Um fato interessante e que geralmente é encarado com surpresa pelos
físicos profissionais, é a afirmativa de que as duas leis são
independentes. Na verdade, o princípio do momento angular pode ser deduzido
do princípio do momento linear em alguns casos particulares, como na
dinâmica dos corpos rígidos. Mas, para o caso mais geral de um meio
contínuo deformável, a dedução não é possível.
Também data dessa época o trabalho de Jakob Bernoulli, que abordava
justamente, situações nas quais a Mecânica de Newton era frágil: problemas
relativos a sólidos rígidos ou elásticos.
O encontro mais completo destas tendências se daria na obra de
Euler: "Euler foi aluno Johann Bernoulli (1667-1748), que tinha sido
orientado por seu irmão Jakob. Portanto, Euler herdou não só a matemática
de Leibnitz e dos Bernoulli, mas também a tradição da estática,
desenvolvida por Stevin, Huygens, e Pierre Varignon (1645-1722). Ao mesmo
tempo, ele assimilou os métodos e os conceitos de Newton, com ênfase nos
processos dinâmicos e nos fenômenos celestes, e, nele, as duas correntes
fundamentais do pensamento em mecânica chegaram juntas, se fundindo
("History of Classical Mechanics – Part I, to 1800", pg.59 – in
natuwissenchaften, 63, pg. 53-62; 1976).
Portanto, não é surpresa que tenha sido Euler o construtor da
linguagem que identificou a independência dos princípios do momento linear
e do momento angular; leis gerais da mecânica. Contudo, foram necessários
dezenas de anos para que ele chegasse a esse resultado. O grande obstáculo
nesse sentido era decorrente da não separação entre os princípios gerais da
mecânica e de suas equações matemáticas constitutivas.
A mecânica constitui um conjunto de conhecimentos fundamental ao
desenvolvimento das ciências físicas. Mecânica e eletromagnetismo; mecânica
e termodinâmica; mecânica e estrutura da matéria; mecânica e relatividade;
mecânica e astronomia; e mecânica e tecnologias são dimensões científicas
que movimentaram a construção da ciência moderna desde o século XVII. A
inserção e aplicação de seus conteúdos em vários campos de conhecimento e
problemas tecnológicos complexos, legitimou sua importância para a história
universal.
V – PRINCÍPIOS GERAIS QUE FUNDAMENTAM A MECÂNICA CLÁSSICA
Características do Propriedades de um
Grandeza que
Sistema inercial sistema mecânico
se conserva
Homogeneidade Não é função explícita
Energia total
do tempo do tempo
Homogeneidade Invariância com respeito
Momento
do espaço às translações
linear
Isotropia do espaço Invariância com respeito
Momento
aos giros
angular
VI - A MECÂNICA É UMA CIÊNCIA VIVA?
A resposta é sim, por que à medida que se aplica as leis gerais a
determinados casos, pode ocorrer que essas próprias leis precisem ser
modificadas, refinadas, ou elaboradas com maior precisão. Dessa forma, não
se tem um processo dedutivo estritamente lógico e sintático, mas também um
desenvolvimento semântico, em que os conceitos básicos são continuamente
enriquecidos à medida que a teoria enfrenta testes novos, como a resolução
de problemas particulares, o confronto com outras teorias e os testes
experimentais.
VI.1 - AMAZÔNIA; QUEM SOMOS NÓS E DESAFIOS À MECÂNICA
A importância da Amazônia para o Brasil constitui unanimidade
nacional e mundial. Ela é parte da região sul-americana com condições
climáticas caracterizadas por altas temperaturas, umidade e precipitação
pluviométrica, e que engloba parte do Brasil, Peru, Equador, Bolívia,
Colômbia, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa, totalizando 6,5
milhões de km2, dos quais 4,5-5 milhões de km2 são constituídos de
florestas primárias.
A Amazônia brasileira é formada pelos Estados do Amazonas, Acre, Pará,
Amapá, Roraima, Rondônia, Tocantins, partes dos Estados do Maranhão e Mato
Grosso, totalizando 4.987.247km2, 3/5 do território brasileiro e 2/5 da
América do Sul, que corresponde a 1/20 da superfície terrestre. Nesses nove
Estados habitam 24 milhões de pessoas, em torno de 4/1000 da população
mundial, com mais de 60% desses habitantes morando em áreas urbanas, dentre
os quais 163 povos indígenas, que totalizam 204 mil pessoas, ou 60% da
população indígena brasileira. A Amazônia também possui mais de 70.000
quilômetros de rios navegáveis, 20% do potencial de recursos hídricos
superficiais do planeta, uma frota de 350 mil navios de médio e grande
porte, 50% do potencial hidrelétrico do Brasil, 12 milhões de hectares de
várzeas, grande potencial madeireiro e fonte de biomassa, pouco mais de
11.200km de fronteiras internacionais e ricas reservas minerais (Freitas e
Castro Júnior, 2004).
Nessa região encontra-se uma das maiores biodiversidades mundiais, 1/3
das reservas mundiais de florestas tropicais, 1/5 da água doce superficial
do planeta convergindo para o maior e mais volumoso rio do mundo, além de
se constituir em entidade física relevante nas estabilidades termodinâmica
e climática dos processos atmosféricos em escala global.
Os estudos da inter-relação do homem e do mercado com o ciclo
hidrológico, em escala local, regional e planetário, põem novas
responsabilidades para os programas de ciências e tecnologias. Esta
abordagem reverbera na Amazônia.
As pesquisas científicas comprovam que a floresta amazônica constitui
a maior fonte terrestre, em escala mundial, de biomassa renovável.
Sinalizam também que a extração petrolífera; a indústria químico-
farmacológica; a agricultura e o extrativismo; a indústria agro-florestal e
pesqueira; a exploração dos pólos mínero-metalúrgicos com um adequado
redimensionamento; o eco-turismo; a indústria alimentar; a criação de
commodities ambientais; o uso de fontes energéticas alternativas; a
indústria naval; ...; a indústria biotecnológica e o pagamento dos direitos
de propriedade intelectual às populações tradicionais da Amazônia, em médio
prazo, podem resultar numa renda econômica anual dessa região, maior que
US$3,6 trilhões de dólares, mais de 3 vezes o atual PIB brasileiro
(referência de 2008). Registros oficiais também assinalam um desmatamento
de 20% (100 milhões de hectares) da área total da região amazônica, no
período de 1970-2005, gerando problemas ambientais com impactos em escala
global (Freitas e Castro Júnior, Amazônia e desenvolvimento sustentável,
Editora Vozes, 2004).
Destaque também aos estudos sobre os: fluxos de massa e energia,
modelos de transporte de fluidos na superfície e abaixo das superfícies
sólidas, processos de respiração e evapo-transpiração das plantas e as
modelagens sobre as arquiteturas mecânicas das paisagens dos biomas
amazônicos.
As questões expostas possuem articulações com programas científicos e
tecnológicos e os processos de globalização, em especial, com o uso
depreciativo do planeta, a construção da ciência moderna e com os programas
de formação de gestores, professores e pesquisadores em ensino de ciências.
Possuem também articulações gerais e específicas com o desenvolvimento
da mecânica na região.
A construção de inovações tecnológicas para o ensino e aprendizagem
das ciências, e de novas abordagens técnicas e operacionais para a difusão
e a popularização da ciência, em redes e plataformas, também, põem desafios
novos aos professores e especialistas em ciências.
VI.2 – AMAZÔNIA, MECÂNICA E ECOLOGIA; UM OLHAR PARA O FUTURO
O ciclo hidrológico ilustra o alcance científico da mecânica, no
contexto amazônico. A água precipitável, em forma de chuva representa o
total de vapor d'água que existe na atmosfera, desde o nível do solo até as
camadas mais altas. Na região de Manaus, o valor de 45 mm indica que, se
todo o vapor d'água fosse extraído da atmosfera, se obteria uma lâmina de
água de 45 mm na mesma área considerada. Pelo valor médio dessa massa de
vapor, estima-se que existe mais de uma centena de bilhão de toneladas de
água (1014 quilos) sobre a região, responsável pelo clima sempre úmido,
desempenhando um papel fundamental na estabilidade mecânica e termodinâmica
dos processos atmosféricos na região (Amazônia - desenvolvimento,
integração, Salati; Shubart; Junk e Adélia). A mecânica tem um papel
fundamental no desenvolvimento de modelos físicos dirigidos à compreensão
dessa dinâmica; empreendimento de natureza interdisciplinar e que também
exige o desenvolvimento de novas abordagens teóricas na mecânica.
Outra importante aplicação da mecânica clássica refere-se à sua
necessária inclusão dos modelos climatológicos. Em geral esses modelos são
constituídos pelas equações de transporte de momento linear (2ª Lei de
Newton), de conservação de energia (1ª Lei da Termodinâmica) e pela equação
dos gases ideais com as devidas adequações, e com a aplicação de condições
de contorno apropriadas. Como desdobramento, obtém-se um sistema de
equações não lineares e acopladas entre si. A capacidade e a precisão de
previsibilidade do modelo dependem da rapidez com que as informações são
processadas numericamente, assim como da qualidade e da quantidade dos
dados que são continuamente incorporadas ao modelo.
Em estudos dessa natureza, especial atenção é dedicada aos processos
energéticos. Devido ao importante papel desempenhado pela dinâmica
energética nos processos atmosféricos, a situação ideal seria a
determinação da quantidade de calor por unidade de massa e de tempo em toda
a atmosfera. A construção de modelos analíticos com essa previsibilidade é
complexa porque depende de dados atmosféricos disponíveis, e está associada
às dinâmicas de muitos processos físicos que acontecem simultaneamente, e
com fortes interações entre si. O aquecimento da atmosfera é determinado,
majoritariamente, pelos processos de radiação, de interação entre o
ecossistema (solo + biota) e a atmosfera, e, pelos processos de evaporação
e de condensação, incluindo os participantes do ciclo hidrológico.
Portanto, em princípio, para compreender os detalhes do balanço de
calor numa região da atmosfera, faz-se necessário analisar estes processos.
Entretanto, o balanço de calor para uma dada região não é determinado
somente por meio desses processos. Os cálculos mostram a necessidade da
inclusão de vários aspectos dinâmicos associados ao transporte de energia,
de um lugar para outro. Logo, o balanço de calor é também dependente do
movimento da e na atmosfera, o que complexifica as formulações e os
desenvolvimentos dos modelos matemáticos.
Diversas informações importantes sobre aquecimento atmosférico em
regiões tropicais são apresentadas em seguida:
associado ao excesso de calor absorvido pela atmosfera devido à
radiação por unidade de tempo e de massa, emitida pela superfície da
terra, tem-se um resfriamento atmosférico de cerca de 1grau/dia;
associado ao calor sensível transferido da terra para a atmosfera
por unidade de tempo e de massa, tem-se um aquecimento atmosférico de
cerca de 0.1 a 0.3grau/dia;
Um resultado aparentemente surpreendente refere-se ao fato da
evaporação resfriar a atmosfera e, portanto, não participar do saldo
energético da atmosfera. Outro aspecto intrigante é o fato da Amazônia ter
déficit de H2O; o índice de precipitação é maior que o de evaporação na
Região. Este déficit é suprido por outras regiões do globo. Como a
evaporação resfria a atmosfera, é natural atribuirmos à precipitação um
grau de aquecimento da coluna atmosférica. Os cálculos demonstram que uma
precipitação de 1 mm/dia equivale a liberação na atmosfera de uma
quantidade de calor equivalente a 29 w/m2 que corresponde a uma elevação de
temperatura ΔT = 0.27º C/dia. Portanto para uma precipitação de 30 mm/dia
tem-se um aquecimento de aproximadamente 8.1º C/dia.
Considerando a precipitação na Amazônia como sendo, em média, em
ordem de 2200 mm/ano (Salati et al., 1983), resulta num aquecimento
atmosférico de 176.9w/m2, que corresponde a uma elevação de temperatura de
1.64º C na atmosfera dessa região.
Em princípio, este calor fica disponível para participar dos
processos de transporte de mesma energia em escalas local, regional e
planetária.
Uma aplicação relevante da mecânica clássica refere-se à utilização
da equação de transporte de momento linear (2ª Lei de Newton), com as
modificações pertinentes para descrever o escoamento de líquidos numa
determinada região. Estes estudos possibilitam a construção do balanço
hidrológico na região de interesse. A Amazônia é um exemplo auto-
explicativo da importância deste tipo de trabalho científico.
Em mesma forma a utilização da mecânica nos estudos de transporte de
nutrientes em solos, também se reveste de importância singular, porque
esses processos são fundamentais para a manutenção da estabilidade física-
química-biológica dos ecossistemas, possibilitando a preservação de suas
biodiversidades.
Marcílio de Freitas