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Ensaio Mecânica Clássica

aulas de física 2

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS Departamento de Física – Prof. Marcílio de Freitas – fevereiro/2011 – Manaus/AM BREVE APRECIAÇÃO SOBRE A HISTÓRIA DA MECÂNICA CLÁSSICA Esta resenha propõe-se fazer uma sucinta análise sobre aspectos históricos relacionados com o desenvolvimento da mecânica. Ela constitui uma síntese ampliada do importante artigo: UMA NOVA VISÃO DA HISTÓRIA DA MECÂNICA, de autoria de Elio B. M. Cunha, publicado na Revista de Ensino de Física, vol. 5, nº1, junho de 1993. I – QUESTÕES PRELIMINARES A mecânica clássica constitui um ramo das ciências físicas. Ela se fundamenta num conjunto de leis físicas1 que balizam a construção de métodos matemáticos que descrevem os movimentos de objetos. Para isso, a mecânica se apóia na interpretação intuitiva da interrelação do conceito de distância com a Geometria Euclidiana, e no pressuposto de que o tempo comporta-se como uma magnitude absoluta, que flui igualmente para todas as pessoas, independente de seus estados de movimento. A combinação dos conceitos de espaço e tempo possibilita a definição da velocidade e da aceleração de um objeto. O terceiro conceito fundamental, a massa, requer uma elaboração intelectual mais sofisticada, de uma forma bem simplista as definições operacionais dos conceitos de massa podem ser expressas como: 1) massa inercial é aquela que determina a aceleração de um corpo submetido a uma determinada força; 2) massa gravitacional2 é aquela que determina as forças gravitacionais que se exercem entre um corpo e os demais corpos em sua vizinhança. A mecânica se complexificou em forma sistêmica, quando Newton enunciou as leis (axiomas) que ampliaram o seu alcance heurístico, possibilitando sua aplicação na solução de diversos problemas técnicos postos à época. Conforme essas leis: 1 - Todo corpo permanece em repouso ou em movimento uniforme a menos que sobre ele atue uma força. 2 – O (s) corpo (s) se move (m) de tal forma que a somatória das forças que atuam sobre ele (s) é (são) igual (is) à taxa de variação de seu (s) movimento (s) linear (es) com respeito ao tempo. 3 – Quando dois corpos exercem forças entre si, estas são de igual intensidade e sentidos opostos3. Segundo as abordagens nos livros textos de cursos acadêmicos, os fundamentos da mecânica clássica foram estabelecidos em forma definitiva por Newton na obra denominada "Matemathical Principles of Natural Philosophy", publicada em 1687. A visão prevalecente, até mesmo entre os profissionais da área, é que a mecânica clássica foi construída por um desenvolvimento puramente dedutivo4, a partir das leis de Newton. Elio Cunha nega esta premissa, e mostra que as informações atualmente apresentadas para os leitores e estudiosos são rudimentos de mecânica, construídos pelos Bernoulli, por Euler, Lagrange, Legendre, Laplace, Jacobi, Hamilton e muitos outros, incluindo aqueles que, por meio de seus erros, demandaram abordagens novas que contribuíram para o aperfeiçoamento desta área científica. ___________________________________________________________________________ 1 - Geralmente as leis físicas estão fundamentadas em resultados experimentais. 2 - Os trabalhos experimentais que comprovaram a equivalência entre massa inercial e massa gravitacional foram realizados por Galileu. 3- Estas leis foram enunciadas por Newton, em 1687, no livro "Principias...". 4- Este fato se deve à divulgação da obra de Ernst Mach (1838-1916) intitulada: "Desarrollo histórico critico de la mecanica". Segundo os livros textos utilizados em cursos acadêmicos, os fundamentos da mecânica clássica foram estabelecidos de uma forma definitiva por Newton na obra denominada "Matemathical Principles of Natural Philosophy", publicada em 1687. A visão prevalecente, até mesmo entre os profissionais da área, é que a mecânica clássica foi construída por um desenvolvimento puramente dedutivo5, a partir das leis de Newton. Elio Cunha nega esta premissa, e mostra que as informações atualmente apresentadas para os leitores e estudiosos são rudimentos de mecânica, construídos pelos Bernoulli, por Euler, Lagrange, Legendre, Laplace, Jacobi, Hamilton e muitos outros, incluindo aqueles que mostraram, por meio de seus erros, outras abordagens realizadas no aperfeiçoamento desta área científica. II – BREVES COMENTÁRIOS SOBRE OS PRINCÍPIOS Esta é a principal obra que dá vigência histórica à mecânica clássica. Ela surpreende pela sua sofisticação, conteúdo e abrangência intelectual, encontrando-se estruturada em 3 (três) livros, com os ementários que se seguem: CONTENTS BIOGRAPHICAL NOTE PREFACES TO THE FIRST, SECOND AND THIRD EDITIONS DEFINITIONS AXIOMS, OR LAWS OF MOTION BOOK I. THE MOTION OF BODIES SECTION I. Method of first and last ratios II. Determination of centripetal forces III. Motion of bodies in ecentric conic sections IV. Finding of elliptic, parabolic and hyperbolic orbits from the focus given V. How the orbit are to be found when neither focus is given VI. How the motions are to be found in given orbits VII. Rectilinear ascent and descent of bodies VIII. Determination of orbits in which bodies will revolve, being acted upon by any sort of centripetal force IX. Motion of bodies in movable orbits and the motion of the psides X. Motion of bodies in given surfaces and the oscillating pendulous motion of bodies XI. Motions of bodies tending to each other centripetal forces XII. Atractive forces of spherical bodies XIII. Atractive forces of bodies which are not spherical XIV. Motion of very small bodies when agitated by centripetal forces tending to the several parts of any very great body. BOOK II. THE MOTION OF BODIES (IN RESISTING MEDIUNS) I. Motion of bodies that are resisted in the ratio of the velocity II. Motion of bodies that are resisted as the square of their velocities III. Motion of bodies that are resisted part in the ratio of the velocities, and part as the square of the same ratio IV. Circular motion of bodies in resisting mediuns V. Density an compression of fluids; hydrostatics VI. Motion and resistance of pendulous bodies VII. Motion of fluids, and the resistance made to projected bodies VIII. Motion propagated through fluids IX. Circular motion of fluids BOOK III. THE SYSTEM OF THE WORLD (IN MATHEMATICAL TREATMENT) RULES OF REASONING IN PHILOSOPHY PHENOMENA PROPOSITIONS MOTION OF THE MOON'S NODES GENERAL SCHOLIUM A primeira parte do livro I refere-se ao movimento dos corpos no "vazio". Esta etapa do livro desperta grande admiração e respeito pela forma clara e concisa como são introduzidos e matematicamente estruturados os princípios da mecânica, a partir de algumas leis gerais. Essa base dedutiva teria sido a principal responsável pelo êxito do Principia. Ressalta-se que a maior parte do conteúdo da primeira metade do livro I, segundo os historiadores de ciência, pode ser encontrada em escritos anteriores. A questão central da segunda parte do livro I relaciona-se com a busca da solução matemática do problema relacionado com o movimento simultâneo de três corpos. De acordo com Truesdell na sua obra denominada "Ensayos de Historia de La Mecanica", Newton não oferece para este problema nenhuma solução, nem o que se estende modernamente por uma solução aproximada; e mais, nem sequer estabeleceu equações de movimento. O fato de ele ter obtido algumas desigualdades matemáticas corretas e intuitivamente se aproximado dos resultados de maior importância, deve-se à sua inteligência excepcional. Contudo, isto não demonstra que sua formulação sobre as leis gerais da mecânica clássica não fosse adequada; a história mostra o contrário. Um maior progresso não exigia um instrumento matemático muito mais refinado, pois Newton era um mestre em obter soluções aproximadas, quadraturas e desenvolvimentos em série para os problemas matemáticos, postos à época. O fato que transcorreram cinquenta anos antes que estudiosos melhorassem seus resultados sobre o problema dos três corpos, demonstra que Newton havia aprofundado no tema tudo o que seus métodos e conceitos permitiam. Extrair tanto de uma formulação tão simples da mecânica requereu a criatividade e a sabedoria de Newton. Nenhum de seus discípulos conseguiu incorporar significativos avanços ao seu trabalho. Foram necessários cinquenta anos de abstração, maior precisão e generalização dos conceitos newtonianos para o aperfeiçoamento de sua teoria. O primeiro a ultrapassar Newton em sua elaboração do problema dos três corpos foi Euler, o pesquisador que inventou métodos que possibilitaram formular problemas mecânicos como problemas matemáticos perfeitamente definidos ("Ensayos...", pg 94). No livro II, que se refere ao movimento dos corpos imersos em meios resistivos, Newton tenta determinar matematicamente os efeitos do atrito nos movimentos dos corpos. Ele aplica aos movimentos dos corpos na terra, os dados e demais informações sobre mecânica celeste existentes até então. Este livro não mantém uma estrutura matemática rigorosamente dedutiva, ao contrário, a maioria das soluções dos problemas propostos são incorretas. O seu papel teria sido principalmente, o de indicar uma série de problemas que iriam ocupar boa parte das investigações de século seguinte: "apesar desta sucessão anárquica de demonstrações matemáticas, hipóteses brilhantes, intuições e erros crassos, o livro II tem sido considerado, com justiça, como a manifestação mais grandiosa do gênio de Newton. O livro II foi propriamente um desafio lançado aos geômetras da época. Viram diante de si a necessidade de corrigir os erros, substituir as intuições mediante hipóteses claras, ordenar essas hipóteses dentro de um esquema da mecânica racional, trocar os equívocos por demonstrações matemáticas e criar novos conceitos para alcançar o que Newton não havia conseguido. Não é exagero afirmar que a mecânica racional e, portanto, a física matemática junto com a visão da natureza a que esta deu lugar, nasceu deste desafio, aceito como foi pela escola matemática da Basiléia ("Ensayos...", pg 143). O livro III trata de astronomia. Newton mostra que as proposições do livro I, com valores adequados, conseguem uma boa concordância com os fenômenos conhecidos do sistema solar. Resumido: "Nos três livros que compõem o "Principia", Newton mostra seu talento de grande teórico por sua capacidade para organizar, deduzir matematicamente, e refundir leis e fenômenos conhecidos, aparentemente independentes entre si; criar conceitos novos, e obter predições numéricas detalhadas e compará-las com valores medidos. O que não fez, em absoluto, foi dar à mecânica "clássica", sua forma atual, pois seus princípios não eram suficientemente claros e precisos ("Ensayos...", pg 95). Uma das consequências dessa imprecisão conceitual teria sido a seguinte: "Salvo para certos problemas particulares, que embora simples, são importantes, Newton não parece ter sido capaz de estabelecer equações diferenciais que descrevam movimento de um sistema mecânico."... grande parte dos estudos sobre mecânica que apareceram ao longo dos sessenta anos que se seguiram à publicação do "Principia", se ocuparam em estabelecer equações do movimento para os sistemas mecânicos que o próprio Newton havia estudado e também para os outros sistemas que se consideram regidos pelas "Equações de Newton". Em suma, nos "Principias..." não aparecem equações para o movimento de sistemas compostos por mais de duas massas pontuais livres, nem para sistemas com mais de uma massa pontual ligada, sua teorias acerca dos fluidos são em sua maior parte falsas, e temas tais como o pião que gira ou uma mola flexionada, encontram-se fora do seu alcance heurístico ("Ensayos...", pg 96). Portanto, ao contrário do que afirma Mach, Newton não teria estabelecido, na sua forma definitiva, os princípios da mecânica tal como são aceitos hoje. Seu papel teria sido o de iniciar a formulação desses princípios. III – BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A MECÂNICA PÓS-NEWTONIANA Continuando, Truesdell afirma que as maiores contribuições para a mecânica no século posterior a Newton não foram realizadas pelos "físicos" da época. Os trabalhos publicados por estes eram, geralmente, de natureza puramente experimental ou especulativa, em geral, eles não se ocupavam da teoria matemática. Esta teoria foi criada por vários "geômetras" ou "algebristas" – assim chamados à época – que se empenharam em expressar em forma matemática as leis que regem a experiência física comum, tão evidente para qualquer um que se dê ao trabalho de observá-la (Ensayos..., pg 96). Ou seja, o desenvolvimento desse ramo da ciência não teria sido devido ao maior desenvolvimento experimental, no sentido que novas experiências tivessem colaborado para o surgimento de novas leis, mas a um esforço basicamente teórico, envolvendo a criação de novos conceitos que representassem adequadamente determinadas características físicas dos sistemas tratados e permitissem uma articulação matemática com a teoria geral. Os novos desenvolvimentos ontológicos e metodológicos surgiram devido às dificuldades encontradas na solução de problemas particulares, o que mostra que não bastava aplicar as leis de Newton, conforme elas se apresentavam à época. No entanto, a solução desses problemas específicos não era o suficiente para esses pesquisadores; eles partilhavam também da aspiração pela organização da teoria em uma estrutura dedutiva e rigorosa. Esse aspecto é ressaltado por Truesdell ao criticar o positivismo de Mach: "Mach, assim como seus discípulos atuais, confundiu esta tendência para a ordem e a precisão com a metafísica. Sua oposição à metafísica era tão violenta que desterrou da história da mecânica quase a totalidade de análise e de busca dos conceitos básicos desta matéria, deixando o leitor com a impressão de que seu desenvolvimento foi puramente experimental." Entretanto, a elegante generalidade da mecânica não nasceu da especulação filosófica; a mecânica é, também, uma ciência baseada na experiência; o teórico há de comparar a experiência contida em teorias anteriores edificadas pra explicar os mesmos fenômenos. A história da mecânica racional não é, somente, experimental nem filosófica, é, também, matemática; constituída de problemas particulares, cujas soluções exigiram a criação de novos princípios e métodos. A solução dos casos particulares não era um fim em si mesmo, mas um guia para as generalizações corretas. A ordem e o arcabouço da estrutura teórica eram tão importantes como a validade de seus componentes ("Ensayos..., pg 98). Assim como houve a aplicação da teoria já estabelecida a determinados casos ou a criação de novos conceitos e métodos quando ela se mostrava insuficiente, houve também a necessidade de um refinamento conceitual e formal de princípios já formulados. Contrariando a visão de Mach, que se tem um desenvolvimento puramente dedutivo, a partir das leis de Newton, constata-se que essas mesmas leis sofreram um processo de constante reformulação, visando uma maior precisão conceitual que possibilitasse a emergência de condições para uma maior eficácia do formalismo representativo desses conceitos, resultando na utilização de uma matemática mais poderosa e sofisticada. Um dos momentos em que isso ocorreu foi com a publicação do livro de Euler denominado "Mecânica", em 1736. Esta obra reformulou os princípios da mecânica mediante três conceitos novos. Em primeiro lugar, como Newton tinha utilizado a palavra "corpo" de maneira vaga e com pelo menos três sentidos distintos, Euler percebeu que os enunciados newtonianos geralmente são corretos só quando se aplicam a massa concentradas em pontos isolados; como desdobramento ele introduziu o conceito preciso de massa pontual, seu trabalho constitui o primeiro tratado dedicado única e exclusivamente a esse conceito. Também foi o primeiro a estudar explicitamente a aceleração como uma magnitude cinemática definida no movimento sobre uma curva qualquer. Finalmente, emprega o conceito de vetor ou "magnitude geométrica", uma entidade matemática que se aplica não só à força estática, aplicação já bem conhecida, mas também à velocidade, à aceleração e a outras magnitudes físicas ("Ensayos..., pg 108). Se as leis de Newton, formuladas com um conceito vago de corpo, nos dão uma explicação satisfatória para o movimento de translação da Lua em torno da Terra, elas se tornam insuficientes quando pretendemos abordar uma situação desse sistema que leve em conta os movimentos de rotação da Lua e da terra em torno dos seus eixos. Nesse caso, será preciso considerar, por exemplo, os movimentos das partes dos corpos em relação ao seu centro de gravidade, e não poderemos aplicar as leis na sua forma inicial que é adequada somente às situações em que os corpos podem ser considerados como massas pontuais. Mas afinal em que consistiu essa mudança na formulação dessas leis? Para tornar mais clara essa discussão, considere os dois primeiros axiomas, tais como são apresentados por Newton: "Todo corpo permanece em seu estado de repouso ou de movimento retilíneo, a menos que seja obrigado a mudar tal estado por forças aplicadas sobre ele". O segundo axioma afirma que: "A variação do movimento linear é proporcional à força motriz aplicada, e ocorre sobre a linha reta segundo a qual se aplica tal força" ("Principia" – pg.14; em "Great Bokks of the Western World, vol. 14 - Enciclopedia Britannica, Inc.). Segundo Truesdell, a primeira vez em que as leis de Newton foram apresentadas na forma diferencial (como são ensinadas atualmente), explicitando toda sua generalidade e possibilidade de serem aplicadas a qualquer parte de um sistema arbitrário, ocorreram em 1750, em um trabalho de Euler. Isso se deu, devido às dificuldades encontradas para aplicá-las a determinados sistemas físicos. Truesdell explica que, por volta de 1747, Euler "...conseguia resultados satisfatórios para os sistemas discretos, mas, todavia, não tinha sido capaz de obter um método geral e unificado para os sólidos e os meios fluidos. Apoiando-se no método que utilizara para investigar a corda vibrante e alguns problemas de hidráulica, por fim, em 1750, viu que o princípio do momento linear (Segunda lei de Newton) era aplicável a sistemas mecânicos de todo tipo, sejam discretos ou contínuos. Seu estudo, intitulado "Descobrimento de um novo princípio da mecânica", foi publicado em 1752, e apresenta as seguintes equações: Fx = Max; Fy = May; Fz = Maz como os axiomas que "compreendem todas as leis da mecânica", e nos quais a massa M pode ser tanto finita quanto infinitesimal. Mais adiante os chamaria "os primeiros princípios da mecânica". Pela primeira vez as famosas "Equações de Newton" são propostas como equações gerais, válidas para problemas mecânicos de qualquer tipo. Parece tão fácil o descobrimento deste princípio a partir das idéias newtonianas que em geral credencia-se Newton como sendo seu autor. É um fato inegável que se passarão sessenta anos de investigação por meio de métodos mais complicados e sofisticados, incluindo às soluções para problemas relativamente simples, antes que se reconhecesse esse "novo princípio". Os desdobramentos do "novo princípio" foram imediatos; no mesmo trabalho em que Euler o publicou se encontram as equações do movimento para um corpo rígido ("Ensayos..., pg 116). Realmente, se um estudante atual de física lê as leis do movimento tais como se encontram no "Principia", ele imediatamente as pensa na forma em que são apresentadas por Euler, pois é dessa maneira que elas são expressas normalmente. O que dificulta a avaliação da evolução conceitual ocorrida nos sessenta anos que separam as duas formulações. No entanto, o fato é que, na forma em que elas são apresentadas por Newton, as mesmas não podem ser aplicadas na resolução de determinados problemas, como é o caso da dinâmica dos corpos rígidos. Sobre esse ponto o conhecimento que se tinha antes de 1750 era bastante limitado, não se sabia determinar o movimento de um pião, e nem mesmo calcular as reações sobre o apoio de um corpo girando em torno de um eixo fixo. Em uma carta de Daniel Bernoulli a Euler, de dezembro de 1745, há uma avaliação do problema geral de rotação como "extremamente difícil, que não será resolvido com facilidade por ninguém" (citado por Truesdell) ("Ensayos..., pg 238), o que reafirma as dificuldades encontradas para "aplicar as leis de Newton", nessa época. IV – UMA LEI FUNDAMENTAL NOVA Elio Cunha apresenta várias razões para a rejeição de uma visão dedutiva e formal do desenvolvimento da mecânica. Entre outros pontos, parece inegável que nesse processo houve necessidade de novas ideias físicas, e não só matemáticas, assim como um conhecimento mais profundo de conceitos já formulados, como condição prévia para a introdução de novas técnicas matemáticas e a aplicação de leis já enunciadas às novas situações vigentes. No entanto, os aspectos da mecânica apresentados ao leitor e aos estudiosos, ainda permitem uma reconstrução lógica dessa teoria, segundo as concepções de Mach. Entretanto, os "novos princípios da mecânica" de Euler, correspondem a uma formulação mais precisa das leis de Newton. A partir deles pode-se construir uma estrutura teórica mais abrangente e sofisticada. Trata-se de uma reconstrução "a posterior" e que não corresponde à evolução histórica; entretanto, um partidário de Mach poderá argumentar que o imenso trabalho teórico que a tornou possível foi basicamente matemático e que "não se enunciou nenhum princípio essencialmente novo desde o tempo de Newton". Como já explicado antes, parece uma idéia simplista afirmar que, por exemplo, as leis de Euler para a dinâmica dos corpos rígidos, envolvendo o tensor de inércia, não tenham se constituído num princípio essencialmente novo em termos de física. Contudo, é preciso reconhecer que essa discussão está pressupondo determinadas posições sobre o significado físico dos conceitos teóricos, de forma que um positivista convicto poderia partir de pressupostos distintos e considerar satisfatoriamente a interpretação de Mach. Contudo, ao se abordar a mecânica em forma holística, constata-se que se torna inadmissível considerar essa interpretação, porque na mecânica dos corpos deformáveis, que engloba a mecânica dos fluidos e a elasticidade dos meios, torna-se necessária a introdução de uma lei básica, que não pode ser deduzida das leis de Newton. Trata-se do seguinte princípio: "A variação temporal do momento angular de um corpo arbitrário é igual ao torque (ou binário, ou momento de força) total aplicado sobre ele". Podemos chamá-lo de "princípio do momento angular", ou, como Truesdell, "princípio do momento da quantidade do movimento". Ele representa para o movimento de rotação o mesmo que a segunda lei de Newton (o "princípio do momento linear") representa para o movimento de translação. Um fato interessante e que geralmente é encarado com surpresa pelos físicos profissionais, é a afirmativa de que as duas leis são independentes. Na verdade, o princípio do momento angular pode ser deduzido do princípio do momento linear em alguns casos particulares, como na dinâmica dos corpos rígidos. Mas, para o caso mais geral de um meio contínuo deformável, a dedução não é possível. Também data dessa época o trabalho de Jakob Bernoulli, que abordava justamente, situações nas quais a Mecânica de Newton era frágil: problemas relativos a sólidos rígidos ou elásticos. O encontro mais completo destas tendências se daria na obra de Euler: "Euler foi aluno Johann Bernoulli (1667-1748), que tinha sido orientado por seu irmão Jakob. Portanto, Euler herdou não só a matemática de Leibnitz e dos Bernoulli, mas também a tradição da estática, desenvolvida por Stevin, Huygens, e Pierre Varignon (1645-1722). Ao mesmo tempo, ele assimilou os métodos e os conceitos de Newton, com ênfase nos processos dinâmicos e nos fenômenos celestes, e, nele, as duas correntes fundamentais do pensamento em mecânica chegaram juntas, se fundindo ("History of Classical Mechanics – Part I, to 1800", pg.59 – in natuwissenchaften, 63, pg. 53-62; 1976). Portanto, não é surpresa que tenha sido Euler o construtor da linguagem que identificou a independência dos princípios do momento linear e do momento angular; leis gerais da mecânica. Contudo, foram necessários dezenas de anos para que ele chegasse a esse resultado. O grande obstáculo nesse sentido era decorrente da não separação entre os princípios gerais da mecânica e de suas equações matemáticas constitutivas. A mecânica constitui um conjunto de conhecimentos fundamental ao desenvolvimento das ciências físicas. Mecânica e eletromagnetismo; mecânica e termodinâmica; mecânica e estrutura da matéria; mecânica e relatividade; mecânica e astronomia; e mecânica e tecnologias são dimensões científicas que movimentaram a construção da ciência moderna desde o século XVII. A inserção e aplicação de seus conteúdos em vários campos de conhecimento e problemas tecnológicos complexos, legitimou sua importância para a história universal. V – PRINCÍPIOS GERAIS QUE FUNDAMENTAM A MECÂNICA CLÁSSICA Características do Propriedades de um Grandeza que Sistema inercial sistema mecânico se conserva Homogeneidade Não é função explícita Energia total do tempo do tempo Homogeneidade Invariância com respeito Momento do espaço às translações linear Isotropia do espaço Invariância com respeito Momento aos giros angular VI - A MECÂNICA É UMA CIÊNCIA VIVA? A resposta é sim, por que à medida que se aplica as leis gerais a determinados casos, pode ocorrer que essas próprias leis precisem ser modificadas, refinadas, ou elaboradas com maior precisão. Dessa forma, não se tem um processo dedutivo estritamente lógico e sintático, mas também um desenvolvimento semântico, em que os conceitos básicos são continuamente enriquecidos à medida que a teoria enfrenta testes novos, como a resolução de problemas particulares, o confronto com outras teorias e os testes experimentais. VI.1 - AMAZÔNIA; QUEM SOMOS NÓS E DESAFIOS À MECÂNICA A importância da Amazônia para o Brasil constitui unanimidade nacional e mundial. Ela é parte da região sul-americana com condições climáticas caracterizadas por altas temperaturas, umidade e precipitação pluviométrica, e que engloba parte do Brasil, Peru, Equador, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa, totalizando 6,5 milhões de km2, dos quais 4,5-5 milhões de km2 são constituídos de florestas primárias. A Amazônia brasileira é formada pelos Estados do Amazonas, Acre, Pará, Amapá, Roraima, Rondônia, Tocantins, partes dos Estados do Maranhão e Mato Grosso, totalizando 4.987.247km2, 3/5 do território brasileiro e 2/5 da América do Sul, que corresponde a 1/20 da superfície terrestre. Nesses nove Estados habitam 24 milhões de pessoas, em torno de 4/1000 da população mundial, com mais de 60% desses habitantes morando em áreas urbanas, dentre os quais 163 povos indígenas, que totalizam 204 mil pessoas, ou 60% da população indígena brasileira. A Amazônia também possui mais de 70.000 quilômetros de rios navegáveis, 20% do potencial de recursos hídricos superficiais do planeta, uma frota de 350 mil navios de médio e grande porte, 50% do potencial hidrelétrico do Brasil, 12 milhões de hectares de várzeas, grande potencial madeireiro e fonte de biomassa, pouco mais de 11.200km de fronteiras internacionais e ricas reservas minerais (Freitas e Castro Júnior, 2004). Nessa região encontra-se uma das maiores biodiversidades mundiais, 1/3 das reservas mundiais de florestas tropicais, 1/5 da água doce superficial do planeta convergindo para o maior e mais volumoso rio do mundo, além de se constituir em entidade física relevante nas estabilidades termodinâmica e climática dos processos atmosféricos em escala global. Os estudos da inter-relação do homem e do mercado com o ciclo hidrológico, em escala local, regional e planetário, põem novas responsabilidades para os programas de ciências e tecnologias. Esta abordagem reverbera na Amazônia. As pesquisas científicas comprovam que a floresta amazônica constitui a maior fonte terrestre, em escala mundial, de biomassa renovável. Sinalizam também que a extração petrolífera; a indústria químico- farmacológica; a agricultura e o extrativismo; a indústria agro-florestal e pesqueira; a exploração dos pólos mínero-metalúrgicos com um adequado redimensionamento; o eco-turismo; a indústria alimentar; a criação de commodities ambientais; o uso de fontes energéticas alternativas; a indústria naval; ...; a indústria biotecnológica e o pagamento dos direitos de propriedade intelectual às populações tradicionais da Amazônia, em médio prazo, podem resultar numa renda econômica anual dessa região, maior que US$3,6 trilhões de dólares, mais de 3 vezes o atual PIB brasileiro (referência de 2008). Registros oficiais também assinalam um desmatamento de 20% (100 milhões de hectares) da área total da região amazônica, no período de 1970-2005, gerando problemas ambientais com impactos em escala global (Freitas e Castro Júnior, Amazônia e desenvolvimento sustentável, Editora Vozes, 2004). Destaque também aos estudos sobre os: fluxos de massa e energia, modelos de transporte de fluidos na superfície e abaixo das superfícies sólidas, processos de respiração e evapo-transpiração das plantas e as modelagens sobre as arquiteturas mecânicas das paisagens dos biomas amazônicos. As questões expostas possuem articulações com programas científicos e tecnológicos e os processos de globalização, em especial, com o uso depreciativo do planeta, a construção da ciência moderna e com os programas de formação de gestores, professores e pesquisadores em ensino de ciências. Possuem também articulações gerais e específicas com o desenvolvimento da mecânica na região. A construção de inovações tecnológicas para o ensino e aprendizagem das ciências, e de novas abordagens técnicas e operacionais para a difusão e a popularização da ciência, em redes e plataformas, também, põem desafios novos aos professores e especialistas em ciências. VI.2 – AMAZÔNIA, MECÂNICA E ECOLOGIA; UM OLHAR PARA O FUTURO O ciclo hidrológico ilustra o alcance científico da mecânica, no contexto amazônico. A água precipitável, em forma de chuva representa o total de vapor d'água que existe na atmosfera, desde o nível do solo até as camadas mais altas. Na região de Manaus, o valor de 45 mm indica que, se todo o vapor d'água fosse extraído da atmosfera, se obteria uma lâmina de água de 45 mm na mesma área considerada. Pelo valor médio dessa massa de vapor, estima-se que existe mais de uma centena de bilhão de toneladas de água (1014 quilos) sobre a região, responsável pelo clima sempre úmido, desempenhando um papel fundamental na estabilidade mecânica e termodinâmica dos processos atmosféricos na região (Amazônia - desenvolvimento, integração, Salati; Shubart; Junk e Adélia). A mecânica tem um papel fundamental no desenvolvimento de modelos físicos dirigidos à compreensão dessa dinâmica; empreendimento de natureza interdisciplinar e que também exige o desenvolvimento de novas abordagens teóricas na mecânica. Outra importante aplicação da mecânica clássica refere-se à sua necessária inclusão dos modelos climatológicos. Em geral esses modelos são constituídos pelas equações de transporte de momento linear (2ª Lei de Newton), de conservação de energia (1ª Lei da Termodinâmica) e pela equação dos gases ideais com as devidas adequações, e com a aplicação de condições de contorno apropriadas. Como desdobramento, obtém-se um sistema de equações não lineares e acopladas entre si. A capacidade e a precisão de previsibilidade do modelo dependem da rapidez com que as informações são processadas numericamente, assim como da qualidade e da quantidade dos dados que são continuamente incorporadas ao modelo. Em estudos dessa natureza, especial atenção é dedicada aos processos energéticos. Devido ao importante papel desempenhado pela dinâmica energética nos processos atmosféricos, a situação ideal seria a determinação da quantidade de calor por unidade de massa e de tempo em toda a atmosfera. A construção de modelos analíticos com essa previsibilidade é complexa porque depende de dados atmosféricos disponíveis, e está associada às dinâmicas de muitos processos físicos que acontecem simultaneamente, e com fortes interações entre si. O aquecimento da atmosfera é determinado, majoritariamente, pelos processos de radiação, de interação entre o ecossistema (solo + biota) e a atmosfera, e, pelos processos de evaporação e de condensação, incluindo os participantes do ciclo hidrológico. Portanto, em princípio, para compreender os detalhes do balanço de calor numa região da atmosfera, faz-se necessário analisar estes processos. Entretanto, o balanço de calor para uma dada região não é determinado somente por meio desses processos. Os cálculos mostram a necessidade da inclusão de vários aspectos dinâmicos associados ao transporte de energia, de um lugar para outro. Logo, o balanço de calor é também dependente do movimento da e na atmosfera, o que complexifica as formulações e os desenvolvimentos dos modelos matemáticos. Diversas informações importantes sobre aquecimento atmosférico em regiões tropicais são apresentadas em seguida: associado ao excesso de calor absorvido pela atmosfera devido à radiação por unidade de tempo e de massa, emitida pela superfície da terra, tem-se um resfriamento atmosférico de cerca de 1grau/dia; associado ao calor sensível transferido da terra para a atmosfera por unidade de tempo e de massa, tem-se um aquecimento atmosférico de cerca de 0.1 a 0.3grau/dia; Um resultado aparentemente surpreendente refere-se ao fato da evaporação resfriar a atmosfera e, portanto, não participar do saldo energético da atmosfera. Outro aspecto intrigante é o fato da Amazônia ter déficit de H2O; o índice de precipitação é maior que o de evaporação na Região. Este déficit é suprido por outras regiões do globo. Como a evaporação resfria a atmosfera, é natural atribuirmos à precipitação um grau de aquecimento da coluna atmosférica. Os cálculos demonstram que uma precipitação de 1 mm/dia equivale a liberação na atmosfera de uma quantidade de calor equivalente a 29 w/m2 que corresponde a uma elevação de temperatura ΔT = 0.27º C/dia. Portanto para uma precipitação de 30 mm/dia tem-se um aquecimento de aproximadamente 8.1º C/dia. Considerando a precipitação na Amazônia como sendo, em média, em ordem de 2200 mm/ano (Salati et al., 1983), resulta num aquecimento atmosférico de 176.9w/m2, que corresponde a uma elevação de temperatura de 1.64º C na atmosfera dessa região. Em princípio, este calor fica disponível para participar dos processos de transporte de mesma energia em escalas local, regional e planetária. Uma aplicação relevante da mecânica clássica refere-se à utilização da equação de transporte de momento linear (2ª Lei de Newton), com as modificações pertinentes para descrever o escoamento de líquidos numa determinada região. Estes estudos possibilitam a construção do balanço hidrológico na região de interesse. A Amazônia é um exemplo auto- explicativo da importância deste tipo de trabalho científico. Em mesma forma a utilização da mecânica nos estudos de transporte de nutrientes em solos, também se reveste de importância singular, porque esses processos são fundamentais para a manutenção da estabilidade física- química-biológica dos ecossistemas, possibilitando a preservação de suas biodiversidades. Marcílio de Freitas