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EDUCAÇÃO AMBIENTAL: PERSPECTIVAS E LIMITAÇÕES
Profa. Dra. Paulina Barbosa
Depto. de Biologia Geral (ICB-UFMG)
HISTÓRICO
As questões ambientais começaram a se apresentar pelos idos de 60-70
com manifestações contra a contaminação do ar em Londres e Nova York,
intoxicação por mercúrio no episódio de Minamata, morte de pássaros e
redução da vida aquática por contaminação por DDT e outros pesticidas.
Estes acontecimentos tiveram ampla divulgação e apontavam para a
irracionalidade do modelo de desenvolvimento capitalista, fazendo com que
os países desenvolvidos temessem que a contaminação já estivesse pondo em
risco o futuro do homem..
Em 1962 Rachel Carson publica o livro Primavera Silenciosa que enfoca a
questão da perda da qualidade ambiental em várias partes do mundo, a
extinção de espécies por destruição e/ou contaminação do habitat, e a
exploração predatória dos recursos naturais. A preocupação com a forma de
utilização, e conservação destes recursos se intensifica após o alerta
lançado pelo livro.
Vários movimentos ambientalistas surgem, com uma preocupação inicial de
proteção de determinados recursos naturais, contra a exploração abusiva e
destruidora, mas embasados principalmente nos aspectos éticos ou estéticos.
O desenvolvimento do conhecimento científico apontava no entanto, para a
emergente globalização dos problemas ambientais. Os movimentos
ambientalistas passam a dar maior enfoque à violação dos princípios
ecológicos, que colocavam em jogo a possibilidade de sobrevivência a longo
prazo de toda a humanidade.
Envolvidos por este cenário, cientistas dos países desenvolvidos se
reúnem em Roma (1968) tendo como pauta a discussão do consumo e as reservas
de recursos naturais não renováveis, e o crescimento populacional até
meados do séc. XXI. O "Clube de Roma", como ficaram conhecidos, conclui
sobre a necessidade urgente de buscar meios para a conservação dos recursos
naturais, controlar o crescimento da população, e investir numa mudança
radical na mentalidade de consumo e procriação. Pela primeira vez a
problemática ambiental é colocada a nível mundial.
Como conseqüência desta reunião, a ONU organiza em Estocolmo (1972) a
Primeira Conferência Mundial de Meio Ambiente, que reconhece a necessidade
de envolver o cidadão na solução dos problemas ambientais e estabelece uma
série de princípios norteadores para um programa internacional. A Educação
Ambiental passa a ser vista como elemento auxiliar no combate da crise
ambiental. A UNESCO (órgão da ONU) responsável pela divulgação e realização
desta nova perspectiva educativa, realiza vários seminários regionais em
todos os continentes, procurando estabelecer os fundamentos filosóficos e
pedagógicos da Educação Ambiental. O principal objetivo da Educ. Ambiental
é a proteção do ambiente.
Em 1975 realiza-se em Belgrado a primeira reunião de especialistas em
educação e áreas afins (Encontro Internacional de Educação Ambiental), para
definir os objetivos, conteúdos e métodos, e orientação para um Programa
Internacional de Educação Ambiental. É formulada a Carta de Belgrado que
alerta sobre as conseqüências do crescimento tecnológico e econômico sem
limites. A Educação Ambiental é citada como um dos meios de se combater com
maior eficiência e velocidade a crise ambiental do mundo.
Em 1977 realiza-se em Tbilisi (Georgia - antiga URSS) o Primeiro
Congresso Internacional de Educação Ambiental onde foram apresentados os
primeiros trabalhos, ainda propostas dos governos. Foram definidos os
objetivos e estratégias a nível nacional e internacional. e acrescentados
aos princípios básicos da Carta de Belgrado, que a E. A. deve ajudar a
descobrir os sintomas e as causas reais dos problemas ambientais e
desenvolver o senso crítico e as habilidades necessárias para a resolução
dos problemas, utilizar diferentes ambientes e métodos educativos para a
aquisição de conhecimentos, sem esquecer a necessidade de realização de
atividades práticas e valorização das experiências pessoais. Maior
importância é dada às relações natureza-sociedade, originando mais tarde a
vertente sócio-ambiental da Educação Ambiental.
Em 1987 realiza-se em Moscou o 2o Congresso Internacional sobre a
Educação e Formação Relativas ao Meio Ambiente onde é colocada a
necessidade de formação de recursos humanos nas áreas formais e não-formais
da E.A., e na inclusão da dimensão ambiental nos currículos de todos os
níveis de ensino.
Em 1984 e 1988 realizam-se Primeiro Encontro Paulista de Educação
Ambiental (onde se reúnem pela primeira vez aqueles que praticavam e
pesquisavam sobre a Educação Ambiental) e o Primeiro Encontro Nacional de
Educação Ambiental..
Em 1992 realiza-se a Conferência Rio-92 enfocando os problemas
ambientais globais e o desenvolvimento sustentável. Nesta conferência é
produzida a Carta Brasileira de Educação Ambiental elaborada pela
Coordenação de Educação Ambiental do MEC, onde é avaliado o processo de
Educ. Ambiental no Brasil e se estabelecem as recomendações para a
capacitação de recursos humanos. É aprovado no Brasil o Programa Nacional
de Educação Ambiental (PRONEA) que prevê ações nos âmbitos de E. A. formal
e não formal.. À partir daí, várias organizações estaduais de meio ambiente
e ONGs implantam programas de E.A. e os municípios criam as secretarias
municipais de meio ambiente, que têm como uma de suas funções, o
desenvolvimento de atividades de E.A.
AFINAL, O QUE É EDUCAÇÃO AMBIENTAL ?
Uma das maiores dificuldades tem sido chegar a um consenso quanto a uma
definição para Educ. Ambiental. Na Conferência de Tbilisi E. A. foi
definida como "uma dimensão que deveria ser dada ao conteúdo e prática
educacional, buscando a resolução dos problemas do meio ambiente via
enfoques interdisciplinares, e de uma uma ativa e responsável participação
de cada indivíduo e da coletividade como um todo".
Segundo Reigota (1994) a E.A. "deve ser entendida como educação
política, no sentido de que ela reivindica e prepara os cidadãos para
exigir justiça social, cidadania social, nacional e planetária, autogestão
e ética nas relações sociais e com a natureza". Deve portanto incentivar o
indivíduo a participar ativamente da resolução dos problemas no seu
contexto de realidades específicas.
Reigota (1995) reconhece que a E.A. não é necessariamente uma prática
pedagógica voltada para a transmissão de conhecimentos sobre ecologia, mas
trata-se de uma educação que visa não só a utilização racional dos recursos
naturais, mas a participação dos cidadãos nas discussões e decisões sobre a
questão ambiental.
Apesar de toda a reflexão sobre E.A. muitos professores ainda vêem a
E.A. como um conjunto de atividades relacionadas com a ecologia e não como
uma "filosofia de condução da prática da educação, que contribua para o
alcance da cidadania plena" (Rutkowski, 1993). A E.A. deve estabelecer a
interdependência entre o ambiente natural e o sócio-cultural, levando em
conta aspectos que são fundamentais para uma ação holística ou seja o
histórico-cultural, o ético, o ecológico, o político, o econômico, o
legislativo, o estético, o social, o moral e o tecnológico.
"Ensinar Educ. Ambiental é principalmente ensinar o respeito à vida e ao
que com ela está relacionado" (Koff, 1995).
PRINCÍPIOS BÁSICOS DA EDUC. AMBIENTAL
a- O ambiente deve ser visto como um todo (aspectos sociais, biológicos,
políticos, econômicos, científico, técnico, etc). O aluno deve conhecer o
ambiente para agir sobre ele;
b- A E. A. deve acontecer de modo permanente dentro e fora da escola - o
aluno além de conhecer e modificar os ambientes da escola, deve estender
suas ações ao entorno e em todos os níveis de ensino;
c- Deve ser multidisciplinar e abrangente- o processo deve envolver as
várias áreas do conhecimento (geografia, história, biologia, economia, etc)
pessoas ou grupos sociais na prevenção e busca de soluções para os
problemas ambientais que a comunidade enfrenta.
d- Deve criar novos modelos de conhecimento e responsabilidade ética nos
indivíduos, grupos e sociedade como um todo, em direção ao meio ambiente.
OBJETIVOS
Os objetivos da E.A., propostos em Tbilisi (1977), e que se mantêm até hoje
são:
a - Consciência - ajudar os grupos sociais ou individuais a adquirirem
consciência do ambiente global, seus problemas e a sensibilizarem-se por
suas questões. Maior atenção deve ser dada aos problemas globais (como
desmatamentos, camada de ozônio, extinção de espécies, poluição, etc) ;
b- Conhecimento-. Ajudar os grupos sociais e individuais a adquirirem
diversidade de experiências e compreensão do meio e seus problemas. Não
deve se restringir à transmissão de conhecimentos científicos;
c- Comportamento - ajudar os grupos sociais e individuais a comprometerem-
se com uma série de valores, e a sentirem interesse e preocupação pelo
ambiente, motivando-os de tal modo que possam participar ativamente da
melhoria e da proteção do mesmo;
d- Habilidades - auxiliar na aquisição de habilidades necessárias para
determinar e resolver os problemas;
e- Participação - ajudar os grupos sociais e individuais a perceberem suas
responsabilidades e a necessidade de sua participação ativa para a solução
dos problemas, visando a melhoria da qualidade de vida.
Então os objetivos da E.A. devem contribuir para a melhoria do
comportamento do homem para com a natureza; da qualidade de vida e do
respeito pela vida. Deve fortalecer o poder das populações, fornecendo-lhes
instrumentos para planejar, gerenciar e implementar suas próprias
alternativas às políticas sociais vigentes, além de resgatar e buscar
soluções para a melhoria das condições de vida. Para isso os assuntos
abordados devem ser práticos e úteis, devem contribuir para o melhor
conhecimento da nossa realidade ambiental e do papel do homem como agente
modificador desta realidade.
ESTRATÉGIAS PARA ESTUDOS DE EDUC. AMBIENTAL
A E.A. não deve se basear na transmissão de conteúdos específicos, já
que não existe um só conteúdo a ser abordado. O conteúdo deve ser definido
a partir do levantamento da problemática ambiental vivida pela comunidade
(escola, bairro, cidade, etc) e que se deseja resolver, mas que para isso é
necessário um maior envolvimento da comunidade. Professores e alunos devem
trabalhar juntos no levantamento destes problemas. Em alguns casos, para
que se possa fazer a ligação entre o problema e o funcionamento (ou
respostas) do ambiente, torna-se necessário a definição de alguns conceitos
(ex cadeia alimentar, ecossistema, habitat, etc).
São várias as estratégias que podem ser utilizadas em E.A. e a escolha
deverá ser por aquela que mais se adequa aos objetivos e às características
dos alunos envolvidos. suas experiência, o tema abordado e o tempo
necessário para sua aplicação. A experiência tem mostrado, no entanto, que
a participação ativa do aluno favorece sua aprendizagem. O aluno deve
deixar seu comodismo para ver, ouvir, cheirar, sentir, enfim participar de
seu mundo.
Os recursos a serem utilizados poderão ser humanos ou materiais e sua
escolha prevê: o conhecimento prévio do recurso pelo professor; preparação
dos alunos para a utilização do recurso; adequação (aplicabilidade em
relação ao tema e aos alunos); economia (recursos financeiros e tempo
necessário); disponibilidade (presença do recurso para que possa ser
utilizado sempre que necessário, garantindo assim a continuidade do
trabalho); precisão (o recurso deve responder pronta e corretamente à
questão proposta).
Exemplos de recursos: audiovisuais (filmes, slides, transparências);
cartazes; álbum seriado (apresentação esquematizada em folhas de um álbum);
livros, jornais, revistas e histórias em quadrinho; cartilhas; mapas e
maquetes; músicas e poesias.
Exemplos de técnicas: entrevistas, discussão; debates; dramatização
(teatro); estudo de caso; exposição; excursão; jogos e brincadeiras; mesa-
redonda; observação dirigida; palestra; reportagem; painel; seminário;
relatório; projetos; aulas práticas.
CONTEXTOS POSSÍVEIS PARA A EDUC.AMBIENTAL E LIMITAÇÕES
Uma mudança de mentalidade e conscientização dos grupos humanos para a
necessidade de adoção de novos pontos de vista e posturas diante dos
problemas ambientais, é o que se espera principalmente dos 170 países que
na Conferência Internacional do Rio/92 assinaram tratados nos quais se
reconhece o papel central da educação para a "construção de um mundo
socialmente justo e ecologicamente equilibrado". E isto é o que se espera
da Educação Ambiental no Brasil, assumida como obrigação nacional pela
Constituição promulgada em 1998 (artigo 225).
As discussões sobre as questões ambientais extrapolaram os limites da
escola, e atingiram diversos segmentos da sociedade. Os projetos de E.A.
atualmente funcionam como um importante meio de apoio e participação destes
segmentos na busca da conservação e melhoria da qualidade de vida.
As propostas e abordagens da E.A. têm se diversificado muito, e hoje
várias organizações, empresas privadas e governamentais, escolas e
associações têm participado ou apoiado projetos de E.A.. Estas atividades
além de contribuírem para a formação do cidadão, têm aproximado e
possibilitado maior interação entre a comunidade e os grandes
empreendedores Abaixo são citados alguns exemplos de atividades formais e
não formais desenvolvidas com sucesso na área da E.A. e que comprovam a
expansão e as inúmeras possibilidades de atuação nesta nova perspectiva
educativa.
- cursos de atualização de professores, formação de professores em E.A. e
monitores oferecidos a partir de parcerias firmadas entre empresas,
prefeituras, secretarias, escolas e Universidades abordando problemas
ambientais locais;
- projetos implantados em unidades de conservação (com atividades que
envolvem conscientização da importância destas áreas; visitação orientada,
palestras, reuniões com lideranças locais, criação de material educativo,
exposições, etc)
- iniciativas isoladas de diferentes empresas (ex: Kits Educativos, cursos
de E.A.; promoção de eventos,etc);
- cursos de capacitação profissional (ex: Projeto Broto Verde desenvolvido
em conjunto com a estação Experimental de Assis -SP, a Prefeitura
Municipal e equipe da Univ. Estadual Paulista, que além de envolver
adolescentes na produção de mudas de essências florestais e técnicas de
manejo florestal incluí um programa de E.A.);
- projetos desenvolvidos em Zoológicos com atividades de visitas
orientadas, formação de monitores, cursos de férias, "o zoo vai à escola";
- projetos desenvolvidos com as populações tradicionais de reservas
extrativistas ;
- projetos de resgate cultural - resgate de manifestações culturais (danças
folclóricas, festejos e artesanatos) criando alternativas econômicas para
as populações;
- desenvolvimento de projetos de E.A. em museus- com a elaboração de
exposições itinerantes, kits sobre assuntos específicos a serem emprestados
ou doados a escolas; formação de monitores, programas especiais de
atendimento a deficientes visuais com sala de manuseio
Dentre as dificuldades podemos citar:
-financeiras- busca de parceiros que contribuam para a implantação dos
projetos de E.A.(confecção de material, formação de pessoal, etc). A
composição de parcerias com grandes empresas, ONGs; prefeituras, etc, tem
contribuído para o desenvolvimento de vários projetos de E.A.
- manutenção a longo prazo dos projetos implantados;
- no caso de atividades formais (implantadas em escolas, por exemplo) falta
de preparo dos professores para o desenvolvimento de atividades mais
inovadoras de ensino, criação de novas estratégias e recursos, propostas
que fujam dos "padrões usuais" utilizados);
- dificuldade de envolvimento dos professores, num trabalho
multidisciplinar ( falta de preparo e costume de trabalhar em grupo);
- envolvimento da escola com esta nova dinâmica (alguns professores sentem
que "perturbam" o sistema, tendo que enfrentar situações pessoais e
profissionais difíceis. Aqueles que mantém uma prática mais
conservacionista contam, muitas vezes, com a simpatia da administração).
Apesar das dificuldades os resultados obtidos nos vários projetos de
E.A. implantados são provas de que estas atividades além de contribuírem
para a compreensão do funcionamento e interdependência entre os
compartimentos de um ambiente, constituem um importante e eficiente
mecanismo de tomada de consciência sobre o papel do homem como agente
modificador deste ambiente e princiaplmente de mudança de postura frente a
natureza.
BIBLIOGRAFIA
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