Preview only show first 10 pages with watermark. For full document please download

Dos Delitos E Das Penas

Comentários acerca do Clássico no Direito Penal

   EMBED


Share

Transcript

CCJ - CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DIREITO PENAL PROF. RICARDO VITAL DE ALMEIDA TURMA 2º B – NOITE ALUNO: MARCELO EDUARDO FONSECA DOS DELITOS E DAS PENAS: Uma luz aos calabouços do Estado. Campina Grande Agosto 2012 MAT.112225403 Antes de abordarmos a obra de Cesare Beccaria, vale discutir o estado da justiça penal na Europa, que provocou pensadores da época. A Europa estava deixando para trás sua longa história do feudalismo e da monarquia absoluta e voltando-se para o desenvolvimento dos Estados modernos, que se propunham a governar com base no racionalismo. No entanto, a justiça criminal era uma das áreas que precisam ser atualizadas. Em toda a Europa o uso de tortura para conseguir confissões e testemunhos forçando a auto-incriminação tinha sido generalizada ao longo dos tempos. Como exemplo do que acontecia na França, usamos o primeiro capítulo da obra de Michel Foucault, titulada Vigiar e Punir, que inicia-se com o esquartejamento de DAMIENS, acusado que sofreu uma das punições mais bárbaras da história, por ter tentado contra a vida do rei. Além da pena cruel, a execução cheia de contratempos, resultando inclusive na posterior punição de seu carrasco, fez com que sua morte se tornasse exemplo dos suplícios infligidos no século XVIII. A parte dispositiva de sua sentença de morte é citada por Michel Foucault, in verbis: “(Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757), a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris (aonde devia ser) levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; (em seguida), na dita carroça, na praça de Grève, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.” Na Inglaterra, a penalidade padrão para a condenação de um crime era a morte. Além disso, a pena capital tinha sido combinada com a perda de propriedade, deixando a viúva do criminoso e seus filhos sem um tostão. Diante deste cenário Beccaria é um pioneiro da defesa dos direitos humanos. O seu livro é de 1764, tem mais de dois séculos, foi escrito antes da Revolução Francesa, e nele já se proclamavam e defendiam os direitos do homem. Desde o primeiro capítulo do livro, ele invoca o nome e a autoridade de Rousseau, cujo Contrato Social tinha aparecido em 1762, e de Montesquieu, de quem declara haver seguido "os traços luminosos". Destaca-se a posição de Beccaria em tema de prisão preventiva, que se inspira no princípio do respeito à liberdade e, de modo geral, do direito do acusado que não está ainda condenado. Beccaria escreveu, a esse respeito, trechos que se incorporaram, em 1789, à Declaração dos Direitos do Homem e depois às legislações dos diversos países que ainda hoje perduram: "A privação da liberdade, sendo uma pena, não pode preceder a sentença, senão quando a necessidade o requer. A prisão é, pois, a simples custódia de um cidadão até que seja julgado culpado; e esta custódia, essencialmente dolorosa, deve durar o menor tempo possível, e deve ser também o menos severa possível. A aflição da prisão deve ser a necessária para impedir a fuga ou para evitar a ocultação da prova dos delitos. O processo mesmo deve estar terminado no mais breve espaço de tempo possível". E ainda: "Um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública depois que seja decidido ter ele violado as condições com as quais tal proteção lhe foi concedida. Só o direito da força pode, pois, autorizar um juiz a infligir uma pena a um cidadão enquanto se duvida se ele é culpado ou inocente". A pena de morte é combatida por Beccaria por três razões: ilegitimidade, inutilidade e desnecessidade. Para sustentar a ilegitimidade da pena de morte, Beccaria baseia-se na teoria do contrato social. Se para viver em sociedade, o homem cede uma cota de sua liberdade individual, renuncia um direito natural, jamais o homem poderia renunciar aquele direito essencial que é a vida. Para sustentar a irrenunciabilidade da vida, Beccaria pergunta como pode a sociedade arrogar-se o direito de tirar a vida, se nem mesmo a própria pessoa pode renunciar a ela, uma vez que se pune o suicídio. A pena, desse modo, poderia, unicamente, atingir aqueles direitos renunciáveis, dos quais não faz parte a vida. Embora Beccaria defenda que a vida é irrenunciável, admite ele, hipóteses excepcionais em que a pena de morte é aceitável, por absoluta necessidade, em franca contradição com o exposto. Assim, são duas as possibilidades: quando o condenado mesmo punido, privado de sua liberdade, permanece com relações, ameaçando o poder constituído, tornem necessária a execução; quando se predomina a anarquia, em detrimento das leis e a morte seja o único freio a inibir a prática dos delitos. Beccaria defende que ao furtador deveria ser prevista uma pena meramente pecuniária. Contudo, como tal classe de delitos é, em regra, praticado pelos despojados, uma sanção pecuniária atingiria também os familiares. Embora aqui não se trate exatamente do princípio da personalidade da pena, já que recairia apenas uma conseqüência indireta sobre os familiares, é nítida a preocupação do autor em evitar que ao se punir a falta de um, se atinja toda a sua família. Aqui, além disso, se mostra uma preocupação racional. Beccaria inicia o parágrafo sobre a tortura, dimensionando o tema: falará sobre a tortura propriamente dita, ou seja, a que ocorre enquanto se desenvolve o processo, diferenciando-a, por conseguinte do suplício. Propõe o dilema: ou o crime é certo ou incerto. Afasta-se, assim, da idéia existente, exposta por Foucault e já mencionada, que havia uma culpa parcial. O autor insiste que a possibilidade de se atormentar um inocente é freqüente e inevitável, tendo em vista que, se a maior parcela da população é cumpridora da lei, maior é a chance de se atormentar um inocente. Sustenta que o sofrimento imposto não é o caminho para a busca da verdade, mas apenas se comprova a resistência física do atormentado. Trechos esses apresentados acima, só para citar alguns, de fundamental importância na obra “Dos Delitos e Das Penas”, não só para o período em que se encontrava, mas também para as gerações futuras, que vêem o clássico como um marco no Direito Penal. O jurista Italiano, Pietro Nuvolene, resume em poucas linhas, a contribuição de Cesare Beccaria à evolução do pensamento humano: "Com Beccaria, o problema penal (compreensivo do problema substancial e do problema processual) aflora à consciência crítica, traz da dialética a sua autonomia também de um ponto de vista lógico, que permitirá ainda ultrapassar as promessas e esperanças do século das luzes; certeza, legalidade dos processos e das penas, publicidade de procedimento, instrumentalidade utilitária e não vingança ou retribuição, distinção do tema jurídicopenal do tema moral. Ao mesmo tempo, e como natural conseqüência, nasce a ciência do direito e do processo penal: nasce como ciência da legislação, como problemática extrapositiva". Beccaria foi um criador, abriu clareiras que ainda hoje iluminam o pensamento jurídico, ligando processo e pena numa incindível unidade lógica, na defesa dos direitos humanos e contra a pena de morte, a tortura, as condenações excessivas. A pregação de Beccaria é hoje um patrimônio comum da ciência penal. Ninguém, como ele, exerceu tanta influência na legislação posterior. Todos ficaram dominados pela sobriedade clássica do seu estilo e, sobretudo, pela segurança e pelo conteúdo político-jurídico- ideológico de sua obra, que encarnava, naquela época, o progresso, o avanço, o futuro, contra o atraso, o obscurantismo e a decadência da Idade Média, regida por um sistema de penas brutal e opressivo. Com Beccaria principia a idade moderna do Direito Penal. Bibliografia: FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão, 20ª ed., trad.: Raquel Ramalhete, Petrópolis: Vozes, 1999. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Fontes, 1996 NUVOLENE, Pietro. Trent’Anni di Diritto e Procedure Penale, vol. I, 1969.