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Texto 1
A burguesia indefesa
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 17 de agosto de 2009
Quem quer que, mais de uma década atrás, estudasse com atenção as atas do
Foro de São Paulo e as confrontasse com as ações de seus membros espalhados
por duas dúzias de países teria chegado fatalmente, tal como eu mesmo
cheguei, às seguintes conclusões:
1. O Foro era uma peça vital no esquema do terrorismo e do narcotráfico
internacionais (não somente latino-americanos).
2. Criação quase que exclusivamente brasileira, ele tinha no Brasil o seu
centro de comando estratégico e em outros países-membros as suas vanguardas
incumbidas das ações táticas mais imediatas e espetaculares.
3. Isso bastava para demonstrar que a aparente distinção entre uma
"esquerda revolucionária" e uma "esquerda democrática", personificadas
respectivamente por Hugo Chávez e Lula, não passava de uma camuflagem
calculada para ocultar a unidade estratégica do conjunto.
4. No quadro do Foro, a articulação da esquerda com quadrilhas de
delinqüentes, que já se preparava desde os anos setenta (v. meu livro de
1993, A Nova Era e a Revolução Cultural, Apêndice I, em
http://www.olavodecarvalho.org/livros/neesquerdas.htm), sofreu um upgrade
formidável, permitindo que as FARC se tornassem as senhoras absolutas do
narcotráfico no continente e as controladoras de várias organizações
criminosas menores, como o PCC e o Comando Vermelho.
5. A articulação perfeita da violência criminosa com a luta política legal
(transformada ela própria, portanto, em instrumento do crime) estendia um
manto de proteção continental sobre terroristas e narcotraficantes que
operassem em países estrangeiros e tornava a América Latina inteira um
território livre para a atuação desses delinqüentes.
Se essas obviedades permaneceram invisíveis até muito recentemente, foi
pelas seguintes razões:
1. As organizações da esquerda legal tinham, em todas as redações de
jornais e noticiários de TV e rádio, um número suficiente de
representantes, inclusive nos mais altos postos, para desestimular e
bloquear qualquer investigação séria sobre as atividades do Foro.
2. As vastas conexões internacionais da organização, envolvendo interesses
financeiros gigantescos, davam-lhe os meios de ter à sua disposição,
infiltrados em governos, think tanks, institutos de pesquisa, universidades
e empresas privadas, um enorme contingente de experts e consultores
habilitados a desviar atenções e, se preciso, a negar peremptoriamente os
fatos, usando o peso do seu prestígio acadêmico como arma publicitária para
cobrir de ridículo quem quer que tentasse averiguar a realidade por trás
das mentiras e desconversas.
3. Através da estratégia gramsciana de "ocupação de espaços", a esquerda
conseguiu munir-se de todos os instrumentos para desmantelar
preventivamente qualquer possibilidade de oposição ideológica. O
instrumento mais usado para isso foi às denúncias espetaculosas de
corrupção, que destruíram tantas lideranças ao mesmo tempo em que davam aos
partidos de esquerda, sob o manto da afetação de probidade, os meios para
ir construindo discretamente esquemas de corrupção incomparavelmente
maiores e mais eficientes do que os denunciados (dos Anões do Orçamento ao
Mensalão o crescimento escalar foi de uma ameba para um dinossauro).
4. No campo cultural e psicológico, a progressiva substituição dos
critérios morais de senso comum pelas chantagens "politicamente corretas"
destituiu as possíveis oposições até mesmo do direito a uma linguagem
própria, forçando-as a adaptar-se ao vocabulário e aos modos de pensar do
adversário onipotente. Com espantosa facilidade, essa operação reduziu os
liberais e conservadores aos protestos vãos de uma oposição castrada,
voluntariamente apolítica, que se contentava, no máximo, com críticas
administrativas e vagas denúncias de corrupção quase que literalmente
copiadas do discurso "ético" da esquerda, as quais, nesse contexto, só
faziam conceder ao inimigo o monopólio do combate ideológico.
5. Tão avassaladora foi a conquista do espaço psicológico pela esquerda,
que nos próprios meios "direitistas" qualquer tentativa de descrever o real
estado de coisas era recebida com extrema má-vontade, valendo ao atrevido o
apelido de "teórico da conspiração", senão a pecha de "extremista". A
obstinação de liberais e conservadores em não querer enxergar o que estava
se passando permitiu que o germe da revolução latino-americana crescesse e
se tornasse o monstro de mil braços que agora vai dominando o continente
sem encontrar resistências senão locais e esporádicas, incapazes de fazer
em face de um perigo de tais dimensões.
Se algo aprendeu nos dezesseis anos que decorreram desde meus primeiros
avisos sobre a mais vasta e silenciosa trama revolucionária que já se viu
no mundo, foi que a "burguesia" é a classe mais indefesa que existe.
Acovardada perante o prestígio dos vigaristas intelectuais mais baixos e
sórdidos, ela se apega a qualquer pretexto para enxergar, no inimigo que
planeja assassiná-la, todas as virtudes mais róseas e fictícias e evitar
assim o confronto com uma realidade temível. O famoso "aparato ideológico
da burguesia", de que falam os marxistas, jamais existiu. Ele é apenas uma
projeção invertida do próprio aparato ideológico revolucionário, destinada
a impedir, mediante a denúncia preventiva de maquiavelismos imaginários,
que um dia um real aparato burguês de autodefesa venha a existir. Quando a
burguesia, pelo menos brasileira, consente em dizer algo em seu próprio
favor, ela o faz com tanta discrição e delicadeza que dá a impressão de
estar disputando com o adversário mais bondoso e compreensivo do mundo, e
não com as "máquinas de matar" que os revolucionários se orgulham de ser.