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Diagnóstico Geoambiental Voltado à Identificação E Caracterização De Nascentes E...

Levantamentos voltados a verificar se avenida em implantação estaria afetando Área de Preservação Permanente de nascente e curso d'água

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RELATÓRIO TÉCNICO DIAGNÓSTICO GEOAMBIENTAL VOLTADO À IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE NASCENTES E DE DRENAGENS ASSOCIADAS AO ALTO CURSO DO CÓRREGO QUARTA FEIRA QUE MARGEIA A AVENIDA ANDRÉ MAGGI E DESÁGUA NA LAGOA DO CPA. Fernando Ximenes de Tavares Salomão – Geólogo, CREA/SP 33628/D (Visto CREA/M7553/VD); MSc. em Geologia Geral e de Aplicação (FFLCHUSP); Doutor em Geografia Física (FFLCH-USP). • Elder de Lucena Madruga – Geólogo - CREA/MT 2956/D; MSc. em Agricultura Tropical (FAMEV/UFMT); Doutorando em Engenharia Ambiental (COPPE / UFRJ); Bacharel em Direito. • fevereiro de 2006 1 SUMÁRIO Página APRESENTAÇÃO ............................................................................ 1 1. CARACTERIZAÇÃO GERAL DA ÁREA OBJETO ............................... 3 1.1. Geologia ......................................................................... 3 1.2. Pedologia ........................................................................ 6 1.3. Geomorfologia ................................................................ 9 2. IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DOS CURSOS D’ÁGUA E DE NASCENTE ................................................................................ 11 3. INDICAÇÕES DE MEDIDAS DE CONTROLE DOS PROCESSOS EROSIVOS ................................................................................ 27 4. CONCLUSÕES ............................................................................ 29 5. BIBLIOGRAFIA .......................................................................... 30 LISTA DE FIGURAS Página Figura 1 – Imagem Quick Bird (2004) com a localização da área de estudo (área tracejada) em relação à bacia de contribuição e à ocupação do entorno. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT. ........................... 2 Figura 2 – Foto aérea 1983 (a) e Imagem Quick Bird 2004 (b). Vista da área de estudo e seu entorno, e a evolução no processo de ocupação ocorrente no período de 21 anos. Setor centro norte de Cuiabá/MT. .......... 3 Figura 3 – Detalhe de litologia do Grupo Cuiabá, compreendendo filitos sericíticos, alterados, dobrados e fraturados, com raros veios de quartzo, vertente da margem esquerda da lagoa do CPA. Setor centro norte de Cuiabá/MT ............................................................................................. 5 Figura 4 – (a) Filitos e metarenitos do Grupo Cuiabá recortado por veios de quartzo. (b) Detalhe de veios de quartzo fraturados. Setor centro norte de Cuiabá/MT ......................................................................................... 5 Figura 5 – Talude de corte da avenida André Maggi mostrando pefil de Neossolo Litólico, com alta concentração de cascalhos. Setor centro norte de Cuiabá/MT ......................................................................................... 7 2 Figura 6 – (a) Amostra do horizonte gleizado do Gleissolo pouco húmico; (b) Amostra do horizonte A húmico do Gleissolo Húmico Setor centro norte de Cuiabá/MT . ....................................................................................... 8 Figura 7 – Vista de parte da área de estudo dominada por formas de relevo em colinas amplas e médias. Setor centro norte de Cuiabá/MT ........ 10 Figura 8 – (a) Imagem Quick Bird (2004) com os talvegues assinalados e os principais locais de tradagens (TR) identificados; (b) Croqui mostrando os cursos d’água da área objeto, formado pelo alto curso do córrego Quarta-feira (Talvegue principal) e dois afluentes da margem esquerda (Talvegues secundários T1 eT2), e nascente intermitente. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT. ............................................................. 12 Figura 9 – Alto curso do córrego Quarta-feira próximo ao ponto em que o mesmo chega á Lagoa do CPA. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT ........................................................................................... 12 Figura 10 – Identificação dos locais mais de montante dos dois talvegues secundários na área de objeto de estudo, evidenciando descaracterizações por erosão/assoreamento, e por despejo de águas servidas e de esgoto. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT ......................................... 13 Figura 11 – Foto (a): área com aproximadamente 1 hectare que provavelmente serviu como fonte de material de construção, e que se encontra exposta aos processos erosivos, fornecendo sedimentos e contribuindo para o agravamento do assoreamento de jusante. Foto (b): área em que materiais (representados principalmente por restos de construção), depositados em vertente da cabeceira do alto curso do córrego Quarta-feira, sem qualquer tratamento para incorporá-lo ao ambiente, ficou exposto às águas pluviais, interceptando, acumulando e concentrando o fluxo das águas, gerando processos de erosão e assoreamento. Alto curso do córrego Quarta feira, Cuiabá/MT. ................. 18 Figura 12 - No topo da colina de onde tem inicio o talvegue principal do alto curso do córrego Quarta-feira, foi edificado o Fórum Cível e Criminal de Cuiabá. As chuvas atingindo áreas com solos e materiais expostos, vêm ocasionando assoreamento (foto a) e erosão (foto b). Alto curso do córrego Quarta feira, Cuiabá/MT.............................................................. 18 Figura 13 – Saídas de bueiro, sem sistema de dissipação de energia, promovendo erosão dos solos, com danos maiores à área de agradação. Alto curso do córrego Quarta feira, Cuiabá/MT ........................................ 19 Figura 14 – As fotos mostram um exemplo de fonte de esgoto que é lançado acidentalmente no sistema de drenagem pluvial e, neste caso, despejado diretamente na lagoa do CPA. Em (a) e (b) observa-se o foco de onde surge o efluente, que escoa superficialmente (c) caindo diretamente numa caixa de passagem da rede de drenagem (d, e). Área do Palácio do Paiaguás, CPA, Cuiabá/MT ....................................................................... 20 3 Figura 15 – Fundo de vale no Compartimento Morfopedológico de Agradação, com largura local de 45 metros, com solo tipo Gleissolo pouco húmico, assoreado e encoberto por gramínea exótica. Atualmente o escoamento das águas pluviais é realizado por dois canais. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT............................................................... 20 Figura 16 – Canal do córrego Quarta-feira formado pela erosão antrópica em ambiente de agradação. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT. 20 Figura 17 – Vista de talude com 2,3 metros de altura, do atual canal do córrego Quarta-feira, no compartimento morfopedológico de agradação dominado por Gleissolo húmico encoberto por horizonte Ap. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT .............................................................. 22 Figura 18 – Caminho de terra, transversal à Avenida André Maggi, que atravessa o Compartimento Morfopedológico em Ambiente de Agradação. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT ......................................... 23 Figura 19 – Um caminho transversal à Avenida André Maggi foi aberto, atravessando área de agradação de fundo de vale do alto curso do córrego Quarta-feira (foto A e foto B). Observa-se, nesse local, a presença de água na superfície, com escoamento constante, indicando ocorrência de surgência. A presença de lençol d’água foi constatado por meio de tradagem TR (foto D) que revelou nível de água a cerca de 60 centímetros de profundidade em horizonte pedológico Cg, argiloso, com feições de plintita e hidromorfismo (foto F). Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT ............................................................................................. 24 Figura 20 – A área de estudo foi ocupada por garimpeiros que promoveram forte degradação do solo com reflexos na dinâmica hidrológica de superfície e subsuperfície. Em (a) rejeitos do antigo garimpo; (b) restos de peças em madeira; (c) fogão construído em canga; (d) materiais e roupas usadas pelos garimpeiros. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT ... 25 Figura 21 – em (a) o talude do canal do córrego Quarta-feira, formado por erosão antrópica, no local em que o mesmo converge para o lado da Avenida André Maggi. Observa-se o pacote de assoreamento e aterro sobre o solo hidromórfico. Em (b) pinguela para passagem de pedestres, no trecho em que o canal do córrego se aproxima da Avenida André Maggi. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT. ........................................ 26 Figura 22 – Esquema de sistema construtivo de diques de madeira para contenção do fluxo das águas no interior do canal, de forma a controlar os processos erosivos e favorecer a sedimentação. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT .......................................................................... 28 4 DIAGNÓSTICO GEOAMBIENTAL VOLTADO À IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE NASCENTES E DE DRENAGENS ASSOCIADAS AO ALTO CURSO DO CÓRREGO QUARTA FEIRA QUE MARGEIA A AVENIDA ANDRÉ MAGGI E DESAGUA NA LAGOA DO CPA. _____________________________________________ Fernando Ximenes de Tavares Salomão Geólogo, CREA/SP 33628/D (Visto CREA/MT 553/VD) _____________________________________________ Elder de Lucena Madruga Geólogo - CREA/MT 2956/D 5 APRESENTAÇÃO Este relatório técnico atende a solicitação da Secretaria de Infra-estrutura do Estado de Mato Grosso (SINFRA), expressa pelo convite dirigido ao Instituto de Pesquisa Matogrossense (IPEM), no sentido de identificar eventual existência de nascentes ao longo de drenagem que tem início nas proximidades do Fórum Cível, margeia a Avenida André Maggi, e deságua na Lagoa do CPA, constituindo a porção do alto curso do córrego Quarta-feira. O Relatório Técnico contempla ainda uma avaliação de impactos no manancial da referida drenagem, e apresenta concepção de medidas de controle. A área de estudo corresponde a uma parte da microbacia do alto curso do córrego Quarta-feira, a montante da Lagoa do CPA, incluindo-se dois canais de drenagem contribuintes da margem esquerda, identificados como Talvegue 1 (T1) e Talvegue (T2) (Figura 1). A área objeto desse estudo foi minuciosamente analisada por meio de interpretação de foto aérea obtida por sobrevôo realizado em 1983 pela empresa Esteio, em escala 1:8000 (acervo da SEPLAN/MT)1 e de imagem de satélite QuickBird de 2004 (Figura 2), complementada por levantamentos de campo, tendo em vista a identificação e localização de possíveis existências de nascentes bem como do comportamento das águas que escoam pelos canais de drenagens naturais. Para tal, fez-se necessário identificar e caracterizar os aspectos do meio físico envolvendo o substrato geológico, as formas de relevo e tipos de solo, que condicionam o funcionamento hídrico das vertentes, bem como os problemas ambientais causados pelas formas de ocupação do solo estabelecidas nas porções contribuintes da micro-bacia, dentro da área objeto. Dentre os problemas ambientais, os processos erosivos e de assoreamento foram previamente percebidos, traduzindo-se em alterações do funcionamento hídrico com repercussões sentidas no escoamento das águas pluviais. O diagnóstico desses processos erosivos, incluindo-se suas causas e conseqüências, foi também objeto deste trabalho, tendo em vista a proposição de medidas voltadas ao controle. Percebeu-se, previamente, também indícios de poluição por esgoto das águas contidas nos canais, tanto no principal, pertencente ao alto curso do córrego Quarta-feira, como nos dois contribuintes da margem esquerda. O trabalho encontra-se apresentado em dois itens: o primeiro refere-se à “caracterização geral da área objeto”, no qual são apresentadas as bases técnico-científicas e concepções metodológicas adotadas, interpretando, de forma integrada, as características do meio físico relacionadas ao 1 SEPLAN/MT – Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral. Acervo cartográfico da Biblioteca / Mapoteca da extinta Fundação de Pesquisas Cândido Rondon (FCR), hoje dessa secretaria. 1 funcionamento hídrico e as alterações ambientais causadas pela ocupação do solo, e, no caso dos processos erosivos, as orientações voltadas ao controle; e, no segundo item, “drenagem natural de curso d’água e identificação da ocorrência de nascente” apresenta-se uma síntese dos estudos realizados na área objeto, de maneira a comprovar a presença de elementos naturais protegidos por lei (nascentes e canal de drenagem, perene ou intermitente) e subsidiar a delimitação das Áreas de Preservação Permanente (APP). AREA DE ESTUDO Lagoa do CPA Centro Político Administrativo Morada do Ouro Figura 1 – Imagem Quick Bird (2004) com a localização da área de estudo (área tracejada) em relação à bacia de contribuição e à ocupação do entorno. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT. 2 (a) Foto aérea de levantamento realizado pela ESTEIO, em 1983, para a Fundação de Pesquisas Cândido Rondon. (b) Imagem de satélite Quick Bird de 2004. Figura 2 – Foto aérea 1983 (a) e Imagem Quick Bird 2004 (b). Vista da área de estudo e seu entorno, e a evolução no processo de ocupação ocorrente no período de 21 anos. Setor centro norte de Cuiabá/MT. 3 1. CARACTERIZAÇÃO GERAL DA ÁREA OBJETO 1.1. Geologia A área objeto deste estudo encontra-se regionalmente inserida na seqüência de metassedimentos detríticos do Pré-Cambriano Superior que constitui o Grupo Cuiabá, sendo representado por rochas metamórficas de baixo grau de metamorfismo, as quais apresentam grande variedade litológica, desde filitos sericíticos, metarenitos, metarcósios, metaconglomerados e metaparaconglomerados petromíticos até calcários dolomitos e margas, as quais, em parte, apresentam-se recobertas por sedimentos cenozóicos. Dentre os inúmeros estudos relacionados ao Grupo Cuiabá, destaca-se aquele de maior detalhamento executado por Luz et al. (1980), em que propõe divisões para suas litologias, através do Projeto Coxipó, tendo sido o Grupo Cuiabá dividido em sete subunidades litoestratigráficas. Na área desenvolve-se a Sub-unidade 5 que é constituída essencialmente por filitos e filitos sericíticos, cinza prateados, com intercalações e lentes de metaconglomerados, metarenitos finos a conglomeráticos e metarcósios. Os filitos e filitos sericíticos constituem as litologias predominantes da Subunidade 5 e exibem cores cinza escuro, cinza esverdeado, cinza prateado, quando inalterados, com tonalidades esverdeada, amarelada, avermelhada e amarronzado, quando alterados. A granulação é geralmente muito fina, textura granolepidoblástica e a estrutura foliada bem proeminente. Em geral são compostas essencialmente de sericita, quartzo, clorita e óxido de ferro, porém sempre com predominância da primeira, que se exiba em finíssimas palhetas orientadas. Variações faciológicas nesses filitos são comuns, sendo notáveis num mesmo afloramento, passagens para fácies mais quartzosas, dando origem aos quartzofilitos. Essas variedades litológicas assumem por vezes, aspecto ardosiano e a distinção dos planos de acamamento, na maioria das vezes, em virtude dos esforços que as metamorfisaram e dobraram, são de difíceis visualização, sendo no entanto notados, quando da presença de intercalações. As intercalações de metarenitos e metarcósios, que predominam na área deste estudo, são as mais representativas e se encontram dobradas juntamente com os filitos (Figura 3). Em geral, apresentam foliação metamórfica, menos pronunciada que as rochas filitosas e originam pequenas elevações alongadas na direção sudeste-nordeste, face a sua maior resistência à erosão. Essas rochas quando inalteradas, possuem cores cinza esverdeada e acinzentada, com tonalidades cinza-esbranquiçado e cinza-amarronzado, quando alterados. Possuem granulação variando de fina a grosseira, passando gradativamente a metamicroconglomerados, boa compactação, baixo selecionamento e retrabalhamento dos grãos e apresentam estratificações, em forma de camadas e bancos. 4 Figura 3 – Detalhe de litologia do Grupo Cuiabá, compreendendo filitos sericíticos, alterados, dobrados e fraturados, com raros veios de quartzo, vertente da margem esquerda da lagoa do CPA. Setor centro norte de Cuiabá/MT. Os quartzitos constituem uma litologia não muito freqüente, ocorrendo de modo irregular por toda extensão do pacote. Apresentam-se sob a forma de intercalações com espessuras variando de escala centimétrica a métrica. Normalmente possuem coloração cinza-esverdeado, são compactos, granulação fina a média, estrutura orientada e são constituídos essencialmente de quartzo, feldspato, clorita, sericita e óxido de ferro. Todas essas rochas encontram-se intensamente dobradas, fraturadas e foliadas e, na maioria dos afloramentos, pode-se notar a presença de quartzo ao longo dos planos de foliação. Os fraturamentos são intensos e possuem duas direções principais, uma, N25º-55ºW e, a outra, N15º - 30ºE, achando-se na maioria das vezes preenchidas por veios de quartzo (Figura 4). (a) (b) Figura 4 – (a) Filitos e metarenitos do Grupo Cuiabá recortado por veios de quartzo. (b) Detalhe de veios de quartzo fraturados. Setor centro norte de Cuiabá/MT. 5 Dessa forma, verifica-se na área que a infiltração das águas no pacote onde o metarenito predomina em relação ao filito é mais intensa e flui com maior rapidez o que, certamente influencia no processo pedogenético e no desenvolvimento de tipos vegetacionais, que ora é mais denso, ora mais ralo, em função das características dos Neossolos Litólicos. Assim, em subsuperfície, quando o filito se encontra sotoposto ao metarenito que funciona como material drenante, ele se comporta como camada de impedimento, dificultando a infiltração vertical da água no pacote e favorecendo o escoamento lateral. Associado ao vale do alto curso do córrego Quarta-feira, nota-se a existência de zona preferencial de acumulação de sedimentos, ou seja, formam áreas de deposição recente, Cenozóica, resultantes da diminuição do gradiente das águas de escoamento pelo talvegue, cujo volume dos materiais transportados foi radicalmente aumentado em função de processos erosivos e de assoreamentos causados pelo uso e ocupação dos ambientes de montante dessa zona. 1.2. Pedologia As unidades pedológicas foram definidas com base na metodologia recomendada pelo Serviço Nacional de Levantamentos e Conservação de Solos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA/SNLCS, 1982), em que foram consideradas as determinações contidas em seu “manual de descrição e coleta de solos no campo”, onde se têm conceitos estabelecidos para os diversos atributos analisados, mostrando-se as afinidades, ou diferenças entre tipos de solos observados. Assim, os critérios para distinção dos tipos de solos foram baseados em características morfológicas e em parâmetros interpretativos que definem atributos diagnósticos permitindo identificar, por exemplo, tipos de materiais (orgânico e mineral), presença de cascalho, plintita, petroplintita, laterita, dentre outros (EMBRAPA, 1999). Na área estudada ocorrem três classes de solos com estreitas relações entre as formas de relevo e as litologias sobre as quais se desenvolvem: Neossolos Litólicos (Solos Litólicos) e Plintossolos associados preferencialmente às superfícies elaboradas por dissecação, representadas por formas colinosas de relevo, e Gleissolos, associados ao ambiente de agradação nas porções inferiores das vertentes e fundo de vale do alto curso do córrego Quarta-feira. Os Neossolos Litólicos (Figura 5) são solos minerais, não hidromórficos, predominantemente rasos e com horizonte A assentado diretamente sobre as rochas, ou formado por cascalheira espessa, casos mais comuns dos solos dos morros e morrotes e topos de colinas mais aguçadas, preservadas pela presença de veios de quartzo. 6 Figura 5 – Talude de corte da avenida André Maggi mostrando pefil de Neossolo Litólico, com alta concentração de cascalhos. Setor centro norte de Cuiabá/MT. Nos seus perfis apresentam horizonte A moderado de coloração bruno amarelada no matiz 7,5YR e às vezes, um pouco mais clara no matiz 10YR (bruno muito claro acinzentado, 10YR 8/3), devido a redução de presença da matéria orgânica. Já os horizontes subsuperficiais, apresentam coloração mais amarelada nos matizes 7,5YR e 10YR, com textura basicamente franco argilo arenosa, muito cascalhenta e os cascalhos de quartzo um pouco maiores que no horizonte superior. Na região da Baixada Cuiabana os Neossolos Litólicos são em sua grande maioria, álicos mas podem chegar a distróficos, de acordo com os materiais de origem. São muito susceptíveis à erosão laminar e linear (sulcos e ravinas), principalmente quando em terrenos muito declivosos, o que resulta em horizontes superficiais pouco espessos por lavagem constante da serrapilheira no período sazonal chuvoso. Na área estudada este tipo de solo domina as vertentes da microbacia. Apenas nas porções inferiores das vertentes nota-se mudança para Plintossolos e Gleissolos. Os Plintossolos distribuem-se nas porções inferiores das vertentes da microbacia, bordejando a zona de acumulação de sedimentos no vale do alto curso do córrego Quarta-feira, onde ocorrem Gleissolos, configurando, portanto, uma estreita faixa de intermediação entre os Neossolos Litólicos e os Gleissolos. A microtopografia dos terrenos, onde se desenvolve os Plintossolos, em conjunto com as características de seu perfil, notadamente em relação ao comportamento hídrico e profundidade de ocorrência do horizonte plíntico, são fatores condicionantes importantes na infiltração e escoamento das águas 7 superficiais. Quando ele se encontra subaflorante o grau de oxidação nas camadas superficiais é maior, permitindo, por secamento, a transformação da plintita em petroplintita, constituindo-se, neste caso, em Plintossolos Petroplínticos. Os Plintossolos são solos minerais hidromórficos ou com sérias restrições à percolação de água, condicionando uma drenagem imperfeita, sendo suas principais características: a presença de horizonte plíntico e/ou cores pálidas, e a presença de petroplintita (Plintossolo Petroplíntico) nos primeiros 40 centímetros de profundidade. Os Plintossolos apresentam horizonte A moderado e cores desbotadas com mosqueados nos matizes 10YR e 2,5Y, com textura variando de média a argilosa e consistência variando de não pegajosa a não plástica, a pegajosa e plástica. Associado ao vale do alto curso do córrego Quarta-feira, e limitado à zona de acumulação de sedimentos, observa-se a presença de Gleissolos Pouco Húmicos, e de Gleissolos Húmicos (Figura 6). Nesse limitado local de ocorrência desses solos o lençol freático suspenso encontra-se a pequena profundidade e com dificuldade de escoamento, criando condições para o desenvolvimento de horizonte gley a menos de 40 centímetros da superfície do terreno. (a) (b) Figura 6 – (a) Amostra do horizonte gleizado do Gleissolo pouco húmico; (b) Amostra do horizonte A húmico do Gleissolo Húmico. Setor centro norte de Cuiabá/MT São solos moderadamente profundos, o que propicia uma exuberância da vegetação em termos de seu porte e densidade florística. Essa observação é mais consistente quando se trata do Gleissolo Húmico por ser relativamente fértel tendo em vista o acúmulo de matéria orgânica no horizonte superficial. Apresentam seqüência de horizontes A-Cg-C, sendo o horizonte A do Gleissolo Pouco Húmico moderado, com cores acinzentadas preferencialmente no matiz 10YR, e textura basicamente franco argilo arenosa; enquanto no Gleissolo Húmico, o horizonte A apresenta cores mais escuras (preta), relativamente expesso (superior a 50 centímetros), e textura argilosa. Já no horizonte Gley propriamente dito, as cores são acinzentadas no matiz 10YR, tendo, na parte 8 superior, a presença de mosqueados de redução, de coloração amarelo brunado (10YR 6/8) indicando ser uma área onde a saturação do solo é menos intensa; a textura é basicamente franco argilosa ou franco argilo arenosa, não existindo gradiente textural ao longo do perfil. Tendo em vista a intensa ocupação com escavações e mobilizações de terra verificada nas porções superiores às vertentes que se dirigem para o vale do alto curso do córrego Quarta-feira, onde se situa a ocorrência dos Gleissolos, e, por intensas atividades garimpeiras verificadas inclusive no fundo de vale, boa parte desses solos encontram-se descaracterizados, encobertos por sedimentos de assoreamentos resultantes de processos erosivos verificados tanto ao longo das vertentes como ao longo do talvegue. 1.3. Geomorfologia A região geográfica onde afloram as rochas do Grupo Cuiabá conhecida como Baixada Cuiabana (Almeida, 1964), também denominada Depressão Cuiabana (Ross & Santos, 1982 apud RADAMBRASIL, 1982), faz parte da Morfoestrutura Metassedimentar do Grupo Cuiabá (SEPLAN/CENEC, 1997) e constitui uma superfície arrasada gerada a partir do rebaixamento do nível de base regional, com a instalação da Bacia Sedimentar do Pantanal. A Depressão Cuiabana apresenta tanto formas colinosas de relevo, como de topos tabulares elaboradas por processos de dissecação, com diferentes intensidades de aprofundamento de drenagem e comprimento de interflúvios entre 750 e 1.750 metros, podendo também desenvolver formas de agradação por acumulações fluviais em fundos de vales associados ao comportamento hídrico das drenagens, com ocorrência de planícies fluvio-lacustres (rios meandrantes), diques marginais, terraços aluviais, dentre outros. Existem ainda, no âmbito da Depressão Cuiabana, áreas micro-deprimidas entre as colinas e formas de relevos residuais, constituídos por morros e morrotes ou mesmo “cocurutos” que marcam faixas de maiores declividades dando aspecto mais aguçado às colinas. Regionalmente, essas formas de relevo residual encontram-se alinhadas acompanhando preferencialmente as zonas de ocorrência de veios de quartzo, sendo este, e a presença de crostas lateríticas, os fatores principais mantenedores das ondulações do relevo. Na porção superior da microbacia do alto curso do córrego Quarta-feira, verifica-se a ocorrência de colinas separadas por linhas de talvegue entalhadas por erosão diferencial, com notório incremento das ações intempéricas sobre os materiais menos resistentes e a preservação daqueles de maior resistência, associados as litologias do Grupo Cuiabá, constituídas essencialmente por metarenitos intercalando com filitos e filitos sericíticos. Assim, identificou-se nas áreas alteradas por processo de urbanização, formas primitivas que sofreram mudanças na topografia original. (Figura 7). 9 Figura 7 – Vista de parte da área de estudo dominada por formas de relevo em colinas amplas e médias. Setor centro norte de Cuiabá/MT A interpretação de fotografias aéreas de 1983 em escala de detalhe (1:8.000) e de imagem de satélite Quick Bird (2004), seguido de levantamentos de campo, permitiram identificar o sistema de drenagem presente na área, os solos e relevos. Assim, foi possível identificar a ocorrência de dois compartimentos morfopedológicos distintos entre si e de gênese interativa: Compartimento Morfopedológico em Ambiente de Dissecação e Compartimento Morfopedológico em Ambiente de Agradação (Figura 8 b); entendendo-se por Compartimento Morfopedológico área relativamente homogênea, especialmente em relação aos aspectos litológicos, geomorfológicos, pedológicos e de cobertura vegetal, resultando em determinado funcionamento hídrico (Salomão, 1994; Castro e Salomão, 2000). Na área estudada, o compartimento morfopedológico resultante de processo de dissecação é predominante, enquanto que o de agradação restringe-se tão somente no fundo de vale do alto curso do córrego Quarta-feira. Este último, tem gênese relacionada à dinâmica sedimentária desse córrego, tendo sido alterado em sua história mais recente, por ações antrópicas, exibindo notória contribuição de sedimentos de diferentes tipos e em alguns pontos, formando um pacote tecnogênico. Tal característica tem implicações importantes no entendimento do suporte geoecológico de ambos ambientes, de dissecação e agradação. No compartimento morfopedológico de dissecação, a dinâmica superficial é influenciada basicamente por três condicionantes do meio físico: 1º. intensidade, duração e sazonalidade das chuvas; 2º. cobertura pedológica pouco desenvolvida; 3º. filitos intercalados por metarenitos do Grupo Cuiabá, intensamente fraturados, dobrados e recortados por veios de quartzo. A cobertura vegetal, seja ela densa, rala, natural ou artificializada, é preponderante para a manutenção da estabilidade do suporte geoecológico do ambiente de dissecação. Uma vez removida a cobertura vegetal, os processos erosivos se intensificam. O carreamento de materiais para o nível de base local, representado pelo leito do alto curso do córrego Quarta-feira, também se intensificam. 10 2. IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DOS CURSOS D’ÁGUA E DE NASCENTE O estudo realizado, com base em fotointerpretação de foto aérea de 1983, escala 1:8.000, e em levantamentos de campo, permitiu constatar que a drenagem da área objeto é realizada por intermédio de três canais de cursos d’água, sendo um canal principal, que corresponde ao alto curso do córrego Quarta-feira, aqui considerado como sendo o trecho a montante da Lagoa do CPA, e dois canais afluentes, situados na margem esquerda, conforme ilustra a Figura 8. O canal de drenagem do alto curso do córrego Quarta-feira tem início nas proximidades do Fórum Cível e Criminal e segue na direção W-SW, sentido à Lagoa do CPA. Este canal de drenagem inicia-se no Compartimento Morfopedológico em Ambiente de Dissecação, e estende-se por uma extensão de aproximadamente 300 metros, quando passa a escoar sobre o Compartimento Morfopedológico de Ambiente de Agradação. Nesse ambiente de agradação o alto curso do córrego Quarta-feira percorre uma distância de aproximadamente 800 metros, até desaguar na a Lagoa do CPA (Figura 9). Os dois afluentes da margem esquerda, identificados na Figura 8 como T1 e T2, têm suas cabeceiras na área do Centro Político Administrativo, proximidades da Secretaria de Estado de Saúde e INCRA. Os trechos iniciais desses dois talvegues foram canalizados e aterrados durante a implantação das obras do Centro Político Administrativo e, provavelmente, ligados à rede de drenagem pluvial. A Figura 10 destaca a situação atual dos dois canais afluentes. Os talvegues T1 e T2 possuem extensões aproximadas de 160 metros e 240 metros, respectivamente, até a Avenida André Maggi, drenando área do Compartimento Morfopedológico em Ambiente de Dissecação. Antes, porem, de se entrar na discussão quanto à presença de nascentes e da natureza das drenagens de curso d’água, existentes na área de estudo, convém revisar alguns conceitos, bem como as fundamentações que permitam entender o desenvolvimento e funcionamento das nascentes, no sentido de originar um curso d’água ou drenagem natural, seja perene ou intermitente. A Agência Nacional de Águas publicou um glossário2 que traz o conceito atualizado de Nascente como sendo compatível com o entendimento apresentado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA através da Resolução nº 303 de 20 de Março de 20023. 2 Para download no site: http://www.ana.gov.br/gestaoRecHidricos/TecnologiaCapacitacao/tecnologia_glossario.asp 3 Definição conforme seu Art. 2º Inciso II - nascente ou olho d`água: local onde aflora naturalmente, mesmo que de forma intermitente, a água subterrânea; 11 TR 1 TR 3 TR 2 TR 4 TR 6 TR 5 0 50 100 200 metros ESCALA GRÁFICA (a) Fórum LEGENDA T1 Drenagem efêmera T2 Drenagem intermitente TR - Tradagens Nascente Lagoa do CPA Centro Político Administrativo Solos Hidromórficos em Ambiente Morfopedológico de Agradação 0 50 100 200 metros ESCALA GRÁFICA (b) Figura 8 – (a) Imagem Quick Bird (2004) com os talvegues destacados e os principais locais de tradagens (TR) identificados; (b) Croqui mostrando os cursos d’água da área objeto, formado pelo alto curso do córrego Quarta-feira (Talvegue principal) e dois afluentes da margem esquerda (Talvegues secundários T1 e T2), nascente intermitente e área de ocorrência dos Solos Hidromórficos no Ambiente Morfopedológico de Agradação. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT. 12 Figura 9 – Alto curso do córrego Quarta feira próximo ao ponto em que o mesmo chega à Lagoa do CPA. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT. T1 T2 Figura 10 – Identificação dos locais mais de montante dos dois talvegues secundários na área de objeto de estudo, evidenciando descaracterizações por erosão/assoreamento, e por despejo de águas servidas e de esgoto. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT. Esse conceito deixa clara a condição para que um determinado terreno apresente nascente: presença de água subterrânea. Entendendo-se por água subterrânea o conceito apresentado pelo Dicionário Ecológico Ambiental4: “suprimento de água doce sob a superfície da terra, em um aqüífero ou no 4 http://www.ecolnews.com.br/dicionarioambiental/ 13 solo, que forma um reservatório natural para o uso do homem" (The World Bank, 1978). "É aquela que se infiltra nas rochas e solos caminhando até o nível hidrostático" (Guerra, 1978). "Água do subsolo, ocupando a zona saturada" (DNAEE, 1976). "A parte da precipitação total contida no solo e nos estratos inferiores e que esta livre para se movimentar pela influência da gravidade" (USDT, 1980). "Água do subsolo que se encontra em uma zona de saturação situada acima da superfície freática" (ACIESP, 1980). De acordo com o Glossário Geológico do site do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília5, as seguintes definições foram dadas para olhos d’água “[Sin.nascente]: Surgência natural da água subterrânea que brota em pontos onde o lençol freático6 é interceptado pela superfície do terreno. Uma fonte, também, pode se dar com erosão atingindo camada aqüífera com água artesiana7 (fonte artesiana). Poços artificiais, cavados ou perfurados, atingindo o lençol ou o aqüífero e disponibilizados em bicas ou chafarizes, também são, eventualmente, chamados de fontes. Quanto aos cursos d’água ou canais de drenagem, Bigarella (2003) as classifica em drenagens efêmeras, intermitentes e perenes. Este autor faz a seguinte explicação: “As primeiras (drenagens efêmeras) localizam-se nas cabeceiras de drenagem, sendo alimentados exclusivamente pelo escoamento superficial das encostas, sem interferência das águas do lençol freático. São mais freqüentes nas regiões semi-áridas, onde por ocasião das enxurradas transportam grande volume de sedimentos. Nas regiões tropicais e subtropicais florestadas, também existem canais efêmeros, nos quais a quantidade de detritos transportados pelos fluxos temporários, devido a chuvas mais intensas, é pouco significativa (Farina, 1994). Entretanto, quando desmatadas e cultivadas, o transporte efêmero de 5 Fonte: http://www.unb.br/ig/glossario/verbete/fonte.htm lençol freático [Inglês: water table] [Conf. água subterrânea; artesianismo; nascente]. Superfície que delimita a zona de saturação da zona de aeração, abaixo da qual a água subterrânea preenche todos os espaços porosos e permeáveis das rochas e/ou solos. O lençol freático tende a acompanhar o modelado topográfico e oscila, ao longo do ano, sendo rebaixado com o escoamento para nascentes ou elevado com a incorporação de água infiltrada da chuva e/ou de degelo. 7 artesianismo [Conf. lençol freático; água subterrânea] Condição de pressão da água subterrânea tão forte em um aqüífero que, fazendo-se um furo ou poço, a água sai do aqüífero e atinge a superfície, podendo jorrar a uma altura quase equivalente a esta sobrepressão. O artesianismo deve-se ao contingenciamento da água subterrânea em camada permeável (aqüífero) entre rochas impermeáveis, funcionando como um sistema de vasos comunicantes: a água subterrânea, captada como meteórica (chuva), fluvial ou outra, em níveis de topografia elevada (uma chapada por exemplo), infiltra-se na camada permeável correndo para baixo entre os níveis impermeáveis até saturar todos os poros com o lençol freático da camada permeável ficando mais alto do que a topografia em pontos laterais. Ao ser perfurada a camada impermeável por uma sonda nessas regiões baixas, a água contida no aqüífero eleva-se dentro da tubulação da sondagem, buscando o equilíbrio de pressão e jorrando até nível equivalente ao do lençol freático menos um pouco devido ao atrito de deslocamento da água entre os poros da rocha. 6 14 sedimentos torna-se elevado durante os aguaceiros, pela erosão do solo desprotegido.” “Os canais intermitentes caracterizam-se por apresentarem vazões durante os períodos úmidos, ou ocasionalmente durante chuvas de alta intensidade que podem ocorrer nas épocas de estiagem. Suas nascentes variam de posições ao longo do talvegue de acordo com o grau de saturação de umidade no fundo do vale. A subida do nível freático durante as chuvas satura o talvegue originando numerosas nascentes que surgem de jusante para montante à medida que aumenta o volume de água no lençol subterrâneo. Com o retorno às condições de estiagem o nível freático abaixa e os locais das nascentes migram para jusante até alcançar o limite do canal de fluxo perene (Faria, 1994).” “Os canais intermitentes ocorrem e têm seu desenvolvimento máximo, principalmente nas bacias hidrográficas das regiões semi-áridas, porém encontram-se também naquelas das regiões úmidas, onde são mais restritos em extensão.” “Os canais perenes caracterizam-se por um fluxo contínuo durante o ano todo; embora nas estiagens possam diminuir em extensão nas proximidades das cabeceiras.” Com o intuito de se identificar, caracterizar e comprovar a existência de nascentes e de cursos d’água de drenagem natural, na área objeto deste estudo, buscou-se a interpretação da dinâmica do funcionamento hídrico das vertentes e dos talvegues naturais. A fotointerpretação de fotografias aéreas de 1983, realizada por estereoscopia, permitiu o reconhecimento, das diferentes formas de ocupação existentes, bem como a identificação das linhas de talvegues, das formas de relevo, do substrato geológico, os tipos e distribuição dos solos ao longo das vertentes e fundos de vales e das coberturas vegetacionais, levantando-se hipóteses relacionadas às interações entre esses elementos e, conseqüentemente, padrão de paisagem e funcionamento hídrico. Essas hipóteses foram checadas em campo por meio de levantamentos “in loco”. Os levantamentos foram realizados por caminhamentos de montante para jusante ao longo das diferentes linhas de talvegues, bem como ao longo das vertentes, observando-se as litologias, os tipos pedológicos, formas e feições do relevo, ocorrências erosivas e de assoreamento. Os solos foram caracterizados por meio de tradagens e por descrição direta nos taludes dos canais do alto curso do córrego Quarta-feira, escavado por erosão linear. As formas e feições do relevo foram visualmente descritas, distinguindose o entalhamento e forma dos vales. Os elementos da paisagem foram, então, caracterizados, procurando-se interpretar as relações entre o substrato geológico, a topografia do terreno, e os tipos de solos, tendo em vista o entendimento da dinâmica hídrica, isto é, dinâmica de funcionamento da água de chuva e do lençol freático ao longo das 15 vertentes. Este entendimento integrado possibilita o reconhecimento de talvegues associados a vales de drenagens de cursos d’água (canais naturais), distinguindo-os das linhas de talvegue originadas por erosão antrópica, como também da possibilidade de ocorrência de nascentes. Os trabalhos realizados permitiram deduzir que a maior parte da área estudada encontra-se submetida a processos de dissecação (Compartimento Morfopedológico em Ambiente de Dissecação), caracterizada por relevo em colinas, solos rasos (Neossolos Litólicos e Plintossolos Concressionários), e substrado geológico constituído por filitos e metarenitos com veios de quartzo. Apenas em parte do vale do alto curso do córrego Quarta-feira, isto é, parte do talvegue principal, nota-se a presença de áreas submetidas a processos de agradação (Compartimento Morfopedológico em Ambiente de Agradação), constituídas por terrenos praticamente planos, situados a jusante de áreas associadas a ambiente de dissecação, onde se acumulam sedimentos, numa conformação de planície aluvionar, porém muito restrita ao fundo do vale, numa faixa que não ultrapassa a 50 metros. O substrato geológico nesse compartimento é caracterizado, portanto, por sedimentos Quaternários depositados diretamente sobre rochas do Grupo Cuiabá, e solos hidromórficos relativamente profundos com predomínio de Gleissolos Pouco Húmicos e Gleissolos Húmicos. No Compartimento Morfopedológico em Ambiente de Dissecação as águas pluviais tendem ao escoamento superficial, uma vez que, os solos são rasos (Neossolos Litólicos e Plintossolos Concrecionários), onde, em sub-superfície, com profundidades inferiores a 50 cm, nota-se a presença de rocha pouco alterada a sã ou de couraça ferruginosa, que impedem a infiltração. As águas de chuvas infiltram apenas nos horizontes superficiais do solo, escoando-se superficialmente de forma difusa nas porções superiores, pouco declivosas das colinas, e, por escoamento concentrado, nas porções mais inferiores, condicionado às estruturas (acamamento e direção das foliações das rochas) e à ocorrência de veios de quartzo nas litologias do Grupo Cuiabá. Assim, entende-se a presença de grotas e talvegues em vales entalhados nesse compartimento relacionado ao ambiente de dissecação, sendo locais do terreno onde a condicionante litológico-estrutural favoreceu a concentração dos fluxos de água de escoamento superficial durante os episódios chuvosos, intensificando processos de alteração e em especial, a erosão natural ou geológica. A intensidade erosiva nesses locais de elevada energia de escoamento impede o espessamento dos solos, subsistindo a ocorrência de Neossolos Litólicos e Plintossolos Concrecionários. São, portanto, áreas de ambientes bem drenados, com presença de solos rasos, afloramentos rochosos e, em conseqüência, a ausência de solos hidromórficos e de feições pedológicas condicionadas à acumulação e/ou saturação por águas subsuperficiais, tais como, presença do óxido de ferro na forma reduzida, resultante de fenômenos de gleização (que transmite ao solo colorações 16 acinzentadas e/ou esverdeadas características), ou mesmo feições relacionadas à ocorrência de plintita, isto é, concreções ferruginosas não endurecidas, originadas por oscilação do nível freático ou permanência temporária da saturação do solo. Dessa forma, a ocorrência de nascentes no ambiente de dissecação fica impossibilitada, uma vez que inexistem as condições que permitem a formação de aqüíferos ou lençóis freáticos, tanto ao longo das vertentes de colinas, como nas encostas e fundos de vales. Portanto, parte do talvegue principal e a totalidade de seus ramos secundários, ocorrente no Compartimento Morfopedológico em Ambiente de Dissecação, não são alimentados por nascentes, mesmo intermitentes, e sim, tão somente, pelo escoamento superficial das águas pluviais, configurando-se, portanto, cursos d’água efêmeros, identificados na Figura 8. Dada à suscetibilidade aos processos erosivos, a ocupação da área formada pelo Compartimento Morfopedológico em Ambiente de Dissecação deveria ter ocorrido com devidos cuidados com relação ao escoamento das águas pluviais, implementando-se medidas que evitassem a concentração de fluxos d’água, e, quando esses se formam, que fossem devidamente controlados, de forma a não gerarem erosão e carreamento sedimentos para os canais. Isto pode ser feito concebendo-se e implementando-se eficientes sistemas de drenagens provisórios (durante a execução de obras) e definitivos (com as obras concluídas). O desmatamento excessivo, a disposição e movimentação de terra com aterros, escavações e construções, expõem e desagregam os solos, concentra e acelera os fluxos das águas pluviais, favorecendo a formação de enxurradas, gerando erosão na forma de sulcos e ravinas e o carreamento de sedimentos para as áreas mais baixas, promovendo o assoreamento. As Figuras 11 e 12 identificam, a título de exemplo, dois locais situados no setor mais de montante da margem direita do talvegue do alto curso do córrego Quarta-feira e que estão expostos à ação erosiva das chuvas, constituindo-se em geradores de sedimentos que contribuem para o contínuo assoreamento dos setores a jusante, especialmente no Compartimento Morfopedológico em Ambiente de Agradação. A Avenida André Maggi teve sua construção iniciada no final dos anos 70, com execução de cortes e aterros, ficando paralisada até 2004 quando foi retomada, com a execução da pavimentação e implementação do sistema de drenagem pluvial, ainda não concluídos. Ao longo do trecho estudado, foram instalados quatro bueiros. As águas captadas de montante da Avenida que, em condições naturais, fluíam de forma mais ou menos difusa pelo topo da vertente, passaram a se concentrar, exigindo sua transposição através dos bueiros. Na ausência de sistema de dissipação de energia dessas águas, instalaram-se processos de erosão e assoreamento, conforme ilustrado na Figura 13. 17 (a) (b) Figura 11 – Foto (a): área com aproximadamente 1 hectare que provavelmente serviu como fonte de material de construção, e que se encontra exposta aos processos erosivos, fornecendo sedimentos e contribuindo para o agravamento do assoreamento de jusante. Foto (b): área em que materiais (representados principalmente por restos de construção), depositados em vertente da cabeceira do alto curso do córrego Quarta-feira, sem qualquer tratamento para incorporá-lo ao ambiente, ficou exposto às águas pluviais, interceptando, acumulando e concentrando o fluxo das águas, gerando processos de erosão e assoreamento. Alto curso do córrego Quarta feira, Cuiabá/MT. (a) (b) Figura 12 - No topo da colina de onde tem inicio o talvegue principal do alto curso do córrego Quarta-feira, foi edificado o Fórum Cível e Criminal de Cuiabá. As chuvas atingindo áreas com solos e materiais expostos, vêm ocasionando assoreamento (foto a) e erosão (foto b). Alto curso do córrego Quarta feira, Cuiabá/MT. 18 Figura 13 – Saídas de bueiro, sem sistema de dissipação de energia, promovendo erosão dos solos, com danos maiores à área de agradação. Alto curso do córrego Quarta feira, Cuiabá/MT. Além da carga de sedimentos trazidos pelos dois canais de drenagem contribuintes do alto curso do córrego Quarta-feira, que tiveram seus talvegues aprofundados por processos erosivos, também se observa contínua contribuição de águas servidas, identificadas por apresentarem forte odor e características de esgoto. Esses dois canais, que tem seus pontos mais a montante nas imediações da Secretaria de Estado de Saúde e do INCRA, tiveram seus trechos iniciais canalizados e aterrados, e, provavelmente, ligados ao sistema de drenagem pluvial de parte da área do CPA. As condições das águas que saem dos bueiros e são lançadas nos talvegues indicam vestígios de esgoto. Observou-se que a degradação dos recursos hídricos por esgoto constitui-se no mais grave problema a ser solucionado, e que não se restringe à área do presente estudo, como também em toda a área urbana de Cuiabá. Esta degradação tem ocorrido não apenas por lançamentos realizados diretamente em talvegues naturais, como também por ligações clandestinas ou acidentais à rede de drenagem pluvial, como o ilustrado na Figura 14. Por outro lado, nas áreas do Compartimento Morfopedológico em Ambiente de Agradação (Figuras 8, 9 e 15), o funcionamento hídrico se contrapõe ao das áreas de dissecação, prevalecendo a retenção das águas que caem diretamente sobre ele, e aquelas provenientes do escoamento verificado ao longo das vertentes e dos canais de drenagem. Parte das águas que aportam ao ambiente de agradação infiltram no solo e substrato pedogenético constituído por sedimentos silto-argilosos, até atingir rochas do Grupo Cuiabá subjacentes, ou camadas de sedimentos pouco permeáveis, formando, dessa forma, o lençol suspenso. Essa constatação realizou-se por tradagens que permitiram associar essas áreas de agradação à ocorrência de Gleissolos pouco Húmicos e Húmicos, recobertos por vegetação de maior porte e com maior densidade de cobertura, em 19 comparação aos demais setores dos talvegues que se relacionam às áreas de dissecação. (a) (c) (b) (d) (e) Figura 14 – As fotos mostram um exemplo de fonte de esgoto que é lançado acidentalmente no sistema de drenagem pluvial e, neste caso, despejado diretamente na lagoa do CPA. Em (a) e (b) observa-se o foco de onde surge o efluente, que escoa superficialmente (c) caindo diretamente numa caixa de passagem da rede de drenagem (d, e). Área do Palácio do Paiaguás, CPA, Cuiabá/MT. Figura 15 – Fundo de vale no Compartimento Morfopedológico de Agradação, com largura local de 45 metros, com solo tipo Gleissolo pouco Húmico, assoreado e encoberto por gramínea exótica. Atualmente o escoamento das águas pluviais é realizado por dois canais. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT. 20 Este ambiente, antes de sofrer interferência antrópica, seria caracterizado por canais rasos, por vezes anastomosados, e que transbordavam durante a estação chuvosa.Com o processo de ocupação da área de contribuição da bacia, este compartimento morfopedológico passou por sucessivos processos de assoreamento e de erosão, que desconfigurou completamente seu funcionamento hídrico. A Figura 16 mostra o canal do alto curso do córrego Quarta-feira, produto da erosão antrópica, em local situado na porção média do Compartimento Morfopedológico em Ambiente de Agradação. Esse local é dominado por solos Gleissolos Húmicos, de textura essencialmente argilosa, que ocorrem em locais mal drenados. Figura 16 – Canal do alto curso do córrego Quarta-feira formado pela erosão antrópica em ambiente de agradação. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT. A Figura 17 destaca detalhe do talude do atual canal do alto curso do córrego Quarta-feira no mesmo local da Figura 16, que foi escavado por erosão antrópica. Observa-se que a área passou por sucessivos momentos de assoreamentos que aterrou o solo hidromórfico constituído por Gleissolo Húmico. Forte processo erosivo posterior, decorrente da concentração e aumento no volume dos fluxos d’água de escoamento superficial, entalhou o solo até atingir as rochas do Grupo Cuiabá. A figura mostra também a ocorrência local de pelo menos três momentos em que ocorreram processos de assoreamentos importantes, marcados principalmente pela diferença de texturas entre os horizontes. A constatação da ocorrência de lençol suspenso em subsuperfície no ambiente de agradação, permite a manifestação de surgências por ascensão durante períodos chuvosos, configurando, portanto, nascente. Conforme Faria (1994, apud Bigarella 203), a subida do nível freático durante as chuvas satura o talvegue originando numerosas nascentes que surgem de jusante para montante à medida que aumenta o volume da água no lençol subterrâneo. Com o retorno as condições de estiagem o nível freático abaixa e 21 os locais das nascentes migram para jusante até alcançar o limite do canal de fluxo perene. Assoreamento 3 Assoreamento 2 Assoreamento 1 Gleissolo Húmico Rocha Figura 17 – Vista de talude com 2,3 metros de altura, do atual canal do alto curso do córrego Quarta-feira, no compartimento morfopedológico de agradação dominado por Gleissolo Húmico encoberto por horizonte Ap. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT. Esta condição dinâmica do lençol freático na área de agradação encontra-se comprometida, tanto devido ao espesso pacote de material que encobre o solo natural por assoreamento, como pelo canal escavado pela erosão, que atinge o fundo rochoso, e que drena as águas presentes no horizonte hidromórfico, dificultando, ou ate mesmo impossibilitando, a permanência de um lençol suspenso. Tendo o levantamento de campo sido realizado durante o início do período chuvoso (mês de dezembro), e tendo sido da área entalhada pela erosão que formou o atual canal do alto curso do córrego Quarta-feira, promovendo a drenagem da água de subsuperfície, não foi possível identificar surgências na superfície do terreno, levando a considerar sua ocorrência em local da área de agradação, mais a montante possível, na faixa de ocorrência de solo hidromórfico. Em um caminho de terra perpendicular à Avenida André Maggi, e que acompanha rede de alta tensão (Figura 18), foi observado a ocorrência de surgência d’água no local em que o caminho atravessa a parte mais baixa do terreno formado por Solos Hidromórficos. Em tradagem realizada há aproximadamente 8 metros a montante, observou-se a presença de Solo Hidromórfico (Gleissolo Pouco Húmico), encoberto por 10 centímetros de material argiloso de assoreamento, e com lençol suspenso a uma profundidade de 60 centímetros, coincidente com o horizonte C gleizado, com feições de 22 plintitas, que permite a comprovação da saturação do solo durante período chuvoso. A profundidade em que foi encontrado o lençol suspenso permite concluir que a surgência observada é decorrente da abertura e uso do caminho, que aprofundou e compactou localmente o terreno, forçando a ocorrência de surgência. Figura 18 – Caminho de terra, transversal à Avenida André Maggi, que atravessa o Compartimento Morfopedológico em Ambiente de Agradação. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT. A Figura 19 mostra o aspecto geral da área em que ocorre essa surgência de caráter intermitente. Trata-se, portanto, de nascente de contato, decorrente de ação antrópica, e que de acordo com o Glossário Hidrológico Internacional, é aquela em que a “água flui de uma formação permeável subjacente a uma formação impermeável”. Com a acessão do lençol freático suspenso, mesmo após a finalização das chuvas, deve-se presenciar a ocorrência de surgência nesse local por algum tempo, com escoamento ao longo do talvegue, configurando, a jusante desse local, a existência de curso d’água intermitente, estendendo-se até o seu deságüe na Lagoa do CPA. Entretanto, esse curso d’água intermitente encontra-se desfigurado em relação ao seu traçado e funcionamento original, deixando de se constituir em um canal de drenagem natural. Essa alteração ambiental resulta, conforme anteriormente mencionado, da ocupação e uso do solo desordenado, descompromissada com o ambiente e funcionamento desse curso d’água, verificada tanto ao longo das vertentes da sua microbacia, como, em especial, ao longo do seu próprio vale. Em 1983, conforme pode ser visualmente observado na foto aérea apresentada na Figura 2, a micro-bacia do alto curso do córrego Quarta-feira já apresentava-se antropizada, tanto por retirada de cobertura vegetal, como 23 (a) TR (b) (d) (c) (e) (f) Figura 19 – Um caminho transversal à Avenida André Maggi foi aberto, atravessando área de agradação de fundo de vale do alto curso do córrego Quarta-feira (foto a e foto b). Observa-se, nesse local, a presença de água na superfície, com escoamento constante, indicando ocorrência de surgência. A presença de lençol d’água foi constatado por meio de tradagem TR (foto d) que revelou nível de água a cerca de 60 centímetros de profundidade em horizonte pedológico Cg, argiloso, com feições de plintita e hidromorfismo (foto f). Alto curso do córrego Quartafeira, Cuiabá/MT. 24 pela implantação de obras privadas e públicas, como o Centro Político Administrativo, represamento do alto curso do córrego Quarta-feira (Lagoa do CPA), implantação de caminhos e estradas (como a atual Av. André Maggi, por exemplo). Essas intervenções geraram alterações na dinâmica hidrológica, alterando a dinâmica natural que havia entre os compartimentos morfopedológicos de dissecação e agradação. Essas alterações foram potencializadas de forma drástica ao longo da década de 80 e 90, com a implantação de novas edificações, desmatamentos, disposição de rejeitos, retirada de cascalho e pela invasão de garimpeiros na área. A Figura 20 mostra vestígios da passagem dos garimpeiros, cuja atividade contribuiu de forma marcante na degradação da área. (a) (b) (c) (d) Figura 20 – A área de estudo foi ocupada por garimpeiros que promoveram forte degradação do solo com reflexos na dinâmica hidrológica de superfície e subsuperfície. Em (a) rejeitos do antigo garimpo; (b) restos de peças em madeira; (c) fogão construído em canga; (d) materiais e roupas usadas pelos garimpeiros. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT. Atualmente, as águas provenientes do lençol freático suspenso, de caráter intermitente, se misturam com águas servidas e de esgoto provenientes das edificações do Centro Político Administrativo, existente na micro bacia, e com as águas de chuva provenientes dos cursos d’água efêmeros, seus afluentes. Por outro lado, a linha de talvegue original desse curso d’água intermitente encontra-se significativamente alterada. Vestígios de atividade garimpeira evidenciam desvios do curso d’água natural, escavações ao longo do vale e de áreas marginais, deposições de entulhos e de materiais de rejeito. Intensos processos erosivos instalaram-se ao longo desse vale, em conseqüência dos desequilíbrios do funcionamento hídrico ai verificados, reentalhando os materiais depositados por ação antrópica, e os sedimentos originais 25 relacionados ao ambiente natural de agradação, promovendo assoreamentos em locais condicionados por baixa energia de escoamento. A Figura 8 mostra a disposição atual do talvegue do alto curso do córrego Quarta-feira e dos afluentes da margem esquerda, e do local de ocorrência de uma nascente. Nota-se que a nascente encontra-se a 67 metros de distância da da Avenida, e a linha de talvegue a distâncias variadas, em geral superiores a 30 metros. Apenas um pequeno trecho da linha de talvegue atual, com aproximadamente 50 metros de extensão, encontra-se a distância relativamente pequena da margem da Avenida, inferior a 30 metros. Este pequeno trecho em que o canal do alto curso do córrego Quarta-feira passa mais próximo da estrada não se constitui no posicionamento do talvegue original, mas foi desviado para o lado da margem esquerda, pela deposição de material de assoreamento e aterro, talvez com o intuito de possibilitar a passagem de pedestres (Figura 21). a b Figura 21 – Em (a) o talude do canal do córrego Quarta-feira, formado por erosão antrópica, no local em que o mesmo converge para o lado da Avenida André Maggi. Observa-se o pacote de assoreamento e aterro sobre o solo hidromórfico. Em (b) pinguela para passagem de pedestres, no trecho em que o canal do córrego se aproxima da Avenida André Maggi. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT. 26 3. INDICAÇÕES DE MEDIDAS PROCESSOS EROSIVOS DE CONTROLE DOS De maneira geral, o controle dos processos erosivos e de assoreamento, envolve a implementação de medidas e obras que proteja o solo contra a ação erosiva das chuvas e que disciplinem o escoamento superficial das águas. Os estudos realizados mostraram que a área de estudo e seu entorno enquadram-se em dois compartimentos morfopedológicos, que são o Compartimento Morfopedológico de Ambiente de Dissecação, que tem na erosão do solo o fenômeno natural prevalecente, e o Compartimento Morfopedológico de Ambiente de Agradação, cuja vocação natural é a sedimentação. A exposição e impermeabilização do solo, decorrente do desmatamento, uso e ocupação da área, escavações, etc., promoveu o aumento do volume de águas pluviais escoando pela superfície, concentrando-se em fluxos (enxurradas), acarretando na intensificação dos processos erosivos e de assoreamento. Esses processos foram sentidos com maior intensidade no compartimento morfopedológico de ambiente de agradação, conforme apresentado. Dada às características distintas dos dois compartimentos, tanto em relação à natureza ambiental quanto com relação ao uso, as concepções de controle dos processos erosivos apresentam especificidades próprias. Para o Compartimento Morfopedológico de Ambiente de Dissecação, as seguintes medidas são concebidas de controle de processos erosivos: 1 – Limpeza e terraplenagem: as áreas que apresentam escavações e materiais estocados (restos de construção, lixo, rejeitos, etc.) necessitam serem limpas, a topografia reconformada, com as inclinações dos taludes reduzidos, buscandose aproximar ao máximo da declividade geral dos terrenos do entorno. 2 – Controle do escoamento das águas – nas vertentes dos talvegues, especialmente naquelas desprovidas de vegetação, ou com vegetação degradada, deve-se implementar estruturas físicas para o controle do escoamento das águas, como construção de camalhões. Dada á baixa capacidade de infiltração dos terrenos, os camalhões devem ter suave caimento em direção aos talvegues. A distância entre os camalhões dependerá da inclinação dos terrenos, recomendando-se que não seja superior a 10 metros. Sobre esses camalhões devem ser plantadas gramíneas para a sua melhor estabilização. Recomenda-se a grama Mato Grosso, pela rusticidade, baixo custo e resistência à seca. Outra gramínea alternativa e que pode ser utilizada é o capim vetiver, que formam barreiras naturais dispensando, após estarem devidamente implantadas, a manutenção dos camalhões. 27 3 – Controle dos fluxos e qualidade da água nos talvegues – para o canal de drenagem do córrego Quarta feira e seus afluentes, pelo qual escoa atualmente as águas pluviais e servidas, deve, em primeiro lugar, garantir que apenas água de chuva para eles sejam direcionados. No ambiente de dissecação, o controle das águas diretamente nas vertentes e a redução do volume de água lançada diretamente nos talvegues, deve estabilizar o canal dos talvegues. As saídas de bueiros, especialmente dos que fazem a travessia dos dois talvegues afluentes, deve receber sistema de dissipação de energia e disciplinamento das águas, de maneira que adentrem o ambiente de agradação sem gerar erosão. O canal de drenagem no ambiente de agradação deve receber estruturas para o controle da energia das águas e que promova a deposição de sedimentos carreados. Essas estruturas podem ser construídas com madeira, pedra e solo ensacado, conforme apresentado na Figura xx. 4 – Revegetação – as áreas desprovidas de cobertura vegetal, devem ser recuperadas a partir de um projeto específico de revegetação que privilegie o uso de espécies nativas. A cobertura vegetal protege o solo contra o impacto direto das águas de chuva e auxilia no disciplinamento do seu escoamento superficial. 5 – Monitoramento – faz-se necessário que no mês que antecede e durante os períodos chuvosos, de pelo menos dos três anos seguintes, seja feito acompanhamento do desempenho das medidas implantadas, realizando manutenções e correções caso necessário. Figura 22 – Esquema de sistema construtivo de diques de madeira para contenção do fluxo das águas no interior do canal, de forma a controlar os processos erosivos e favorecer a sedimentação. Alto curso do córrego Quarta-feira, Cuiabá/MT. 28 4. CONCLUSÕES Os resultados obtidos, com base em interpretação de foto aérea em escada de detalhe, de 1983, e levantamentos de campo, permitiram concluir pela existência de dois ambientes naturais que se interagem, que foram delimitados. Esses ambientes apresentam funcionamento hídrico específico, sendo representados pelos compartimentos morfopedológicos em ambiente de dissecação e em ambiente de agradação. O primeiro, predomina na área estudada, sendo caracterizado por rochas do Grupo Cuiabá associados a colinas e a solos rasos desprovidos de lençol freático e da ocorrência de nascente; o segundo, limitado a porções localizadas do fundo do vale em trecho de jusante do alto curso do córrego Quarta-feira, denominado por talvegue principal, é constituído por sedimentos recentes depositados sobre rochas do Grupo Cuiabá, em superfície aplainada cujos processos pedogenéticos de hidromorfismo permitiram a formação de Gleissolos, relativamente profundos, comportando lençol freático suspenso e ocorrência de nascente. Os estudos realizados permitiram, assim, identificar a existência de elementos naturais representados por um vale de curso d’água que se constitui no alto curso do córrego Quarta-feira, apresentando parte superior com funcionamento efêmero, isto é, em que se observa o escoamento das águas pluviais apenas durante eventos chuvosos, e, a jusante, com funcionamento intermitente, a partir de local de ocorrência de nascente que se manifesta condicionada à ascensão do lençol freático suspenso sobre influência do período chuvoso do ano. Entretanto, esse curso d’água encontra-se descaracterizado em relação ao seu traçado original e funcionamento hídrico natural, em conseqüência da ocupação antrópica desajustada e descompromissada com a preservação ambiental, verificada na sua microbacia, e, em especial, no seu vale. Essa alteração ambiental desorganizou o traçado original da linha de talvegue, modificando-o de maneira drástica e intensificou a ação erosiva e de assoreamento, transformando-o em canal de escoamento de águas pluviais e de águas servidas e de esgoto provenientes de edificações do Centro Político Administrativo, que se misturam com as águas de surgência do lençol freático intermitente. A disposição atual desse curso d’água, e do local de nascente, em relação á faixa marginal da avenida André Maggi foi determinada. A nascente encontra-se a 67 metros de distância da da Avenida, e a linha de talvegue a distâncias variadas, em geral superiores a 30 metros. Apenas um pequeno trecho da linha de talvegue atual, com aproximadamente 50 metros de extensão, encontra-se a distância relativamente pequena da margem da Avenida, inferior a 30 metros. Este pequeno trecho em que o canal do córrego Quarta-feira passa mais próximo da estrada não se constitui no posicionamento do talvegue original, mas foi desviado para o lado da margem esquerda, pela deposição de material de assoreamento e aterro, talvez com o intuito de possibilitar a passagem de pedestres. 29 5. BIBLIOGRAFIA ACIESP, 1980. Glossário de termos usuais em ecologia. São Paulo, Secretaria de Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia. 150 p. (Publicação ACIESP nº 24). Bigarella, J. J. Estrutura e origem das paisagens tropicais e subtropicais / João José Bigarella; contribuição de Everton Passos... [et al.] – Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2003. v.3 (p.877-1436):il. Castro, S.S. e Salomão, F.X.T. 2000. Compartimentação morfopedolótica e sua aplicação: considerações metodológicas. In: GEOUSP - espaço e tempo: Revista da Pós-graduação em geografia. Nº 7. Humanitas FFLCH – USP. 27-37. EMBRAPA/SNLCS. 1982. Manual de descrição e coleta de solos no campo. 2ª edição. 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