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Desafios

Desafios da indústria cerâmica de revestimentos

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DESAFIOS DA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE CERÂMICA DE REVESTIMENTO Fabiana Perez, Doutoranda [email protected] CRISE, como não falar nela... Vou poupar o leitor deixando o óbvio ululante de lado. Gostaria de falar sobre algumas frases feitas que costumam aparecer em situações críticas como esta que passamos hoje. As duas que mais me fazem pensar são: "é na crise que idéias inovadoras aparecem" "é na crise que se fazem avanços técnicos/científicos significativos" Será mesmo? Se estivéssemos habituados a cultivar idéias inovadoras, sentiríamos tão fortemente uma crise? Se buscássemos continuamente avanços técnicos, a crise seria tão amarga? O Brasil dos superlativos, a Indústria Cerâmica de tantos predicados está novamente provando o fruto amargo dos caixas baixos, inadimplências, cortes, demissões, falências, suspensão de investimentos, etc. Certamente temos um cenário melhor do que o Europeu ou o Norte Americano, mas...o grande impacto que recebemos apenas como efeito de uma crise que (para variar) não é nossa é para, no mínimo, se fazer pensar. Onde estamos e para onde vamos. Os dados da ANFACER1 sobre a indústria brasileira de revestimentos cerâmicos e a inserção destes dados no cenário internacional2 deixa claro alguns aspectos como: 1. O Brasil é o 3º maior produtor mundial de revestimentos cerâmicos; 2. O Brasil é o 2º maior mercado consumidor; 3. O Brasil é o 4º maior exportador; 4. O Brasil possui baixo consumo per capita: 2,7m2/habitante (8,87m2/habitante USA; 0,87m2/habitante Irã). Entretanto, ser um grande produtor e com um imenso mercado consumidor não tem garantido às empresas brasileiras a saúde financeira que esta situação deveria proporcionar. Sem contar as dificuldades com matérias-primas (especialmente argila), impostos, custo dos insumos, disputa irracional por menores preços de venda (canibalismo), baixa qualidade, facilidades na importação (leia-se: produtos Chineses), burocracia na exportação, etc. Só mesmo em um país como o Brasil é possível que mesmo em todo esse cenário negativo seja possível haver números tão expressivos quanto os que temos visto ano após ano. Entretanto, o cenário mundial mostrou no último trimestre de 2008 o quão frágil é este sistema. Vimos um boom da construção em 2008. O governo investindo na liberação de crédito da casa própria. Uma grande massa das classes C e D vislumbrando a realização de um sonho. O setor da construção civil superaquecido movimentando toda uma cadeia produtiva. Muitas indústrias de revestimentos cerâmicos investiram em ampliação da linha de produção com aquisição de fornos e prensas, animadas pelos resultados do primeiro semestre de 2008. Quando houve a queda da bolsa, muitos já sentiram os efeitos na própria pele e alguns projetos, inclusive o start de novos fornos, foi temporariamente suspenso. A instalação da crise obrigou a medidas mais drásticas como redução do quadro, cortes de despesas, priorização ou suspensão de investimentos. A situação deixou à mostra os pontos mais vulneráveis: Posicionamento do produto (revestimento cerâmico) no mercado; Peso das associações de classe. Tipo de prática adotada na administração e produção; O peso destas três variáveis pode afundar ou impulsionar a indústria. Vemos muitas empresas afundando e culpando o cenário internacional, o cenário nacional, o governo... Vale uma reflexão profunda e sincera. Aqui cabe um bom exercício: de todas as crises brasileiras, escolha uma a seu gosto. Como foi que sua empresa passou por aquela crise? Quais as medidas tomadas para sobreviver? E depois da crise? O que foi feito para prevenir e não deixar que os mesmos "erros" se repetissem no futuro? As medidas que tem sido tomadas hoje nas indústrias são para "estancar o vazamento" ou são medidas que a médio e longo prazo protegerão a empresa de flutuações externas? VULNERABILIDADE 1- Posicionamento do produto no mercado Qual a imagem do revestimento cerâmico para o consumidor leigo, para o assentador (pedreiros) e para o especificador (balconistas, engenheiros e arquitetos)? De uma maneira geral, a opinião dos leigos sobre revestimentos cerâmicos é: Massa vermelha é ruim, massa branca é boa; São todos iguais, com exceção do porcelanato; Quanto maior o PEI, melhor: o revestimento é mais resistente; A diferença entre todos eles é a decoração; Clara preferência por brilho e excesso de decoração; Problemas como desplacamento e eflorescências são geralmente atribuídos à argamassa colante, rejuntamento ou mão-de-obra; Problemas como mancha d'água, e limpabilidade são considerados "normais" nos revestimentos cerâmicos; As reclamações feitas diretamente no serviço de atendimento ao cliente das empresas nem sempre resolvem o problema do consumidor; Poucos consumidores são conscientes dos seus direitos e menos ainda conhecem o serviço que presta o CCB. Pouco tem sido feito para mudar este cenário. O marketing direcionado ao consumidor final foca design. Ainda não está estabelecido um programa de treinamento envolvendo os assentadores. As indústrias de argamassa colante costumam levar estes treinamentos às grandes lojas de distribuição ou o fazem na própria indústria. Mas a ênfase, claro, é no assentamento, não na escolha correta da placa cerâmica. Unir forças à este setor (argamassas colantes) pode ser uma saída inteligente e eficaz, onde já se aproveitaria o know-how e estrutura dos atuais programas. Outro ponto importante é o treinamento dos especificadores. Balconistas, engenheiros e arquitetos precisam conhecer os diferentes apelos dos produtos cerâmicos. Não apenas quando comparados entre outras opções de acabamento, mas principalmente, quando comparados entre si. São necessárias ações de marketing buscando diferenciar tecnicamente os diferentes revestimentos cerâmicos para eximir a imagem de commodite, ou seja, onde a compra é decidida pelo preço já que todas as outras características são consideradas semelhantes. 2- Peso das associações de classe As ações de posicionamento do produto cerâmico no mercado poderiam (deveriam?) ser feitas através das associações de classe, já que é do interesse geral e todos se beneficiariam com os resultados. Para isso, as associações precisam do apoio total das indústrias. Não apenas suporte financeiro, mas presença constante. O apoio hoje é tímido. Das 90 indústrias, 60 são associadas. Destas 60, quantas estão realmente engajadas? Existem relatórios oficiais sobre o desempenho de algumas associações. Sem dúvida há muito trabalho a ser feito. Ano a ano as contribuições das associações tem sido de grande valia para o setor. Mas existem questões que precisam de uma resolução à médio/curto prazo. Como por exemplo, liberação de áreas de extração de matérias-primas (com volumes compatíveis ao consumo), a situação dos pátios de secagem, os programas de reaproveitamento de resíduos, entre outras. Outra face das associações de classe é o da promoção de discussões técnico-científicas, sob a forma de congressos, encontros técnicos ou mesmo do estreitamento do relacionamento entre universidades e indústria. Sendo que a pesquisa universitária deveria ter como meta a solução de problemas a curto, médio e longo prazo das indústrias. Afinal informação não é conhecimento. E concorrente não é inimigo. Os números precisam ser discutidos, os problemas precisam sair ao sol para serem analisados adequadamente. Sem dados não se faz um bom trabalho de desenvolvimento ou de solução de problemas. O setor carece de encontros técnicos focados, com a participação efetiva da indústria e do corpo acadêmico onde assuntos de relevância sejam competentemente abordados e inteligentemente discutidos por todas as múltiplas visões que compõe o setor de revestimentos cerâmicos. Como disse Voltaire: "A própria concorrência é um estado sadio de competição em que todos ganham, se souberem cooperar." Outro braço das associações de classe é a promoção de feiras de negócios. Feiras que promovam o fechamento de negócios e não a promoção social. Seguindo o modelo europeu, realizamos feiras para comunicar ao público consumidor e especificador as novidades em design, formatos, propriedades (por exemplo, REVESTIR) e uma feira que reúne os fornecedores do setor (por exemplo, FORN&CER). Como feira direcionada ao consumidor e especificador, a Revestir tem cumprido seu papel. Entretanto a presença das indústrias ainda é tímida. Existem no Brasil 90 marcas comerciais dividas em 72 grupos, onde 15 grupos possuem duas ou mais marcas e 56 apenas uma marca. Das 90 fábricas, 65 (72%) estão nos estados de São Paulo e Espírito Santo, 18 (20%) estão nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná e 7 (8%) estão na região Nordeste (Figura 1). Figura 1 – Divisão das indústrias por região Dos 72 grupos, apenas 30 participaram da edição 2009. O que faz mais da metade das empresas não quererem (ou poderem?) participar. Custo elevado? Baixo retorno? É necessária uma avaliação criteriosa para entender o que faz mais de 50% das empresas brasileiras de revestimento cerâmico não participarem do principal evento de divulgação do setor. A FORN&CER tem buscado reunir os fornecedores de máquinas e insumos para a indústria de revestimento. Houve uma grande evolução entre a primeira e a terceira edição (2009). Entretanto é uma feira direcionada ao mercado local. Seria de grande importância ou termos uma grande feira deste tipo de abrangência nacional ou outras menores que atendessem outros locais. Todo este esforço ganha sentido quando a indústria está presente: seja como visitante seja como expositor. Por presença, entenda-se presença de técnicos, média gerência, direção... 3 – Tipo de prática adotada na administração e produção Uma recente pesquisa realizada junto às indústrias brasileiras de revestimentos cerâmicos revelou alguns detalhes. Das 90 empresas brasileiras de revestimento cerâmico, 80 responderam completamente à pesquisa. Das outras dez, 2 estão inoperantes e as restantes declinaram o convite a participar. Entretanto, há informações parciais destas 10 fábricas. Desta maneira, os dados correspondem a 89% do universo de fabricantes de revestimentos brasileiros. Produtos Das 90 fábricas, 70 produzem semi-grês, 25 monoporosa, 22 porcelanato, 8 peças especiais (faixas, listelos, tozetos, etc), 3 pastilhas e 4 rústicos (Figura 2). Algumas empresas trabalham com "mix de produtos", ou seja, produzem dois ou mais tipos de produto sob uma mesma marca. A exceção é a fabricação de peças especiais, pastilhas e rústicos. A produção de revestimentos cerâmicos está dividida entre monoporosa (M), porcelanato (P) e semi-grês (SM). Sendo que as empresas trabalham com um "mix" de um, dois ou três desses produtos. 40 fábricas produzem apenas semi-grês, 8 semi-grês e monoporosa, 10 semi- grês, monoporosa e porcelanato, 10 semi-grês e porcelanato, 1 só porcelanato, 1 porcelanato e monoporosa, 5 só monoporosa (Figura 3). Figura 2 – Divisão da produção Figura 3 – Mix de produtos Processo Das 90 fábricas, 53 trabalham com via seca, 29 com via úmida e 8 com extrusão (Figura 4). Figura 4 – Processo de fabricação A divisão dos processos por região pode ser observada na Tabela I: Tabela I- Processos por região Produção A soma da produção mensal das 80 fábricas pesquisadas é de 61.637.000m2, ou a 739.644.000m2 por ano. Este número é muito próximo aos números oficiais, mostrando que a pesquisa com 89% das indústrias (80 empresas) é bastante representativa. Tabela II- Produção mensal Gestão da qualidade Das 80 empresas pesquisadas, apenas 33% das empresas são certificadas e 15% estão em fase de implantação. Menos da metade das empresas pesquisadas. Os piores números são dos estados de São Paulo e Espírito Santo. Tabela III- Gestão da qualidade por região – ISO 9001 As empresas não devem buscar se adequar às exigências das certificações ISO. A certificação deve ser a coroação das boas práticas desenvolvidas pela administração. As certificações em si não devem ser encaradas como diferencial competitivo. O grande diferencial é ter uma empresa tão bem administrada que seja capaz de passar por dificuldades de mercado, que tenha fluxo de caixa para suportar investimentos, etc. Assim como o setor administrativo, o setor produtivo também é capaz de lançar mão de ferramentas que ajudam a tornar a produção mais eficiente e com menor custo. De toda a sopa de letrinhas que englobam o WCM (World Class Manufactoring) ou Lean Manufactoring (Produção enxuta), podemos ressaltar o KanBan, 5'S, 6Sigma, FMEA, Kaizen e ACT. Essas ferramentas contribuem eficazmente para a redução dos custos, aumento do fluxo de caixa, redução dos tempos, redução dos estoques, enfim, uma produção eficaz e enxuta. De um modo geral, a implantação destas ferramentas é com baixo ou nenhum custo e geram significativa redução de custos e prazos. Menor custo, com baixo investimento, resulta em maiores margens. Milagre? Não, apenas se deixa de pagar pelo custo da não-qualidade. CONCLUSÃO Longe de oferecer qualquer resposta pronta e fácil, esta digressão é um exercício daquilo que é muito discutido (extra-oficialmente) entre colegas do setor. Percepções que muitos têm, mas que apenas as percepções não tem sido suficientes para produzir mudanças. É necessária uma mudança de postura. A união deve ser promovida e o profissionalismo deve ser a meta de cada instituição, de cada empresa, de cada colaborador. As mudanças precisam acontecer não apenas para sairmos da crise. Essas mudanças são vitais para garantir o desenvolvimento sadio do setor. Afinal, crescer quando o mercado está super aquecido é infinitamente mais fácil do que superar meses de baixas vendas. Esperamos que o "pior momento" da crise já tenha passado. É neste exato momento que devemos analisar criticamente e nos perguntar: O que devemos melhorar para não sermos vítimas em uma próxima crise? As empresas devem olhar sua administração, seu processo fabril; as universidades devem focar nos "gargalos" técnicos; as entidades de classe devem focar o mercado, e assim por diante. Trabalhando localmente e pensando globalmente. Não estamos falando de revoluções, apenas mudanças nas posturas. Olhando os problemas sob um novo prisma, fortalecendo um setor que pode ser muito mais forte e competitivo do que é, com a vantagem de enfrentar tempestades com a bravura de um transatlântico ao invés do temor de uma barcaça. Estamos todos juntos. Se vamos conduzir uma barcaça ou um transatlântico só depende de nós. REFERÊNCIAS 1. ANFACER, Panorama 2008 e 2009. 2. Boschi A. O., The Brazilian Ceramic Tile Industry: The Reasons of Success. CFI. Ceramic Forum International, v85, p92-97, 2008