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Dedução Das Equações Da Teoria De Gravitação

Teoria da Gravitação newtoniana

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Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 20, no. 1, marco, 1998 27 Deduc~ao das Equac~oes da Teoria de Gravitac~ao de Einstein em um Curso de Graduac~ao M. Cattani Instituto F sica, Universidade de S~ ao Paulo Caixa Postal 66318, CEP: 05315-970 S~ ao Paulo (SP), Brasil Trabalho recebido em 4 de abril de 1997 Veremos como deduzir de modo simples as equac~oes fundamentais da teoria da gravitaca~o de Einstein para alunos do curso de graduac~ao que tenham alguma noca~o de relatividade restrita. Apesar da teoria ter cerca de oitenta anos, n~ao existe nenhum tratamento que seja aceito como rigoroso para chegar ate equac~oes de Einstein. Mostraremos aqui uma das possveis deduc~oes das equac~oes de campo da gravitac~ao. Nossa intenc~ao e mostrar como uma mistura de argumentos sicamente razoaveis, simplicidade matematica e sensibilidade estetica nos leva, mais ou menos de modo unico, as referidas equac~oes. 1. A geometria do espaco-tempo Em 1972, o famoso fsico indiano S. Chandrasekhar, pr^emio Nobel de Fsica de 1983, publicou um excelente artigo na revista American Journal of Physics(1) , mostrando como deduzir as equac~oes basicas da teoria de gravitac~ao de Einstein, tambem denominada de teoria da Relatividade Geral. A deduca~o das equaco~es e feita usando uma combinac~ao de argumentos sicamente razoaveis e simplicidade matematica. Esse artigo, entretanto, por ser sucinto demais em algumas partes, ca um pouco difcil de ser entendido por alunos do curso de graduac~ao. A nossa intenc~ao e de, seguindo os passos de Chandrasekhar, fazer uma tentativa de deduzir as referidas equac~oes de tal modo que os alunos de graduac~ao, que conhecam a Relatividade Restrita (R.R.) e um pouco de calculo tensorial, consigam entender os aspectos fundamentais da teoria de gravitac~ao de Einstein(1,7) . A Fsica deste seculo tem mostrado, de modo dramatico(8), como s~ao ilusorios e limitados todos os conceitos que os homens criam para analisar e explicar os fen^omenos naturais. Cada palavra, conceito ou imagem, apesar de parecerem muito precisos e claros, s~ao somente descrico~es aproximadas da realidade. Apesar disso, a nossa tend^encia e sempre acreditar que as criac~oes de nossa mente representem a realidade propriamente dita. Como e extremamente difcil termos uma consci^encia exata das limitac~oes dos conceitos gerados por nossa mente, tendemos a confund-los com a realidade. Um dos nossos objetivos e o de buscar superar tal confus~ao. Isto e possvel a medida que as nossas tecnicas experimentais v~ao evoluindo(2). Ampliando o horizonte de experi^encias as restric~oes de nossa mente racional tornam-se mais claras, levando-nos a abandonar, ou modi car, alguns conceitos estabelecidos. Acreditamos que, dentre os conceitos criados para descrever a natureza, o espaco e o tempo s~ao os mais importantes. Eles s~ao de vital import^ancia para a ci^encia, loso a e nossa vida cotidiana: eles servem para ordenar eventos e objetos no ambiente que nos cerca. Como praticamente todas as leis da fsica s~ao formuladas usando as noc~oes de espaco e tempo, uma das maiores revoluc~oes na historia da fsica foi a profunda modi cac~ao dessas noc~oes fundamentais, gerada pela teoria da relatividade(1,7): Ate o incio deste seculo os fsicos acreditavam na exist^encia de um espaco absoluto tridimensional Euclideano, independente dos objetos materiais que s~ao contidos por ele. Admitiam tambem que o tempo era uma dimens~ao separada, igualmente absoluto, uindo de modo uniforme, independentemente do mundo material. Essas concepc~oes, pelo menos no mundo ocidental, estavam t~ao profundamente arraigadas nas mentes de losofos e cientistas que eram tidas como propriedades 28 genunas e indubitaveis da natureza. Devemos aos gregos a ideia de que a geometria Euclideana e a express~ao exata da natureza. Essa crenca, que surgiu com o aparecimento do texto \Elementos" de Euclides, perdurou por mais de dois mil anos. Somente nos primordios do seculo vinte os fsicos, gracas a tecnicas experimentais mais so sticadas, comecaram a descon ar dessa concepc~ao geometrica, divina e exata, do mundo. Assim, Minkowski, combinando a eletrodin^amica de Faraday-Maxwell com o princpio da relatividade restrita descobriu que a geometria do espaco-tempo e pseudo-Euclideana (ou de Minkowski). Esta descoberta fundamental foi comunicada pelo proprio Minkowski numa famosa confer^encia pronunciada em 1908, com as seguintes palavras: \As concepc~oes de espaco e tempo que desejo apresentar aos senhores emergiram do solo da Fsica experimental e nisto reside o poderio das novas ideias. Essas concepc~oes s~ao radicais. Daqui para diante, o espaco por si mesmo e o tempo por si mesmo est~ao condenados a desaparecer como simples sombras e so uma especie de uni~ao entre ambos preservara uma realidade independente". A relatividade restrita e tambem a relatividade geral (R.G.), como veremos nessas notas, mudaram radicalmente as nossas noc~oes sobre o espaco e o tempo. O espaco dos eventos fsicos n~ao pode ser considerado como tridimensional. Espaco e tempo aparecem ntima e inseparavelmente conectados constituindo um sistema mais complexo: um continuum quadridimensional denominado de \espaco-tempo". Os dois n~ao podem ser separados: o que e espaco para um observador poder ser uma mistura de espaco e tempo para outro. Dentro desse contexto n~ao faz sentido indagarmos acerca do comprimento \real" de um objeto ou do intervalo de tempo \real" de um acontecimento. Isto seria equivalente a perguntarmos qual o comprimento real da sombra de uma pessoa. A sombra e uma projeca~o de pontos de um espaco tridimensional sobre uma superfcie bidimensional e tera comprimentos diferentes conforme os diferentes ^angulos de projec~ao sobre a referida superfcie(7) . De modo analogo o comprimento de um objeto ou o intervalo de tempo de um acontecimento ser~ao as projec~oes de pontos do espaco-tempo quadridimensional sobre uma superfcie tridimensional. Foi com o aparecimento da R.R. que comecamos M. Cattani a perceber que o espaco e o tempo, assim como deve ocorrer com outros conceitos, s~ao construco~es de nossa mente e, por conseguinte, devem ser considerados como algo relativo, ilusorio e limitado. Com essa nova teoria aprendemos que um sistema de coordenadas n~ao possui um signi cado objetivo; as coordenadas do espacotempo s~ao apenas elementos de uma linguagem que um observador utiliza para descrever o seu meio ambiente. Atraves do estudo das propriedades fsicas de um dado do campo de forcas seria possvel, em princpio, determinar a metrica do espaco-tempo associada ao referido campo. Ate o presente momento, acreditase que uma geometria pseudo-Euclideana esteja associada as interac~oes forte, fraca e eletromagnetica. A a rmac~ao de que processos fsicos ocorrem num espaco pseudo-Euclideano e muito mais rica do que o princpio da relatividade. Corresponde a generalizar tal princpio tornando possvel a utilizac~ao tanto de referenciais inerciais como n~ao inerciais para o estudo das leis da Fsica. Neste sentido, devemos notar que encontramos frequentemente na literatura a rmac~oes que a R.R. trata somente da descric~ao de fen^omenos em sistemas inerciais, enquanto que a descric~ao dos fen^omenos em referenciais n~ao inerciais e uma prerrogativa da R G.. Estas a rmac~oes est~ao erradas. Segue de modo trivial da descoberta de Minkowski que podemos usar qualquer sistema de refer^encia, inercial ou n~ao inercial, para descrever os fen^omenos fsicos(9). A R.R. que teve incio devido a con itos entre resultados experimentais e as previs~oes da Fsica Newtoniana, construiu uma estrutura comum para a Eletrodin^amica de Faraday-Maxwell e a Mec^anica de Newton, uni cou e completou a fsica classica. Veremos nessas notas, atraves do estudo da teoria da gravitaca~o de Einstein ou teoria da relatividade geral (R.G.), como e a metrica do espaco-tempo na presenca de um campo gravitacional. E importante salientar que, quando a R.G. foi formulada(1;2), em 1916, n~ao havia nenhum con ito serio entre as predico~es da teoria Newtoniana da gravitac~ao e os resultados experimentais. O que levou Einstein a modi car a teoria classica da gravitac~ao foi o fato de uma interac~ao gravitacional instant^anea estar em desacordo com a R.R. Notemos que a R.G. n~ao e uma simples generalizaca~o da teoria Newtoniana da gravitac~ao usando a R.R. (todas as Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 20, no. 1, marco, 1998 tentativas neste sentido n~ao tiveram muito sucesso!). Analisaremos, na proxima secc~ao, a equival^encia, na teoria Newtoniana, entre a massa inercial e a gravitacional. Este fato e de fundamental import^ancia pois ele e a pedra angular da R.G.. 2. Massa inercial e massa gravitacional As experi^encias legendarias de Galileo na torre de Pisa mostraram que a acelerac~ao que um corpo adquire num campo gravitacional uniforme independe de sua massa. Disto Newton inferiu a igualdade entre a massa inercial e a gravitacional. O conceito de massa e introduzido na teoria de duas maneiras logicamente distintas e estas s~ao agora postuladas como sendo iguais numericamente. Este e um aspecto surpreendente, possuindo algo de magico ate hoje ainda n~ao esclarecido. O conceito de massa foi introduzido atraves da segunda lei de Newton: Forca = m(I )  acelerac~ao. Esta massa m(I ) e a inercial, que e uma medida da resist^encia oferecida pelo corpo a uma mudanca de velocidade. Esse mesmo corpo interage com outro gravitacionalmente, segundo a teoria de Newton, conforme a lei G m(g) M (g) =R2 , sendo R a dist^ancia entre eles. As grandezas m(g) e M (g) s~ao as \cargas" ou massas gravitacionais dos dois corpos em interac~ao. De acordo com a segunda lei de Newton a acelerac~ao que o corpo de massa m(g) sofre e = (m(g) =m(I ) )G M (g)=R2 . De acordo com Galileo, todos os corpos localizados a mesma dist^ancia R de M (g) t^em a mesma acelerac~ao. Isto implicaria que m(g) =m(I ) deveria ser uma constante universal. Sem perda de generalidade poderamos assumir que m(g) fosse id^entica a m(I ) . Notemos que este resultado foi deduzido apelando para a experi^encia. Desde Newton, experi^encias t^em sido feitas com o intuito de veri car ate que ponto as duas massas s~ao exatamente iguais. Uma consequ^encia imediata dessa igualdade e que o perodo de um p^endulo simples n~ao depende nem da massa nem da constituic~ao da bolinha. Bessel concluiu, apos uma longa serie de medidas, que a independ^encia do perodo com a massa e a constituic~ao da bolinha podia ser estabelecida com uma precis~ao de uma parte em 105 . Eotvos, usando tecnicas mais so sticadas e estudando desvios de um o de prumo, mostrou que a igualdade das massas era valida dentro de uma precis~ao de um por 109. Re- 29 centemente, Dicke(12;10) com tecnicas muito re nadas mostrou que ela e valida com uma precis~ao de uma parte em 1011. Ate hoje n~ao sabemos explicar porque as massas s~ao iguais e isto e aceito como um fato da natureza. Esta igualdade e denominada de Princpio de Equival^encia de Newton. Uma consequ^encia deste princpio e a seguinte: \Um sistema que esta estacionario em um campo gravitacional uniforme com intensidade ~g e sicamente equivalente a um sistema que esta numa regi~ao livre de gravitaca~o mas que esta acelerado com acelerac~ao = ,~g ". Isso corresponde a dizer que realizando experi^encias nos referidos sistemas e impossvel distinguir entre os efeitos de uma acelerac~ao uniforme e um campo gravitacional uniforme. Outra consequ^encia e a seguinte: \para um observador no interior de um sistema em queda livre num campo gravitacional uniforme, num dado instante t , e como se o espaco fosse livre de um campo de forcas". Antes de continuarmos nossa analise, e importante notar que o conceito de campo gravitacional uniforme em todo o espaco n~ao e valido: se fosse valido um corpo poderia ser acelerado inde nidamente ate adquirir momento in nito. E um conceito apenas aproximado: podemos admitir tal fato somente em pequenas regi~oes do espaco. 3. Uma estimativa da metrica do espaco-tempo devido a gravitac~ao Veremos agora como estimar a metrica do espacotempo, levando em conta a equival^encia entre m(I ) e m(g) , devido a presenca de um campo gravitacional. Com este intuito, consideremos um campo gravitacional esfericamente simetrico gerado, por exemplo, por uma estrela de massa M , suposta em repouso(11) num sistema S . Seja S0 um sistema (uma caixa) que cai em queda livre radialmente em direc~ao ao centro da estrela. As coordenadas no sistema S0 ser~ao indicadas por x0 (longitudinal, isto e , na direc~ao do movimento), y0 , z0 (transversal) e t0 . Como num determinado instante de tempo t0 no interior do sistema S0 , que cai em queda livre, o espaco-tempo pode ser considerado como o de Minkowski, o elemento de linha ds2 e dado por, ds2 = c2dt20 , (dx20 + dy02 + dz02) . Supondo que a caixa chega, 30 M. Cattani num instante t , a uma dist^ancia r da estrela com velocidade v; r e v s~ao medidas no sistema S da estrela, onde temos as coordenadas r; #; ' e t . Atraves de uma transforma c~ao de Lorentz entre S e S0 obtemos, p p 2 dx0 = dr= 1 , ; dt0 = dt 1 , 2 ; dy0 = rd# e dz0 = r sen# d # d' , onde = v=c . Desse modo o elemento de linha ds2 pode ser escrito na forma 2 2 , 2 ) , dr2 ds2 = (1 , c2 )dt, (1 2 r (d#2 + sen2 #d'2) : A m de escrevermos o fator 1 , 2 em termos do potencial gravitacional (r) = ,GM=r, onde M e a massa da estrela, consideremos a equac~ao da conservac~ao da energia de um corpo no sistema Sp. Sendo m0 a massa de repouso do corpo e m = m0 = 1 , 2 , temos (m , m0 )c2 + m(r) = 0 , onde, a esquerda, escrevemos a soma da energia cinetica e potencial. A energia constante, a direita, e tomada igual a zero, pois, quando r ! 1 temos m ! m0 . Dividindo a equac~ao de conservac~ao por mc2 , obtemos p 1, 1 , 2 = ,(r)=c2 . Se a estrela for semelhante ao Sol, GM=c2 ' 1 Km, podemos fazer a seguinte aproximac~ao, 1 , 2 ' 1 + 2(r)=c2 . Assim, ds2 torna-se: 2 2 )dt2 , dr2 =(1 + 2(r) (3:1) ds2 = c (1 +c2(r)=c 2 ) , r 2 (d#2 + sin2 #d'2 ) Assim, partindo da igualdade m(I ) = m(g) , usando a teoria Newtoniana da gravitac~ao e a R.R., mostramos que a metrica do espaco de Minkowski e alterada devido a presenca de um campo gravitacional. Naturalmente, devido as aproximac~oes envolvidas na obtenc~ao da Eq. (3.1), n~ao podemos ter uma ideia, no momento, de qual e a precis~ao dos nossos resultados. Com certeza, podemos dizer que a geometria do espaco-tempo n~ao e a mesma que a adotada na R.R.; a geometria, conforme veremos na proxima secc~ao, e a de Riemann. Porem, antes de passarmos a estudar a geometria Riemanniana, analisemos a Eq. (3.1). Ora, se dt e o intervalo de tempo entre dois \tics" de um relogio onde n~ao ha campo gravitacional, ent~ao para o mesmo relogio localizado no ponto r onde ha um campo gravitacional, o intervalo dtr entre dois \tics" sera dado por dtr = (1+(r)=c2)dt . Considerando dois pontos A e B separados por uma distancia h = rA , rB , a raz~ao entre os intervalos de tempo nesses dois pontos sera dado por ,  1 + (r )=c2 dtA=dtB = (1 + (rA )=c2) = 1 + gh=c2 ; B onde g = GM=R2 e R e o raio do astro suposto muito maior do que h Esse efeito foi comprovado, com boa precis~ao, por Hafele e Keating(12;13), utilizando relogios de cesio e realizando viagens de circunavegac~ao da Terra em jatos comerciais. 4. Elementos de geometria Nesta secc~ao, iremos recordar algumas noco~es sobre espaco, tensores, metrica e introduzir alguns conceitos basicos em geometria Riemanniana(1,7;14). Veremos o mnimo necessario para que se possa ter uma ideia razoavel da formulac~ao matematica da R.G.. Seja x1; x2; : : :; xN  fxg ( = 1; 2; : : :; N) um conjunto de variaveis contnuas independentes, que  implica em @x @x =  . Denominamos de espaco ao conjunto de todos os pontos representados por essas variaveis. Suponhamos que seja possvel descrever o espaco em quest~ao por um novo conjunto de variaveis x0 que sejam func~oes das antigas, isto e, x0 = x0  (x ) . Se essa descric~ao e, sob todos os aspectos, equivalente a antiga, nos devemos ser capazes de obter x como func~oes das novas variaveis x0  , isto e, x = x (x0  ) . Desse modo, nada e perdido quando efetuamos a transformaca~o x ! x0 . Se quisermos, podemos recuperar tudo por uma transformaca~o inversa x0  ! x . Tais transformaco~es denominam-se biunvocas ou um a um . A descrica~o de um espaco e o conjunto de todas as suas transformac~oes recebe o nome de GEOMETRIA. Os conjuntos de coordenadas x e x0  s~ao chamados de sistemas de coordenadas S e S 0 , respectivamente. Como x0 = x0  (x ) , os incrementos dx0  e dx est~ao relacionados por @x dx . Como assumimos que a transdx0 = @x 0 formac~ao de coordenadas e reversvel, os dx podem ser obtidos usando a express~ao acima, de onde resulta que o determinante dos coe cientes n~ao deve se anular: @x det @x 6= 0 . Qualquer conjunto de N elementos U  que se transforma, de um sistema S para outro S 0 , como Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 20, no. 1, marco, 1998 dx0  e denominado de vetor contravariante : U 0 = @x U  . Por outro lado, o conjunto de elementos @x @x V e V que se transforma segundo a lei V 0 = @x 0  chamado de vetor covariante . Embora, de modo geral, n~ao haja nenhuma relac~ao entre um vetor covariante e um contravariante, podemos de nir uma relac~ao entre eles que e um invariante , ou seja, que e independente do sistema de coordenadas. Tal relac~ao, chamada de produto interno , e de nida por V U  . Assim, @x  @x0 V U = @x U U =  V U B , V 0  U 0  = @x 0 @x  @x 0 0 de onde vemos que V  U = V U = invariante. O conjunto de grandezas, com doisndices, U que se transforma @x @x 0 como U  = @x0  @x0  U e denominado de tensor covariante de segunda ordem . Generalizando essa ideia para contravariantes e com maisndices, temos tensores do tipo: @x0  @x @x : : : U ::: ; U 0::: = ::: @x @x0  @x0  ::: que e um tensor misto com covari^ancias  : : : e contravari^ancias  : : : . O numero total de ndices da a ordem do tensor: U tensor de ordem zero (escalar) U tensor de 1a ordem (vetor) U tensor de 2a ordem tensor de 3a ordem, etc.. U Um espaco no qual vetores covariantes e contravariantes existem separadamente e denominado de espaco a m . Num espaco a m n~ao existe o conceito de vetor. Ha somente vetores covariantes e contravariantes sem qualquer vnculo entre eles. Ha espacos nos quais vetores covariantes e contravariantes n~ao existem independentemente, podendo ser convertidos uns nos outros da seguinte maneira: U = g U  e U  = g U . Tais espacos s~ao ditos metricos . O tensor g e de nido como sendo o tensor metrico do espaco em quest~ao e g , a sua forma contravariante. Nesses espacos, as grandezas U e U  s~ao equivalentes, sendo representadas pelo ente U~ denominado, simplesmente, de vetor . Combinando as duas equac~oes vistas acima, temos, U = g g U , o que implica em g g =  . Em outras palavras, g e o inverso de g e viceversa, isto e g = M  =g , onde g e o determinante de g e M  e o determinante menor do componente g . Do mesmo modo que os ndices dos vetores s~ao 31 abaixados e levantados, os ndices de um tensor podem ser submetidos ao mesmo processo, com o auxlio do tensor metrico. Por exemplo, U = g  U  e U  = g  U  . O tensor g funciona como um operador, para tensores de qualquer ordem, para elevar e abaixar ndices. Em um espaco a m, o tensor g n~ao pode ser de nido. A equival^encia das descric~oes covariante e contravariante e uma propriedade da geometria metrica ditada por g . Com o auxlio deste tensor podemos de nir elemento de linha, dist^ancia, comprimento, ^angulo, perpendicularidade e muitos outros conceitos geometricos que nos s~ao familiares. Em um espaco a m, essas grandezas n~ao s~ao de nidas. O quadrado de um vetor e de nido pelo produto interno U~ 2 = U U  = g U  U  = g U U . De modo analogo, podemos de nir o quadrado do diferencial d~x : d~x2 = g dx dx = ds2 . A grandeza ds e denominada de elemento de linha do espaco metrico e a equaca~o que de ne ds2 e chamada forma quadratica fundamental . Ela e a equac~ao mais importante das geometrias metricas pois de ne a grandeza basica de uma geometria metrica, que e a dist^ancia ds . Em um espaco tridimensional Euclideano, os tensores g em coordenadas Cartesianas e esfericas s~ao dados por g  (1; 1; 1) e g0   (1; r2; r2 sen2 #) , respectivamente, lembrando que todos os termos n~ao diagonais s~ao nulos. Do mesmo modo, no espaco de Minkowsky x; y; z; ct; temos g  (,1; ,1; ,1; 1) . O tensor metrico e diagonal somente quando as coordenadas forem ortogonais entre si. Quando o sistema de coordenadas for oblquo, g n~ao e diagonal. E o caso, por exemplo, de dois eixos x1 = x e x2 = y que formam um ^angulo # entre si. Nesse caso, ds2 = dx2 + 2cos# dx dy + dy2 , de onde vemos que g11 = g22 = 1 e g12 = g21 = cos# . Notemos que, quando as linhas das coordenadas s~ao retas os g s~ao constantes, ou seja, n~ao dependem das coordenadas. Por outro lado, quando as linhas das coordenadas forem curvas, como no caso das coordenadas esfericas, os g s~ao func~oes de x . As coordenadas s~ao denominadas, nesses dois casos, de retilneas e curvilneas, respectivamente. Se um espaco pode ser descrito por coordenadas retilneas, ele e considerado 32 um espaco plano. S~ao os casos considerados nos exemplos anteriores. Quando um espaco n~ao pode nunca ser descrito por coordenadas retilneas, ele e um espaco curvo ou Riemanniano. Como exemplo, temos a superfcie esferica onde r = a e as variaveis s~ao x1 = # e x2 = ' . Da, tiramos ds2 = a2 d#2 +a2 sen2#d'2 , ou seja, g11 = a2 ; g22 = a2 sen2# e g12 = g21 = 0 . O elemento de arco ds n~ao pode nunca ser escrito em termos de coordenadas retilneas. Isto ocorre, essencialmente, porque n~ao podemos desenhar linhas retas sobre a esfera. O mesmo ocorre nas superfcies de paraboloides, hiperboloides, toros, etc., que s~ao exemplos de espacos curvos. A geometria dos espacos curvos e conhecida como Geometria Riemanniana. Com o intuito de formularmos, mais adiante, o princpio da covari^ancia, e de fundamental import^ancia observarmos que a transformac~ao de qualquer tensor de S para S 0 e linear. E o caso, por exemplo, de T @x @x T . Assim, que se transforma em T 0  = @x 0  @x0  se as componentes de um tensor s~ao nulas em um sistema elas ser~ao nulas em qualquer outro sistema. Desse modo, se em S temos uma equac~ao U = V , nos podemos escrever G = U , V que em S 0 e dada @x @x (U , V ) . De por G0  = U 0 , V 0  = @x  0  @x0   onde conclumos, como uma consequ^encia imediata do carater tensorial, que U 0  = V 0  . 4.1. Analise tensorial Atraves da diferenciaca~o ordinaria de um vetor covariante U , por exemplo, obtemos dU = d (g U  ) = dg U  + g d U  mostrando que em coordenadas curvilneas e, portanto, tambem em espacos curvos, a diferenciaca~o ordinaria destroi o carater vetorial de dU , pois, em geral, dg 6= 0 . O mesmo ocorre com um vetor contravariante ou com qualquer outro tensor de ordem superior. A m de manter o carater tensorial com a operaca~o de diferenciaca~o, precisamos generalizar o conceito de diferenciac~ao. Com este intuito, e introduzida a diferenciac~ao absoluta que e indicada pelo smbolo D. Ela e de nida por, DU = D (g U  ) = g DU  . Assim, numa diferenciaca~o absoluta, temos Dg = Dg = 0 . Considerando agora o produto escalar U U  que e um invariante devemos ter D(U U  ) = d(U U  ) , ou M. Cattani seja, DU U  + U DU  = dU U  + U dU  que esta satisfeita se assumirmos que DU  = dU  + ,  U dx e DU = dU , ,  U dx , onde ,  s~ao coe cientes chamados de smbolos de Christo el . Partindo desta de nic~ao de diferenciaca~o absoluta, vemos facilmente que a diferenciac~ao de um tensor covariante A B e dada por D(A B ) = DA B + A DB = d(A B ) , , A B dx , , A B dx . De onde podemos concluir que para o tensor covariante g temos Dg = dg , (g ,  + g  , ) dx . Permutando ciclicamente os ndices ;  e  e somando as tr^es equac~oes resultantes, obtemos, lembrando que g g =  , ,  ,  = g  =2 (@ g + @ g , @ g ) : (4:1:1) Sendo ,  dada pela Eq. (4.1.1), vemos que ,  = ,  e que , ; = , ; , onde , ; e de nida por , ; = g , . Como DU  e DU podem ser escritas como DU  = (@ U  + ,  U ) dx e DU = , @ U , ,  U dx , podemos veri car que a derivada covariante , de nida por U;  D U  = @ U  +,  U e U;  D U = @ U , ,  U , gera um novo tensor e e considerada como a generalizac~ao da derivada parcial ordinaria. Como D U , D U = @ U , @ U , constatamos que o operador rotacional ordinario e ainda um tensor em coordenadas curvilneas, n~ao precisando ser generalizado. Por outro lado, a generalizac~ao do operador divergente e feita da seguinte maneira: D U  = U; = @ U  + ,  U , que e um escalar. O Laplaciano generalizado de um escalar f e de nido por: D D f = f;; = @ (g @ f) + ,  g  @ f . O divergente e o Laplaciano podem ser escritos, de modo mais compacto, com o auxlio da diferenciac~ao do determinante g; @ g = M  @ g = gg @ g , o que nos permite escrever ,  = (g =2)@ g = (1=2g)@ g = @ logpg . Assim, U; e f;; s~ao dados, respectivamente, por U; = (1=pg)@ (pg U  ) e f;; = (1=pg)@ (pg g @ )f . A generalizac~ao do invariante quadri-volume d e dada por d Z ! pg d e o teorema de Gauss ca esI p p   crito como, U; g d = U gdS , onde dS e o elemento de area da hipersuperfcie que envolve o hipervolume. Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 20, no. 1, marco, 1998 Em um espaco plano, a derivada segunda @ @ U e igual a @ @ U . Num espaco curvo, D D U n~ao e, em geral, igual a D D U . Subtraindo estas duas derivadas, temos a seguinte igualdade: D D U , D D U = R U , onde o tensor R , dado por R = @ , ,@ , +,  ,  ,,  ,  , e conhecido como tensor de curvatura ou de Riemann-Christo el . Ele da uma indicac~ao da curvatura do espaco pois depende somente dos , e de suas derivadas. De fato, se o espaco for plano, os componentes de g , sendo escritos em coordenadas retilneas, s~ao constantes, anulando os , . Consequentemente, R = 0 em qualquer sistema de coordenadas. Atraves de uma contrac~ao em R , obtemos o tensor de Ricci : R = R = R = @ , , @ , + , , , , , . Por meio de uma outra contrac~ao, resulta o escalar R = g R , conhecido como curvatura escalar ou invariante de curvatura . O nome curvatura provem do fato dele medir uma propriedade do espaco que e analoga a curvatura de uma superfcie bidimensional. Isto e simples de veri car, analisando o caso de uma superfcie esferica de raio a, na qual a metrica e dada por g11 = a2 ; g22 = a2 sen2 #; g12 = g21 = 0 , de onde vemos que g11 = a,2; g22 = (a sen#),2 e g = a4 sen2# . Assim usando a Eq. (4.1.1), veri camos que os unicos , que n~ao se anulam s~ao ,122 = ,sen(2#)=2 e ,221 = ,212 = cotg# . Desse modo temos os tensores de Ricci, R11 = ,1 e R22 = ,sen2 # que geram a curvatura R = g11R11 +g22 R22 = ,2=a2 . Ou seja, R e proporcional a curvatura Gaussiana de uma esfera de raio a, que e dada por 1=a2 . A analogia entre o tensor de curvatura e a curvatura Gaussiana e razoavel somente no caso de superfcies bidimensionais; para espacos de maior dimens~ao a relaca~o entre eles e remota. Se, em um determinado espaco Riemanniano, for possvel encontrar um sistema de coordenadas, cobrindo todos os pontos desse espaco, no qual os g s~ao constantes, os ,  , os tensores R R e o escalar R se anulam. Se isto ocorrer, tal espaco se denomina plano . Se o espaco for plano, o tensor de cur- 33 vatura e nulo e esse carater n~ao pode ser mudado por nenhuma transformac~ao de coordenadas. Um espaco Riemanniano que n~ao e plano e chamado de curvo. A \curvatura" de um espaco e uma propriedade intrnseca dele e n~ao depende de um particular sistema de coordenadas no qual a metrica possa ser expressa. A m de n~ao queimar os neur^onios, n~ao devemos car imaginando como e um espaco curvo. Um espaco curvo, para o proposito dessas notas, e simplesmente aquele no qual o tensor R n~ao se anula em, pelo menos, um ponto do espaco em quest~ao. Pode-se mostrar que, num espaco curvo, e sempre possvel, nas vizinhancas de um ponto P, encontrar um sistema de coordenadas no qual o espaco seja localmente plano. Para terminar essa secc~ao, vamos de nir o seguinte tensor, G = R , g R=2 , conhecido como tensor de Einstein , que possui as seguintes propriedades: a) Tem um carater puramente geometrico pois depende somente de g de suas derivadas. b) E um tensor simetrico de segunda ordem, G = G. c) A sua derivada covariante e nula, D G = 0 . Estas propriedades, como veremos na secc~ao 6, s~ao fundamentais para a formulac~ao das equaco~es de campo da gravitac~ao. 4.2. Geodesica Consideremos, num espaco Riemanniano, dois pontos P1 e P2 pertencentes a uma curva . O comprimento de arco s12 entre os pontos P1 e P2 e dado por s12 = Z 2 1 ds = Z 2 p 1 onde a integral e feita ao longo de . Pelos pontos P1 e P2 podemos passar uma in nidade de curvas; denominamos de geodesica a curva que extremiza a integral s12 , ou seja, tal que s12 = 0 . A m de deduzir as equac~oes diferenciais de uma geodesica, levemos em conta que (ds2 ) =  (g dx dx ) = 2 ds (ds) = dx dx (@ g ) x + 2 g dx (dx ) . Usando este resultado, e facil vermos que(3) c s12 = Z 1 2  g dx dx ;  1 dx dx (@ g ) x + g dx (dx ) ds :  ds ds 2 ds ds   34 M. Cattani Integrando o segundo termo por partes, Z       d(x )  2 Z2 d dx x ds :  ) g dx g dx ds = (x , g  ds ds ds 1 1 ds ds 1 Como o primeiro termo do segundo membro e nulo, s12 e dado por 2 Z    1 dx dx (@ g ) , d g dx x = 0 : s12 = 2 ds ds   ds  ds 1   dx  1 dx d dx  Como os x s~ao arbitrarios, camos com a igualdade, 2 ds ds @ g , ds g ds . Desenvolvendo o segundo termo, teremos   d g dx = g d2 x + dx  d (g ) = g dv + v (@ g ) v ;  ds2  ds   ds  ds ds ds  1 v v (@ g ) , g onde de nimos v = dx =ds . Desse modo, obtemos,    2 dv , v v (@ g ) = 0 . Notando que o ultimo termo pode ser escrito como   ds v v (@ g ) = 21 v v (@ g + @ g ) resulta,  g dvds + ,; v v = 0 onde 2 ,; = 12 (@ g + @ g , @ g ) : Elevando o ndice  obtemos   ,; v v = dv + , v v = 0 : g  g dv + g  ds ds Finalmente, podemos escrever as equac~oes de uma geodesia. d2x + , dx  dx = Dv = 0 ( ; ;  = 1; 2; : : :; N) : (4:2:1)  ds ds ds2 Ds Ao longo de uma geodesica, como Dv = Dv =Ds = 0 , o vetor velocidade v = dx =ds , que e tangente a curva em cada ponto, e constante. Num espaco Euclideano, como os smbolos de Christo el s~ao nulos, teremos, simplesmente, d2x =ds2 = 0 , que integradas geram as retas x , x 0 = v s , onde x 0 e v s~ao constantes de integrac~ao. As geodesicas, num espaco Euclideano, sendo retas, d~ao as dist^ancias mais curtas entre dois pontos. Um outro exemplo interessante e o que se obtem em uma superfcie esferica de raio a. Lembrando que x1 = # e x2 = ' e, usando os valores do tensor metrico vistos na secc~ao (4.1), as equac~oes da geodesica (4.2) se reduzem ao par:       d a2 d# , a2 sen#cos# d' 2 = 0 e d 2 2 d# ds ds ds ds a sen # ds = 0 : As soluc~oes particulares dessas equaco~es s~ao ' = constante e a# = s ou # = =2 e a' = s , correspondendo ao meridianos e equador da esfera, respectivamente. Assim, os grandes crculos s~ao geodesicas em uma superfcie esferica. Como sabemos, a dist^ancia mnima entre dois pontos nesse espaco e dada pelo comprimento de arco de uma grande crculo, que passa pelos referidos pontos.  dx Ao deduzirmos as equac~oes da geodesica admitimos que o intervalo ds 6= 0 , o que implica em g dx ds ds = 1 . Existe um outro tipo de geodesica, chamada de geodesica nula , que e obtida assumindo que o intervalo entre dois Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 20, no. 1, marco, 1998 35 pontos sobre a curva e zero. De nindo por  um par^ametro escalar n~ao nulo variando sobre a geodesica, ent~ao  dx dx 2 para essa especie de curva, e valida a equac~ao ds = g d d = 0 . Usando o par^amentro  na integral que deve ser variedade, podemos mostrar(14), de modo analogo ao anterior, que, para uma geodesica nula, as seguintes equac~oes diferenciais s~ao obedecidas: d2 x + , dx dx = 0  d d d2 Vejamos como interpretar uma geodesica nula num espaco de Minkowski onde x  (x4 ;~x ) = (ct;~x ) e ds2 = (dx4)2 , (d~x)2 . Assim, se ds = 0 , teremos (d~x=dt)2 = v2 = c2 . Por outro lado, integrando as equac~oes da geodesica, obtemos linhas retas. Desses resultados, vemos que, num espaco de Minkowski, uma geodesica nula pode ser interpretada sicamente como a historia do movimento de um raio de luz. Esta mesma interpretac~ao se mantem quando um foton se movimenta em um campo gravitacional. 5. As hipoteses basicas da teoria da gravitac~ao Conforme vimos antes, o espaco dos eventos fsicos da R.R., denominado de espaco de Minkowski, e um espaco Riemanniano quadridimensional plano com uma metrica pseudo-Euclideana. Entretanto, como mostramos na secc~ao 1, a geometria de Minkowski e alterada devido a presenca de um campo gravitacional. Einstein usou este fato como ponto de partida para generalizar a teoria Newtoniana da gravitac~ao. Ele assumiu que o espaco-tempo, devido a interac~ao gravitacional, fosse um espaco curvo quadridimensional Riemanniano . Assim, um elemento se linha desse espaco seria dado genericamente por ds2 = g (x)dxdx (;  = 1; 2; 3; 4) . Ha, porem, uma condic~ao subsidiaria a ser obedecida: se em um determinado ponto desse espaco estabelecermos um sistema localmente plano, o elemento ds2 deve ser escrito, neste ponto, na forma ds2 = (dx4)2 , (d~x )2 . Em outras palavras, o espaco-tempo devido a gravitac~ao deve ser localmente redutvel ao de Minlowski. Este tipo de espaco e denominado de quasi-Riemanniano. ( ; ;  = 1; 2; : : :; N) : d Adota-se tambem a hipotese da covari^ancia que expressa a ideia de n~ao existir um sistema de coordenadas preferencial, deixando o observador livre para escolher qualquer sistema de coordenadas. De acordo com o que foi analisado na secc~ao 4, essa condic~ao esta satisfeita, do ponto de vista matematico, escrevendo as leis fsicas usando tensores e equac~oes tensoriais, pois assim elas se transformam de modo covariante ao passar de um sistema para outro. Uma vez estabelecido que a gravitac~ao encurva o espaco-tempo, e que esta curva e dada atraves de g , n~ao precisamos, de certo modo, nos preocupar com a interac~ao gravitacional. Podemos agora supor que as partculas se movem livremente num espaco curvo onde os fen^omenos fsicos devidos a gravidade podem ser medidos com regua e relogio. Nos domnios de validade da R.R., admitirmos que a trajetoria de uma partcula e uma geodesica implica que ela seja livre. De fato, como neste caso e sempre possvel encontrar um sistema de coordenadas Cartesianas no qual os coe cientes ,  se anulem, da 2 Eq. (4.2.1) conclui-se que ddsx2 = dvds = 0 . Ou seja, nesse sistema a acelerac~ao dvds e nula e, consequentemente, a velocidade v = constante. Obviamente, num sistema de coordenadas curvilneas os , n~ao se anulam e a partcula, apesar de n~ao estar sob a ac~ao de nenhuma interac~ao, possui acelerac~oes inerciais. Em R.G., numa generalizac~ao obvia da R.R., postula-se que uma partcula livre descreve uma geodesica. Como Dv =Ds = Dv = 0 , temos, como consequ^encia, a const^ancia absoluta da velocidade v . A hipotese de que partculas livres descrevem geodesicas e denomi- 36 nada de princpio geodesico e corresponde a uma extens~ao do prncipio de inercia de Galileo. Assim, unificando inercia e gravitac~ao, eliminamos o conceito de forca externa transformando a teoria da gravitac~ao em geometria pura. Para terminar essa secc~ao, vale a pena notar que apesar de muitos anos de trabalho com a teoria da relatividade, cujo formalismomatematicoe muito bonito e elegante, sentimos grande di culdade com os conceitos relativsticos, tanto no nvel da intuic~ao como na linguagem usual. A familiarizac~ao com o formalismo, que nos fez aprecia-lo, n~ao ajudou muito a nossa intuica~o. N~ao possumos experi^encia sensorial direta do espacotempo quadridimensional ou de quaisquer outros conceitos usados pela teoria(1;2). 6. Gravitac~ao e materia Vimos na sec~ao 5 como uma parte das leis da gravitac~ao pode ser formulada postulando que o espacotempo e uma variedade Riemanniana e que todas as aceleraco~es devidas a forcas gravitacionais e inerciais tem uma origem metrica. Agora vamos relacionar o campo gravitacional com a matetia que o gera. Queremos, novamente, chamar a atenca~o para o fato de que os argumentos que usaremos para obter essas equaco~es, como tambem os utilizados na secc~ao anterior, n~ao podem ser considerados rigorosos. Eles parecem ser os mais simples, e de certo modo os mais razoaveis, que sabemos formular. Indicando por  o potencial escalar da teoria Newtoniana da gravitac~ao podemos dizer que: (1) N~ao ha campo gravitacional presente quando  = 0. (2) Numa regi~ao em que ha materia presente, como densidade  , vale a equaca~o r2 = ,4G . Vejamos como generalizar essas leis Newtonianas. Ora, conforme discutimos antes, na aus^encia de gravitac~ao a curvatura do espaco-tempo deve se anular. Pode-se mostrar, usando a geometria diferencial, que a condic~ao necessaria e su ciente para que isso ocorra e que o tensor de Riemann-Christo el se anule, R = 0 . Esta seria, ent~ao, a generalizac~ao da condica~o (1), de  = 0 . A m de obtermos a correspondente a condic~ao (2), vamos considerar, apenas para simpli car a analise, M. Cattani a materia como sendo um uido ideal. Na. R.R., o tensor energia-momento T  para um uido ideal e dado por T  = ( + p=c2 )v v , g p=c2 , onde  e a densidade escalar, p a press~ao escalar e o quadrivetor velocidade v obedece a condic~ao g v v = v v = 1 . A equac~ao T; = @T  =@x = 0 , que esta satisfeita para o tensor T  , expressa as leis de conservaca~o de energia e momento para o udo. Na R.G., o tensor T  possui a mesma forma, porem, como os coe cientes g da metrica n~ao s~ao mais constantes, ao inves de termos T; = 0 , a condic~ao que ele obedece e D T  = T;  = 0 , que n~ao exprime nenhuma lei de conservac~ao(3;9). Nessas notas o tensor energiamomento T  e encarado como o ente que engloba todas as propriedades fsicas da distribuic~ao de materia. De alguma maneira as propriedades geometricas do espaco-tempo devem ser deduzidas a partir das propriedades fsicas, dadas por T  . Poderamos tentar escrever a seguinte equaca~o tensorial: G = k T  , onde o tensor G deve depender somente das propriedades geometricas do espaco quasi-Riemanniano e k e uma constante a determinar. Alem disso, o tensor G deve obedecer as seguintes propriedades: (a) Ele deve ser simetrico em  , pois T  e simetrico. (b) D G = 0 , pois D T  = 0 . Ora, como vimos na secc~ao (4.1), so existe um tensor de segunda ordem que obedece a essas propriedades e que e linear nas derivadas de segunda ordem de g . Esse tensor e o de Einstein, de nido por G = R , Rg =2 . Deste modo, as equac~oes do campo de gravitac~ao seriam dadas por (Equac~oes de Einstein): R , Rg =2 = kT  : Resta agora determinar a constante k . Com o intuito de determina-la, impomos que no limite de c ! 1 a teoria de Einstein se reduza a de Newton. Precisamos mostrar que no limite de c ! 1 as equac~oes de Einstein, com uma escolha apropriada de k , se reduzem a equac~ao de Poisson r2 = ,4G . Ora, e facil vermos quando c ! 1 a unica componente n~ao nula do T  e T 44 ' c2 e que T = T ' c2 . Nestas mesmas condic~oes, as componentes do tensor metrico, conforme Eq. (3.1), s~ao dados por g44 = 1 + 2=c2 ; g11 = ,1 , 2=c2 e g22 = g33 = ,1 . Calculando R em termos dos g , usando o que foi visto na secc~ao (4.1), obtemos R44 = ,(1=4c2)r2  . Por outro lado, levando em conta Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 20, no. 1, marco, 1998 que a equac~ao de Einstein pode ser escrita na forma R = k(T  , g T=2) , chegamos a seguinte igual dade, (1=4c2)r2 = k c2 , (1 + 2=c2)c2 =2 = kc2 =2 , k ' kc2 =2 , de onde deduzimos que a constante k deve ser k = ,8G=c4 . Com a determinac~ao da constante k completamos a \derivac~ao" da equac~ao de Einstein que e, ent~ao dada por R , g R=2 = ,(8G=c2)T  : (1) Esta equac~ao constitui, de fato, um sistema de equaco~es de derivadas parciais de segunda ordem. S~ao dez equac~oes de campo pois os tensores g e T  s~ao simetricos. Entretanto, como as coordenadas x podem ser submetidas a uma transformac~ao arbitraria, e possvel escolher arbitrariamente quatro das dez componentes de g . Como as quatro componentes de v , que comparecem em T  , s~ao ligadas pela relac~ao g v v = v v = 1 , somente tr^es delas s~ao independentes. Desse modo, as dez equac~oes do campo gravitacional s~ao efetivamente constitudas por dez grandezas desconhecidas: seis componentes de g , tr^es componentes de v e a densidade de materia  (ou a press~ao p). Lembrando que temos de conhecer de antem~ao a equac~ao de estado da materia, que relaciona p e  , pois essa n~ao pode ser determinada atraves da Eq. (6.1). Como as equac~oes de nidas por (6.1) n~ao s~ao lineares, o princpio da superposic~ao n~ao e valido para os campos gravitacionais (a n~ao ser para campos fracos), contrariamente ao que ocorre para os campos eletromagneticos na R.R.. No caso do eletromagnetismo a distribuica~o e o movimento das cargas podem ser arbitrarias, desde que a carga total se conserve. Uma dada distribuic~ao de cargas determina, atraves das equac~oes de Maxwell, o campo que elas criam. No caso da gravitac~ao, a distribuic~ao e o movimento da materia que gera o campo n~ao podem ser tomados arbitrariamente, muito pelo contrario, eles, ao mesmo tempo que o campo criado pela materia, s~ao determinados por intermedio da Eq. (6.1), dadas as condic~oes iniciais. Apesar de muitas crticas(5) e de varias tentativas para desenvolver uma teoria da gravitac~ao diferente da de Einstein e esta que, ate o presente momento, melhor explica os resultados experimentais(11). Do ponto de vista historico, e importante notar que resultados semelhantes ao de Einstein foram obtidas, 37 por Lorentz e Hilbert, antes do proprio Einstein, conforme ele mesmo cita em seu famoso artigo de 1916 (vide refer^encia 12, pag. 167). Para nalizar, vale a pena observar que, dentro do esquema da R.G., sempre que existir materia, existira um campo gravitacional que se manifestara atraves da curvatura do espaco circunvizinho aquela materia. N~ao devemos pensar, contudo, que o campo preenche o espaco e o \curva", pois n~ao podemos diferenciar os dois conceitos: o campo e o espaco curvo . O campo gravitacional e a estrutura (a geometria) do espacotempo s~ao id^enticos, e s~ao representados na Eq. (6.1) por uma unica grandeza matematica. Na teoria de Einstein, a materia n~ao pode ser separada de seu campo gravitacional e este n~ao pode ser separado do espaco curvo. Materia e espaco devem, pois, ser encarados como partes inseparaveis e interdependentes de um unico todo(4) . References 1) S. Chandrasekhar, Am. J. Phys. 40, 224 (1972). 2) H. Yilmaz, \Introduction to the theory of relativity and the principles of the modern physics", Blaisdell Publishing Company (New York, Toronto, London, 1965). 3) L.D. Landau e E. 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