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Cederj - Aula 15 - Física Estatística

Aula do CEDERJ sobre Física Estatística

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Aula 15 - Gas de b´ osons ´ MODULO 1 - AULA 15 Aula 15 - Gas de b´ osons Meta Apresentar as principais propriedades do g´as ideal de b´osons. Objetivos Ao final desta aula, vocˆe dever´a ser capaz de: 1. Calcular a temperatura de Einstein. 2. Calcular a dependˆencia da ocupa¸c˜ao do orbital fundamental com a temperatura. Pr´ e-requisitos Para melhor entendimento desta aula vocˆe deve revisar a Aula 13. Introdu¸ c˜ ao O g´as de b´osons tem propriedades bem diferentes das do g´as de el´etrons. A mais importante ´e a possilidade de concentrar uma quantidade macrosc´opica de part´ıculas no orbital fundamental, numa temperatura bastante acima do zero absoluto, um efeito que leva o nome de condensa¸c˜ao de Bose-Einstein. Bose foi um f´ısico indiano que por volta de 1920 estudava a ent˜ao nova id´eia de que a luz era formada por quanta, os f´otons. Ele chegou ao que conhecemos hoje como distribui¸c˜ao de Bose-Einstein, mas sendo um cientista desconhecido na ´epoca, teve dificuldades em ter seus resultados aceitos pela comunidade cient´ıfica. Einstein, que j´a era um cientista renomado, entendeu a importˆancia de seus resultados e os estendeu a ´atomos. O efeito previsto pela estat´ıstica de Bose-Einstein foi usado de forma indireta para explicar a supercondutividade (J. Bardeen, L. Cooper e R. Schrieffer, Nobel de f´ısica em 1972 pela teoria BCS) e a superfluidez (L. Landau, Nobel de f´ısica em 1962), mas foi observado diretamente apenas em 1995 por E. Cornell e C. 177 CEDERJ Aula 15 - Gas de b´ osons Física Estatística e Matéria Condensada Figura 15.1: (a) O potencial qu´ımico deve estar abaixo do orbital funda` medida que a mental para que a soma de Gibbs seja convergente. (b) A temperatura abaixa o potencial qu´ımico se aproxima do orbital fundamental, fazendo com que a ocupa¸c˜ao deste seja macrosc´opica. Wieman em ´atomos de rub´ıdio. Esses dois cientistas, junto com W. Ketterle receberam o Nobel de F´ısica em 2000 por esse feito. A condensa¸c˜ao de Bose-Einstein ´e um desses exemplos em que a teoria antecede a experiˆencia. Nesta aula veremos um g´as de ´atomos bosˆonicos, sendo um exemplo t´ıpico os ´atomos He4, que apresenta uma fase superflu´ıda a baixas temperaturas. Propriedades do potencial qu´ımico de b´ osons Como vimos na Aula 12, n˜ao h´a restri¸c˜ao para a ocupa¸c˜ao de um orbital por b´osons. Assim, a soma de Gibbs para esse sistema fica Z= ∞ X {exp [β(ε − µ)]}N . N Para que essa soma seja convergente devemos ter exp [β(µ − ε)] < 1, o que significa que sempre devemos ter µ < ε. Isso deve valer para qualquer orbital, ent˜ao µ deve ser menor que a energia do orbital fundamental, como ilustrado ´ de se esperar que o potencial qu´ımico dependa da temperatura na figura ??. E e da concentra¸c˜ao do g´as. Mesmo sem saber sua forma funcional, temos que maior valor poss´ıvel para µ ser´a a energia do orbital fundamental. Vamos recordar a distribui¸c˜ao de Bose-Einstein: fBE (ε) = λ−1 1 1 = . exp(βε) + 1 exp[β(ε − µ)] − 1 (15.1) Aqui, fBE (ε) d´a o n´ umero m´edio de b´osons no orbital de energia ε. Vamos supor que µ < ε0 escrevendo ε0 = µ + δ 2. O quadrado garante que estamos somando uma quantidade positiva a µ, levando sempre `a condi¸c˜ao µ < ε0 . CEDERJ 178 Aula 15 - Gas de b´ osons ´ MODULO 1 - AULA 15 Temos    2 ε−µ δ exp[β(ε − µ)] = exp = exp . κT κT h 2i δ Se T = 0, exp κT → ∞, e f(ε0 ) → 0, o mesmo ocorrendo para todos os outros orbitais. Assim para um valor finito de δ, as ocupa¸c˜oes de todos os orbitais seriam muito baixas. Esse sistema n˜ao tem nada de interessante! Por outro lado, se δ 2 → 0, δ 2/κT ser´a finito em T → 0, e a ocupa¸c˜ao do orbital fundamental ser´a muito grande, e a dos outros orbitais muito pequena. Esse ´e o comportamento que nos interessa, e que foi previsto por Einstein (veja a figura ??. Dizemos que nesse caso, h´a uma condensa¸c˜ao de ´atomos no orbital fundamental. Esse fenˆomeno tem o nome de condensa¸c˜ao de BoseEinstein. Para uma dada concentra¸c˜ao, chamamos de TE a temperatura para qual ocorre a condensa¸c˜ao de Bose-Einstein, ou seja, para a qual um n´ umero macrosc´opico de ´atomos est´a populando o orbital fundamental. Usando uma nota¸c˜ao comum neste problema, vamos usar o orbital fundamental como referˆencia, ou seja, vamos subtrair o valor de sua energia de todos os outros. Assim, daqui para frente a energia do orbital fundamental ser´a zero, e o potencial qu´ımico ser´a sempre negativo, sendo zero seu maior valor. Estimativa de TE Come¸camos calculando o n´ umero total de part´ıculas. Usamos a mesma express˜ao do sistema de f´ermions, equa¸c˜ao (14.5). Aqui vamos supor que o spin do ´atomo seja s, assim, para cada orbital temos γ = (2s + 1) poss´ıveis proje¸c˜oes de spin. N =γ Z ∞ 0  3/2 Z ∞ V 2m f(ε)ε1/2dε . f(ε)D(ε)dε = γ 2 2 4π ~ | {z } 0 (15.2) ≡C Quando T = TE temos µ = 0, logo N = γC Z ∞ 0 exp  ε1/2  ε κTE dε −1 Definimos a vari´avel adimensional x ≡ ε/κTE , com ela reescrevemos a integral como Z x1/2 3/2 N = γ C(κTE ) dx ex − 1 179 CEDERJ Aula 15 - Gas de b´ osons Física Estatística e Matéria Condensada O valor da integral adimensional ´e 1, 306π 1/2 . Com isso temos o resultado final  2/3  2/3 ~2 4π 2 N TE = (15.3) 1/2 2mκ γ1, 306π V Note que para que TE n˜ao seja baixa demais, a massa do ´atomo em quest˜ao deve ser a menor poss´ıvel. O He4 ´e um bom candidato, tendo uma massa molar de 4g. O h´elio l´ıquido tem uma concentra¸c˜ao molar de 27,6 cm3/mol, levando a TE ≈ 3 K. Atividade 1 Calcule a diferen¸ca de energia entre os dois primeiros n´ıveis do He4, em termos de temperatura. Compare com o valor estimado para TE . Considere o g´as confinado a um cubo de lado L = 1 cm 3 Resposta comentada Os dois primeiros n´ıveis tem n´ umeros quˆanticos (1,1,1) e (1,1,2). Temos ~2  π 2 3 ε0 = 2m L e ~2  π  2 ε1 = 6 2m L Assim, 3 ~2  π  2 2 2m L Podemos escrever ∆ε em termos de temperatura, basta dividir por κ. Colocando os dados para o h´elio, chegamos a T ≈ 1, 8 × 10−14 K, um valor muito menor que TE . Pela estat´ıstica do g´as cl´assico, sendo essa a separa¸c˜ao dos dois primeiros n´ıveis, em T = 3 K j´a dever´ıamos ter uma popula¸c˜ao bastante grande no primeiro estado excitado. ∆ε = ε1 − ε0 = Comportamento para T > TE Queremos saber como o n´ umero de ´atomos no condensado depende da temperatura. Para isso consideramos duas contribui¸c˜oes: N0 correspondendo aos ´atomos no orbital fundamental, e Ne para todos os outros orbitais, s˜ao os ´atomos excitados. Sempre devemos ter N = N0 (T ) + Ne (T ). Para o orbital fundamental, ε = 0 e N0 (T ) = f(0) = 1 1  = −1 . µ λ −1 exp − κT − 1 Para os ´atomos excitados temos Z ∞ Z ∞ 1 x1/2 3/2  Ne (T ) = γ D(ε) −1 dε = γC(κT ) dx , ε λ−1 ex − 1 λ exp κT −1 0 0 CEDERJ 180 Aula 15 - Gas de b´ osons ´ MODULO 1 - AULA 15 Figura 15.2: Popula¸c˜ao relativa do orbital fundamental em fun¸c˜ao da temperatura. sendo x a vari´avel adimensional definida anteriormente. Podemos realizar a integral desde ε = 0 para os ´atomos excitados porque o integrando ´e nulo quando ε = 0. Vamos considerar a situa¸c˜ao em que N0  1. Neste caso λ ≈ 1 (ou µ ≈ 0) e podemos usar a aproxima¸c˜ao  3/2  3/2 Z ∞ 1/2 x 1, 306V 2mκT T 3/2 Ne (T ) ≈ γC(κT ) dx = γ =N . x 2 e −1 4 π~ TE 0 Como N0 = N − Ne , podemos escrever  3/2 N0 T = 1− . N TE (15.4) A figura ?? mostra o comportamento de N0 /N em fun¸c˜ao da temperatura. Manifesta¸c˜ oes da condensa¸ c˜ ao de Bose-Eintein Supercondutividade Em metais os el´etrons de condu¸c˜ao sofrem dois tipos de intera¸c˜ao eletrost´atica: a repuls˜ao com rela¸c˜ao a outros el´etrons de condu¸c˜ao e a atra¸c˜ao pelos ´ıons positivos da rede. Em situa¸c˜oes muito especiais observa-se uma 181 CEDERJ Aula 15 - Gas de b´ osons Física Estatística e Matéria Condensada atra¸c˜ao efetiva entre os el´etrons de condu¸c˜ao, intermediada pelos ´ıons positivos. Numa descri¸c˜ao simplista, a passagem de um el´etron por um ´ıon positivo faz com que este se desloque levemente, e atraia outro el´etron da vizinhan¸ca. Esses el´etrons formam um par correlacionado, que recebe o nome de par de Cooper por terem sido descobertos por L. Cooper em 1956. Como o movimento dos ´ıons positivos cria fˆonons, dizemos que os dois el´etrons do par interagem via fˆonons. Os el´etrons individualmente s˜ao f´ermions, mas o par ´e um b´oson. A condensa¸c˜ao desse b´osons foi o mecanismo proposto por Bardeen, Cooper e Schriffer para o fenˆomeno da supercondutividade, da´ıo nome de teoria BCS. O movimento coletivo desses b´osons formam uma corrente com caracter´ısticas completamente diferentes da corrente usual, em que os el´etrons est˜ao descorrelacionados. Superfluidez ´ Atomos de He4 s˜ao b´osons, portanto pass´ıveis de sofrer condensa¸c˜ao de Bose-Einstein. Suas propriedades de superflu´ıdo foram descobertas por P. Kapitsa, J. F. Allen e D.Misener em 1937. A superfluidez aparece numa temperatura de 2,17 K, muito pr´oxima da prevista pela condensa¸c˜ao de BoseEinstein para o h´elio. Landau explicou o comportamento pouco usual desse superflu´ıdo descrevendo-o como um condensado. Resumo Nesta aula vimos que um g´as de b´osons tem um comportamento muito distinto de um g´as de f´ermions. A proximidade do potencial qu´ımico com rela¸c˜ao ao orbital fundamental faz com que a ocupa¸c˜ao do mesmo seja macrosc´opica para certas temperaturas. Os b´osons que populam esse orbital formam o que chamamos de condensado de Bose-Einstein. Os fenˆomenos da supercondutividade e superfluidez tem como explica¸c˜ao a existˆencia dessa condensado. Informa¸c˜ oes sobre a pr´ oxima aula Na pr´oxima aula vocˆe poder´a rever toda a mat´eria trav´es de alguns problemas resolvidos. CEDERJ 182 Aula 15 - Gas de b´ osons ´ MODULO 1 - AULA 15 Leitura complementar S. R. A. Salinas, Introdu¸c˜ao `a F´ısica Estat´ıstica, primeira edi¸c˜ao S˜ao Paulo, EDUSP. 183 CEDERJ