Preview only show first 10 pages with watermark. For full document please download

Cederj - Aula 02 - Física Estatística

CEDERJ - Aula 02 - Física Estatística

   EMBED


Share

Transcript

Aula 2 - Descri¸c˜ao estat´ıstica de um sistema f´ısico: caso discreto ´ MODULO 1 - AULA 2 Aula 2 - Descri¸ c˜ ao estat´ıstica de um sistema f´ısico: caso discreto Meta Apresentar um sistema f´ısico do ponto de vista estat´ıstico, relacionando a energia total com diferentes configura¸c˜oes microsc´opicas. Objetivos Ao final desta aula, vocˆe dever´a ser capaz de: 1. Identificar macro e microestados de sistemas f´ısicos. 2. Calcular a multiplicidade de macroestados em alguns sistemas f´ısicos. Pr´ e-requisitos Esta aula requer que vocˆe esteja familiarizado com os conceitos b´asicos de probabilidade e distribui¸c˜ao binomial apresentados em Introdu¸c˜ao `a Probabilidade. Tamb´em ser´a necess´ario que vocˆe reveja o que ´e paramagnetismo, assunto tratado na Aula 16 de F´ısica 3B. Introdu¸ c˜ ao Como vimos na aula anterior, nossas observa¸c˜oes macrosc´opicas correspondem a m´edias de grandezas microsc´opicas. Continuamos nessa linha de pensamento, examinando um sistema f´ısico com uma abordagem probabil´ıstica. Nossa concep¸c˜ao de sistema f´ısico daqui para frente ser´a a seguinte: um conjunto contendo um n´ umero muito grande de part´ıculas, que tˆem uma dinˆamica microsc´opica envolvendo varia¸c˜oes muito r´apidas. As observa¸c˜oes macrosc´opicas desse sistema, obtidas atrav´es de medidas experimentais, detectam um comportamento m´edio das varia¸c˜oes microscosc´opicas. Queremos ser capazes de: • A partir da medida experimental macrosc´opica, entender o que est´a se passando no n´ıvel microsc´opico. 17 CEDERJ Aula 2 - Descri¸c˜ao estat´ıstica de um sistema f´ısico: caso discreto Física Estatística e Matéria Condensada • A partir do conhecimento detalhado no n´ıvel microsc´opico, prever qual ser´a o resultado de uma determinada medida experimental. Em resumo, queremos uma maneira sistem´atica de conectar as descri¸c˜oes micro e macrosc´opica de um sistema f´ısico. O ponto de partida para essa conex˜ao ser´a a energia. Pressupomos que a energia total do sistema possa ser calculada para qualquer configura¸c˜ao microsc´opica do mesmo. A partir de postulados e leis f´ısicas, poderemos calcular a probabilidade de ocorrˆencia de cada configura¸c˜ao microsc´opica, e assim relacionar os valores medidos com os detalhes no n´ıvel atˆomico. Para formalizar os conceitos necess´arios `a liga¸c˜ao entre as descri¸c˜oes micro e macrosc´opica, usaremos um sistema muito simples, formado por part´ıculas bin´arias independentes e disting¨ u´ıveis, na forma de um sistema paramagn´etico uniaxial. Sistema modelo: paramagneto uniaxial Um dos sistemas mais simples para um estudo estat´ıstico ´e o formado por ´atomos paramagn´eticos, cujos momentos magn´eticos estejam sempre ao longo de um eixo, com orienta¸c˜ao positiva ou negativa. Esta ´e uma “caricatura” que descreve com boa aproxima¸c˜ao o comportamento magn´etico de uma s´erie de materiais. A observa¸c˜ao macrosc´opica ser´a uma medida do momento magn´etico total do sistema, ou de sua energia, por isso vamos entender como essas grandezas est˜ao relacionadas com vari´aveis microsc´opicas do sistema. Usaremos o termo macroestado para designar um estado observ´avel macroscopicamente, por exemplo, pela medida da energia. Nosso sistema ´e s´olido, os ´atomos n˜ao tˆem movimento de transla¸c˜ao e, embora sejam idˆenticos, s˜ao disting¨ u´ıveis pelas suas posi¸c˜oes. O momento magn´etico de cada part´ıcula est´a sempre paralelo a um eixo, sendo a orienta¸c˜ao ao longo dele definida pela vari´avel s, que pode ter os valores +1 ou −1. Suponha que o sistema contenha N ´atomos. Temos aqui um total de 2 configura¸c˜oes distintas, dependendo das escolhas do valor de s para cada ´atomo. Essas configura¸c˜oes ser˜ao chamadas de microestados daqui para frente. N Se os ´atomos tˆem momentos magn´eticos unit´arios, o momento magn´etico total de um dado microestado ´e dado por CEDERJ 18 Aula 2 - Descri¸c˜ao estat´ıstica de um sistema f´ısico: caso discreto ´ MODULO 1 - AULA 2 Figura 2.1: Poss´ıveis orienta¸c˜oes do momento magn´etico num sistema paramagn´etico uniaxial, com rela¸c˜ao `a orienta¸c˜ao do campo magn´etico aplicado, ~ B. M= N X i=1 si = (N+ − N− ) , (2.1) sendo N+ (N− ) o n´ umero de ´atomos com s = +1(s = −1) no microestado. ~ define a dire¸c˜ao do eixo de A presen¸ca de um campo magn´etico externo, B, alinhamento dos momentos magn´eticos. De acordo com nossa defini¸c˜ao de s, temos s = +1 quando o momento for paralelo ao campo, e s = −1 quando for antiparalelo. A energia de um dado microestado pode ser escrita como E = −BM = −B(N+ − N− ) = −B(2N+ − N) . (2.2) Na u ´ltima igualdade usamos que N = N+ + N− . A u ´ltima express˜ao para a energia mostra que ela fica definida pelo valor de N+ apenas se valores de N e B s˜ao especificados. A figura (2.2) mostra alguns dos poss´ıveis microestados para um sistema com N = 7 e N+ = 3. Todos eles levam ao mesmo valor de energia e s˜ao idˆenticos para uma observa¸c˜ao macrosc´opica. Chamamos de multiplicidade ao n´ umero de microestados pertencendo a um dado macroestado, ou seja ao n´ umero de configura¸c˜oes microsc´opicas que s˜ao idˆenticas do ponto de vista macrosc´opico. Esse n´ umero em geral depende do n´ umero total de part´ıculas no sistema e do valor de energia escolhido, e ser´a representado pela fun¸c˜ao g(E, N). No caso do sistema paramagn´etico uniaxial podemos tamb´em escrever g(N+ , N) ou g(M, N) j´a que E, N+ e M podem ser usados para definir o macroestado. Em alguns poucos casos ´e poss´ıvel calcular exatamente o valor de g, este ´e um deles. Observe que este sistema ´e idˆentico ao descrito na Aula 25 de Introdu¸c˜ao a` Probabilidade, se associamos o estado s = +1 a cara, e s = −1 a coroa. M nada mais ´e do que o excesso de caras numa seq¨ uˆencia de N jogadas da moeda. Neste caso, para calcular a multiplicidade basta calcular de quantas maneiras diferentes podemos escolher N+ objetos, entre um total de N. A 19 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 2 - Descri¸c˜ao estat´ıstica de um sistema f´ısico: caso discreto Figura 2.2: Exemplos de poss´ıveis microestados do paramagneto uniaxial. Neste caso N = 7, N+ = 3, N− = 4 e M = −1. resposta ´e dada pela combina¸c˜ao CN,N+ ou seja g(N+ , N) = CN,N+ = N! . N+ !(N − N+ )! (2.3) J´a que podemos usar apenas N+ e N para identificar um macroestado, vamos simplificar a nota¸c˜ao, usando n no lugar de N+ daqui para frente. Sejam p e q as probabilidades de cada momento magn´etico ter orienta¸c˜ao positiva ou negativa, respectivamente, na presen¸ca do campo externo, sendo p + q = 1. Voltando ao exemplo da moeda, p e q seriam as probabilidades de se tirar cara ou coroa em uma jogada de moeda. De acordo com a express˜ao (2.2), o menor valor de energia (o mais negativo) corresponde ao macroestado com todos os momentos magn´eticos paralelos ao campo externo, ou seja, todos com s = +1. Queremos considerar tamb´em a possibilidade de ter momentos antiparalelos (s = −1) e saber qual a chance de se obter um macroestado com momentos antiparalelos tamb´em. Como cada momento magn´etico ´e independente do outro, a probabilidade de ocorrˆencia de um dado microestado com n momentos positivos ´e pn q N −n . Essa probabilidade ´e a mesma para qualquer um dos g(n, N) microestados. Assim, a probabilidade de um sistema com N momentos magn´eticos ter n positivos (quaisquer uns) ´e N! PN (n) = pn q N −n = g(n, N)pn q N −n . (2.4) n!(N − n)! A express˜ao (2.4) define o que chamamos distribui¸c˜ao binomial. Para muitos problemas descritos pela distribui¸c˜ao binomial, ´e mais significativo o n´ umero que d´a a diferen¸ca entre as quantidades de cada tipo, CEDERJ 20 Aula 2 - Descri¸c˜ao estat´ıstica de um sistema f´ısico: caso discreto ´ MODULO 1 - AULA 2 que definimos como M. Podemos reescrever (2.4) em termos de M como PN (M) = N +M 2 N +M N −M N!  N −M  p 2 q 2 , ! ! 2 (2.5) sendo N+ ≡ n = N +M 2 e N− ≡ N − n = N −M . 2 (2.6) Atividade 1 (Objetivos 1 e 2) Encontre os macroestados e suas multiplicidades para um paramagneto uniaxial com N = 4. Resposta comentada Temos um total de 2N = 24 = 16 microestados. n varia entre 0 e 4, ou M entre −4 e 4, levando a 5 macroestados. Podemos usar a equa¸c˜ao (2.3) para calcular as multiplicidades. A tabela abaixo mostra os 24 = 16 microestados do sistema, classificando-os de acordo com os r´otulos de macroestado n ou M. J e j s˜ao ´ındices arbitr´arios que identificam os macro e microestados, respectivamente. J j a b c d n M g(M, 4) 1 1 + + + + 4 4 1 2 3 4 5 + + + − + + − + + − + + − + + + 3 2 4 + − − + + − − + − + − + − − + − + + 2 0 6 − + − − + − − − 3 −2 4 0 −4 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 + + + − − − − − − + − − − + − − − − Fim da atividade 21 CEDERJ Aula 2 - Descri¸c˜ao estat´ıstica de um sistema f´ısico: caso discreto Física Estatística e Matéria Condensada C´ alculo do valor esperado A distribui¸c˜ao binomial pode ser obtida atrav´es da expans˜ao do binˆomio (p+q)N , bastando verificar a estrutura dos termos que aparecer˜ao ao realizarse o produto. Para isso, artificialmente introduzimos um r´otulo a p e q, que identifica a part´ıcula, e efetuamos o produto. Em seguida apagamos o r´otulo e somamos os termos semelhantes. Por exemplo: (p + q)2 → (p1 + q1)(p2 + q2) = p1 p2 + p1 q2 + q1p2 + q1q2 → pp + pq + qp + qq = p2 q 0 + 2p1 q 1 + p0 q 2 Ou seja, N (p + q) = N X g(n, N)pn q N −n (2.7) n=0 A condi¸c˜ao de normaliza¸c˜ao pode ser escrita como N X PN (n) = (p + q)N = 1 . (2.8) n=0 Temos tamb´em que N X g(n, N) = 2N . (2.9) n=0 O valor esperado, ou valor m´edio relaciona-se com o valor medido atrav´es de uma experiˆencia. Vamos usar nossa intui¸c˜ao primeiro para calcular o valor esperado no caso da distribui¸c˜ao binomial. Para isso vamos pensar que nossa experiˆencia ´e jogar a moeda e anotar se o resultado foi cara ou coroa. Se sabemos que p ´e a probabilidade de se obter cara em uma jogada, ´e razo´avel esperar que depois de N jogadas, o n´ umero de caras ser´a pN. Vejamos agora como obter formalmente este resultado. O valor esperado para n na distribui¸c˜ao binomial pode ser facilmente calculado usando-se as express˜oes (2.8) e (2.4). Por defini¸c˜ao de valor esperado, temos que: hni = CEDERJ 22 N X n=0 nPN (n) . (2.10) Aula 2 - Descri¸c˜ao estat´ıstica de um sistema f´ısico: caso discreto ´ MODULO 1 - AULA 2 Agora note as seguintes igualdades: N N d X d X PN (n) = g(n, N)pn q N −n dp n=0 dp n=0 = = N X g(n, N)npn−1 q N −n n=0 N X 1 p N g(n, N)npn q N −n = n=0 1X nPN (n) p n=0 Fazemos ent˜ao N X N d d X hni = nPN (n) = p PN (n) = p (p + q)N = pN dp n=0 dp n=0 (2.11) onde usamos (p + q)N −1 = 1, j´a que p + q = 1. Atividade 2 (Objetivos 1 e 2) Um problema relacionado com o do sistema paramagn´etico uniaxial ´e o do caminho aleat´orio em uma dimens˜ao. Nesse problema, uma part´ıcula caminha ao longo de uma reta, dando passos para a direita ou esquerda aleatoriamente. Cada passo ´e independente do anterior, e todos os passos tem o mesmo tamanho, `. Seja p a probabilidade da part´ıcula dar um passo para a direita. (a) Se a part´ıcula d´a 10 passos, qual a probabilidade de que esteja a uma distˆancia d = 8` do ponto de partida? Suponha p = 0, 5 (b) Qual o valor esperado para d, se a part´ıcula d´a 10 passos e p = 0, 5? E se p = 0, 3? Resposta comentada A distˆancia da part´ıcula at´e a origem ´e dada pela diferen¸ca entre o deslocamento total para a direita e o deslocamento para a esquerda. Assim, basta interpretar N+ e N− como o n´ umero de passos para a direita e esquerda, respectivamente. M passa a ser o n´ umero l´ıquido de passos para a direita. Se M > 0 a part´ıcula terminou `a direita depois dos N passos, se M < 0, terminou `a esquerda. Como a distˆancia est´a dada em unidades de `, d = 8` significa que temos M = 8. Como o n´ umero total de passos ´e N = 10, usando a defini¸c˜ao de n em termos de M e N, equa¸c˜ao (2.6), temos n = 9. (a) Usamos a equa¸c˜ao (2.5) com N = 10, n = 9 e p = q = 0, 5: 10! P10(9) = 9!1!  9  1  10 1 1 1 10 = 10 = = 9, 8 × 10−3 2 2 2 1024 23 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 2 - Descri¸c˜ao estat´ıstica de um sistema f´ısico: caso discreto (b) O valor esperado para d ´e hdi = hMi`. Da rela¸c˜ao entre n e M temos que M = 2n − N, portanto hMi = (2hni − N) = (2Np − N)` = N(2p − 1) ⇒ hdi = N(2p − 1)` . Se p = 0, 5, hdi = 0. Claro, a part´ıcula d´a passos para a direita e esquerda com igual probabilidade, em m´edia termina no ponto inicial. Se p = 0, 3, hdi = 10(2 × 0, 3 − 1)` = −4`. Aqui a probalidade de ir para a direita ´e menor, em m´edia a part´ıcula termina `a esquerda da origem. Fim da atividade C´ alculo da variˆ ancia Outra grandeza importante para caracterizar o resultado de um experimento ´e a variˆancia, σ 2. Essa quantidade ´e calculada considerando-se o quanto diferentes do valor esperado s˜ao os valores individuais num conjunto de medidas. Por exemplo vamos considerar de novo a jogada de moeda. Uma experiˆencia vai ser jogar N = 10 vezes a moeda. Imagine que realizamos essa experiˆencia 6 vezes, e anotamos os valores de n (n´ umero de caras) numa tabela. O valor esperado de n para a experiˆencia, supondo uma moeda equilibrada, ´e hni = 10 × 0, 5 = 5. Assim, temos: experiˆencia n 1 2 3 4 5 6 4 5 7 3 6 5 somas/6 5 n − hni (n − hni)2 −1 0 +2 −2 +1 0 1 0 4 4 1 0 0 1,67 Um conjunto de medidas hipot´etico, com o mesmo valor esperado poderia ser CEDERJ 24 Aula 2 - Descri¸c˜ao estat´ıstica de um sistema f´ısico: caso discreto experiˆencia n 1 2 3 4 5 6 4 5 6 4 6 5 somas/6 5 ´ MODULO 1 - AULA 2 n − hni (n − hni)2 −1 0 +1 −1 +1 0 1 0 1 1 1 0 0 0,67 A diferen¸ca entre esses dois conjunto de medidas est´a na flutua¸c˜ao dos valores de n. Essas flutua¸c˜oes s˜ao aleat´orias e tem origem em diversos fatores que n˜ao temos como contabilizar, podendo ser positivas ou negativas. No primeiro conjunto os valores de n flutuam mais, s˜ao mais diferentes entre si, e isso pode ser quantificado pelo valor m´edio de (n − hni)2. Note que o valor m´edio de n−hni n˜ao ´e adequado para distinguir os dois conjuntos de medida porque as flutua¸c˜oes podem ser positivas ou negativas. Queremos ser capazes de calcular o valor esperado para a flutua¸c˜ao quadr´atica, assim como fizemos para o n´ umero de caras. Usamos um procedimento an´alogo ao adotado para o c´alculo de hni, desta vez para a variˆancia, definida como σ 2 = h(n − hni)2 i. Em geral trabalhamos com o desvio quadr´atico m´edio σ. Primeiro notamos o seguinte: σ 2 = h(n − hni)2 i = hn2 − 2nhni + hni2 i = hn2 i − 2hnihni + hni2 = hn2 i − 2hni2 + hni2 = hn2 i − hni2 (2.12) Esta forma ´e mais adequada para c´alculos anal´ıticos. Come¸camos por calcular hn2 i: 2 hn i = N X n=0 2 n PN (n) =  d p dp 2 X N PN (n) n=0  2 d = p (p + q)N = pN + (pN)2 − p2 N . dp Finalmente, σ 2 = hn2 i − hni2 = pN − p2 N = pN − p(1 − q)N = Npq . (2.13) 25 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 2 - Descri¸c˜ao estat´ıstica de um sistema f´ısico: caso discreto Assim, para dados valores de p e q, quanto maior o valor de N, maior a dispers˜ao entre os valores observados para n. Esse resultado parece paradoxal: quanto maior o n´ umero de repeti¸c˜oes, maior a dispers˜ao do valores encontrados. A quest˜ao ´e que a grandeza realmente importante ´e o valor relativo da dispers˜ao. Suponha fixo o valor da variˆancia para uma dada grandeza adimensional que est´a sendo medida, por exemplo o n´ umero de palitos de f´osforo numa 2 caixa. Seja esse valor σ = 16, ou σ = 4. Se estivermos tratando de caixas com 20 palitos em m´edia, essa flutua¸c˜ao ´e bastante grande; significa que podemos encontrar caixas com 24 e 16 palitos. Se a mesma variˆancia aparecer em caixas de 200 palitos em m´edia, n˜ao ser´a t˜ao importante. O desvio relativo da distribui¸c˜ao binomial ´e dado por σ = N √ Npq = (qp)1/2N −1/2 , N (2.14) √ ou seja, σ/N diminui com N quando N aumenta. Logo, quanto maior o valor de N, menor ser´a a flutua¸c˜ao relativa, menor ser´a a chance de se obter um valor muito diferente do esperado como resultado de uma medida. Dizemos que o valor m´edio ou esperado fica melhor definido quanto maior for o valor de N. Veremos mais tarde que este ser´a o papel do limite termodinˆamico na F´ısica Estat´ıstica: fazer com que grandezas macrosc´opicas provenientes de m´edias sobre grandezas microsc´opicas sejam bem definidas. Usando a express˜ao (2.5) podemos calcular PN (M) para diferentes valores de N e p. A figura 2.3 mostra o comportamento de PN (M) para N = 20 e 40, para dois casos: sim´etrico (p = q = 0, 5) e assim´etrico (p = 0, 9 e q = 0, 1). Em ambos os caso, PN (M) ter´a seu valor m´aximo quando n = hni = Np, ou M = 2hni − N = N(2p − 1). No caso sim´etrico esse ponto aparece para M = 0, e no assim´etrico para M = 0.8N. Atividade 3 Calcule a dispers˜ao relativa para as distribui¸c˜oes mostradas na figura 2.3. Resposta comentada CEDERJ 26 Aula 2 - Descri¸c˜ao estat´ıstica de um sistema f´ısico: caso discreto ´ MODULO 1 - AULA 2 P40(M) M M M M P20(M) Figura 2.3: PN (M) para diferentes valores de N. Na linha superior N = 40, e na inferior, N = 20. Na coluna da esquerda p = q = 0, 5, a distribui¸c˜ao ´e sim´etrica com rela¸c˜ao ao ponto de m´aximo, que ocorre para M = hMi = 0. Na coluna da direita um dos resultados ´e bem mais prov´avel, p = 0, 9 e q = 0, 1, levando a uma distribui¸c˜ao assim´etrica, cujo m´aximo ocorre para M = 0, 8N. Note que, para N = 40, embora M esteja definido entre −40 e 40, a distribui¸c˜ao ´e bem concentrada em torno de M = 0. 27 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 2 - Descri¸c˜ao estat´ıstica de um sistema f´ısico: caso discreto A dispers˜ao relativa ´e dada por σ/N = N = 40 N = 40 N = 20 N = 20 p pq/N . Temos assim: r 1 σ 11 1 p=q= → = = 0, 08 2 N 2 2 40 r 1 σ 9 9 1 1 q= → = = 0, 05 p= 10 10 N 10 10 40 r 1 σ 11 1 p=q= → = = 0, 1 2 N 2 2 20 r 9 9 1 1 1 σ p= q= → = = 0, 07 10 10 N 10 10 20 Fim da atividade Atividade 4 Considere um g´as com N mol´eculas contido num volume V0 . Considere um certo subvolume v, como esquematizado na figura. (a) Calcule a probabilidade de que exatamente n mol´eculas estejam em v, n˜ao interessando quais sejam. (b) Calcule a dispers˜ao relativa R = σ 2 /hni2 e explique o comportamento de R quando v  V0 e v ≈ V0 . Resposta comentada (a) Considerando que as mol´eculas do g´as estejam uniformemente distribu´ıdas em V0 , a fra¸c˜ao de mol´eculas em v ´e dada por v/V0 . Supondo que V0 seja macrosc´opico (se n˜ao este problema n˜ao tem sentido...), a probabilidade p de que cada mol´ecula, individualmente, esteja no subvolume v ´e dada por essa fra¸c˜ao, ou seja, p = v/V0 . A probabilidade de que n mol´eculas espec´ıficas estejam em v ´e pn . Como podemos escolher quaisquer n mol´eculas, a probabilidade pedida ´e dada pela distribui¸c˜ao binomial:  n  N −n N! v V0 − v PN (n) = . n!(N − n)! V0 V0 CEDERJ 28 Aula 2 - Descri¸c˜ao estat´ıstica de um sistema f´ısico: caso discreto ´ MODULO 1 - AULA 2 (b) O n´ umero m´edio hni em v ´e hni = Np = Nv V0 A dispers˜ao relativa R = σ 2/hni2 em v, pode ser ent˜ao calculada como R= Npq Np(1 − p) 1−p V0 − v = = = 2 2 (pN) (pN) pN Nv Se v  V0 , R ser´a um n´ umero muito grande. Isso significa que, se tomamos um subvolume desse tamanho e realizamos v´arias medidas do n´ umero de mol´eculas dentro dele, os valores encontrados ser˜ao bastante diferentes entre si. Numa situa¸c˜ao extrema, se v . V0 /N, que ´e o volume m´edio por mol´ecula, podemos ter at´e mesmo hni = 0 em alguma medi¸c˜ao. Por outro lado, se v → V0 , R ≈ 0, os valores dessa medida ser˜ao muito semelhantes entre si, ou seja, hni ser´a bem definido. Fim da atividade Conclus˜ ao Podemos usar distribui¸c˜oes de probabilidades para descrever sistemas f´ısicos do ponto de vista estat´ıstico. As principais grandezas nesse contexto s˜ao o valor esperado, ou valor m´edio, e a variˆancia. O valor esperado, como indica o nome, ´e o que se espera obter como resultado de uma experiˆencia, quando a mesma for repetida um n´ umero infinito de vezes. Sendo assim, realizando a experiˆencia uma vez, ou um n´ umero finito de vezes, certamente obteremos valores diferentes do esperado. A variˆancia ´e a grandeza que nos permite quantificar essa dispers˜ao de valores obtidos, com rela¸c˜ao ao valor esperado. Quanto maior o n´ umero de repeti¸c˜oes da experiˆencia, menor ser´a a dispers˜ao relativa, fazendo com que o valor esperado seja uma grandeza bem definida para a quantidade que est´a sendo medida. Atividade Final (Objetivos 1 e 2) Um s´olido cont´em N n´ ucleos que n˜ao interagem entre si. Cada n´ ucleo pode estar em qualquer um de trˆes estados quˆanticos, rotulados pelo n´ umero quˆantico m, que pode ter os valores 0 e ±1. Devido a intera¸c˜oes el´etricas com campos internos ao s´olido, n´ ucleos nos estados m = 1 ou m = −1 tem a mesma energia  > 0, enquanto que a energia do estado m = 0 ´e zero. Calcule a multiplicidade g(E, N) do macroestado de energia 29 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 2 - Descri¸c˜ao estat´ıstica de um sistema f´ısico: caso discreto E. Dica: Escreva a energia como E = (N −N0 )ε, onde N0 ´e o n´ umero de n´ ucleos com m = 0. Agora vocˆe pode usar que (N − N0 ) = E/ε. Resposta comentada Como a energia pode ser escrita em termos de N e N0 , s˜ao essas as vari´aveis que rotulam o macroestado, n˜ao importando o estado dos n´ ucleos com m 6= 0. A primeira contribui¸c˜ao para a multiplicidade vem de como escolher os n´ ucleos com m = 0. Dados N e N0 , h´a CN,N0 maneiras de fazer essa escolha. Para cada uma delas temos a liberdade de escolher quais n´ ucleos com m 6= 0 ter˜ao m = +1 ou −1, sem que a energia seja alterada. Por exemplo, considere N = 5, N0 = 3. Uma possibilidade de escolha de n´ ucleos com m = 0 ´e: a b c d e 0 0 0 Agora podemos considerar todas as possibilidades para os n´ ucleos b e e. Temos assim: a b c d e 0 0 0 0 + + - 0 0 0 0 0 0 0 0 + + - Uma determinada escolha de n´ ucleos com m = 0 gerou 22 = 4 possibilidades. No caso geral, ter´ıamos 2N −N0 possibilidades. Assim, a multiplicidade total ´e N! g(N0, N) = 2N −N0 (N − N0 )!N0! Escrevendo em termos da energia, fica g(E, N) = E ε  E N!  2ε E ! N+ ε ! Resumo Nesta aula aprendemos as defini¸c˜oes de macroestado, microestado e multiplicidade, analisando as configura¸c˜oes poss´ıveis de um sistema bin´ario. Aproveitamos para rever os conceitos de probabilidade, distribui¸c˜ao, valor esperado e variˆancia em sistemas discretos. Calculando essas grandezas para CEDERJ 30 Aula 2 - Descri¸c˜ao estat´ıstica de um sistema f´ısico: caso discreto ´ MODULO 1 - AULA 2 o sistema bin´ario, analisando o comportamento da variˆancia relativa com o n´ umero N de componentes do sistema. Com isso, verificamos que o limite N → ∞ leva a distribui¸c˜oes muito centradas em torno do valor esperado. Informa¸ c˜ oes sobre a pr´ oxima aula Na pr´oxima aula continuaremos com a descri¸c˜ao estat´ıstica de sistemas f´ısicos, mas considerando sistemas descritos por vari´aveis reais obedecendo a uma distribui¸c˜ao cont´ınua. Em particular veremos como obter a distribui¸c˜ao gaussiana a partir do limite N → ∞ da distribui¸c˜ao binomial. Leitura complementar S. R. A. Salinas, Introdu¸c˜ao `a F´ısica Estat´ıstica, primeira edi¸c˜ao S˜ao Paulo, EDUSP, cap´ıtulo 1. 31 CEDERJ