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Cartilha Rural De Ensino- Aprendizagem De Solos Com Agricultores

Procurando uma maior interação com as Comunidades Rurais, esta pesquisa teve o propósito de “gerar” uma “cartilha” que relatasse o que foi o contato com o homem e mulher do campo de Mata Redonda localizada no município de Remígio-PB. Portanto uma série de atividades simples e práticas foram realizadas durante as visitas, a exemplo do levantamento do vocabulário mínimo dos agricultores (Brandão, 1981; Scocuglia, 1999) e das aulas expositivo-dialéticas sobre os temas mais atrativos para os agricultores. Não se trata de um...

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1 Tecnologias Adaptadas para o Desenvolvimento Sustentável do Semiárido Brasileiro Volume 1 2 Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UFCG T255 Tecnologias adaptadas para o desenvolvimento sustentável do semiárido brasileiro / Organizadores, Dermeval Araújo Furtado, José Geraldo de Vasconcelos Baracuhy, Paulo Roberto Megna Francisco, Silvana Fernandes Neto, Verneck Abrantes de Sousa. ─ Campina Grande: EPGRAF, 2014. 2 v. 308 p. : il. color. ISBN 978-85-60307-10-4 1. Sustentabilidade. 2. Caatinga. 3. Recursos Naturais. I. Furtado, Demerval Araújo. II. Baracuhy, José Geraldo de Vasconcelos. III. Francisco, Paulo Roberto Megna. IV. Fernandes Neto, Silvana. V. Sousa, Verneck Abrantes de. VI. Título. CDU 502.15(213.54) 3 Organizadores Dermeval Araújo Furtado José Geraldo de Vasconcelos Baracuhy Paulo Roberto Megna Francisco Silvana Fernandes Neto Verneck Abrantes de Sousa Tecnologias Adaptadas para o Desenvolvimento Sustentável do Semiárido Brasileiro Volume 1 1.a Edição Campina Grande-PB Epgraf 2014 4 Realização Apoio Livro confeccionado com recursos oriundos do CNPq referente ao Edital n. 35/2010 Revisão e Editoração: Paulo Roberto Megna Francisco Arte da Capa: AGTEC.JR 1.a Edição 1ª. Impressão (2014): 1.000 exemplares Epgraf Av. Assis Chateaubriand, 2840 Distrito Industrial - Campina Grande – PB 5 CAPÍTULO XXIII CARTILHA RURAL DE ENSINO- APRENDIZAGEM DE SOLOS COM AGRICULTORES Roseilton Fernandes dos Santos Rui Bezerra Batista Paulo Roberto Megna Francisco INTRODUÇÃO Procurando uma maior interação com as Comunidades Rurais, esta pesquisa teve o propósito de “gerar” uma “cartilha” que relatasse o que foi o contato com o homem e mulher do campo de Mata Redonda localizada no município de Remígio-PB. Portanto uma série de atividades simples e práticas foram realizadas durante as visitas, a exemplo do levantamento do vocabulário mínimo dos agricultores (Brandão, 1981; Scocuglia, 1999) e das aulas expositivodialéticas sobre os temas mais atrativos para os agricultores. Não se trata de um receituário a ser literalmente seguido, trata-se de um esforço eletivo e construtivo que sofrerá aperfeiçoamentos gradativamente. Vocabulário Mínimo Resolvemos dividir, por razões de comodidade, aquilo que o mestre Paulo Freire denominava de vocabulário mínimo em palavras geradoras e expressões geradoras. Palavras geradoras Analfabeto (a), descanso, condição, barreiro, cacimba, olho d’agua, cisterna, tijolo, rocado, rama de batata, terra, chã (terra de plana), enxada, chuva, produção, buraco, compadre, comadre, aposentadoria, dinheirinho, mixaria, salário, Jenipapo, Mata Redonda, veneno, formiga, conga, meia, cuia, hectare, braça, cinquenta, adubo, estrumo, fava, feijão, capim manipelonha, carrapicho de agulha, altos, grota, capoeira, alagado, embebedar, saúde, fortidão, lavoura, morro abaixo, Jovita, Simão, Joao, Batista, Ernani, Arlindo, Graça, Maria, Fatima, Vieira, André, Regina, Pedro, Gavião. 6 Expressões geradoras que surgiram ao longo do processo ensinoaprendizagem Moro aqui desde que me entendo por gente! Meu compadre e eu somos duas almas num corpo só! Antigamente as produções faziam gosto! Só tem produção boa se adubar! Meus outros filhos morreram de doença de menino! As condições são poucas! Antigamente tinha casa de farinha em quase todos os sítios! Tem mato que só nasce em terra boa. O capim manipelonha é um deles! A terra mais avermelhada é mais ruim de trabalhar! Isto tudo é um besteirol! Diga pra que serve? Não vejo ninguém que precise dessas coisas! Depois que a gente fica velho só espera a morte! Terra de pedregulho não presta! Terra preta é que é boa, cava todo tempo! Cortando as aguas o lerão embebeda e forma buraco! Se adubar a roça dá o catramboio do tronco, um tipo de mofo branco! Dando descanso, a terra fica mais forte. Ainda uso basculho e estrumo! O velho que me criou sempre falava para eu plantar cortando as aguas! De morro abaixo leva tudo tudo e cortando as aguas dá melhor! Eu planto pelo menos para comer verde! A parte de terra que dá uma lavourinha melhor agora tá alagando tudo! A terra preta é melhor do que a branca! Plantar no atravessado é melhor do que no comprido! A fortidão da terra a no mato seco! Esse ano morreu muita formiga bêbada com a chuva! Se não estrumar a terra, as lavouras ficam tudo acanhadinhas! Para a roça, o estrume de agave é melhor do que o de gado! Eu conheço a terra pelo mato, se for verde é boa, se for amarelo, é uma terra cansada! O estrumo de gado é muito quente. Só dá bom de um ano para outro! Quando chove o mundo fica que nem um jardim! Procuramos utilizar este vocabulário mínimo na construção dos temas apresentados. 7 O SOLO Do ponto de vista da agricultura, da pecuária e da sobrevivência do homem, pode-se dizer que o solo é o lugar onde se desenvolvem as plantações, os animais, os pastos, as árvores e as matas. Solo vem do intemperismo da rocha, onde intemperismo significa a “transformação” da rocha que, com o passar dos anos, torna-se solo. O solo possui camadas, chamadas de horizontes. Esses horizontes são chamados de A, B e C. O horizonte A é mais superficial, o horizonte C é mais profundo e o horizonte B é intermediário A rocha que formou o solo fica abaixo do horizonte C. Os diferentes tipos de solos têm nomes diferentes. Figura 1. Perfil de solo (RFS 01) descrito na propriedade Mata Redonda, Remígio-PB. Indicando diferentes horizontes. A EROSÃO DO SOLO Vamos definir erosão como sendo o arraste da parte superficial e sub-superficial do solo, principalmente pela ação da água e do vento. A erosão leva assim a parte de cima do solo, onde estão os minerais e a matéria orgânica, que servirão de alimento para as plantas. A erosão acaba com os terrenos desprotegidos, empobrece os agricultores e chega, até, a causar desertificação. Ora, se um rocado não tem fortidão, se o mato é amarelado (dizendo que a terra esta cansada) e, ainda por cima, a chuva leva tudo, entupindo os 8 barreiros e olhos d’agua, resulta numa produção pequena, de poucas cuias, por exemplo, de feijão por um hectare de terra. Sendo as posses poucas, piores elas ficarão se deixarmos a erosão acabar com a saúde do solo. Conhecendo-se a situação da erosão, podemos saber quanto da produção tem diminuindo por hectare e o que se deve fazer para combater a erosão. Ou seja, que práticas conservacionistas devemos adotar conforme as nossas posses. Para fazer um apanhado da situação, nós dividimos a propriedade em partes menores, relativamente homogêneas, Por exemplo, terra de plana (chã) separada das que apresentam buracos e assim por diante. Essas divisões, mais ou menos uniformes, vamos chamar de gleba. Gleba é assim, um terreno uniforme. Lembre-se de duas coisas: 1. Nem sempre se vê, de imediato, os estragos da erosão. Mas se você sente que, antigamente, as produções faziam gosto, comece a desconfiar! 2. É preciso enfrentar, todos juntos, a erosão do solo. Figura 2. Vista da gleba 4 da propriedade Mata Redonda, quando do levantamento dos atributos da terra para eleição da formula obrigatória, enfatizando a erosão em voçoroca. MAPEAMENTO DA TERRA O que é um mapa? Os mapas são figuras, ou desenhos, que representam um lugar ou uma região qualquer. Um bom mapa é aquele que consegue retratar de forma mais perfeita uma determinada área. Eis algumas informações que precisam ser apresentadas num mapa: A. Título - diz que esta sendo apresentado e o nome do lugar. 9 B. Legenda - explica o que representam os símbolos, cores ou desenhos apresentados no mapa. C. Data - diz quando o mapa foi feito. D. Escala - é a relação entre o tamanho real da área e a sua representação no papel. Ex.: 1:1000 ou 1/1000 que se lê “um pra mil”. Esta notação quer dizer que 1 centímetro (cm) no mapa vale 1000 centímetros no campo. É o mesmo que dizer: 1 centímetro (cm) no mapa vale 10 metros (m) no terreno. E. Orientação - mostra a posição do mapa em relação aos pontos cardeais, Tendo o sol como base ou referência foram estabelecidas os pontos cardeais que são: Vamos ilustrar melhor. Cada agricultor e cada agricultora que estava numa aula sobre mapeamento da terra, desenharam o mapa da sua propriedade. Todos ficaram muito bons. Sorteamos um, ao acaso, pois se fossemos reproduzir todos os mapas, a cartilha ficaria muito extensa. Figura 3. Desenho realizado pela agricultora Jovita Maria da Conceição, como representação de sua propriedade após “aula” sobre mapeamento da terra. 10 Na figura 3, os símbolos que ela usou não deixam de ser uma legenda, já que significa a representação de algo contido em sua propriedade. Num pedacinho do mapa de solo da Paraíba (Figura 4), REd significa associação constituída de NEOSSOLOS REGOLÍTICOS e NEOSSOLOS LITÓLICOS. Figura 4. Área do município de Remígio-PB sobreposto ao mapa de solos do Estado da Paraíba. Os Agrônomos que trabalham com conservação de solos costumam dividir as terras em glebas e cada uma das glebas pelas particularidades dos seus terrenos apresentarem uma maior ou menor capacidade de sustentação as exigências dos cultivos das diferentes plantações (roçado, pastagem e mata). Assim as glebas com características e particularidades semelhantes são classificadas em classes de capacidade de uso, como é mostrado na Figura 5. Figura 5. Mapa base com as classes de capacidade de uso das glebas. 11 CLASSIFICAÇÃO DA TERRA Levantamento dos atributos da terra Há muitos jeitos de se classificar as terras. Consultando aquele mapa da Figura 4, canto inferior direito, nós apreendemos que, nessa região de Remígio, ocorrem, entre outros, NEOSSOLOS (QUARTZARÊNICOS, REGOLÍTICOS E LITÓLICOS) e os ARGISSOLOS. Estes nomes estranhos não nos devem aborrecer. São os nomes de batismo dos principais solos da região. Quando a intenção é combater a erosão e eleger a capacidade de uso das glebas, recorre-se a uma fórmula, chamada formula obrigatória. A fórmula obrigatória é a seguinte: Profundidade efetiva - textura - permeabilidade fatores limitantes - uso atual Declividade - erosão Profundidade efetiva: indica ate que profundidade (para dentro da terra) as raízes entram com facilidade; Textura: para saber se é uma terra de areia ou de barro; Permeabilidade: facilidade com que a agua entra e se desloca dentro do solo; Declividade: a medição da ladeira do terreno em relação a uma área plana; Erosão: avalia as condições de desgaste dos terrenos, pelo aparecimento das raízes e pedras e pela presença de valas, buracos e grotas. Em função da fórmula levantada para cada gleba, os Agrônomos encontram a capacidade de uso. São oito as classes de capacidade de uso. Classe I: São terras sem problemas de erosão e próprias para o roçado de milho, feijão e mandioca; Classe II: São terras que exigem um pouco mais de cuidado, com inclinação suficiente para causar erosão; Classe III: São terras que exigem cuidados especiais de conservação; Classe IV: São terras que tem riscos ou necessidades muito severas de conservação quando usadas para roçado; Classe V: São terras de plana com declinações muito pequenas, impróprias para rocado (áreas alagadas), contudo adequadas para pastagens; Classe VI: São terras improprias para rocado, mas podem ser usadas para pastagens, florestas e culturas protetoras do solo; 12 Classe VII: São terras impróprias para rocado, muito declivosas e cheias de buracos, grotas etc.; Classe VIII: São terras improprias para qualquer tipo de cultivo. É a partir da classe de capacidade de uso que nos saberemos o que é melhor para a terra. Por exemplo: que em tal gleba é melhor plantar no atravessado do que no comprido; quais as terras que embebedam e formam buraco e assim por diante. Lembremo-nos: se não consideramos a erosão enquanto é tempo, o mundo não ficará um jardim, mesmo quando chover. E mais: através da conscientização política poderemos exigir dos nossos vereadores que a conservação do solo seja prioridade dentre as propostas para Mata Redonda. Figura 6. Agricultores de Mata Redonda participantes. Roseilton, que é filho de Comadre Rosa, adaptou uma “chave paramétrica” para facilitar o trabalho de Agrônomos em comunidades como a de Mata Redonda. Ele batizou a “invenção” de (“Régua Paramétrica”) ROSÉGUA! (ROSE de Roseilton e ÉGUA de régua). A “Roségua” é construída com caixas usadas de creme dental e grampos, seu uso é pratico. Ao fornecermos os valores dos atributos levantados no campo para a régua paramétrica, esta num movimento de vai e vem, condicionará o fator mais limitante para eleição da(s) classe(s) de capacidade de uso, nomeadas de I a VIII. 13 Figura 7. Frente e verso da parte externa da Roségua. Figura 8. Frente e verso da parte interna da Roségua. AGRADECIMENTOS A todos os agricultores e agricultoras que, prontamente se dispuseram a “construir” esta cartilha. A comadre Jovita, que gentilmente cedeu sua casa para que nossas reuniões se realizassem. Ao Curso de Pósgraduação em Manejo de Solo e Agua pelo auxílio financeiro. Ao setor de transportes do Centro de Ciências Agrarias da UFPB. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ALECHANDRE, A. S. et al. Mapa como ferramenta para gerenciar recursos naturais: um guia passo-a-passo para populações tradicionais fazerem mapas usando imagens de satélite. Brilhograf. Rio Branco-Acre, 1998. 36p. 14 BRANDÃO, C. O. ABC do Método. In: O que é Método Paulo Freire. Coleção Primeiros Passos, 38. Ed. Brasiliense, 1981. 113p. BRASIL. Ministério da Agricultura. Equipe de Pedologia e Fertilidade do Solo. Divisão de Agrologia - SUDENE. Levantamento Exploratório Reconhecimento de Solos do Estado da Paraíba. Boletim Técnico, 15. Rio de Janeiro: MA/CONTAP, 1972. 670p. CARDOSO, I; FERNANDES, R. B. A. Paisagem de Viçosa. Viçosa: UFV, Departamento de Solos, 1997. 20p. EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Algodão. Saiba como conservar o solo. Campina Grande, 1999. 14p. LEMOS, R. C. de; SANTOS, R. D. dos. Manual de descrição e coleta de solo no campo. 3 ed. Campinas: SBCS, 1996. 84p. LEPSCH, I. F. (Coord.). Manual para levantamento utilitário do meio físico e classificação de terras no sistema de capacidade de uso. (4.a aproximação, 2.a impr. rev.). Campinas: SBCS, 1991. 175p. SCOCUGLIA, A. C. A história das ideias de Paulo Freire e a atual crise de paradigmas. 2.a ed. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 1999. 187p. SANTOS, R. F. dos. Ensino-aprendizagem de solos com agricultores e agricultoras de Mata Redonda, Remígio - PB à partir de levantamento utilitário. 2001. Dissertação (Mestrado em Manejo de Solo e Água). Universidade Federal da Paraíba. Centro de Ciências Agrárias. Areia, 2001. 15 16