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Caderno De Psicologia Da Educação

Apostila do Curso de EAD Pedagogia UFPR

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Psicologia da Educação UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE EDUCAÇÃO COORDENAÇÃO DE INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CURSO DE PEDAGOGIA MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO PROFª CLARA BRENER MINDAL PROFª TAMARA DA SILVEIRA VALENTE PROFª TANIA STOLZ CURITIBA 2012 1 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental 2 UFPR Psicologia da Educação PRESIDÊNCIA DA REPÚBLCA Dilma Roussef SETOR DE EDUCAÇÃO Diretora Andrea do Rocio Caldas MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Aloízio Mercadante UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL Diretor João Carlos Teatini de Souza Lima Vice-Diretora Deise Cristina de Lima Picanço Coordenador do Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Fundamental Américo Agostinho Rodrigues Walger Reitor Zaki Akel Sobrinho Vice-Reitor Coordenador de Tutoria Lezyane Silviera Daniel Rogério Andrade Mulinari Revisão Textual Pró-Reitora de Graduação - PROGRAD Maria Amélia Sabbag Zainko Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação PRPPG Sérgio Scheer Pró-Reitora de Extensão e Cultura - PROEC Elenice Mara Matos Novak Altair Pivovar Coordenação de Integração de Políticas de Educação a Distância - CIPEAD Coordenadora EaD - UFPR e UAB Marineli Joaquim Meier Coordenadora Adjunta UAB Pró-Reitora de Gestão de Pessoas - PROGEPE Gláucia Brito Laryssa Martins Born Coordenadora de Recursos Tecnológicos Pró-Reitor de Administração - PRA Paulo Roberto Rocha Krüger Pró-Reitora de Planejamento, Orçamento e Finanças - PROPLAN Lucia Regina Assumpção Montanhini Pró-Reitora de Assuntos Estudantis - PRAE Rita de Cássia Lopes Sandramara Scandelari Kusano de Paula Soares Produção de Material Didático CIPEAD Coordenação do Curso de Pedagogia Fone:(41) 3360 5139 CIPEAD Fone: (41) 3310-2657 Foto da capa - http://www.sxc.hu/photo/ 1191196 3 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental Contatos Setor de Educação Rua General Carneiro, 460 2º andar 80060-150 Curitiba PR Fone:(41) 3360 5141 3360 5139 e-mail:[email protected] www.educacao.ufpr.br CIPEAD Praça Santos Andrade, 50 Térreo 80020-300 Curitiba PR Fone: (41) 3310-2657 e-mail: [email protected] www.cipead.ufpr.br Foto da capa - http://www.sxc.hu/ photo/1191196 4 UFPR Psicologia da Educação APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Prezado Aluno, A Psicologia da Educação pode ser considerada como o campo científico que toma como objetivos a compreensão, a explicação, a previsão e a modificação dos fenômenos educativos. A Psicologia da Educação ganha identidade própria por volta do fim do século XIX e início do século XX em diversos países. Os conteúdos que a compõem surgem, por um lado, da aplicação dos conhecimentos e das explicações das diferentes correntes teóricas da Psicologia ao âmbito educacional, e, por outro lado, dos estudos específicos das diferentes situações educativas. Até meados da década de 50 do século XX, predominou a aplicação dos conhecimentos gerados pela Psicologia em consultórios terapêuticos e laboratórios universitários. Destacam-se, por exemplo, as tentativas de estender à escola os princípios e leis da aprendizagem elaborados com os resultados de estudos realizados em sua maioria com animais em laboratórios. Por volta da década de cinquenta, e principalmente em anos posteriores, essa visão da Psicologia da Educação como aplicação direta da Psicologia geral se modificou em função da compreensão das especificidades do espaço escolar. O ambiente escolar, os professores, os alunos e suas características e funcionamento passaram a ser objeto de estudos. Neste volume sobre Psicologia da Educação, você encontrará um pouco de Psicologia aplicada à educação e um pouco de pesquisa específica realizada na escola. Na Unidade 1 discutem-se alguns dos principais conceitos da teoria piagetiana do desenvolvimento cognitivo e suas implicações para a educação. Empreende-se nesta discussão um movimento que parte da ação pedagógica para a reflexão teórica. A Unidade 2 enfoca a teoria histórico-cultural de Vygotsky e sua importância na compreensão do papel da escola e do professor para o desenvolvimento psicológico humano. A Unidade 3 aborda as contribuições da teoria behaviorista para a educação. Após uma apresentação geral do que é o behaviorismo, são trabalhadas as principais ideias de dois dos maiores expoentes dessa corrente psicológica. Skinner e Bandura desenvolveram estudos sobre aprendizagem e formação de hábitos que apresentaram resultados extremamente úteis para os professores na sociedade atual. As diferenças entre aprendizagem por meio de reforços e por meio de punições, a formação de hábitos de estudo e a influência dos meios de comunicação sobre o comportamento 5 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental agressivo são temas discutidos nesta unidade. A Unidade 4 trata da contribuição de alguns conceitos básicos da psicanálise para o campo educacional. Optou-se por discutir o conceito de pulsão e a sua vinculação à sexualidade humana. Também abordam-se a relação entre a pulsão e os modos de defesa na latência e na adolescência, por entender-se que essa discussão auxilia os professores a conhecer o impacto da sexualidade, de acordo com os pressupostos freudianos, nos seus alunos. Profª Clara Brener Mindal Profª Tamara da Silveira Valente Profª Tania Stoltz 6 UFPR Psicologia da Educação PLANO DE ENSINO 1 DISCIPLINA PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO 2 CÓDIGO EDP- 036 3 CARGA HORÁRIA TOTAL 120 HORAS 3.1 CARGA HORÁRIA PRESENCIAL 3.1.1 Com Professor formador: 12 horas 3.1.2 Com o tutor presencial no Polo: 12 horas 3.2 CARGA HORÁRIA À DISTÂNCIA Noventa e seis (96) horas de estudos com orientação presencial e a distância dos tutores do polo presencial e/ou tutores da UFPR. Estes estudos incluem a participação em fóruns, chats e outros espaços virtuais. 4 EMENTA Histórico, conceito e objeto. Teoria do desenvolvimento psicológico do ser humano e suas implicações educacionais: perspectivas psicanalíticas e cognitivistas. Concepções teóricas contemporâneas sobre o processo de aprendizagem e suas implicações para a atividade docente: enfoques behaviorista, humanista e cognitivista. 7 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 5 OBJETIVOS 5.1 OBJETIVO GERAL Promover a compreensão dos processos psicológicos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem e sua relação com o desenvolvimento humano, e das principais abordagens teóricas da Psicologia da Educação. 5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Reconhecer a importância do conhecimento científico sobre o processo de ensino e aprendizagem. Conhecer os postulados básicos das principais teorias contemporâneas acerca do processo de ensino e aprendizagem. Compreender as principais contribuições de teorias sobre o desenvolvimento psicológico para a aprendizagem escolar. Refletir sobre as possibilidades de aplicação à prática pedagógica dos postulados teóricos estudados sobre o papel do educador no processo de ensino e aprendizagem. 6 PROGRAMA UNIDADE 1 1 O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO 1.1 COMO AS PESSOAS APRENDEM, PARA PIAGET. 1.2 FATORES RESPONSÁVEIS PELO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO. 1.3 A CONSTRUÇÃO DAS ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO. UNIDADE 2 2 A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY 2.1 O HOMEM COMO SER HISTÓRICO. 2.2 COMO AS PESSOAS APRENDEM? 8 Psicologia da Educação UNIDADE 3 3 CONTRIBUIÇÕES DO BEHAVIORISMO PARA A EDUCAÇÃO 3.1 O QUE É O BEHAVIORISMO? 3.2 PRIMEIR A GER AÇÃO DE BEHAVIORISTAS: COMPORTA MENTO REFLEXO E APRENDIZAGEM INSTRUMENTAL. 3.3 SEGUNDA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: CONDICIONAMENTO OPERANTE. 3.4 TERCEIR A GER AÇÃO DE BEHAVIORISTAS: APRENDIZAGEM SOCIAL DO COMPORTAMENTO. UNIDADE 4 4 CONTRIBUIÇÕES DE ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA PSICANÁLISE PARA O CAMPO EDUCACIONAL. 7 ORIENTAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA 7.1 PROCEDIMENTOS PARA LEITURA E ANÁLISE DOS TEXTOS Para que você aproveite ao máximo o material teórico, indicamos os seguintes passos para sistematização e estudo. Na medida do possível, utilize-o habitualmente. Faça uma primeira leitura, buscando uma visão do conteúdo como um todo. Releia o texto, anotando palavras ou expressões desconhecidas, e sublinhe as ideias centrais. Leia novamente e procure entender a ideia principal, que pode estar explícita ou implícita no texto. Localize e compare as ideias entre si, procurando semelhanças ou diferenças. Interprete as ideias, tentando descobrir conclusões a que o autor chegou. Elabore uma síntese/resumo/apreciação crítica. 8 AVALIAÇÃO 8.1 Atividades presenciais com 75% de frequência (aula na UFPR e tutoria no polo). 8.2 Atividades e exercícios sobre os textos e materiais de apoio. 8.3 Atividades como fóruns, pesquisa, produção de textos e outras que o professor considerar. 8.4 Leituras complementares indicadas, com registro de análise crítica. 8.5 Exercícios de autoavaliação com produção de conhecimento. 8.6 Prova presencial ao término de pelo menos 75% das atividades realizadas. 9 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental 10 UFPR Psicologia da Educação SUMÁRIO 1 O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO ........................................................................... 1.1 COMO AS PESSOAS APRENDEM, PARA PIAGET? ........................................................... 1.2 FATORES RESPONSÁVEIS PELO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO .......................... 1.3 A CONSTRUÇÃO DAS ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO......................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 15 16 22 24 36 2 A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY ................................ 2.1 O HOMEM COMO SER HISTÓRICO .................................................................................. 2.2 COMO AS PESSOAS APRENDEM? ..................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 39 42 48 52 3 CONTRIBUIÇÕES DO BEHAVIORISMO PARA A EDUCAÇÃO .......................... 3.1 O QUE É BEHAVIORISMO? ................................................................................................. 3.2 PRIMEIRA GERAÇÃO DE BAHAVIORISTAS: COMPORTAMENTO REFLEXO OU RESPONDENTE E APRENDIZAGEM INSTRUMENTAL ........................................................... 3.2.1 Comportamento reflexo ou respondente: Pavlov ................................................................. 3.2.2 Aprendizagem instrumental: Thorndike ............................................................................... 3.3 SEGUNDA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: CONDICIONAMENTO OPERANTE ....... 3.3.1 O condicionamento operante: Skinner ................................................................................. 3.3.2 Aumentar ou manter um comportamento: reforços ............................................................ 3.3.3 Diminuir um comportamento: punição e extinção operante ................................................ 3.3.4 Modelagem e esquemas de reforçamento ............................................................................ 3.3.5 Implicações educacionais dos estudos de Skinner ............................................................... 3.4 TERCEIRA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: APRENDIZAGEM SOCIAL DO COMPORTAMENTO .................................................................................................................. 3.4.1 A Teoria da Aprendizagem Social de Bandura ..................................................................... 3.4.2 A Teoria Cognitivo-Social da Aprendizagem de Bandura ...................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 53 55 56 56 58 60 61 63 64 66 68 70 70 76 87 4 CONTRIBUIÇÕES DE ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA PSICANÁLISE PARA O CAMPO EDUCACIONAL .................................................................................... 89 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 109 11 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental 12 UFPR Psicologia da Educação UNIDADE 1 O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO 13 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental 14 UFPR Psicologia da Educação 1 O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO Um dos teóricos mais importantes do desenvolvimento psicológico é o biólogo e psicólogo suíço Jean Piaget (1886 - 1980). Sua teoria merece destaque por seu rigor científico, vasta produção científica e por suas implicações no campo da educação. Piaget desenvolveu inúmeras pesquisas em diferentes lugares do mundo, contando com o uso do método clínico (DELVAL, 2002). O construtivismo piagetiano entende o desenvolvimento psicológico humano a partir de construções que se estabelecem de um nível inferior a um nível superior e são desencadeadas pela interação do sujeito com o meio físico e social. A teoria de Piaget é construtivista porque ele e studa essas constr uções ou mudanças que ocor rem no desenvolvimento cognitivo ao longo da vida e os mecanismos que explicam essas transformações. A partir da década de 1960, com os estudos sobre a causalidade, a característica construtivista da teoria de Piaget começa a ficar mais marcante, porque ele passa a precisar melhor o papel do objeto no processo de construção do sujeito. FIGURA 1 - JEAN PIAGET FONTE: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean_Piaget.jpg 15 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 1.1 Como as pessoas aprendem, para Piaget? Segunda-feira, 7h30 da manhã, aula de história na 8ª série A. O professor saúda os alunos. Pede para pegarem o caderno e copiarem o que está escrevendo no quadro. Os alunos reclamam. O professor diz que depois irá explicar tudo o que está no quadro. O professor começa a escrever compulsivamente no quadro, enchendo-o com tópicos referentes à Revolução Russa. Os alunos estão inquietos, mas o professor continua virado para a lousa. Depois de aproximadamente 20 minutos de cópia, o professor pára, senta-se à sua mesa, olha para a turma e espera cerca de 10 minutos até que os alunos terminem de copiar o texto. Os alunos estão agora em silêncio. O professor começa a explicar o que está no quadro. Repete as frases que já foram escritas, dando-lhes outra ordem. Por exemplo, quando está escrito 1905 Revolução popular contra o czar, acentua-se a crise social na Rússia, o professor fala: “Tinha uma crise social na Rússia em 1905, então ocorreu uma revolução popular contra o czar”. Um aluno levanta a mão. O professor ignora. O aluno chama o professor. O professor, impaciente, diz: “O que é Carlos? Já começa cedo... Não posso nem começar a explicar?”. O garoto se retrai, mas faz a pergunta. “Por que a Rússia estava em crise, professor?”. O professor responde com má vontade: “Tinha uma revolução popular contra o czar e a crise na Rússia aumentou, entendeu?”. O aluno responde: “Não”. O professor: “Ai, Carlos! Tá difícil, heim?”. Fala olhando para a turma. A turma reage à provocação do professor: “É, Carlos, fica quieto, cala a boca. Deixa o professor explicar...”. O professor continua com a “explicação”... Depois de ter lido e repetido o que leu do quadro, pergunta: “Entenderam?”. Silêncio. “Ótimo”, diz o professor. Podem abrir o livro na página 17 e começar a responder a atividade 1 até a 3. O professor senta à sua mesa e espera, a qualquer momento, o barulho do sinal... O trecho citado demonstra uma típica rotina de escola. Mas será que essa rotina está contribuindo para que o aluno aprenda? O que Piaget nos fala sobre como as pessoas aprendem? Para Piaget (1958; 1964; 1974; 2003), tudo o que o aluno vai aprender depende de seu nível de desenvolvimento cognitivo. Esses níveis, estágios ou formas vão caracterizando as possibilidades de relação com o 16 Psicologia da Educação meio ambiente. A cada momento de seu desenvolvimento, o homem interpreta e resolve os problemas de sua realidade de maneira diferente. O desenvolvimento cognitivo começa quando nascemos; não está dado antes do nascimento. Isso significa que a nossa inteligência vai sendo construída lentamente a partir de nossa interação com o meio físico e social. É por isso que Piaget é INTERACIONISTA. A ação do aluno é aqui fundamental! Não a ação de cópia, mas a ação física ou mental sobre o conteúdo apresentado pelo professor. O aluno precisa fazer algo com o conteúdo que o professor apresenta. A perspectiva interacionista entende o processo de desenvolvimento humano a partir da interação com o meio físico e social. Nessa perspectiva, todas as funções humanas desenvolvemse pela interação. O raciocínio, por exemplo, não se desenvolve sem a interação com um meio ambiente. Você sabia que a cognição, para Piaget, representa as diferentes atividades da mente humana? É isso mesmo! Memória, atenção, raciocínio, representação... são atividades da mente. O que o aluno vai fazer com o conteúdo apresentado pelo professor precisa ser primeiro assimilado e depois acomodado pelo aluno. ASSIMILAÇÃO e ACOMODAÇÃO são dois mecanismos complementares e indissociáveis que estão envolvidos no desenvolvimento e na aprendizagem do aluno (PIAGET, 1936; 1983). O desenvolvimento intelectual é o resultado de um equilíbrio progressivo entre assimilação e acomodação. Como isso se expressa na sala de aula? Primeiro, é necessário que o aluno integre a informação nova à estrutura de conhecimentos que possui. Os alunos sempre trazem uma série de conhecimentos fruto de sua interação com o meio físico e social. Ao mesmo tempo, têm também uma determinada capacidade de pensar sobre esses conhecimentos. Como fica isto então na atividade do aluno? Quando o aluno se esforça por entender o conteúdo apresentado pelo professor, vai primeiro interpretar o conteúdo novo tomando como referência a sua compreensão de mundo, os conhecimentos que já tem. Para interpretar o mundo, usamos o que já está disponível, e o que está 17 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR disponível já foi construído a partir de interações anteriores. A esse movimento denominamos de ASSIMILAÇÃO. A assimilação refere-se à incorporação de um dado novo à estrutura de conhecimento do sujeito. Ela sempre vem antes quando pensamos em um avanço. É por essa razão que nos surpreendemos muitas vezes com as colocações de nossos alunos que estão muito distantes daquilo que apresentamos a ele. Ele está tentando assimilar e, para isso, tenta entender o novo a partir do velho conhecimento que possui. Piaget (1964) expressa que o desenvolvimento vem sempre antes da aprendizagem porque, para aprender, o sujeito precisa antes de tudo assimilar. Isso pela simples razão de que o desenvolvimento se dá em um processo e não é simplesmente um percurso de novos inícios e nem uma soma de informações. Ao assimilar, o sujeito começa a tornar um conhecimento significativo para ele, começa a incorporá-lo. No caso do aluno, ele interpreta e entende o conteúdo a partir das possibilidades cognitivas que tem. O fato de assimilar não garante ainda uma nova compreensão ou um avanço no desenvolvimento de sua inteligência. É preciso também acomodar. Aliás, a assimilação é sempre balanceada pela ACOMODAÇÃO no referencial piagetiano. A acomodação representa o ajuste ou mudança do sujeito às provocações do meio. No caso do aluno, por exemplo, ele modifica a sua maneira de pensar a partir de sua ação. Não é a cópia que caracteriza essa mudança, mas a transformação do sujeito a partir da provocação do meio. Assim, o meio provoca o sujeito, mas é o sujeito que age em resultado da provocação e integra a nova informação ao conjunto de conhecimentos que possui. Pode-se dizer, então, que, por melhor que seja o professor, é o aluno que aprende, porque precisa assimilar e acomodar. O equilíbrio entre assimilação e acomodação constitui o que Piaget chama de ADAPTAÇÃO. A adaptação é um processo ativo, dinâmico e contínuo, no qual a estrutura hereditária do organismo interage com o meio externo com vistas a reconstituir-se no sentido de um todo novo e significativo para o sujeito. Não tem nada a ver com passividade. No caso do exemplo apresentado no início, há a necessidade de interagir com os alunos durante a aula para solicitar deles a forma como entendem o que está sendo apresentado como conteúdo e provocá-los para ir mais adiante nessa construção. 18 Psicologia da Educação Se o aluno não tenta entender primeiro o novo conteúdo a partir dos conhecimentos que tem, estará simplesmente tentando decorar algo que não tem sentido para ele. Como resultado, logo esquecerá o que foi simplesmente memorizado sem compreensão. A situação de sala de aula descrita anteriormente não é a mais adequada para levar os alunos a interagir com conhecimentos, porque se apresenta como aula tão somente expositiva, exigindo muito pouco a atividade reflexiva do aluno. No exemplo, quando um dos alunos começa a integrar as informações trazidas pelo professor, sua curiosidade é impedida pelo professor e pelos colegas. Infelizmente, essa é uma situação que verificamos muito em sala de aula. Falta trazer o aluno para a discussão. Perguntar-lhe como está entendendo o conteúdo ou como o explica a partir de sua realidade. É preciso que o aluno confronte suas concepções com as apresentadas pelo professor. Perceba a diferença entre a forma como entende e a forma apresentada pelo professor para poder rever as suas concepções. Isso é solicitar a atividade do aluno. Uma noção piagetiana importante para o trabalho em sala de aula é a de CONFLITO COGNITIVO. O conflito cognitivo (PIAGET; GRÉCO, 1974) é interno ao aluno e significa a contradição entre a forma como o ele entende a realidade e o que está sendo apresentado pelo meio a que ele pertence. Não adianta o professor dizer que o que o aluno diz é o contrário do que está ensinando. É o aluno que precisa chegar a essa conclusão para poder avançar. O conflito cognitivo é condição para a mudança consciente, por isso a aula precisa ser dialogada. O aluno precisa ter voz na sala de aula. Despejar uma quantidade excessiva de informações sobre os alunos não leva a lugar nenhum, porque é preciso tempo para assimilar e acomodar. Uma vez acomodado, o material estará disponível para novas assimilações. É por isso que o processo de construção de conhecimentos no sujeito não tem fim e depende das assimilações e das acomodações que vai conseguindo realizar. Por que o aluno não pode só acomodar? Porque a acomodação depende da incorporação prévia do conhecimento aos esquemas que o sujeito possui. Sem a assimilação anterior, tem-se sempre um novo começo, não um enriquecimento e ampliação do conhecimento anterior. Para Piaget, não há grandes saltos no desenvolvimento cognitivo. Ele se processa a partir de uma sequência que ocorre a partir de um nível imediatamente inferior. Esquema é a menor unidade do conhecimento. É aquilo que se generaliza 19 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR da ação e pode ser utilizado em outras construções. Um conjunto de esquemas dá origem a estruturas. O avanço no processo de construção tanto das estruturas do conhecimento como da realidade sempre vai do estágio sensório-motor e do pré-operatório ao operatório concreto e operatório formal. Essa sequência será descrita adiante. Na visão piagetiana, a adaptação e a organização constituem os invariantes funcionais do desenvolvimento cognitivo. São elas que permitem esse desenvolvimento. Por meio da organização, há a integração do que é adaptado a um sistema coerente. A adaptação e a organização se referem ao plano estrutural e ao plano funcional do desenvolvimento cognitivo. Para Piaget (1974a; 1974b; 1983a), o desenvolvimento cognitivo ocorre por meio da construção de estruturas do conhecimento que, por sua vez, compõem-se de esquemas práticos e conceptuais. As estruturas permitem entender a realidade e resolver problemas nessa realidade. Estruturas são sistemas de transformação, porque, no modelo piagetiano, é só pela atividade transformadora do sujeito que ele constrói sua inteligência e a sua realidade. Até agora, vimos que Piaget tem muito a dizer sobre como as pessoas se desenvolvem e aprendem. Vimos que a aprendizagem depende sempre do desenvolvimento. Piaget (1964; 1983a) se interessou pelo estudo do processo de desenvolvimento das estruturas do conhecimento. O desenvolvimento dessas estruturas está ligado à embriogênese, ao desenvolvimento do corpo e de todas as suas funções, que só se completa na adolescência. O desenvolvimento, assim como a aprendizagem, depende de dois processos: a assimilação e a acomodação. Ambos levarão a uma nova adaptação. Adaptação e organização são invariantes funcionais e estão presentes tanto na construção das estruturas do conhecimento como da realidade. Em sala de aula, é preciso estimular o pensamento dos alunos, dando-lhes voz para exteriorizá-lo e para apresentar outras perguntas que possam contribuir para a necessidade de rever conhecimentos e construir conhecimento novo. No exemplo apresentado no início desta unidade, observa-se que Carlos se interessa pelo conteúdo e quer ir além do apresentado pelo professor, ao que o professor responde com censura, exatamente o oposto do que faria o professor que se fundamenta nas ideias de Piaget. 20 Psicologia da Educação Agora se pode entender por que Piaget considera o processo de desenvolvimento da inteligência ou da cognição paralelamente ao processo de construção da realidade. O que isso significa? Significa que compreendemos a realidade na medida em que construímos a nossa inteligência. Assim entendemos por que a criança pequena entende a realidade de forma diferente da criança de oito anos e do adolescente. As estruturas estão em construção e permitem interpretar e resolver problemas da realidade. Dependendo das estruturas que são ativadas, a realidade é entendida de maneira ingênua e simples ou, ao contrário, em sua complexidade. Segundo Piaget, ao construir o objeto, o sujeito constrói a si mesmo. O que você entende por essa afirmativa? Na sala de aula, o conteúdo é o objeto do conhecimento. Ao ser instigado a pensar sobre esse conteúdo e, principalmente, ao atuar sobre ele, o sujeito está ativando a construção de sua inteligência que, para Piaget, pode ser entendida como construção das estruturas do conhecimento. Portanto, forma e conteúdo se relacionam nesse processo. A forma diz respeito às estruturas e o conteúdo ao funcionamento do sujeito em relação a um objeto específico e contando com suas estruturas. Mas as estruturas não são inatas, dependem, para a sua construção, da construção da realidade, a qual está impregnada de conteúdos. O que acabamos de dizer refere-se a uma das mais importantes contribuições de Piaget (1936; 1937): a de que a inteligência constrói-se paralelamente à construção da realidade. Ao conhecer o real por meio de suas ações, o sujeito está construindo ao mesmo tempo a sua inteligência. Segundo Piaget, a inteligência não nasce com a gente, ela se constrói lentamente a partir da interação com o meio. Como o professor pode contribuir nesse processo? 21 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 1.2 FATORES RESPONSÁVEIS PELO DESEN VOLVIMENTO COGNITIVO Como aquilo que conseguimos aprender tem a ver com o nível de desenvolvimento cognitivo, é importante que o professor conheça o que Piaget (1958; 1964; 1965) indica como fatores responsáveis pelo desenvolvimento da inteligência. Piaget enumera quatro fatores fundamentais para essa construção: a maturação, a experiência física, a interação e transmissão social e o processo de equilibração. Todos são igualmente importantes, mas um integra os demais: o processo de equilibração. A maturação orgânica é uma condição de possibilidade do organismo de se desenvolver. Envolve o desenvolvimento neurofisiológico. Não pode ser entendida como único fator responsável pela inteligência, porque sem a experiência, a interação social e o processo de equilibração não há desenvolvimento cognitivo. No entanto, a maturação é indispensável, porque mesmo com a presença dos outros fatores, o não-desenvolvimento da maturação vai ser determinante é o que explica, por exemplo, o fato de um bebê não conseguir compreender álgebra linear. A experiência com objetos (ou experiência física) é outro fator fundamental na visão piagetiana. Para o desenvolvimento da inteligência, é indispensável a atuação sobre os objetos. Piaget distingue aqui dois tipos diferentes de experiência: a experiência física e a experiência lógicomatemática. A experiência física diz respeito à atuação sobre os objetos e o conhecimento de suas propriedades por meio da abstração física. Por exemplo, ao tocar em um objeto, podemos perceber que ele é gelado ou quente. Já a experiência lógico-matemática leva a um conhecimento a partir das coordenações de minhas ações e necessita de uma abstração reflexionante. A abstração reflexionante (PIAGET, 1977a; 1977b) é o resultado de um conhecimento advindo da coordenação das ações exercidas pelo sujeito sobre o objeto. Esse conhecimento não está no objeto, mas no sujeito que pensa. Por exemplo, o conhecimento de que há objetos mais quentes e objetos mais gelados do que outros não está no objeto, mas na mente do sujeito que pensa, e depende do estabelecimento de relações. A abstração reflexionante envolve o reflexionamento e a reflexão. O 22 Psicologia da Educação reflexionamento constrói em um plano superior o que foi construído no plano da ação. Já a reflexão refere-se a um reflexionamento de segundo grau ou a uma tematização em um plano superior do que foi construído por meio da coordenação das ações. A experiência, por si só, não explica o desenvolvimento, porque requer, para a sua compreensão, a maturação, além dos outros fatores. Mas a experiência é indispensável, porque sem ela não há o conhecimento de objetos. Por exemplo, a criança pequena pode fazer inúmeras experiências com diferentes objetos, mas o conhecimento que retira delas corresponde ao nível de seu desenvolvimento intelectual, que envolve também a maturação, a interação e transmissão social e, sobretudo, o processo de equilibração. A interação e transmissão social dizem respeito à importância das interações com as outras pessoas e do conhecimento a que temos acesso a partir delas para o desenvolvimento da inteligência (PIAGET, 1958; 1965). Não é o único fator, porque mesmo interagindo com inúmeras pessoas e tendo acesso a toda sorte de conhecimentos, sem a maturação, por exemplo, o sujeito não irá entender o que está sendo dito e apresentado. Por outro lado, esse é um fator indispensável, porque mesmo tendo maturação, experiência e o processo de equilibração, o nível de desenvolvimento dependerá sempre do acesso a conhecimentos em um determinado meio social e cultural. Esse fator está relacionado a atrasos e acelerações no desenvolvimento. Contando apenas com a maturação, a experiência e a interação social, ainda não é possível explicar o desenvolvimento cognitivo para Piaget. Há a necessidade de um fator integrador, e este é o processo de equilibração. As construções que o sujeito vai fazendo ao longo de sua vida só são possíveis pelo processo de equilibração. Esse processo autorregulador do organismo permite a busca de um novo equilíbrio a partir de uma situação de desequilíbrio cognitivo. Ao longo de sua existência, o sujeito vai realizando inúmeras adaptações, que podem ser entendidas como estágios temporários de equilíbrio. Eles logo são contrabalançados por situações que representam desequilíbrios cognitivos, que podem ser entendidos como incompreensões, situações com as quais não sabemos lidar. O processo de equilibração representa esse percurso de equilíbrios e desequilíbrios em vários níveis. Ele integra os fatores de maturação, experiência e interação social e possibilita uma resposta do sujeito às diferentes situações da vida. Não é possível visualizar esse fator, de modo que, para entendê-lo, pode-se pensar no quanto, às vezes, lemos uma mesma obra e só muito tempo depois 23 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR entendemos seu real significado, por vezes em um contexto bem adverso ao da leitura de um livro. Outro exemplo é o da criança que tem significativo acesso à cultura e a um método adequado para a alfabetização, mas só depois das férias apresenta um surpreendente avanço em seu domínio da linguagem escrita. Conhecer os quatro fatores descritos nos permite entender a dinâmica entre desenvolvimento e aprendizagem na teoria piagetiana. Como é a evolução dessa dinâmica? É o que se discute na sequência. 1.3 A CONSTRUÇÃO DAS ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO A partir da interação do sujeito com o meio físico e social, ocorre a construção das estruturas do conhecimento ou da inteligência. Piaget distingue quatro conjuntos de estruturas que se desenvolvem em movimento como o de uma espiral evolutiva (equilibração majorante): as sensóriomotoras, as pré-operatórias, as operatórias concretas e as operatórias formais. Para Piaget (1994), inteligência e afetividade constroem-se paralelamente, assim como a moralidade. A equilibração majorante, ou o processo de desenvolvimento de uma nova forma de equilíbrio mais ampliada, explica a passagem de um conjunto de estruturas ao outro. Nessa ultrapassagem, o novo integra o que foi construído em um patamar inferior e o ultrapassa. No entanto, coexistem, também, formas próprias de estruturas mais elementares, podendo estas ser ativadas dependendo da situação. É o caso, por exemplo, do adulto que em determinada situação responde com características do operatório concreto ou do pré-operatório, quando já apresenta raciocínio operatório formal. As primeiras estruturas, as sensório-motoras, desenvolvem-se desde o nascimento. A assimilação ocorre a partir dos reflexos inatos, que o bebê utiliza para interagir com o meio. Os reflexos se prolongam, formando os primeiros esquemas, como o de sugar e o de agarrar. Estes se combinam por meio da ação interativa com o meio. Por exemplo, quando o bebê 24 Psicologia da Educação nasce, apresenta o reflexo de sugar que se adapta ao mamilo da mãe. Ao passar para a mamadeira, o bebê necessita fazer outra adaptação. Primeiro assimila o bico da mamadeira como se fosse o bico do seio e lentamente vai se acomodando ou se ajustando ao novo objeto por conhecer: o bico da mamadeira. Uma vez adaptado, o bebê utilizará esse conhecimento para novas adaptações, como quando inicia com a comida de colher. Primeiro assimila a colher como se fosse o bico da mamadeira e só lentamente vai se ajustando ou se acomodando ao seu formato. Assimilação e acomodação explicam desde o início os avanços do sujeito. A partir das ações do bebê, é construída a primeira noção de objeto permanente, de tempo, de espaço e de causalidade. Na construção dessa primeira forma de inteligência, a criança pequena se utiliza dos sentidos e de seus movimentos. No início não distingue o que diz respeito ao corpo dela e o que pertence ao meio, estando presa em uma espécie de egocentrismo físico. A inteligência sensório-motora, não-socializada, caracteriza-se por reflexos, instintos, primeiros hábitos, percepções diferenciadas e estruturas sensório-motoras. Já no domínio afetivo, encontramos a construção de sentimentos intraindividuais que acompanham todas as ações (tendências instintivas, emoções, prazeres e dores relacionados às percepções, sentimentos de agrado e desagrado), assim como regulações elementares, marcadas por sentimentos de êxito ou fracasso. Quanto ao desenvolvimento da moralidade, não há ainda noção de limites. A criança está em uma fase denominada de anomia: ausência de regras conscientes. As estruturas sensório-motoras são construídas do nascimento até aproximadamente dois anos e se caracterizam por uma inteligência prática, que se define pelo uso (PIAGET, 1936). Seguindo os fatores responsáveis pelo desenvolvimento cognitivo, na fase sensório-motora o bebê necessita interagir com diferentes objetos de cores, texturas, sons, gostos e formatos diferenciados. É preciso instigá-lo para experimentar novos movimentos e reconhecer os objetos a partir dos sentidos, porque é por esse canal que as primeiras construções cognitivas se estabelecem. Por outro lado, requer-se a interação significativa com um ou dois adultos que interajam mais próximos à criança e a iniciem no conhecimento dos objetos do mundo. A segurança do bebê depende desse contato mais próximo com algumas pessoas que se dediquem a ele de forma responsável e da existência de certas regularidades, como hora de comer, de dormir e de passear, entre outras. Essas regularidades do meio vão ser o precursor das futuras regras e normas. No plano estrutural, a inteligência prática, que pode 25 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR ser entendida como uma adaptação, se define por uma indiferenciação entre a assimilação e a acomodação. O que é assimilado o é no momento em que é acomodado e vice-versa. A lenta construção do segundo grupo de estruturas, as estruturas pré-operatórias, inicia-se em torno dos dois anos, com o aparecimento da capacidade de representação simbólica. Mas o que isso significa? Significa que as ações do sensório-motor podem ser agora interiorizadas. É por isso que podemos dizer que o estágio pré-operatório pode ser entendido como o de uma inteligência prática interiorizada e não-reversível. É o início do pensamento na criança e da inteligência verbal. A capacidade de representação se expressa na linguagem, no jogo simbólico, na imitação, no sonho, no desenho, na imagem mental. A criança é agora capaz de retomar o que foi feito em outra ocasião. Um fato importante é o aparecimento da linguagem. Com a linguagem, amplia-se a capacidade de interação e comunicação, levando à possibilidade de exteriorização da vida interior e, assim, de corrigir ações futuras. A criança já antecipa o que vai fazer. Muitas características correspondem a esse período de 2 a 7 anos, aproximadamente (PIAGET, 1937; 1978). Uma das principais características é o egocentrismo psíquico ou tendência a relacionar tudo ao seu próprio ponto de vista, como se fosse o centro do universo, juntamente com os outros homens. Tudo o que foi criado, foi criado para o homem, expressão de um antropocentrismo. É por essa razão que a criança se imagina até dominando os fenômenos da natureza. Por exemplo, se desejar que chova, vai chover. Essa característica leva a uma incapacidade de se colocar no lugar do outro e de entendê-lo como tendo desejos e necessidades diferentes dos seus. A criança quer a proximidade de outra, mas tem dificuldade em desenvolver um trabalho conjunto ou integrar a ideia do outro à sua própria construção. É o que se observa nas crianças menores: estão juntas, brincam juntas, mas cada uma da sua maneira. Esse egocentrismo vai apresentar diferentes manifestações, como o artificialismo, quando a criança crê que os homens criaram os fenômenos naturais. Pensa, por exemplo, que as montanhas e as árvores foram criadas pelos homens. Outra manifestação do egocentrismo infantil é o animismo. Com ele, a criança dá vida humana a animais, a objetos e a outros seres. Por isso se encanta com estórias em que plantas têm sentimentos humanos, animais falam e objetos podem sentir dor, prazer, como ela própria. 26 Psicologia da Educação O realismo é mais uma característica do egocentrismo infantil. A criança tem dificuldade em entender que retratos, palavras, sonhos e sentimentos indicam apenas um ponto de vista; ela acredita que existam objetivamente. Acredita, por exemplo, que os nomes são parte da coisa nomeada e quanto maior for a palavra, maior será o objeto que nomeia. O raciocínio da criança pré-operatória não se baseia na lógica, mas na proximidade dos fatos. A criança imagina uma relação causal entre fatos que ocorram juntos. Por exemplo, o carro anda porque tem estrada ou porque foi tocada a buzina. A essa característica Piaget denomina raciocínio sincrético. Uma das mais importantes características do pré-operatório é o jogo simbólico, onde se observa um predomínio da assimilação sobre a acomodação. No jogo simbólico ou no jogo do faz-de-conta, a criança se utiliza de um significante para dar-lhe outro significado. Por exemplo, um objeto pode representar outra coisa, para além de seu significado coletivo: uma pedra pode ser um carro, a criança pode ser um super-herói ou uma fada e assim por diante. O jogo simbólico é uma das principais características do desenvolvimento infantil, porque, por meio da imaginação e da criatividade, a criança cria um mundo novo ainda não experimentado por ela, mas movido por seus desejos. Para brincar de faz-de-conta, é necessária uma inteligência representativa que antecede a racionalidade e que permite a relação entre significantes e significados. É por isso que dizemos que há um predomínio da assimilação, porque mais ênfase é dada à incorporação do dado novo aos esquemas e estruturas do sujeito e menos à acomodação ou ajuste do sujeito à realidade. Outra característica importante do pré-operatório é a imitação. A capacidade de imitação implica uma retomada do que foi feito pela ação, mas ainda não há a incorporação do que é imitado ao repertório do sujeito, possibilitando generalizações. A criança imita por imitar. Por isso, Piaget entende a imitação como um predomínio da acomodação ou ajuste do sujeito ao objeto sobre a assimilação. A imitação também é uma manifestação da capacidade humana de representação que antecede a operação (ação mental reversível), essência do conhecimento para Piaget. Assim, na inteligência pré-operatória já há a necessária diferenciação entre a assimilação e a acomodação, mas ainda não há o seu equilíbrio. Ora há o predomínio da assimilação, como no jogo simbólico, ora há o predomínio da acomodação, como na imitação. Ambos 27 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR preparam o aparecimento da operação. Tanto o jogo simbólico como a imitação devem ser estimulados no período pré-operatório. E isso de diferentes maneiras: trabalho com linguagens, desenho, teatro, brincadeira de faz-de-conta, jogos, música, dança e brincadeira livre. É importante que a criança crie seu enredo a partir de suas necessidades. Essas atividades estarão relacionadas ao desenvolvimento de outro conjunto de estruturas: as estruturas operatórias concretas. O jogo simbólico e a imitação são as principais atividades do pré-operatório, e devem ser estimuladas. A criança está se apropriando lentamente de sua realidade basicamente a partir dessas atividades nesse período. Nelas, retoma mentalmente tudo o que foi praticado na ação prática, consistindo em uma inteligência representativa. Devemos, enquanto educadores, solicitar de inúmeras formas essa capacidade de representação: contar estórias, representálas, imaginar outros personagens, outros desfechos da estória, dançar, fazer teatro, desenho, música, pintura, escultura, brincar com a linguagem, com trava-línguas e muitas outras atividades podem estar contribuindo para o desenvolvimento da inteligência da criança nesse período (STOLTZ, 2008, p. 33) No aspecto afetivo, a criança pré-operatória manifesta sentimentos interindividuais construídos a partir do intercâmbio afetivo entre as pessoas e para além dos sentimentos ligados ao próprio sujeito (STOLTZ, 2007). Esses se manifestam por afetos intuitivos que se expressam por sentimentos sociais elementares, com expressão dos primeiros sentimentos morais. A moral que se estabelece durante o período pré-operatório é uma moral heterônoma, onde o certo e errado são dados por uma autoridade externa ao sujeito. A moral heterônoma antecede a moral autônoma, que possibilita ao sujeito determinar os caminhos de sua formação por si mesmo (PIAGET, 1977; STOLTZ, 2006). Na moral heterônoma, os sentimentos morais da criança refletem a vontade do adulto significativo. A moral heterônoma (ou moral da obediência) estabelece como critério de bem e mal a vontade dos adultos (PIAGET, 1977). Há, portanto, a necessidade de o educador não abusar de sua autoridade. A relação entre o adulto e a criança deve sempre considerar o diálogo e o respeito para que contribua na superação da moral heterônoma e para a construção da moral autônoma. A educação deve fomentar as relações entre as crianças, promovendo o conhecimento e o intercâmbio entre elas. A estimulação da cooperação entre iguais, por meio do trabalho em pequenos grupos, auxilia na diminuição da coação externa e no aumento da autonomia. 28 Psicologia da Educação No perríodo pré-operatório, a criança é capaz de pré-conceitos (por exemplo, um representante da classe é tomado como a classe inteira). Próximo dos 2 anos, a criança tende a acreditar, por exemplo, que o cachorro que vê é o mesmo que viu em outro local bem distante. Após os 4 anos iniciam-se conceitos intuitivos, que reconhecem classes pela semelhança, mas não contando, ainda, com argumentos lógicos. As classificações das crianças pré-operatórias de mais idade são baseadas, geralmente, em um só critério. Há a dificuldade de considerar mais de um critério, como, por exemplo, ao separar triângulos vermelhos e de três lados iguais (equiláteros). É preciso estimular o pensamento da criança para a organização de diferentes classificações e relações, preparando-a para o advento das operações. FIGURA 2 FONTE: http://www.sxc.hu/photo/1194108 O que falta à criança pré-operatória? Falta a capacidade de estabelecer relações a partir de uma lógica racional. Essa criança apresenta-se, na linguagem piagetiana, como não-conservante e marcada por um pensamento não-reversível. A conservação é a necessidade lógica de consideração de certos atributos nas diferentes transformações de um objeto. Por exemplo, se tomamos duas quantidades iguais de massa de modelar e modelamos uma em formato de bola e a outra em formato de salsicha, pode até parecer que na salsicha tem mais massa, mas na realidade a sua quantidade não se altera pela mudança na forma. A criança pré-operatória tem muita dificuldade em atividades como essa, porque o seu raciocínio está preso à sua percepção imediata, ao imediatamente visível e perceptível. Por isso ela é nãoconservante. Outro exemplo que poderíamos citar aqui é o do copo de leite. Se despejarmos uma mesma quantidade em dois copos iguais e depois mantivermos um copo com a mesma quantidade e despejarmos o conteúdo do outro em um copo de formato diferente, a criança acredita que muda a quantidade de líquido para beber, só porque o nível de leite no copo de formato diferente é outro. 29 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR O pensamento não-reversível da criança pré-operatória é fácil de ser reconhecido. Ela não consegue retornar mentalmente ao ponto de partida de uma transformação de um objeto. Por exemplo, na transformação da massa de modelar, a criança não consegue apresentar mentalmente como argumento da conservação de quantidade de massa a reflexão de que era uma bola antes de se tornar salsicha e, por isso, a quantidade só poderia ser a mesma. Reversibilidade e conservação são as características do pensamento racional, que só se apresentam no operatório concreto. Aqui, no pré-operatório, ocorre a preparação para o aparecimento da operação, que é justamente a capacidade de retornar mentalmente ao ponto de partida e de se apropriar do processo de transformação. Operar é transformar. Como educadores, podemos contribuir para o desenvolvimento da capacidade de operar ao solicitar a atividade do aluno voltada à reflexão sobre o processo de transformação que levou a dado conhecimento. As estruturas operatórias concretas desenvolvem-se a partir das préoperatórias e acrescentam a reversibilidade à inteligência interiorizada préoperatória (PIAGET; SZEMINSKA, 1941). Aproximadamente dos 7 anos até em torno dos 12 anos, a criança é capaz de operar em sua realidade concreta a partir da lógica das classes e das relações. Conservação e reversibilidade são as suas principais características. Por exemplo, quando descobre que errou ao realizar uma operação, é capaz de rever todo o processo realizado para identificar o erro e refazer o percurso, seguindo dos resultados aos meios. A conservação permite à criança entender conceitos como, por exemplo, o de fruta, cuja essência envolve várias frutas de formatos bem diversos, como a jaca e a pitanga. A primeira conservação é a de substância, depois surge a conservação de peso e, por fim, a conservação de volume. A capacidade da criança de estabelecer relações lógicas permite-lhe a coordenação de pontos de vista diferentes, diferentemente do egocentrismo intelectual e social ou da centração em si mesma do período pré-operatório. No período operatório concreto, a criança consegue coordenar diferentes pontos de vista e integrá-los de modo lógico e coerente (PIAGET, 2003). Mas a capacidade de reflexão se manifesta a partir de situações concretas. Essa capacidade de pensar antes de agir, considerar vários pontos 30 Psicologia da Educação de vista, lembrar o passado e antecipar o futuro aparece considerando a história de interações vividas pela criança, não ainda no plano hipotéticodedutivo. Como educadores, podemos também estimulá-la a pensar baseada em hipóteses. Tudo aquilo que a criança não conseguia fazer no período préoperatório passa a ser agora possível, como formar o conhecimento de número, estabelecer sequências de ideias e eventos, estabelecer relações de causa e efeito. No que diz respeito ao domínio afetivo, observa-se no operatório concreto o aumento de uma autonomia na ação em relação ao adulto, levando a criança a organizar os seus próprios valores morais. Surgem, assim, sentimentos morais autônomos, com intervenção da vontade nos dilemas entre o dever e o prazer, por exemplo. As crianças são capazes de elaborar as suas próprias regras. Com a descentração, o grupo vai crescendo em importância para a criança, e satisfaz, cada vez mais, suas necessidades de afeto. No final do período operatório concreto, a criança pode vir a se contrapor frontalmente ao adulto. A capacidade de cooperar, a partir da diminuição do egocentrismo, possibilita a integração e coordenação de novas ideias às ideias próprias. Surgem sentimentos morais, como o respeito mútuo, a honestidade e a justiça, que consideram a intenção da ação e não o seu resultado. Por exemplo, ao manchar uma toalha de mesa sem querer, a criança não acha que deva ser punida (PIAGET, 1977). A construção das estruturas operatório-formais amplia a capacidade das operações concretas. As operatório-formais começam a aparecer no início da adolescência, com o término da construção das estruturas concretas, em torno de 11 e 12 anos. Aqui o adolescente é capaz de exercer as operações mentalmente, sem necessitar do concreto, subordinando o real ao mundo dos possíveis. As construções podem agora partir do pensamento hipotético-dedutivo e basear-se em proposições. Esse é o pensamento que guia o cientista na elaboração de uma nova teoria. As estruturas operatório-formais permitem inúmeras construções e são as últimas que se desenvolvem no sujeito a partir da interação com o meio. Há, portanto, fechamento no plano estrutural e ilimitadas possibilidades de construção no plano funcional. Essas estruturas indicam o mais elevado nível de desenvolvimento cognitivo do adolescente e do adulto. Por exemplo, ao abordar um problema, o sujeito varia cada vez uma das variáveis implicadas 31 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR na sua causa, mantendo outras variáveis constantes, no sentido de verificar a influência da variável manipulada na produção de um resultado (PIAGET, 1970). O grupo matemático INRC, representando identidade, negação, reciprocidade e correlação, é o que caracteriza melhor as possibilidades de combinação que o pensamento operatório formal é capaz de realizar. Por que muitos adolescentes e adultos não apresentam características do pensamento operatório formal? Trabalhando com adultos e adolescentes, verificamos que nem sempre seu raciocínio indica características do pensamento do cientista. Na verdade, ao lado de raciocínios operatórioformais coexistem raciocínios mais simples, baseados em características de estruturas inferiores, como concretas, pré-operatórias ou até sensóriomotoras. Como se explica isso? Piaget elaborou uma epistemologia e a denominou de epistemologia genética, que significa estudo do conhecimento a partir de sua gênese. Ele estava preocupado em saber como se dá o desenvolvimento da inteligência no sujeito. Chegou à conclusão de que o mais alto nível de desenvolvimento das estruturas do conhecimento é o formal, que pode ser generalizado aos mais diferentes domínios. Em tese, a possibilidade de manifestação em um campo abre a possibilidade de manifestação em todos os outros. Mas, no plano do funcionamento psicológico, da resolução de problemas da realidade, vemos que isso não se dá de imediato, automaticamente. A exteriorização do pensamento formal depende das interações do sujeito com os diferentes domínios e do tipo de interação nesses domínios. FIGURA 3 FONTE: http://www.sxc.hu/photo/1200271 32 Psicologia da Educação Piaget diz (1970) que é possível que o pensamento formal se manifeste apenas nos domínios em que o sujeito interaja mais e exerça a sua profissão ou especialidade. Em tese, dadas as condições do meio para o desenvolvimento dessas estruturas, elas iniciariam seu desenvolvimento no início da adolescência. O mais importante a ser observado, como professor, é a sequência do desenvolvimento dessas estruturas, mais do que a idade de seu aparecimento. Essa sequência inicia pela ação, passa pela representação e chega à operação concreta e formal. Nesse sentido, acreditamos ser importante obedecer a essa sequência no trabalho com um novo domínio de conteúdos em sala de aula, porque o pensamento operatório-formal exige construções anteriores para o seu aparecimento. Por exemplo, temos que partir verificando indícios do conteúdo novo no contexto social e cultural vivido pelo sujeito, para que ele possa ser percebido como significativo no plano sensível. Na sequência, levarmos o sujeito a representar o que entende por aquele conteúdo e depois a estabelecer relações com outros objetos de conhecimento vinculados, primeiro, ao seu mundo concreto e, depois, ao plano das ideias. Essa sequência aponta para a reconstrução das estruturas em um domínio específico. Como fica o desenvolvimento da afetividade desse adolescente? A partir das operações formais, sentimentos interindividuais se combinam com sentimentos envolvendo ideais coletivos. O adolescente é capaz de lidar com conceitos como liberdade, justiça, solidariedade etc. No início da adolescência observa-se a retomada de uma espécie de egocentrismo, que coloca o adolescente como centro de atenções. O adolescente vive conflitos. Deseja tornar-se independente em relação ao adulto, mas ainda depende dele. Próximo à idade adulta, começa a eleger um conjunto de regras e de valores pelos quais vive e se mantém leal. Ocorre a afirmação da vontade. A capacidade de realizar abstrações e generalizações o leva a fazer deduções de simples hipóteses e a lutar por elas. A autonomia moral e intelectual só é possível a partir do operatório formal. Segundo Piaget, esse é o objetivo da educação. No plano estrutural, essa autonomia A evolução da inteligência e da afetividade está na descentração do indivíduo, que se inicia no operatório concreto. No que se refere à afetividade, é a partir do contato com o outro que o sujeito constrói os primeiros sentimentos interindividuais, para além dos sentimentos restritos ao próprio sujeito. Para Piaget (1977), quanto maior o autoritarismo do meio, maior a vigência de egocentrismo e impedimento do desenvolvimento da autonomia, 33 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR característica do indivíduo descentrado. Quanto mais autônomo o sujeito, maior é a sua capacidade de articular o pensamento próprio ao pensamento do outro, sem se submeter a ele. Por isso a capacidade de socialização do adolescente e do adulto saudável é, em tese, maior. Piaget delega aos pedagogos a tarefa de verificação da cooperação como processo educativo. Stoltz (2007), Guimarães e Parrat-Dayan (2007) e Stoltz (2008) propõem a interação social cooperativa que estimule o processo de tomada de consciência de noções específicas. “A interação deve estimular a reflexão sobre a reversibilidade física e mental envolvendo atividades relativas a pessoas e atividades relativas a outros objetos” (STOLTZ, 2007, p. 34). Esse movimento implica um processo dinâmico do fazer ao compreender e vice-versa. Uma distinção importante relativa à aprendizagem é entre aprendizagem em sentido lato e aprendizagem em sentido estrito (PIAGET; GRÉCO, 1974). A aprendizagem em sentido estrito está relacionada a uma situação específica, a uma experiência, a um treino e leva a um conhecimento limitado, restrito àquele conteúdo. Esse tipo de aprendizagem tende a enfatizar os aspectos figurativos do pensamento imitação, percepção, memória, imagem mental e permite o conhecimento de estados, não de transformações. Já a aprendizagem em sentido lato confunde-se com o próprio desenvolvimento, vai estar relacionada aos aspectos operativos do conhecimento, ligados às transformações. Os aspectos operat ivos explicam o processo de transformação que levou a dado conhecimento. Piaget expressa que o que deve ser enfatizado na educação são os aspectos operativos ou o pensar sobre as transformações e não sobre os estados. O conhecimento figurativo leva apenas a uma memorização sem compreensão que logo é esquecida. Como podemos contribuir para o favorecimento da aprendizagem lato sensu? Solicitando sempre relações entre conhecimentos e a atividade do aluno. Por outro lado, podemos apresentar problemas que necessitem do conhecimento científico e ativem a capacidade do aluno de pensar nas relações de sua realidade com o conhecimento, que o levem a pensar de forma ativa e crítica sobre aquele conhecimento científico (STOLTZ, 2008, p. 278). A aprendizagem está, assim, subordinada ao processo geral de equilibração e ao nível de desenvolvimento cognitivo (PIAGET, 1983a). O que ensinar e como ensinar depende do conhecimento do aluno, das suas características e de suas possibilidades de assimilar e acomodar. O trabalho do educador deve ser o de estimular a capacidade do aluno por meio de 34 Psicologia da Educação situações desafiadoras, contando com diferentes materiais e conhecimentos. A curiosidade deve ser o motor de novas construções. Situações-problema desenvolvidas em pequenos grupos e relacionadas ao contexto social e cultural do aluno podem contribuir para o desencadeamento de novas construções cognitivas e afetivas. Mais importante do que pedir ao aluno respostas, a tarefa do educador, baseado em Piaget, consiste em levá-lo a desenvolver novas perguntas. Por isso o ensino pode ser caracterizado como envolvendo uma experimentação ativa. Como você avalia a situação de sala de aula apresetnada no início deste capítulo? Discuta-a tomando como referência o objetivo da educação para Piaget e sua teoria sobre desenvolvimento e aprendizagem. 35 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR REFERÊNCIAS DELVAL, J. Introdução à prática do método clínico: descobrindo o pensamento das crianças. Porto Alegre: Artmed, 2002. GUIMARÃES, S. R. K.; STOLTZ, T. (Orgs.). Tomada de consciência e conhecimento metacognitivo. Curitiba: UFPR, 2008. PIAGET, J. A epistemologia genética. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. _____. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo, sonho, imagem e representação. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. _____. Cognitive development in children: development and learning. Journal of Research in Science Teaching. v. 2, n. 3, 1964, p. 176186. _____. Estudos sociológicos. Rio de Janeiro: Forense, 1965. _____. La naissance de l’intelligence chez l’enfant. Neuchâtel: Delachaux et Niestlé, 1936. _____. La construction du réel chez l’enfant. 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Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2007. 37 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental 38 UFPR Psicologia da Educação UNIDADE 2 A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY 39 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental 40 UFPR Psicologia da Educação 2 A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY Entre os teóricos que são referência hoje na questão da aprendizagem, está Lev S. Vygotsky (18961934). Vygotsky nasceu na Rússia e, em sua breve existência, deixou uma teoria em construção que pretende a superação dos reducionismos mecanicistas e idealistas. A base dessa orientação teórica está no marxismo e no ideário da Revolução Russa de 1917. Vygotsky, assim como Luria e Leontiev, via o homem como ser ativo, resultado de suas interações no contexto social e cultural. Por essa razão é um teórico interacionista. Suas obras foram proibidas na própria Rússia entre 1936 e 1956, por motivos políticos. No Brasil, a influência do pensamento de Vygotsky começa a crescer a partir da década de 1980, principalmente nas áreas da Educação, Psicologia do Desenvolvimento e Psicologia Social. Sua abordagem teórica é também conhecida na Educação e na Psicologia como sociointeracionista ou sócio-histórica. FIGURA 4:: LEV SEMENOVICH VYGOTSKY 41 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 2.1 O HOMEM COMO SER HISTÓRICO Lúcia voltou para casa desanimada. Havia dado quatro aulas seguidas, estava exausta. Na verdade, o que a incomodava era o desrespeito e a falta de consideração dos alunos daquela escola. Tinha aplicado avaliação em uma das turmas. Ficou horrorizada com o resultado. Era como se não tivesse dado dois meses de aula sobre aquele assunto. E ainda teve que escutar de uma adolescente: “Não sei por que perder o meu tempo vindo para esta escola. Não está me ensinando nada...”. O pior era que Lúcia estava vendo que não ensinava nada... Mas, afinal, a escola é importante? Ninguém melhor do que Vygotsky para responder a essa questão. Vygotsky (RATNER, 1995; VAN DER VEER; VALSINER, 1999) entende o homem como se constituindo em um processo histórico, síntese de múltiplas determinações. O que significa isso? Significa que o que o homem vai aprender e desenvolver depende do que for possibilitado a ele conhecer. O humano não está anteriormente dado. É o resultado das interações que o homem vai estabelecendo em um contexto social e cultural bem específico. E mais, essa humanidade do homem está em evolução, o que significa que os instrumentos e a rede de relações sociais que possibilitam o acesso ao conhecimento hoje certamente será outra amanhã e levará a diferente desenvolvimento humano. Vygotsky responderia com muita clareza à situação da professora Lúcia. Se a escola não funciona, não é por culpa dos alunos. É a escola que precisa rever urgentemente o seu papel e a sua forma de atuação. Na perspectiva de Vygotsky (1991; 1994) e Vygotsky e Luria (1996), aprendizagem gera desenvolvimento. Se os alunos não aprendem, estão perdendo em termos de desenvolvimento. Para muitos, a escola é o único espaço de acesso ao saber elaborado, aquele que foi socialmente construído e historicamente acumulado para ser apropriado pelas gerações mais novas. Para que ter acesso ao saber elaborado ou científico? Para desenvolver uma visão crítica da realidade, para não ser explorado. Para ter consciência de direitos e deveres e conseguir viver a sua cidadania. Vygotsky vai mais longe. Para ele, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, aquelas que nos distinguem como seres humanos, só se realizam pelo acesso ao saber elaborado ou o conhecimento científico. Essas funções psicológicas superiores que distinguem o homem de outros animais são o pensamento abstrato, o comportamento intencional, a memorização ativa, a atenção voluntária, a linguagem e a afetividade propriamente humana, entre outras. 42 Psicologia da Educação Essas funções estão em evidente oposição com a de outro grupo de funções, as funções psicológicas inferiores, que partilhamos com os outros animais: sensações, atenção involuntária, memória involuntária e reações emocionais básicas, entre outras. Segundo Vygotsky: o aprendizado geralmente precede o desenvolvimento. A criança adquire certos hábitos e habilidades numa área específica, antes de aprender a aplicá-los consciente e deliberadamente. Nunca há um paralelismo completo entre o curso do aprendizado e o desenvolvimento das funções correspondentes (VYGOTSKY, 1998, p. 126). Seguindo a ideia de que aprendizagem gera desenvolvimento, o fato de uma pessoa ter seu desenvolvimento restrito explica-se pelo tipo de aprendizagem que desencadeou em seu contexto social e cultural. Isso significa que somos muito mais responsáveis uns pelos outros do que pensamos. O que o outro vai desenvolver tem íntima relação com o que o contexto lhe possibilitou aprender. As funções psicológicas superiores precisam estar antes no contexto, externas ao sujeito, para que este possa se apropriar delas mediante aprendizado. Tudo se passa, para Vygotsky (1994), do externo para o interno, das relações entre as pessoas para as relações com o próprio sujeito, dos processos interpsíquicos ou intermentais para os processos intrapsíquicos ou intramentais. “Chamamos de internalização a reconstrução interna de uma operação externa” (VYGOTSKY, 1994, p. 74). E o que permite essa passagem do externo para o interno ao próprio sujeito? O processo de internalização ou a passagem do interpsíquico para o intrapsíquico. Mas o sujeito é ativo nesse processo. Esse processo envolve uma transformação do sujeito a partir de sua negociação com a cultura. Isso significa que o sujeito também influencia o contexto, mas essa capacidade foi desenvolvida nele por um contexto social e cultural. Essa origem social e cultural do homem encontra seus fundamentos na visão do materialismo histórico dialético (MOLL, 1996; OLIVEIRA, 1997; VAN DER VEER; VALSINER, 1999). O conceito principal aqui é o conceito marxista de trabalho. O trabalho é entendido como atividade especificamente humana que transforma a natureza e, ao transformá-la, modifica o sujeito. Nessa transformação da natureza, o homem se vale de 43 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR instrumentos e das relações com outros homens. Atividade e linguagem, entendidas dentro de um contexto histórico e cultural, são as categorias vygotskyanas que explicam o processo de aprendizagem e desenvolvimento. Sendo assim, é a própria vida que determina a consciência e não o inverso. Dentro dessa concepção, tem-se ainda uma visão essencialmente dinâmica do desenvolvimento. Tudo está em permanente movimento e transformação. No desenvolvimento do homem, a relação que era imediata para a satisfação de necessidades tornou-se mediada, isto é, passou a ser ampliada pela intervenção de um elemento na relação homemmundo. Pela necessidade de atuar sobre a natureza para garantir a sua sobrevivência, o homem foi desenvolvendo instrumentos para aprimorar essa relação. Por exemplo, o machado permite que o homem derrube árvores e possa construir casas com elas. Da mesma forma, a linguagem permitiu incrementar as relações entre os homens e a própria evolução humana. A possibilidade da linguagem racional e a possibilidade de desenvolvimento da atividade propriamente humana de trabalho, contando com seu planejamento e execução, determinaram a melhor satisfação das necessidades básicas e a criação de novas necessidades que, por sua vez, exigiram novos instrumentos e novos conhecimentos em um movimento de desenvolvimento da humanização do homem. Os homens são os únicos animais que fazem uso racional de instrumentos enquanto mediadores de sua relação com o mundo. Esta é uma das principais ideias de Vygotsky (2000): a de que a relação homem-mundo é mediada. Essa mediação conta com instrumentos físicos (por exemplo, caneta, serrote, papel, computador, etc.) e instrumentos psicológicos (linguagem como sistema de signos) que vão possibilitar a transformação do contexto e do próprio homem. Por isso a educação é fundamental. A educação vai iniciar a criança nos conhecimentos que a humanidade já construiu, para que ela parta destes para ir mais além e crie outros conhecimentos. A escola também vai permitir o conhecimento e apropriação de diferentes instrumentos, fundamentais para o viver em sociedade. Entre a criança e o mundo há uma cultura que fala deste mundo para ela. Ter acesso ou não a este conhecimento implica em ser incluído ou excluído da sociedade. A mediação vai significar o mundo para a criança. Essa significação é o ponto de partida para a criação de sentidos. Os sentidos envolvem a nossa relação com os significados, que são coletivos. Os significados são o resultado da atividade de um determinado grupo cultural. Por exemplo, o 44 Psicologia da Educação significado de ser rico ou pobre em nossa sociedade capitalista. Os sentidos representam a nossa relação com esse significado: o que é ser rico ou pobre para mim. O sentido depende do contexto e de vivências afetivas. A mediação da cultura vai determinar que o desenvolvimento do homem, de biológico, passe a ser sócio-histórico, ou seja, de acordo com as interações realizadas em um contexto social e cultural específico. No homem, a relação homemmundo é mediada por sistemas simbólicos. E é essa mediação que faz com que o homem esteja em um processo de transformação. Para Vygotsky (1996), há uma base biológica para absorver e tornar próprias essas transformações: o cérebro. Esse órgão do corpo humano é suficientemente plástico para adaptar-se a mudanças. Segundo Vygotsky, o processo de internalização envolve uma série de transformações. O fundamento do que somos está no processo de internalização. Vygotsky (1994, p. 75) entende essas transformações a partir do uso de sistemas de signos e da mudança de atividade: a) Uma operação que inicialmente representa uma atividade externa é reconstruída e começa a ocorrer internamente. É de particular importância para o desenvolvimento dos processos mentais superiores a transformação da atividade que utiliza signos, cuja história e características são ilustradas pelo desenvolvimento da inteligência prática, da atenção voluntária e da memória. b) Um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológico), e, depois, no interior da criança (intrapsicológico). Isso se aplica igualmente para a atenção voluntária, para a memória lógica e para a formação de conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos. c) A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento. O processo, sendo transformado, continua a existir e a mudar como uma forma externa de atividade por um longo período de tempo, antes de internalizar-se definitivamente. Para muitas funções, o estágio de signos externos dura para sempre, ou seja, é o estágio final do desenvolvimento. Outras 45 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR funções vão além no seu desenvolvimento, tornando-se gradualmente funções interiores. Entretanto, elas somente adquirem o caráter de processos internos como resultado de um desenvolvimento prolongado. Sua transferência para dentro está ligada a mudanças nas leis que governam sua atividade; elas são incorporadas em um novo sistema com suas próprias leis. Linguagem e atividade possibilitaram e possibilitam, assim, o desenvolvimento propriamente humano. Os animais também têm uma linguagem, mas não uma linguagem racional que possibilite acesso e transmissão de cultura. É uma linguagem usada basicamente para alívio de tensão e contato psicológico com outros membros do grupo. Os animais fazem um uso pré-intelectual da linguagem, porque ela não tem nesse caso a função de signo. Os animais irracionais também apresentam uma atividade, mas ela não é planejada como no trabalho humano. É uma atividade que também se vale de instrumentos como mediadores, revelando uma espécie de inteligência prática. Na inteligência prática, que se manifesta na criança pequena e nos animais superiores, há a capacidade de solução de problemas e de alteração do ambiente para conseguir determinados fins. Mas esse modo de funcionamento intelectual é independente da linguagem, indicando uma fase pré-verbal de desenvolvimento do pensamento. Em um determinado momento do desenvolvimento da espécie (ou filogenético), o pensamento se torna verbal e a linguagem se torna racional. Esse é o momento em que o biológico se transforma em sócio-histórico. A história de cada um (ontogênese) retoma a história da espécie. Tornamonos humanos ao interagir com seres humanos e pela apropriação dos modos culturalmente instituídos de intercâmbio e produção. As trocas que estabelecemos com o outro vão desencadear processos nesse outro. Dito de outro modo: se considerarmos uma criança criada em um sítio afastado e cujos pais são analfabetos e trabalhadores do campo, o aprendizado e desenvolvimento dessa criança terá as marcas desse contexto. Uma criança que nunca teve a oportunidade de pegar em um lápis para rabiscar ou desenhar vai apresentar um desenvolvimento diferenciado em relação à criança que desde bebê rabisca e tem acesso múltiplo aos bens da cultura. Por isso a escola é fundamental. Não para excluir a criança que no 1º ano não sabe nem segurar um lápis. Mas para possibilitar a ela o aprendizado dessa habilidade e muito mais. “A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana; é a base do salto qualitativo da psicologia animal 46 Psicologia da Educação para a psicologia humana” (VYGOTSKY, 1994, p. 76). Como a linguagem, inicialmente exterior ao sujeito, se internaliza e se torna instrumento do próprio pensamento? A primeira manifestação da linguagem no sujeito é a linguagem externa (ou fala social), cuja função é de comunicação social. Depois surge a fala egocêntrica, que acompanha a atividade do sujeito. A fala egocêntrica representa a transição da fala social para a fala interior. A fala passa então a anteceder a atividade, orientando-a. Somente depois a fala é internalizada e o discurso passa a ser interno. O sujeito utiliza o discurso para organizar e expressar o seu pensamento. Vygotsky (2000) observa que o pensar em voz alta não se limita a acompanhar a atividade da criança: auxilia na orientação mental, na compreensão consciente também de adultos; ajuda a superar dificuldades. Observa-se, assim, tanto um aspecto exterior, fonético, como um aspecto interior, semântico e significativo, na linguagem. Muitas vezes, ainda que as crianças conheçam as palavras, não conseguem entender o que lhes é dito. Falta-lhes o conceito generalizado que lhes garante o entendimento. As formas mais complexas da comunicação humana só são possíveis porque o pensamento do homem reflete uma realidade sob a forma de conceitos. O trabalho com conceitos científicos é aqui de fundamental importância. Faça uma busca na internet de pesquisas que envolveram a aprendizagem de crianças em um ambiente não-humano. Como é o desenvolvimento dessas “crianças selvagens”? Até agora, ficou claro que Vygotsky (1994) enfoca a importância da instrução para o desenvolvimento humano. É principalmente a educação formal que vai desencadear as funções psicológicas superiores. No entanto, se a escola não cumpre seu papel, como é o caso do exemplo apresentado no início deste capítulo, como atuar? O que Vygotsky nos fala sobre como as pessoas aprendem? 47 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 2.2 COMO AS PESSOAS APRENDEM? Para Vygotsky (1994; 2000), o aprendizado começa no momento em que nascemos. A partir da interação, sobretudo com o outro mais experiente e significativo, iniciamos o nosso conhecimento do mundo por meio dos significados partilhados pelo grupo. Essa interação social exerce um olhar sobre as nossas ações e as significa. Internalizamos essas significações. Se o outro nos enxerga regularmente como inferior, inteligente ou atrapalhado, internalizamos esse significado. Os diferentes contextos interativos nos iniciam em nossa cultura, na maioria das vezes, de forma não intencional. Na escola, no entanto, a interação é planejada, sistemática e intencional. Nesse caso, a sua responsabilidade no processo de apropriação da cultura pela criança é muito maior. Muitas vezes, a escola representa o único lugar de acesso a um saber mais elaborado pela criança. Não dá para desconsiderar ou negligenciar esse espaço. Vygotsky (1991; 1994) enfatiza a importância não só da escola, mas também do professor. Ao professor cabe organizar o conteúdo de forma que o aluno aprenda. Em outras palavras, ensinar e ensinar bem. Como fazer isso, se há tantos alunos em classe? Intervindo na ZDP (ou zona de desenvolvimento proximal ou potencial de seus alunos). Intervir na ZDP significa atuar no futuro desse aluno. Para tanto, é necessário conhecer o que ele já sabe e o que ele só poderá saber com a ajuda de uma pessoa mais capaz ou um expert. Se o professor intervém naquilo que o aluno já sabe ou conhece, o aluno não vai aprender nada nem se motivar para o aprendizado. Se o professor intervém muito além da capacidade do aluno, de modo que nem com a ajuda do professor pode conseguir entender, também não vai aprender nada. A ideia de Vygotsky do trabalho do professor consiste em ir sempre além daquilo que o aluno já sabe. É investir no espaço compreendido entre o nível real (o que ele já sabe) e o nível potencial desse aluno (o que ele só poderá saber com a ajuda de outro); investir no potencial para que este se torne real no futuro. Para Vygotsky (1994, p. 112), a zona de desenvolvimento proximal: “é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes”. 48 Psicologia da Educação O problema está em saber como atuar em ZDPs tão diversas como as que encontramos em sala de aula (MOLL, 1996). Nesse sentido, é preciso considerar também o trabalho entre crianças de níveis desiguais de desenvolvimento, mas não excessivamente distantes. Um companheiro mais capaz pode auxiliar um menos capaz a se apropriar de um conteúdo. Por outro lado, ao “ensinar” o colega, levando-o a pensar no procedimento mais adequado para a resolução de um problema, o expert passa a entender melhor aquilo que já pensava entender. Para intervir na ZDP, portanto, é preciso conhecer o aluno com o qual se vai trabalhar. Saber o que ele já conhece e, como professor, dominar o campo de conhecimentos que justifica a sua docência. Dominar porque, para Vygotsky (1994) e Moll (1996), o papel principal é do professor. Dele se espera a organização do real para o aluno de modo que este aprenda. E isso não é fácil. É preciso trabalhar do geral para o particular, integrando conhecimentos a partir de suas relações, sem apresentar o conteúdo de forma fragmentada. O professor é responsável pelo que o aluno vai aprender e se ele vai aprender. Se ele não está aprendendo, é preciso considerar que provavelmente é necessário mudar a forma de ensinar. Considerar também a possibilidade de o aluno não dominar ainda conteúdos mais básicos e a possibilidade de falta de significado do conteúdo para o aluno. No primeiro caso, é necessário apresentar o conteúdo de maneira articulada e não fracionada, dando-lhe uma sequência. Também é preciso rever os instrumentos necessários para o domínio desse conteúdo, no sentido de levar o aluno a se apropriar dele. No segundo caso, é preciso levá-lo a aprender, primeiro, conteúdos mais básicos, para então seguir com o ensino de outros mais complexos. No terceiro caso, é indispensável verificar tanto a validade do conteúdo como formas de torná-lo significativo no contexto social e cultural do aluno. O trabalho com desafios e problemas que dependem do conhecimento científico para a sua resolução e que estejam além da capacidade da criança resolver por si só representam interessantes oportunidades de atuar na ZDP. “O trabalho com pequenos grupos, considerando níveis diferenciados de desenvolvimento de seus integrantes, também pode ser produtivo no sentido de intervir nas ZDPs (STOLTZ, 2008, p. 70). 49 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR O investimento no conhecimento científico significativo e próprio da escola é importante porque a partir dele ocorre uma inversão da ação, e o pensamento passa a ser guiado por conceitos, possibilitando o desenvolvimento do pensamento generalizante. Os conceitos científicos seguem o caminho inverso da construção dos conceitos espontâneos. O processo de interiorização de conceitos começa com o desenvolvimento da criança e a partir de sua interação com o mundo social. A relação entre a construção de conceitos espontâneos e de conceitos científicos é de grande importância para a educação. A esse respeito, Vygotsky (2000) indica dois percursos diferenciados, de caminhos opostos, mas que mantêm relação dialética entre si. O desenvolvimento dos conceitos espontâneos da criança é ascendente, enquanto o desenvolvimento dos seus conceitos científicos é descendente, para um nível mais elementar e concreto. Isso decorre das diferentes formas pelas quais os dois tipos de conceitos surgem. Pode-se remontar a origem de um conceito espontâneo a um confronto com uma situação concreta, ao passo que um conceito científico envolve, desde o início, uma atitude ‘mediada’ em relação a seu objeto (VYGOTSKY, 1998, p. 135). O trabalho na escola deve considerar não só o conhecimento científico, como também o trabalho com a imaginação e a arte. Para Vygotsky (1999; 2008) e Colaço (2004), entre as tarefas de maior importância para a psicologia infantil e a pedagogia está o fomento à capacidade criadora, dada a sua importância para o desenvolvimento geral e maturidade da criança. As atividades criadoras, os jogos e as brincadeiras criam ZDPs. Na criação, observa-se a combinação do antigo com o novo. Vygotsky nos fala aqui da necessidade do pensamento por imagens, base da imaginação e da fantasia. O que a arte tem a oferecer de diferente que o conhecimento científico? A arte fala da mesma realidade, só que com outra linguagem. A imaginação permite a antecipação do desenvolvimento. Por lidar com a abstração, a imaginação está na origem do pensamento generalizante. A imaginação amplia a experiência do homem. Há uma vinculação recíproca entre imaginação e emoção. Vygotsky (1994) expressa que o jogo e a brincadeira da criança são importantes desencadeadores de ZDPs. No jogo, a criança assume papéis que estão adiante de seu desenvolvimento. É o caso do jogo simbólico em que a criança representa a mãe, o pai, a professora, o dentista, papéis que 50 Psicologia da Educação não são os dela, mas que aprendeu no meio social e cultural. Resumindo, podemos entender o trabalho na escola como envolvendo uma negociação designificados. A consciência individual e os aspectos subjetivos são essenciais ao desenvolvimento. Na teoria de Vygotsky (VAN DER VEER; VALSINER, 1994), eles surgem em função da reconstrução, da reelaboração dos significados pelo indivíduo, os quais foram transmitidos pelo grupo cultural. O processo de desenvolvimento é entendido como a apropriação ativa do conhecimento disponível na sociedade em que a criança nasceu. A apropriação que a criança faz do real depende de como ele é apresentado a ela, como os outros com os quais ela interage ajudam a organizar a sua percepção, como chamam a atenção ou desconsideram certos aspectos. O desenvolvimento humano depende da apropriação que o sujeito faz da experiência social, das regulações realizadas por outros para a autorregulação. Acesse o site www.scielo.org e busque um artigo recente envolvendo a discussão da teoria de Vygotsky para a educação. Faça uma síntese dos principais aspectos do artigo escolhido (considere: objetivo, referencial teórico, método, resultados, discussão e conclusão). Relacione o artigo aos conteúdos abordados neste capítulo 51 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR REFERÊNCIAS COLAÇO, V. F. R. Processos interacionais e construção de conhecimentos e subjetividade de crianças. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 17, n. 3, p. 333340, 2004. LURIA, A. R.; LEONTIEV, A.; VYGOTSKY, L. S. Psicologia e pedagogia: bases psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento. São Paulo: Moraes, 1991. MOLL, L. C. Vygotsky e a educação: implicações pedagógicas da psicologia sócio-histórica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento. Um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997. RATNER, C. A psicologia sócio-histórica de Vygotsky: aplicações contemporâneas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. STOLTZ, T. As perspectivas construtivista e histórico-cultural na educação escolar. Curitiba: IBPEX, 2008. VAN DER VEER, R.; VALSINER, J. The Vygotsky reader. Oxford: Blackwell, 1994. _____. Vygotsky: uma síntese. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1999. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1994. _____. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000. _____. La imaginación y el arte en la infância. Disponível em: . Acesso em: 27/08/2008. _____. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998. _____. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999. _____.The problem of the environment. In: VAN DER VEER, R.; VALSINER, J. The Vygotsky reader. Oxford: Blackwell, 1994a. _____. Thinking and speech. In: VYGOTSKY, L. S. Collected works. New York: Plenum, 1987. VYGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R. Estudos sobre a história do comportamento: o macaco, o primitivo e a criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. 52 Psicologia da Educação UNIDADE 3 CONTRIBUIÇÕES DO BEHAVIORISMO PARA A EDUCAÇÃO 53 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental 54 UFPR Psicologia da Educação 3 CONTRIBUIÇÕES DO BEHAVIORISMO PARA A EDUCAÇÃO 3.1 O QUE É O BEHAVIORISMO? A palavra inglesa “behavior” significa comportamento. Behaviorismo é termo bastante utilizado para referir-se ao conjunto de definições e estudos que compõem a teoria comportamental. O behaviorismo como teoria psicológica tem por objetivo o estudo do comportamento humano seja para descrever, predizer ou modificar os comportamentos. Os behavioristas dão ênfase ao comportamento observável e manifesto, isto é, ao que as pessoas efetivamente fazem ou dizem e ao que ocorre como resultado de sua ação. Eles não gastam muito tempo especulando e discutindo sobre o que poderiam estar sentindo ou pensando, ou sobre o que ocorre em seu cérebro, a menos que isto possa ser manifesto, registrado ou tornado observável. Alem de enfatizar o que as pessoas fazem e os resultados dessa ação, os behavioristas também estudam a influência que o meio exerce sobre o comportamento das pessoas. Para os behavioristas, existem características e comportamentos das pessoas determinados pela herança genética e pelo funcionamento orgânico, fisiológico, biológico. Mas eles consideram que essas características, assim como a maioria dos comportamentos são, em boa medida, resultado da experiência e da influência do meio no qual a pessoa está inserida. Os behavioristas chamam de aprendizagem às mudanças comportamentais que resultam de influência externa e da experiência. Ao longo do desenvolvimento do behaviorismo como teoria psicológica, manteve-se sempre a convicção de que comportamentos, hábitos, condicionamentos, tudo o que pode ser considerado resultado de aprendizagem pode ser modificado. No entanto, os temas estudados pelo behaviorismo foram se modificando ao longo do século XX. 55 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR A teoria comportamental é também conhecida como teoria da aprendizagem. Nos países onde a teoria foi mais desenvolvida (Estados Unidos e Inglaterra), impressiona o volume de pesquisa desenvolvida sobre aprendizagem por condicionamento e sobre os diversos fatores que influenciam a aprendizagem. Neste capítulo, abordamos os principais tipos de condicionamento e alguns dos fatores que influenciam a aprendizagem das pessoas. Optamos por fazer uma abordagem temporal, já que os estudos sobre condicionamento respondente antecedem os de condicionamento operante e por sua vez, esses dão subsídios para os estudos sobre aprendizagem social. Assim, partimos da história do behaviorismo sugerida por Staats (Ardila, 1993), na qual, identifica três gerações de pesquisadores behavioristas que contribuíram para o desenvolvimento da teoria ao longo do século XX. Cada geração estabeleceu princípios e conceitos que hoje compõem a teoria. A seguir, apresentamos a contribuição geral de cada grupo e destacamos o autor que mais se sobressai, pela contribuição ao behaviorismo e à educação. 3.2 PRIMEIRA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: COMPORTAMENTO REFLEXO OU RESPONDENTE E APRENDIZAGEM INSTRUMENTAL A primeira geração inclui pesquisadores de áreas e países diferentes que por volta do fim do século XIX e início do século XX - contribuíram para descobrir os princípios básicos do condicionamento e da aprendizagem. Eles estudaram reações fisiológicas, reflexos neurológicos, leis da aprendizagem, comportamento animal, entre outros. Hoje em dia, os resultados de seus estudos formam a base inicial do que depois veio a ser chamado de behaviorismo ou de teoria da aprendizagem. 3.2.1 Comportamento reflexo ou respondente: Pavlov Podemos mencionar como uma grande contribuição pioneira a do 56 Psicologia da Educação fisiologista Russo Ivan Petrovich Pavlov (1849 -1936) que, ao pesquisar a fisiologia da salivação utilizando cães, descobriu que não é apenas o alimento como estímulo natural que provoca a emissão de saliva. Ao contrário, outros estímulos artificiais, como, por exemplo, o som de uma campainha, se relacionados à alimentação provocam também essa reação fisiológica. Ele concluiu que algumas reações fisiológicas podiam ser condicionadas por eventos que ocorrem no ambiente e passou a estudar os princípios desse tipo de aprendizagem FIGURA 5 - PAVLOV FONTE: http://commons.wikimedia. org/wiki/Ivan_Pavlov Esse processo de aprendizagem acabou sendo conhecido por diversos nomes: condicionamento simples, condicionamento respondente, condicionamento reflexo ou condicionamento pavloviano e se resume ao processo pelo qual um estímulo não natural provoca uma resposta fisiológica ou emocional. O cão de Pavlov salivava ao contato da carne com a boca; salivava ao som de uma campainha que tocava antes de ser fornecido o alimento ou salivava ao ser acessa a luz do local em que se encontrava. Carne, campainha e luz provocavam salivação, mas só a carne era estímulo natural, ou seja, alimento. O conhecimento derivado desses experimentos foi o de que reações fisiológicas podem ser provocadas por eventos completamente artificiais do ambiente alem do estímulo natural. Essa noção se estendeu ao comportamento reflexo: batimentos cardíacos, por exemplo, e ao comportamento emocional. Muitos dos medos, hábitos alimentares, entre outros, que aprendemos desde a infância seguem esse modelo de aprendizagem. É comum, por exemplo, bebês chorarem ao avistar a mamadeira pouco antes do horário de mamar e pessoas sentirem enjôos 57 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR ao ver certos alimentos, mesmo sem comê-los. Os princípios do condicionamento respondente são muito utilizados pelos profissionais de propaganda que os utilizam para promover o consumo de certos produtos pela ativação de necessidades fisiológicas e afetivas. Marcas de alimentos são relacionadas a necessidades afetivas, sexuais, convívio familiar ou com amigos, o que não tem relação nenhuma com seu valor alimentício. Pense o que significa a expressão “dar água na boca”, quando a usamos? Você já sentiu fome ao sentir cheiro de carne assada? E ao ver uma propaganda de comida? Observe em sua casa, se as pessoas se levantam para comer ou beber quando passam na televisão propagandas de comida, refrigerante ou cerveja. Preste atenção em propagandas: identifique apelos afetivos, amedrontadores, sexuais ou outros utilizados para promover o produto que se anuncia. Observe seus alunos: consegue identificar alguma reação de ansiedade, medo, alegria ou qualquer outra, provocada por eventos do ambiente? Como reagem a propagandas? 3.2.2 Aprendizagem instrumental: Thorndike Os estudos do norte americano Edward Lee Thorndike (1874 -1949) sobre aprendizagem resultaram na formulação da “lei do efeito” e na definição da aprendizagem instrumental: neste caso não existe uma resposta provocada por um estímulo identificado ou natural e sim um comportamento que objetiva uma meta e que será construído progressivamente por tentativas e erros. A probabilidade de repetir uma resposta depende de quanto ela nos aproxima da meta desejada e do prazer que isso nos proporciona. Aprendizagem por tentativa e erro é facilmente observável em crianças quando constroem com blocos de madeira, quando experimentam encaixar peças em brinquedos e quebra-cabeças: cair uma torre ou não encaixar uma peça dá a dica de que outra forma deve ser experimentada. As brincadeiras que as crianças fazem com letras e palavras podem seguir este modelo de aprendizagem e erro, o prazer da descoberta de acertos e erros auxilia no domínio da linguagem falada e escrita. 58 Psicologia da Educação Muitos dos estudos de Pavlov e Thorndike sobre condicionamento reflexo e aprendizagem instrumental foram realizados com animais. No entanto, nos Estados Unidos, John Broadus Watson (1878 - 1958) fez estudos em laboratório sobre reações emocionais tais como medo e fobia em crianças, utilizando o modelo de condicionamento respondente. Watson é conhecido como o fundador do behaviorismo como teoria científica. Foi muito criticado pelos seus estudos com bebês. Porem, esses estudos mostraram que medos podem ser instalados por condicionamento respondente e que podem ser removidos por extinção operante. O estudo mais conhecido é o caso do “pequeno Albert” que relatamos a seguir. O pequeno Albert tinha menos de um ano quando foi colocado nesse estudo. Foi verificado inicialmente que Albert não apresentava sinais de medo quando via um ratinho branco, desses de laboratório, circulando pelo local da experiência. Também foi verificado que, como muitos bebês, Albert assustava-se e chorava ao ouvir um som repentino e estridente. Seguindo os princípios do condicionamento operante, Watson apresentou o ratinho branco junto com o som (pareamento) e não demorou muito tempo para o pequeno Albert começar a chorar e manifestar medo quando apenas via o ratinho. O medo provocado por algo que antes não o provocava estava instalado. O mais interessante dessa experiência é que esse medo foi generalizado a bichos de pelúcia brancos, a pele de casaco branca, e até, ao uniforme branco das enfermeiras. Em termos psicológicos, Albert havia desenvolvido uma fobia. Para retirar a fobia, Watson teve que fazer o caminho inverso, ou seja, retirar a associação do som desagradável com os objetos brancos. Aparentemente Albert curou-se da fobia, mas esse experimento, pelo sofrimento que causou foi muito criticado. 59 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR À época, por volta de 1920, os métodos de e studo do comportamento propostos por Watson foram uma verdadeira revolução: ele rechaçou o corpo tradicional da psicologia e seus métodos e os substituiu pelos métodos experimentais de estudos controlados realizados em laboratório e centrados no comportamento observável. Em suma, a primeira geração de psicólogos behavioristas tinha acumulado um corpo grande de conhecimentos experimentais sobre aprendizagem animal e tinha formulado os princípios básicos de dois tipos de aprendizagem: a obtida por condicionamento respondente e a obtida por aprendizagem instrumental tentativa e erro. Faltava a fundamentação teórica de base. A partir da abria-se o espaço para a segunda geração de behavioristas. 3.3 SEGUNDA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: CONDICIONAMENTO OPERANTE As tarefas da 2ª geração de psicólogos behavioristas foram ampliar os conhecimentos científicos sobre aprendizagem e construir estruturas teóricas formais que pudessem incorporar as descobertas experimentais. Isto é, era necessário oferecer um contexto filosófico para o behaviorismo, que servisse de estrutura teórica para as descobertas em laboratório. Os que seguiam o fervor revolucionário de Watson mantiveram a separação entre behaviorismo e a chamada psicologia tradicional. Isto quer dizer que os temas estudados pelos behavioristas diziam respeito à aprendizagem respondente, ao comportamento manifesto; outros temas, tais como o estudo do inconsciente, da personalidade, da inteligência, da cognição, da consciência, das atitudes, dos valores, entre outros estudados pela psicanálise e outras teorias da psicologia eram considerados tabus ou eram reduzidos a resultados de aprendizagens por condicionamento. Os psicólogos behavioristas que no período entre 1920 e 1950 tentaram abordar esses temas tabus não foram, muitas vezes, bem sucedidos. Uma mudança significativa surgiu com a proposta de condicionamento operante de Skinner (Figura 2). 60 Psicologia da Educação FIGURA 6 - SKINNER FONTE: http://commons.wikimedia.org/wiki/ B._F._Skinner 3.3.1 O condicionamento operante: Skinner Na década de 50, se alguém t ive sse interesse na teoria comportamental - ou teoria da aprendizagem como também é conhecida teria que seguir os grandes expoentes da segunda geração: os norteamericanos Hull, Tolman ou Skinner. Staats (Ardila, 1993) afirma que o fervor e o legado revolucionários daquelas primeiras gerações foram muito fortes. Podemos afirmar que para muitos psicólogos behavioristas ainda o são até hoje, início do século XXI. Vamos descrever, agora, os elementos básicos da teoria de Burrhus Frederic Skinner (1904 -1990) e sua contribuição para a educação. Skinner pode ser considerado como o principal representante da corrente behaviorista que dominou incontestavelmente a Psicologia norteamericana entre, pelo menos, as décadas de trinta a setenta do século XX. Skinner viveu nos Estados Unidos dos ideais positivistas e democráticos de forte influência luterana. Ali, paradoxalmente, no país que se destacava como o mais rico do mundo na primeira metade do século XX, a depressão econômica, a 2ª Guerra Mundial e a constatação da situação de marginalização e de pobreza de parte da população colocavam questões prementes para os cientistas que iniciavam suas atividades acadêmicas por volta da década de trinta. Nesse contexto, segundo Goulart (1994), Skinner aspirava ao ideal de buscar a melhoria da vida das pessoas. Sua contribuição 61 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR está dentro dos princípios e da filosofia da análise experimental do comportamento. Como expoente da segunda geração, Skinner formula uma filosofia para o behaviorismo e postula uma terceira forma de condicionamento e de aprendizagem. Skinner reconhece como formas de aprendizagem o condicionamento respondente ou clássico, que age sobre os reflexos, comportamentos involuntários e, em parte, sobre os componentes emocionais e a aprendizagem por tentativa e erro. No entanto, sugere que somente uma parte da aprendizagem obedece aos dois esquemas anteriores. Para Skinner, a maioria das aprendizagens e dos comportamentos obedece a outro processo que ele chamou de condicionamento operante. Nesse processo, o comportamento se modifica pelo efeito que provoca no ambiente, isto é, pelas suas consequências. Em outras palavras, o condicionamento operante é o processo pelo qual se modifica a possibilidade futura de aparecimento de um comportamento. Isto quer dizer, que a frequência de emissão de um comportamento pode variar em função das consequências que esse comportamento provoca no ambiente. O comportamento operante é uma ação voluntária, faz parte do repertório comportamental dos sujeitos, depende da musculatura estriada do organismo e ocorre sem que, muitas vezes, seja possível detectar algum estímulo específico. Para Skinner, muito do que denominamos hábitos passa por condicionamento operante e a maior parte do comportamento humano é aprendida por este meio. Assim, ao longo da vida, as pessoas acumulam uma história de hábitos e aprendizagens específicas, que é sua história de condicionamentos respondentes, operantes e outras experiências. Para Skinner, se o comportamento pode ser modificado pelas consequências, estas podem em qualquer momento, modificar a história de vida do indivíduo. Isto é, comportamentos novos podem ser aprendidos e comportamentos antigos podem ser modificados. Nessa concepção reside uma das principais contribuições de Skinner à Educação, pois ele se opõe à ideia do inatismo da inteligência por um lado, e por outro, à idéia da personalidade estática. Nessa teoria, tanto comportamentos inteligentes quanto aspectos da personalidade são aprendidos. Muito daquilo que se considerava como características imutáveis da inteligência e da personalidade, Skinner considera como comportamentos operantes passíveis de modificação. Somos o resultado, em parte, de nossa 62 Psicologia da Educação história de condicionamentos ou de aprendizagens. Em experimentos de laboratório, foram estabelecidos os princípios gerais de aprendizagem da teoria skinneriana. Posteriormente, foram feitas observações em ambientes naturais como a família, escola, etc. É importante prestar atenção às definições e conceitos da teoria behaviorista para não criar confusão. Na teoria skinneriana, as consequências que mudam um comportamento operante podem ser de dois tipos: reforços ou punições. Um comportamento pode ser aumentado ou ser mantido por meio de reforços ou, pode ser diminuído por meio de punições ou de extinção operante. 3.3.2 Aumentar ou manter um comportamento: reforços As consequências que mantém ou aumentam a probabilidade de ocorrência de um comportamento são chamadas de reforços. A possibilidade de alguma coisa ou evento servir para reforçar vai depender de cada pessoa. Nem tudo é reforçador para todas as pessoas. Assim, Skinner propõe uma investigação daquilo que reforça ou pune cada indivíduo. Por exemplo, para crianças pequenas, pegar no colo, dar atenção, fornecer alimento, doces, brinquedos podem servir de reforçadores. Porém, para uma criança com fome, o alimento é reforçador e para uma criança com dor de barriga não. Em geral, lembramos de recompensas materiais quando pensamos em reforçadores. No entanto, o prazer ou satisfação que podemos ter ao realizar tarefas e aprendizagens podem ser auto-reforços importantes. Por exemplo, uma criança pode aprender a escovar seus dentes pela sensação agradável de limpeza e pela saúde bucal que isso traz e não apenas porque assim agrada pais ou professores ou porque ganhará um brinquedo se o fizer. O mesmo vale para as lições de casa e aprendizagens escolares ou quaisquer outros comportamentos. É importante saber que não somente uma criança pode ser levada a certas preferências e gostos pelo meio de condicionamento respondente e operante, mas que a auto-satisfação também pode ser condicionada. Para tanto, a criança pode ser incentivada a expressar seus sentimentos em relação 63 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR às tarefas que executa, alem de receber os merecidos elogios ou recriminações. A percepção pela criança de como se sente faz parte da aprendizagem do seu autocontrole. Para Skinner os reforços podem ser de dois tipos: quando implicam acréscimo de algo benéfico ou agradável para o sujeito são chamados de reforços positivos. É o caso de elogios, prêmios ou até a satisfação que sentimos depois de ter estudado e tirado uma boa nota. Reforços podem ser negativos quando o comportamento reforçado retira algo que está presente no ambiente e isso é desagradável ou prejudicial para a pessoa. É o caso quando diminuímos o som da TV que está muito alto e nos incomoda ou quando tiramos o sapato para retirar uma pedra que entrou quando andávamos ou quando uma criança foge da mãe ou diretora que vai dar uma bronca. Tanto o comportamento de diminuir o som quanto o de tirar o sapato pode ser repetido no futuro. De igual modo, se a criança na fuga se livrou da bronca, tenderá a repetir esse comportamento no futuro. Reforços de qualquer tipo aumentam ou mantém a probabilidade de um comportamento aparecer no futuro. 3.3.3 Diminuir um comportamento: punição e extinção operante Ao contrário do que acontece quando se usam reforços, algumas consequências podem diminuir, em lugar de aumentar, a probabilidade de ocorrência futura de um comportamento. As consequências que diminuem comportamentos chamam-se punições. Assim como os reforços, as punições também podem ser de dois tipos: positivas quando acrescentam algo prejudicial ou desagradável para a pessoa e negativas quando retiram algo agradável ou benéfico. Observe que é o oposto do que acontece no reforço. Um exemplo de punição positiva é quando somos multados por estacionar em lugar proibido, quando uma criança “apanha” por algo que fez de errado ou quando fica de castigo por mentir. Exemplo de punição negativa é quando a criança perde o recreio que adora por não ter feito a lição de casa, fica sem ver televisão por ter feito algo errado ou perde as férias porque reprovou 64 Psicologia da Educação várias disciplinas. Além da punição, Skinner descreve outra forma de eliminar comportamentos que é chamada de extinção operante. A extinção operante consiste em não fornecer consequência alguma para o comportamento que se deseja eliminar. Na Teoria Behaviorista para diminuir comportamentos indesejados utiliza-se punição ou ignora-se o comportamento. No entanto, seria equivocado acreditar que Skinner é a favor das punições. Ao contrário, quando Skinner discute a modificação de comportamentos, ele faz ênfase na utilização de reforços para os comportamentos ou hábitos que se deseja estabelecer, ou seja, reforçar aquilo que se quer que a pessoa aprenda. Ao mesmo tempo, os comportamentos que se deseja eliminar devem ficar sem reforços para que diminuam. Ele desaconselha utilizar apenas punições, pois considera que elas provocam suspensão apenas momentânea do comportamento indesejado, provocam frustração e reações emocionais adversas na pessoa punida e não evitam o aparecimento posterior do mesmo comportamento, principalmente, quando a pessoa não sabe o que deve fazer ou não aprendeu o comportamento exigido. No uso de punições e reforços na educação encontramos alguns equívocos: Na educação infantil, pode acontecer que muitas vezes esquecemos que os comportamentos desejados devem ser “ensinados” para as crianças. Isto quer dizer que temos que estabelecer um processo de aprendizagem ou de condicionamento daquilo que queremos e não apenas punir ou castigar quando a criança “fez errado”. Outra crença comum na educação de crianças, e que a compreensão do funcionamento de reforços e punições nos ajuda a superar, é achar que se a criança fez o que esperávamos, ela não deve ser elogiada, pois fez apenas o que devia fazer; mas, se ela fizer o que achamos errado e queremos que modifique deve ser punida. Estas atitudes contradizem os princípios do reforçamento operante que mostram que reforçar o comportamento 65 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR adequado e ignorar o inadequado é melhor do que simplesmente punir o inadequado. 3.3.4 Modelagem e esquemas de reforçamento O processo utilizado para ensinar um comportamento na teoria skinneriana é chamado de modelagem. Consiste basicamente em: 1) Observar, em primeiro lugar, se o comportamento que se deseja estabelecer, ou que seja aprendido, já faz parte do repertório comportamental da pessoa e em que medida aparece. Se não, buscase algum comportamento aproximado àquilo que se deseja. 2) Em segundo lugar, passa-se a reforçar aproximações do comportamento todas as vezes que aparece: isto é reforço é contínuo. 3) Uma vez estabelecido o comportamento desejado (aprendido) podemos melhorar sua qualidade. Para tanto passamos a reforçar seletivamente aqueles desempenhos qualitativamente melhores. 4) Também é possível definir quando e como se deseja o comportamento, variando o número de respostas exigidas e o tempo de resposta, como veremos a seguir. Outras modificações na emissão de comportamentos podem ser realizadas pela variação do número de respostas exigidas e pela variação do espaço de tempo em que se fornecem os reforços. Skinner considera que na vida diária o esquema que prevalece não é o de reforço contínuo, ou melhor: nem sempre somos punidos ou reforçados pelo que fazemos de bom ou de ruim. Assim, nem os pais elogiam constantemente seus filhos nem os professores podem elogiar todos seus alunos ao mesmo tempo e todas as vezes que seria necessário. Na realidade esquemas de reforço contínuo são mais utilizados quando queremos estabelecer uma aprendizagem nova ou modificar uma antiga. O mais comum é que um comportamento seja reforçado algumas vezes sim e outras não, aleatoriamente, ou que siga algum outro esquema. Assim, Skinner estudou as variações que ocorrem no comportamento 66 Psicologia da Educação em função do espaçamento do tempo em que surgem os reforços e o que ocorrem depois de emitidas uma ou várias respostas. Se o esquema condiciona que o reforço aparecerá num período de tempo espaçado e fixo, por exemplo, um reforço a cada meia hora, há uma concentração de comportamentos próximo do fim da meia hora. Algo similar ocorre quando os alunos estudam loucamente apenas antes das provas quando estas ocorrem semestralmente. A outra variação no esquema de emissão de comportamentos está relacionada à exigência de um número qualquer de comportamentos antes do aparecimento da consequência. Por exemplo, Skinner treinou pombos famintos a bicar um alvo e verificou que era possível exigir cada vez mais bicadas antes de fornecer o reforço alimentar. Isto poderia levar a bicar ou “trabalhar” até a exaustão. Na agricultura, na indústria e em atividades de serviço, é comum encontrar este esquema: pessoas recebem pagamentos e premiações pela quantidade de sacas colhidas, pela quantidade de produtos fabricados ou vendidos. Como na vida diária os reforços e punições não são sempre contínuos, Skinner verificou que reforços aleatórios são os mais comuns e que uma vez criado o hábito ou aprendido o comportamento, os reforços aleatórios o mantém, tornando muito difícil modificá-lo. Por isso é necessária a análise do comportamento. Outra situação que deve ser considerada é que, na escola e em outros ambientes onde interagem muitas pessoas, o professor pode não ser a principal fonte de reforçamento para algumas crianças. Assim, quando os reforços e tentativas do professor para modificar o comportamento de um aluno falham, deve ser observado se o comportamento que se quer modificar não está sendo reforçado pelos colegas ou outras pessoas da instituição ou fora dela. Isto, às vezes requer auxílio de especialistas para realizar a análise e a proposta de modificação. Recapitulando: vimos até agora três tipos de aprendizagem: - aprendizagem por condicionamento respondente - aprendizagem por tentativa e erro - aprendizagem por condicionamento operante 67 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR Faça um quadro sobre as características do condicionamento respondente e do condicionamento operante. Procure exemplos, em sua experiência, que ilustrem os diversos tipos de condicionamento mencionados acima. Discuta com seus colegas e tutor os exemplos que vocês escreveram. 3.3.5 Implicações educacionais dos estudos de Skinner A ideia de que o comportamento pode ser modificado pelas consequências trouxe implicações para a educação no sentido de que chamou a atenção para a influência que os educadores sejam eles pais ou professores exercem sobre o comportamento dos educandos. A ideia de motivos intrínsecos como única explicação para os comportamentos passou a ser questionada. As técnicas derivadas da análise experimental do comportamento e as técnicas de modificação do comportamento são amplamente utilizadas ainda hoje nas escolas. Algumas noções comportamentais, como a da necessidade de observação minuciosa das situações de aprendizagem para poder discriminar adequadamente como são reforçados os comportamentos (contingências de reforçamento); a do valor dos reforços na aprendizagem e manutenção de comportamentos adequados e, principalmente, a das noções referentes aos malefícios e não efetividade da punição são conhecimentos úteis para o professor. A área educacional para a qual a utilização dos princípios de modificação do comportamento contribui significativamente é a da educação especial, principalmente na formação de hábitos de convívio social e de higiene. A teoria skinneriana valoriza o papel do professor no processo de aprendizagem: é ele que deve planejar e organizar conteúdos e atividades, dirigir e reforçar a aprendizagem dos alunos e ensiná-los a formar hábitos de estudo e também de auto-reforço e motivação. A resposta dos alunos, sua aprendizagem, depende então, em boa parte, do professor e do controle que ele exerce. 68 Psicologia da Educação Além de hábitos de higiene, de organização e cuidados com seu ambiente, outro ótimo exemplo de comportamentos que são aprendidos e precisam ser reforçados, na escola e em casa, são os chamados “hábitos de estudo” como sublinhar ideias importantes, palavras desconhecidas, buscar significados no dicionário, fazer resumos, quadros, para citar apenas alguns relacionados à leitura. Estes e outros hábitos podem ser ensinados na escola desde as primeiras séries já que não surgem espontaneamente nas crianças. Outra contribuição dos estudos de Skinner para a educação encontrase na chamada tecnologia educacional que propõe técnicas como o estudo dirigido (no qual pequenas unidades de conteúdo são aprendidas progressivamente passo a passo) e as máquinas de aprender que hoje encontram equivalente em muitos programas educativos que utilizam computador. É um erro acreditar que a teoria de Skinner apenas propõe a manipulação do comportamento. Em seus escritos Skinner frisou sempre a necessidade de levar as pessoas ao auto-controle, isto é, à percepção do que as influencia ou controla de modo que elas possam ter auto-controle de suas vidas. Apenas como informação, a expressão utilizada por Skinner para definir o que chamamos neste texto de autocontrole foi contracontrole. Assista o filme “Trocando as bolas”, com os atores Dan Aykroyd e Eddie Murphy e direção de John Landis. Esse filme mostra como seria possível mudar a vida das pessoas com controle do comportamento e como as pessoas poderiam modificar esse processo quando percebem que estão sendo controladas. Aproveite e dê boas risadas com essa comédia de ficção. Depois pense, seria possível mudar totalmente a vida das pessoas, como o filme propõe? Assista ao programa de televisão chamado “Super Nanny”. Você consegue identificar os princípios de aprendizagem e condicionamento aplicados nas propostas de modificação de comportamento? Veja o que seus colegas identificaram e discutam: vocês fariam a mesma coisa, como fariam? 69 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 3.4 TERCEIRA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: aprendizagem social do comportamento A terceira geração de pesquisadores behavioristas se fortalece na segunda metade do século XX. Ela se caracteriza pelo interesse em criar enfoques mais integrados com outras correntes da psicologia. Isto quer dizer que se procuravam formas de estudar temas, antes não abordados, com os métodos e os conceitos behavioristas. No entanto, nem a primeira nem a segunda geração de behavioristas tinha criado marco de referência produtivo para essa unificação. Surgiram, então, propostas teóricas que buscavam aproximação e síntese com outras teorias psicológicas e estudos sobre temas como personalidade, cognição, emoções que utilizavam conceitos e métodos behavioristas. Na área educacional investigaram-se características de professores e alunos que podem influenciar nas situações de ensino e de aprendizagem. Estudos sobre criatividade, motivação, auto-estima, lócus de controle, auto-eficácia, crenças auto-dirigidas, entre outros trouxeram contribuições para a educação. A seguir, apresentamos os resultados de estudos e os conceitos teóricos desenvolvidos por Albert Bandura (1924 -), principal representante da terceira geração. 3.4.1 A Teoria da Aprendizagem Social de Bandura Estudos sobre imitação e agressividade Professor e pesquisador ainda na ativa na Universidade de Stanford, Estados Unidos, Albert Bandura (1924 - ) procura demonstrar, desde o início de sua carreira por volta de 1960, que a aprendizagem ocorre por outros meios e não apenas pelo reforço direto do comportamento principal ideia defendida por Skinner e a segunda geração de behavioristas. Em outras palavras, encontramos aqui uma diferença que deve ser bem entendida: nas teorias de condicionamento respondente e operante quem recebe reforços ou punições é o próprio sujeito da ação; na teoria da aprendizagem por observação, o observador vê outra pessoa ser reforçada ou punida pelo seu comportamento. Este sujeito que observa aprende pelo 70 Psicologia da Educação que viu: pela imitação de modelos. Bandura acredita, conforme relata Pajares (2004), que as diversas culturas humanas transmitem costumes sociais, conhecimentos e competências complexas, principalmente pela experiência vicariante, isto é, pela aprendizagem com base na imitação de pessoas que servem como modelos. Sendo assim, Bandura (1961) propõe que enquanto boa parte da socialização infantil ocorre pelo treino direto, é possível que muito do repertório comportamental da criança seja adquirido, também, pela imitação de modelos. Bandura chamou esse processo de identificação com adultos importantes de vida da criança. É importante lembrar que a identificação não se restringe à imitação de modelos adultos, mas também, outras crianças podem servir como modelos. Podemos assim dizer que, o processo de identificação, como foi mencionado acima, é chamado de aprendizagem vicariante e parece ser o resultado da imitação pela criança de atitudes e padrões de comportamento que os pais e outros adultos não tentaram ensinar diretamente. De fato, a modelação parental do comportamento pode, algumas vezes, contrariar o efeito daquilo que é ensinado diretamente. É o que acontece, como pode ser observado em diversos estudos, quando um pai castiga fisicamente uma criança porque ela agrediu um companheiro. Espera-se que o resultado desse castigo seja que a criança diminua sua agressividade com os colegas e pare de bater neles. Mas Bandura observou que não é isso o que ocorre na realidade. Geralmente, junto com o aprendizado intencional, certa quantia de aprendizagem não prevista é aprendida ocasionalmente pela imitação do modelo do conjunto do comportamento dos pais. Ou seja, ao bater na criança para castigá-la, os pais dão um exemplo de como agredir os outros e é este aprendizado que realmente irá mais tarde guiar a criança em suas interações sociais. Isto quer dizer que, frente a seus colegas, a criança imitará o comportamento paterno e não fará o que lhe foi dito fazer. Bandura e Walters (Pajares, 2004) realizaram investigações sobre comportamento agressivo com adolescentes de boa condição sócioeconômica e de famílias bem constituídas. Constataram que adolescentes hiper-agressivos podem ter pais que servem de modelo para atitudes hostis. 71 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR Esses pais não toleram agressividade em casa, no entanto incentivam a agressividade do filho fora dela. Têm atitude complacente quando o filho relata o seu envolvimento em situações agressivas contra colegas e na escola. Na escola encontramos alunos que são incentivados a serem agressivos da maneira relatada acima? O que a escola faz? Comente com seus colegas de curso. Experimentos realizados com crianças em situação pré-escolar mostraram que enquanto aprendem conteúdos das situações educativas, as crianças também aprendem a imitar certos comportamentos do professor que são totalmente irrelevantes para a tarefa orientada. Uma explicação para isso é que respostas afetivas aumentam as propriedades reforçadoras secundárias do modelo e predispõem o imitador a reproduzir o comportamento observado, pela satisfação que isso produz. Uma vez que as características dos pais e de outras pessoas significativas adquirem propriedades reforçadoras para a criança, mesmo que ela não seja reforçada diretamente, a satisfação de agir como alguém que ela gosta pode gerar autorreforço. Em geral, crianças aprendem a imitar o comportamento exibido por modelos quando eles interagem de maneira responsiva e de modo a cuidar da criança. O valor das propriedades secundárias do modelo aumenta em função da atitude e isso facilita a aprendizagem. Isso vale para todos os tipos de comportamentos menos para o agressivo que, independente da qualidade do modelo, as crianças imitam rapidamente. Por meio da associação repetida entre o comportamento parental e atributos como aconchego, reforço, atividade afetuosa de cuidado, assumese que as características do comportamento dos pais gradualmente tomam valor positivo para a criança. Consequentemente, a criança está motivada para reproduzir em seu comportamento os atributos valorizados positivamente. Para ilustrar o mecanismo da imitação, Bandura (1963) costumava contar para seus alunos uma história contada por um de seus professores: 72 Psicologia da Educação Um fazendeiro solitário decidiu ter um papagaio como companhia. Depois de comprar o pássaro, o fazendeiro passava um bom tempo à noite ensinando ao papagaio a frase: diga tio! Diga tio! A despeito da devota atenção do professor, o papagaio não mostrava nenhuma resposta. Finalmente, o frustrado fazendeiro pegou uma vara de marmelo e, depois de cada recusa em produzir a frase esperada, batia na cabeça do papagaio. Esse método visceral provou ser tão ineficaz quanto o outro mais cerebral. Então o fazendeiro agarrou seu amigo emplumado e o jogou no galinheiro. Tempos depois, o fazendeiro ouviu uma baita confusão no galinheiro e foi investigar. Encontrou que o papagaio cutucava na cabeça com uma vara de marmelo as assustadas galinhas e ao mesmo tempo gritava: diga tio! Diga tio! (BANDURA, 1963). [tradução livre da autora] Bandura realizou diversos estudos para determinar em que medida a agressão pode ser transmitida, para as crianças, pela exposição a modelos de adultos agressivos. Um deles ficou conhecido como experiência do boneco João bobo. Nessa experiência, as crianças que assistiram a um vídeo que mostrava um adulto do sexo feminino ou masculino batendo em um boneco Jõao bobo, imitaram esse comportamento em situação de jogo posterior. Para entender melhor: Diversos sites na Internet veiculam filmes sobre o experimento com o boneco João bobo. Esses filmes podem ser acessados com as palavras de busca: “Bobo doll”, “João bobo” e “Albert Bandura”. Assista os filmes e leia o texto da disciplina. Além da agressividade dos adultos, também a atitude que os adultos têm em relação a sua própria agressividade, pode ser imitada pelas crianças. Os adultos diferem na maneira como conduzem seus impulsos agressivos. Alguns atacam verbalmente e outros podem atacar fisicamente. Alguns adultos fogem de ataques agressivos porém sentem-se magoados por essa reação, outros encaminham sua agressividade para atividades políticas ou esportivas. Seja aberta ou oculta, a atitude dos adultos pode ser percebida e imitada pela criança. 73 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR Os avanços da tecnologia da comunicação fizeram dos modelos simbólicos ou modelos virtuais - um veículo chave na difusão de ideias, valores e estilos de comportamento. As investigações com o boneco João bobo se estenderam para outros estudos, nos quais, foi avaliado o efeito sobre as crianças de modelos agressivos na vida real e na mediação por filmes ou modelos veiculados pela televisão. Depois da exposição a cada tipo de modelo as crianças passavam por uma situação frustrante e verificava-se a quantidade de imitação do comportamento agressivo anteriormente observado. Os resultados deixaram pouca dívida de que a exposição a modelos agressivos praticamente duplica a agressividade das crianças após a frustração subsequente. Observou-se tendência, principalmente nos meninos, a imitar mais os modelos agressivos masculinos do que os femininos. Alguns meninos chegaram a dizer espontaneamente que o comportamento da mulher agressiva estava fora do tipo (não era a maneira de mulheres se comportarem). O modelo masculino agressivo era visto como apropriado por meninos e meninas. Foi verificado também que, quando as crianças assistiram modelos não agressivos, elas imitavam esse comportamento. Modelos não só reduzem a inibição da agressividade das crianças como também modelam a forma do comportamento. Outro resultado verificado nesses estudos foi que as crianças estiveram menos inclinadas a imitar modelos dos desenhos animados - apesar de que eles também provocaram aumento da agressividade - do que modelos da vida real. No entanto, os filmes são tão efetivos quanto as situações da vida real para eliciar e transmitir agressividade. Por outro lado, também foi demonstrado que expor crianças agressivas a modelos alternativos, que possuam maneiras não agressivas, para que elas possam copiar pode ser altamente eficaz na modificação dos padrões de personalidade agressivo-dominantes. Em diversos estudos as crianças foram expostas a um modelo único. No entanto, no curso do desenvolvimento social as crianças têm amplo contato com modelos múltiplos, particularmente os membros da família, da escola e outros ambientes e esses modelos podem diferir amplamente em seu comportamento e em sua influência relativa sobre a criança. 74 Psicologia da Educação Apesar de as crianças adotarem muitas características dos modelos mais fortes, elas também reproduzem alguns dos padrões de respostas do modelo que ocupa papel subordinado. Seu comportamento é uma síntese dos elementos selecionados dos vários modelos. Então, numa família até os membros do mesmo sexo podem exibir diferentes características de personalidade, conforme tenham selecionado diferentes elementos a imitar nas atitudes e comportamentos de seus pais. Embora pareça paradoxal, é possível encontrar considerável inovação pela imitação seletiva. Pode-se concluir, então, que as crianças não reproduzem mecanicamente as características da personalidade de cada modelo com o qual se deparam e nem imitam cada elemento do comportamento exibido pelos modelos mesmo quando constituem suas fontes primárias de comportamento social. Na realidade realizam seleção e síntese de diversos modelos e comportamentos. Diversas variáveis psicológicas determinam a seleção dos modelos e o grau em que serão imitados. A maneira como o comportamento do modelo é reforçado ou punido (consequências) influencia a imitação. Vários estudos foram realizados para verificar essa ideia. Um estudo apresentou, para grupos distintos de crianças, versões do mesmo filme, porém com diferentes consequências finais: em um filme, o modelo é reforçado; no outro, é punido. No primeiro filme, no qual a agressão do modelo é reforçada, as crianças imitaram rapidamente o comportamento agressivo físico e verbal. Ao mesmo tempo, esse modelo, cuja agressividade foi reforçada, foi escolhido pela maioria das crianças como o preferido para imitar, embora fosse criticado por elas, por não se controlar e por jogar sujo. Pelo contrário, as crianças que viram o filme onde o comportamento agressivo foi punido, não o imitavam e não escolhiam aquele modelo como preferido. Em suma, esses estudos sobre imitação do comportamento agressivo claramente demonstram que consequências reforçadoras para o modelo do comportamento podem levar a superar o sistema de valores do observador. As crianças rapidamente imitam os modelos “que se dão bem” mesmo que possa ser rotulado como moralmente repreensível e discutível e o modelo seja criticado publicamente por envolver-se nesse tipo de comportamento. 75 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR Em muitas apresentações de TV e de outros meios de comunicação de massa, modelos anti-sociais acumulam fontes de reforços consideráveis utilizando meios tortuosos e são apenas punidos após o último comercial, na suposição de que o final punitivo apagará ou irá contra a aprendizagem do modelo de comportamento anti-social. As pesquisas de Bandura (1963) revelaram que apesar da punição final administrada, esse final não impede a imitação do comportamento anti-social inicialmente reforçado. Estudos sobre autorregulação Outro tema pesquisado por Bandura (PAJARES, 2004; BANDURA, 2005) nos anos 1960 foi o do desenvolvimento infantil das capacidades de autorregulação. Para tanto, realiza estudos sobre a aquisição de padrões de atuação por autorreforço a partir da perspectiva de que as pessoas são organismos proativos, auto-organizados, autorregulatórios, autorreflexivos e não apenas organismos que reagem e são moldados por estímulos do meio. Em 1977, Bandura publicou o livro Teoria da aprendizagem social, no qual sintetiza a teoria da aprendizagem por modelação psicológica (imitação). Esse livro teve ampla repercussão no crescente interesse de muitos pesquisadores pelo aspecto social da aprendizagem. 3.4.2 A Teoria Cognitivo-Social da Aprendizagem de Bandura Bandura trabalhava com pesquisadores de vários campos de conhecimento, seu leque de interesses era bastante amplo. Por exemplo, ao estudar formas de melhorar distúrbios fóbicos, interessou-se pelas mudanças que estavam relacionadas à percepção de eficácia pelos pacientes. Ele continuava com o interesse teórico pela aprendizagem por observação, a autorregulação, a agressividade e as mudanças psicológicas, mas a partir dos anos 1980, Bandura (2006) se dedica mais a elucidar o papel mediador do pensamento autorreferenciado na atividade humana. Em meados de 1980, Bandura desenvolveu a teoria cognitivo-social da aprendizagem que ele considerava mais ampla e integradora do que a teoria da aprendizagem social. A teoria cognitiva social explica as causas do funcionamento social pela interação entre fatores cognitivos, fatores da personalidade e eventos do meio que influenciam cada um ao outro 76 Psicologia da Educação reciprocamente. Na adaptação e mudança dos seres humanos desempenham papel central a cognição, a aprendizagem vicariante (modelos), os processos de autorregulação e de autorreflexão. Competências de aprendizagem e desempenho Sugestões educacionais podem ser adaptadas das pesquisas de Bandura (1988). Para desenvolver competências que levem a obter melhor desempenho pode ser realizado um programa de aprendizagem que inclui: a) modelação qualificada; b) fortalecimento das concepções pessoais sobre as próprias capacidades e c) aumento da auto-motivação através de sistemas de metas. a) Modelação qualificada para o desenvolvimento de competências. Para lembrar e não confundir: O que é modelação? Modelação é o processo pelo qual pessoas aprendem imitando modelos. O aprendiz aqui não recebe diretamente nem reforços nem punições. Ele observa alguém que os recebe. Da observação, o aprendiz retira elementos para imitar e esta imitação é sua aprendizagem. Esse processo é objeto dos estudos de Bandura e ponto central de sua teoria. O que é modelagem? Modelagem é o processo pelo qual pessoas aprendem novos comportamentos pelo reforço direto de respostas relacionadas ao comportamento desejado. O aprendiz aqui é quem recebe os reforços ou punições. Esse processo é objeto dos estudos de Skinner e ponto central de sua teoria. 77 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR O método de modelação que produz melhores resultados inclui três elementos: 1) as pessoas observam o modelo que possui as habilidades apropriadas; 2) as pessoas realizam atividade prática guiada em condições simuladas, nas quais podem aperfeiçoar as habilidades; 3) as pessoas são auxiliadas para aplicar inicialmente suas novas habilidades em situações de trabalho ou estudo que possam ser bem sucedidas. Habilidades complexas podem ser divididas em subhabilidades, isto é, pequenos passos que podem auxiliar o domínio da habilidade. As competências humanas requerem não só habilidades, mas também, crença na capacidade própria de utilizar bem aquelas habilidades. De maneira recíproca, na medida em que se incrementam as habilidades, aumenta a crença na própria competência. O impacto da modelação sobre a crença nas capacidades é grandemente incrementado pela similaridade percebida com os modelos. Ao aperfeiçoar as habilidades, as pessoas necessitam retorno informativo de como estão fazendo. Isto é, chamar a atenção para o que foi bem feito enquanto se corrigem as deficiências. Práticas simuladas continuam até que os alunos possam desempenhar as habilidades com perícia e espontaneidade. O passo seguinte é ganhar bom desempenho e autoconfiança em situações reais. As pessoas devem ter a experiência de ser bem sucedidas utilizando o que aprenderam para poder acreditar nelas mesmas e no valor dos novos meios. FIGURA 7 FONTE: http://www.sxc.hu 78 Psicologia da Educação A situação de aprendizagem deve prover tempo de prática suficiente para obter proficiência nas habilidades modeladas. Em outras palavras, as pessoas necessitam de tempo suficiente para se convencer de sua nova efetividade. Outro detalhe importante é que novas habilidades não serão amplamente utilizadas se não se provam úteis quando postas em prática em situações de trabalho. b) Autoeficácia percebida Sobre o senso de autoeficacia, Bandura costumava dizer que as práticas educacionais deveriam ser avaliadas não só pelas habilidades e conhecimento que produzem para o uso presente. Também deveria ser considerado o que fazem com as crenças infantis sobre suas capacidades, crenças que influenciam a maneira como as crianças abordarão o futuro. Diversos estudos de Bandura mostraram que estudantes que desenvolvem um forte senso de autoeficácia estão bem equipados para educar a si mesmos quando têm que confiar em sua própria iniciativa. Há enorme diferença entre ter uma habilidade e ser capaz de utilizála bem e consistentemente em circunstâncias difíceis. O sucesso requer habilidades e forte crença na própria capacidade de exercer controle sobre os eventos que levam a alcançar uma meta. As crenças de uma pessoa sobre suas capacidades podem afetar sua vida de muitas maneiras. O que a pessoa acredita interfere nos tipos de escolhas que uma pessoa faz, no empenho que coloca naquilo que realiza, em quanto ela persevera frente a dificuldades e impedimentos e na sua capacidade de encontrar apoios e meios de enfrentar falhas e impedimentos. As crenças da pessoa determinam se os seus padrões de pensamento são autoimpeditivos ou de autoajuda. Crenças sobre autoeficácia Uma pessoa com alto senso de eficácia focaliza sua atenção em como administrar as tarefas. Uma pessoa com baixo senso de eficácia e cheia de autodúvidas se centra nas coisas que podem sair mal e nas suas incapacidades. 79 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR Observe o que você pensa quando enfrenta dificuldades. Você é do tipo de pessoa que acha que o mundo vai acabar, que você não vai dar conta, que vai dar tudo errado ou, você procura soluções e se esforça para resolver os problemas? Observe crianças. Você percebe diferenças no pensamento de autoeficácia, entre aqueles que estão bem em seus estudos e os que estão com notas baixas? Uma pessoa com alto senso de eficácia focaliza sua atenção em como administrar as tarefas. Uma pessoa com baixo senso de eficácia e cheia de autodúvidas se centra nas coisas que podem sair mal e nas suas incapacidades. As crenças das pessoas em sua capacidade afetam sua criatividade produtiva. Num experimento, pessoas que passaram por um treino de como incrementar o pensamento criativo mostraram que, quanto maior era a crença em suas capacidades, mais altas eram as metas que colocavam a si mesmas, elas permaneciam mais fortemente comprometidas em alcançar essas metas e eram mais produtivas em trazer ideias criativas. As pessoas frequentemente restringem suas opções de carreira porque acreditam que lhes faltam as capacidades necessárias, mesmo se elas têm realmente as habilidades. Se considerarmos os avanços tecnológicos, antigas barreiras permanecem: meninos tendem mais a ter bom desempenho ao lidar com computadores do que as meninas, porque eles vêem como necessário para seu futuro. Autoeficácia e motivação Crenças de autoeficácia também afetam a motivação. As crenças que as pessoas têm sobre sua eficácia determinam quanto esforço será gasto em seu empenho e quanto tempo irão perseverar face aos obstáculos. Quando enfrentam dificuldades, pessoas com dúvidas reduzem seus esforços e optam por soluções medíocres ou desistem. As pessoas que acreditam que podem lidar com tarefas e situações difíceis, não caem fora e não se afetam por elas. Aqueles que não acreditam se estressam. Eles pensam em suas deficiências, vêem as situações como cheias de obstáculos, se preocupam com possíveis problemas que dificilmente podem acontecer, se estressam e diminuem seus desempenhos. 80 Psicologia da Educação Na tensão e na depressão a auto-eficácia percebida tem a ver com habilidade de lidar com os problemas e com a própria habilidade para controlar hábitos de pensamento angustiantes. Não é a mera ocorrência de pensamentos apreensivos senão a inabilidade de retirá-los que provoca a ansiedade. A habilidade para lidar com pensamentos negativos e de mudar o pensamento para ideias que auxiliem a pessoa a se organizar para enfrentar problemas pode ser ensinada desde a infância. Como promover crenças de autoeficácia As crenças de autoeficácia das pessoas podem ser instaladas e fortalecidas de quatro maneiras. 1) Experiências bem sucedidas. Se as pessoas obtêm somente sucesso fácil e rápido podem esperar resultados rápidos e sentir-se sem coragem quando falham. Quando as pessoas se tornam seguras de suas capacidades de sucesso, elas podem lidar com falhas e insucesso sem ser adversamente afetadas por isso. 2) Experiência vicária. O segundo modo de fortalecer autocrenças é pela modelação. Fácil acesso a modelos proficientes constrói competências para lidar com situações interpessoais, de estudo e de trabalho. Ver pessoas semelhantes a si mesmo serem bem sucedidas por esforço contínuo levanta as crenças do observador sobre suas próprias capacidades. Observar similares falhando, a despeito de seu alto esforço, diminui o julgamento do observador em suas próprias capacidades e mina seus esforços. 3) Persuasão social. O terceiro modo de aumentar as crenças. Encorajamento realista pode ser mais bem sucedido se a pessoa está preocupada e cheia de dúvidas sobre si mesma. Além de incentivos, motivadores e outros, designar tarefas que levem a sucesso e evitar colocar a pessoa prematuramente em situações em que poderiam errar ou ser mal sucedidas. Para assegurar progresso no desenvolvimento pessoal, o sucesso é medido em termos de autocrescimento antes que de triunfo sobre os outros. 4) Condiçõe s fisiológicas. As pessoas também confiam parcialmente em seu nível de tensão corporal ao julgar suas capacidades. Elas medem seu estado emocional e tensão como sinais 81 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR de vulnerabilidade para desempenho pobre. Em atividades que envolvem força e desempenho corporal para vencer obstáculos, as pessoas julgam sua fadiga, dores e doenças, como sinais de incapacidade física. Uma maneira de modificar as crenças de autoeficácia é reduzir a tensão corporal e a maneira de interpretar os estados corporais. Crenças sobre habilidade Outro sistema de crenças que influencia a atitude das pessoas frente ao ensino e a aprendizagem é o de como as pessoas vêem o que é habilidade. As concepções das pessoas sobre habilidade intelectual podem ter forte impacto sobre seu próprio funcionamento. Foram identificadas duas concepções principais: na primeira perspectiva a habilidade é vista como tarefa a ser adquirida e que pode ser aprimorada continuamente pelo ganho de conhecimento e pelo aperfeiçoamento das competências pessoais. Quanto mais esforço e trabalho, mais a pessoa se torna capaz. As pessoas com esta concepção adotam uma atitude de aprendizagem curiosa e inquiridora; buscam tarefas desafiadoras que dêem oportunidades para expandir seu conhecimento e competências; vêem os erros como naturais e como parte instrutiva do manejo de novas atividades; consideram que as pessoas aprendem com os erros; consideram o empenho e o esforço como parte da obtenção de habilidades e julgam suas capacidades em termos de seu progresso pessoal e não pela comparação com outras pessoas. Quando enfrentadas com tarefas difíceis, as pessoas que pensam em termos de habilidades aprendidas analisam a tarefa para focalizar aquilo que causa problemas e buscam as melhores formas de resolver os desafios. Em contraste, na segunda perspectiva, as pessoas vêem as habilidades como capacidades fixas com as quais vieram equipadas ao nascer. Para elas, situações nas quais podem falhar são altamente ameaçadoras; elas vêem qualquer equívoco como erro fatal e como prova de que não são inteligentes; se comparam com os outros e se sentem ameaçados e sem coragem quando os outros os ultrapassam; preferem tarefas nas quais possam errar menos e que lhes permitam demonstrar proficiência, à custa da aprendizagem de novas habilidades; paradoxalmente, elas também vêem o empenho e o alto esforço como indicativo de pouca habilidade. 82 Psicologia da Educação Quando enfrentadas com tarefas difíceis, aqueles que olham sob o ponto de vista de habilidades fixas fazem um autodiagnóstico negativo, focalizam suas deficiências pessoais e os possíveis resultados adversos. Crenças sobre a capacidade de controle Outro tipo de crença importante é o quanto a pessoa se acredita capaz de controlar os eventos que acontecem em sua vida diária. Podem se salientados dois aspectos no exercício do controle: o nível de auto-eficácia para provocar mudanças pelo uso produtivo das suas capacidades e esforço; a possibilidade de mudança (ou controlabilidade) do entorno. Aquilo que a pessoa acredita poder ou não controlar e mudar em si mesma e em seu entorno, afeta a extensão com que ela tira vantagem das situações em que se encontra. Melhor desempenho escolar, por exemplo, é obtido por crianças que acreditam que de seu estudo e esforço depende o resultado que alcançam. Quando as crianças acreditam que o resultado depende do professor, ou de uma inteligência que não possuem e que a situação não vai mudar mesmo com esforço, desistem e colocam pouco empenho nos estudos. c) Autorregulação e motivação pelo sistema de metas A teoria social cognitiva enfatiza também as capacidades humanas para autodirecionamento e automotivação. Essas capacidades contribuem para a auto-regulação da at iv idade humana. Ao exercer seu autodirecionamento, as pessoas adotam padrões internos, pegam pistas sobre seu comportamento e seguem incentivos para eles mesmos sustentarem seus esforços até conseguir o que queriam. Muitas das atividades que as pessoas fazem estão dirigidas a resultados que se encontram longe no futuro. Portanto, eles têm que criar, para eles mesmos, guias e motivadores no presente para atividades que conduzam à satisfação daqueles desejos futuros, o que nem sempre é muito fácil, especialmente para crianças e pessoas que apresentem quaisquer dificuldades. 83 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR Metas motivadoras Características de metas motivadoras que auxiliam no desempenho: ter definição explícita; ser desafiadoras e interessantes; fazer a pessoa acreditar que vai progredir; ter proximidade temporal. Metas bem definidas e acessíveis aumentam o bem estar psicológico e têm efeito altamente motivador; proporcionam senso de propósito e direção; elevam e mantêm níveis de esforço necessários para alcançá-las. Metas confusas, mal definidas e que não deixam claro o que a pessoa deve alcançar, diminuem o esforço e a motivação. As metas não somente guiam e motivam o desempenho; elas também auxiliam na formação de crenças sobre as habilidades pessoais. Submetas divisão de tarefas em pequenos passos - servem ao propósito de ajudar a pessoa a avaliar seu desempenho. Um estudo analisou o que têm os jogos de computador que capturam o interesse dos jogadores por horas sem fim. Foi verificado que os jogos de computador interessantes têm metas desafiadoras e aqueles que não são interessantes não. Participação na elaboração de metas Para aumentar os efeitos motivadores as pessoas devem concordar e participar da definição das metas. Metas não têm muito efeito motivacional se há pouca concordância pessoal em relação a elas. Quando as metas estão muito distantes podem levar a desmotivação e sofrer interferências de outras influências do dia a dia. O melhor é estabelecer em conjunto, uma divisão em tarefas com uma série de metas alcançáveis, em curto prazo; as metas em curto prazo guiam e mantêm a meta final em longo prazo. O benefício de submetas foi testado com estudantes que tinham séria dificuldade em operações matemáticas. Um grupo de estudantes fez um curso com os conteúdos a aprender divididos em objetivos diários a alcançar, isto é, metas próximas. Outro grupo fez o mesmo curso, porém só havia a meta final de aprendizagem de todos os conteúdos. Um terceiro grupo não fez o curso. 84 Psicologia da Educação Os resultados da pesquisa mostraram que os estudantes que se motivaram com metas próximas aprenderam melhor as habilidades esperadas, se tornaram mais confiantes em suas capacidades matemáticas e desenvolveram grande interesse pela matemática. Ao contrário, os estudantes que tinham em mente, apenas, objetivos em longo prazo, não apresentaram melhora no seu desempenho matemático. Ao comparar o desempenho do grupo com metas em longo prazo e do grupo que não fez o curso, não foram encontradas diferenças. Faça uma lista das diversas crenças aqui descritas que influenciam o desempenho. Identifique crianças que tenham dificuldade em alguma disciplina e verifique que tipo de crenças eles têm. Compare seu trabalho com o de seus colegas: há semelhanças? Há diferenças? Quais? O que poderia ser feito para ajudar essas crianças? Conheça um pouco mais sobre os autores: Skinner - alguns livros do próprio autor fazem uma boa síntese de sua teoria: SKINNER, B. F. Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1999. _____________. Questões recentes na análise comportamental. Campinas: Papirus, 1991. _____________. Ciência e comportamento humano. 9. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994. No livro: FADIMAN, J.; FRAGER, R. Teorias da personalidade. São Paulo: Harper & Row do Brasil, publicado em 1979, há uma boa síntese da teoria skinneriana e exercícios interessantes para experimentar a modificação do comportamento. Uma síntese da teoria comportamental pode ser encontrada em: PLACCO, V. M. N. S. (Org.). Psicologia & Educação: revendo contribuições. São Paulo: EDUC, 2000. Bandura - o único livro disponível atualmente em língua portuguesa é BANDURA, A.; AZZI, R. G.; POLYDORO, S. A. J. Teoria sóciocognitiva. 85 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR O site sobre Bandura, em língua inglesa, traz biografia e resumo de sua obra, além de links para os textos mais importantes do autor. Pode ser acessado em: http:// www.des.emory.edu/mfp/bandurabio.html Um bom resumo de estudos sobre auto-eficácia, crenças auto-dirigidas, motivação e outras características da personalidade que influenciam no desempenho, pode ser encontrado no livro: COLL, C; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. (Orgs.). Desenvolvimento Psicológico e Educação: Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. Volume 2. (É bom saber que a edição de 2005 não traz essas informações já que tem outra estrutura e conteúdos diferente). De modo geral, os diversos sites de busca disponíveis na Internet permitem acesso a inúmeros artigos e informações em língua portuguesa sobre Skinner, Bandura e suas teorias. É interessante consultar e verificar o que há neles. 86 Psicologia da Educação REFERÊNCIAS ARDILA, R. Síntesis Experimental del Comportamiento. Bogotá: Planeta, 1993. Bandura, A.; Huston, A. C. Identification as a process of incidental learning. Journal of Abnormal and Social Psychology, v. 63, n. 2, p. 311-318, 1961. Bandura, A. The role of imitation in personality, The Journal of Nursery Education, v. 18, n. 3, 1963. __________. Organizational applications of social cognitive theory. Australian Journal of Management, v. 13, p. 275-302, 1988. __________. Evolution of social cognitive theory. In: SMITH, K. G.; HITT, M. A. (Eds.). Great minds in management. Oxford: Oxford University, p. 9-35, 2005. __________. Toward a psychology of human agency. Perspectives on Psychological Science, v. 1, p.164-180, 2006. GUOLART, I. B. Psicologia da Educação: fundamentos teóricos e aplicações à prática pedagógica. 4. ed., Petrópolis: Vozes, 1994. STAATS, A. W. Prólogo. In: ARDILA R. Síntesis experimental del comportamiento. Bogotá: Planeta, 1993. PAJARES, F. Albert Bandura: Biographical sketch. 2004. Disponível em: . Acesso em: 29/05/2008. 87 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental 88 UFPR Psicologia da Educação UNIDADE 4 CONTRIBUIÇÕES DE ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA PSICANÁLISE PARA O CAMPO EDUCACIONAL 89 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental 90 UFPR Psicologia da Educação 4 CONTRIBUIÇÕES DE ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA PSICANÁLISE PARA CAMPO EDUCACIONAL Muitas vezes, ao nos depararmos com alguns comportamentos das crianças na escola, não compreendemos muito bem o que motiva esses comportamentos. Quando a criança é ainda um bebê, ficamos curiosos com o modo pelo qual ela incessantemente leva as mãos à boca. Um pouco mais crescidinha, quando estamos lhe ensinando a fazer o seu asseio pessoal de modo que ela fique um pouco mais autônoma, ficamos intrigados quando, depois de deixá-la por diversos minutos em cima do peniquinho, ela faz xixi em nossas mãos. Tampouco compreendemos quando determinado aluno não desgruda da sua professora. Bem, o que será que está por trás de comportamentos tão distintos? Para a Psicanálise, o que motiva cada um deles é uma força constante que pressiona a partir do interior do organismo da criança, que não tem meios de contê-la, mas pode canalizá-la. Essa força constante é denominada por Freud de pulsão. FIGURA 8 FONTE: http://www.sxc.hu/photo/950512 A pulsão é um processo dinâmico que acontece no psiquismo de todos nós e consiste numa pressão que nasce a partir de uma excitação que acontece dentro do nosso corpo. Essa excitação produz em nós um estado de tensão, e este estado produz no nosso organismo uma urgência em suprimir essa tensão. Para realizar essa tarefa, o organismo busca um 91 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR objeto sobre o qual descarregar essa tensão (LAPLANCHE; PONTALIS, 1938, p. 506). Essa descarga de tensão é sentida pela criança como prazerosa, e a essa sensação de prazer Freud vinculou o termo sexual. Dependendo da fase do desenvolvimento do psiquismo da criança, ela descarrega essa tensão no próprio corpo, sendo o seu corpo o seu objeto para a obtenção de prazer. É o caso, por exemplo, do bebê que busca obter prazer ao sugar incessantemente ora a sua chupeta, ora o seu polegar. Em ambos os casos, o bebê está obtendo prazer ao excitar a região oral, constituída pelos lábios, boca e garganta. Assim temos que muitos dos comportamentos que as crianças apresentam na escola são manifestações da pulsão. A pulsão é uma força que nasce de excitações vindas do interior do organismo e vão produzindo um estado de tensão. Quando esse estado de tensão é suprimido, a criança sente prazer; quando esse prazer é obtido, diz-se que houve uma satisfação sexual. Além de vincular o termo sexual à redução de um estado de tensão, Freud (O. C. v.XX, 1925, 1975, p. 51) também amplia o conceito de sexualidade. Para ele, o termo sexualidade designa uma satisfação que ultrapassa a obtida nas relações sexuais genitais, ou seja, naquelas relações em que, para fins de obtenção de prazer, há a junção dos órgãos sexuais do homem e da mulher, e que nós costumamos chamar de ‘relações sexuais, acasalamento ou cópula’ (FERREIRA, s/d, p. 343). Para ele, as pulsões sexuais incluem as manifestações afetuosas e amistosas, ou seja, para esse FIGURA 9 - FREUD http://commons.wikimedia.org/wiki/ File:Sigmund_Freud_1926.jpg 92 Psicologia da Educação autor, as relações afetivas entre as pessoas são fonte de satisfação. Freud utilizou o termo Eros para se referir a essas manifestações, e ligou as manifestações eróticas às pulsões de vida, contrapondo-as às pulsões de morte. Para ele, todo o exercício da sexualidade no homem/ mulher comporta simultânea e dialeticamente manifestações que levam à construção e à destruição. A destruição é demonstrada, por exemplo, nas atitudes de agressão que uma criança dirige a si mesma ou ao seu coleguinha na sala de aula. Muitas vezes, a criança que morde a outra no parquinho da escola está querendo dizer que, na impossibilidade de falar, com palavras, do afeto que dirige ao coleguinha, só lhe resta o uso do corpo, o próprio e o do coleguinha, para comunicar esse afeto. A experiência na escola nos mostra que uma criança morde aquele coleguinha de quem se sente mais próxima. Vejamos o que Dolto (1999, p. 141) tem a dizer sobre isso. Uma criança é agredida por um menininho de quinze meses, tão grande quanto ela, que tem dois anos e meio. Derrubada por ele, a menina faz uma careta de sofrimento. Depois se levanta sem dizer uma palavra. Digo, então, ao jovem agressor: “Se ela tem uma cara engraçada, é porque ela é portadora da síndrome de Down [...] você não precisava derrubá-la! Mas ela não está chateada com você e poderia ser uma amiga para você”. Ele a rodeia, depois vem trazerlhe um objeto. Então ela o pega pelo pescoço, levando-o (até) ao pai que está lá, vindo buscá-la. Contentamento quase sem palavras! No fundo, o menino só queria entrar em comunicação com ela, o que poderia ter malogrado... (DOLTO, 1999, p. 141). A pulsão de morte manifestada por atos agressivos na criança pequena é muito comum, pois a ela falta a linguagem verbal com a qual expressar sentimentos de prazer e desprazer frente às suas experiências cotidianas na escola e fora dela. Na falta de uma linguagem verbal comum às duas crianças, elas vão utilizar a linguagem corporal. Essa é facilmente entendida por ambas. Mas, aos poucos, essas crianças deverão receber do seu meio social os instrumentos simbólicos com os quais possam compartilhar esses sentimentos. E, na escola, as pessoas privilegiadas para exercerem esse papel de introduzi-las no campo simbólico são os professores. A eles compete colocar em palavras a experiência de agressão vivida tanto por quem agrediu como por quem foi agredido, lembrando que o ato agressivo não comporta, quando se fala em criança pequena, uma intenção de produzir um dano. Isso quer dizer que o ato agressivo dirigido a um 93 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR coleguinha é um ato inconsciente. Aos poucos, na medida em que as crianças vão conhecendo melhor as palavras e seus sentidos, elas vão conseguindo expressar melhor seus sentimentos, e o corpo deixa de ser tão diretamente atingido. Falando, elas conseguem comunicar o que lhes agrada e desagrada, ou seja, o que lhes dá prazer e o que lhes causa desprazer. As pulsões de vida englobam todos aqueles comportamentos que levam a algo construtivo. É o caso, no exemplo acima, do menino que traz um objeto para iniciar uma conversa com uma pessoa que desperta nele algum afeto, algum interesse, e que minutos antes ele havia agredido. Num convívio entre seres sociais que somos, é preciso que aprendamos a controlar nossas pulsões, não só as pulsões de morte, mas também as pulsões de vida, pois o pacto civilizatório exige de nós que respeitemos uns aos outros. Por exemplo, no caso daquele menininho que, impelido pela pulsão de vida revestida de interesse, começou a se aproximar da menininha depois de têla agredido, se ela não tivesse aceitado o ‘presente’ que ele lhe trouxe, ele teria que aceitar a decisão dela. Em respeito a ela, ele teria que manifestar uma atitude de compreensão. Nesse caso, ela estaria demonstrando que ainda não estava pronta para aceitar o seu pedido de desculpas. Novamente, aqui, o papel do professor como tradutor dos sentimentos de ambos é imprescindível. Ao colocar em palavras todos os aspectos envolvidos no acontecimento, o professor estaria, por um lado, nomeando os sentimentos de cada um e as circunstâncias em que tudo ocorreu, e, por outro, e como consequência, estaria mostrando que existe outra forma de nos colocarmos diante de situações que não compreendemos muito bem, ou seja, estaria mostrando aos seus alunos que a fala, as palavras, podem ocupar o lugar de comunicação que antes estava reservado ao corpo. Aos poucos, a comunicação simbólica substitui a comunicação corporal, fruto de muitos dissabores nas escolas de Educação Infantil, uma vez que crianças pequenas têm muita dificuldade em controlar as suas ações motoras, aumentando a possibilidade de elas machucarem umas às outras. Nem as pulsões dirigidas aos laços afetivos nem as pulsões destrutivas são conscientes, e exigem de nós que imponhamos um obstáculo a elas para preservarmos a nossa estabilidade emocional. É necessário que os professores de crianças na Educação Infantil saibam que muitas vezes elas são ‘tomadas’ por suas pulsões, das quais não têm consciência, fazendo coisas das quais se arrependem logo depois de terem feito. Igualmente, é 94 Psicologia da Educação necessário que esses professores saibam que a criança precisa aprender a controlar-se, mas elas não sabem fazer isso por conta própria, principalmente porque não contam ainda com os recursos simbólicos de linguagem com os quais possam realizar reflexões complexas. Cabe ao professor estar atento aos seus alunos e sempre nomear os seus sentimentos, explicitar as circunstâncias dos acontecimentos, tanto os agradáveis como os desagradáveis, incentivando-os sempre a procurar o sentido das suas ações, utilizando-se de todos os recursos que a linguagem coloca a seu serviço. Seus alunos vão aprendendo, aos poucos, a controlar os ímpetos que prejudicam tanto a sua estabilidade emocional como o pacto civilizatório. Para Freud (1938, 1975), a nossa vida mental é função de um aparelho constituído de diversas partes: o id, o ego o superego. Em seus estudos do desenvolvimento individual dos seres humanos, ele descobriu uma área muito antiga, que influencia o funcionamento psíquico, e nomeoua com o termo id. O id “constitui o polo pulsional da personalidade; os seus conteúdos, expressão psíquica das pulsões, são inconscientes, em parte hereditários e inatos e em parte recalcados e adquiridos” (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 285). O ego deriva do id e “está numa relação de dependência quanto às reivindicações do id, bem como aos imperativos do superego e às exigências da realidade. Embora se situe como mediador encarregado dos interesses da totalidade da pessoa, a sua autonomia é inteiramente relativa” (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 171). A terceira parte do aparelho psíquico é o superego, e “o seu papel é assimilável ao de um juiz ou de um censor relativamente ao ego. Freud vê na consciência moral, na auto-observação, na formação de ideais, funções do superego” (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 643). A Psicanálise considera que é de uma organização somática que partem as pulsões que gerarão o psiquismo dos seres humanos. Mas, como isso acontece? As pulsões buscam sempre satisfação, e nessa busca não consideram restrições. Por força das exigências do mundo real, uma porção do id se transforma numa organização que atua no sentido de colocar regras às pulsões do id. A essa parte, transformada sob a influência do mundo externo, Freud deu o nome de ego. O ego tem a tarefa de autopreservação e vai agir no sentido de manter o organismo preservado tanto com relação aos acontecimentos externos como com as sensações e impressões internas. 95 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR Com referência aos acontecimentos externos, desempenha essa missão dando-se conta dos estímulos, armazenando experiência sobre eles (na memória), evitando estímulos excessivamente intensos (mediante a fuga), lidando com os e stímulos moderados (através da adaptação) e, finalmente, aprendendo a produzir modificações convenientes no mundo externo, em seu próprio benefício (através da atividade). Com referência aos acontecimentos internos, em relação ao id, ele desempenha essa missão obtendo controle sobre as exigências dos instintos [pulsões], decidindo se elas devem ou não ser satisfeitas, adiando essa satisfação para ocasiões e circunstâncias favoráveis no mundo externo ou suprimindo inteiramente as suas excitações (FREUD, v. XXIII, 1975, p. 170). Essa citação de Freud nos permite apreender que o ego põe em ação as funções intelectuais do nosso psiquismo. Com relação aos acontecimentos externos, que acontecem corriqueiramente nas escolas, para manter o psiquismo estável, o ego utiliza as funções de percepção, de memória, de classificação, de comparação, de decisão e de escolha da ação mais adequada para o momento. Com relação às sensações, às impressões e às excitações internas, o ego cria alguns mecanismos para controlar as pulsões. A esses mecanismos Freud deu o nome de mecanismos de defesa. Em cada um de nós habita um ego que tem por função manter a nossa estabilidade psíquica, mesmo que não tenhamos consciência de que tudo isso está acontecendo dentro de nós. É muito importante que um professor saiba que existe um ego em formação em cada um de seus alunos, e que quanto mais nova é a criança menos eficiente é esse agente mediador e tanto mais ela está submetida as suas pulsões. Na sua tarefa de autopreservação, na busca de adaptação do psiquismo às exigências do meio social, o ego gera um agente especial que se constitui num prolongamento das influências das regras sociais, sejam elas advindas dos pais, dos educadores ou das leis. Elas são introjetadas no psiquismo infantil durante o longo período da infância, e seus efeitos se estendem ao psiquismo do adulto. A esse agente especial Freud deu o nome de superego. Mas isso só vai acontecer depois que a criança passar pelo Complexo de Édipo e entrar numa fase em que as pulsões estarão em um estado de relativa calmaria, como veremos logo adiante. Ao diferenciar-se do ego que, por sua vez, diferenciou-se do id, o superego constitui-se numa terceira força, cabendo ao ego conciliar as exigências tanto de uma quanto da outra. O superego, ao ser constituído numa criança, conta não somente com o impacto da personalidade dos pais dessa 96 Psicologia da Educação criança, mas, também, com as tradições, crenças e valores das famílias de origem dos pais, e com as exigências do meio social no qual todos se inserem. Além disso, “o superego, ao longo do desenvolvimento de um indivíduo, recebe contribuições de sucessores e substitutos posteriores aos pais, tais como professores e modelos, na vida pública, de ideais sociais admirados (FREUD, v. XXIII, 1975, p. 171). Isso nos faz pensar em quanta responsabilidade temos quando nos propomos a trabalhar com crianças pequenas. À falta de uma linguagem verbal, essas crianças vão prestar muita atenção ao que fazemos, pois quanto menor é a criança mais ela depende, no seu processo de desenvolvimento psíquico, de sua habilidade para imitar. Precisamos nos lembrar de que a criança é um ser em formação que faz um esforço enorme para inserir-se no seu meio social. Antes do domínio da linguagem verbal e falada, mas tendo como um dos objetivos desenvolver essas habilidades simbólicas, o ego em formação nessa criança percebe as situações e as pessoas do seu meio social, memoriza atitudes que ela viu nos pais e nos professores, analisa os aspectos envolvidos e decide por uma ou outra ação. É importante ter-se em conta que tudo isso acontece sem que ela tenha consciência de que todo esse processo está em curso dentro do seu psiquismo. Do mesmo modo, o uso dos mecanismos de defesa não é consciente. Tudo isso acontece num espaço virtual que tangencia o consciente, o subconsciente e o inconsciente. Ainda, a respeito da relação entre o id e o superego, Freud (1938, 1975) observa que embora exista uma diferença fundamental entre eles o id sendo o substrato biológico do psiquismo e o superego a parte relativa às influências da sociedade , há algo em comum entre eles: ambos representam as influências do passado. O id representa a influência da hereditariedade, que é a continuidade biológica da pessoa que vem ao mundo, e o superego deriva da introjeção das leis morais consideradas válidas pelo psiquismo das pessoas que fazem parte do entorno social da criança que, ao terem contato com ela ao longo do seu desenvolvimento, influenciam-na. O id, constituindo aquela força que impõe uma satisfação imediata das suas pulsões, e o superego, cuja finalidade é a limitação dessas satisfações, produzem excessos de tensão, provocando um aumento de desprazer. Esse aumento de desprazer gera um sinal de ansiedade, sinal este próprio da função do ego. Nesse embate de forças, as incontáveis relações entre o ego, o id e o superego resultam em sínteses subjetivas (ou subjetividade). 97 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR Vimos anteriormente que Freud refere-se às pulsões de vida usando o termo Eros. Em 1938, ele relaciona ao termo Eros o termo libido e localiza no ego a cota disponível de libido, que é a energia que movimenta o psiquismo, embora a sua fonte seja somática, partindo dos diversos órgãos e partes do corpo. O ego é o responsável pela distribuição dessa energia, que vai em direção aos diferentes objetos que são investidos dessa libido e retornam ao ego, num movimento constante (Freud, 1938, 1975). Apesar de considerar o corpo inteiro como fonte de excitações geradora de libido, Freud (1938, 1975) destaca algumas delas, ligando-as a órgãos ou partes específicas do corpo humano, as zonas erógenas. Como vimos no início deste trabalho, a primeira zona erógena se localiza na região da boca, e o predomínio de excitação nessa região do corpo engendra a fase denominada de fase oral. Sabemos que a primeira atividade do bebê é mamar. Essa atividade está a serviço da preservação do corpo da criança, mas, se bastasse a nutrição para satisfazê-la, uma vez saciada, a criança não sugaria tudo o que está ao alcance de sua boca. A atividade psíquica, mediante a ação do ego, está atenta a esse modo de proceder e se concentra na satisfação obtida pela excitação da boca e órgãos adjacentes (lábios e garganta), gerando uma distinção entre aquilo que é fruto da satisfação biológica e aquilo que é fruto da satisfação propriamente psicológica. A obstinada persistência do bebê em sugar dá prova, em estágio precoce, de uma necessidade de satisfação que, embora se origine da ingestão da nutrição e seja por ela instigada, esforça-se, todavia, por obter prazer independente da nutrição e, por essa razão, pode e deve ser denominada de sexual (FREUD, 1975, p. 179). A criança que está nessa fase é extremamente dependente das pessoas que cuidam dela. Uma criança que acabou de nascer é muito frágil tanto do ponto de vista biológico como do psicológico. Nesse momento do desenvolvimento da criança, é difícil distinguir as necessidades biológicas das demandas psicológicas, e, embora, aos poucos, essas necessidades e demandas se diferenciem, elas se manterão relativamente inter-relacionadas num movimento dialético constante entre os aspectos biológicos e os psicológicos, influenciando o desenvolvimento da criança. Mesmo estando saciado pela alimentação, o bebê vai buscar satisfazer suas demandas pela excitação dos lábios, da boca e da garganta. Isso quer 98 Psicologia da Educação dizer que ele vai levar à boca tudo o que ele puder, objetivando produzir uma satisfação à sua pulsão oral. É importante que as pessoas que cuidam e educam as crianças que frequentam as escolas de Educação Infantil fiquem atentas a essa atitude, nunca considerando que a repetição incessante desse levar objetos à boca constitua uma provocação. As pessoas que se ocupam dos bebês e das crianças bem pequenas, aproximadamente com um ano de vida, precisam sempre lembrar que a pulsão exige uma satisfação e, para isso, busca um alvo. Precisam lembrar também que essa pulsão é uma força que nasce de excitações constantes vindas do interior do organismo da criança, que vão produzindo um estado de tensão. Para controlá-las, o ego precisa decidir o que fazer para acalmar essa tensão. No caso do bebê e das crianças bem pequenas, o ego leva a criança a realizar ações motoras de sucção, suprimindo a tensão, e quando esse estado de tensão é suprimido, a criança sente prazer. A segunda fase é denominada de fase anal, porque a região que passa a exigir satisfação é a região vinculada à função excretória ou relativa ao controle dos esfíncteres. Essa fase acontece com as crianças com aproximadamente dois anos. Nessa fase fica um pouco mais claro algo que já se anunciava na fase anterior, muito embora de modo quase imperceptível, e que se constitui na satisfação obtida por meio de manifestações agressivas. Freud (1938, 1975, p. 179) liga essas manifestações ao caráter sádico das pulsões. Para ele, o sadismo configura-se numa fusão das pulsões de vida e das pulsões de morte que persiste durante toda a vida psíquica da pessoa. Segundo Laplanche e Pontalis (1983, p. 605), do ponto de vista terminológico, Freud reserva o termo ‘sadismo’ ou ‘sadismo propriamente dito’ para a associação da sexualidade e da violência exercida sobre outrem, mas, de forma menos rigorosa, também usa esses termos para referir-se ao exercício da violência, sem que haja, advinda desse exercício, qualquer satisfação sexual. Isso explica a atitude da criança pequena que mencionamos no início deste texto que, ao invés de fazer xixi no peniquinho, depois de ser deixada por diversos minutos em cima dele, faz xixi nas mãos de quem a estava ajudando. Mesmo não querendo agredir, causou-lhe um desagrado. Uma situação muito difícil de lidar nessa fase é o auxílio à criança que inicia o controle dos esfíncteres e da bexiga. Não é um controle fácil de fazer e depende da prontidão do aparato esquelético e muscular da criança. Dolto (2001, p. 48) nos ajuda a identificar o melhor período para se iniciar o controle da defecação e micção. 99 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR É por volta de dois anos, a partir do momento em que a criança é capaz de subir e descer uma escada sozinha, uma escada de cozinha até o último degrau, que agarra com as mãos; bem, é nesse momento que seu sistema nervoso está pronto e que ela consegue largar as fraldas se prestar atenção. Antes, não consegue (DOLTO, 2001, p. 48). Outro dado a ser levado em consideração no aprendizado desse controle relaciona-se ao fato de que ele exige muita paciência das pessoas que cuidam das crianças pequenas. Como vimos, esse aprendizado não depende só do desejo da criança, pois não tem nada mais importante para ela nessa fase do que agradar a sua mãe ou quem cuida dela. Ela vê a mãe ou quem cuida dela como a fonte de todas as suas satisfações e não tem nenhuma intenção de perder essa fonte inesgotável de cuidados. Se ela não consegue fazer o cocô e o xixi no peniquinho, é porque talvez essa exigência seja muito prematura. Usar a força física com essa criança, além de ser uma violência, constitui-se numa manifestação da pulsão destrutiva de quem exerce essa agressão. É necessário que a criança aprenda a controlar o seu organismo, mas não a qualquer custo. A terceira fase, segundo Freud (1975, p. 179), é uma precursora da forma final que a vida sexual assumirá após o surgimento da adolescência, quando então a sexualidade atingirá a sua fase genital. Essa fase, que atinge a criança mais ou menos aos três anos, foi denominada de fase fálica, sendo que o interesse sexual recai sobre os órgãos sexuais. A criança que está na fase fálica já tem uma noção melhor, se comparada com as fases anteriores, de que existe uma distinção entre ela própria e o outro, ou seja, entre o seu eu e o objeto. Isso acontece porque o desenvolvimento do ego da criança lhe permite estabelecer relações com objetos com um alto grau de continuidade e estabilidade. E ele acrescenta que isso torna possível à criança nutrir sentimentos de ciúme, medo e raiva por um rival, com todas as características essenciais desses sentimentos na vida adulta (BRENNER, 1987, p. 118). A pulsão nessa fase dirige seu interesse para os pais. São eles os objetos aos quais a força pulsional se dirige, constituindo o que Freud chamou de Complexo de Édipo. 100 Psicologia da Educação Segundo Laplanche e Pontalis (1983), o Complexo de Édipo é um conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança experimentarelativamente aos pais. Sob a sua forma ‘positiva’, o complexo apresenta-se como na história de Édipo-Rei: desejo da morte do rival que é a personagem do mesmo sexo e desejo sexual da personagem do sexo oposto. Sob a sua forma ‘negativa’, apresenta-se inversamente: amor pelo progenitor do mesmo sexo e ódio ciumento ao progenitor do sexo oposto. Na realidade, estas duas formas encontram-se em graus diversos na chamada forma ‘completa’ do complexo de Édipo (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 116). O Complexo de Édipo tem sido foco de muitos estudos e é um tema controverso, mas quem está atento às crianças nessa faixa etária percebe que seu interesse desliga-se do seu próprio corpo e volta a sua atenção para as diferenças sexuais anatômicas das pessoas do seu entorno social. E quem está lá? Pessoas do sexo feminino e pessoas do sexo masculino. Essa diferença causa grande curiosidade na criança, que passa a dedicar à libido, tentando compreender um pouco melhor tudo o que diz respeito a essa diferença. Mas, subjacente a essa curiosidade geral sobre as diferenças sexuais, está uma questão primordial para ela. A criança nessa fase se pergunta, de modo inconsciente: afinal, do ponto de vista da sua sexualidade, o que ela é? Para responder a essa questão, ela vai colocar-se em muitas situações de experimentação envolvendo a sua sexualidade. Na escola, isso acarreta atitudes como as de querer ver e pegar os órgão genitais dos coleguinhas, de exibir os próprios órgãos genitais e, principalmente, atitudes relacionadas à masturbação na sala de aula ou nos banheiros da escola (VALENTE, 2008). Essas atitudes provocam muitas vezes inquietações nos professores, mas é preciso ter em mente que essas experimentações fazem parte da descoberta que as crianças nessa fase estão fazendo relativas ao próprio corpo e à própria sexualidade. De seres potencialmente bissexuais no inicio dessa fase, depois da resolução do Complexo de Édipo a menina identificase com a mãe e o menino com o pai. Cada um deles sai dessa fase com uma marca de feminilidade, no primeiro caso, e de masculinidade, no segundo. A partir daí, Freud (1975, p. 180) nos diz que, entre essa fase fálica e a puberdade, uma porção de libido fica retida, outra é incorporada à função sexual como atos preparatórios para a sexualidade adulta, gerando 101 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR uma satisfação que ele denomina de pré-prazer, e outra porção é excluída da organização libidinal. Essa exclusão pode acontecer por supressão (repressão) dos impulsos ou pelo deslocamento dessa energia, que redireciona o seu objetivo sexual. Essa energia, que até então se direcionava para a obtenção de prazer no próprio corpo da criança e que constituía o prazer característico das fases oral, anal e fálica, volta-se para a obtenção de prazer fora do corpo da criança. A esse movimento de deslocamento da pulsão para objetos fora do corpo da criança, Freud (1975, p. 181) chamou de sublimação. A sublimação é, segundo Laplanche e Pontalis (1983), um processo postulado por Freud para explicar atividades humanas sem qualquer relação aparente com a sexualidade, mas que encontrariam o seu elemento propulsor na força da pulsão sexual. Freud descreveu como atividades de sublimação principalmente a atividade artística e a investigação intelectual (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 638). Essa fase, que fica entre a fase fálica e a adolescência, recebeu o nome de fase de latência. Não fica difícil entender a importância do processo de sublimação na criança na fase de latência em relação ao seu processo de escolaridade. É nessa etapa do desenvolvimento do seu psiquismo que, muitas vezes, ela está entrando na escola para ser alfabetizada. Pode-se dizer que, ao entrar na escola, a criança carrega em si uma força pulsional, erótica, que a impulsiona para a aprendizagem e, consequentemente, para a ampliação do seu universo simbólico e conhecimento. Isso nos leva a pensar que, para além do caráter socializador da escola, ela se constitui em um locus privilegiado de inserção no simbólico, na linguagem, entendida aqui na sua acepção mais ampla. Freud diz que é um processo de defesa do ego, a repressão, o que dá inicio à latência. Laplanche e Pontalis afirmam que “a repressão num sentido lato é uma operação psíquica tendente a fazer desaparecer da consciência um conteúdo desagradável ou inoportuno: ideia, afeto, etc. (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 638). No capítulo intitulado “Um estudo autobiográfico”, Freud (1975, p. 5051) diz que um fato notável no desenvolvimento da vida sexual do ser humano é a ocorrência de duas ondas, com um intervalo entre elas, que ele chamou de desencadeamento bifásico. A primeira fase desse encadeamento atinge um primeiro clímax no quarto ou quinto ano da vida de uma criança 102 Psicologia da Educação (constituída pela fase fálica), e a segunda ocorre na puberdade. O que quebra a cadeia é o período de latência, no qual as pulsões sexuais da primeira fase são reprimidas e são estruturadas as formações reativas de moralidade, vergonha e repulsa. “Na vida sexual da puberdade, verifica-se uma luta entre os anseios dos primeiros anos e as inibições do período de latência” (FREUD, 1975, p. 51). As formações reativas constituem-se em hábitos ou atitudes psicológicas de sentido oposto a um desejo recalcado e como reação a ele. Elas podem ser apresentadas em comportamentos singulares e peculiares ou constituírem-se em traços de caráter mais ou menos integrados no conjunto da personalidade de uma pessoa (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 258). Sarnoff (1995, p. 41) discorda um pouco de Freud quanto à diminuição da intensidade da força pulsional na criança que está na fase de latência. Para ele, não há a diminuição de intensidade na energia sexual nessa fase. O que há é um modo de descarregar essa energia que se serve dos mecanismos de defesa de ego característicos dessa fase. São eles: a sublimação, a formação reativa, a fantasia, a regressão e a repressão. Os conceitos de sublimação, formação reativa e repressão já foram abordados anteriormente; resta serem explicitados os mecanismos de fantasia e regressão. A fantasia (ou fantasma) constitui-se em uma encenação imaginária em que a pessoa está presente e que figura a realização de um desejo que, não raro, é um desejo inconsciente, sendo que essa figuração aparece de modo mais ou menos deformado, pois deriva de processos defensivos (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 228). A regressão, por sua vez, constitui-se num retorno em sentido inverso desde um ponto já atingido até um ponto que lhe seja antecedente, desde que o processo psíquico no qual se insere esse retorno contenha um sentido de percurso ou de desenvolvimento (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 567). Para o que é próprio do âmbito educacional, convém mencionar que “essas defesas da latência permitem que a criança dirija as suas energias para um comportamento e aprendizagem cooperativos” (SARNOFF, 1983, p. 42). A fase genital corresponde ao exercício da sexualidade própria do adolescente, que vai se prolongar na fase de adulto e depois na terceira idade, com as atitudes características de cada uma dessas fases. Para Blos (1985, p. 6), “o fato biológico da puberdade dá origem a uma nova organização das pulsões e do ego”. O ego é o mediador entre a pulsão e as exigências do mundo exterior e, para realizar essa tarefa, ele 103 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR recorre a processos mentais de pensamento e julgamento, visando atingir a sua principal função, que é proteger o funcionamento mental. Na adolescência, a finalidade do ego mantém-se a mesma das fases que a antecederam. Esse autor considera importante definir as precondições que o ego precisa ter no início da adolescência, para que as qualidades e funções especificamente adolescentes possam se desenvolver. Para Blos (1985, p. 1745), a criança na fase de latência precisa essencialmente aumentar os seus investimento libidinais nas representações que vêm produzindo tanto no que se refere aos objetos sublimados quanto no seu próprio eu; capacitar o ego para resistir ao mecanismo de regressão, expandindo a esfera resistente ao conflito interno; desenvolver um ego crítico que complemente as funções do superego, de modo que a autoestima melhor regulada atinja um grau de independência relativa ao ambiente; reduzir o uso da linguagem corporal, ampliando concomitantemente a capacidade de expressão verbal; e desenvolver o processo de pensamento secundário (próprio das esferas conscientes da mente) como meio de reduzir a tensão e exercer um domínio do ambiente (social) por meio da aprendizagem de habilidades. Embora suficientes para as exigências do período de latência, essas condições são insuficientes quando consideradas as exigências do período da adolescência. “Incapaz de dominar as situações críticas que tem de enfrentar, o ego recorre a vários mecanismos de estabilização como medidas temporárias para proteger sua integridade” (BLOS, 1985, p. 178). Os mecanismos de estabilização do funcionamento mental do adolescente não são claramente distintos, podendo se fundir uns nos outros, dependendo da ênfase, até que adquiram um caráter novo e mais duradouro (BLOS, 1985, p. 180). Isso acontece, por exemplo, no mecanismo estabilizador constituído pela identificação. A identificação é um processo psicológico pelo qual um indivíduo assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo dessa pessoa (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 295). Esse processo está na base da constituição de uma personalidade (ou subjetividade). A identificação na adolescência pode ser de cunho defensivo, primitivo, transitório e adaptativo. A identificação primitiva anula o esforço que o ego fez de distinguir o eu do objeto; a identificação defensiva e a contraidentificação decorrente podem deixar marcas permanentes no ego; 104 Psicologia da Educação a identificação transitória segue um movimento que vai da fantasia até a formação do ideal de ego e da sublimação; e a identificação adaptativa é uma função do ego autônomo. “As transições e combinações dessas várias formas de identificação são típicas do desenvolvimento adolescente” (BLOS, 1985, p. 181). Outro mecanismo estabilizador típico da adolescência é a intelectualização, processo por meio do qual o indivíduo procura dar uma formulação discursiva aos seus conflitos e às suas emoções, de modo a dominá-los (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 315). Para Blos (1985, p. 181), a intelectualização representa uma tentativa de dominar os perigos pulsionais pelo deslocamento. Esse autor afirma que nesse contexto dos mecanismos que têm funções estabilizadoras para os adolescentes cabe ainda mencionar a criatividade, que serve para o domínio interno dos conflitos emocionais (BLOS, 1985, p. 182). Em síntese, supõe-se que a importância e mesmo a necessidade de um pedagogo ou professor ou educador conhecer toda essa explicação reside no fato de, muitas vezes, comportamentos expressos pelos alunos na sala de aula ou nos pátios da escola serem nada mais do que manifestações da pulsão, cuja característica principal é a de ser uma força constante em direção de um alvo em busca de satisfação. De como e quanto os mecanismos de defesa são utilizados pelo aparelho psíquico depende a estabilização do psiquismo, principalmente quando consideradas as fases de latência e adolescência. A RESPEITO DAS FRALDAS Depoimento: “Sou mãe de cinco filhos com idades bem próximas, o mais velho tem dez anos e o menor tem dois anos e um mês. Entre meus dois primeiros filhos, há apenas um ano de diferença. Como muitas mães, tinha pressa em tirar as fraldas de meu primeiro menino, principalmente porque sua irmãzinha era bem pouco menor do que ele. Então insisti em apresentar-lhe o penico com a maior freqüência possível, à s vezes, a cada hora e ralhava com ele porque não obtinha resultados e também porque sujava fraldas. Depois de um ano de esforços, ele abandonou as fraldas aos dois anos exatos, durante o dia, e aos dois anos e meio, à noite. Portanto, nada glorioso. Isso para meu primeiro filho; depois inverti o um pouco o sistema. Apresentei o penico 105 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR sem ralhar, ou ralhei sem apresentar o penico etc. Até o último, finalmente, o quinto, que dispôs de liberdade total: nunca lhe apresentei o penico. A minha conclusão é a seguinte: todos os meus filhos largaram as fraldas aos dois anos de dia e aos dois anos e meio à noite. Acho inútil querer que os filhos abandonem as fraldas a qualquer preço”. Resposta de Dolto: Muito divertido e instrutivo, agradeço a essa mãe pelo testemunho. Acho que isso vai servir de consolo para muitas mães que se atormentam porque seus filhos não largaram as fraldas. Devo dizer também que ela teve sorte que o mais velho não continuasse a fazer pipi na cama: começou a ensiná-lo cedo demais. É por volta de dois anos, a partir do momento em que a criança é capaz de subir e descer uma escada sozinha, uma escada de cozinha até o último degrau, que agarra com as mãos; bem, é nesse momento que seu sistema nervoso está pronto e que ela consegue largar as fraldas se prestar atenção. Antes, não consegue. Essa mãe teve um outro filho, um ano depois. Acho que o mais velho deve ter considerado o interesse de sua mãe pelo seu bumbum algo muito agradável: graças a isso, ela se dedicava especialmente a ele. Acho bastante inteligente o que ela fez, sem saber, com o mais velho que, com isso, continuou a monopolizar o interesse materno após o nascimento do segundo. Os outros filhos agem por identificação com o mais velho. Todos querem agir tão bem quanto o mais velho assim que conseguem. É claro que as meninas só conseguem por volta de um ano e nove meses e os meninos por volta de um ano e onze meses: os meninos largam as fraldas depois das meninas. Mas faço uma pergunta: Esse primogênito não seria um pouco perfeccionista, menos livre, menos flexível em seus movimentos do que os outros? Se ele não for assim, tudo esta perfeito. Todavia, é de fato uma pena perder tanto tempo com o penico enquanto há tantas outras coisas a serem feitas para desenvolver as habilidades das mãos, da boca, da fala, do corpo inteiro... Quando uma criança é hábil com as mãos, acrobata, isto é, goza com liberdade e relaxamento de uma boa coordenação de seus movimentos e de um tônus dominado, quando já fala bem, sente prazer em abandonar as fraldas por conta própria, em fazer como fazem os adultos, isto é, ir ao banheiro. Aproveito para dizer que as mães jamais deveriam colocar o penico no banheiro, exceto à noite, e que a menos que faça muito frio e apenas no inverno a criança vá sempre fazer as necessidades no banheiro e nunca nos cômodos em que se vive e em que se come. Adaptado do capítulo 6 do livro: DOLTO, F. Quando surge a criança. 2. ed, tomo I, p. 47-9. 106 Psicologia da Educação A RESPEITO DA MANIFESTAÇÃO DO COMPLEXO DE ÉDIPO - FASE FÁLICA Depoimento: Minha filha de três anos que é bastante equilibrada há três meses desperta todas as noites. Fui falar com algumas amigas que têm filhos pequeno e elas confirmaram que seus filhos também despertam muitas vezes, três ou quatro vezes por noite. Fui falar com o pediatra e pedi que ele receitasse calmantes a minha filha, mas ele se recusou. Resposta de Dolto: Trata-se de uma criança com já três anos... Ora, três anos é a idade em que a menininha é presa de um amor incendiário pelo pai. Essa mãe não fala do marido, mas provavelmente deve dormir na cama junto com o marido. Acho que a menininha gostaria de ter um companheiro ou uma companheira de sono, como a mãe. [...] Aos três anos, acontece o despertar: procurar a mãe, voltar a ser pequena e estar de novo perto dela, porque é a idade em que se cresce, adquirindo-se a consciência de ser menino ou menina. Uma coisa boa a se fazer é brincar de cabra-cega de dia com a criança, escurecer o quarto. Coloca-se uma faixa sobre os olhos e finge-se de ser noite; a gente levanta-se, faz algo, acende a luz, apaga etc. Mas evita ir acordar o pai ou a mãe. Acho que depois de algumas explicações, por intermédio da brincadeira, a criança vai compreender muito bem que deve deixar os pais em paz; quando crescer, vai ter um marido, mas agora é pequena, embora não seja um bebê. [...] Acho absolutamente necessário a mãe explicar que os meninos e as meninas têm sexo diferentes, deve pronunciar a palavra ‘sexo’, que não é uma questão de pipi; ela é uma menininha bonita e vão tornar-se uma mocinha e, depois, uma mulher, como a mãe. O médico tem toda a razão: os calmantes só resolvem o problema da mãe. [...] Porque essa criança está sozinha e acho que tem ciúmes, com três anos, dos dois pais que estão juntos na cama. Adaptado do capítulo 9 do livro: DOLTO, F. Quando surge a criança. 2. ed, tomo I, p. 65-7. 107 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 1. Conceitue pulsão de acordo com a teoria psicanalítica. 2. Cite dois exemplos de manifestação da pulsão de vida. 3. Cite dois exemplos de manifestação da pulsão de morte. 4. Cite as partes constitutivas do aparelho mental segundo Freud. Elabore um quadro com as características do id, do ego e do superego, explicitando as relações entre eles, os pontos em que são semelhantes e os pontos em que se diferenciam. Cite as características das fases oral, anal e fálica e estabeleça a relação entre cada uma delas e a pulsão sexual. Leia atentamente o que o texto diz sobre a fase de latência e faça um resumo, articulando os mecanismos de defesa dessa fase e os processos intelectuais ligados à aprendizagem na escola. 108 Psicologia da Educação REFERÊNCIAS BLOS, P. Adolescência. Tradução Valtensir Dutra. São Paulo: Martins Fontes, 1985. BRENNER, C. Noções básicas de Psicanálise: introdução à psicologia psicanalítica. Tradução de Ana Maria Spira. 4. ed. São Paulo: EDUSP, 1987. DOLTO, F. Quando surge a criança. Tomo I. 2. ed. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 2001. FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. XXIII. Rio de Janeiro: Imago, 1938, 1975. _________. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. XX. Rio de Janeiro: Imago, 1938, 1975. JORGE, M. A. C. Fundamentos de Psicanálise de Freud a Lacan: as bases conceituais. 4. ed., v. I. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J-B. Vocabulário da Psicanálise. 7. ed. Tradução de Pedro Tamen. São Paulo: Martins Fontes, 1983. SARNOFF, C. A. Estratégias psicoterápicas nos anos de latência. Tradução de Regina Garcez. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. VALENTE, T. S. Do nascimento do ego e da constituição do inconsciente. In: VI Jornada de Cartéis da Escola da Coisa Freudiana, 2008, Curitiba/Paraná. Anais. Curitiba/Paraná: Escola da Coisa Freudiana (mimeo). p. 3132. 109 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental 110 UFPR