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Boa Pergunta - R. C. Sproul

Um livro sobre perguntas e respostas cristãs

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B OA P UNTA! R. C. Sproul Publicado em Inglês com o título Now, That’s a Good Question!, R. C. Sproul. Copyright © 1996 by Tyndale House Publishers, Inc. All rights reserved. Copyright © 1999, Editora Cultura Cristã. Todos os direitos são reservados. Ia edição - 1999 3.000 exemplares Tradução: Heloísa Cavalari Ribeiro Martins Revisão: Lúcia Kerr Jóia Flávia Bartkevicius Cruz Editoração: Aldair Dutra de Assis Capa: Idéia Dois Publicação autorizada pelo Conselho Editorial: Cláudio Marra (Presidente), Aproniano Wilson de Macedo, Augustus Nicodemus Lopes, Fernando Hamilton Costa, Sebastião Bueno Olinto. €DITORn CUITURA CRISTA Rua Miguel Teles Junior, 382/394 - Cambuci 01540-040 - São Paulo - SP - Brasil C.Postal 15.136 - São Paulo - SP - 01599-970 Fone (0**11) 270-7099 - Fax (0**11) 279-1255 www.cep.org.br-cep@ cep.org.br Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Cláudio Antônio Batista Marra -C~r<Í^ é~ -3 ÍNDICE Prefácio 5 Conhecimento de Deus 7 Quem é Jesus? 29 A Ação do Espírito Santo 41 O Livro dos Livros 53 O Caminho da Salvação 71 O Pecado e o Pecador 97 Fé e Filosofia 113 O Poder e o Propósito da Oração 129 Vida Espiritual Crescente 143 Compreendendo Satanás 175 Céu e Inferno 183 Compartilhando a Fé 201 A Igreja 213 Casamento e Família 243 A Carreira Profissional 269 Dinheiro e Finanças 281 Questões de Vida e Morte 293 Sofrimento 301 O Final dos Tempos 315 Ética Pessoal 329 Os Cristãos e o Governo 349 Passagens Difíceis 365 índice Remissivo 387 PREFÁCIO O teólogo freqüentemente sofre o mesmo tipo de pressão que os pisto­ leiros do Velho Oeste sofriam. Da mesma forma que jovens pistoleiros pro­ curavam veteranos famosos para desafiá-los e construir sua reputação, al­ gumas pessoas (especialmente estudantes!) têm um prazer quase diabólico em descobrir aquela pergunta teológica mais complicada. Sem dúvida, o grande debate escolástico da Idade Média sobre quantos anjos poderiam dançar sobre a cabeça de um alfinete teve seu início numa pergunta feita por algum estudante impertinente. Há aproximadamente dez anos, eu me expus a um grande número de desafios. Atuando no Ligonier Ministries durante a década de oitenta, con­ vidávamos amigos interessados em se juntar a nós num estúdio de grava­ ção, onde poderiam fazer qualquer pergunta sobre teologia que desejassem. Eu não ouvia nem lia as perguntas com antecedência, mas tinha de tentar respondê-las no espaço de quatro minutos para cada uma. Perguntas e res­ postas eram gravadas e transmitidas para várias estações de rádio. O pro­ grama se chamava simplesmente “Pergunte a R. C. ” Aproximadamente tre­ zentas dessas perguntas e respostas estão reunidas nesse livro, bem revisa­ das e livres de hesitações. Talvez a primeira boa pergunta que se devesse fazer fosse por que eu me submeteria a tal experiência penosa. Ao contrário de muitas perguntas des­ se livro, essa é fácil de responder. As pessoas têm perguntas realmente difí­ ceis e importantes a fazer. Embora responder a perguntas pouco sinceras seja uma realidade desagradável em minha profissão, responder às que são sinceras é uma alegria. Em qualquer empreendimento, a confusão pode ser debilitante. Quando começamos a fazer perguntas de grande importância e quando tais pergun­ tas nos conduzem ao caráter de Deus, a confusão é natural. Deveríamos quase contar com elas. Afinal, Deus é infinito e nós somos bem finitos. Nossa confusão, muitas vezes, provém dessa verdade fundamental — o finito não pode compreender o infinito. Entretanto, Deus não nos deixa nessa condição precária. Em sua miseri­ córdia e bondade ele condescendeu em falar conosco, em nos ensinar atra­ vés de sua criação e de sua Palavra. Que honra, portanto, pertencer à profis­ são que procura ajudar as pessoas a aprender aquilo que Deus revelou. O que espero que você encontre neste livro não é a opinião de R.C. Sproul sobre algumas perguntas espinhosas, mas sim a sabedoria de Deus. O perigo real de assumir o desafio de responder às perguntas de outras pessoas não é o de que poderá haver perguntas para as quais eu não tenho respostas. O perigo maior é que minhas respostas não sejam verdadeiras — que eu ensine algo errado. Esse é o perigo a respeito do qual as Escrituras advertem quando pro­ metem um julgamento severo para os mestres que induzem as pessoas a se desviar da verdade. Meu problema, então, não é apenas que sou finito, mas que sou falível. Como ser humano, eu erro. E possível mesmo que tenha errado ao responder às perguntas que constam desse livro. Entretanto, você pode ajudar a aliviar o meu medo. A medida que você ler este livro procurando respostas, por favor, faça isso com o espírito dos bereanos. Por favor, confira as Escrituras, pois somente elas são nossa au­ toridade máxima. Somente elas são infalíveis naquilo que ensinam. Elas são nosso guia e nossa luz. Quando temos uma pergunta sempre podemos afirmar, com respeito às Escrituras: “Boa Resposta.” ó C O N H E C I M E N T O DE D E U S Assim diz o SENHOR: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem o forte, na sua força, nem o rico, nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR efaço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas cousas me agrado, diz o SENHOR. — J e r e m ia s 9.23,24 Perguntas dessa seção: • • • • • • • • • • • • • • • Por que Deus nos ama tanto? Quais são os atributos de Deus? Qual é a compreensão comum que os cristãos têm de Deus? Por que Deus permanece invisível? O que é “providência de Deus”? O que significa chamar Deus de Pai Nosso? Quais as características do Deus dos cristãos que o diferenciam dos ou­ tros deuses? Entre as outras religiões do mundo, existe alguma que compartilhe o con­ ceito cristão de santidade de Deus? Na Bíblia inteira somos ensinados a temer a Deus. O que significa isso? Dizem que a Bíblia ensina que Deus se revela a todas as pessoas através de sua criação. Como uma pessoa comum pode ver Deus e seus atributos através da natureza? Por que Deus precisou enviar anjos para verificar a maldade de Sodoma e Gomorra? Ele já não sabia de tudo? O que é um milagre, e você acha que Deus ainda os realiza hoje? Você acredita que Deus falou audivelmente a alguém depois da era apostólica? Como você define soberania de Deus? Como reconciliamos o fato de que Deus é soberano com o fato de que ele nos deu livre arbítrio como pessoas? • Com referência a João 6.44, Deus constrange as pessoas a virem a ele? • O que é predestinação? • Por que Deus permite que uma bala perdida mate gente inocente? • N o Antigo Testamento, Deus promoveu julgamento contra Israel e contra ou­ tras nações através de acontecimentos catastróficos. Isso ainda acontece? • Por q u e Deus n o s a m a ta n to ? Essa é uma das perguntas mais difíceis de responder se pensarmos nela sob a perspectiva de Deus. Aqui estamos nós, suas criaturas, que fomos feitas à sua imagem com a responsabilidade de espelhar e refletir sua glória e sua retidão para todo o mundo. Nós o desobedecemos vezes sem conta, em todos os lugares e de todas as maneiras. Ao fazer isso, representamos mal o seu caráter diante de todo o universo. A Bíblia diz que a própria natureza geme esperando o dia da redenção da humanidade, porque a natureza sofre com nossa iniqüidade (Rm 8.22). Quando pensamos em como temos sido desobedientes e hostis para com Deus, nós nos perguntamos o que teria feito com que ele nos amasse tanto. Em Romanos 5.7, quando Paulo está abismado com o amor de Cristo mani­ festado em sua morte, ele diz: “Dificilmente alguém morreria por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém se anime a m o r r e r Esse é o tipo de amor que transcende a tudo que temos experimentado nesse mundo. Creio que a única coisa que posso concluir é que amar é próprio da natureza de Deus. Amar é parte do seu caráter intrínseco e eterno. O Novo Testamento nos diz que Deus é amor. Esse pode ser um dos versículos mais mal compreendidos das Escrituras. Lembramos que, alguns anos atrás, era moda dizer que “felicidade é um cachorrinho fofo.” Tínha­ mos essas definições sucintas do conceito de felicidade, que se estendiam também ao amor — “Amar é nunca ter de pedir perdão” e outras frases parecidas — e todos nós estávamos muito interessados em compreender todo o processo do amor. Mas quando a Bíblia diz que Deus é amor, essa afirmação não é o que chamamos de afirmação analítica na qual se pode trocar o sujeito e o predi­ cado e dizer que, portanto, o amor é Deus. Não é isso que a Bíblia quer dizer. Ao contrário, o que a forma da expressão hebraica quer dizer é que Deus ama tanto e que seu amor é tão consistente, tão intenso, tão profundo, tão transcendente e uma parte tão integral de seu caráter que, para poder expressar da maneira mais absoluta possível, dizemos que ele é amor. Isto é, simplesmente afirmamos que Deus é o padrão máximo e definitivo de amor. • Q u ais são os a trib u to s de Deus? Quando falamos sobre atributos de Deus, estamos nos referindo àquelas características que descrevem a pessoa de Deus. Ele é uno. Ele é santo. É onisciente. E onipresente. E onipotente. Essas são algumas das palavras que usamos para descrever a natureza e o caráter de Deus, essas são características que atribuímos ao ser de Deus. Quando descrevemos os atributos de alguém, normalmente fazemos uma distinção entre a pessoa e seus atributos. Por exemplo, você pode dizer que sua mãe é paciente, mas você não diria que sua mãe é paciência. E você diria que sua mãe é mais que uma simples lista de traços de caráter. Da mesma forma, Deus não é apenas uma lista de atributos. Mas Deus é dife­ rente de sua mãe no sentido de que, para começar, é a pessoa de Deus que define os atributos. Quanto melhor compreendemos a Deus, melhor apren­ demos o que é a verdadeira bondade, o que são verdade, beleza, paciência e poder. Nesse sentido, Deus é seus atributos. Isso não quer dizer que ele seja um ser composto — dois quilos de onipresença mais dois quilos de onisciência e dois quilos de existência própria, etc. — , uma mistura de tudo para nos dar um conceito de Deus. Ao contrário, Deus em sua essência, no seu próprio ser, é santo, e essa santidade é imutável. Tudo em Deus é imutável e tudo é santo. Esses atributos não podem ser amontoados como areia numa duna para nos dar um retrato abrangente de Deus. Ao estudarmos os atributos individuais de Deus, entretanto, não estamos dissecando Deus em várias partes. Estamos simplesmente focalizando nos­ sa atenção por um momento em uma dimensão ou aspecto de seu ser. Isso pode ser muito útil para o nosso entendimento de Deus porque a única ma­ neira pela qual somos capazes de conhecê-lo é através de seus atributos. Quanto mais os entendermos, melhor entenderemos o ser e o caráter de Deus e mais seremos motivados a adorá-lo e a obedecer-lhe. Para mais informação sobre os atributos de Deus, gostaria de sugerir um livro que escrevi sobre o assunto, The Character of God, (O Caráter de Deus) (Servant, 1995), no qual discuto os atributos de Deus para estudo com leigos. • Q u a l é a c o m p r e e n s ã o c o m u m q u e os cristãos tê m de D eus? Não sei qual é a visão de Deus que a maioria do mundo cristão tem. Posso apenas adivinhar a partir do pequeno universo no qual vivo e de mi­ nha exposição a vários grupos de pessoas. Certamente encontro uma visão de Deus que é muito difundida na comu­ nidade cristã, pela qual Deus é, de certa forma, reduzido em sua abrangência ao retrato bíblico que temos dele. Ele é visto como uma espécie de avô celestial, benevolente em todos os aspectos e cuja característica principal — e às vezes único atributo — é o amor. Sabemos que a Bíblia, sem dúvida, dá ênfase ao amor de Deus e chega até mesmo ao ponto de dizer que Deus é amor. Mas creio que corremos um grave perigo de despojar Deus da plenitude de seu caráter, como está revelado nas Escrituras. Isso se torna uma forma pouco sutil de idolatria. Por exemplo, se diminuímos a santidade de Deus, ou a soberania de Deus, ou a ira de Deus, ou a justiça de Deus e escolhemos apenas aqueles atributos dos quais gostamos, menosprezando aqueles que nos amedrontam ou nos deixam pouco confortáveis, estamos trocando a verdade de Deus por uma mentira e adoramos um deus que é, na realidade, um ídolo. Pode ser um ídolo sofisticado — não é algo feito de madeira, pedra ou bronze — mas, não obstante, o conceito que temos do Deus que adoramos deve ser coerente com aquilo que Deus é. Tenho lutado durante anos para centralizar a atenção na doutrina de Deus — do caráter de Deus. Três dos meus livros tratam da doutrina de Deus, o Pai: A Santidade de Deus, Eleitos de Deus — que focaliza a soberania de Deus — , e o último, The Character ofGod (O Caráter de Deus), que trata dos atributos de Deus. Eu os escrevi intencionalmente como uma trilogia para enfatizar o caráter de Deus Pai porque penso que corremos um grave perigo de descuidar ou distorcer a sua imagem no mundo cristão contemporâneo. Temos alguma idéia de quem é Jesus, e a renovação carismática tem dado muita atenção ao Espírito Santo nos últimos anos. Mas, quase siste­ maticamente, ignoramos Deus, o Pai. Também sabemos que muitos cris­ tãos ignoram o Antigo Testamento. Toda a história do Antigo Testamento é principalmente a revelação de Deus, o Pai. Tudo que lemos sobre Deus, o Filho, ou Deus, o Espírito Santo — tão ampliados no Novo Testamento — pressupõe o conhecimento de Deus, o Pai, que nos é dado no Antigo Testa­ mento. Penso que é prioritário para a comunidade cristã desenvolver uma compreensão maior do caráter de Deus. • Por q u e Deus p e rm a n e c e invisível? Creio que não existe nada que tome a vida cristã mais difícil de ser vivida do que o fato de que o Senhor a quem servimos é invisível para nós. Conhecemos a expressão popular que diz “Longe dos olhos, longe do cora­ ção.” É muito difícil viver a vida dedicado a alguém ou a alguma coisa que não podemos ver. Freqüentemente ouvimos pessoas dizerem que quando puderem ver, tocar, provar ou cheirar, elas crerão e aceitarão, mas não antes disso. Esse é um dos problemas mais difíceis da vida cristã: Deus raramente é percebido através de nossos sentidos físicos. Por outro lado, podemos dizer que uma das maiores esperanças colocadas diante da igreja cristã é a promessa daquilo que chamamos em teologia de visão beatífica, ou visão de Deus. Pensamos na carta de João, na qual ele diz: “Ama­ dos, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, por­ que haveremos de vê-lo como ele e.” (1 Jo 3.2). A expressão latina aqui significa “como ele é em si mesmo.” Quer dizer, aquilo que é completamente escondido para os nossos olhos agora, a saber, a própria substância e essência de Deus, nós veremos em toda sua glória e majestade e esplendor no céu. Muitas vezes me pergunto sobre o texto que diz que seremos semelhan­ tes a ele. Será que a Bíblia ensina que seremos totalmente purificados do pecado, totalmente glorificados? Será essa uma experiência que eliminará totalmente o pecado de nós? Isso ocorrerá porque teremos uma visão direta da majestade de Deus? Por exemplo, se eu o vejo — se ele se toma visível para mim — será isso a experiência de purificação que eliminará todo o pecado da minha vida; ou será que a minha visão dele será o resultado de ter sido primeiro purificado? Creio que o certo é a segunda opção. As Escrituras afirmam uniformemente que ninguém verá a Deus e sobrevi­ verá, isso porque Deus é santo e nós não o somos (veja Ex 33.20 e lTm 6.16). Mesmo Moisés, apesar de ser tão justo, pediu a Deus, na montanha, que lhe permitisse ter uma visão perfeita da sua glória. Deus permitiu apenas que ele tivesse um vislumbre das suas costas, mas disse a Moisés: “Não me poderás ver a face.” Desde que Adão e Eva caíram e foram expulsos do jardim, Deus tem sido invisível aos seres humanos, mas não porque Deus seja intrinseca­ mente impossível de ser visto. O problema não está em nossos olhos, mas em nosso coração. No hino Immortal, Invisible, God Only Wise (Imortal, Invisível, Deus de toda Sabedoria), há uma estrofe maravilhosa: “Todo louvor rendemos a ti: O, ajuda-nos a ver / E apenas o esplendor da luz que te esconde.” No Sermão da Montanha, Jesus promete que algum dia um certo grupo de pessoas verá a Deus: “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos. Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus” (Lc 5.4,6,8). É porque não somos puros de coração que Deus permanece invisível, e apenas quando formos purificados seremos capazes de vê-lo. • O q u e é "providência" de Deus? A palavra providência é formada de um prefixo e uma raiz. Significa “ver com antecedência.” Poderíamos encerrar a resposta sobre providência de Deus dizendo que Deus vê todas as coisas que acontecem nesse mundo antes que elas aconteçam, ele é o grande observador celestial da história humana. Mas a doutrina da providência envolve muito mais do que a noção de Deus como um observador divino. Basicamente há apenas três maneiras através das quais podemos consi­ derar o relacionamento entre Deus e esse mundo. Existe a visão deística, segundo a qual Deus criou o mundo e deu corda nele como num relógio com causas secundárias já incorporadas e o mundo funciona como uma máquina. Deus se afasta da situação e simplesmente observa aquilo que acontece nesse mundo e nunca intervém, nunca interfere. Tudo acontece de acordo com as causas secundárias já incorporadas no universo. Esta visão tem certas vantagens porque ninguém pode culpar a Deus quando algo sai errado. Podemos dizer que nós, como criaturas, estamos provocando todas as tragédias e catástrofes neste mundo e que Deus está absolvido porque tem suas mãos atadas. Outro ponto de vista, que é uma reação radical ao deísmo, afirma que não há nenhuma causa secundária real nesse mundo. Tudo o que acontece é resultado direto da intervenção imediata de Deus. Deus faz com que minha mão se erga ou se abaixe. Se há um acidente de automóvel numa esquina, Deus causou diretamente esse acidente. Livre arbítrio é uma ilusão absolu­ ta, e não existe nenhuma causa secundária. Pensamos que estamos agindo como pessoas responsáveis, mas não estamos. Deus faz tudo. Essa posição é o que chamamos de monismo ético, segundo a qual Deus determina tudo e realmente causa tudo o que acontece. Creio que a posição bíblica, que julgo ser a posição cristã histórica clás­ sica, é uma rejeição de ambos os pontos de vista anteriores. Cremos que Deus criou o universo e deu às coisas e às pessoas nesse mundo o poder da causalidade secundária de forma que realmente possamos agir por nossa própria capacidade de escolha, através de nossas decisões, nossas mentes, nossas vontades e atitudes. Mas sempre que nossas ações e as causas secun­ dárias estiverem se realizando, Deus permanece soberano. Há ocasiões em que ele trabalha através de causas secundárias para cumprir a sua vontade, e em outras ocasiões ele trabalha sem essas causas secundárias. Às vezes ele interfere na cena, como o fez no resplendor dos milagres de Jesus no Novo Testamento, outras vezes ele usa nossas decisões e nossas atitudes para cumprir a sua vontade soberana. A providência de Deus significa que Deus é soberano sobre tudo o que acontece nesse mundo. • O q u e significa c h a m a r a Deus de Pai Nosso? Um dos textos mais conhecidos da fé cristã é a Oração Dominical, que começa com as palavras “Pai Nosso que estás nos céus.” Isso é parte do tesouro universal da cristandade. Quando ouço cristãos orando individual­ mente em reuniões particulares, quase todas as pessoas iniciam suas ora­ ções referindo-se a Deus como Pai. Não há nada mais comum entre nós do que nos dirigirmos a Deus como nosso Pai. Isso é tão central para nossa experiência cristã que, durante o século XIX, algumas pessoas afirmaram que a essência de toda a religião cristã poderia ser reduzida a dois pontos: a fraternidade universal das pessoas e a paternidade universal de Deus. Nesse contexto, creio que perdemos um dos ensinos mais radicais de Jesus. Há alguns anos atrás, um erudito alemão fazendo pesquisas sobre litera­ tura do Novo Testamento descobriu que em toda a história do judaísmo — em todos os livros do Antigo Testamento, em todos os livros existentes, além da Bíblia, sobre os escritos judaicos, desde o início do judaísmo até o século X d.C., na Itália — não há uma única referência de um judeu dirigindo-se a Deus diretamente, na primeira pessoa, como Pai. Havia for­ mas apropriadas para se dirigir a Deus que eram usadas pelos judeus do Antigo Testamento e as crianças eram ensinadas a se dirigirem a Deus com frases apropriadas de respeito. Todos esses títulos eram memorizados, e o termo Pai não estava entre eles. O primeiro rabino judeu que chamou a Deus diretamente de “Pai” foi Jesus de Nazaré. Foi um desvio radical da tradição. Na realidade, em todas as orações registradas que temos dos lábios de Jesus, com exceção de apenas uma, ele chama a Deus de “Pai.” Foi por essa razão que muitos dos inimigos de Jesus procuravam destruí-lo, ele assumia ter um relacionamento pessoal e íntimo com o soberano Deus do céu e criador de todas as coisas e ousava falar em termos tão íntimos com Deus. O que é ainda mais radical é que Jesus dizia a seus amigos: “Quando vocês orarem, digam ‘Pai Nosso.’” Ele nos deu o direito e o privilégio de entrar na presença da majestade de Deus e de nos dirigir a ele como Pai, porque realmente ele é nosso Pai. Ele nos adotou em sua família e nos fez co-herdeiros com seu Filho unigénito (Rm 8.17). • Q uais as características do Deus dos cristãos q u e o dife­ re n c ia m dos o u tro s deuses? Talvez a mais singular característica do Deus cristão é que ele existe. Os outros não. Sem dúvida isso é razão de grandes debates como todos nós sabemos. Eu diria que as principais e mais importantes diferenças têm a ver, em última análise, com o caráter de santidade do Deus cristão. Vamos entrar numa discussão com outras pessoas que dizem que seus deuses são santos também. O que é único a respeito do Cristianismo entre todas a religiões do mundo é sua doutrina central de reconciliação definitiva que é oferecida às pessoas para lhes conceder a salvação. O judaísmo do Antigo Testamento tinha um dispositivo para a expiação de pecados, mas a maioria das religi­ ões não têm nenhum dispositivo para expiação, basicamente porque não consideram que isso seja um pré-requisito para a redenção. Minha pergunta é: por que uma religião não consideraria a expiação necessária para a redenção, a não ser que, do seu ponto de vista, Deus fosse menos do que santo? Se Deus é perfeitamente justo e as pessoas não são perfeitamente justas, mas estão tentando manter um relacionamento vital com Deus, estamos diante de um problema básico e esmagador. Como pode­ ria um Deus que é santo e justo aceitar em sua presença criaturas injustas. É isso que o cristianismo e o judaísmo entendem como sendo o problema vital. Os seres humanos que são injustos devem ser justificados de alguma forma para entrar na presença de um Deus santo. Essa é a razão por que todo o foco do judaísmo e do cristianismo está na questão da expiação que proporciona a reconciliação. Mas se não cremos que Deus seja tão santo, não existe nenhuma necessidade de qualquer conceito de reconciliação. Po­ demos viver da maneira que desejarmos porque esse tipo de deus é uma espécie de intermediário cósmico que não levará em consideração nenhum dos nossos pecados e fará tudo o que quisermos que ele faça por nós. Eu diria que a santidade de Deus é a diferença vital. • E ntre as o u tra s religiões d o m u n d o , existe a lg u m a q u e c o m p a rtilh e o con ceito cristão de sa n tid a d e de Deus? Não há nenhuma outra religião que tenha um conceito de santidade de Deus idêntico ao conceito cristão. Entretanto, algumas outras religiões mantêm um tipo de visão paralela e aproximada do assunto, e certamente têm um conceito da santidade de Deus. Na medida em que o judaísmo, em suas várias formas, aceita o Antigo Testamento, certamente aceita também o conceito de santidade que encon­ tramos ali. Sabemos que, embora haja uma expansão da revelação sobre a natureza da santidade de Deus no Novo Testamento, esta não é, certamente, uma idéia esotérica no Antigo Testamento. Na realidade, algumas das mais vívidas demonstrações da majestade e santidade de Deus são encontradas no Antigo Testamento. Há duas maneiras pelas quais a Bíblia fala da santidade de Deus. O signi­ ficado de santidade mais comumente compreendido em nossa cultura se refe­ re à pureza de Deus ou à sua virtude moral — à sua retidão. Certamente a Bíblia, em algumas ocasiões, usa santo para descrever o caráter reto, puro e moral de Deus, mas esse é um sentido secundário de santidade. O significado primário de santidade se refere à separação de Deus — transcendência, a identidade específica de Deus como diferente do homem — aquele sentido pelo qual ele é muito mais majestoso em todo o seu ser do que qualquer criatura. A transcendência de Deus é o assunto dominante no Antigo Testa­ mento e certamente é parte dos credos do Judaísmo clássico e do Islamismo, até onde o Islamismo se fundamenta sobre muita coisa tirada do Antigo Tes­ tamento. Eles vêem Maomé como descendente de Ismael. Mostram uma cer­ ta lealdade aos patriarcas e adotam esse conceito de santidade. A grande diferença entre o cristianismo e outras religiões do mundo, no que diz respeito à santidade de Deus, está no conceito de reconciliação, expiação. A noção judaica de expiação no Antigo Testamento era o sistema sacrificial que fazia parte de seu culto. O cristianismo considera a expiação como o sacrifício definitivo feito por um Salvador, um Salvador sofredor, que morreu pelos pecados de seu povo. Esse conceito está ausente em ou­ tras religiões do mundo e sempre me perturbou. Não entendo como as ou- tras religiões podem se sentir confortáveis com o fato da pecaminosidade humana e com o fato da santidade de Deus sem um mediador, sem um Salvador. Parece-me que eles teriam de negociar a pecaminosidade do ho­ mem ou a santidade de Deus para que se sintam confortáveis onde estão. • Na Bíblia in te ira so m o s e n sin a d o s a te m e r a Deus. O q u e significa isso? Precisamos estabelecer algumas diferenças importantes a respeito do sentido bíblico de “temer” a Deus. Essas diferenças podem ser muito úteis, mas podem ser também um pouco perigosas. Quando Lutero debateu esse assunto, ele estabeleceu uma diferença que se tornou famosa. Ele distinguiu entre o que chamou de medo servil e medo filial. O medo servil é o tipo de medo que um prisioneiro numa câmara de tortura tem para com o seu torturador, carcereiro ou executor. É um tipo de ansiedade apavorante na qual a pessoa fica apavorada pelo perigo claro e iminente que a outra pessoa representa. Ou é aquele tipo de medo que um escravo teria nas mãos de um senhor maligno que usasse o chicote para castigar o escravo. Servil refere-se à postura de servidão para com um se­ nhor maldoso. Lutero distingue entre este medo e o que ele chamou de medo filial, tirado do conceito latino de onde derivamos nossa idéia de família. Referese ao medo que uma criança tem de seu pai. Nesse sentido, Lutero está pensando numa criança que tem um enorme respeito e amor por seu pai ou sua mãe e que deseja agradá-los de todo o coração. Ela tem um medo ou uma ansiedade de não ofender aqueles a quem ama, não porque teme algum tipo de tortura ou mesmo o castigo, mas sim porque tem medo de desagra­ dar aquele que é, no mundo da criança, a fonte de segurança e amor. Creio que essa distinção é útil porque é o sentido básico de temer ao Senhor sobre o qual lemos no Deuteronômio e também nos livros poéticos onde nos é ensinado que “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria.” Aqui a ênfase está na sentido de reverência e respeito pela majestade de Deus. Essa atitude está muitas vezes ausente no Cristianismo evangélico contemporâneo. Somos muito irreverentes e joviais com Deus, como se tivéssemos um relacionamento informal com o Pai. Somos convidados a chamá-lo Abba, Pai, e a ter a intimidade pessoal que nos é prometida, mas mesmo assim não devemos ser irreverentes com Deus. Devemos manter sempre a adoração, o respeito sadio por ele. Um último ponto: se realmente o adoramos de forma sadia, deveríamos ter alguma noção de que Deus pode ser assustador. “Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo” (Hb 10.31). Como pecadores temos todas as razões para temer o julgamento de Deus, essa é uma das motivações que temos para nos reconciliar com Deus. • Dizem q u e a Bíblia e n sin a q u e Deus se revela a todas as pessoas através de sua criação. C om o u m a pessoa c o m u m p o d e ver a Deus e os seus atribu tos através da natu reza? Romanos 1 fala claramente dessa revelação universal que Deus faz ao mundo, que é mencionada em outras passagens, como o salmo que nos diz: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos” (SI 19.1). Escrevendo aos Romanos, Paulo diz que desde a criação do mundo, a existência de Deus não é apenas revelada, mas clara­ mente percebida através das coisas que foram criadas. Ele fala que as qua­ lidades invisíveis de Deus podem ser compreendidas ou conhecidas através das coisas visíveis da criação. À luz dessa revelação, o mundo inteiro fica sem desculpa se rejeitar a Deus. Ninguém pode alegar ignorância de Deus como desculpa para se recusar a honrá-lo e ser grato a ele. Esse é o tema do primeiro capítulo de Romanos. t , Mas como a pessoa comum vê isso? Lembro-me de uma conversa que ouvi certa vez num programa de entrevistas no qual três teólogos muito sofisticados debatiam a questão da existência de Deus. Um era judeu, o outro católico-romano e o outro protestante. Estavam discutindo se era ou não possível provar a existência de Deus. O debate tinha um nível muito técnico, e então liberaram as linhas telefônicas para permitir que as “pesso­ as comuns” pudessem participar. Uma senhora telefonou, e sua fraca gra­ mática indicava que ela não possuía um grau elevado de educação. Ela disse: “Não sei o que há de errado com vocês. Por que vocês simplesmente não abrem os olhos e espiam pela janela?” Ela deixou esses teólogos treina­ dos sem palavras com um apelo direto à própria natureza como prova da existência de Deus. Em teologia existe um debate histórico acerca do fato de essa revelação que Deus faz na natureza ser o que chamamos de revelação imediata ou mediata. Nesse sentido, esses termos não se referem ao tempo, mas sim à questão de Deus se revelar diretamente a você e a mim ou de ele se fazer conhecido através de um intermediário, pessoa ou coisa, respectivamente. Por exemplo, vemos um relógio e isso sugere que um relojoeiro o fez. Este relógio é um exemplo de revelação mediata. Não precisamos ter um douto­ rado para reconhecer que um relógio não se cria sozinho. Ele foi produzido por alguém de forma inteligente e seguindo algum tipo de modelo. Creio que a Bíblia ensina que temos tanto um conhecimento mediato quanto ime­ diato da existência de Deus. O que Paulo diz em Romanos 1 é aquilo que poderíamos chamar de conhecimento mediato. Ele afirma que conhecemos a Deus através das coi­ sas que foram criadas. Isso exige alguma reflexão. Vejo algo lá fora que tem ordem, harmonia e organização em si mesmo e tenho de raciocinar que existe alguma causa para isso, e atribuo tudo o que existe ao grande Autor da criação. Creio que essa é a maneira pela qual a pessoa estabeleceria a relação. • Q u a n d o Deus falou c o m Abraão sobre S o d o m a e G o m o rra ele disse: "Descerei e verei se, de fato, o que têm praticado corresponde a esse clamor que é vindo até mim". Por q u e Deus t in h a necessi­ d a d e de descer para ver essas cidades? Ele já n ã o sabia de tu d o ? Deus saberia sem precisar descer e examinar pessoalmente porque Deus é onisciente. Ele sabe todas as coisas, os cabelos nas cabeças das pessoas em Sodoma e Gomorra estavam contados. Ele conhecia tudo o que eles haviam feito, toda palavra fútil que haviam falado. Ele não precisava investigá-los com um novo censo para saber quão iníquos eles eram. Há duas maneiras de abordar esse difícil versículo (Gn 18.21). Freqüente­ mente, estas conversas com Deus eram realmente conversas com mensagei­ ros angelicais que estavam representando Deus. Esses mensageiros angelicais não têm a onisciência que atribuímos a Deus. Nesse caso, pode ser que o visitante angelical que ia verificar a situação estivesse falando por si mesmo. Mesmo no caso do teste de Abraão no monte Moriá, onde ele foi instru­ ído a oferecer Isaque sobre o altar, no último momento, quando ele esten­ deu o braço para enfiar a faca no peito de seu filho, a voz do anjo de Deus o impediu e disse: “Não estendas a mão sobre o rapaz e nada lhe faças; pois agora sei que temes a Deus” (Gn 22.12). Esse fato nos sugere que Deus não sabia que Abraão o amava antes desse acontecimento. E como se Deus fosse um espectador celestial andando para diante e para trás, esfregando as mãos e esperando que Abraão tomasse a decisão certa e fizesse a coisa certa, sendo ele mesmo incapaz de fazer qualquer coisa até o resultado final. Muitas pessoas pensam em Deus nesses termos, como se ele fosse ape­ nas um espectador cósmico do que está acontecendo e não soubesse o re­ sultado antes do início da ação. Eles imaginam que Deus seja finito, depen­ dente, secundário, menos o Deus que é revelado nas Escrituras. Uma segunda abordagem dessa passagem leva em consideração que toda vez que a Bíblia descreve alguma coisa sobre Deus, seja numa narrativa ou numa passagem didática, seja algo abstrato ou concreto, a única linguagem disponível para os escritores bíblicos era a linguagem humana. Não pode­ mos falar como peixes, não podemos falar como um caracol porque não somos caracóis nem peixes. Nem tampouco podemos falar como Deus. Quando Deus nos fala e se revela a nós, a única linguagem que podemos entender é a linguagem humana. Quando a Bíblia usa o que chamamos de linguagem fenomenológica ou linguagem das aparências, ela fala do co­ nhecimento de Deus. Ela descreve imagens muito rudes como, por exem­ plo, Deus colocando seus pés no estrado. Ao mesmo tempo a Bíblia nos diz que embora ela use linguagem humana Deus não é um ser humano que possa ser contido, ou completamente descrito por essas figuras de linguagem. Creio que, no caso de Sodoma e Gomorra, ou o anjo estava falando por si mesmo — ele tinha de ir verificar como eram as cidades — ou essa era a maneira de Deus explicar a situação a Abraão permitindo que ele soubesse o que iria acontecer e que Deus estava no comando da situação. • Por favor, d efin a m ilagre e r e s p o n d a se você crê q u e Deus a in d a os realiza hoje. Existe uma enorme diferença entre a definição popular de milagre em nossa cultura e a definição técnica e restrita de milagre que os teólogos utilizam no seu campo de conhecimento. Muitas vezes tenho sérios proble­ mas de comunicação quando me perguntam se creio que Deus realiza mila­ gres hoje em dia. Se, quando falamos em milagre, entendemos que Deus está vivo e ativo e governando esse mundo através de sua providência, influindo no curso dos acontecimentos humanos, então, sem dúvida, Deus está fazendo todas estas coisas. Se com essa pergunta desejamos saber se Deus responde às ora­ ções ou não, eu diria enfaticamente que sim, Deus responde às orações. Se as pessoas perguntam se a providência de Deus está realizando coisas extraordi- náriãs cm nossos dia s, eu diria sim, com absoluta certeza. Deus cura pessoas em resposta à oração? Responderia sim a todas essas perguntas porque estou convencido de que Deus está vivo e ativo e fazendo todas essas coisas. Se definimos milagre como uma obra sobrenatural de Deus, então eu diria que Deus opera de maneira sobrenatural hoje. O novo nascimento de uma alma humana não pode ser realizado por meios naturais; somente Deus, com o seu poder, pode fazer isso e ele está certamente fazendo isso todos os dias. Se é isso que as pessoas entendem quando falam em milagre, então, Deus está fazendo milagres ainda hoje. Alguns definem milagre de uma forma tão ampla que até o nascimento de uma criança é milagre, porque é algo tão maravilhoso que não poderia acontecer à parte do poder de Deus. Assim, definem milagre como qualquer coisa maravilhosa que aconteça pelo poder de Deus, novamente, eu diria que sem dúvida nenhuma sim, Deus está operando todas estas coisas ainda hoje. Entretanto, podemos falar de milagre num sentido técnico, como uma ação realizada contra as leis da natureza — Deus contrariando as leis que ele mesmo estabeleceu — por exemplo, tirando vida da morte, ou alguma coisa do nada, como Jesus ressuscitando Lázaro dos mortos quando seu corpo já estava num estado de decomposição, depois de quatro dias no túmulo. Não, não creio que Deus esteja fazendo esse tipo de milagre hoje. Certamente creio que Deus poderia ressuscitar todos os seres humanos em todos os cemitérios do mundo se ele quisesse. Mas não creio que ele esteja realizando esse tipo de milagre hoje. A principal razão de Deus reali­ zar essas coisas nos tempos bíblicos foi confirmar sua revelação como divi­ na — confirmar o que dizia com a evidência de sua autoridade. Uma vez que agora nós temos a Bíblia, outras fontes milagrosas de revelação não são mais necessárias. • Você acredita q u e Deus te n h a falado a u d iv e lm e n te a al­ gu é m depois da era apostólica? Não tenho certeza se Deus o fez ou não. Certamente, há muitos casos na história da igreja nos quais as pessoas alegam ter ouvido vozes que seriam a voz audível de Deus. Joana D ’Arc seria o caso mais importante. Esse testemunho tem vindo com freqüência de pessoas que consideramos, de maneira geral, como santos respeitáveis, e por isso hesito em lançar dúvida sobre seu testemunho. Por outro lado descobrimos que mesmo na Escritura Sagrada, durante o tempo em que Deus comunicava diretamente por meio de revelação divina, as ocorrências de uma fala audível de Deus eram extremamente raras. Pos­ so me lembrar de apenas três vezes no Novo Testamento em que há o registro de Deus falando audivelmente e todas as três foram ocasiões em que o Pai fez uma declaração pública sobre seu Filho, que, aliás, não está mais conos­ co fisicamente nesse planeta. Não há nenhum outro registro de que Deus tenha falado audivelmente com alguém, com exceção de Saulo (Paulo) no caminho de Damasco. Mesmo no Antigo Testamento, embora essa comunicação acontecesse com aqueles que eram agentes da revelação, tais ocorrências eram realmen­ te muito raras. Nos tempos bíblicos, mesmo no auge da revelação divina, revelação audível, diretamente do céu, era muito rara. Não creio que estejamos num período da história da redenção no qual estejamos recebendo revelação especial de Deus. Parece-me ainda menos provável que fôssemos receber esse tipo de expressão audível de Deus hoje em dia. Some-se a isso um fator que muitos cristãos não gostam de conside­ rar: ouvir vozes quando não existe nenhuma origem perceptível pode ser uma manifestação psicótica. Não estou dizendo que é, mas que pode ser. Há pessoas que sofrem de experiências alucinatórias nas quais ouvem vozes como resultado de um desequilíbrio químico, etc. Não posso me lembrar de ninguém que tenha me contado ter realmente ouvido a voz audível de Deus. Eu ficaria preocupado quanto ao seu estado mental. Eu não concluiria de imediato que tal pessoa estivesse louca, mas também não pensaria que é normal nem esperaria que, durante a vida devocional cristã, a pessoa ficas­ se ouvindo a voz audível de Deus. • C o m o você define soberania de Deus? Tenho um amigo íntimo que veio da Inglaterra para esse país. Seu nome é John Guest. Ele é pastor episcopal em Pittsburgh. Logo que chegou aos Estados Unidos, ele visitou um antiquário na Filadélfia e viu alguns lemas, recordações e cartazes que datavam do século XVIII, durante a Revolução Americana. Ele viu algumas frases que diziam: “Não me oprima.” ou “Ne­ nhum imposto sem protesto”, mas a que realmente chamou sua atenção foi uma com as letras em negrito que dizia: “Não servimos nenhum soberano aqui.” Quando John olhou aquilo, sendo um inglês, ele disse: “Como será possível comunicar a idéia de Reino de Deus a uma nação que tem uma alergia inata à soberania?” Como americanos, estamos acostumados a um processo democrático de governo. Quando falamos sobre soberania estamos falando sobre gover­ no e autoridade. Do ponto de vista bíblico, quando as Escrituras falam de soberania de Deus, elas revelam a autoridade governamental e o poder de Deus sobre todo o universo. Em minhas aulas no Seminário, levanto questões como: “Deus controla todas as moléculas do universo?”. Quando faço essa pergunta, eu digo: “A resposta a essa pergunta não determina se vocês são cristãos ou maometanos, calvinistas ou arminianos, mas determinará se vocês são deístas ou ateístas.” Algumas vezes, os alunos não conseguem ver a ligação existente. E eu digo a eles: “Vocês não perce­ bem que se houver uma molécula nesse universo correndo solta fora do controle, da autoridade e do poder de Deus, então esta única molécula indisciplinada pode ser o grão de areia que muda todo o curso da história humana, que impede que Deus cumpra as promessas que tem feito ao seu povo?” Ela poderá ser a molécula indisciplinada que impedirá a Cristo de consumar o seu reino. Porque se houver uma molécula indisciplinada, isso significaria que Deus não é soberano. Se Deus não é soberano, então ele não é Deus. Se houver um elemento do universo que esteja fora de sua autoridade, então ele não é Deus sobre todas as coisas. Em outras palavras, soberania pertence à divindade. Soberania é um atributo natural do cria­ dor. Deus possui aquilo que fez, e governa aquilo que possui. • C om o co n cilia m o s o fato de q u e Deus é so b e ra n o c o m o fato de q u e ele n os d e u livre arbítrio c o m o pessoas? Não vejo nenhum problema em conciliar a soberania de Deus com o livre arbítrio humano desde que entendamos o conceito bíblico de liberdade. No que diz respeito à humanidade, as pessoas têm a habilidade de fazer escolhas livres, mas nossa liberdade é limitada. Não somos absolutamente livres. Lembrem-se, Deus disse a Adão e Eva: “De toda árvore do jardim co­ merás livremente.''' (Gn 2.16). Mas, então, ele colocou uma restrição: “da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” (Gn 2.17). Agora, Deus é um ser que tem capacidade de fazer escolhas livres, e eu sou um ser que tenho capacidade de fazer escolhas livres. A diferença, en­ tretanto, é que eu não sou soberano. Deus é soberano. Deus tem mais auto- ridade do que eu. Deus tem o direito, o poder e a autoridade de fazer tudo o que quiser. Eu tenho o poder, a capacidade e a liberdade de fazer o que posso fazer, mas minha liberdade não pode nunca sobrepujar o poder e a autoridade de Deus. Minha liberdade é sempre limitada pela autoridade mai­ or de Deus. O que é contraditório é soberania de Deus e autonomia humana. Autonomia significa que o homem pode fazer qualquer coisa que deseje sem se preocupar com o julgamento do céu. Obviamente estes dois são incom­ patíveis, não cremos que o homem seja autônomo. Dizemos que ele é livre, mas que sua liberdade está dentro de limites, e esses limites são definidos pela soberania de Deus. Aqui está uma analogia simples: Em minha casa eu tenho mais liberdade que meu filho. Ambos temos liberdade, mas a minha é maior. • C om referência a João 6.44, Deus c o n stra n g e as pessoas a v irem a ele? A passagem é, sem dúvida, muito controvertida. Numa tradução mais antiga, Jesus diz: “Ninguém pode vir a mim a não ser que o Pai o arraste” (puxe, traga). A dificuldade a respeito da passagem tem a ver com o sentido da palavra traduzida “arrastar, puxar.” O que ela significa? Há alguns estu­ diosos da Bíblia e cristãos que acreditam que a palavra significa induzir, atrair, ou procurar persuadir. Para eles, portanto, o que Jesus está dizendo é: “Se deixadas por si mesmas, as pessoas não virão me procurar; tem que haver alguma coisa adicionada às suas inclinações normais antes que elas sejam levadas a caminhar em minha direção.” Jesus está dizendo que Deus tem de fazer alguma coisa. E a velha tradução diz que ele precisa atraí-los, assim como as vozes das sereias atraíram Ulisses para o mar. Elas tentaram induzi-lo, persuadi-lo e atraí-lo a vir, sendo tão atraentes quanto possível ao fazer o convite. Algumas pessoas mantêm a opinião de que atrair é o oposto exato de constranger ou compelir, que Deus não compele as pessoas a virem a Jesus, mas que ele as induz e as encoraja e tenta atraílas e lhes mostra quão atraente Jesus é, de maneira que elas se inclinarão a responder a Jesus. Certa vez, debati sobre o assunto com um professor de estudos do Novo Testamento que era especialista em línguas bíblicas. Eu assumi a posição de que Deus faz mais do que convidar, induzir e atrair. Creio que a palavra usada aqui é muito forte, porque é a mesma palavra que é usada no livro de Atos quando Paulo e Silas são arrastados para a prisão. Não é como se o carcereiro entrasse na cela e tentasse atrair Paulo e Silas dizendo: “Entrem companheiros, por favor, entrem aqui.” Ele os compeliu a entrar naquela cela. Creio que a palavra é forte e mostrei isso ao professor de Novo Testa­ mento. Então, ele de certa forma me surpreendeu porque citou o uso do mesmo verbo em alguma outra literatura grega onde ele era usado para descrever a atividade humana de tirar água do poço. E o professor conti­ nuou dizendo: “Bem, você não compele a água a sair do poço.” E eu res­ pondi: “Mas devo lhe dizer que você não a atrai também. Você não fica lá parado dizendo ‘água, venha cá, água,’ na esperança de que a água, de sua própria força, salte do poço para dentro do seu balde. Você tem de abaixar o seu balde e tirar a água.” Creio que a força daquele verbo nos diz que necessitamos desesperada­ mente da assistência de Deus para virmos a Cristo, e não viremos a Cristo a não ser que o Pai nos traga. • O q u e é Predestinação? Quando a Bíblia fala em predestinação, fala do envolvimento soberano de Deus em certos fatos antes que eles aconteçam. Ele escolhe, com antece­ dência, que certas coisas aconteçam. Por exemplo, ele predestinou a criação. Antes de criar o mundo, Deus decidiu fazê-lo. Normalmente, quando as pessoas pensam em predestinação pensam se seria verdade que, quando uma pessoa é atropelada por um automóvel em determinado dia, aquele acidente só ocorreu porque Deus já havia decidido com antecedência que ele deveria acontecer naquele dia. Teologicamente, a principal questão da predestinação na Bíblia se refe­ re à noção de que Deus seleciona pessoas para salvação com antecedência. A Bíblia ensina claramente que, de certa forma, Deus seleciona pessoas para a salvação antes mesmo que elas nasçam. Praticamente, todas as igrejas cristãs crêem nisso, porque o conceito é claramente ensinado nas Escrituras. Paulo refere-se a Jacó e Esaú. Antes que eles tivessem nascido, antes que tivessem feito qualquer mal ou bem, Deus decretou com antecedência que o mais velho serviria o mais novo: “amei a Jacó, porém aborreci a Esaú;” O certo é que Deus havia escolhido certos benefícios para um da­ queles dois antes mesmo que eles nascessem. A verdadeira questão é a seguinte: Baseado em quê Deus predestina? Sabemos que ele predestina, mas porque ele o faz, e quais são as bases para sua escolha? Muitos cristãos crêem que Deus conhece com antecedência que escolhas essas pessoas farão, e em quais atividades elas se envolverão. Olhando através do corredor do tempo, ele sabe que escolhas você fará, por exemplo, ele sabe que você vai ouvir o evangelho, e sabe se você vai dizer sim ou não. Se ele sabe que você vai dizer sim, então, ele o escolhe para a salvação na base de seu conhecimento prévio. Não concordo com tal posição. Penso que Deus faz essa escolha soberanamente, não arbitrariamente, não caprichosamente. A única base que vejo para a predestinação na Bíblia é o bom desígnio de sua própria vontade. A outra única razão é honrar a seu Filho unigénito. A razão para sua seleção não está em mim, nem em você, nem em algum bem ou mal previamente percebido, mas na sua própria soberania. • Por q u e Deus p e rm ite q u e u m a bala p e rd id a m a te gente in o c e n te ? Uma vez que acreditamos que Deus é o autor desse planeta e é soberano sobre ele, é inevitável perguntarmos onde ele está quando essas coisas ter­ ríveis acontecem. Creio que a Bíblia responde a essas perguntas muitas e muitas vezes a partir de diversos pontos de vista e de muitas formas diferentes. Encontra­ mos nossa primeira resposta, sem dúvida, no livro de Gênesis no qual apren­ demos sobre a queda da humanidade. A reação imediata de Deus à trans­ gressão da raça humana contra sua determinação e autoridade foi amaldi­ çoar a terra e a vida humana. Morte e sofrimento entraram no mundo como resultado direto do pecado. Vemos a manifestação concreta disso no âmbito da natureza onde espinhos se tomam parte do jardim e a vida humana é agora caracterizada pelo suor da testa e pela dor que está presente até mes­ mo no nascimento de uma criança. Isso ilustra o fato de que o mundo em que vivemos é um lugar que está cheio de tristezas e tragédias. Mas não devemos nunca concluir que exista uma correlação absoluta nessa vida entre o sofrimento e a culpa das pessoas vítimas de tragédias. Se não houvesse pecado no mundo, não haveria sofrimento. Não haveria aci­ dentes fatais, nem balas perdidas. Porque o pecado está presente no mundo, o sofrimento está presente no mundo, mas não significa que se você tem dois quilos de culpa, vai receber dois quilos de sofrimento. Essa é a percep­ ção que o livro de Jó tenta dissipar, assim como a resposta de Jesus à per­ gunta sobre o homem cego de nascença (Jo 9.1-11). Por outro lado, a Bíblia deixa claro que Deus permite que tais coisas acon­ teçam e, de certa forma, ordena que tais eventos aconteçam como parte da situação presente que está sob julgamento. Ele não removeu a morte desse mundo. Mesmo que seja algo que pudéssemos considerar como uma morte prematura ou violenta, a morte faz parte da natureza das coisas. A única pro­ messa é que haverá um dia quando o sofrimento cessará completamente. Os discípulos de Jesus fizeram perguntas sobre situações semelhantes — por exemplo, o sangue dos galileus que se misturou com os sacrifícios feitos por Pilatos ou as dezoito pessoas que morreram quando um templo desabou. Os discípulos perguntaram como isso poderia acontecer. A res­ posta de Jesus foi quase severa. Ele disse: “se não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis", outra vez trazendo a questão de volta ao fato de que a impiedade moral toma possível para Deus permitir que tais coisas horríveis aconteçam num mundo decaído. • No A n tig o T e s ta m e n to , D eus tr o u x e j u l g a m e n t o so b re Israel e sobre o u tra s n ações através de a c o n te c im e n to s catastróficos. Isso a in d a acontece? Deus ainda é Deus? Deus ainda é Senhor da História? A diferença é a seguinte: Quando Deus usava uma catástrofe como um meio de julgamento no Antigo Testamento, sabemos que seu julgamento estava por detrás da catástrofe porque temos o benefício da revelação escrita, dizendo-nos que ali estava a mão de Deus na História. Enquanto vivemos nossa vida e ob­ servamos nações sofrendo catástrofes e a calamidade atingindo muitas pes­ soas, não sabemos exatamente qual a relação entre essas catástrofes e o julgamento de Deus. Permitam-me construir um paralelo bíblico aqui. No capítulo nono do Evangelho de João, os fariseus levantaram uma pergunta sobre o homem cego de nascença: “quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?" A resposta de Jesus: “Nem ele pecou, nem seus pais". Ele nasceu cego por uma razão completamente diferente. Não acontecera, na realidade, como expressão do julgamento divino. Esse texto, e todo o livro de Jó deveriam nos coibir, como indivíduos, de assumir que a tragédia, catástrofe ou cala­ midade de uma pessoa seja um ato direto do julgamento divino. Mas é pos­ sível que seja. Vemos casos sem conta nas sagradas Escrituras em que Deus, de fato, traz calamidade sobre a casa de pessoas que estão em flagrante desobediência para com Deus. A Bíblia diz que somos culpados. Deus pode retardar o julgamento ou podemos receber julgamento temporal de suas mãos agora mesmo nesse mundo. Nunca sabemos com certeza se a calamidade que experimentamos como indivíduos é um ato direto de julgamento ou não. O que é verdadeiro para os indivíduos também é verdadeiro para as nações. Lembro-me de ouvir Billy Graham dizer, num sermão há alguns anos: “Se Deus não trouxer julgamento sobre os Estados Unidos da América, ele terá de pedir desculpas a Sodoma e Gomorra.” Lembrem-se, Jesus avisou as cidades que ouviram sua mensagem, Corazim e Betsaida, de que no dia do juízo haveria mais tolerância para Sodoma e Gomorra do que para elas. Embora não tenhamos mais interpretações proféticas sobre as razões de Deus para trazer julgamento, sabemos que nenhuma nação jamais ficará isenta do julgamento de Deus. QUEM É JESUS? “Ele estava no princípio com Deus. Todas as cousas foram feitas p o r intermédio dele... A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela... Veio para o que era seu, e os seus não o receberam.” — João 1.2-5,11 Perguntas dessa seção: • A profecia a respeito do nascimento de Cristo veio de Isaías 7.14: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel Por que então ele é chamado Jesus? • Como pode uma pessoa ter, ao mesmo tempo, uma natureza humana e uma natureza divina, como cremos que Jesus Cristo teve? • Quando Paulo escreveu que Jesus esvaziou-se a si mesmo e tornou-se servo, e ainda assim era Deus, de que forma ele reteve ou não reteve seus poderes como Deus? • No Evangelho de João, Jesus diz: “o Pai é maior do que eu” (Jo 14.28). O que ele quer dizer com isso? • Cristo era capaz de pecar? • Por que Jesus disse que algumas pessoas não morreriam antes que ele voltasse? • O que Jesus queria dizer quando afirmou que nós faríamos obras maiores do que as que ele fez? • Qual foi a resposta de Deus à pergunta de Jesus: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” • Alguma vez Jesus riu? • A profecia a respeito do n a sc im e n to de Cristo veio de Isaías 7.14: "Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel". Por que, então, ele é c h a m a d o de Jesus? Na realidade, à primeira vista isso parece uma enorme contradição, não é? A profecia no Antigo Testamento é de que seu nome seria Emanuel; quando vamos ao Novo Testamento eles não lhe dão o nome de Emanuel, mas de Jesus. Como explicamos isso? Antes de mais nada, não vamos assumir a posição de que Isaías está radicalmente enganado. Se olharmos para a significação completa de sua profecia ficaremos maravilhados com a maneira detalhada com que a pro­ fecia de Isaías se cumpre na vida de Jesus. Se olharmos dois capítulos adi­ ante da profecia que fala sobre Emanuel, encontramos outra passagem fa­ miliar que repetimos praticamente todos os natais nos nossos cultos. Isaías diz que o Messias que iria nascer receberia o nome de Maravilho­ so, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz. Quantos nomes ele tem? No capítulo sete, ele diz que seu nome será Emanuel, e no capítulo nove ele diz que será Príncipe da Paz ou Deus Forte ou Pai da Eternidade. Portanto, em seu escrito, Isaías está chamando atenção para o fato de que o Messias teria inúmeros nomes. Ele não reduz os títulos de Jesus a um apenas, portanto, não creio que ele esteja usando a palavra “nome” para se referir ao nome de família, ou ao nome próprio de Jesus, mas está se referindo a um título muito importante que seria dado a Jesus, como de fato o foi. Emanuel é um de seus títulos no Novo Testamento — Emanuel, Deus conosco. O nome Jesus foi dado a ele por Deus através do mensageiro evangélico que anunciou a escolha que o Pai fez para o nome do Filho, e ele é chamado Jesus porque esse nome significa “Salvador” — aquele que salvará o seu povo. Seu nome indica sua missão, seu ministério. Creio que um dos estu­ dos mais fascinantes é percorrer as Escrituras e fazer uma lista dos nomes que são atribuídos a Jesus. Certa vez compareci a uma reunião num seminário teológico na qual um teólogo suíço fez uma palestra. Numa situação acadêmica como essa, espera-se ouvir um trabalho teológico muito técnico, sofisticado e aborreci­ do. Esse professor simplesmente ergueu-se diante da assembléia e come­ çou a recitar os nomes de Jesus dizendo: “Alfa e Ômega, Filho do Homem, Leão de Judá, Rosa de Saron ...” Ele continuou durante quarenta e cinco minutos e não esgotou todos os nomes e títulos que o Novo Testamento atribui a Jesus, o homem que recebeu mais títulos na história. • C om o é possível u m a pessoa ter, ao m e s m o te m p o , u m a n a tu re z a h u m a n a e u m a n a tu re z a divina, c o m o crem os q u e Jesus Cristo teve? Uma das maiores crises do cristianismo evangélico em nossos dias é a falta de compreensão sobre a pessoa de Cristo. Quase todas as vezes que assisto a um programa de televisão cristã, ouço um dos credos clássicos da fé cristã ser negado de forma espalhafatosa, desintencional e involuntaria­ mente. E, sem dúvida, parte disso é porque é muito difícil para nós enten­ dermos como uma pessoa pode ter duas naturezas. Você está me perguntan­ do “Como”, eu não sei como. Eu sei que Jesus é uma pessoa com duas naturezas. Como pode ser? Muito antes de haver natureza humana, havia uma segunda pessoa da Trindade. Essa segunda pessoa da Trindade, genu­ íno Deus verdadeiro, Deus mesmo, foi capaz de tomar sobre si uma nature­ za humana. Nenhum ser humano poderia reverter o processo e tomar sobre si uma natureza divina. Não sou capaz de adicionar divindade à minha hu­ manidade. Não é que Cristo tenha mudado de divindade para humanidade. É isso que ouço todas as vezes. Ouço que havia um grande e eterno Deus que subitamente parou de ser Deus e tomou-se homem. Não é isso que a Bíblia ensina. A pessoa divina tomou sobre si uma natureza humana. Real­ mente não conseguimos compreender o mistério de como isso aconteceu. Mas certamente é concebível que Deus, com seu poder, possa adicionar a si mesmo uma natureza humana e fazer isso de tal forma que una as duas naturezas numa só pessoa. O mais importante concílio reunido sobre esse assunto na história da igreja, cuja decisão permanece por séculos como modelo de ortodoxia cris­ tã, e é aceito por luteranos, presbiterianos, metodistas, católicos-romanos, batistas — praticamente todos os ramos da cristandade — foi o Concílio da Calcedônia. Reuniu-se no ano de 451 e, nele, a igreja confessou sua fé em Jesus da seguinte maneira: Disseram que criam que Jesus é verus homus, verus Deus — verdadeiro homem, verdadeiro Deus. E continuaram para estabelecer os limites de como devemos pensar sobre a forma como essas duas naturezas se relacionam entre si. Afirmaram que essas duas naturezas estão em perfeita unidade, sem mistura, sem divisão, sem confusão, sem separação. Quando pensamos a respeito da Encarnação, não desejamos misturar as duas naturezas e pensar que Jesus tinha uma natureza humana divinizada ou uma natureza divina humanizada. Desejamos distinguí-las, mas não podemos separá-las porque elas existem perfeitamente unidas. • Q u a n d o Paulo escreveu q u e Jesus esvaziou-se a si m e s ­ m o e to r n o u - s e servo, m as m e s m o assim a in d a era Deus, de q u e fo rm a ele reteve ou n ã o reteve seus p o d eres c o m o D eus? O conceito de “esvaziamento” provocou uma controvérsia violenta no século XIX. Alguns elementos da mesma ainda permanecem hoje. A pala­ vra grega usada por Paulo no segundo capítulo de Filipenses, kenosis, é traduzida como “esvaziar” na maioria das versões bíblicas. A pergunta é: De que Jesus, em sua condição humana (encarnada), se esvaziou? A noção popular em certos círculos no século XIX era de que, durante o período da encarnação, o eterno Deus, a segunda pessoa da Trindade, colo­ cou de lado — esvaziou-se de — seus atributos divinos de forma que ele pudesse se tornar um homem. E, ao tornar-se um homem num sentido ver­ dadeiramente real, ele deixou de ser Deus. Assim há uma transformação da divindade em humanidade, porque ele colocou de lado sua onisciência, sua onipotência, sua auto existência, e todos os outros atributos que são própri­ os da natureza de Deus. Houve um teólogo ortodoxo no meio daquela controvérsia, que afir­ mou, de maneira um tanto cáustica, que o único esvaziamento que tal teoria provava era o esvaziamento das mentes dos teólogos que ensinavam algo como Deus deixar de ser Deus por um segundo sequer. Se Deus colocar de lado um de seus atributos, o imutável sofre uma mutação; o infinito de repente pára de ser infinito; seria o fim do universo. Deus não pode parar de ser Deus e ainda ser Deus. Portanto, não podemos, com propriedade, falar em Deus colocando de lado sua divindade e assumindo em si a humanida­ de. Essa é a razão pela qual o cristianismo ortodoxo sempre declarou que Jesus era verus homus, verus Deus — verdadeiro homem, verdadeiro Deus, totalmente homem e totalmente Deus. Sua natureza humana foi sempre completamente humana, e sua natureza divina foi sempre e em qualquer ocasião completamente divina. Entretanto, o apóstolo Paulo fala a respeito de Cristo esvaziando-se de algu­ ma coisa. Creio que, no contexto de Filipenses 2, está muito claro que aquilo de que Cristo se esvaziou não foi sua divindade, nem seus atributos divinos, mas suas prerrogativas — sua glória e seus privilégios. Ele voluntariamente ocultou sua glória sob o manto dessa natureza humana que tomou sobre si. A natureza divina não deixa de ser divina para se tornar humana. Na Ttansftgm ção (Ml 11.1-13), por exemplo, vemos a natureza divina invisí­ vel se romper e se tornar visível, e Jesus é transfigurado diante dos olhos de seus discípulos. Mas, na maior parte do tempo, Jesus ocultou aquela glória. Penso que Paulo está dizendo em Filipenses 2 que devemos imitar a boa dis­ posição de renunciar nossa própria glória e nossos privilégios e prerrogativas. • No Evangelho de João, Jesus diz: "o Pai é maior do que eu” (Jo 14.28). O q u e ele q u e r dizer co m isso? Às vezes, quando Jesus faz afirmações diretas que parecem significar uma coisa à primeira vista, é necessário irmos um pouco além da superfície para resolver a aparente dificuldade. Nesse caso, não é necessário esse tipo de trabalho extra. Jesus queria dizer exatamente o que ele disse: “o Pai é maior do que e u Isto é, de certa forma, constrangedor para os cristãos porque temos essa doutrina sagrada da Trindade que descreve a unidade das três pessoas da Trindade — Pai, Filho e Espírito Santo. Aqui, o Filho do Homem está dizendo que o Pai é maior do que ele. Essa é uma das razões pelas quais a igreja sempre professou uma doutrina chamada subordinação de Cristo. Note que a doutrina não é chamada inferioridade de Cristo. Enfatizo isso porque em nossa cultura algumas pessoas concluem que subordinação necessariamente implica inferioridade. A razão pela qual a teologia cristã tem uma doutrina sobre a subordina­ ção de Cristo é que, embora a segunda pessoa da Trindade seja co-essencial com o Pai (ele é da mesma essência, “genuíno Deus verdadeiro” eterno em seu ser), há uma distinção entre as pessoas da Trindade. Na economia da redenção e mesmo da criação, vemos certas obras atribuídas ao Pai, outras ao Filho, e outras ao Espírito Santo. A noção tradicional é que o Filho é gerado do Pai — não criado, mas eternamente gerado. O Pai não é gerado do Filho. O Filho é enviado ao mundo pelo Pai; o Filho não envia o Pai. Jesus disse: “o Filho nada pode fazer de si mesmo, senão somente aquilo que vir fazer o Pai”. Sua comida e sua bebida eram fazer a vontade do Pai. Ele foi incumbido pelo Pai para vir ao mundo para a obra da redenção. Nesse plano de redenção da própria Trindade, um envia o outro, e aquele que envia é tido como maior do que aquele que é enviado, no que diz respeito à economia das distinções e à estrutura com a qual a Trindade trabalha. Pela mesma razão, historicamente a igreja, com exceção dos dissiden­ tes da cláusula filioque (assunto de um outro concílio geral da igreja para discutir por quem o Espírito Santo seria enviado, quando houve um cisma entre igreja do oriente e igreja do ocidente. N.T.) tem afirmado que, assim como o Pai envia o Filho, o Espírito Santo é enviado por ambos, o Pai e o Filho. Como o Filho é subordinado ao Pai no trabalho da redenção, assim o Espírito é subordinado a ambos, o Pai e o Filho. Mas, novamente, isso não significa uma desigualdade no ser, na dignidade ou nos atributos divinos. A segunda pessoa da Trindade é totalmente Deus; a terceira pessoa da Trinda­ de é totalmente Deus. Na obra da redenção vemos a expressão da superordenação e da subordinação. • Cristo era capaz de pecar? Jesus tinha a capacidade de pecar? O problema escondido nessa questão é: Se Jesus podia pecar, isso significa que ele tinha o pecado original e parti­ cipava de uma natureza caída? Se fosse esse o caso, ele não teria capacidade para salvar nem a si mesmo, que dirá a nós. Se ele não podia pecar, sua tenta­ ção (tão importante para receber de Deus a coroa de glória por sua obediên­ cia) foi apenas uma farsa — então ele não foi submetido a uma tentação real? O Novo Testamento nos diz que Jesus era semelhante a nós em todos os pontos, exceto um: Ele era sem pecado. Ele nos diz que Jesus encamou-se e tomou sobre si a natureza humana. Também nos diz que ele é o segundo Adão. De maneira geral, a cristologia clássica nos ensina que, quando Jesus encamou-se e se tomou o segundo Adão, ele nasceu com a mesma natureza de Adão antes da queda. Adão não tinha pecado original quando foi criado. Portanto, Jesus não tinha pecado original. Fazemos, então, a mesma per­ gunta: Adão era capaz de pecar? Sim, era. Cristo, o segundo Adão também tinha possibilidade de pecar no sentido de que tinha todas as faculdades e condições para pecar se escolhesse fazê-lo. Cristo poderia ter pecado se tivesse desejado? Com certeza. Sem dúvi­ da, ele não desejou fazê-lo. Portanto, se você fizer a pergunta de maneira diferente, Jesus poderia pecar se ele não o quisesse? Não, ele não poderia pecar se não desejasse, assim como Deus não pode pecar porque Deus não deseja pecar. Desejar pecar é um pré-requisito para pecar. Então, precisamos avançar mais um pouco: Jesus poderia desejar pe­ car? Os teólogos estão divididos nessa questão. Eu diria que sim, acredito que ele poderia ter desejado. Creio que isso é parte de se tornar semelhan­ te a Adão. Quando estivermos no céu e formos totalmente glorificados, então não teremos mais o poder e a disposição de pecar. É isso que almeja­ mos, foi isso que Jesus conquistou para si mesmo e para nós através de sua perfeita obediência. A perfeita obediência de Jesus não foi uma farsa. Ele realmente foi vitorioso sobre todas as tentações imagináveis que encontrou em seu caminho. • Porque Jesus a firm o u q u e alg um as pessoas n ã o m o rr e ri­ a m a n te s q u e ele voltasse? Essa pergunta teve uma influência dramática sobre Albert Schweitzer quando ele estava estudando Teologia do Novo Testamento. Jesus disse: “Não passará esta geração sem que tudo isto aconteça...Não acabareis de percorrer as cidades de Israel até que venha o Filho do Homem... Alguns há, dos que aqui se encontram, que de maneira nenhuma passarão pela morte até que vejam o Filho do Homem no seu reino”. Schweitzer olhou para todas estas passagens e pensou que esse era um caso óbvio em que Jesus se enganou, em que Jesus esperava que sua volta se desse no século I. Schweitzer viu esta expectativa de um retomo precoce de Jesus nos primeiros escritos de Paulo. Depois, teria havido um ajusta­ mento nos escritos posteriores da Bíblia para justificar o grande desaponta­ mento com o fato de Jesus não ter voltado durante aquela primeira geração. Isso tem sido uma questão de grande consternação para muitas pessoas. Jesus não disse: “Alguns de vocês não morrerão até que eu volte”. Ele disse: “Alguns de vocês não passarão pela morte até que estas coisas acon­ teçam”. A dificuldade se encontra na estrutura da linguagem. Os discípulos estavam perguntado a Jesus sobre o estabelecimento do reino. Jesus fala de dois assuntos diferentes. Trata do que obviamente envolve a destruição de Jerusalém quando fala que o templo será destruído. Então, no final do dis­ curso do Jardim das Oliveiras, ele fala sobre sua volta nas nuvens de glória. Alguns dos melhores e mais eruditos estudos do Novo Testamento que tenho encontrado falam sobre o sentido das palavras gregas traduzidas como “tudo isto.” Uma excelente explicação pode ser dada de que, quando Jesus usou a frase “tudo isto”, ele estava se referindo a destruição do templo e de Jerusalém. É impressionante como Jesus de Nazaré predisse, clara e indu­ bitavelmente, um dos mais importantes acontecimentos históricos da vida do povo judaico antes que ele acontecesse. Essa não foi um predição vaga do futuro como Nostradamus ou o Oráculo de Delfos. Jesus nitidamente predisse a queda de Jerusalém e a destruição do templo, o que na realidade aconteceu no ano 70 d.C., enquanto muitos de seus discípulos ainda esta­ vam vivos. Foi também antes que o esforço missionário tivesse alcançado todas as cidades de Israel e antes que aquela geração na realidade tivesse passado. Aqueles eventos cataclísmicos, que Jesus predisse no Monte das Oliveiras, realmente aconteceram no século I. • O q u e Jesus q u e ria dizer q u a n d o a firm o u q u e n ó s faría­ m o s obras m aiores d o q u e as q u e ele fez? Em primeiro lugar ele disse isso a seus discípulos, e apenas indiretamente a nós, se é que o disse. Ele está falando à igreja do século I e afirma que as obras que eles fizerem serão maiores que as obras que ele realizou. Deixe-me dizer o que eu não creio que isso signifique. Há muitos que crêem que existe gente ao redor do mundo nesse momento realizando mila­ gres maiores, realizando milagres em maior quantidade e realmente reali­ zando obras de cura divina mais incríveis dos que as realizadas pelo próprio Jesus. Não posso imaginar nada mais seriamente enganoso do que isso, do que alguém que realmente pense que tenha superado a Jesus no que se refe­ re às obras que ele realizou. Não existe ninguém que se aproxime do trabalho que Jesus fez. Alguns dizem que talvez não possamos realizar maiores obras do que Jesus indivi­ dualmente, mas como um grupo somos capazes de exceder em poder aquilo que Jesus fez. Vemos coisas maravilhosas acontecendo na igreja do século I através do poder que Cristo deu a seus apóstolos. Vemos pessoas sendo ressuscitadas dos mortos através da ação de Pedro e Paulo. Mas, mesmo assim, eu desa­ fiaria as pessoas dizendo-lhes que somassem os milagres que, de acordo com o registro do Novo Testamento, foram realizados através das mãos de Paulo, Pedro e do resto dos discípulos como um todo, colocassem todos-" juntos e então verificassem se eles englobam uma quantidade maior do que aquilo que foi realizado por nosso Senhor. Se Jesus queria dizer que as pessoas fariam milagres maiores do que os que ele realizou no sentido de demonstrar maior poder e realizar fatos mais espantosos do que ele, então, uma das obras que Jesus deixou de realizar foi profecia autêntica e certa porque isso simplesmente não aconteceu. Nin­ guém supera as obras realizadas por Jesus. Esse fato é que me leva a crer que, na realidade, não foi isso que ele queria dizer. Creio que ele está usando o termo “maiores” de maneira diferente. Ouvi um historiador da igreja dizer que ele estava convencido de que quando Jesus fez a declaração: “nf *ssai(o))ecado uma vez, ele o perdoará? Quem é você para recusar 0 peros^?dkj3etfs, e quem é você para condenar alguém a quem Deus perdoou^ Issiajé arrogância. Você pode não se sentir arrogante, você pode não dpíej^ij ser arrogante, você pode estar se humilhan­ do tremendamente suas confissões. Mas estou lhe dizendo que se Deus o p ç ou.'e^òu 'dever perdoar-se a si mesmo. Não é uma opção. Você deve p..!âoaf aqueíes a quem Deus perdoa, incluindo você mesmo. e v em o s lidar c o m esses focos de pecados obstios e m nossas vidas q u e pa re cem n ã o s u m i r m e s m o epois de m u i t a oração e de u m desejo sincero e h o n e s ­ to de m u d a r ? Um dos grandes clássicos cristãos é um pequeno livro devocional escrito por São Tomás de Kempis chamado Imitação de Cristo. Nesse livro, ele fala sobre a luta que muitos cristãos têm com hábitos maus que são pecaminosos. Ele afirma que a luta pela santificação é muitas vezes tão difícil e que as vitórias que alcançamos parecem tão poucas e espaçadas que, mesmo nas vidas dos grandes santos, há poucos que foram capazes de superar comportamentos habituais. Es­ tamos falando a respeito de pessoas que comem demais e têm esse tipo de tenta­ ção, não sobre aqueles que estão escravizados a pecados grosseiros e abominá­ veis. Sem dúvida, as palavras de Tomás de Kempis não são Escritura Sagrada, mas ele fala com a sabedoria de vida de um grande santo. O autor de Hebreus diz que somos chamados a resistir ao pecado que tão facilmente nos persegue e que somos admoestados e advertidos a tentar superar tais pecados com mais empenho. Você diz: Como escapar desses focos de pecado contra os quais lutamos tanto e que temos um desejo honesto e sincero de não cometer? Se o desejo de não cometer o pecado é realmente honesto, estamos com 90% do caminho percorrido. De fato, não deveríamos estar presos a alguma coisa. A razão pela qual continuamos com esses focos de pecados repetidos, é porque, no fundo do coração, temos um desejo de continuar com eles, e não porque temos um dese­ jo sincero de não cometê-los. Eu imagino quão honesto é o nosso desejo de parar. Temos uma tendência de nos enganar a nós mesmos toda vez que abraça­ mos um pecado de estimação. Precisamos enfrentar o fato de que cometemos o pecado porque, no momento, desejamos pecar mais do que desejamos obede­ cer a Cristo. Isso não quer dizer que não temos nenhuma vontade de escapar dele, mas que o nosso grau de desejo vacila. E fácil fazer dieta depois de um banquete; é difícil permanecer em dieta se não comemos o dia inteiro. É isso que acontece com pecados habituais, especialmente pecados que envolvem apetites físicos ou sensuais. A maré do desejo aumenta ou diminui. Ela cresce ou enfraquece. Nossa resolução de arrependimento é grande quando nossos apetites foram satisfeitos, mas quando não foram, temos uma atração crescente para praticar o pecado qualquer que ele seja. Creio que o que devemos fazer é, antes de tudo, sermos honestos a res­ peito de fato de que temos um conflito de interesse entre o que queremos fazer e o que Deus deseja que façamos. Creio que devemos alimentar nossas almas com a Palavra de Deus para que possamos perceber claramente o que Deus deseja que façamos e então estabelecer um desejo forte de obedecer. • As Escrituras no s d ize m que: "como [o h o m e m ] imagina em sua alma, assim ele é” (Pv 23,7. M u itas vezes, m e u s p e n s a ­ m e n t o s são cheios de pecado, e m e s m o a ssim sou u m cristão. C om o lidar co m isso? O versículo que você mencionou é um versículo muito importante. Ele soa um tanto estranho porque, quando falamos a respeito de imaginar, nor­ malmente identificamos pensamentos e o processo de pensar com a cabeça, com o cérebro. Por que a Bíblia diz “como [o homem] imagina em sua alma”? Não pensamos com nossa alma, pensamos com nossas cabeças. Creio que a Escritura usa o termo alma para descrever o que chamaríamos de centro, âmago. Significa aquilo que é mais focalizado em nossos pensa­ mentos, de forma que o centro, o âmago, a essência de nossos pensamentos é que produz aquilo que somos. Em outras palavras, aquilo em que minha mente prioriza, determina o tipo de pessoa que eu me tomo. Essa é uma questão decisiva, porque as pessoas estão sempre me dizen­ do que não desejam estudar teologia e que não desejam estudar matérias intelectuais porque tudo o que realmente os preocupa são as dimensões práticas da vida cristã. Entretanto, para cada prática existe sempre uma teo­ ria. Cada um de nós vive a partir de uma teoria de vida significativa para nós. Realmente, vivemos de acordo com o que pensamos. Podemos não ser capazes de articular essa teoria de forma técnica, mas todos temos uma teoria a partir da qual vivemos a prática de nossa vida. E por isso que Jesus nos diz para mantermos nossos pensamentos puros. Aquilo que você enxer­ ga como importante, vai controlar os padrões práticos de sua vida. Você mencionou a frustração que sente com o conflito entre aquilo a respeito do que você sabe em sua mente que você deveria estar pensando, e aquilo que realmente pipoca em sua cabeça. Um dos melhores estudos so­ bre oração que jamais li vem da pena de João Calvino, o teólogo da Refor­ ma francesa, em sua obra Instituías. Sempre exigia que meus alunos lessem esse capítulo sobre oração antes de lerem qualquer outra coisa para que ficassem familiarizados com Calvino, esse gigante espiritual, o homem que tinha uma enorme paixão pelo coração de Deus. Ele tinha uma vida devocional intensa. Calvino lamenta o fato de que, mesmo no meio da ora­ ção, sua mente era invadida por pensamentos pecaminosos. Isso é normal no ser humano e devemos aprender a superar estes pen­ samentos invasivos, assim como aprendemos a lidar com outros aspectos de nossa natureza pecaminosa. O apóstolos diz que todas as coisas que são puras, todas as coisas que são verdadeiras e amáveis, são essas coisas que deveriam habitar em nós. Temos uma expressão de linguagem de computador chamada princípio GIGO: Lixo para dentro, lixo para fora. (A expressão em inglês diz: garbage in, garbage out; formando a expres­ são GIGO, impossível de ser colocada em português. N.T.) Se enchemos nossas mentes com lixo, nossas vidas logo começarão a manifestar o mau cheiro daquele lixo. Penso que a solução é encher nossas mentes com as coisas de Deus. • Q u a n d o a Bíblia diz q u e serem os resp onsabilizado s p o r to d as as nossas ações, isso inclui os pecados pelos q uais já fo m o s p e rd o a d o s? Penso que sim. Algumas pessoas rapidamente apontarão para o que a Bíblia diz: “Quanto dista o Oriente do Ocidente, assim afasta de nós as nos­ sas transgressões” (SI 103.12) e que ele os lança no mar do esquecimento. Quando Deus perdoa os nossos pecados, ele os esquece. Ele não mais se lembra deles para usá-los contra nós. Assim parece que poderíamos concluir, dessas passagens, que uma vez que sejamos perdoados de um pecado, esse é o seu fim absoluto e nunca mais seremos responsabilizados por ele. Quando somos perdoados por Deus, há duas coisas que devemos enten­ der. Primeiro, quando a Bíblia fala de Deus esquecer os nossos pecados, devemos ser cuidadosos para não forçar demais. Isso não significa que, subitamente, o Deus eterno, verdadeiro Deus do Deus verdadeiro, que é onisciente e imutável repentinamente passa por um lapso de memória e aquilo que ele sabia intimamente antes, ele passa subitamente a ignorar. Se pensarmos assim, isso nos dará uma horrível visão de Deus. Ao contrário, a Bíblia está usando esse tipo de linguagem para dizer que ele não os conser­ va mais contra nós. Ele nos trata sem levantar a questão em termos de apli­ car uma punição. A punição justa para qualquer pecado seria a separação eterna de Deus. Quando somos perdoados somos aliviados de toda culpa e de toda punição, de forma que não precisamos nos preocupar a respeito de irmos para o inferno porque pecamos. Ao mesmo tempo, o Novo Testamento nos diz, pelo menos vinte e cinco vezes, que a distribuição de galardão no céu será feita com o nosso relativo grau de obediência ou das ações que executamos. Somos avisados freqüen­ temente por Jesus que, no último dia, todas as coisas serão trazidas à luz. As coisas que fizemos em segredo serão manifestas; toda palavra ociosa será trazida para julgamento. Não creio que isso signifique que serei punido por aqueles pecados que confessei e que foram perdoados. Esses foram cobertos pela justiça de Cristo e por meu Mediador. Mas terei que comparecer diante de Deus para uma avaliação completa de minha obediência como cristão. Se, nessa hora de avaliação, ele vai mencionar todo o registro ou sim­ plesmente dizer: “Essa é a nota final, você receberá tantos galardões” — não sei como será. Mas eu serei submetido a um acerto final e certamente os detalhes de minha vida estarão na mente de Deus. Embora eu esteja perdoado e não seja punido, cada pecado significa que receberei menos galardão do que se tivesse sido obediente. • N o ssa "velha n a tu re z a " é a n o s s a fa m ilia rid a d e c o m o pecado p o r causa de experiências passadas e o n o sso c o ­ n h e c i m e n t o dele? Quando a Bíblia fala de nossa “velha natureza,” é fácil supor que ela se refira às memórias daquilo que se passou em nossa vida, nossos velhos padrões de comportamento. Penso que a expressão significa muito mais do que isso. O contraste entre velha e nova naturezas ao qual Paulo se refere freqüentemente nas Escrituras é muitas vezes apresentado em outros ter­ mos: velho homem e novo homem. A maneira geral com a qual o apóstolo descreve é o contraste entre carne e espírito. Creio que quando Paulo fala de velho homem, ele está se referindo à nature­ za humana decaída que é o resultado direto do pecado original; isto é, pecado original não é o primeiro pecado cometido por Adão e Eva, mas a conseqüência dele. O fato é que somos seres decaídos e que nós, por causa dessa natureza decaída, nascemos num estado de separação de Deus. Estamos mortos para as coisas do Espírito. Paulo nos diz em Romanos que a mente da carne não pode agradar a Deus. Não temos nenhuma inclinação ou disposição para obedecer a Deus num sentido espiritual. Essa é a nossa velha natureza, nascemos desse jei­ to. Somos por natureza filhos da ira; estamos por natureza nesse estado de sepa­ ração. É a partir dessa natureza que o Novo Testamento nos descreve como seres escravos dessa inclinação ou disposição para pecar. Esse foi um debate que Jesus teve com os fariseus quando lhes disse que se eles continuassem com seus ensinamentos, eles seriam livres, e os fariseus ficaram indignados dizendo: “...jamais fomos escravos de alguém”. Jesus lhes disse: “...todo o que comete pecado é escravo do pecado”. Jesus lhes disse que eles eram escravos do pecado. Paulo afirma que estamos debaixo do pecado, isto é, debaixo do peso dele, debaixo do seu fardo, porque a única disposição e inclinação que te­ mos é a da carne. Não temos nenhuma inclinação natural para as coisas do Espírito até sermos nascidos do Espírito. Quando uma pessoa é regenerada, o Espírito de Deus vem e age sobre aquela pessoa e ele ou ela são uma nova pessoa. Aquele que está em Cristo é nova criatura. Eis que as velhas já passaram e todas as coisas se tornaram novas. Isso não significa que a velha natureza pecaminosa, com sua disposição alheia a Deus esteja aniquilada. Para todos os propósitos e intenções ela foi destinada à morte. Sabemos que a batalha está ganha. Paulo diz que a velha natureza está morrendo diariamente, e que num certo sentido ela foi crucificada com Cristo na cruz. Não há nenhuma dúvida a respeito de sua destruição final e completa. Nesse meio tempo, vivemos essa luta diária entre o velho homem e o novo ho­ mem, a velha natureza e a nova natureza, o velho desejo pelo pecado e a nova inclinação que o Espírito de Deus fez nascer em nossos corações. Agora há uma sede e uma paixão por obediência que não havia lá antes. • Tiago 5 diz: "sabei que aquele que converte o pecador do seu cam inho errado salvará da morte a alm a dele". Você p o d e explicar o q u e Tiago q u e r dizer c o m essa passagem ? Há várias possibilidades de entender o que Tiago tenha querido dizer. Esse texto não nos dá informações precisas suficientes para sermos muito dogmáticos a seu respeito. Ele poderia estar dizendo que aquele que leva uma pessoa a Cristo — que traz o evangelho para a pessoa e a encaminha para um estado de salvação — fez o papel de intermediário e claramente salvou a alma da pessoa. Ele não é o Salvador daquela alma, mas, num certo sentido, ele trabalhou para resgatar a pessoa do seu estado de perdição e do castigo eterno. Talvez isso seja tudo o que a passagem quer dizer. Poderia significar que qualquer pessoa que conduzir um irmão cristão que errou ao arrependimento, ajudou a salvar a alma dessa pessoa da morte. Normalmente, quando falamos a respeito de salvar a alma da morte, auto­ maticamente assumimos que o escritor está falando sobre céu ou inferno, porque pensamos na alma como aquela que sobrevive à morte biológica. Muitas vezes ignoramos o fato de que há ocorrências da palavra alma na Bíblia em que ela simplesmente se refere à pessoa total. Ainda usamos a palavra dessa forma. Eu posso dizer: “Quem veio à reunião ontem à noite?” E você pode responder: “Nem uma alma sequer.” A reunião não era para fantasmas, era para seres humanos. Ou podemos dizer: “Tenha piedade da­ quela pobre alma.” Não estamos olhando para um espírito desencarnado, mas para um ser humano. A Bíblia faz isso. Portanto, o texto não se refere necessariamente ao estado da pessoa depois dessa vida. A morte à qual ele está se referindo aqui é a morte física. Oscar Cullman, o brilhante teólogo suíço do Novo Testamento e historia­ dor da igreja, escreveu sobre a passagem de 1 Coríntios que se dedica à insti­ tuição da Ceia do Senhor e à advertência para não comer ou beber da Ceia do Senhor indignamente. Paulo diz aos Coríntios: “pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. Eis a razão porque há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem” (ICo 11.29,30). Cullman diz que essa é a passagem mais negligenciada de toda a Bíblia, porque aqui está uma afirmação que nos diz claramente que as pessoas na comunidade do Novo Testamento ficavam doentes e morriam como resultado direto de uma violação da Ceia do Senhor, e poucas pessoas estão conscientes disso. Lemos o registro de Ananias e Safira no Novo Testamento, que sofre­ ram morte biológica (At 5.1-11). Quando a Bíblia diz que Deus julga as pessoas e as faz morrer, isso não significa necessariamente que elas estejam condenadas. Pode ser sua pena capital sobre seu povo que mesmo assim ainda é redimido; eles perdem uma porção do prazer dessa vida terrena. Tiago pode estar dizendo apenas que se tirarmos um irmão de seus caminhos perversos, nós os salvamos de uma morte biológica prematura que, às vezes, é manifestação do julgamento de Deus. • No Se rm ão da M o n t a n h a Jesus nos adverte: “N ão julgueis para que não sejais julgados". O q u e ele q u e r dizer? Jesus amplia essa frase curta, enérgica. A medida com a qual você jul­ gar outras pessoas é a mesma através da qual você está em perigo de ser julgado por Deus. Se não tenho misericórdia e graça ao lidar com outras pessoas, então dificilmente posso esperar que Deus se incline para mim com misericórdia e graça. Um dos paralelos da Oração do Senhor é ''perdoa-nos as nossas dívidas assim como perdoamos nossos devedores”. E preciso haver um espírito de misericórdia que é característico da vida cristã porque nós existimos no Reino de Deus só, e exclusivamente, pela graça. Se há pessoas que deveri­ am estar evitando um espírito julgador, deveriam ser aquelas que experi­ mentaram a misericórdia de Deus. Quando Jesus diz: “Não julgueis para que não sejais julgados'”, ele usa uma palavra que, em seu sentido mais técnico, indica o julgamento de con­ denação. Encontramos uma distinção importante no Novo Testamento en­ tre o que chamaríamos de julgamento de discernimento ou avaliação e jul­ gamento de condenação. A passagem na qual Jesus diz: “Não julgueis para que não sejais julgados” não é uma proibição absoluta contra estarmos cons­ cientes do que é mau em oposição ao que é bom ou certo. Somos chamados a reconhecer a diferença entre bem e mal, e isso significa que temos de fazer julgamentos o tempo todo — julgamentos de verdade se o meu compor­ tamento ou o seu comportamento ou o comportamento de um grupo está ou não conforme os princípios de Deus. Às vezes, as pessoas ficam muito nervosas quando digo: “Não creio que isso seja algo que devamos fazer, porque isso seria uma violação da ética.” Alguém pode pular e dizer: “Quem é você para julgar? Não julgueis para que não sejais julgados.” De fato, o que estamos tentando fazer é chegar a um discernimento, a uma avaliação da importância ética de uma determinada situação. Mas o que Jesus está dizendo é que não devemos ter uma atitude condenatória para com as pessoas — o que é chamado espírito vingador. Uma das melhores maneiras que conheço de lidar com isso na prática é entender a diferença entre o que chamamos de julgamento de caridade e um julgamento sem caridade. É a diferença entre a análise de melhor hipótese e pior hipótese. No julgamento de caridade, a pessoa recebe o benefício da dúvida se ela fez algo que talvez não seja tão obviamente certo, ao invés de interpretar seu comportamento com a pior hipótese possível. Infelizmente a maioria de nós reserva o julgamento de caridade para nossas próprias ações, e somos muito mais bondosos conosco mesmos do que com os outros. É contra essa atitude e esse espírito que Jesus está falando aqui. • No p rim e iro cap ítu lo de Rom anos, Deus "entrega os p e ­ cadores à c o n cu p isc ên c ia dos seus corações." O q u e sig­ nifica d ize r q u e Deus e n tre g a a lg u é m ao p e c a d o ? Essa entreg a é ativa ou passiva? O que significa dizer que Deus entrega alguém ao pecado? Encontramos isso não apenas no primeiro capítulo de Romanos, mas também no Antigo Testamento. Jeremias avisou o povo de Israel que essa seria exatamente a sua punição, Deus não iria tolerá-los para sempre, mas viria uma hora em que ele desistiria. Chegaria a um ponto em que Deus os entregaria ao seu pecado. No início do Gênesis, na ocasião do dilúvio, somos avisados de que o Espírito de Deus não luta para sempre com o homem. Deus é paciente, mas sua longanimidade pretende nos dar tempo para que possamos cair em nós mesmos, nos arrepender, reconhecer a Deus e sermos restaurados à comu­ nhão com ele. Mas, ao mesmo tempo, somos avisados de que essa tolerân­ cia não continua para sempre, e que podemos chegar a um momento em nossa recusa obstinada de nos arrepender e responder, em que Deus dirá que é muito tarde e nos abandonará aos nossos pecados retendo de nós a sua graça salvadora. Isso é uma coisa terrível para se pensar. A idéia de entregar a pessoa aos seus pecados ocupa uma parte signifi­ cativa dos capítulos finais do livro do Apocalipse no qual lemos a visão de João do santuário interno do céu e do último julgamento. O texto nos diz que aqueles que respondem a Cristo recebem benefícios maravilhosos, mas aqueles que obstinadamente endurecem em sua recusa de se arrepender, recebem julgamento das mãos de Deus. Deus diz: “Deixem que o perverso seja ainda mais perverso.” Há um tipo de justiça poética aqui. Para aqueles que desejam ser perversos e se recusam a deixar o seu pecado, Deus diz: “Não vou mais impedi-lo. Vou retirar todas as restrições. Vou tirar as amar­ ras e lhe dar a sua liberdade. Vou permitir que você faça exatamente o que deseja fazer. Será para sua destruição eterna, será para sua desonra e para sua consternação final, mas se é isso que você deseja, eu o darei a você.” Se essa entrega é ativa ou passiva? É ativa, no sentido de que Deus age nessa direção. Deus, na realidade, entrega a pessoa aos seus próprios dese­ jos. É passiva, no sentido de que Deus permanece passivo para com a autodestruição da pessoa. • Por q u e a terra su p o rta a m ald ição da q u e d a da h u m a n i ­ d a d e? Q u e m a l fez ela? Essa é uma pergunta estimulante, e é uma pergunta da qual eu gosto porque o Novo Testamento realmente deixa claro que “toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora,... aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo” (Rm 8.22,23). Esse versículo incisivo indica que há um sentido em que todo o mundo da natureza sofre as conse­ qüências do pecado da humanidade. Que mal fez a terra para ser amaldiçoada junto com os seus habitantes pecadores? A Bíblia mostra que a terra não fez nada errado. Freqüentemen­ te, os profetas de Israel diziam ao povo de Deus que prestassem atenção no reino animal e nos elementos da natureza que seguiam o seu curso determi­ nado por Deus. Quando deixamos cair uma pedra, ela obedece a lei da gra­ vidade. A natureza obedece as leis da natureza que, na verdade, são as leis de Deus. Não há desobediência. Se você mistura água na terra, você tem barro — exatamente como se supõe. Somos também chamados a conside­ rar a formiga que é diligente, enquanto nós somos indolentes. A Bíblia nos diz que o boi conhece a sua manjedoura e o estábulo do seu dono e nós não conhecemos nosso criador. Muitas e muitas vezes, encon111 BIBLIOTECA AUBREY CLARK tramos essas analogias nas Escrituras com as quais somos chamados a imi­ tar os elementos da natureza em sua obediência ao invés de praticar o tipo persistente de desobediência pelo qual somos conhecidos. Por que o sofrimento aflige a natureza inocente? Na criação, quando Adão e Eva foram criados como os cabeças da raça humana, Deus lhes deu domí­ nio sobre toda terra. A primeira tarefa entregue aos nossos primeiros pais foi dar nome aos animais. O próprio ato de dar nome era um indicador simbólico da autoridade do homem sobre o reino animal. Há um sentido em que a nature­ za é descrita nas Escrituras como algo que Deus fez para servir a humanidade. No Novo Testamento, Jesus fala sobre o fato de que toda vez que um pardal cai, Deus toma conhecimento e seus olhos estão sobre ele. Ele se pre­ ocupa com os animais nesse mundo. Entretanto Jesus diz: “Não se vendem doispardaispor um asse?” (Mt 10.29), indicando que nós somos muito mais valiosos diante de Deus porque apenas ao homem foi dada a imagem de Deus. Infelizmente, quando pecamos, os que estão abaixo de nós sofrem as conseqüências de nossa pecaminosidade. Sofrem inocentemente, e é por isso que gemem, esperando nossa redenção. Assim como participa das con­ seqüências de nossa queda, assim também a natureza participará das conse­ qüências de nossa renovação. FÉ E F I L O S O F I A “Antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós... com mansidão e temor...” — 1 P e d r o 3.15,16 Perguntas dessa seçao: • Existe distinção entre Cristianismo e religião? • Com que tipos de desenvolvimentos filosóficos em nossa sociedade con­ temporânea nós, cristãos, deveríamos estar preparados para lidar? • As outras religiões e filosofias do mundo são uma ameaça para o Cristianismo? • O que é existencialismo e como devo responder a ele? • Seria possível comentar a respeito de algumas heresias do movimento da Nova Era sobre as quais um cristão deve estar consciente? • Como os cristãos devem responder à crença na reencamação? • O que é narcisismo e qual o seu impacto sobre nossa sociedade e sobre o futuro de nossos filhos? • O que o sr. recomendaria que fizéssemos a respeito do humanismo secular? • Como os cristãos devem encarar os maçons e outras ordens fraternais? • A ciência não contradiz o Cristianismo? • Alguma coisa pode acontecer por acaso? • Como posso argumentar com um amigo sobre a existência de Deus? • Como se pode convencer um não-crente de que a Bíblia é a Palavra de Deus? • Como se explicam as discrepâncias nas Escrituras, como as que existem entre os quatro evangelhos? • Existe d istin ç ão e n tre Cristiani sm o e religião? No primeiro capítulo de Romanos, a ira de Deus é revelada contra distorções sobre Deus que culminaram em várias práticas religiosas chamadas idolatria. Deus, de maneira nenhuma, se alegra com as operações e funções daquilo que chamamos religião. Eu diria que, primeiramente e sobretudo, o Cristianismo não é uma reli­ gião, embora usemos esse termo para descrevê-lo de uma perspectiva sociológica. O termo religião descreve práticas humanas — práticas de adoração, de envolvimento cúltico, de crença num deus e de obediência a certas regras que vêm do deus ou deuses. Há vários tipos de religiões nesse mundo. Existe um aspecto religioso no Cristianismo. Nós adoramos, e estamos envolvidos em certas atividades humanas, como oração e estudos bíblicos e devocionais. Nossas práticas religiosas são semelhantes às práticas de ou­ tras religiões. Mas o Cristianismo é muito mais que uma religião; é vida. O simples fato de que uma pessoa é religiosa, não significa necessariamente que ela esteja agradando a Deus; o pecado primordial do homem é a idolatria, e idolatria é o culto prestado a alguma coisa que, de fato, não é Deus. A adoração de ídolos envolve a prática de religião. E sobre isso exatamente que Romanos 1 está falando; Deus não se agrada de qualquer e nem de todos os tipos de atividade religiosa. Nossas atividades religiosas podem, às vezes, ser insultantes a Deus. O próprio Cristianismo pode degenerar numa mera religião, isto é, pode ter as atividade formais externas e as práticas sociológicas sem a substância que motiva todas essas coisas — um profundo amor e devoção ao próprio Deus e uma profunda confiança na obra de Cristo. ■ • S e m p re h o u v e d e s e n v o l v i m e n t o s filosóficos in filtran d ose e m n o ss a cultura, m as quais os tipos de de senv o lv i­ m e n t o filosófico c o m os qu ais nós, cristãos, dev eríam o s estar p r e p a r a d o s para lidar e m noss a sociedade atual? Em qualquer época de uma cultura, existem todos os tipos de desenvolvimen­ tos filosóficos ou escolas filosóficas de pensamento competindo pela primazia. Certa vez li um ensaio erudito que defendia a idéia de que toda cultura precisa ter algo que a unifique, algum tipo de ponto de vista que a aglutine. Se você estudar todas as civilizações da história, verá que cada uma tinha uma idéia filosófica ou religiosa que unia as pessoas. Esse conceito unificador pode ser um conceito reli­ gioso ou filosófico, ou até mesmo mitológico. Mas tem que haver alguma idéia que reúna ou unifique tudo. Os estudiosos entendem isso. Assistimos a um debate interminável do tipo quem veio primeiro o ovo ou a galinha sobre: As idéias mol­ dam a cultura e os eventos, ou os eventos produzem as idéias? Penso que seríamos tolos de ignorar o impacto óbvio que as idéias têm na modelagem de uma cultura. Eu diria que, nesse momento, a civilização ocidental está aberta a tudo. Não existe filosofia, teologia ou religião dominante que tenha produzido um consenso como o que tivemos na Idade Média com a fé judaico-cristã domi­ nando a compreensão que as pessoas tinham de seu mundo. Agora, com gran­ des massas de pessoas abandonando a compreensão judaico-cristã de homem e de mundo, tem havido todos os tipos de escolas filosóficas competindo entre si, tentando preencher o vazio. É quase igual à situação na Associação Mundial de Boxe onde uma associação tem o seu campeão de peso pesado e outra associação tem o seu campeão de peso pesado. Não existe um único campeão mundial de peso pesado que seja reconhecido por todos. Portanto, agora temos um pouco de pragmatismo, um pouco de hedonismo e um pouco de existencialismo competindo entre si. Tenho argumentado que, se existe um conceito mais abrangente em nossa cultura, seria o que chamaríamos de secularismo. Ouvimos essa palavra atirada de boca em boca no mundo cristão, na realidade com muito pouca compreensão sobre seu significado. A palavra secularismo, como qualquer ismo, significa simplesmente isso: Esse tempo, esse mundo, é tudo o que existe. Não há nenhuma dimensão eterna. Existe o mundo como o encon­ tramos. O mundo no qual vivemos é o único ambiente que iremos habitar — não há céu, ou se existe um céu não podemos saber nada a respeito dele. Portanto, a ênfase é no aqui e no agora. Este, creio, é o maior competidor pela lealdade das pessoas. • Sou u m universitário e est ou e s t u d a n d o várias religiões e filosofias e t e n h o visto vários de m e u s colegas a b r a ç a n ­ d o essas idéias. Não a p e n a s é a s s u s ta d o r para m i m vêlos a s s u m i r essas lin h as de p e n s a m e n t o , m a s t e n h o m e pe rg u n ta d o : as o utras religiões e filosofias são u m a a m e ­ aça para o Cristianismo? Permita-me dizer uma coisa que talvez possa ofendê-lo completamente ou violar sua sensibilidade. Não desejo fazer isso, mas reconheço que o mundo no qual vivemos tem certos valores e opiniões nos quais todos nós fomos treinados. O século XIX foi um período sem paralelo no estudo das religiões mundiais. A medida que o mundo se tornou menor e cultu­ ras diferentes se aproximaram umas das outras, vimos que era necessário que as pessoas de religiões diferentes convivessem pacificamente ao in­ vés de derramar sangue pelo mundo todo por causa de guerras e desaven­ ças religiosas. O mundo já tinha experimentado o suficiente disso. Por­ tanto, o esforço no século XIX era tentar estudar todas as diferentes reli­ giões mundiais e penetrar até a essência daquilo que tinham em comum. Surgiu toda uma ciência de religiões comparadas e com ela a famosa analogia da montanha — de que Deus está no topo de uma montanha e há diferentes tipos de caminho que sobem por ela. Alguns vão por uma rota direta, outros por rotas mais tortuosas. Mas, em última análise, todas essas rotas chegam ao mesmo lugar, por isso na realidade não importa por qual estrada você vai. Deixe-me dizer apenas que, se isto é verdade, então não creio que o Cristianismo seja uma dessas estradas, porque Je­ sus disse que importa profundamente qual a estrada pela qual você viaja. O Novo Testamento está num curso de colisão com aqueles que dizem que não importa em qual estrada você está. Deus ficou furioso com Aarão e com os filhos de Israel por abraçarem o bezerro de ouro. O princípio no Antigo Testamento era o da lealdade e devoção exclusivas ao Deus de Israel, e não deveria haver nenhum sincretismo, nenhuma mistura dos elementos da fé do povo de Israel com as religiões pagãs, com aqueles que seguiam Baal, ou a religião dos filisteus ou qualquer outra. Mas o mundo não leva a pureza da fé religiosa com muita seriedade. Uma das tradições do Islã é que matar um infiel é uma virtude para o maometano zeloso. Isso é radicalmente diferente dos ensinos de Jesus. Já ouvi algumas pessoas que vieram a mim e disseram que não há uma diferença realmente grande entre o Islamismo e o Cristianismo. Quan­ do as pessoas dizem isso, é uma indicação, para mim, de que ou elas não sabem nada a respeito do Cristianismo, ou não sabem nada sobre o Islamismo. Um exame apenas superficial dessas religiões mostra que elas são radi­ calmente diferentes em pontos importantes. Se estou alarmado e preocupado com essa atmosfera pluralista que está prevalecendo em nossa cultura? Sim, e muito. Outras filosofias certamente podem ser uma ameaça para a fé quando impedem que as pessoas enxer­ guem a verdade com clareza. Mas isso acontece quando não acreditamos que o conteúdo da religião seja importante. • O q u e é existencialismo, e c o m o devo r e s p o n d e r a ele? Às vezes, subestimamos o poder das idéias humanas. Tendemos a desprezar os estudiosos isolados do mundo que dão suas vidas para pen­ sar as pesadas questões da filosofia, e dizemos: “o que isso tem a ver com o mundo prático no qual vivemos?” Não conheço outra filosofia na histó­ ria, com possível exceção do Marxismo, que tenha tido um impacto tão radical, tão abrangente e tão rápido na formação da cultura humana como a filosofia do existencialismo. O existencialismo contém muitas variações. Seu tema geral focaliza uma preocupação com a existência humana. Essa é a razão porque é chamado existencialismo. Esta filosofia é construída primariamente sobre a pergunta: O que signi­ fica existir como pessoa nesse mundo? Ao centralizar sua atenção sobre a situação difícil do ser humano, o existencialismo tende a ser pessimista e ateísta, embora haja formas religiosas de existencialismo e formas mais otimistas de existencialismo. Mas no fundo, esta escola filosófica tende a ver o homem num ambiente ou numa atmosfera de desespero. Dois dos grandes pensadores do existencialismo do século XX foram Albert Camus e Jean-Paul Sartre. Eles escreveram em resposta ao holocausto da Segunda Grande Guerra e suas idéias eram de grande desespero. Por exemplo, chegam à conclusão de que o homem em sua existência é uma paixão inútil e que a vida humana no final é sem sentido e insignificante. Dentro dessa visão, com respeito às coisas de Deus. a idéia é de que no céu não há ninguém em casa. Alguns anos atrás, o defensor do existencialismo em Greenwich Village (um bairro da cidade de Nova Iorque N.T.) fez o seguinte gracejo com um repórter da revista Time: “Olha, eu procurei Deus nas Páginas Amarelas e ele não está entre os assinantes.” A idéia é de que não há ninguém em casa no universo e que somos deixados aqui em nossa existência numa atmosfe­ ra de desespero final. Como responder ao existencialismo? Uma coisa pela qual sou grato é que o existencialismo produz um solo tremendamente fértil para a prega­ ção do Cristianismo, porque o Cristianismo é muito otimista. Cremos que a existência humana tem sentido, e que é basicamente significativa porque Cristo definiu o significado de nossa existência. Portanto, a resposta de como devemos responder ao existencialismo é: simplesmente contraponhase a ele com a esperança do evangelho. • Seria possível c o m e n t a r a respeito de a lg u m a s heresias d o m o v i m e n t o da Nova Era sobre as quais o cristão deve e star c o n s c i e n te ? Antes de mais nada, deixem-me dizer que o movimento da Nova Era, como qualquer movimento de base ampla, tem várias dimensões. Restrin­ girei meus comentários a um elemento. Uma das interpretações de mundo mais perturbadoras que encontra­ mos no movimento da Nova Era é a centralização da atenção na habilida­ de humana de ter, virtualmente, um poder mágico sobre seu próprio am­ biente. Não muito tempo atrás eu estava jogando golfe e o meu instrutor me perguntou: “...No que você está pensando quando joga?” Eu respon­ di: “Eu não tenho nenhum modo secreto de manejar o taco. Não tenho nenhuma mecânica especial para pensar em termos de onde coloco mi­ nhas mãos e meus punhos. Tudo o que faço é seguir o mesmo processo. Antes de bater o taco, visualizo em minha imaginação o padrão de vôo que desejo imprimir na bola. Então mando aquela mensagem da minha mente para o meu corpo, e tento duplicar a sensação que acabei de expe­ rimentar ao conseguir a tacada.” Isso pode parecer muito semelhante ao tipo de pensamento da Nova Era — quase um tipo de pensamento de mente-sobre-a-matéria. Quase toda heresia significa uma verdade que é levada ao extremo, até o ponto da distorção. E verdade que nossa atitude mental tem uma tremenda in­ fluência na maneira como experimentamos a vida. E é verdade que Jack Nicklaus sente as tacadas antes de jogá-las, porque ele está tentando pro­ gramar o seu corpo para uma boa imagem positiva de recordação de tacadas que ele conseguiu no passado. Mas isso não é a mesma coisa de imaginar que se eu ficar pensando sobre dinheiro eu vou ficar rico, ou se centralizo minha atenção sobre um objeto serei capaz de movimentá-lo unicamente pelo poder de minha men­ te. Nós cristãos devemos ser muito cautelosos para entender que o Cristia­ nismo promete o poder e a presença de Deus, o Espírito Santo, mas não mágica. Há uma linha firme nas Escrituras entre realidade espiritual e má­ gica. No Antigo Testamento todas as formas de mágica e magia eram abo­ minações fatais ao caráter de Deus. O movimento da Nova Era incorpora elementos religiosos e elementos místicos do oriente numa espécie de mis­ tura de verdade espiritual e muita mágica. Tenho presenciado sua invasão no mundo evangélico a ponto de estar muito alarmado com isso. • C o m o os cristãos d e v e m r e s p o n d e r à crença n a reencarnação? Na história do mundo, tem havido defensores da reencarnação muito mais espetaculares do que Shirley MacLaine e outros recém-convertidos a essa crença. Por exemplo, o filósofo Platão, depois de estudar na escola Pitagórica de filósofos, persuadiu-se da verdade daquilo que ele chamou “transmigração da alma.” Há religiões orientais que têm um enorme com­ promisso com a crença na reencarnação da alma. Essa posição não faz parte da fé cristã ortodoxa. A fé cristã ensina que: “aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo” (Hb 9.27). O conceito de reencarnação geralmente carrega consigo alguma noção de justificação pelas obras; isto é, você tem que adquirir sua recompensa de um nível mais alto na próxima encarnação, antes que você possa, finalmente, libertar-se disto num mundo espiritual. Normalmente a idéia é de que conforme você conquista o seu caminho escada acima, se você for suficientemente bom, será libertado de ter de se encarnar num corpo novamente. Os cristãos crêem numa ressurrei­ ção do corpo, de modo que não estamos esperando uma existência espiritu­ al perfeitamente pura sem um corpo. • O q u e é n a r c i s i s m o e q u a l o seu i m p a c t o sobre n o s s a sociedade e sobre o fu tu r o de nossos filhos? O conceito de narcisismo tem suas raízes na mitologia antiga. Narciso era simplesmente um jovem, não uma divindade menor. Ele recusou Eco, a ninfa do amor. A fixação por sua própria imagem foi o castigo dos deuses. A derivação de seu nome tem sido usada para descrever uma síndrome — o culto do amor a si mesmo presente em nossa nação hoje. Temos visto um número sem precedentes de livros de auto-ajuda para tratar uma grande preocupação com a auto-estima e a auto-imagem. Algumas pessoas estão preocupadas com o fato de que essa introspecção e preocupação com a nossa auto-estima possa terminar em distorções da personalidade humana pela qual nos tornamos tão enamorados de nossa própria imagem e tão apai­ xonados por nós mesmos que não conseguimos realmente observar a comu­ nidade e nos relacionar com outras pessoas. Vendo nosso orgulho as pesso­ as dirão a nosso respeito: “Ali vai Deus pela graça de Deus.” Se você estudar a história do pensamento teórico na civilização e na filosofia ocidental, verá que assuntos diferentes atraíram a atenção mais séria dos pensadores da sociedade. Os filósofos antigos estavam interessados em epistemologia, a ciência do conhecimento. Filosofia da história era o assunto dominante do século XIX. Mas, de maneira esmagadora, o tema central da investigação especulativa e acadêmica contemporânea é: O que significa o ser humano? Existe uma razão para isso. Estamos numa crise porque Deus não está mais no centro de nosso pensamento. Se é verdade (como o Cristianismo diz que é) que o homem foi criado à imagem de Deus, isso significa que não posso realmente entender quem eu sou ou o que eu sou sem uma compreensão anterior do caráter de Deus. Se Deus está extinto em meu pensamento, en­ tão fico com a pergunta Quem sou eu? Se as pessoas me dizem que eu surgi do lodo e que estou destinado ao nada, então, se é que ainda estou pensan­ do, vou ter uma crise de identidade e vou ler todos os livros que posso sobre auto-estima, autodignidade e outros semelhantes. É disso que as pessoas estão com medo, que essa preocupação termine num complexo de Narciso. Não creio que esse seja o nosso problema. Não penso que as pessoas este­ jam realmente se apaixonando por si mesmas e por suas imagens. Creio que elas estão sentindo o peso da perda de Deus em suas vidas. • O sr. se n te q u e o h u m a n i s m o secular é u m a a m e aç a real para o C ristia n ism o ? C o m o p o d e m o s lidar c o m ele e m relação a n o ss a escola pública? Não tenho certeza sobre o grau de ameaça que ele representa, mas ele certamente compete com o Cristianismo pelas mentes e corações das pes­ soas. O humanismo secular, como visão do mundo, está em rota de colisão com o sistema de valores e crenças do Cristianismo. Essas duas visões adotam posições radicalmente diferentes no que con­ cerne a como Deus se relaciona com o mundo e conosco. Estou constantemente tentando relembrar aos meus irmãos cristãos que nossos antepassados, ao escreverem a constituição dos Estados Unidos da América, concordaram em viver lado a lado, concordando em discordar com incrédulos sobre assuntos como esses. Cristãos e não-cristãos compar­ tilham da proteção da Carta de Direitos. A Primeira Emenda (Constituição Norte Americana N.T.) garante a nós, como cristãos, o direito da livre ex­ pressão de nossa fé. Também garante ao não-cristão proteção contra aque­ les cristãos que procuram estabelecer o Cristianismo como a fé religiosa oficial dos Estados Unidos da América. Concordamos constitucionalmente em não estabelecer uma religião oficial. Portanto, quando nós cristãos tentamos usar os tribunais para insistir que seja utilizada uma literatura cristã no sistema escolar público, creio que estamos violando a Primeira Emenda, assim como sentimos que alguns de nossos direitos têm sido violados em certas ocasiões pelas recentes práticas legislativas nesse país. Provavelmente em sua maior parte, aqueles que têm lutado para que a criação seja ensinada no sistema educacional público, o fazem sob a apelação de que a criação é a explicação científica autêntica da origem do universo, e não de que ela seja especificamente cristã. Entretanto, isso é ime­ diatamente encarado como uma tentativa de cristianizar o sistema escolar. Mas o que dizer da retirada de livros de texto “ofensivos” do sistema público de educação? Essa pergunta focaliza de maneira aguda uma questão com a qual temos lutado durante os últimos trinta anos nesse país: Qual a posição filosófica que o sistema de educação pública adota na sua instrução? A Corte Suprema estabeleceu que o humanismo é uma religião, e tam­ bém que está errado ensinar religião nas escolas públicas. O problema é que qualquer coisa que é ensinada nas escolas públicas pode ser considerada como religião. Muitas pessoas vivem embalando o mito de que, de alguma forma, é possível ensinar uma visão de mundo neutra no sistema público de educação. Nunca houve tal coisa como uma educação com um sistema de valores neutro. A ironia é que a pergunta básica dentro da luta que enfrenta­ mos é se seria possível ou não termos um sistema público de educação dentro dos limites da Constituição. Esse é o problema, mas precisamos ser cuidado­ sos para não tentar usar a lei para forçar nossa fé sobre não-crentes. • C o m o os cristãos d e v e m e n carar os m a ç o n s e o u tras or­ d e n s fraternais? Meu pai, meu avô, meu tio e meu sogro, todos eram maçons. Estou um tanto aborrecido com todo esse conflito que parece existir hoje sobre os maçons e outras organizações fraternais. A controvérsia exige algumas explicações. Primeiro, há tipos diferentes de organizações fraternais, algumas das quais são estritamente sociais. Não há nada errado em que as pessoas se reúnam por razões sociais. Na igreja, essa reunião recebe o nome de comu- nhão entre os crentes e reconhecemos que isso é uma parte muito importan­ te de nossa humanidade. Outras organizações fraternais se formam com o propósito expresso de serem organizações de serviço para, por exemplo, aliviar o sofrimento, ajudar cegos e órfãos. Eles se envolvem em atividades humanitá­ rias. Como um cristão deve responder a isso? Creio que com tanta cooperação quanto possível. Não posso imaginar por que um cristão teria objeções a isso. Você pode ter problemas com algumas organizações porque suas ori­ gens históricas têm fortes implicações religiosas, possuindo credos e ceri­ mônias. O que acontece quando um cristão se une a uma organização que tem um credo que não é totalmente compatível com suas crenças cristãs? Obviamente ele tem um conflito. Outras pessoas podem ter uma grande dificuldade de entender esse conflito. Por exemplo, na América existe uma visão eclética, pluralista, que diz que não importa o que você crê, desde que você seja sincero. Alguns desses grupos têm credos que afirmam que não existe nenhuma diferença básica entre Cristia­ nismo e Islamismo ou outras religiões. Isso é ofensivo para um cristão porque há diferenças significativas entre essas religiões, sendo que a principal delas é a sua visão de Cristo. Somos consagrados a Cristo. Estamos convencidos de que ele é o Filho Unigénito de Deus. Portanto, se confesso no domingo de manhã que Cristo é o Filho Unigénito de Deus, e num outro dia, numa reunião da ordem fraternal confesso o contrário, tenho um conflito em minha profissão de fé reli­ giosa. Pessoas mais sensíveis enfrentam grandes lutas. Para ser justo com as pessoas, algumas dizem que tudo isso é apenas uma parte do ritual e da cerimônia e que, na realidade, não toca na essência daquilo a que o clube se propõe. Creio que as pessoas são muito sinceras quando dizem isso. Os cristãos devem ser cuidadosos ao ouvir e dizer que a razão pela qual essas pessoas fazem parte da ordem não é porque estão tentando transformá-la numa religião substituta. Essas organizações têm credos e as pessoas precisam recitá-los, e quer elas queiram que isso seja uma atividade religiosa ou não, continua sendo uma atividade que pressio­ na pessoas que têm uma convicção religiosa diferente. • A ciência n ã o c on tr a diz o Cristianism o? Tem havido conflitos óbvios entre a comunidade científica e a comuni­ dade religiosa sobre certos pontos. Sem dúvida, historicamente, a disputa mais notável foi o episódio embaraçoso de Galileu e toda a teoria sobre qual era o centro do sistema solar, a Terra ou o Sol. Sabemos que muitos bispos se recusaram até mesmo a olhar as evidências de um telescópio por­ que já haviam batizado outra tradição científica que não era bíblica. Aci­ dentalmente esse foi um caso em que a comunidade científica corrigiu a interpretação teológica e a interpretação errada das Escrituras, porque as Escrituras não ensinam que a terra é o centro do sistema solar, e foi neces­ sário que a comunidade científica nos corrigisse nisso. Ir além disso e dizer que, às vezes, a ciência corrige idéias errôneas é uma coisa, mas realmente desacreditar o Cristianismo... Há muito poucos pontos da fé cristã que são vulneráveis ao ataque científico. Se alguém diz, por exemplo: “Bem, podemos provar cientificamente que as pessoas não podem retomar dos mortos,” e a ciência pudesse provar que era impossível que o Deus do universo ressuscitasse seu Filho dos mortos, então obviamente o Cristianismo seria desa­ creditado ou invalidado. Não vejo como um cientista poderia sequer chegar per­ to disso. Tudo o que um cientista pode dizer é que, sob condições normais e procedimentos padrão, as pessoas que morrem permanecem mortas. Sem dúvi­ da, não é necessário ser um cientista do século XX para entender isso; as pessoas do século I estavam bem conscientes do fato de que quando as pessoas morriam, elas permaneciam mortas. Portanto, a não ser que um cientista pudesse, de algu­ ma forma, provar a não-existência de Deus ou da ressurreição de Cristo, não vejo como poderiam realmente falsificar as alegações da fé cristã. Apenas porque não podem ser falsificadas, não significa, obviamente, que tais alegações sejam verificáveis. Mas não vejo como tenhamos que temer qualquer coisa nesse sentido. O ponto mais comum de tensão, entretanto, se refere à origem do universo e à origem da vida. Se a ciência provar que o mundo não foi criado, penso que isso destruiria a fé cristã. O Cristianismo tem um compromisso com o conceito da criação divina — que existe um Criador eterno diante do qual todos nós somos responsáveis e pelo qual todos fomos criados e que tudo o que existe foi feito através dele e que o universo não é eterno. Se os cientistas pudessem provar que o universo é, de fato, eterno, isso seria o fim da fé cristã. Mas não creio que tenhamos a menor necessidade de nos preocuparmos com isso. • Algum a coisa p o d e a co n tecer p o r acaso? Quais são as possibilidades de algo acontecer por acaso? Minha respos­ ta a essa pergunta é: “Nenhuma.” Nada acontece por acaso. Se com isso queremos dizer que o acaso pode causar alguma coisa, é completamente impossível científica, racional e teologicamente que qualquer coisa seja causada por acaso. Por que faço uma afirmação como essa? Parece tão radical e, de fato é até bombástico declarar que nada poderia acontecer por acaso. A razão pela qual digo isso é a seguinte: Acaso não é uma coisa. A palavra acaso é simplesmente uma palavra que-usamos para descrever possibilidades mate­ máticas. Dizemos que quando uma moeda é jogada para o alto — não sabe­ mos de que lado ela vai cair, mas que há 50% de chances que seja coroa. Mas o acaso não tem nada a ver com fato da moeda cair de um lado ou do outro. O acaso não tem nenhum poder de influenciar nada — não tem ne­ nhum poder para fazer nada. Porque o acaso não é uma coisa. Ele não é nada. Para que algo tenha o poder de influenciar, ele precisa ser antes de poder fazer Mas o acaso não é uma entidade. Não tem nenhum poder e não pode fazer nada porque não é nada. O outro lado da pergunta é: As coisas que acontecem nesse mundo, basicamente acontecem por acidente? Bem, temos de entender que para cada coisa que acontece existe uma causa. Alguns cientistas estão des­ concertados com experimentos com partículas subatômicas envolven­ do o que é chamado, nos círculos sofisticados, de princípio da incerteza ou princípio da indeterminância de Heisenberg. Certos estudos mos­ tram que não temos a mínima idéia do por que as partículas subatômicas se comportam da maneira como o fazem. Alguns pularam para a con­ clusão de que, porque não sabemos a razão pela qual as partículas se comportam da maneira como o fazem, o nada está fazendo com que elas se comportem daquela maneira. Quanto conhecimento mais teríamos de ter antes de podermos dizer que nada está produzindo um efeito observável? Teríamos de esvaziar todos os cantos e frestas do universo e fazê-los nova­ mente para ter certeza de que não deixamos o réu escapar da primeira vez. • S u p o n d o - s e q u e eu t e n h a u m b o m r e l a c i o n a m e n to c o m u m a m ig o q u e r e a l m e n t e n ã o acredita e m Deus, c o m o poss o p e n s a r c o m ele a respeito da existência de Deus? Estamos vivendo uma época em que a própria razão é suspeita entre os cristãos e, de alguma forma, é mais apreciado simplesmente afirmar nossa fé e pedir às pessoas que aceitem o que lhes dizemos estritamente na base de uma fé cega. Entretanto, a Bíblia nos diz: “Vinde, pois, e arra­ zoem os” (Is 1.18), e as Escrituras nos recomendam a estarmos “prepara­ dos para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós” (IPe 3.15). Lembro-me de que na escola primária, às vezes, podíamos fazer uma prova com o livro aberto nas classes de matemática. A vantagem era que podíamos olhar no final do livro, onde estavam as respostas certas para os problemas. Se não soubéssemos como chegar à resposta certa, pelo menos sabíamos qual era ela. Existe uma espécie de entrar pelo “final do livro” em nossa abordagem da existência de Deus com nossos amigos. O apóstolo Paulo nos diz em Romanos 1 que Deus se revela a todo o ser humano e que todas as pessoas sabem que existe um Deus. O julgamento de Deus não é sobre o fato de que as pessoas deixam de ter um conhecimento de Deus, mas sobre o fato de que elas se recusam a reconhecer aquilo que sabem ser verdade. Se isso é verdadeiro, então entra­ mos na discussão possuindo essa informação — isto é, que a pessoa já sabe que existe um Deus, embora não esteja reconhecendo o fato. Mas o que podemos fazer? Podemos simplesmente dizer: “Você é um mentiroso. Por que você não fala a verdade e assume que você realmente sabe que existe um Deus?” Essa não é a abordagem que sugiro. As vezes, este conhecimento de Deus está tão reprimido ou sufocado que a pessoa tem apenas uma compreensão vaga sobre o caráter ou a existência de Deus. E muitas das perguntas que fazem são perguntas honestas. É importante respeitar as perguntas das pessoas. O recém falecido Francis Schaffer tinha um ministério em L’Abri, na Suíça, onde se especializou no alcance de intelectuais que eram ateístas confessos. Ele sentiu que era sua obrigação dar respostas honestas a perguntas honestas. Quando discutimos questões como a existência de Deus, devemos estar preparados para expli­ car por que estamos persuadidos de que Deus existe. Não há tempo agora para examinar o argumento cosmológico da exis­ tência de Deus, mas creio que ele é válido. Em poucas palavras, se algo existe agora, algo sempre existiu desde toda a eternidade ou não haveria nada. De alguma maneira, em algum lugar, al­ guém ou alguma coisa deve ter o poder de ser em si mesmo, e a este um que tem o poder de ser em si mesmo, chamamos Deus. Eu iniciaria a discussão dessa forma: “Como esse mundo surgiu? Como esse copo surgiu? Como qual­ quer coisa começou a existir?” e então atrairia a atenção para esse ponto. • C o m o se p o d e c o n v e n c e r a u m n ã o crente q u e a Bíblia é a Palavra de Deus? Antes de tentar responder a essa pergunta diretamente, deixe-me fazer uma distinção importante logo de início. Há uma diferença entre prova objetiva e a convicção ou persuasão que se segue. João Calvino argumenta­ va que a Bíblia transmite ambos, persuasão e convicção em termos de seu testemunho interno — as marcas de verdade que podem ser encontradas por um simples exame do livro em si — assim como a evidência externa que confirmaria aquela evidência substancial para se chegar a uma prova sólida de que a Bíblia é a Palavra de Deus. Entretanto, a última coisa que as pessoas desejam é um livro que lhes diga que elas estão numa desesperada necessidade de arrependimento e de uma mudança de vida e que devem se curvar humildemente diante de Cris­ to. Não desejamos que esse livro seja a verdade. Calvino argumentava que existe um tremendo preconceito estabelecido no coração humano que ape­ nas a influência de Deus, o Espírito Santo, pode superar. Calvino fazia uma distinção entre o que chamava de undicia —aquelas evidências objetivas da confiabilidade das Escrituras — e o que ele chamava de testemunho interno do Espírito Santo que é necessário para nos levar a submeter-nos à evidên­ cia e ao reconhecimento de que ela é a Palavra de Deus. Mas creio que essa é uma questão crítica da qual depende muita coisa da fé cristã. A Bíblia alega ser a pura Palavra de Deus, isto é, a verdade de Deus, que vem dele mesmo. Deus é sua fonte e seu autor final, embora, sem dúvida, ele tenha usado autores humanos para comunicar sua mensagem. Ao falar com as pessoas sobre isso, temos de passar pelo processo traba­ lhoso de mostrar, primeiro, que a Bíblia como uma coleção de documentos históricos é basicamente confiável. Os mesmos testes que aplicaríamos a Heródoto ou a Suetônio ou a qualquer outro historiador da antiguidade de­ veriam ser aplicados aos registros bíblicos. O cristão não deveria ficar com medo de aplicar esses padrões históricos de credibilidade sobre as Escritu­ ras porque ela já resistiu a uma tremenda quantidade de crítica desse ponto de vista e sua credibilidade permanece intacta. Baseados nisso levantamos uma idéia. Se o livro é basicamente confiável, não precisa ser inerrante ou infalível, ele nos dá um retrato basicamente confiável de Jesus de Nazaré e daquilo que ele ensinou. Seguimos daí de uma forma linear. Se podemos, com base numa confiabili­ dade geral, chegar à conclusão de que Jesus Cristo fez as coisas que a história alega que ele fez, isso indicaria que Jesus é mais do que um simples ser humano e que seu testemunho deveria nos constranger. Ele nos levaria, primeiro, a um estudo da pessoa de Jesus e, então, à pergunta sobre o que Jesus ensinou a res­ peito das Escrituras. Para mim, em última análise, nossa doutrina das Escrituras deriva do ensino de Jesus e de nossa compreensão de quem ele é. • C o m o se explicam as discrepâncias nas Escrituras, c o m o as q u e e x is te m e n tr e os q u a t r o e v an g e lho s — à luz da inerrâ n cia das Escrituras? Grande parte do debate sobre a integridade das Escrituras se centraliza especialmente nesse problema. Quando temos registros paralelos sobre al­ guma coisa, esperamos que eles sejam consistentes, especialmente se você mantém que esses registros são inspirados por Deus, o Espírito Santo. Sa­ bemos que Deus pode usar autores diferentes para registrar os mesmos even­ tos ou eventos semelhantes e os autores podem descrevê-los de sua pers­ pectiva pessoal, com sua respectiva linguagem e estilo literário. Mas ainda esperaríamos concordância naquilo que está sendo ensinado se todos os registros estão falando sob a superintendência de Deus, o Espírito Santo. Essa é a razão pela qual acho interessante que muito cedo na história da igreja, houvesse tentativas de se escrever harmonias dos evangelhos. Há três evangelhos sinóticos — Mateus, Marcos e Lucas — que dão um esboço biográfico da vida e do ministério de Jesus. Muitos eventos são paralelos entre esses três autores, embora nem sempre eles concordem em todos os detalhes — quantos anjos havia no túmulo no dia da ressurreição, o que dizia a inscrição na cruz, em que dia da semana Jesus e os discípulos cele­ braram a Páscoa no cenáculo, e assim por diante. Os estudiosos da Bíblia têm dedicado uma enorme quantidade de aten­ ção cuidadosa a essas questões, e alguns têm chegado à conclusão de que não existe maneira de harmonizá-los, e simplesmente temos de aceitar que existem contradições entre os escritores bíblicos o que, então, aparente­ mente falsificaria qualquer pretensão de inspiração divina. Outros têm con­ cluído que eles podem, na realidade, ser reconciliados. Por exemplo, um evangelista nos diz que houve dois anjos no túmulo no dia da ressurreição, e outro menciona apenas um. Agora, a palavra crítica que está ausente no texto é a palavra “apenas.” Se um escritor diz que havia dois anjos no túmulo, e outro diz que havia apenas um, então teríamos uma contradição bona fide entre os dois. Mas se um diz que havia dois anjos e outro diz que havia um, obviamente se havia dois teria que haver um — não há contradição. Há uma discrepância; isto é, eles não dizem exatamente a mesma coisa. A per­ gunta é: os dois registros podem ser harmonizados — há uma compatibili­ dade lógica entre eles? Durante o seminário, um grande amigo meu ficou muito perturbado com essas questões e citou a frase de um dos nossos professores que disse: “A Bíblia está cheia de contradições.” Eu lhe disse: “Por que você não vai para casa e nós nos encontraremos aqui amanhã a uma hora da tarde. Você traz cinqüenta contradições. Se a Bíblia está cheia delas, essa deve ser uma tare­ fa fácil.” No dia seguinte, a uma hora, nós nos encontramos e eu perguntei: “Você achou as cinqüenta?” Ele tinha ficado acordado a noite toda. “Não, mas encontrei trinta.” E ele passou cada uma delas aplicando rigorosamen­ te os princípios da lógica e da lógica simbólica. Para sua satisfação eu de­ monstrei que nenhuma de suas alegadas contradições realmente violavam a lei das contradições. Agora, terminando, preciso dizer que ele poderia ter escolhido passa­ gens mais difíceis. Há algumas passagens extremamente difíceis nas Escri­ turas e nem sempre fico satisfeito com algumas das soluções, mas creio que, em sua maior parte, essas discrepâncias têm sido completamente re­ conciliadas pelos estudos profundos da Bíblia. O PODER E O P R O P Ó S I T O DA O R A Ç Ã O “Não andeis ansiosos de cousa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças. E a paz de Deus, que excede todo entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus.” — F íl ip e n s e s 4 . 6 , 7 Perguntas dessa seção: • Ensinaram-nos que a oração muda as coisas. Em vista da soberania de Deus, qual é o papel da oração na vida cristã? • A Bíblia diz: “Pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa” (Jo 16.24). Em outro lugar ela qualifica isso e diz que devemos pedir de acordo com a vontade de Deus. O sr. pode esclarecer quando posso espe­ rar receber aquilo que peço? • Em Números 14, parece que Moisés mudou a mente de Deus. Como se pode explicar isso? • Deus realmente fala conosco? E se é assim, como ele se comunica? • Quando oramos, está certo dizer: “se esta for a tua vontade?” • Como cristãos, deveríamos estar preocupados a respeito de repetir orações? Em Mateus 6.7, Jesus chama as orações do gentios de vãs repetições. • Faz alguma diferença se oro cinco minutos, cinqüenta minutos ou cinco horas por dia? E faz alguma diferença se só uma pessoa ora, ou cinqüenta ou cinco mil oram? • Os cristãos hoje podem estar certos de que Cristo orará pelos outros se lhe pedirmos isso? • Deus ouve as orações de um não-cristão? • Deus não ouvirá as orações de um cristão que peca deliberadamente mes­ mo depois de um arrependimento sincero? • Como nós cristãos podemos ter mais poder em nossa vida de oração? • Ensinaram -nos q u e a oração m u d a as coisas, e m vista da soberania de Deus, qual é o papel da oração na vida cristã? Antes de qualquer outra coisa, precisamos estabelecer que é a sobera­ nia de Deus que não somente nos convida, mas nos ordena a orar. Oração é um dever, e quando cumprimos esse dever, uma coisa certamente será mudada, e essa coisa somos nós. Viver uma vida de oração é viver uma vida de obediência a Deus. Também precisamos entender que existe mais na oração do que intercessão e súplica. Quando os discípulos disseram a Jesus “Senhor; ensina-nos a orar” (Lc 11.1), viram uma ligação entre o poder de Je­ sus e o impacto do seu ministério e o tempo que ele passava em ora­ ção. Obviamente, o Filho de Deus sentiu que a oração era uma inicia­ tiva valiosa pois ele se entregava a ela profunda e apaixonadamente. Mas fiquei surpreso de que ele tenha respondido a pergunta dizendo: “Quando orardes, dizei:”, e lhes deu a Oração Dominical. Eu esperaria que Jesus respondesse aquela pergunta de maneira diferente: “Vocês querem saber como orar? Leiam os Salmos”, porque ali encontramos orações inspiradas. O próprio Espírito que nos ajuda a orar inspirou as orações que estão registradas nos Salmos. Quando leio os Salmos, leio intercessão e leio súplica, mas, predominantemente o que leio é uma preocupação com adoração, com ação de graças e com confis­ são. Tome esses elementos da oração, e o que acontece com a pessoa que aprende a adorar a Deus? Essa pessoa é transformada. O que acon­ tece com a pessoa que aprende a expressar sua gratidão a Deus? Essa pessoa ficará cada vez mais consciente da mão da Providência em sua vida, e crescerá em seu senso da gratidão a Deus. O que acontece com a pessoa que gasta tempo confessando o seu pecado a Deus? Ela man­ tém diante de seus olhos a santidade de Deus, e a necessidade de pres­ tar contas a ele continuamente. Mas os nossos pedidos podem mudar o plano soberano de Deus? Sem dúvida não. Quando Deus declara soberanamente que fará alguma coisa, nem todas as orações do mundo irão mudar a mente de Deus. Mas Deus não apenas ordena os fins, mas também ordena os meios para alcançar os fins, e parte do processo que ele usa para realizar sua vontade soberana são as orações de seu povo. Portanto, devemos orar. • A Bíblia diz: "Pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja comple­ ta" (Jo 16.24). Em o u t r o lugar ela qualifica isso e diz q u e d e v e m o s p e d ir de a cordo c o m a v o n t a d e de Deus. Não t e n h o certeza se isso significa sua v o n t a d e m o r a l o u sua v o n t a d e s o be rana . O sr. p o d e esclarecer q u a n d o p oss o esp era r receber aquilo q u e peço? É difícil colocar tudo o que a Bíblia diz sobre oração num único pacote. Muitas das instruções sobre oração que encontramos no Novo Testamento nos são entregues na forma literária de aforismos, que são afirmações cur­ tas, vigorosas, de um princípio geral, quase como um provérbio que é ver­ dadeiro de forma geral mas não é uma promessa absoluta. Jesus diz: “se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer cousa que, porventura, pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai que está nos céus” (Mt 18.19). Essa afirmação carrega todo um histórico de condições sobre a concordância com alguma coisa no Antigo Testamento. Mas uma leitura simples e superficial dessa passagem faria você pensar que tudo o que é necessário fazer é encontrar outra pessoa que concorde com o que você disse e isso lhe será feito. Quantos de nós gostaríamos de ver uma cura para o câncer? Ou que todas as guerras do mundo terminas­ sem para sempre? Se pudéssemos encontrar duas pessoas que concordas­ sem com isso, de acordo com o que Jesus disse nessa passagem, seu pedido seria imediatamente atendido. Obviamente não é isso o que ele quis dizer. Quando podemos, categórica e absolutamente, ter certeza de que vamos receber aquilo que pedimos? Creio que há oportunidades em que Deus nos faz promessas categóri­ cas. Por exemplo, ouvimos que se confessarmos nossos pecados, Deus é fiel e justo para perdoá-los e nos purificar de toda injustiça. Penso que está claro nas Escrituras que, quando uma pessoa se arrepende de seu pecado e vem diante de Deus num espírito de contrição genuína, e confessa e reco­ nhece aquele pecado diante dele, essa pessoa pode crer, com absoluta certe­ za, que sua oração foi ouvida e respondida. Em outra ocasião, quando Jesus nos encoraja a orar, ele diz: “Vocês não rece­ bem porque não pedem.” Ele faz a seguinte analogia: “qual dentre vós é o pai que, se ofilho lhe pedir pão lhe dará uma pedra, ...ouse lhe pedir um ovo lhe dará um escorpião?” (Lc 11.11,12). Jesus nos encoraja a levar nossas petições a Deus, assim como Paulo diz: “...em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças.'’'’ (Fp 4.6). Há uma quantidade enorme de coisas que Deus promete nos dar o tempo todo. Outras coisas são pedidos fúteis. Se conhecermos bem as Escrituras, há certas coisas que não pediremos. Lembro-me de ver, na televisão, uma en­ trevista com um homem que dirigia uma série de casas de prostituição. Ele disse que havia feito um pacto com Deus quando iniciou o seu negócio: Ele daria uma porcentagem de sua renda a Deus se ele abençoasse o seu negó­ cio. Deus tinha abençoado o seu negócio, portanto, ele estava retribuindo o favor através de todo dinheiro que estava dando à igreja. Bem, pedir a Deus que abençoe algo que ele abomina, é orar contra a vontade moral de Deus. Há muitos outros pedidos de oração que recaem entre aquelas coisas pelas quais não devemos orar, e outros pelos quais sabemos que certamente devemos orar. Tragam os pedidos a Deus com humildade, e depois permi­ tam que Deus seja Deus. Ele às vezes diz sim, e às vezes diz não. Você traz o seu pedido, e então deixe que o Pai decida. • Em N ú m e r o s 14, parece q u e Moisés m u d o u a m e n t e de Deus, c o m o se p o d e explicar isso? Mudar a mente, no Novo Testamento, significa arrepender-se. Quando a Bíblia fala do meu arrependimento ou do seu arrependimento, ela quer dizer que somos chamados a mudar nossas mentes, ou nossas disposições com respeito ao pecado — que somos chamado a nos afastar do mal. Arre­ pendimento está carregado desses tipos de conotações, e quando falamos sobre arrependimento de Deus, isso, de alguma forma, sugere que Deus se afastou de algo iníqüo. Mas não é sempre isso que a Bíblia quer dizer quan­ do usa essa palavra. Usar uma palavra como arrependimento em relação a Deus, levanta al­ guns problemas para nós. Quando a Bíblia nos descreve Deus, ele usa ter­ mos humanos, porque a única linguagem que Deus tem para nos falar sobre si mesmo é a nossa linguagem humana. O termo teológico para isso é lin­ guagem antropomórfica, que significa o uso de formas e estruturas huma­ nas para descrever a Deus. Quando a Bíblia fala sobre os pés de Deus ou o braço direito do Senhor, imediatamente vemos isso como uma forma hu­ mana de falar sobre Deus. Mas quando usamos termos mais abstratos como arrepender-se, ficamos totalmente confusos a respeito. Há um sentido em que parece que Deus está mudando sua opinião, e há outro sentido no qual a Bíblia diz que Deus nunca muda sua opinião porque Deus é onisciente. Ele sabe todas as coisas desde o começo, e ele é imutá­ vel. Ele não muda. Nele não há sombra de variação. Ele sabe o que Moisés vai dizer antes que Moisés abra a sua boca para suplicar por esse povo. Então, depois que Moisés fala, será que Deus subitamente muda de opi­ nião? Ele não tem mais informação do que aquela que tinha há um momen­ to atrás. Nada mudou no que concerne ao conhecimento de Deus ou à sua avaliação da situação. O que, nas atitudes ou nas palavras de Moisés, poderia ter levado Deus a mudar de opinião? Creio que o que temos aqui é o mistério da providên­ cia, pela qual Deus ordena não apenas o fim das coisas que acontecem, mas também os meios. Deus estabelece princípios na Bíblia onde ele faz amea­ ças de julgamento para motivar seu povo ao arrependimento. As vezes, ele declara especificamente: “Mas se vocês se arrependerem, eu não cumprirei a ameaça.” Nem sempre ele acrescenta essa condição, mas ela está lá. Creio que essa é uma daquelas situações. Estava tacitamente entendido que Deus ameaçava aquele povo com julgamento, mas se alguém intercedesse por eles de forma sacerdotal, Deus daria graça ao invés de julgamento. Creio que isso está no âmago daquele mistério. Será que Deus está confuso, tropeçando nas diferentes opções — Devo fazer isso? Não devo fazer aquilo? Será que ele decide a respeito de uma atitude a tomar e depois pensa: Bem, talvez essa não seja uma idéia tão boa assim, e muda de opinião? Obviamente Deus é onisciente, Deus é todo sa­ bedoria. Deus é eterno em sua perspectiva e em seu completo conhecimen­ to de todas as coisas. Portanto, nós não mudamos a mente de Deus. Mas a oração muda as coisas. Ela nos muda. E há ocasiões em que Deus espera que peçamos, porque o seu plano é que trabalhemos com ele no glorioso processo de fazer com que a sua vontade se cumpra aqui na terra. • Deus r e a l m e n t e fala conosco? E se é assim, c o m o ele se com unica? Primeiro, deixem-me dizer que sim, há uma interpretação na qual Deus fala conosco, mas também há uma interpretação na qual Deus não fala co­ nosco. Quando as pessoas me dizem : “O Senhor me disse para fazer algo,” eu desejo perguntar a elas: “Com que se parece a voz de Deus?” Você está me dizendo que ouviu uma voz do céu tão audível quanto a voz que falou no batismo de Jesus dizendo: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.7), ou a voz que falou com Saulo no caminho de Damas­ co? Houve ocasiões na Bíblia nas quais Deus falou audivelmente ao povo. Mas, mesmo na vida de Jesus, houve apenas três ocasiões registradas no Novo Testamento nas quais Deus falou audivelmente a seu Filho unigénito. Nas vidas dos grandes santos, esses incidentes são excessivamente ra­ ros. Entretanto, não existe maneira mais fácil de fazer com que as pessoas concordem com aquilo que desejo fazer, nem de afastar qualquer crítica possível, do que prefaciar minhas idéias dizendo: “O Senhor me disse para fazer isso.” Em essência, estou afirmando que qualquer um que questionar o que estou dizendo, estará argumentando com o próprio Deus. Creio que temos uma obrigação mútua de não nos acusarmos uns aos outros, mas de fazer uma pergunta com gentileza: “Como você sabe que foi Deus quem falou com você?” Qual é a diferença entre a voz íntima de Deus e indigestão? Deus pode falar conosco (e ele fala conosco — desejo enfatizar isso), mas a principal maneira pela qual ele fala com as pessoas é através de sua Palavra escrita. Muitas vezes não desejamos passar por todas as dificulda­ des de estudar a Palavra, isso dá trabalho. As pessoas podem ir por palpites, intuições, sentimentos e batizar esses sentimentos e intuições como se fos­ sem mandados divinos do céu. Lembro-me de uma ocasião muito difícil em meu próprio ministério e em minha vida quando a escola na qual estava trabalhando como professor estava se mudando e eu não desejava ir para onde a escola estava mudando, por isso passei seis meses desempregado. A pergunta mais séria de minha vida naquela ocasião era: Deus o que queres que eu faça? Eu estava numa angústia a respeito disso, orando de­ sesperadamente durante horas todos os dias. Eu tinha cinco amigos ínti­ mos, profundamente espirituais e bem intencionados que vieram me contar que Deus lhes havia dito que eu deveria fazer X, Y ou Z. Eu achei isso extraordinário porque as cinco coisas que o Senhor lhes disse para me co­ municar me teriam colocado em cinco lugares diferentes. Em cinco cidades diferentes, em cinco trabalhos diferentes. A única coisa de que realmente gostei foram os cinco salários separados, mas não consegui descobrir como poderia estar em cinco lugares ao mesmo tempo. Sem dúvida alguém não tinha a mente de Cristo. Portanto, insisto em que os cristãos sejam muito, muito cuidadosos an­ tes de dizer às pessoas: “Deus me disse isso.” Você pode dizer: “Creio que talvez o Senhor esteja me guiando nessa direção.” Isso seria uma maneira muito mais humilde de afirmar. • Q u a n d o o ram o s, está certo dizer: "Se esta for a t u a v o n ­ tade?" Não creio que haja muitas outras coisas mais próprias para se dizer em oração do que “se for da tua vontade.” Sei que algumas pessoas têm uma noção confusa a respeito dessa afirmação na oração dizendo que ela é um tipo de fuga, que devemos orar crendo que nossas orações são ouvidas e respondidas mesmo antes de vermos o seu resultado. Elas pensam que dizer “se for da tua vontade” é um ato de descrença. Há oportunidades em que não precisamos dizer “se for da tua vontade.” Há ocasiões em que nos aproximamos de Deus em oração com questões para as quais ele fez uma promessa clara — por exemplo, quando Deus diz que se confessarmos nossos pecados ele é fiel e justo para nos perdoar. Portanto, quando confessamos nossos pecados a Deus, nos arrependemos e pedimos o seu perdão, não é necessário acrescentar “se for da tua vontade.” A única regra absoluta que creio que todos devem levar para o seu mo­ mento de oração é que, sempre que você falar com Deus, deve se lembrar de quem você é e de quem ele é. Certamente não é uma ofensa ao Todo-poderoso expressar o fato de que você está disposto a se submeter à sua vontade. O melhor de todos os precedentes para se dizer “se for da tua vontade.” está registrado no Novo Testamento. Na grande paixão de nosso Senhor, quando ele entrou em agonia no jardim do Getsêmani e lutou com seu Pai, ele disse: “passa de mim este cálice”. Jesus perturbou-se na noite anterior à sua morte. Lembrese, ele não estava apenas enfrentando a morte, ele estava enfrentando a punição do inferno pelos pecados de todas as pessoas. É absolutamente impossível para mim compreender a medida completa do tormento que Jesus iria enfrentar no dia seguinte. Por isso ele gritou no jardim: “Passa de mim este cálice; contudo não seja o que eu quero, e sim o que tu queres” (Mt 14.36). Isso é o mesmo que dizer: “Se for da tua vontade, não me peça para fazer isso.” Em circunstâncias iguais, o Filho estava dizendo: “Eu certamente gostaria que este cálice estivesse bem longe de mim, mas se isso não é o que você quer, então dá-me o cálice e eu o beberei até a última gota amarga.” Penso que essa é a maneira como devería­ mos respeitar a Deus quando oramos. Somos encorajados por Deus a trazer nossos pedidos com gratidão e com confissão, e ele nos ensina que não temos porque não pedir. Jesus nos diz que Deus, em alguns aspectos, é como um pai humano, e que pai daria uma pedra se o filho lhe pedir pão? Deus deseja responder suas orações, deseja prestar ajuda a você. Mas, ao mesmo tempo, você deve ser respeitoso e humilde quando vai à sua presença. Dizer: “se esta for a tua vontade” simplesmente expressa nos­ so respeito para com a soberania de Deus. • C o m o cristãos, dev eríam o s estar p r e o c u p a d o s a respeito de repetir orações? Em M a te u s 6.7 Jesus c h a m a as o r a ­ ções dos gentios de vãs repetições. Isso é parte do ensino de Jesus no Sermão da Montanha, no qual ele descreve a diferença entre o tipo de culto e atitude espiritual que agradam a Deus e o tipo que os fariseus tornaram popular — um exercício de hipocri­ sia e, portanto, desagradável para Deus. Jesus particulariza “vãs repetições,” a repetição constante de fórmulas má­ gicas e orações na esperança de que algum poder seja encontrado nas cadências ou ritmos ou na mera repetição das palavras. Jesus adverte contra isso. Entretanto, disto não se segue que nunca possamos repetir uma oração. Essa questão aparece na prática da igreja, por exemplo, quando oramos freqüentemente a oração do Pai Nosso. Alguns têm indicado que, quando os discípulos pediram a Jesus: “ensina-nos a orar”. Jesus disse: “Portanto, vós orareis assim” (dessa maneira), ele não disse “Vós orareis isso”. Ele não deu uma ordem explícita para repetirmos constantemente aque­ la oração específica. Mas não creio que a igreja tenha cometido um erro ao usar a Oração Dominical como tem usado, desde que sejamos cuidadosos em não permitir que nossa prática de repetir orações se tome sem significado. Pensamos, por exemplo, na repreensão de Jeremias ao povo de Israel em seu famoso sermão do templo, registrado em Jeremias 7.1-4, no qual ele diz: “Não confieis em palavras falsas dizendo: Templo do SENHOR, Tem­ plo do SENHOR, Templo do SENHOR é este”. Eles recitavam três vezes, e Jeremias disse: “Eis que vós confiais em palavras falsas, que para nada vos aproveitam” (Jr 7.8). Sua repreensão para o povo de Israel naquele momen­ to é que eles tinham posto sua confiança na mera repetição de fórmulas exteriores. Apenas repetindo as palavras várias vezes mecanicamente eles julgavam que possuíam algum tipo de poder espiritual. Aquilo chegava perigosamente perto da mágica, e observamos isso em outras religiões nas quais as pessoas pensam que existe uma fórmula mági­ ca, ou que um encantamento (o recitativo da palavra om, por exemplo) tem algum tipo de poder. O cristianismo entende a oração como um ato de co­ municação, uma questão de se dirigir pessoalmente a Deus na qual as pala­ vras que usamos têm conteúdo, assuntos verdadeiros. E deveríamos estar profundamente conscientes daquilo que estamos dizendo a Deus quando ora­ mos. Do contrário nossas orações realmente se tomam repetições vãs e fúteis. • Faz a l g u m a d ife rença se oro cin co m i n u t o s , c i n q ü e n t a m i n u t o s o u cinco horas p o r dia? E faz a lg u m a diferença se a p e n a s u m a p e sso a ora, ou c i n q ü e n t a o u cin co m il oram ? Há alguns anos atrás, quando eu estava no seminário, fiquei um tanto aborrecido quando um dos professores de Novo Testamento usou a oração do Pai Nosso como modelo. Disse ele: Aqui Jesus nos ensina uma oração. Ele diz: “Portanto, vós orareis assim”. O professor continuou dizendo que o tem­ po médio necessário para orar o Pai Nosso é dezoito segundos, e que nossas orações não deveriam ser longas, extensas e elaboradas, mas que deveriam ser bem curtas e ir direto ao ponto. Um dos propósitos de ensinar a Oração Dominical foi para nos dizer que não precisamos contar a Deus, detalhe por detalhe, tudo aquilo que está em nossas mentes, e que dezoito segundos é um tempo suficiente para ocuparmos Deus. Um dos estudantes imediatamente levantou sua mão e disse: “Mas, professor, antes de Jesus escolher seus discí­ pulos, as Escrituras nos contam que ele orou a noite inteira.” Então o profes­ sor respondeu um tanto ironicamente: “Bem, você não é Jesus.” Não creio que possamos estabelecer uma regra sobre quanto tempo de­ veriam durar as nossas orações. Entretanto, as pessoas que têm uma vida de oração rica, têm a tendência de não fazer orações negligentemente. O teste­ munho da história tem sido o de que aqueles que oram e lutam com Deus em oração tendem a passar mais que dezoito segundos (e mais que cinco minutos) de joelhos. Lutero costumava dizer que, quando ele tinha um dia ocupado, ele se levantava uma hora mais cedo e se entregava à oração, e quando tinha um dia realmente pesado, ele se levantava duas horas mais cedo para ter certe­ za de que começaria o dia com duas horas de oração. Não estou dizendo que Lutero é o exemplo que todas as pessoas devem seguir. Se tivermos em mente que a oração não é apenas um exercício, mas tempo gasto na presen­ ça de Deus aprendendo sobre Deus e sobre nós mesmos, então me pareceria que qualquer crente sério gostaria de passar muito tempo em oração. Muito tempo para uma pessoa, no seu estágio particular de crescimento e voca­ ção, pode ser quinze minutos; para outro pode ser um dia inteiro ou mais. A oração é mais eficiente quando mais pessoas estão orando pela mes­ ma coisa? Tiago 5.13-18 nos lembra da eficácia de um homem. Ele usa Elias como seu exemplo. Esse único homem estancou a chuva por três anos e meio, através de sua ardente oração, e ele era um homem justo. Há certas pessoas que eu gostaria que orassem por mim, pessoas que sei que são guer­ reiros da oração. Um ancião que costumava orar por nós era um missioná­ rio aposentado com mais de oitenta anos. Ele não era mais fisicamente capaz de continuar com as rigorosas atividades do campo missionário, mas ele recusou aposentar-se. Ele se entregava a oito horas de oração por dia. Aquele homem sabia orar. E eu quis que ele orasse por mim! Se pudesse achar outros cinco como ele, eu teria acrescentado estes também. Gostaria de ter tudo para mim, se fosse possível. Não sei se Deus conta as cabeças quando escuta as orações, mas, obviamente, do ponto de vista das Escrituras, existe um valor na oração em grupo na qual os crentes estão orando com uma só intenção. Os discípulos se reuniam no cenáculo e oravam juntos, fazendo um pedido conjunto a Deus. Portanto, gostaria de dizer que como há sabe­ doria numa grande quantidade de conselheiros, também existe maior eficá­ cia quando dirigimos nossas orações em conjunto. • No No vo T e s ta m e n to Jesus m e n c i o n a q u e ele ora pelas pessoas. Os cristãos hoje p o d e m estar certos de q u e Cris­ to orará p o r eles se p e d ir m o s ? Creio que podemos dizer com certeza que não apenas os cristãos podem estar certos de que Jesus orará pelas pessoas se lhe pedirmos para orar por elas, mas que Jesus orará por elas mesmo que não peçamos. Essa é a sua promessa para nós. Freqüentemente essa dimensão do ministério de Jesus é desprezada. Ficamos empolgados com o Natal e isso está certo; ficamos empolgados com a crucificação e a ressurreição. Mas deixamos de prestar atenção na ascensão de Jesus e o que isso significa para nós. Depois da ressurreição ele ascendeu ao céu. Ascender, no Novo Testamento, é um ter­ mo técnico que significa uma pessoa que vai para um lugar de autoridade. Jesus vai para ser investido como Rei dos reis e Senhor dos senhores. Ele vai para a sua coroação, na qual Deus lhe dá toda autoridade sobre o céu e a terra. Mas essa não é a sua única função. Como nosso Messias, nosso Salvador, ele é um Rei-Sacerdote. Ao mes­ mo tempo que é Rei dos reis, ele age como o supremo grande Sumo Sacer­ dote. A principal tarefa do Sumo Sacerdote no céu é interceder por seu povo. Isso significa que Jesus ora por nós e leva nossas petições e preocupa­ ções diante do trono de Deus. Na noite em que foi traído, quando Jesus celebrou a Páscoa com seus discípulos pela última vez, ele predisse que Judas o trairia e que Simão Pedro o negaria. Em Lucas 22, Jesus diz: “Si­ mão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo! Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmãos” (Lc 22.31). Aqui vemos um exem­ plo de Cristo orando por Pedro antes mesmo que Pedro pedisse a ele que orasse. Pedro nem sequer entendeu que ele precisava de oração intercessória. Ele negou que jamais fizesse tal coisa. Mas Jesus já havia orado por ele. Um excelente capítulo para ler sobre as orações de Cristo em nosso favor é João 17. Essa é a mais longa oração de Jesus registrada nos evangelhos. É chamada a Oração Sacerdotal de Cristo, e é uma oração de intercessão mag­ nífica. E eu diria a todo cristão que, naquele preciso momento da história, Jesus Cristo orou por você. Ao interceder por seus discípulos, ele implorou ao Pai não apenas pelo bem-estar deles, mas que as bênçãos do Pai viessem sobre todos aqueles que cressem através dos seus esforços — isto nos inclui. • Deus o uv e as orações de u m não-cristão? Deus ouve as orações de todos, desde que elas alcancem seus nervos auditivos (embora ele não tenha nervos auditivos). Quero dizer, Deus está intensamente consciente de tudo o que dizemos. Nesse sentido, Deus ouve todas as orações. Mas creio que a pergunta real aqui é: Deus ouve e honra as orações do não-crente? Há certas indicações nas Escrituras de que Deus, às vezes, não apenas ouve as orações do não-crente como também as responde. A Bíblia deixa muito claro que Deus não se agrada de modo nenhum com as orações insinceras. Deus nos diz em sua Palavra que ele não despreza um coração compungido e contrito (SI 51.17). Por outro lado, ele odeia a arrogância e odeia as orações do orgulhoso, quer sejam cristãos ou não-cristãos. Em nu­ merosas passagens, a Bíblia nos diz que Deus tem prazer e é honrado ape­ nas por aquelas orações que saem de um coração verdadeiramente peniten­ te. Quando oramos como pessoas reconciliadas, então temos a promessa de que Deus nos ouvirá. Será que um não-crente já se encontrou realmente com o Messias que Deus mandou ao mundo? Deus ordena a todos os ho­ mens, em todos os lugares, que cheguem até o pé da cruz para sua redenção e reconciliação. Essa não é uma condição que possamos negociar. Como cristãos, estamos comprometidos com o Filho de Deus porque cremos nele e somente nele, ele é o único meio de redenção que Deus providenciou para a raça humana. E Deus quer que, quando orarmos, o façamos através de Cristo. Acesso ao Pai é através do Filho. • Deus n ã o ouvirá as orações de u m cristão q u e delibera­ d a m e n t e peca, m e s m o d e p o is d e u m a r r e p e n d i m e n t o sin c ero ? Quando falamos a respeito de um cristão que peca deliberadamente, estamos falando a respeito de todos os cristãos que já viveram, e estamos falando a respeito de algo que os cristãos fazem diariamente em suas vidas. Podemos falar de pecados que são cometidos por ignorância, mas espero que reconheçamos que a grande maioria dos pecados que cometemos são feitos deliberadamente. Pecamos porque queremos, porque escolhemos pecar. Essa distinção “deliberadamente peca” me perturba porque muitas pes­ soas não confessam realmente que seus pecados são deliberados. Eles di­ zem “eu não tive a intenção de fazer isso.” Sem dúvida eles tiveram a inten­ ção. O que toma o pecado uma ofensa tão grave contra Deus é o fato de que nós o desobedecemos deliberadamente um sem número de vezes em nossas vidas. Se Deus se recusasse a ouvir as orações dos pecadores que pecam deliberadamente contra ele e depois se arrependem, Deus não estaria ou­ vindo muitas orações. Ao contrário, a Bíblia nos diz que se pecarmos, deliberadamente ou não, e confessarmos esse pecado, temos a promessa de Deus: Se verdadeiramente nos arrependermos, Deus nos perdoará aqueles pecados. Ele não nos abando­ nará nem se recusará a ouvir nossas orações se nos arrependermos. Mas e se , como cristão, estou envolvido em pecado constante e delibe­ rado sem arrependimento? Isso é uma contradição, em termos. Podemos passar um período de impenitência, mas se continuarmos durante muito tempo num espírito impenitente, essa é uma indicação de que Cristo não está em nós. Um cristão verdadeiro, quando confrontado com a palavra de Deus, será levado a um estado de arrependimento, mais cedo ou mais tarde. Cristãos verdadeiros podem passar por períodos demorados de pecado impenitente; sabemos disso. O que acontece durante esse período? Somos advertidos de que Deus resiste ao orgulhoso e dá graça ao humilde (Pv 3.34) Não existe nenhuma mostra mais flagrante de orgulho e arrogância do que quando uma pessoa peca deliberadamente contra Deus, sem mostrar nenhuma inclinação para o arrependimento, mas permanece numa desobe­ diência continuada e desafiadora. Quando fazemos isso, nos colocamos numa posição na qual Deus diz que nos resistirá. Nossas orações em tais ocasiões o insultam e são ofensivas a ele, quer sejam apresentadas por um cristão ou por um não-cristão. Quando pecamos, precisamos nos arrepender e ir hu­ mildemente diante de Deus. Quando fazemos isso podemos estar certos de que ele nos ouvirá. • C o m o n ó s cristãos p o d e m o s ter m a i s p o d e r e m n o s s a vida de oração? Vou tentar entender o que essa pergunta quer dizer: Como podemos ter resultados mais eficientes das orações que trazemos ao Pai? Creio que des­ cobrimos algumas sugestões no Novo Testamento. A primeira é que “Nada tendes, porque não pedis; pedis e não recebeis porque pedis mal" (Tg 4.2,3). A Bíblia nos ensina que Deus dá graça ao humilde, mas resiste ao orgulhoso. Isso indica, como as Escrituras expli­ cam em muitos lugares, que quando vamos diante de Deus em oração, de­ vemos ir com a atitude certa. A oração é um dos momentos de culto mais profundos que um indivíduo pode experimentar. Creio que para experimen­ tar a atitude própria com a qual devemos nos apresentar diante de Deus temos de nos lembrar com quem estamos falando. Precisamos estar profun­ damente conscientes de quem Deus é. Martinho Lutero, certa vez, respondeu a uma pergunta semelhante. As pessoas estavam frustradas porque não estavam recebendo as respostas que queriam de suas orações. Elas estavam olhando para Deus como uma espécie de intermediário cósmico que estava disponível vinte e quatro horas por dia para atender cada desejo e cada capricho que fosse trazido diante dele. E Lutero, aconselhando sua igreja disse: “Deixem que Deus seja Deus.” Essa é a atitude que devemos ter quando vimos diante dele em oração. Lembre-se de quem ele é, e deixe que ele seja Deus. Ele é aquele que possui o poder. Precisamos nos lembrar também de quem somos nós. Quando estamos orando, queremos ser capazes de ir diante de Deus como nosso Pai e chamá- lo “Abba”, como o Espírito Santo nos dá permissão para fazer. Devemos ir confiantemente diante do trono de graça, mas nunca arrogantemente. Há um consenso entre cristãos modernos em que, às vezes, eles se tornam um pouco informais demais com Deus na maneira como falam com ele em oração — como se ele fosse um colega. Por mim, sou suficientemente tra­ dicional para apreciar a velha linguagem — os vós e vossos que existem na língua. Devemos sempre lembrar o espírito de reverência e respeito com o qual devemos vir diante de Deus. Creio que se viermos com a atitude certa, reverentemente procurando sermos obedientes a ele, então podemos espe­ rar ver as coisas acontecerem. VIDA ESPIRITUAL CRESCENTE “Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as cousas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. Pensai nas cousas lá do alto, não nas que são aqui da terra; porque morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente com Cristo, em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então, vós também sereis manifestados com ele, em glória. ” ----COLOSSENSES 3 .1 - 4 Perguntas dessa seção: • O que o preocupa mais a respeito do cristão contemporâneo? • Como posso colocar Jesus em primeiro lugar na minha vida? • O que posso fazer para evitar que meu crescimento cristão pessoal fique estagnado? • De que maneira eu, um cristão novo, posso conseguir uma visão bem equilibrada daquilo que a Bíblia diz? • O que o sr. faz em suas devocionais diárias ? • Os cristãos, hoje em dia, deveriam jejuar, e em caso afirmativo, por que razões e quão freqüentemente? • Vivemos numa época de muita preocupação com a aparência e a beleza física. O que diz a Bíblia a respeito da pessoa cuidar de seu próprio corpo? • Como lidar com o ciúme? • Como lidar com minhas próprias dúvidas sobre a presença de Deus em minha vida? • Como as emoções afetam o crescimento espiritual? • Qual é a perspectiva bíblica sobre a psicologia? • O homem é dividido em duas partes: corpo e alma, ou em três partes: mente, corpo e alma? • O que significa ser justo ou reto? • Quando Jesus diz: “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (Mt 5.48), isso significa que podemos alcançar a perfeição, e é isso que deveríamos fazer? • Romanos diz: “os que estão na came não podem agradar a Deus” (Rm 8.8). Isso significa que se um não-cristão realiza um atojusto, isso não agrada a Deus? • Se o Espírito Santo habita em nós, por que não podemos viver vidas perfeitas? • Um cristão pode ser puro naquilo que diz e faz? • Jesus chama os cristãos para serem luz do mundo e sal da terra, O sr. poderia, por favor, nos dar algumas maneiras práticas de fazer isto? • Como poderemos estar no mundo mas não ser do mundo? O que significa “não ser do mundo?” • Como podemos mostrar santidade em nossas vidas? • Como podemos ser confiantes em nossa fé, nos sentirmos empolgados por ela, gozando nosso “status” de povo escolhido, sem nos tomarmos orgulhosos? • Se realmente amamos a Deus, por que ignoramos seus mandamentos? • Como um cristão encontra um equilíbrio entre estabelecer objetivos e ser dirigido pelo Espírito Santo? • O que a Bíblia quer dizer quando afirma que devemos esperar no Senhor? • De que modo posso estabelecer objetivos para minha vida que melhor glorifiquem a Deus? • Se alguém quisesse ler três livros cristãos durante esse ano, quais o sr. recomendaria? • Qual a melhor forma de prolongar uma vida cristã útil à medida que envelheço? • O q u e o p r e o c u p a m ais a respeito d o cristão c o n t e m p o ­ râneo? Como teólogo e educador, sou tendencioso, mas minha maior frustra­ ção com os cristãos em geral é que parece haver tão poucos que estejam profundamente interessados em aprender as coisas de Deus. Alguns dizem: “Minha paixão é o evangelismo” ou “Minha paixão é trabalhar nas áreas mais centrais da cidade onde há necessidades óbvias de seres humanos em situação angustiante,” e eu aprecio isso. A recente Pesquisa Gallup do cristianismo americano foi o estudo mais abrangente de religião que já se fez nesse país, e uma das conclusões mais evi­ dentes foi a de que, à medida que vemos um aumento no zelo público pelas atividades religiosas, não encontramos uma profundidade correspondente na com­ preensão dos princípios religiosos ou uma preocupação com a verdade bíblica. Eu diria que isso me preocupa mais do que qualquer outra coisa. Agora, não sei se é isso que preocupa mais a Deus. Se tentarmos extrair da experiência cristã sua expressão mínima aceitável, creio que Deus estará mais preocupado com a maneira com que vivemos. Independentemente de quão instruídos nós somos, estamos obedecendo os mandamentos de Deus? Jesus disse: “Se me amais guardareis os meus mandamentos” (Jo 14.45) — sigam-me, façam as coisas que lhes disse para fazer. Estou preocupado com o conhecimento e a compreensão que as pessoas têm da Palavra de Deus porque estou convencido de que atrás de toda prá­ tica existe uma teoria. Essa teoria pode ser bem pensada e cuidadosamente articulada, ou pode ser algo que adotamos mais ou menos, sem crítica e à qual reagimos apenas por sensações ou instintos. Mas a mais clara demons­ tração de quais são as nossas teorias mais profundas é a maneira como vivemos. Praticamos algumas coisas porque cremos que estas são as coisas que devemos fazer. Quando me tomo cristão, meu coração é mudado imediatamente. Agora tenho uma paixão por Deus que não tinha antes. Mas Deus não cava um buraco no meu coração e o preenche com todas as informações novas e me ensina, no espaço de uma noite, tudo o que ele quer que eu saiba sobre quem ele é e o que deseja que eu faça. Ao contrário, ele nos deu as Escrituras em doses simples, e às vezes em doses mais complexas. A metáfora que a Bíblia usa é a distinção entre carne e leite. Ele nos chama para começarmos com o leite como nutriente, e depois prosseguirmos para assuntos mais pesados — a carne. Minha grande preocupação é que parece que estamos numa dieta de leite e ficamos apavorados de comer qualquer coisa mais substancial. • C o m o posso colocar Jesus e m p rim e iro lugar e m m i n h a vida? Temos a ordem em Mateus 6.33: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”. Falando nisso, a palavra que Jesus usa nesse mandamento é a palavra grega protos, que é um pouco mais forte do que a palavra primeiro em nossa língua. Em inglês (e também em português), a palavra primeiro pare­ ce ser apenas um número numa seqüência de números consecutivos. O que encontramos no mandamento de Jesus é um conceito mais pesado de prio­ ridade principal e ele nos diz para fazermos de seu mandamento uma ques­ tão de prioridade máxima. Essa é uma questão de estabelecermos priorida­ des e objetivos. Isso tem que vir antes. Agora como continuamos a agir? Como um cristão cresce na graça e em devoção, amor, apreciação e obediência pelas coisas de Deus? Em teologia falamos sobre os meios de graça: oração, leitura das Escrituras, comunhão com outro cristãos, culto nas assembléias dos santos. Essas são as coisas que nos ajudam a manter nossas prioridades em ordem. Permitam-me ser bem prático, até encarar isso do ponto de vista psico­ lógico. Somos pessoas com desejos variados. Temos conflitos de desejos. Todos nós, cristãos, gostaríamos de ser capazes de apertar um botão e dizer: “De agora em diante vou colocar Deus em primeiro lugar em minha vida.” Isso funciona até que algo diferente ocupe nosso desejo e, então, não quere­ mos que Deus esteja em primeiro lugar em nossa vida. Se tivéssemos Deus constantemente em primeiro lugar em nossas vidas, nunca pecaríamos. Mas sempre que pecamos é porque, naquele momento, gostaríamos de fazer algo diferente de obedecer a Deus. Como nos tomamos mais firmes no propósito de colocar a Deus em seu lugar próprio em nossas vidas? Ou mais objetivamente, como nos tomamos mais obedientes? Eu diria que uma das coisas que precisamos fazer é reco­ nhecer nossa fragilidade e nossa fraqueza e o fato de que temos um desejo continuado e uma inclinação para pecar, mas esses desejos pelo pecado e pela desobediência não são constantes. É como apetite físico. Há uma analogia aqui. Sei que é mais fácil fazer dieta logo depois do jantar. A hora difícil de fazer dieta é pouco antes do jantar. Meus desejos físicos não são constantes, eles mudam de acordo com a hora em que comi pela última vez, etc. Reco­ nheço isso em mim mesmo, e sei que, se vou desenvolver uma constância maior, talvez eu precise de ajuda. Posso entrar num programa onde eu tenha um sistema de auxílio para me ajudar, assim como Os Vigilantes do Peso. E assim que acontece com o desenvolvimento espiritual. Sabemos que nossos desejos espirituais não são sempre constantes. Essa é a razão pela qual quando nos sentimos bem e desejamos ser obedientes, fortalecemos o novo homem e enfraquecemos o velho homem fazendo uso diligente dos meios de graça que Deus nos deu. • O q u e p osso fazer pa ra evitar q u e m e u c re sc im e n to e spi­ ritual fique e stag n a d o ? Conheço apenas uma maneira absoluta de evitar que seu crescimento espiritual fique estagnado, e essa é morrer. A única hora em que o cresci­ mento cristão pára por completo é na morte. Isso porque não precisamos crescer mais, somos introduzidos no estado de glorificação. Se uma pessoa está em Cristo, e Cristo está naquela pessoa, é impossível que o cristão não prossiga, não cresça. Pode acontecer, às vezes, que seu crescimento cristão esteja completamente interrompido e num estado de estagnação, mas creio que isso é meramente uma aparência exterior. Obviamente, nosso crescimento cristão pode se mover em velocidades varia­ das e tendemos a ter altos e baixos. Às vezes, andamos para frente a passos largos, outras vezes, vamos num ritmo lento. Quando avançamos dessa forma lenta e fati­ gante , podemos pensar que ficamos completamente estagnados, mas se não há nenhuma evidência de crescimento, eu diria que é hora de examinarmos nossas almas e nossos corações para ver se realmente estamos em Cristo, porque quando o Espírito de Cristo habita a pessoa, ele não permite a estagnação total. Se desejamos aumentar o ritmo do crescimento cristão, penso que há alguns princípios práticos importantes que precisamos incorporar. Biblicamente, o cres­ cimento cristão é descrito em termos de discipulado. Ser um discípulo de Jesus significa ser um estudante na escola de Cristo. Isso não significa apenas acumu­ lar fatos intelectuais ou conhecimento supremo, por assim dizer, mas chegar a uma compreensão daquilo que agrada a Deus e daquilo que agrada a Cristo. Significa aprender como imitá-lo em nossos diferentes caminhos diante dele. A palavra discipulado é muito próxima da palavra disciplina. Crescer exige a realização de uma disciplina espiritual. Como conseguir? Quando tentamos progredir em qualquer área, muitas vezes isso envolve disciplina — quer seja no domínio de uma técnica pianística, num esforço atlético ou no estudo em uma escola pública ou universidade. Temos que entender que disciplina não acontece por mágica. A melhor maneira que conheço de se tomar disciplinado é, primeiro, aprender padrões de disciplina sob a orien­ tação de outra pessoa. Se você está tendo problemas para crescer, una-se o mais depressa possível a um grupo de crescimento cristão, onde você estará sob a disciplina de um pastor ou líder espiritual, e onde, como parte do grupo, você está aprendendo as habilidades do crescimento pessoal em conjunto. • De q u e m a n e i r a eu, u m cristão recém convertido, poss o c on seg uir u m a visão b e m eq uilibrada d a q u il o q u e a Bí­ blia diz? Sempre que novos convertidos lêem a Bíblia por si mesmos eles se ar­ riscam a cometer distorções. Um dos grande artigos de fé da Reforma foi a princípio da interpretação individual, isto é, cada cristão era visto como tendo o direito de ler a Bíblia por si mesmo. A Igreja Católica Romana resistiu a isso porque eles reconheceram que uma pessoa sem instrução e sem treino poderia muito facilmente chegar a interpretações erradas e a distorções muito sérias das Escrituras. Eles advertiram, por exemplo, que deixar os leigos lerem a Bíblia poderia abrir uma comporta de iniqüidade. Lutero respondeu a isto dizendo: sim, uma comporta de iniqüidade poderia ser aberta por pessoas não habilitadas. Foi por isso que Deus colocou pro­ fessores na igreja. Ele disse também, que a mensagem básica, essencial para que todo cristão entenda, é tão clara, tão evidente, que uma criança poderia entendê-la. É tão importante, e vale tanto a pena que se existe risco de abrir uma comporta de iniqüidade, disse Lutero, que assim seja. Concordo com ele, mas, ao mesmo tempo também estou consciente das grandes dificuldades que ocorrem numa primeira leitura da Bíblia, especi­ almente sem um auxílio preciso e sadio. A Bíblia é um livro volumoso, mas não é tão volumoso que não possa ser lido em sua totalidade. É importante que entendamos as partes individu­ ais das Escrituras à luz de sua totalidade. Lutero, cuidadoso como era em dar uma atenção detalhada a cada passagem e a cada versículo, fez da leitu­ ra da Bíblia toda uma parte do seu ministério inicial. Ele mantinha o quadro maior — o escopo total das Escrituras — sempre em mente à medida que estudava as partes individuais. É como caminhar por uma grande floresta. Ele sempre repetia isso, tudo o que você está tentando fazer é ir de uma ponta ã outra da floresta. Depois que você cresce na compreensão da flores­ ta, você começa a perceber grupos separados de árvores, e depois de um tempo, árvores individuais se sobressaem diante de você. Então, enquanto você examina as árvores individuais e até sobe nas árvores, você começará a examinar os diferentes galhos. Estudo Bíblico, dizia ele, não é realmente prazeroso até que você permaneça ali, revirando cada folha individualmen­ te, deleitando-se e explorando cada folha em tudo o que ela pode apresen­ tar. Era isso que Lutero amava fazer como um grande estudioso da Bíblia, estudar aquelas passagens que são tão significativas. Ele dizia que para evitar ficar preso numa pequena parte, “deixe que vento do conjunto sopre em sua cabeça de vez em quando.” Escrevi um livro intitulado Knowing Scripture (Conhecendo as Escritu­ ras [InterVarsity Press, 1977]), no qual estabeleço um esboço prático para quem quiser ler a Bíblia inteira pela primeira vez. A maioria das pessoas começam no Gênesis, e isso é agradável, interessante e fácil. Chegam ao Êxodo e ele é cheio de aventura. Assim que chegam a Levítico e Números se perdem e param. Há uma forma de ler a história do Antigo Testamento na qual pode-se pular algumas dessas passagens difíceis e estranhas e ler a história numa versão resumida. Dessa forma você percebe o sentimento do todo e depois pode voltar e preencher os vazios. • O q u e o sr. faz e m suas devocionais diárias? Para ser bem honesto, não tenho o que as pessoas poderiam chamar de devocionais diárias em relação a uma rotina estabelecida. Meu padrão va­ ria de um dia para o outro, de uma semana para a outra e de um mês para o outro. Cada dia tenho um período de tempo que passo em oração. Esse período é maior e, às vezes, mais intenso em certas ocasiões do que em outras. Mas não sou o tipo de pessoa que funciona bem num ambiente alta­ mente organizado ou estruturado. Outras pessoas têm uma agenda diária que é muito mais rotineira e que elas acham muito útil. Eu diria que se você gastar o mesmo período de tempo que eu gasto com as Escrituras no espaço de uma semana, isso seria considerado uma boa quantidade de estudo. Mas não faço distinção entre leitura devocional das Escrituras e estudo das Escrituras. Para mim, todo estudo das Escrituras é um ato devocional, e as devocionais deveriam ser um ato de estudo sério. Não existe nada mágico em se ler as Escrituras durante dez minutos. Sei que muitas pessoas sofrem com muita culpa a esse respeito porque em certas subculturas cristãs, de certa forma, espera-se que todas as pessoas tenham um período separado do dia para leitura Bíblica e oração. Mas as Escrituras nos dizem para meditar na Palavra de Deus dia e noite, de manei­ ra que nossa atenção às Escrituras seja devota, séria e rigorosa. De fato, recomendo que as pessoas gastem muito mais do que dez ou quinze minu­ tos por dia estudando as Escrituras. Mas precisamos ser cuidadosos para não impor sobre a comunidade cristã um conjunto de padrões de estudo Bíblico e oração. Não podemos estabelecer sistemas individuais de devo­ ção como testes da espiritualidade de outras pessoas. Isso tem feito muito mal a pessoas que não funcionam direito numa abordagem altamente estruturada de oração e estudo. Do outro lado, alguns são tão indisciplinados que não dão adequada atenção para o assunto sério da oração e do estudo bíblico. Estes são nossos deveres como cristãos, e também o nosso prazer de passar algum tempo com Deus. Devemos orar “sem cessar.” Jesus tinha o hábito de tirar algum tempo para períodos devocionais de oração. Se a oração significa alguma coisa, e Jesus a considerava necessária para si mesmo, quanto mais neces­ sária ela deve ser para nós? Não recomendaria minha rotina para outros. Mas lembre-se que meu trabalho, chamado e vocação, são de um professor da Palavra de Deus, portanto, tenho necessidade de gastar grandes períodos de tempo estudando a Bíblia. Cada pessoa deve aprender por si mesma o que funciona melhor para integrar oração e estudo Bíblico em sua vida diária. • Os cristãos hoje e m dia deveriam jejuar, e, e m caso afir­ mativo, p o r q u e razões e q u ã o f r e q ü e n t e m e n t e ? Creio que o jejum é um dos meios de graça mais negligenciados que Deus conferiu à sua igreja. Tem um imenso fundamento e apoio bíblico. Jejuar era uma prática regular entre os israelitas, e essa tradição foi adotada pela igreja do Novo Testamento. Quando os discípulos, em certa ocasião, não consegui­ ram ter sucesso em sua tentativa de expulsar um demônio, Jesus disse: “Esta casta não pode sair senão por meio de oração e jejum” (Mc 9.29). Jesus mesmo concordava com o jejum. Durante a sua tentação ele pas­ sou quarenta dias em jejum, e santificou o meio de graça através do seu jejum. Não creio que deveríamos continuar a negligenciá-lo. Na Igreja Ca­ tólica Romana, o jejum é uma prática regular. Mesmo no período de minha mocidade, ainda existia a tradição na Igreja Católica Romana de que os católicos não comiam carne às sextas feiras. Alguns ainda continuam com essa prática. Neste caso, o jejum não era uma abstinência completa de co­ mida, mas apenas de certos elementos da comida. Muitos protestantes fazi­ am objeção a esta forma de jejum praticada pelos católicos porque jejuar era visto também como uma obra meritória na Igreja Católica Romana, e as pessoas pensavam que, pelo fato de estarem praticando o jejum, estavam ganhando pontos em termos de sua jornada para entrar no reino de Deus. Os protestantes, zelosos de sua posição com respeito à justificação pela fé somente, tenderam a “jogar a criança fora com a água do banho” (este é um provérbio popular alemão N.T.), e aboliram o jejum temendo que ele fosse mal interpretado como uma forma de entrar no reino de Deus. Mas o jejum está voltando. Como colocar isso em prática? Algumas pessoas concordam com o jejum, mas sua prática as deixa doentes. Há pessoas — diabéticos, por exemplo — para as quais entrar num jejum completo e total seria irresponsabilidade. Elas poderiam prati­ car apenas tipos parciais de jejum e, mesmo assim, com a orientação de um médico. Somos responsáveis por mantermos uma boa mordomia de nossos corpos e o nosso jejum deveria ser feito de forma inteligente. Lembro-me da primeira vez que jejuei. Eu simplesmente decidi que não comeria nada durante quatro dias, e foi uma tremenda experiência espiritual para mim ficar quatro dias sem nenhum alimento, mas eu estava quase morto no final daqueles quatro dias. Tive todos os tipos de problemas. Tive problemas no estômago porque não era saudável para mim ficar sem alimentos em meu estômago por quatro dias. Assim, penso que cada pessoa deve decidir isso em sua própria consciência diante de Deus e não sentir uma obrigação de jejuar de uma forma que seria danosa para seu próprio corpo. Há vários livros bons disponíveis sobre a disciplina do jejum, e qualquer cristão pode­ rá incorporar essa disciplina de alguma forma. • Vivemos n u m a época de g rande p r e oc up aç ã o c o m a a p a ­ rência e a beleza física. O q u e diz a Bíblia sobre a pessoa c u id a r d o seu pró p rio corpo? Se você está perguntando se o cristão deveria se preocupar com peso exces­ sivo, você está pisando no meu calo! Mas isso me lembra a história de um amigo meu. Ele era um pastor episcopal, um camarada bem mundano e um fumante inveterado. Certa senhora em sua congregação estava muito aborreci­ da com o hábito de fumar do seu pastor. Essa senhora, por sua vez, estava obviamente muito acima do peso. Ela foi até o pastor e disse: “Pastor, o sr. não acha que fumando está manchando o templo do Espírito Santo com nicotina?” Meu amigo olhou para a mulher e replicou: “Sim, senhora, creio que estou manchando o templo do Espírito Santo, e a sra. o está alargando.” Não sei como ficaram as relações futuras entre o pastor e esse membro de sua congregação depois dessa troca de palavras, mas ela ilustra que, às ve­ zes, escolhemos certos hábitos que não são saudáveis, e estabelecemos como teste de espiritualidade aquele no qual não incorremos. O ponto que o pas­ tor estava tentando mostrar, de maneira não muito sutil, sem dúvida, é que, embora ele estivesse envolvido num hábito autodestrutivo, essa mulher tam­ bém estava fazendo mal ao seu corpo por estar, obviamente, com um peso muito acima do normal. Vivemos numa cultura que glorifica o corpo esbelto e deprecia aqueles que não se enquadram no padrão estético vigente. Não encontro nada na Bíblia que diga que todos devemos nos enquadrar nos padrões estéticos de uma dada cultura e portanto todos seríamos parecidos, padronizados de acor­ do com os símbolos sexuais correntes. A boa condição de nossos corpos, entretanto, realmente é importante dentro de uma perspectiva bíblica. So­ mos chamados a cuidar de nossos corpos, a sermos bons mordomos de nos­ so bem estar físico, e penso que, se temos alguma dúvida sobre nosso peso, se ele estaria apropriado ou não, provavelmente deveríamos conversar so­ bre isso com nosso médico. Os médicos estão ficando cada vez mais preo­ cupados com alguns dos problemas causados pelo excesso de peso. As ci­ ências médicas têm descoberto muitas ligações entre nosso bem-estar emo­ cional, mental e físico. Eu diria que condições pobres de saúde em qualquer área — inclusive espiritual — irão afetar o conjunto da vida , e precisamos dar atenção às áreas problemáticas. • C o m o lidar c o m o c iú m e? Estou contente de que você tenha feito essa pergunta porque é o tipo de pergunta que quase nunca se ouve na comunidade cristã. Obviamente, essa é uma questão de grande preocupação para Deus. A Bíblia tem muito a dizer sobre ciúmes e sentimentos semelhantes que temos uns para com os outros. Uma das perguntas que sempre faço aos meus estudantes no seminário é a seguinte: “Suponhamos que você tenha a possibilidade de escrever uma nova constituição para o Governo dos Estados Unidos da América e que vamos começar tudo outra vez. Ao invés de termos várias emendas e uma Carta de Direitos, tudo o que poderíamos ter seriam dez regras básicas pe­ las quais nossa nação seria governada. O que você incluiria nestas dez re­ gras para governar a nação?” Quando fazemos essa pergunta, a maioria das pessoas incluiria regras como proibição contra o assassinato, contra o roubo e esses tipo de viola­ ção de pessoas e propriedade que todos reconhecemos como mal. Entretanto, eu também me pergunto quantas pessoas incluiriam entre as dez mais importantes uma regra para honrar os pais, ou uma regra para proteger a santidade do nome de Deus. Eu me pergunto quantos incluiriam uma regra contra cobiçar a propriedade dos outros. Ciúme não é exatamente a mesma coisa que cobiça, mas está bem per­ to. Ciúme significa alimentar sentimentos maus contra outro ser humano por causa das posses ou realizações ou alguma coisa daquela pessoa que desejamos para nós e não temos. Temos sentimentos de má vontade para com essa pessoa porque cobiçamos aquilo que ela possui. Poderia acres­ centar que o ciúme é um dos pecados principais a respeito dos quais a Bí­ blia fala tão freqüentemente. Creio que uma das razões porque o ciúme é uma questão tão séria para Deus é o fato de que, na raiz dos sentimentos de ciúme para com outras pessoas, está uma crítica velada e assumida contra Deus. Estamos, em certo sentido, expressando nossa insatisfação com o fato de que Deus se agradou em permitir que outras pessoas tivessem aqui­ lo que não temos, ou realizassem o que não realizamos. Ao invés de sermos gratos por aquilo que Deus providenciou para nós — os dons, talentos e posses — em nosso ciúme não apenas machucamos as outras pessoas, mas estamos silenciosamente atacando a Deus em sua soberania e em sua mise­ ricórdia. Creio que precisamos encarar esse fato em sua totalidade se va­ mos nos dispor a superar esse sentimento. • C o m o lidar c o m m i n h a s próprias d ú v id as sobre a p r e ­ sença de Deus e m m i n h a vida? Essa pergunta traz à minha mente uma experiência que tive no começo do meu ministério. De fato, eu havia sido ordenado havia poucos meses e estava ensinando numa faculdade. Uma igreja tinha um pastor que era mui­ to amado por sua congregação; ele havia servido naquela igreja durante vinte e cinco anos, mas estava seriamente doente. O homem estava quase à morte. Durante vários meses, ocupei o púlpito e ajudei a congregação a lidar com essa tragédia em seu meio. Numa noite de sábado, antes do culto de domingo de manhã no qual deveríamos celebrar a Santa Ceia, recebi um recado urgente de que prova­ velmente o pastor não viveria até o dia seguinte. Quando cheguei à igreja naquela manhã, estava muito consciente da profunda ansiedade que existia na congregação. Senti um enorme peso tentando dirigir a Santa Ceia da maneira mais significativa possível. Eu me inquietei e em oração clamei: “O Deus, por favor, dá-me uma unção especial para estar diante desse povo em sua necessidade.” Não creio que, durante todo o meu ministério, eu tenha subido ao púlpito com mais desejo de conhecer a presença de Deus do que naquele domingo de manhã. Preguei e oficiei o sacramento e foi horrível. Foi terrível! Simplesmente senti uma ausência total de Deus como se eu tivesse sido completa e total­ mente abandonado por ele. Meu sermão foi morto e parecia que eu estava falando para mim mes­ mo. Quando dei a bênção e fui para a porta da igreja, eu realmente desejava que houvesse um buraco no chão para dentro do qual eu pudesse pular de maneira a não ter de encarar aquelas pessoas. Sentia-me miserável por ter falhado para com elas. Fiquei na porta da igreja e eles começaram a sair um a um, eu não podia acreditar no que acontecera. As pessoas saíam e parecia que haviam sido atingidas no meio da testa. Elas estavam aturdidas. Estavam em choque. Uma a uma, elas diziam que nunca haviam se sentido tão tocadas pela pre­ sença poderosa de Deus como a que haviam experimentado naquele culto! Uma senhora me disse: “A presença do Espírito Santo era tão densa hoje que poderíamos tê-la cortado com uma faca.” Aquilo realmente teve um impacto sobre mim naquele dia. Eu disse: “Espera um pouco. Deus prometeu que ele estaria aqui.” Eu não senti a sua presença, e por isso pensei que ele não estava lá. Eu havia me tomado um cristão de sentidos, permitindo que minha firme­ za de convicção fosse determinada pela força de meus sentimentos. Compreendi de tenho que viver pela Palavra de Deus, não por aquilo que sinto. Penso que essa é a maneira como devemos lidar com a dúvida. Você começa focalizando aquilo que Deus diz que vai fazer e não os seus sentimentos. • C o m o as e m o ç õ es a fe tam o c re sc im e n to espiritual? Nossa sociedade é muito voltada para as emoções; e, ao mesmo tempo, tem grande desconfiança para com as expressões emocionais, particular­ mente no campo religioso. Se você grita, berra e se excede um pouco num campo de futebol no domingo à tarde, você é chamado de fã. Se você ex­ pressa qualquer interesse emocional pelas coisas de Deus, você é chamado de fanático. Parece que podemos ser emocionais a respeito de algumas coi­ sas, mas não de outras. Deus nos criou para termos a habilidade de pensar e de nos envolvermos num processo cognitivo de razão, mas também somos criaturas que sentem. Quando estava fazendo um curso de aconselhamento pastoral com psiquia­ tras, eles diziam: “Quando você faz uma pergunta diagnostica, não diga, ‘O que você pensa disso ou daquilo?’ Mas pergunte. ‘Como você sente?”’ Eles estavam tentando nos ensinar a entrar em contato com os senti­ mentos da pessoa, porque o ser humano vive no nível do sentimento. Agora, parte de mim concordava que havia alguma percepção nisso, mas parte de mim recuava porque estou convencido de que estamos viven­ do uma época da vida da igreja na qual existe tanta ênfase nos sentimentos que estamos nos tomando muito negativos sobre tudo o que diz respeito a pensar. Creio que se tentarmos fazer o cristianismo puramente intelectual, nós o distorceremos. E se tentarmos tomar o cristianismo puramente emo­ cional nós o distorceremos para o outro lado. Qual o relacionamento que deve existir entre sentimentos e pensamen­ to? Se alguém me perguntasse qual dos dois é mais importante, eu diria que a mente vem primeiro em termos da ordem de nosso desenvolvimento espi­ ritual, mas o coração é o primeiro em importância. Em outras palavras: Se minha teologia é correta e minha compreensão do cristianismo é correta, mas meu coração está longe de Cristo, eu estou fora do reino de Deus. Se meu coração está cheio de amor por Cristo e minha teologia é toda atrapa­ lhada, eu estou no reino de Deus. Portanto, o coração é mais importante do que a mente, mas a maneira como Deus nos fez indica que quanto melhor o t entendemos com a mente, mais nossos corações devem ficar inflamados de emoção e amor por Deus. • Q u a l é a perspectiva bíblica sobre a psicologia? A p sic o ­ logia d e s e m p e n h a u m papel útil n o cristianism o? Precisamos entender, logo de início, que não existe hoje um sistema único e monolítico de psicologia. Há várias escolas com teorias psicológicas que competem entre si, to­ das tentando compreender as complexidades e nuances sutis do mecanismo mais complexo do universo: a personalidade humana. Na melhor das hipóteses, a psicologia como disciplina acadêmica e como ciência é relativamente jovem e inexata. No começo da história da igreja, os sábios cristãos estavam interessados em compreender o intricado padrão de comportamento das pessoas. Por exemplo, Santo Agostinho é muitas vezes apresentado, mesmo em universidades seculares, como sendo o patri­ arca da psicologia, porque se interessava muito pelo que poderíamos cha­ mar hoje de introspecção, tentando sondar as profundezas dos motivos e sentimentos humanos e descobrir o que forma a personalidade humana. Agora, existe algo como uma psicologia bíblica? Sem dúvida, existe uma visão bíblica do homem, e também certamente existe uma visão bíblica do comportamento humano. Podemos aprender muito nas Escrituras a res­ peito do comportamento e do desenvolvimento da personalidade, a respeito das emoções e de seu impacto sobre nós. Existe uma grande quantidade de informação na Bíblia que pode nos ajudar quando aconselhamos outras pessoas. Sabemos, por exemplo, que a culpa é um dos assuntos mais trabalhados pelos psicólogos e psiquiatras. Nunca houve um livro mais adequado para lidar com o problema da culpa do que a Bíblia. Creio que todas as verdades se encontram no topo. Creio que a Bíblia é infalível. Creio que a Bíblia nos dá uma visão do homem que vem do cria­ dor do homem, vem da própria mente de Deus. Portanto, nas Escrituras temos uma percepção da personalidade humana que não encontraremos em nenhum outro lugar. Entretanto, Deus também nos deu a natureza como livro de estudo e, através do estudo do comportamento humano, podemos aprender verdades válidas. Portanto, penso que um cristão deve ter um olho nas Escrituras e outro no que de melhor está sendo descoberto através do estudo científico, da experiência e da observação de profissionais em psicologia e psiquiatria. • O h o m e m é dividido e m d u a s partes: co rp o e alma, ou e m três partes: m e n t e , corpo e alma? Essa pergunta parece inofensiva na superfície, mas foi assunto de uma controvérsia significativa no começo da história da igreja e novamente no século XX. Parece estranho lutar por isso, mas há razões para o debate. Em primeiro lugar, a posição clássica, compartilhada por cristãos orto­ doxos de várias denominações, tem sido de que o homem é o que chama­ mos de dicotômico, isto é, tem uma dimensão física que chamamos corpo, e um aspecto não físico que chamamos alma. Ele é as duas coisas, físico e não físico. O perigo dessa posição é que podemos cair num dualismo, pelo qual vemos o corpo e a alma como intrinsecamente incapazes de uma uni­ dade. E essa visão dualista que tem, freqüentemente, apresentado qualquer aspecto físico como intrinsecamente mau, ao invés de algo que foi criado bom, mas que foi afetado pelo pecado. Os gregos antigos tinham dificuldade de pensar no espírito unido à matéria em qualquer circunstância. Para o mun­ do grego, o grande escândalo do evangelho não era a ressurreição, mas a encarnação, porque eles não poderiam conceber um espírito tomando-se conta­ minado por uma união tão íntima com coisas físicas como um corpo humano. Em 1 Tessalonicenses 5.23, Paulo diz: “0 mesmo Deus da paz vos san­ tifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados ínte­ gros...” Um teólogo apoderou-se disso e disse: “Oh, o homem tem três partes — corpo, alma e espírito.” E nos primeiros séculos do cristianismo, essa visão tripartite desenvolveu-se. A teoria era de que corpo e alma são basicamente incompatíveis e que há uma tensão dualista entre o físico e o não físico. A única maneira de fazê-los permanecerem juntos seria ter uma terceira substância como cimento para manter juntas estas duas outras subs­ tâncias contraditórias. Corpo e alma seriam, então, unificados pelo espírito. A igreja condenou essa visão tripartite do homem como heresia — que ele fosse corpo, alma e espírito — porque ela havia se desenvolvido a partir de um dualismo grego que a igreja gostaria de evitar. Entretanto, essa posi­ ção reapareceu no século XX, e tem se tomado muito popular em certos círculos cristãos. Vejo isto, por exemplo, na influência que tem o ensino de Watchman Nee, no qual ele traz, junto com sua compreensão do cristianismo, algumas idéias particulares do pensamento oriental. Ele os combina, de certa manei­ ra, com o cristianismo clássico e tem sido muito influente como um profes­ sor popular entre os cristãos. Também temos visto esta idéia sendo muito empregada pela chamada teologia neopentecostal e em alguns movimentos existentes ocasionados pela influência muito difundida, por exemplo, do Campus Crusadefor Christ (Cruzada Universitária para Cristo) que tem um enorme impacto no cristi­ anismo americano. Uma das razões muito atraentes a respeito dessa noção do homem ser dividido em três partes, e não em duas, é que ela torna possível construir uma visão de dois graus diferentes de cristãos: aqueles cristãos que são nascidos do Espírito mas não têm o Espírito Santo habitando neles — o batismo do Espírito Santo — e aqueles que são nascidos do Espírito Santo e também têm a plenitude do Espírito que neles habita. Estes grupos evan­ gélicos, que colocam grande ênfase no batismo do Espírito Santo como uma obra posterior da graça de Deus após a conversão, dirão, portanto, que há três tipos de pessoas no mundo. Há aqueles que simplesmente não têm o Espírito Santo; depois há pessoas que têm o Espírito Santo na conversão ou novo nascimento, mas não receberam a segunda bênção, esta segunda habi­ tação ou plenitude do Espírito Santo; e, finalmente, há aqueles que têm o Espírito pela conversão e em plenitude. Se podemos falar a respeito de três tipos diferentes de pessoas, então é conveniente ver um modelo disso no que se refere às três partes do homem. Algumas vezes, vemos isto apresentado da seguinte maneira: aqueles cris­ tãos que não têm a plenitude do Espírito têm o Espírito Santo em suas al­ mas, mas não em seu espírito. A distinção, portanto, está nos compartimen­ tos dentro de nós nos quais o Espírito habita, e isso justifica a distinção dos assim chamados cristãos carnais e dos cristãos cheios do Espírito Santo. Creio que esse é um caso em que a teologia está ditando nossa compre­ ensão das Escrituras; temos uma posição teológica e tentamos construir uma visão do homem que acomode essa posição teológica. Simplesmente não creio que esta seja uma forma saudável de compreender a Bíblia. Há vezes, realmente, em que a Bíblia nos fala de corpo, alma e espírito, mas ela também fala sobre mente, entranhas e coração. A mensagem ampla da Bíblia é de que temos um corpo físico e uma exis­ tência não física, às vezes denominada espírito e, às vezes, alma, e essa parte não física consiste do nosso próprio ego completo — personalidade, emoções, mente, espírito, vontade, etc. Deus nos criou com ambas as partes; ambas fo­ ram afetadas pela queda, e ambas serão redimidas pela graça e poder de Deus. • O q u e significa ser justo o u reto? Ser justo ou reto significa fazer aquilo que Deus deseja que façamos. Retidão significa obedecer a lei de Deus. Jesus chama seu povo para um padrão excessivamente alto de retidão. Ele nos diz, em um dos mais terríveis textos do Novo Testamento, que se nossa justiça não exceder a justiça dos escribas e dos fariseus, de manei­ ra nenhuma entraremos no reino de Deus. Alguns de nós escapam facil­ mente dizendo que temos a justiça de Cristo — e certamente esta excede a justiça de escribas e fariseus, e isso é verdade. Mas não creio que fosse sobre isso que Jesus estivesse falando na ocasião. Creio que ele estava fa­ lando sobre a retidão que devemos manifestar como pessoas regeneradas e justificadas — sobre aquela conformidade com a imagem de Deus, e da conformidade em imitação a Cristo. Essa evidência em nossas vidas é o tipo de padrão de justiça que Jesus nos chama a possuir e praticar. Creio que temos uma tendência de tomá-la trivial. Certo dia, recebi uma carta de um homem que se queixava das pessoas que dançavam, bebiam e fumavam e perguntava como estas pessoas podi­ am ser cristãs. Como se essas coisas tivessem qualquer relação fundamen­ tal com o reino de Deus. Certamente elas tocam em questões éticas, mas são triviais. Esse era o grande erro do fariseus cuja retidão somos chamados a exceder. Eles se especializavam em questões mínimas. Mediam a retidão exclusivamente pelo comportamento exterior. Jesus os repreendeu porque deixavam de lado as questões mais importantes da lei. Obviamente, há assuntos maiores e menores que devemos considerar se vamos buscar uma retidão autêntica. Por exemplo, Jesus elogiou os fariseus por seus dízimos. Eles eram escrupulosos no dízimo. Pagavam seus dízimos até nos mínimos detalhes, e hoje apenas 3% dos cristãos entregam o seu dízimo. Mas até isto Jesus considerou uma questão menor. Ele disse que pelo menos eles entregavam o dízimo, mas omitiam as questões mais sérias da justiça e da mi­ sericórdia. Creio que, fundamentalmente, a retidão ou justiça envolve o desa­ brochar do fruto do espírito de Cristo. Uma pessoa reta ou justa é alguém em quem você pode confiar, que tem integridade, cujas palavras significam algu­ ma coisa e que não é desonesta. Essas coisas são espirituais, entretanto, nossa tendência é julgar as pessoas por coisas mais evidentes e visíveis. • Q u a n d o Jesus disse: "Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste", isso significa q u e p o d e m o s alcançar a per­ feição, e é isso q u e d ev eríam os fazer? Há algumas coisas que precisamos entender sobre essa afirmação. Em primeiro lugar, a palavra que foi traduzida como “perfeito” literalmente significa “sejam completos.” Freqüentemente o Novo Testamento e o Anti­ go Testamento descrevem as pessoas como sendo justas e retas não no sen­ tido de que tenham alcançado completa perfeição moral, mas sim no senti­ do de que alcançaram um nível especial de maturidade em seu crescimento em termos de integridade espiritual. Entretanto, nessa afirmação é certa­ mente legítimo traduzir o original usando a palavra perfeito em português. Por exemplo: “Sejam completos como o vosso Pai celestial é completo.” Agora, lembrem-se que o Pai celestial é perfeitamente completo. Portanto, se vamos nos espelhar em Deus dessa maneira, devemos fazê-lo em sua excelência moral e também em outros aspectos. De fato, a vocação básica de uma pessoa nesse mundo é ser um reflexo do caráter de Deus. E isso que significa ser criado à imagem de Deus. Muito antes do Sermão da Monta­ nha, Deus exigiu que o povo de Israel refletisse o seu caráter e lhes disse: “Sede santos, porque eu sou santo”. Ele os separou para serem santos. Essa é a palavra no Novo Testamento. Agora, quanto à pergunta se podemos, de fato, atingir a perfeição moral nesse mundo. Se Jesus nos diz para sermos perfeitos, a pressuposição é de que ele não exigiria de nós algo que nos é impossível alcançar. Portanto, há cristãos, muitos cristãos, que crêem que realmente é possível que uma pes­ soa alcance um estado de perfeição moral nessa vida. Essa posição é cha­ mada perfeccionismo, e as pessoas desenvolvem uma teologia segundo a qual existe uma obra especial do Espírito Santo que lhes dá a vitória sobre todo pecado ou sobre todo pecado intencional, o que os torna moralmente perfeitos nesse mundo. A corrente principal do cristianismo, entretanto, re­ siste a essa doutrina do perfeccionismo especialmente porque vemos o registro de grandes santos na história bíblica e na história da igreja que confessaram o fato de que, até o dia de sua morte, lutaram com o pecado persistente em suas vidas. O mais importante dos quais, sem dúvida, foi o apóstolo Paulo que falou sobre sua luta persistente contra o pecado. Pode uma pessoa ser perfeita? Teoricamente a resposta é sim. O Novo Testamento nos diz que, com cada tentação, Deus nos dá um meio de esca­ par. Ele sempre nos dá graça suficiente para superar o pecado. Portanto, na vida cristã, eu diria que o pecado é inevitável por causa da multidão de oportunidades que temos para pecar. Mas, numa determinada situação, ele não é nunca uma necessidade. Portanto, nesse sentido, poderíamos, teorica­ mente ser perfeitos, mas nenhum de nós o é. • R o m a n o s diz: "...os que estão na carne não podem agradar a Deus" (Rm 8.8). Isso significa q u e se u m nã o -c ristão realiza u m ato justo isso n ã o agrada a Deus? Paulo, aqui, está descrevendo todos aqueles que não são regenerados, e, portanto, de uma perspectiva bíblica, qualquer que não é nascido do Espírito de Deus está “na carne.” Você está inferindo que a passagem afirma que aqueles que estão na carne não podem agradar a Deus. Isso significa que um ato justo feito por qualquer pessoa que está na carne não agradaria a Deus? Se ninguém que esteja na carne pode agradar a Deus, então, obviamente, uma pessoa na carne não pode agradar a Deus em nenhuma circunstância. E se ela faz uma ação justa? Essa pergunta representa o que eu chamaria de uma con­ dição contrária aos fatos. Seria como perguntar se um não crente seria rejeita­ do se ele tivesse fé. Se ele tivesse fé, não seria um não crente. Seria uma condição impossível para um não crente, ser crente ao mesmo tempo. O que estou mostrando é o seguinte: É possível que uma pessoa que não é regenerada, que não foi vivificada pelo Espírito de Deus realmente apre­ sente uma justiça verdadeira? Há duas maneiras de abordarmos isso: De um lado, o Novo Testamento descreve justiça e boas obras de maneira ampla que considera tanto a ação externa quanto a motivação interna para a ação. A Bíblia deixa claro que as pessoas que ainda estão na carne podem, e realmente realizam atividades que, exteriormente, estão de acordo com a lei de Deus. Há pessoas que não são cristãs e que não roubam, não matam e mostram misericórdia. Elas demonstram todos os tipos de comportamento virtuoso que os re­ formadores chamavam justiça civil — a justiça que presta uma obediência externa à lei de Deus. Mas o Novo Testamento tem uma posição mais restrita sobre aquilo que é exigido de uma retidão autêntica. Por exemplo, o jovem rico pensou que havia guardado os Dez Mandamentos desde a sua infância pois, na realidade, não era culpado de assassinato, nem de roubo, nem de adultério. Ele disse a Jesus: “Tudo isso tenho observado desde a minha juventude” (Lc 18.21). Ao mesmo tempo a Bíblia diz: “Não há justo, nem um sequer, ...não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Rm 3.10,12), porque a exigência de justiça que Deus tem não é meramente de obediência externa, mas que a motivação para a ação proceda de um coração que está genuinamente dese­ joso de agradar a Deus. Portanto, eu diria que uma pessoa na carne não poderá nunca demonstrar uma justiça real se considerarmos seu comporta­ mento baseado fundamentalmente numa motivação apropriada. • Se o Espírito S a n to h a b ita e m nós, p o r q u e n ã o p o d e m o s viver vidas perfeitas? Imagine que eu lhe diga que podemos viver vidas perfeitas. Isso pode lhe parecer a coisa mais chocante que você já ouviu, porque uma das pou­ cas coisas que se pode conseguir que, tanto cristãos quanto não-cristãos, concordem é que ninguém é perfeito! O que o Novo Testamento ensina, no meu entender, é que, desde que o Espírito Santo entre em minha vida, desde que eu seja habitado pelo Espíri­ to Santo, eu tenho, vivendo dentro de mim, o poder de obedecer a Deus. O Espírito Santo me dá o poder de obedecer os mandamentos de Deus, e o Novo Testamento diz que não há tentação que venha sobre mim que não seja comum a todas as pessoas, e com a tentação Deus sempre provê o escape. De fato, não creio que haja ninguém que viva uma vida perfeita. Mas creio que a graça de Deus toma a perfeição uma possibilidade. Eu diria que tenho oportunidade de pecar, literalmente, milhares de ve­ zes por dia. Toda vez que sou confrontado com uma oportunidade de pecar, há uma batalha dentro de minha alma. A habitação do Espírito Santo me inclina na direção da justiça e da obediência. Mas lembre-se que o Espírito Santo está vivendo em mim, em R.C. Sproul; ele está habitando numa cria­ tura imperfeita, alguém que não foi totalmente purificado de suas más in­ clinações. Portanto, dadas as variadas oportunidades que tenho para pecar, e sabendo que, em cada uma daquelas oportunidades, há uma batalha entre aquilo que a Bíblia chama minha carne e o Espírito, de um ponto de vista estatístico é virtualmente inevitável que vou pecar e ser bem menos que perfeito. Se olhamos as tentações uma de cada vez, descobrimos que, em cada circunstância particular, o poder foi realmente providenciado por Deus para resistirmos àquela tentação. Essa é a razão pela qual nunca poderei me colocar diante de Deus e dizer: “Deus, o senhor terá que me desculpar, o diabo me fez cometer isso” ou “O Espírito Santo não foi suficientemente poderoso dentro de mim para que eu resistisse a esse pecado”. Portanto, embora eu creia que nem mesmo o apóstolo Paulo jamais tenha atingido a perfeição em sua vida, isso não ocorreu por causa de qualquer falta de po­ der, ou habilidade, ou inclinação do Espírito que habita em nós. • U m cristão p o d e ser p u r o n a q u il o q u e diz e faz? Não quero ser evasivo ou perspicaz, estou sendo muito sério quando pergunto: Quão puro é puro? Falamos sobre 99,44% de pureza no que diz respeito a uma certa marca de sabão; falamos sobre vários graus de pureza da prata, ouro e de outros metais preciosos. Quando falamos sobre pureza num sentido moral e espiritual, eu diria que não é possível que um cristão seja 100% puro em tudo o que faz e diz por uma razão: Quando Deus con­ sidera uma ação que fazemos ou uma palavra que dizemos, ele não conside­ ra simplesmente o exterior da ação; ele considera também os motivos. Os motivos envolvem um exame das inclinações e disposições mais profun­ das de nossos corações. De uma perspectiva ideal e de absoluta pureza espi­ ritual, um motivo perfeito procederia de um coração que fosse 100% incli­ nado para Deus — um coração que amasse a Deus completamente de toda sua inteireza, de toda a mente e de toda a alma. Nunca fiz uma ação em minha vida durante a qual, no momento em que a realizei, estivesse aman­ do a Deus com todo o meu coração, com toda a minha alma e com toda a minha mente. Todas as ações que já fiz e todas as palavras que já falei foram sempre manchadas por uma dose de imperfeição e de pecado pessoal. Se usamos o termo puro indistintamente, ele se torna uma questão rela­ tiva. Creio que existe algum grau de interesse egoísta em tudo o que faze­ mos. Podemos pensar em pessoas que são espantosamente altruístas na su­ perfície, e eu diria que encontramos verdadeiro altruísmo no mundo. Mas não creio que vejamos uma ação perfeita, ou um pensamento perfeito, ou uma palavra perfeita até que sejamos tomados perfeitos interiormente. Eis o ponto: Deus julga nossas ações não apenas externamente, mas ele também está preocupado com o coração. Se tudo o que o preocupasse fossem as ações exteriores, pelas quais ele realmente se interessa, veríamos pessoas que não têm nenhum amor especial por Cristo, suplantando os cristãos em seus feitos justos e em suas preocupações altruístas e compassivas. O quadro total envol­ ve a disposição interna do coração e é aí que todos nós falhamos. • Jesus c h a m a os cristãos para se rem luz d o m u n d o e sal da terra. O sr. poderia, p o r favor, n o s d a r a lg u m a s m a ­ neiras práticas de fazer isso? Sal é o elemento que dá entusiasmo, paladar e sabor à vida. Creio que, dentre todas as pessoas, principalmente os cristãos deveriam manifestar um tipo de entusiasmo, de empolgação pela vida — uma paixão por viver; eles deveriam ser companheiros agradáveis. Até os apóstolos nos dizem que nos­ sas palavras deveriam ser temperadas com sal. Naturalmente, isso não quer dizer que deveríamos falar como um homem do mar, mas significa que deve haver algum entusiasmo, alguma cor e vitalidade. Somos pessoas abençoadas com uma nova vida, com vida abundante, com a própria vida de Cristo. Creio que ser sal da terra é ser gente cuja companhia é estimulante, gente que acrescenta à vida e não que retira dela. Digo isso porque freqüen­ temente somos percebidos como pessoas sem graça, rígidos, puritanos, moralistas — todas as coisas que não somos chamados para ser. Devemos ser sal para as pessoas — acrescentar sabor e entusiasmo. Não apenas sal, mas luz. O sentido básico da luz nas Escrituras é o da iluminação que a verdade de Deus traz. Aqueles que são cristãos são chamados para terem uma paixão pela verdade. Devíamos nos interessar pela verdade, e devíamos nos interessar por aprender a maneira certa de fazer as coisas. Freqüentemente, a igreja é vista como um eco da cultura. Deixamos que o progresso fique nas mãos daqueles que estão fora da igreja. Creio que a Bíblia chama a igreja para estar na linha de frente da vida; deveríamos estar liderando a cultura ao invés de a seguirmos, e creio que é isso que significa ser luz — luz para mostrar às pessoas o caminho para longe das trevas. Quando vemos, por exemplo, a área das relações trabalhistas permeada de hostilidade e luta, nós, como cristãos, deveríamos estar apresentando mo­ delos de relacionamentos na área de administração trabalhista nos quais essa hostilidade fosse superada de alguma forma. É isso que significa ser luz do mundo — mostrar ao mundo um caminho mais excelente. • C o m o p o d e m o s estar n o m u n d o e n ã o ser d o m u n d o ? O q u e significa "não ser d o m u n d o ? " O Novo Testamento nos diz que não devemos nos conformar com esse mun­ do, mas devemos ser transformados pela renovação de nossa mente (Rm 12.2). Vamos examinar estas palavras que são básicas nas Escrituras para essa discussão, a diferença entre conformidade e transformação. O prefixo consignifica “com”. Portanto, conformar-se com o mundo significa, literalmente, estar com ele. Essa é uma das mais fortes inclinações e tentações que nós, cristãos, temos. Ninguém deseja estar fora dele, desejamos estar “com ele”. Deseja­ mos estar atualizados. Desejamos nos enquadrar. E, muitas vezes, somos envolvidos pela pressão do grupo que espera que o imitemos e participe­ mos de todas as estruturas e estilos desse mundo. A Bíblia diz que não devemos nos conformar com os padrões do mundo. Agora, quando nós cristãos ouvimos isso, muitas vezes pensamos que tudo que devemos fazer é demonstrarmos nosso não conformismo de forma óbvia e visível. Portanto, se o mundo usa abotoaduras e gravata borboleta, nós não usamos abotoaduras e gravata borboleta, ou se o mundo usa batom, nós não usamos batom. Tentamos mostrar coisas nas quais somos diferen­ tes do mundo. Mas não é isso que a Bíblia está falando. Não é apenas uma questão de ser diferente do mundo; devemos ir além da não conformidade até a transformação. Isso combina com tudo o que as Escrituras nos dizem sobre sermos sal e luz do mundo. Algo que é transformado é algo que é mudado. O prefixo “t r a n s significa “acima e além.” Devemos estar aci­ ma e além dos padrões desse mundo, não no sentido de que devemos nos elevar a um status arrogante acima de todos os outros, mas somos chama­ dos a um estilo mais excelente de vida. Isso não significa que você se retira do mundo; esse mundo é o mundo de meu Pai, e essa é a arena da redenção de Deus. A tendência foi sempre fugir do mundo e esconder-se num cenáculo, mas o Espírito de Deus não tolera isso. Ele envia o seu povo ao mundo. Lutero disse isso com as seguin­ tes palavras: “Existe um padrão normal no comportamento cristão. A pes­ soa que se converte do mundo, passa seus primeiros dias de cristão com a tendência de retirar-se completamente dele, como Paulo, quando foi para a Arábia, por exemplo, ou pode desejar ficar tão longe das manchas e da poluição desse mundo que se torna monástico em seu pensamento — reti­ rando-se, abandonando por completo o mundo.” Mas Lutero diz que um cristão não alcança maturidade até que entra novamente no mundo e o abraça, não nos seus padrões mundanos e ímpios, mas como o teatro, a arena da redenção de Deus. Foi isso que Jesus fez, ele entrou no mundo para salvar o mundo. Esse mundo é o mundo que Deus se comprometeu a renovar e redimir, e devemos participar disso com ele. • C o m o p o d e m o s d e m o n s t r a r s a n tid a d e e m nossas vidas? Fico contente de que você tenha usado a palavra “demonstrar.” Não quero me alongar muito aqui, mas penso que muitas vezes estamos tão preocupados com o grau de visibilidade de nossa piedade que começamos a usar formas artificiais e externas para ter certeza de que as pessoas vêem nossa piedade. Essa era uma das mais sérias pedras de tropeço dos fariseus, aqueles que receberam as mais severas acusações de Jesus porque estavam constante­ mente envolvidos em exibições públicas de sua piedade. De fato, Jesus disse que eles se degeneraram a tal ponto que as orações que faziam não eram dirigidas a Deus, mas eram dirigidas aos ouvidos dos espectadores. Portanto, Jesus disse: “E quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gos­ tam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. ...Tu, porém, quando orares entra no teu quarto” (Mt 6.5,6). Os fariseus jejuavam e saiam com pelas ruas com a cara infeliz, aparen­ tando um sofrimento horrível, de modo que todos pudessem dizer: “Olhem aqueles pobres fariseus — estão extenuados por causa de seu rigoroso je­ jum espiritual.” Jesus disse: “7w, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto com o fim de não parecer aos homens que jejuas” (Mt 6.17,18). Portanto, há um sentido no qual Jesus é contra a demonstração pública. Entretanto, ao mesmo tempo, nosso Senhor nos diz para deixarmos nossa luz brilhar diante dos homens. Embora não devamos fazer uma exibição ostensiva de nossa espiritualidade ou de nossa piedade, deve­ mos fazer uma exposição visível de nossa integridade. As pessoas podem ver como enfrentamos a crítica, como reagimos quando alguém passa na nossa frente numa fila, como reagimos quando alguém quebra uma pro­ messa. Cumprimos as nossas promessas? Pagamos nossas contas em dia? Estes são os tipos de coisa que são muito visíveis. Lutero expressou isso com as seguintes palavras: “Cada cristão é chamado para ser Cristo para o seu próximo.” Não que devamos ser crucificados por nosso próximo, mas nossas vidas — nossa lealdade, nossa amizade, nossa bondade, nos­ sa integridade — devem demonstrar aos nossos amigos como Jesus é. Essa é uma tremenda responsabilidade. • C o m o p o d e m o s estar confiantes e m noss a fé, no s se n tir­ m o s e m p o l g a d o s c o m ela, gozar o n o ss o statu s de pov o escolhido, se m n o s t o r n a r m o s orgulhosos? É significativo que Paulo, em 1 Timóteo 3.6, nos advirta de que néofitos não devessem ser colocados em posição de liderança na igreja. De fato, o próprio conceito de presbiterato tem suas raízes no Antigo Testamento e está ligado a um certo grau de maturidade que somente vem através do tempo gasto em crescimento espiritual. Em nosso entusiasmo e juventude espiritual temos a tendência de nos tomarmos enfatuados e nos apresentar­ mos àqueles que estão fora da comunidade da fé como arrogantes e intole­ rantes. Uma boa parte disso é atribuída a uma sensação normal de entusias­ mo que vem junto com a nova descoberta de Cristo. O primeiro ano de minha vida cristã foi o ano mais empolgante de mi­ nha vida. Eu queria desesperadamente que todas as pessoas que eu conhe­ cia e amava, e que todas as pessoas que eu encontrava — inclusive os que eram absolutamente estranhos — conhecessem a Cristo. Mas tenho certeza de que, com o entusiasmo, havia também uma certa falta de sensibilidade, porque eu não desejava simplesmente que as pessoas cressem, mas queria que elas cressem agora mesmo, e me sentia como se eu tivesse sido indica­ do por Deus para certificar que tais pessoas tinham abraçado a fé agora mesmo. Eu prendia as pessoas num canto e gastava um tempo com elas quando isso realmente não era apropriado. De fato, houve ocasiões em que fui realmente muito pouco delicado. E não posso culpar um entusiasmo legítimo por isso. Não há nada de errado em sermos zelosos por Cristo. Somos chamados para sermos pessoas zelosas. Deveria haver paixão em nosso compromisso cristão. Mas, novamente, esse zelo pode facilmente misturar-se com nosso próprio orgulho, porque de alguma forma acreditamos que somos emissári­ os especiais de Deus para o mundo, que o mundo não será redimido a não ser através de nossos esforços. Certamente, tanto o Antigo quanto o Novo Testamentos, dão atenção ao poder destrutivo do orgulho na vida espiritual. Somos advertidos em algumas das mais famosas afirmações que “a sober­ ba precede a ruína, e a altivez do espírito, a queda” (Pv 16.18). Somos ensinados ainda que Deus dá graça ao humilde, mas resiste ao orgulhoso. Devemos estar em estado de alerta o tempo todo a fim de que o orgulho não destrua o crescimento espiritual que estamos desfrutando. • Se r e a l m e n t e a m a m o s a Deus, p o r q u e i g n o r a m o s seus m andam entos? Se ignoramos seus mandamentos absoluta, total e completamente, isso seria a prova mais clara de que não amamos a Deus. O próprio Jesus disse: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (Jo 14.15). Guardar os mandamentos é uma manifestação de nosso amor a Deus, e a obediência é algo que flui de um coração que está inclinado para Deus e abraça a Deus em amor. Mas, tendo dito isso também temos de reconhecer que na vida do maior santo, daquele cujo coração está palpitando de amor por Deus, ainda há um grau de desobediência, de ignorância dos mandamentos de Deus. Por quê? Simplesmente porque não estamos ainda completamente san­ tificados. Uma vez redimidos em Cristo, recebemos um novo princípio de vida, o poder do Espírito Santo habitando em nós. Estamos começando a ficar bons, mas todo esse trabalho de santificação é um processo gradual que leva tempo e, até irmos para a glória, até irmos para o céu não atingi­ mos ou alcançamos Um completo estado de perfeição moral ou espiritual. (Isso é o que a maioria dos cristãos crê; há aqueles que crêem que os cris­ tãos podem e, na realidade, alcançam a perfeição nesse mundo.) Uma das maiores distorções da fé cristã em nossos dias (cada geração e cada século tem o seu desvio particular do cristianismo clássico) é uma visão seriamente defeituosa da santificação. Freqüentemente ouvimos essa afirmação ou outras semelhantes: “Não doutrina, mas vida. Deus não está preocupado com minha teologia, mas com meu comportamento.” Certa­ mente Deus se preocupa com o nosso comportamento. Mas o padrão emer­ gente que percebo é o da separação entre esses dois elementos de crença e comportamento; eles são, muitas vezes, colocados um contra o outro, como se a vida cristã não tivesse nada a ver com a compreensão cristã da verdade. Essa é uma dicotomia falsa. No Novo Testamento, o Espírito Santo, que é também chamado Espírito da Verdade, é o principal agente de nossa santi­ ficação. Uma das grandes razões pelas quais falhamos em obedecer a Deus é porque somos ignorantes de seus mandamentos, não compreendemos o que Deus revelou. Verdade e prática estão inseparavelmente relacionados em nossa santificação. • C o m o o cristão e n c o n t r a u m equilíbrio e n tr e estabelecer objetivos e ser dirigido pelo Espírito de Deus? Creio que a principal maneira de sermos dirigidos pelo Espírito, de que o Novo Testamento fala, é o sermos dirigidos em santificação. Quando a Bíblia fala em liderança do Espírito, está falando sobre o Espírito nos diri­ gindo em santidade. Agora, sei que no jargão cristão contemporâneo e nos nossos padrões de linguagem, falamos sobre sermos dirigidos pelo Espírito no sentido de se devemos virar para a esquerda ou para a direita no sinal de trânsito, ou se moramos em São Paulo, Curitiba ou Recife. Estamos fre­ qüentemente buscando direção como se Deus ainda estivesse andando por aí com uma coluna de nuvem ou com uma coluna de fogo para nos dirigir a cada passo. Houve ocasiões, na história da redenção, em que Deus dirigiu o seu povo visivelmente através de sinais, maravilhas e coisas semelhantes. Sa­ bemos que, no livro de Atos, houve ocasiões em que o Espírito comunicou diretamente sua vontade aos apóstolos para dirigi-los de uma nação para a outra. Mas o principal meio pelo qual a vida cristã deve ser dirigida é pelo Livro do Espírito. A “lâmpada para os nossos pés” é a lei de Deus. Em outras palavras, devemos ser dirigidos pelos princípios que Deus revela para o nosso comportamento. Alguns destes princípios implicam o sermos planejadores e mordomos responsáveis de nosso futuro. De um lado Jesus diz: “não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo quanto ao que haveis de ves­ tir” (Mt 6.25). Ao mesmo tempo, Jesus nos encoraja a colocar nossa confiança no cuidado de Deus por nós no amanhã e a deixar nossas ansiedades para trás. Com isto Jesus não ensina que não devemos estabelecer objetivos. Pelo contrá­ rio, em suas parábolas ele diz: “...qual de vós, pretendendo construir uma torre, não se assenta primeiro para calcular a despesa e verificar se tem os meios para concluir? ...Ou qual é o rei que, indo para combater outro rei, não se assenta primeiro para calcular se com dez mil homens poderá enfrentar o que vem contra ele com vinte mil ?” (Lc 14.28,31). Isso envolve um tipo de estabele­ cimento de objetivos através dos quais analisamos a situação. Avaliamos as van­ tagens e desvantagens do desenvolvimento de determinada ação e planejamos de acordo com ela. Viver responsavelmente envolve o estabelecimento de objetivos, objetivos que sejam coerentes com os princípios bíblicos. No meu entendimento, o que o Espírito faz é primeiramente nos dirigir para viver e pros­ seguir para o alvo que Deus estabelece para as nossas vidas. Paulo coloca isso da seguinte forma: “esquecendo-me das cousas que para trás ficam, e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3.13,14). Isto é falar em objetivos. Prosseguir para o alvo é prosseguir em direção aos propósitos de Deus para nossa vida. • O q u e a Bíblia q u e r dizer q u a n d o afirma q u e d e v e m o s es p erar n o S e nh o r? Muitas vezes pensamos que essa admoestação das Escrituras significa que devemos adiar certas atividades até que recebamos alguma orientação definiti­ va ou um sinal concreto de Deus. A ordem para esperar no Senhor foi dada ao povo de Deus numa ocasião particular da história — a Israel no Antigo Testa­ mento e à igreja no Novo Testamento. No Antigo Testamento, Deus prome­ te ir adiante de seu povo e eles não deveriam mudar o seu acampamento até que o sinal fosse dado por Deus. Portanto, aquela ordem é para não se pre­ cipitar num empreendimento até que você saiba que Deus está nele. No Novo Testamento, vemos a ordem de Jesus para a igreja esperar em Jerusalém antes de sair para cumprir a grande comissão. Ele lhes diz para esperar até que o Espírito Santo seja derramado sobre eles. Uma vez que o Espírito Santo fosse derramado sobre a igreja, então ela teria sua ordem de marcha e poderia sair. Portanto, temos situações históricas nas quais Deus está claramente no comando, dando orientação direta e imediata ao seu povo. Hoje, como cristãos do século XX, nossa orientação básica vem do en­ sino das Escrituras, e vivemos pelos princípios revelados nas Escrituras. Creio que é muito importante pesquisar as Escrituras para ter certeza de que o que estamos fazendo e o que pretendemos realizar atende os padrões e princípios que Deus estabelece para nós nas Escrituras. E isso que penso que esperar no Senhor significa — não esperar por algum sinal especial de aprovação, nem sentar inativo. Mas ter certeza de que o que estamos fazen­ do atende os princípios bíblicos. • A f ir m a p a ra a q u a l t r a b a l h o p a s s o u r e c e n t e m e n t e p o r u m a r e u n i ã o d e avaliação para p l a n e j a m e n t o de l o n go prazo, estabe le ce nd o objetivos para noss a firma. Ao fazer isso, com ecei a revisar os objetivos q u e t e n h o para m i ­ n h a vida e m i n h a carreira e e sto u r e a l m e n t e l u t a n d o e p e n s a n d o c o m o posso desenvolver e m m i n h a vida a q u e ­ les objetivos q u e a t e n d e m aquilo q u e Deus p lan e jo u para m i m . C o m o p o s s o viv er m i n h a vid a de m a n e i r a q u e m e l h o r o glorifique? O princípio de estabelecer objetivos, estabelecer um alvo pelo qual lu­ tar, é uma coisa saudável e tem muitos antecedentes bíblicos. Pessoas que vagueiam sem destino, sem um objetivo definido tendem a se esforçar em vão e a serem levadas para diante e para trás por todo vento de doutrina. Creio que o próprio princípio de estabelecer objetivos é um objetivo santo. Mas precisamos qualificá-lo. Sem dúvida, Tiago nos diz que não devemos afirmar com muita confiança que no próximo ano faremos isso ou aquilo, mas que deveríamos dizer: “Deo volente”, “se Deus quiser”. Como disse Paulo: “Eu planejei ir, eu tinha o objetivo de ir e visitá-los, mas fui impedido pela providência. Foi impossível para mim ir visitá-los, Deus tinha outros p l a n o s Mesmo o apóstolo Paulo nem sempre sabia quais eram os planos de Deus para sua vida, e isso deve nos dizer alguma coisa. Gastamos tanto tempo tentando descobrir o conselho secreto de Deus quando, por todos os propósitos práticos, isso não é da nossa conta. Embora haja ocasiões em que precisamos saber se certa coisa tem ou não tem a aprovação de Deus, podemos exagerar nossa procura pelo conselho de Deus. A primeira coisa que Deus deseja para minha vida é a minha santifica­ ção. Deus me chama para a obediência. Este é o meu objetivo. Agora, como estabeleço objetivos para isso? Eu os estabeleço à luz dos princípios que são colocados para mim nas Escrituras, de modo que, quando estou estabe­ lecendo objetivos para meu desenvolvimento espiritual ou da minha famí­ lia, quando os estou estabelecendo para minha vocação, o que devo pergun­ tar a mim mesmo é: “Estes objetivos estão de acordo com os princípios de obediência que Deus já revelou em sua Palavra ?” O que agrada a Deus não é um mistério tão grande assim: Ele nos deu páginas e páginas de instrução sobre o que o agrada. E, portanto, o objetivo fundamental de nossas vidas é sermos fiéis ao servi-lo. Há uma grande amplitude nos inúmeros objetivos específicos que podemos alcançar — na carreira, na família, nos passatempos — à medida que seguimos os alvos para uma vida santa como estão estabelecidos nas Escrituras. • Se a l g u é m q uise sse ler três livros cristãos d u r a n t e este ano, quais o sr. rec o m en d a ria ? Certa vez fiz um trabalho para uma revista cristã analisando toda a ques­ tão de publicações cristãs. Nesse ensaio, expressei a profunda preocupação que tenho com o descaso que existe em nossos dias com os grandes trabalhos dos clássicos do cristianismo. Parece que fomos pegos num problema econômico no qual as pessoas desejam literatura simples que possam digerir rapidamente; elas não parecem desejosas de meditar sobre um material mais difícil. Por isso, muitos dos editores e livrarias cristãs desencorajam tanto a publicação quanto a propaganda da grande literatura cristã do passado. Creio que isso é uma vergonha para nós, e é também uma grande perda. Se há alguém realmente pensando seriamente em ler três livros esse ano, eu recomendaria algo como as Instituías de Calvino, Bondage ofthe Will (Servidão da Vontade) de Martinho Lutero, talvez o trabalho de Atanásio sobre a encarnação de Cristo, ou algo como a Cidade de Deus de Agos­ tinho, ou mesmo as Confissões de Santo Agostinho. Há tantos professores nesse mundo e parece que não estamos nada preo­ cupados a respeito de quem escolhemos como nossos professores. Eu não quero ser operado por qualquer médico. Quero ter certeza de que o meu médico iüiU Q T EÇ A AUBREY ÇLARK sabe sua medicina e está interessado em mim. Quando procuro por ensino ou instrução teológica, quero estar certo de que aquele que está me ensinando sabe a matéria e ama a Deus. Estas são as duas coisas que desejo encontrar em meus professores. E terrível saber de certas pessoas cujos livros têm uma saída meteórica e depois desaparecem da cena. Talvez eu seja muito tradici­ onal, mas gosto do material que passou pelo teste do tempo, e de gigantes da fé como Agostinho, Atanásio e Tomás de Aquino, Calvino, Lutero e Edwards. Estes são os autores cujos livros eu mais recomendaria. No ensaio que fiz, disse que estaria perfeitamente disposto a ter todos os meus livros queimados e enterrados — colocados no porão das livrarias — se eles fossem substituídos pelos grandes mestres, porque sou apenas um anão em pé no ombro dos gigantes, e tenho certeza de que Jim Packer e Jim Boice e Charles Colson e Chuck Swindoll e outros homens cujos livros têm sido largamente distribuídos entre os cristãos, fariam a mesma coisa. Eles também alegremente desprezariam os seus livros se pudessem persuadir as pessoas a estudarem os grandes mestres. • Q u a l a m e l h o r fo rm a de pr o lo n g ar u m a vida cristã útil à m e d i d a q u e e nvelheço? Atrás dessa pergunta está o tormento das pessoas que alcançaram uma certa idade na qual a sociedade lhes diz que não são mais capazes de contri­ buir de forma útil. Temos uma lei que determina que devemos nos aposen­ tar aos sessenta e cinco anos. Mas temos exceções — temos tido presiden­ tes da república mais velhos do que isso. De certa forma, nossa sociedade se centraliza nos jovens e parece, na melhor da hipóteses, tratar com con­ descendência os cidadãos mais velhos. Sabemos que com a idade chegam certas enfermidades e que há ocasi­ ões em que as pessoas não podem mais exercer as tarefas que estavam acos­ tumadas a realizar quando eram mais moças. Isso não significa que sua utilidade no reino de Deus tenha chegado ao fim. Na Bíblia existe uma ênfase em se dar honra aos mais velhos porque eles merecem essa honra. Fico muito comovido com isso. Dificilmente posso ver uma pessoa com cabelos grisalhos sem ter um enorme sentimento de respeito por ela, se não por outra razão, ao menos pelo fato de que essas pessoas perseveraram e sobreviveram. Talvez nem sejam cristãs, mas de alguma forma lutaram pela vida. Vi um homem assim outro dia e pensei: “Imagino quantas vezes ele foi ao dentista? Imagino quantas vezes ele esteve debaixo do bisturi de um cirurgião ? Imagi­ no quantas tragédias ele testemunhou e experimentou em sua família e em sua vida? Entretanto, ele ainda está sendo útil em nossa sociedade”. Quando estava lecionando numa faculdade, havia um homem na cidade que era missionário aposentado. Ele havia permanecido no campo missio­ nário por cinqüenta anos. Isso é um longo tempo. Durante cinqüenta anos ele havia se entregado de corpo e alma. Passou cinco anos num campo de prisioneiros, longe de sua esposa que estava encarcerada num campo dife­ rente. E, finalmente, quando não era mais capaz de servir no campo missi­ onário, ele se aposentou, por assim dizer. O que ele fez, até o dia de sua morte, foi levantar-se todas as manhãs e passar oito horas por dia em ora­ ção. Seu corpo funcionava com dificuldade, mas ele dizia: “Eu ainda posso pensar, eu ainda posso falar, eu ainda posso orar.” Portanto, ele se devotou a um ministério de oração — oito horas por dia. Isso era tão importante que nós, que vivíamos naquela cidade, não conhecíamos nenhum privilégio maior do que saber que aquele homem orava por nós — porque ele sabia como orar, ele era um autêntico guerreiro da oração. Eu lhe faço a pergunta: Seu ministério era útil? Talvez os anos mais úteis de sua vida tenham sido os últimos anos, quando ele se tomou um guerreiro da oração. Creio que a chave para permanecermos úteis à medida que envelhece­ mos é nos concentrarmos, não naquilo que não mais podemos fazer, mas naquilo que ainda podemos fazer. Nunca saberemos se Deus reservou al­ guns de seus melhores dons e habilidades para você até os seus últimos anos. Algumas pessoas gastam a maior parte de suas vidas aprendendo e acumulando sabedoria e durante os seus últimos anos têm a oportunidade de compilar e ensinar lições de vida, quer através do próprio magistério, quer através de escritos e conferências. Algumas das pessoas mais apropri­ adas para gastar tempo ouvindo e amando outras pessoas são aquelas que não estão mais sobrecarregadas com carreiras ou criando famílias. Na ma­ ravilhosa economia de Deus há sempre trabalho para fazer e amor para dar. Mas, às vezes, esse trabalho e esse amor não são reconhecidos pela visão distorcida da sociedade. C O M P R E E N D E N D O SATANÁS “Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar; resisti-lhe firm es na fé, certos de que sofrimentos iguais aos vossos estão se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo.” — 1 P e d r o 5 .8 ,9 Perguntas dessa seção: • Em Isaías 45.7, Deus diz: “Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o m a r. Por que ele criou Lúcifer? • A Bíblia diz que todo poder é dado por Deus. Como então podemos expli­ car o poder que Satanás e homens como Hitler tiveram no passado? • Satanás recebeu o poder de domínio sobre a terra até a volta de Jesus? • À luz da soberania de Deus, qual deveria ser a atitude ou resposta do cristão quando ele ou ela está sujeito aos ataques de Satanás? • O diabo pode ler a minha mente? • Por que falamos de Satanás em termos tão cômicos como um homem vestido numa roupa vermelha com um forcado na mão quando, na reali­ dade, ele é o inimigo de nossas almas? • Em Isaías 45.7, Deus diz: "Eu form o a luz t crio as trevas; faço a paz e crio o mal". Por q u e ele criou Lúcifer? Deixem-me primeiro comentar o texto. Esse é um dos textos mais mal compreendidos da Bíblia. Parte do problema está no inglês elizabetano encontrado na versão antiga King James. A outra parte do problema está na tradução do hebraico. O hebraico tem cerca de sete palavras distintas que podem ser traduzidas pela palavra mal em português. Há muitos tipos dife­ rentes de mal. Existe um mal moral. Há o que poderíamos chamar mal metafísico — a finitude, por exemplo. Sempre que a Bíblia fala em Deus trazendo mal sobre seu povo, é mal do ponto de vista do povo. Quando o fogo caiu sobre Sodoma e Gomorra, o povo não viu isso como uma coisa boa. Foi uma notícia má. Mas, em última análise, foi bom porque foi uma expressão do julgamento de Deus sobre a iniqüidade deles. Foi uma punição realizada pela mão de Deus sobre o mal. Isso não significa que Deus fez alguma coisa errada, ou alguma coisa moralmente má visitando-os com julgamento. Além disso, o texto de Isaías é escrito numa forma poética. Ele usa paralelismo, o padrão de poesia comum no judaísmo do Antigo Testamen­ to. Existem tipos diferentes de paralelismo. Um exemplo ocorre na Oração Dominical, quando Jesus diz: “não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do m ar. Esses dois pensamentos são paralelos e basicamente sinônimos; estão dizendo a mesma coisa, apenas com palavras diferentes. Encontramos es­ ses paralelismos com freqüência nos Salmos. Em Isaías 45, por exemplo, temos duas afirmações próximas uma da ou­ tra, que são um paralelismo antitético. O primeiro versículo diz: “Eu formo a luz e crio as trevas” (Is 45.7). Luz e trevas são opostos, são contrastes, são uma antítese um do outro. Por isso é chamado de paralelismo antitético. A afirmação seguinte tem o mesmo tipo de antítese, mas como está formulada? faço a paz e crio o mal”. Não parece certo, porque em nosso vocabulário, paz e mal não são antônimos. Enquanto luz e trevas são opos­ tos, estes dois não são. O que o texto está dizendo é que, da mesma forma que Deus derrama boas coisas sobre esse mundo, ele também traz calami­ dades em seu julgamento. O texto não está falando sobre criação original. Infelizmente essa linguagem persiste nessa tradução. Agora, por que ele criou Lúcifer? Eu não sei, mas Lúcifer não foi criado mau. Devemos nos lembrar que Lúcifer foi criado como um anjo — que posteriormente se rebelou contra o céu. • A Bíblia diz q u e t o d o p o d e r é d a d o p o r Deus. C o m o e n ­ t ã o p o d e m o s ex p li ca r o p o d e r q u e S a t a n á s e h o m e n s c o m o Hitler tiv eram n o pa ssado? Deus está dizendo não apenas que ele é onipotente, todo poderoso em si e por si mesmo, mas também que ele é a fonte de todo poder e de toda autorida­ de nesse mundo. Portanto, o próprio diabo é subordinado e dependente de Deus para qualquer poder e autoridade que ele exerça nesse mundo. A pergunta que você está levantando não é diferente da pergunta que o pro­ feta Habacuque fez enquanto permanecia em sua torre de vigia e se queixava contra Deus porque ele estava vendo uma nação estrangeira, conhecida por sua inexprimível crueldade, atacar e matar o povo judeu — o próprio povo de Deus. Habacuque lembrou a Deus que ele era tão puro que não podia nem mesmo contemplar a iniqüidade. Como podia Deus permitir que esse poder estrangeiro, esse poder perverso fosse usado dessa maneira? Basicamente Deus respondeu o seguinte: “ Espera um pouco, não usei essa nação inimiga como instrumento para punir Israel, porque Israel é mais perverso do que essa outra nação. Estou apenas fazendo uso dela para castigar meu próprio povo que tão abundantemen­ te o merece. Mas essa outra nação também terá o seu castigo.” Eis porque deve­ mos ser muito cuidadosos ao falarmos que Deus está sempre do nosso lado. Ele pode levantar a China para punir o nosso país como um instrumento de julga­ mento contra nós — porque todo poder está em suas mãos. Quando eu estava estudando na Europa na década de sessenta, embora estivés­ semos vinte anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, as livrarias em Amsterdã estavam cheias de literatura sobre a Segunda Guerra Mundial. As me­ mórias ainda eram muito vívidas e agudas para esses povos que sofreram muito mais do que nós sofremos naquela ocasião. Lembro-me de ter lido um livro que era o resultado de uma divulgação de documentos secretos de arquivos e que se intitulava Hitler, the Scourge ofEurope (Hitler, o Flagelo da Europa), no qual documentos particulares de Hitler foram fotocopiados e impressos. Um deles era uma inscrição antiga do seu diário que estava rabiscado com a letra do próprio Hitler: “Esta noite fiz uma aliança com Satanás.” Ele não estava brincando. Houve um esforço sério de Adolf Hitler para garantir a participação ou assistência do príncipe das trevas nos programas que ele estabeleceu. Obviamente, tudo isso acon­ teceu debaixo da soberania de Deus. Deus teve suas razões para permitir que aqui­ lo acontecesse em determinada ocasião, mas certamente ele reserva aquele mo­ mento no qual seu julgamento poderoso cairá sobre Satanás e sobre pessoas como Hitler, e o poder de Deus será finalmente demonstrado. • Satanás recebeu o p o d e r de d o m í n i o sobre a terra até a volta de Jesus? Em caso afirmativo, p o r q u e lhe foi d ada essa a u t o r i d a d e ? Há apenas um supremo Senhor sobre todo o mundo, e esse é Deus. O Antigo Testamento nos diz que esse conceito global de domínio foi com­ partilhado com Adão e Eva. Ao ser humano foi dado o domínio sobre a terra para ser o viee-regente de Deus, isto é, vice-rei para representar o reinado de Deus sobre esse planeta. De fato, fizemos uma terrível confusão com tudo isso, e fomos mais e mais subjugados ao poder de Satanás. Esse poder de Satanás, foi enfrentado não apenas com um golpe significativo, mas com um golpe fatal por Cristo em sua encarnação. Somos ensinados, antes de tudo, que Deus, o Pai, dá a Jesus toda autori­ dade no céu e na terra. Em sua ascensão, Cristo está assentado à mão direita de Deus onde ele é coroado Rei dos reis e Senhor dos senhores. Esse foi um golpe tremendo sobre todos os poderes mundanos ou satânicos, principa­ dos e iniqüidade espiritual nos lugares altos. Portanto, se você me pergunta quem está no domínio desse mundo agora, creio que o Novo Testamento é perfeitamente claro sobre isso. Aquele que está com o domínio é o Senhor. O Senhor Deus onipotente reina e Cristo o Senhor reina sobre esse mundo agora. Seu reino pode não ser desse mundo, mas certamente inclui esse mundo, e Jesus tem toda autoridade sobre o céu e a terra. Nesse exato momento, enquanto discuto essa pergunta, a autoridade e o poder de Satanás são limitados e subordinados à autoridade que é investida em Cristo. Exatamente agora Cristo é o Rei dessa terra. Seu reino é invisível e nem todos o reconhecem. As pessoas estão se submetendo cada vez mais e dando maior obediência ao príncipe das trevas do que ao Príncipe da Paz, mas isso é um ato de usurpação de Satanás. Seu poder é restrito, limitado e temporal. Resumidamente, o que aconteceu foi o seguinte: O poder e a autoridade de Satanás sofreram um golpe fatal de Cristo. A cruz, a encarnação, a ressurreição e a ascensão enfraqueceram tremendamente qualquer poder ou autoridade que Satanás gozasse, mas não o aniquilou. Isso virá depois, quando Cristo completar sua obra de redenção com a consumação de seu reino. Todas as coisas serão trazidas em cativeiro a ele, e todo joelho se dobrará diante dele, inclusive os anjos caídos que se curvarão em submissão à sua autoridade. • A luz da soberania de Deus, q u a l deveria ser a a ti t u d e ou rep osta de u m cristão q u a n d o este estiver sujeito aos a t a ­ q u e s de Sataná s? Uma das dificuldades que o cristão tem, é reconhecer uma investida de Satanás quando ela acontece. Lembre-se que Satanás é um ser angélico, é um ser espiritual e é invisível. Nem sempre é fácil discernir a presença do inimigo, embora o Novo Testamento nos advirta de que a luta na qual esta- mos envolvidos não é contra carne ou sangue, mas contra os principados e potestades e contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais, inclu­ indo ataques de fontes satânicas. Martinho Lutero sentiu o ataque furioso de Satanás a tal ponto em certas ocasiões de sua vida que ele era quase tangível. Pelo menos numa ocasião, ele agarrou seu tinteiro e o atirou do outro lado do quarto, supos­ tamente contra Satanás. Ele não podia realmente ver a presença de Sata­ nás, mas tinha certeza de que estava experimentando a opressão e o ata­ que desenfreado do príncipe das trevas, o inimigo mortal de todos os cristãos. Portanto, um dos grandes problemas, sem dúvida, é saber quan­ do isso está acontecendo. A Bíblia nos adverte de que Satanás se disfarça como um anjo de luz; isto é, ele se manifesta sob os auspícios do bem. Satanás não sai por aí parecendo uma pessoa caricata, grotesca, vestido numa roupa de flanela vermelha com chifres e um forcado, ao contrário, ele é muito mais sedutor e inteligente do que isso, aparecendo, como as Escrituras nos dizem, como um anjo de luz para enganar, se possível, até os eleitos de Deus. Portanto, devemos estar atentos para as sutilezas daquele que é o príncipe das trevas e o príncipe da falsidade. Satanás é descrito como o acusador, o mentiroso e o tentador. Nós o vemos mentindo, distorcendo a verdade, nós o vemos envolvido na tenta­ ção e acusando os santos. Na época atual, o Espírito Santo nos convence do pecado de modo que nós o reconheçamos e nos arrependamos dele. Se estamos perturba­ dos a respeito de algum pecado, pode ser o Espírito Santo trabalhando em nós, ou pode ser Satanás nos acusando. Como reconhecer a diferen­ ça? Basicamente sabemos que há algo doce e positivo na convicção do Espírito Santo. O objetivo do Espírito é nos trazer à razão. Ele nos toma humildes, ele nos leva a um coração contrito, mas ele não nos aniquila. Satanás tenta nos levar ao desespero. Nossa desesperança e destruição são os seus objetivos, e um dos primeiros métodos que ele usa para con­ seguir tais objetivos é a acusação. As Escrituras nos dizem, em 1 Pedro 5.8, que Satanás anda ao redor como um leão rugindo procurando devo­ rar quem ele deseja. Entretanto, outra imagem que temos é a de Satanás fugindo com o rabo entre as pemas quando as Escrituras nos dizem que se nós resistirmos, ele fugirá de nós. Aqui precisamos da armadura de Deus, a Palavra de Deus e a aplicação dessa Palavra através do poder do Espírito, e temos a promessa de que Satanás fugirá. • O diabo p o d e ler a m i n h a m e n t e ? Não consigo ter certeza de maneira nenhuma, mas também não tenho um conhecimento exaustivo dos poderes de Satanás. Sei que Satanás tem mais poder do que poderíamos normalmente encontrar entre os seres huma­ nos. Ao mesmo tempo, sei que Satanás não é divino; ele não é Deus e não tem atributos nem poderes divinos. Ele é uma criatura com as limitações que são normalmente encontradas nas criaturas. Ele é um anjo. A Bíblia não nos dá uma lista completa dos poderes dos anjos. Ele são mais poderosos que as pessoas, mas muito menos poderosos do que Deus. Obviamente, Deus pode ler nossas mentes. Deus é onisciente. Ele conhece seus pensamentos. Ele conhece seus pensamentos assim que você os pensa — “Ainda a palavra me não chegou à língua, e tu, SENHOR, já a conheces toda” (SI 139.4). A tendência dos cristãos é pensar que desde que Deus é um ser sobrenatural e pode ler nossas mentes, então Satanás, que também é um ser sobrenatural também deve ser capaz de ler as mentes. Mas os poderes de Satanás não são iguais aos de Deus. Uma pergunta semelhante seria: Satanás pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo? Eu estou inclinado a dizer que não. Duvido que durante a minha vida eu tenha que me preocupar a respeito de Satanás ler a minha mente, porque, provavelmente, nunca o encontrarei. Ele só pode estar em um lugar de cada vez. Ele é uma criatura, e criaturas, por definição, são limitadas em tempo e espaço. Portanto, Satanás não pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Ele tem todos os seus pequenos assistentes juniores e pode mandar um deles para me atormentar, e para tentar você e acusá-lo, mas terá que economizar seu tempo e energia para pessoas de maior influência do que eu. Satanás centralizou seus ataques em Jesus no Novo Testamento. Durante a tenta­ ção de Cristo, ele falou com Jesus. Ele sabia o que Jesus estava pensando por causa daquilo que Jesus disse. Mas além disso, não vejo nenhuma razão para crer que ele possa ler sua mente ou a minha. Isso pode não ser necessariamente um poder divino. Ele pode ser capaz de fazê-lo, mas não tenho nenhuma razão para crer que ele possa. • Por q u e r e p r e s e n t a m o s Satanás de m o d o tão c ô m ico c o m o u m h o m e m v estido n u m a r o u p a v e r m e lh a c o m u m forca­ do quan d o, na realidade, ele é o inimigo de nossas almas? Obviamente, mesmo uma leitura rápida das Escrituras indica que essa visão de Satanás é estranha à Bíblia. A Bíblia de forma nenhuma apresenta Satanás em trajes cômicos, mas ao contrário, o descreve como alguém que se apresenta mascarado como um anjo de luz. Não existe nada de leviano nem de tolo a seu respeito. Sob o disfarce de bondade, ele simula a bondade e pode seduzir as pessoas não apenas por sua esperteza mas também por sua aparente beleza. Penso que a última forma na qual poderíamos esperar que Satanás se apresentasse seria numa roupa vermelha de lã, que causa coceira, com cas­ cos enluvados e chifres, um rabo e um forcado. De onde surgiu essa descri­ ção e porque temos essa imagem de Satanás com uma aparência tão tola? Na Idade Média o povo de Deus era muito preocupado com a influência de Satanás em suas vidas. Eles eram fervorosos em sua tentativa de preservar suas almas de seu arquiinimigo, que tentaria destruí-los. A igreja tratou, com grandes detalhes, de ritos e rituais de exorcismo contra espíritos ma­ lignos. Eles invocavam certos anjos, como São Miguel para proteger as pessoas dos ataques de Satanás. Também formularam a idéia de que o pon­ to mais vulnerável de Satanás, o ponto que causou sua queda do céu para começar, era o seu orgulho. A Bíblia dá imagens diferentes de Satanás. Ela diz que ele anda como leão que ruge, procurando devorar aqueles a quem ele deseja. Jesus disse a Simão: “Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo” (Lc 22.31). Recebemos essa imagem de um poder esmagador de Satanás. Entretanto, a outra imagem sobre a qual as Escrituras nos falam é de: “resisti ao diabo e ele fugirá de vós” (Tg 4.7). Portanto, em minha imaginação, eu o vejo como esse leão rugindo, que rosna ferozmente, mas quando você resiste a ele, ele foge com o rabo entre as pernas. A igreja pensou que a melhor maneira de se ver livre dos ataques de Satanás era ridicularizá-lo, insultar seu orgulho. Formularam, então, essas caricaturas ridículas para conseguir isso. O que aconteceu foi que a geração seguinte viu as caricaturas e os cartazes grotescos e disseram que nossos pais realmente criam que o diabo era daquele jeito. Sem dúvida isso não era verdade — eles sabiam muito bem que o diabo não era assim — mas nós recebemos a tradição sem a explicação. CÉU E INFERNO “A cidade não precisa nem do sol, nem da lua para lhe darem claridade, pois a glória de Deus a iluminou... As nações andarão mediante a sua luz, e os reis da terra lhe trazem a sua glória. Nela, nunca jam ais penetrará cousa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e mentira, mas somente os inscritos no livro da vida do Cordeiro.” — A p o c a l i p s e 2 1 .2 3 ,2 4 ,2 7 Perguntas dessa seção: • Os santos do Antigo Testamento tinham certeza de uma vida pessoal de­ pois da morte? • Os judeus crentes do Antigo Testamento foram para o céu, ou havia uma “sala de espera” para eles até a morte e ressurreição de Jesus? • A Bíblia nos diz como será o céu? • Se o céu é o destino último para o cristão, por que a Bíblia apresenta tão pouca descrição a seu respeito? • Existem graduações no céu pelas quais, como resultado de uma vida de boas obras, um cristão tem uma posição mais alta ou uma qualidade de vida melhor do que alguém que escapa por um fio no último suspiro? • Nós nos reconheceremos uns aos outros no céu? • O que acontece aos animais quando eles morrem? • Uma pessoa que comete suicídio poderá entrar no céu? • Quando uma pessoa morre, para onde vão seu espírito e seu corpo até a Segunda Vinda? • O que acontece com as crianças que morrem antes de poderem aceitar o evangelho? • O que dizer dos milhões de bebês abortados a cada ano no mundo, onde eles passarão a eternidade? • O rei Saul foi a uma feiticeira que invocou o espírito de Samuel. Isso significa que as pessoas hoje também podem invocar o espírito de seus mortos, ou esse episódio foi um ato único de Deus? • Como o sr. explica as experiências fora do corpo, de algo semelhante a um túnel que muitas pessoas afirmam ter tido antes de serem reanimadas? • Qual a primeira coisa que o sr. gostaria de saber quando chegar ao céu? • Aqueles que nunca ouviram falar de Cristo vão para o inferno? • Como seria a sua descrição pessoal do inferno, e, do lado oposto, como seria a do céu? • Os sa n to s d o Antigo T esta m e nto t i n h a m certeza de u m a vida pessoal depois da m o r te ? Algumas formas de judaísmo contemporâneo não incluem uma crença na vida depois da morte. Sabemos que na época de Jesus havia um grande debate sobre esse assunto entre dois partidos da nação judaica, os fariseus e os saduceus. Poderíamos pensar que aqueles que eram líderes em Israel deveriam concordar a respeito de um ponto como esse se ele tivesse sido explicado com clareza absoluta no Antigo Testamento. Certamente, um dos debates entre esses dois partidos era sobre o que constituía o Antigo Testamento. Seria ele formado apenas dos cinco pri­ meiros livros de Moisés ou incluiria tudo aquilo que os cristãos hoje con­ sideram ser o Antigo Testamento — os Profetas e os Livros Poéticos (Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos - N.T.). O conceito de vida após a morte no Antigo Testamento (indicado fre­ qüentemente pelas referências ao Sheol) é um tanto vago e indeciso; a morte é descrita como um lugar além do túmulo para onde vão as pessoas boas e más. A clareza com que o Novo Testamento proclama a vida depois da morte não é encontrada com a mesma dimensão no Antigo Testamento. Creio que o conceito está lá, e se você estudar os Profetas Maiores, particularmente Isaías, verá que o ensino sobre a vida depois da morte está claramente apresentado no Antigo Testamento. Entretanto, estou olhando o Antigo Testamento com o benefício da informação que recebo através do Novo Testamento. Sem dúvida houve um grande número de pessoas que leram o mesmo Antigo Testamento e não viram as referências à vida depois da morte com tanta clareza. Durante a luta de Jó com seus sofrimentos terrenos, ele per­ guntou: “Morrendo o homem, porventura tornará a viver?” (Jó 14.14). Ve- mos, mais tarde, que Jó diz numa nota de triunfo e como expressão de con­ fiança e fé: “Porque eu sei que meu Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra... os meus olhos o verão” (Jó 19.25). Os cristãos têm se lem­ brado disso e dito: Bem, se Jó é tão confiante de que um redentor o livrará em algum futuro distante, então, obviamente isso é uma expressão muito antiga de confiança na vida depois da morte. Mas a palavra em Jó que foi traduzida como “redentor” na realidade significa “justificador ou defen­ sor.” Jó está dizendo simplesmente que ele está certo de que sua inocência será demonstrada. Agora, se na mente de Jó isso incluía ou não uma justifi­ cação final no céu, é novamente uma questão sujeita a debates. Entretanto, a confiança de Davi em sua futura reunião com a criança que morreu é uma indicação clara de sua confiança numa vida depois da morte. A realidade de uma vida futura após a morte não era desconhecida entre os santos do Antigo Testamento. Simplesmente isso não estava tão claro como está no Novo Testamento. • Os j u d e u s c re n te s d o Ant igo T e s t a m e n t o f o r a m p a ra o céu, o u havia u m a "sala de espera" para eles até a m o r t e e ressurreição de Jesus? De um lado, o ensino do Antigo Testamento sobre vida depois da morte é um tanto vago. Ouvimos o uso da palavra Sheol, que parece incorporar tanto os elementos negativos quanto os positivos da vida depois da morte. Sem dúvida encontramos referências mais claras ao céu no Novo Testamento, mas muitas passagens do Antigo Testamento, inclusive alguns Salmos de Davi e partes do livro de Isaías chamam atenção para a realidade do céu. As pessoas fiéis daquele tempo foram para o céu, ou para uma sala de espera? A Igreja Católica Romana tem uma doutrina do limbo, da qual já ouvimos falar, especialmente no que diz respeito às crianças. O conceito mais amplo, inclui o “limbo dos pais” — um lugar para onde as pessoas do Antigo Testamento que morriam na fé, tinham que ir e esperar até que Cris­ to completasse sua obra de redenção na cruz. Há uma ligação entre essa posição, que é aceita em muitos círculos, e a referência enigmática dos escritos de Pedro sobre o que aconteceu a Jesus após a sua morte — que ele foi e pregou aos espíritos em prisão (IPe 3.19). Algumas pessoas interpretam “espíritos em prisão” como sendo santos do Antigo Testamento que estavam sendo mantidos cativos até que a obra de Redenção de Cristo fosse completada. Jesus os libertou para entrarem no para­ íso com ele. Jesus era o “primogênito dos mortos”; ele foi primeiro ao lugar dos mortos e conduziu os cativos levando-os para o seu futuro estado de glória. Estou inclinado a pensar que os santos do Antigo Testamento tiveram acesso imediato ao paraíso porque o próprio céu é chamado de “seio de Abraão” no Novo Testamento. Não seria um termo descritivo próprio para o céu se esse fosse um lugar do qual Abraão está ausente. Também, baseado na teologia de nossa doutrina da redenção, creio que Paulo ensina em Romanos 3 e 4 que a salvação ocorre exatamente da mes­ ma forma tanto no Antigo quanto no Novo Testamentos — pela fé. A única diferença é que, no Antigo Testamento a fé era numa promessa futura que ainda não tinha sido cumprida. O povo creu, e quando creram foram justifi­ cados e considerados dignos de estarem na presença de Deus. No Novo Testamento olhamos para trás, para uma obra já realizada. Sabemos que os sacrifícios do Antigo Testamento não tinham nenhuma eficácia em si mes­ mos; representavam a futura obra de Jesus que finalmente pagou por todos os pecados. Uma vez que a salvação vem a nós na base dos méritos de Cristo, não vejo nada que pudesse impedir Deus de abrir os portões do céu antes da cruz, embora ele o faça à luz da cruz. • A Bíblia n o s diz c o m o será o céu? Quando eu estava no seminário, estudei com um professor extrema­ mente competente e estava convencido, na ocasião, de que ele sabia a res­ posta para todas as possíveis perguntas teológicas. Lembro-me de que eu estava tão maravilhado com ele que certo dia lhe perguntei, com brilho nos olhos: “Como é o céu?” Fiz a pergunta como se ele tivesse estado lá e pu­ desse me dar uma descrição em primeira mão! Imediatamente ele dirigiu meus passos para os dois últimos capítulos do Novo Testamento, Apocalip­ se 21 e 22, no qual temos uma imagem visual extensa de como é o céu. Alguns descartam estes capítulos como sendo puro simbolismo, mas deve­ mos nos lembrar que os símbolos, no Novo Testamento, apontam para além de si mesmos para uma realidade mais profunda e melhor do que a que eles descrevem. E aqui que lemos sobre as ruas de ouro e os grandes tesouros de jóias que adornam a Nova Jerusalém que desce do céu. Na descrição da Nova Jerusalém ouvimos que não há sol, nem lua, nem estrelas, porque a luz que irradia da presença de Deus e do seu Ungido é suficiente para iluminar tudo pela fulgurância de sua glória. Sabemos que não existe morte, não existe dor e Deus enxuga as lágrimas de seu povo. Lembro-me de ter tido, durante a minha infância, aquela experiência delicada (pouco acessível aos adultos) na qual, quando eu arranhava meu joelho ou alguma coisa não corria bem, e eu entrava chorando em casa, minha mãe se inclinava e enxugava as lágrimas dos meus olhos. Eu sentia um grande consolo com aquilo. Mas, sem dúvida, quando minha mãe enxu­ gava minhas lágrimas, sempre havia possibilidade de eu chorar outra vez no dia seguinte. Mas no céu, quando Deus enxugar as lágrimas dos olhos de seu povo, isso será o fim das lágrimas — nunca mais haverá lágrimas. Por­ tanto, o céu é descrito como um lugar de absoluta felicidade cheio da radi­ ante majestade e glória de Deus, onde o povo de Deus foi santificado, onde a justiça é exercida e onde seu povo foi justificado. Não há mais morte, nem doenças nem maldade. Mas há uma experiência de cura em tudo isso. E isso é apenas um lampejo, mas é o suficiente para nos dar um começo. • Se o céu é o d e s t i n o ú l t i m o para o cristão, p o r q u e a Bíblia a p re se n ta tão p o u c a descrição a seu respeito? Não estou certo de que o céu seja descrito tão pouco quanto pensamos. Às vezes sentimos que não existe muita coisa na Bíblia sobre o céu, mas se examinarmos o texto das Escrituras encontraremos uma riqueza de materi­ al que fala no assunto •— particularmente nos ensinos de Jesus no Novo Testamento, assim como no livro do Apocalipse. Talvez não haja tanto ma­ terial sobre o céu quanto gostaríamos de encontrar. Uma vez que ele é o último destino do cristão, pensamos que deveria haver um pouco mais de detalhes sobre a natureza do céu. Daquilo que é descrito nas Escrituras, o céu representa uma mudança radical do que experimentamos nesse mundo. Em outras palavras, há uma enorme descontinuidade entre a vida que vivo nessa terra e aquela que me aguarda no céu. Sempre que temos quebra de continuidade entre experiên­ cias, a única maneira de falarmos significativamente a respeito delas é atra­ vés de algum tipo de analogia. Nunca experimentamos essa vida diferente que chamamos de céu. É muito difícil discutir algo que nunca experimenta­ mos. Creio que é por isso que a Bíblia usa analogias. Os escritores dirão que o céu é como isso ou aquilo porque estão tentando encontrar algum ponto de referência significativo nesse mundo presente que possa falar a nós so­ bre aquilo que “Nem olhos viram, nem jamais ouvidos ouviram nem pene­ trou em coração humano” (ICo 2.9). É aquilo que transcende nossa capaci­ dade de antecipar. Às vezes aprendemos a respeito de alguma coisa descobrindo o que ela não é. Por exemplo, no Apocalipse, a Bíblia nos diz que no céu não há choro, nem dor, nem morte, nem tristeza, nem escuridão. De um lado, não posso imaginar como seria a vida sem qualquer dessas coisas; mas ao mesmo tempo, tenho uma idéia da diferença entre luz e trevas, paz e guerra, alegria e tristeza e assim por diante. Creio que a principal razão pela qual não recebemos mais informação é porque somos muito limitados em nossa capacidade de antecipar aquilo que é muito maior do que podemos sequer imaginar nesse mundo. • Existem gradua ções n o céu, pelas quais, c o m o resu lta d o de u m a vida de boas obras, u m cristão t e m u m a posição m ais alta, o u u m a q u a lid a d e de vida m e l h o r do q u e al­ g u é m q u e escapa p o r u m fio n o ú l t i m o suspiro? Isso pode ser surpresa para muitas pessoas, mas eu responderia a essa pergunta com um sim enfático. Fico admirado de que essa resposta surpre­ enda tantas pessoas. Creio que há uma razão pela qual os cristãos ficam chocados quando digo que há vários níveis de céu, assim como graduações de severidade de punição no inferno. Devemos grande parte dessa confusão à ênfase protestante na doutrina da justificação pela fé somente. Martelamos sobre essa doutrina ensinando enfati­ camente que a pessoa não chega ao céu através de suas boas obras. Nossas boas obras não nos conferem qualquer mérito, e a única maneira pela qual poderemos entrar no céu é pela fé em Cristo, cujos méritos nos são imputados. Enfatizamos essa doutrina até o ponto em que as pessoas concluem que boas obras são insig­ nificantes, e não têm nenhum peso sobre a vida cristã futura. A maneira como o Protestantismo histórico formulou isso é que a única maneira de chegarmos ao céu é através da obra de Cristo, mas temos a promessa de recompensas no céu, de acordo com nossas obras. Santo Agos­ tinho diz que é somente pela graça de Deus que fazemos qualquer coisa que sequer se aproxime de uma boa obra, e nenhuma das nossas ações são sufi­ cientemente boas para exigir que Deus nos recompense. O fato de que Deus decidiu conceder recompensas na base da obediência ou desobediência é o que Agostinho chama de Deus coroando suas próprias obras dentro de nós. Se uma pessoa foi fiel em muitas coisas durante muitos anos, então ela será reconhecida por seu Mestre que lhe dirá: “Muito bem, servo bom e fiel”. Aquele que escapa por pouco no último minuto tem bem poucas boas obras pelas quais pode esperar recompensa. Creio que o intervalo entre a camada um e a camada dez no céu é bem menor do que o abismo entre chegar lá ou não. Alguns colocam isso da seguinte manei­ ra: A taça de todas as pessoas está cheia no céu, mas nem todos têm o mesmo tamanho de taça. Novamente, pode ser uma surpresa para as pessoas, mas eu diria que há pelo menos vinte e cinco ocasiões em que o Novo Testamento ensi­ na claramente que nós seremos recompensados de acordo com nossas obras. Jesus freqüentemente apresenta o tema da recompensa como a cenoura diante dos olhos do cavalo — “grande será a sua recompensa no céu”, se você fizer isso ou aquilo. Somos chamados para trabalhar, para depositar tesouros no céu para nós mesmos, assim como o perverso, “acumula contra ti mesmo ira para o dia da ira” (Rm 2.5), como diz Paulo em Romanos. • Nós n o s re c o n h e c e re m o s u n s aos o u t r o s n o céu? Nenhuma referência bíblica afirma especificamente que nos reconhe­ ceremos uns aos outros. Mas o ensino implícito das Escrituras é tão intenso e poderoso que não creio que haja realmente qualquer dúvida de que sere­ mos capazes de reconhecer uns aos outros no céu. Há um elemento de descontinuidade entre essa vida e a vida vindoura: seremos transformados num piscar de olhos; teremos um novo corpo e o velho passará. Entretanto, a visão cristã de vida após a morte não é como a visão oriental de aniquila­ mento, na qual perdemos nossas identidades pessoais numa espécie de mar de esquecimento. Embora haja esse elemento de descontinuidade, repondo o novo pelo velho, existe um forte elemento de continuidade pelo qual a pessoa individual continua vivendo pela eternidade. Em parte, ser uma pessoa individual significa estar envolvido em relaci­ onamentos pessoais. De fato, um dos artigos do Credo dos Apóstolos é aquele no qual afirmamos que cremos na comunhão dos santos. Tal afirmação não se aplica somente para a comunhão que gozamos uns com os outros agora, mas indica a comunhão que todas as pessoas que estão em Cristo terão umas com as outras. Mesmo agora, nesse mundo, misteriosamente tenho comunhão com Martinho Lutero, João Calvino e Jonathan Edwards, que fazem parte do gru­ po de todos os santos. Não há razão para pensar que essa comunhão cessará. Quando entramos num nível melhor de comunhão com Cristo e com aqueles que estão em Cristo, chegamos a pensar que essa comunhão será naturalmente intensificada e não diminuída. Embora devamos ser cuidadosos a respeito do quanto extraímos de uma parábola, a parábola de Jesus sobre o homem rico e Lázaro nos dá uma visão da vida futura. Ela fala de um homem rico que tinha tudo nesse mun­ do e de um homem pobre que era um mendigo às portas do rico. O homem rico ignorou os pedidos do homem pobre. Ambos morreram, e o homem pobre, Lázaro, foi levado para o seio de Abraão, enquanto o homem rico estava no inferno. Mas mesmo ali, este um, que presumivelmente estava no inferno, era capaz de ver o seio de Abraão além do abismo intransponível e contemplar o estado de felicidade que o pedinte estava gozando. Ele implo­ rou a Abraão, chorando além do abismo, para ter misericórdia e permitir que ele tivesse o poder de voltar à terra, ou de mandar uma mensagem para avisar seus irmãos a fim de que não caíssem em juízo como ele caíra. Sem dúvida, Jesus respondeu que naquela altura já era tarde demais. Pelo menos na parábola, há um reconhecimento das pessoas envolvidas e também um reconhecimento de onde as pessoas estão ou não estão. • O q u e a con tece aos a n im a i s q u a n d o eles m o r r e m ? Co­ n h e ç o a lg u m a s pessoas q u e se t o r n a m m u i t o ligadas a eles. Não posso responder a essa pergunta com certeza, mas não quero que você pense, nem por um minuto, que essa é uma pergunta tola. As pessoas realmente se tomam ligadas aos seus bichos de estimação, especialmente quando o bichinho permaneceu um longo tempo com elas. Em nossa cultura atual, estão aparecendo cada vez mais cemitérios para animais de estimação, e vemos pessoas chegando a grandes despesas com cerimônias — túmulos, etc. — para se desfazerem dos corpos de seus animais de estimação. Dentro da igreja cristã, há várias escolas de pensamento sobre esse as­ sunto. Alguns crêem que os animais simplesmente se desintegram; eles se transformam em nada e são aniquilados, o que está baseado na premissa de que os animais não têm almas que possam sobreviver ao túmulo. Entretan­ to, em nenhum lugar as Escrituras afirmam que os animais não têm alma. A Bíblia nos diz que nós temos a imagem de Deus de uma forma que os animais não têm. Agora, seria a imagem de Deus que diferencia entre uma alma e a ausência dela? Aqueles que aceitam uma noção grega da alma — isto é, aquela substância que continua indestrutível para sempre — podem desejar restringir isso aos seres humanos. Mas, novamente, não há nada nas Escrituras, que eu saiba, que excluiria a possibilidade de uma existência continuada para os animais. A Bíblia nos dá algumas razões para esperar que os animais mortos sejam restaurados. Lemos na Bíblia que a redenção é uma questão cósmica. Toda a criação está destinada a ser redimida através da obra de Cristo (Rm 8.21), e vemos imagens de como será o céu; belas passagens da Escritura nos falam do leão e do cordeiro e de outros animais em paz uns com os outros. Sempre que o céu é descrito, embora o seja numa linguagem alta­ mente criativa, ele é um lugar onde os animais parecem estar presentes. Quer esses animais sejam recém criados para os novos céus e a nova terra, quer sejam as almas redimidas de nossos animais de estimação que morre­ ram, não podemos saber com certeza. Tudo isso é pura especulação, mas eu gostaria de pensar que veremos nossos queridos animais novamente e que eles participarão dos benefícios da redenção que Cristo realizou para a raça humana. • U m a pessoa q u e c o m e t e u suicídio p o d e rá e n t r a r n o céu? Creio que é possível que uma pessoa que tenha cometido suicídio vá para o céu. Digo isso por várias razões. Psiquiatras têm estudado pessoas que fizeram tentativas sérias de terminar a sua vida, mas não tiveram suces­ so. Quando entrevistadas posteriormente, a vasta maioria dessas pessoas (90% de acordo com os psiquiatras) disse que eles não teriam tentado co­ meter o suicídio se tivessem esperado mais vinte e quatro horas. Muito freqüentemente, o ato do suicídio é uma rendição a um ataque momentâ­ neo, mas esmagador, de depressão aguda. Realmente não sabemos os últi­ mos pensamentos que passam pela mente de uma pessoa antes que ele ou ela morram. Suponhamos que um homem decida terminar sua vida e pule do trigésimo andar de um edifício, e que pelo décimo sexto andar ele pense: Isso é um erro, eu não deveria fazer isso. Obviamente há lugar na graça de Deus para o arrependimento final desse homem por seu pecado. Embora as Escrituras sejam muito claras na afirmação de que não deve­ mos atentar contra nossas vidas, não conheço nada nas Escrituras que iden­ tifique o suicídio como o pecado imperdoável. Agora, se uma pessoa atenta contra sua vida em absoluta posse de suas faculdades, esse ato pode repre­ sentar um ato de descrença total e absoluta, uma rendição ao desespero e à completa falta de esperança, ao invés da confiança no Deus vivo. Entretan­ to, não creio que possamos afirmar que esse é o estado mental de todos aqueles que realmente cometem suicídio. Algumas pessoas que cometem suicídio não estão num estado mental sóbrio e ponderado e não são culpáveis por seu comportamento no último minuto. Uma vez que a Bíblia é relativamente silenciosa a esse respeito, não gostaria de tirar conclusões precipitadas. Preferiria depositar nossas esperanças para tais casos na graça e na misericórdia de Deus. • Q u a n d o u m a pessoa morre, para o n d e vão seu espírito e seu corp o até a Se g u nd a Vinda? Ao longo de toda a sua história a igreja lutou com o conceito do chama­ do “estado intermediário” — nossa posição entre o tempo em que morre­ mos e o tempo em que Cristo consumará o seu reino e cumprirá a promessa que confessamos no Credo dos Apóstolos: Creio na ressurreição do corpo. Creio que haverá um momento em que Deus reunirá nossa alma e nosso corpo, e que teremos um corpo glorificado assim como Cristo saiu do túmulo como “o primogênito dentre os mortos.” No intervalo, o que acontece? A posição mais comum tem sido que, ao morrermos, a alma imediata­ mente vai para estar com Deus e há uma continuidade da existência pesso­ al. Não há nenhuma interrupção de vida no final dessa vida, mas continua­ mos a estar vivos em nossas próprias almas após a morte. Há alguns que foram influenciados por uma posição cúltica chamada psicopaniquia, mais comumente conhecida como sono da alma. A idéia é de que, na morte, a alma vai para um estado de animação suspensa. Ela permanece adormeci­ da, num estado inconsciente, até ser despertada na hora da grande ressurrei­ ção. A alma permanece viva, mas inconsciente, portanto, não há consciên­ cia da passagem do tempo. Penso que essa conclusão é tirada de maneira imprópria da forma eufemística em que o Novo Testamento fala das pesso­ as mortas como estando adormecidas. A expressão comum judaica de que os mortos estão “adormecidos” significa que eles estão gozando o repouso, a tranqüilidade cheia de paz daqueles que ultrapassaram as lutas desse mundo e estão na presença de Deus. Mas no ensino global das Escrituras, mesmo no Antigo Testamento onde o seio de Abraão era considerado como o lugar da vida depois da morte, há a noção persistente de continuidade. Paulo coloca da seguinte maneira: Vi­ ver nesse mundo é bom; a melhor coisa que pode acontecer é participar da ressurreição final. Mas o estado intermediário é ainda melhor. Paulo diz que ele estava preso entre duas opções. De um lado o seu desejo de partir e estar com Cristo, o que é muito melhor, do outro lado, ele tinha o desejo de permanecer vivo e continuar seu ministério nessa terra. Mas a conclusão do apóstolo de que passar além do véu da morte para aquele estado intermedi­ ário é muito melhor do que esse em que estamos nos apresenta algumas evidências, juntamente com uma grande quantidade de passagens. Jesus disse ao ladrão na cruz: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23.43). A imagem do rico e de Lázaro, no Novo Testamento, (Lc 16.19-31) indica para mim que existe uma continuidade de vida e de consciência no estado intermediário. • O q u e a co n te c e c o m as crianças q u e m o r r e m a n te s de p o d e r e m aceitar o evangelho? Em minha própria tradição teológica, cremos que as crianças que mor­ rem ainda pequeninas são contadas entre os redimidos. Quer dizer, espera­ mos e temos um certo grau de confiança de que Deus será particularmente gracioso para com aqueles que nunca tiveram oportunidade de estarem ex­ postos ao evangelho, como os bebês ou crianças que não têm muita capaci­ dade para ouvir e entender. O Novo Testamento não ensina isso explicitamente. Ele nos fala muito sobre o caráter de Deus — sobre sua misericórdia e sua graça — e nos dá todas as razões para termos esse tipo de confiança na sua maneira de tratar os pequeninos. Alguns fazem uma distinção entre crianças em geral e aquelas que são filhos de crentes, e a razão para isso é o fato de que quando Deus fez aliança com Abraão, ele a fez não somente com Abraão, mas também com seus descendentes. Realmente, assim que Deus estabeleceu esse relacionamento com Abraão, ele colocou Isaque como parte dele — quando Isaque era ain­ da muito pequeno e não4)odia entender o que estava acontecendo. Essa é a razão pela qual um grande número de igrejas cristãs praticam o batismo infantil; eles crêem que os filhos dos crentes são incorporados como mem­ bros em plena comunhão na igreja. Vemos esse relacionamento dentro da família na história bíblica. Vemos também a situação de Davi no Antigo Testamento quando seu filho recém-nascido morreu. Ele recebe a certeza de que verá aquela crian­ ça novamente no céu. Essa história de Davi e seu filho que morreu traz uma imensa consolação aos pais que perderam um filho. Agora, o ponto que devemos enfatizar é que as crianças que morrem rece­ bem uma dispensação especial da graça de Deus; não é por sua inocência, mas pela graça de Deus que eles são recebidos no céu. Há grandes controvér­ sias pairando sobre a doutrina do pecado original. O luteranos discordam dos católicos romanos ques por sua vez discordam dos presbiterianos, etc., a res­ peito do alcance e da extensão daquilo que chamamos pecado original. Pe­ cado original não se refere ao primeiro pecado que foi cometido, mas sim ao seu resultado — a entrada do pecado no mundo, de forma que todos nós como seres humanos, nascemos num estado decaído. Vimos a esse mundo com uma natureza pecaminosa, portanto, o bebê que morre, morre como pecador. E quando essa criança é recebida no céu, ela é recebida pela graça. • O q u e dizer dos m ilh õ e s de bebês a b o rt a d o s a cada a n o n o m u n d o , o n d e eles passarão a e te rn id a d e? Você está fazendo uma pergunta a respeito da qual a igreja tem estado seriamente dividida ao longo de sua história por várias razões. Há pouca informação na Escritura que fale diretamente sobre isso. A Igreja Católica Romana tem sua doutrina tradicional do limbo, e há duas variedades de limbo. Há o limbo para o povo do Antigo Testamento que morreu antes da vinda de Cristo, e há o limbo para as crianças. Esse limbo é definido como uma espécie de lugar menos importante que o inferno. Não é o céu, mas a definição histórica é de que as chamas do julgamento não alcançam esse lugar. As crianças não batizadas são mandadas para lá, onde elas perdem as bênçãos do céu mas, na realidade, não participam das punições do inferno. As igrejas protestantes diferem quanto ao que acontece às crianças que morrem. Alguns distinguem entre as que são batizadas e as que não são. Em minha denominação, afirmamos como artigo de fé que os filhos de crentes recebem uma dispensação especial de graça e são levados para o céu, não porque são inocentes, mas porque são receptores da graça. As crianças que não nasceram são iguais aos bebês? Novamente a con­ trovérsia existe se, de fato, esses fetos que não nasceram são considerados por Deus como vidas humanas ou não. Alguns assumem a posição de que crianças abortadas são pessoas humanas reais, e pareceria coerente dizer que aquilo que você pensa que acontece com os bebês que morrem se aplica­ ria também a crianças que não nasceram. Minha crença pessoal é de que crianças que não nasceram, mas foram abortadas, são tratadas por Deus como seres humanos e que a mesma graça que ele dispensa aos bebês que morrem, se aplicaria também àqueles que não nasceram. Isso não depende de se o aborto é intencional ou não. O termo aborto é usado também para uma gravidez mal sucedida. Minha esposa sofreu quatro abortos e esperamos sin­ ceramente ver essas crianças que não nasceram no céu conosco. Nós concor­ damos que temos seis filhos, não apenas dois, e esperamos intensamente nos­ sa reunião com as crianças que não pudemos conhecer pessoalmente. • O rei Saul foi a u m a feiticeira q u e i n v ocou o espírito de Samuel. Isso significa q u e as pessoas hoje p o d e m i n v o ­ car o esp írito de seus m o r to s , o u esse e p is ód io foi u m ato ú n i c o de Deus? Não creio que tenha sido um ato de Deus. Por coincidência, recente­ mente escrevi um capítulo num livro sobre toda essa questão da pitonisa de Endor porque é uma porção das Escrituras difícil de analisar e que gera muita controvérsia. A narrativa nos diz que depois da morte de Samuel, Saul se disfarçou e procurou uma médium. Esses médiuns eram ilegais em Israel e a prática desse tipo de atividade era um ultraje ou uma transgressão capital. Não apenas era uma transgressão capital de acordo com a lei de Moisés, mas o próprio Saul havia reforçado isso e insistido em que todos os necromantes deixassem o país. Foi por isso que Saul se disfarçou. Ele foi a essa feiticeira, ou médium, e pediu a ela que invocasse Samuel. O texto diz que Samuel apareceu e se queixou por ter sido perturbado. A mulher, então, descobriu que o rei a havia induzido a fazer aquilo e ficou apavorada. Quando leio esse texto tenho que perguntar: O que aconteceu realmen­ te? Será que a Bíblia está falando numa linguagem fenomenológica, des­ crevendo o que apareceu, ou será que a Bíblia tenciona dizer que aquela médium foi de fato capaz de trazer Samuel de volta? Teria sido um truque de mágica? Será que era uma habilidade natural, uma habilidade que algumas pessoas podem ter hoje? Será possível hoje entrar em contato com os mor­ tos ou será uma falsificação do próprio Satanás? Não estou completamente certo de qual dessas hipóteses explicaria a situação, se é que alguma o faz. Vamos deixar claro o que sabemos com certeza. Mesmo que seja possí­ vel entrar em contato com os mortos hoje e invocá-los, como você diz, certamente não temos permissão para isso. Não há dúvida a respeito. É uma afronta radical a Deus. Simplesmente não nos é permitido o envolvimento com sessões espíritas e espiritismo, ou com a procura de médiuns. Isso é anátema para Deus e, de fato, as pessoas que praticam isso estão incluídas no capítulo final do Novo Testamento como aqueles que são excluídos do reino de Deus. As advertências são severas e pesadas contra aqueles que se envolvem nesse tipo de atividade. Mas — é possível? Não acredito. Não creio que possamos invocar o espírito dos mortos. Creio que todos os médiuns recorrem a truques para realizar esses feitos. No final do século XIX, Sir Arthur Conan Doyle ficou enamorado com essa possibilidade e o grande Harry Houdini ofereceu uma grande soma de dinheiro a qualquer médium que pudesse realizar qualquer fenômeno que ele, Houdini, não pudesse duplicar através de sua própria arte ilusionista. Ninguém jamais recebeu o dinheiro de Houdini. Os melho­ res “caçadores de fantasma” são os próprios mágicos. Só o ladrão reconhe­ ce um ladrão. Estou convencido de que as pessoas que praticam tais coisas são mistificadores. • C o m o o sr. explica as experiências fora d o corpo, de algo s e m e l h a n t e a u m túnel, q u e m u it a s pessoas a f i r m a m ter tid o a n te s de se rem r e a n im a d a s ? Não estou certo de que posso explicar os chamados fenômenos KiiblerRoss. Tem havido uma quantidade significativa de pesquisa sobre isso. Te­ nho ouvido notícias de que 50% daqueles que sofreram morte clínica e foram ressuscitados através de aparelhos ou medicação especial relatam algum tipo de experiência estranha que pode ser chamada de experiência fora do corpo. Eles relatam a sensação de olhar do teto para baixo quando sua alma está deixando o corpo, e ver o próprio corpo deitado sobre a cama e os médicos anunciando a morte ou as enfermeiras não conseguindo sentir o pulso. Falam, então, sobre passar por um túnel e ver uma luz maravilhosa. A grande maioria daqueles que foram pesquisados tem uma lembrança muito positiva, embora haja alguns que não viram luzes bonitas no final do túnel, mas coisas horríveis e fantasmagóricas que lhes trouxeram incerteza sobre o que poderia haver depois do véu. Não sei a resposta para essas perguntas. Há várias respostas possíveis. Uma poderia ser a de que a pessoa que está perto da morte pode ter um curto circuito na eletricidade do sistema nervoso de seu cérebro e sofrer uma confusão em toda a sua seqüência de tempo. Poderiam estar recordan­ do um sonho que tenha sido muito vívido e intenso e que os faça sentir como se realmente tivessem vivido aquilo. Todos nós temos alguns sonhos que são qualitativamente diferentes de outros, que se tornam tão intensos que sentimos como se eles tivessem realmente acontecido. Poderia ser re­ sultado de medicação ou de falta de oxigênio no cérebro. Para tratar razoavelmente com essas possíveis explicações teríamos de recorrer a um médico competente que poderia dizer se é possível que esses curtos-circuitos ocorram e se eles poderiam ser explicados em termos natu­ rais. Não descartei a experiência. Outra explicação possível é de que as pessoas de fato têm um lampejo de algo que está para acontecer na transição da morte para qualquer que seja o lugar para onde vamos após a morte. Nós, cristãos, cremos que existe uma continuidade de existência pessoal e que o término da vida física não é o fim da vida real. Quer tenhamos sido bons ou maus, quer sejamos redimidos ou não, vamos continuar num estado de vida, embora não biologicamente vivos. Os cristãos não deveriam ficar chocados quando pessoas que passaram por morte clínica e foram reanimadas voltam com certas lembranças. Te­ nho tentado manter a mente aberta e espero que esse fenômeno interessante receba o benefício de maiores pesquisas, análises e avaliações. Um número muito grande de tais experiências tem sido relatado para que as descarte­ mos como imaginárias ou como farsas. • Q u a l é a prim e ira coisa q u e o sr. gostaria de saber q u a n ­ d o chegar ao céu? Sem dúvida, a primeira coisa que quero saber é: O que preciso fazer para ver Jesus? Eu quero ver o Senhor. Tenho perguntado a amigos e pesso­ as da família: “Suponhamos que depois que você teve a chance de ver Jesus no céu ele diga: ‘Muito bem, você pode encontrar outras três pessoas que estão aqui e passar um tempo com cada um’ — quem você gostaria de ver?” A primeira pessoa que eu gostaria de ver seria meu pai. Esta é uma das grandes consolações da fé cristã — temos a promessa de sermos reunidos com aqueles que amamos e que se foram antes de nós. Depois de ver meu pai, gostaria de encontrar o salmista Davi. Eu amaria encontrar Jeremias. E a lista continua. Uma das primeiras perguntas que gostaria de fazer é: “Quem escreveu a Carta aos Hebreus?” Morro de vontade de descobrir isso! Outra pergunta: “De onde veio o mal?” Porque ainda não consegui decifrar isso. E, sem dúvida, gostaria de perguntar: “Existe algum campo de golfe aqui em cima?” Gostaria de estudar arte durante os primeiros dez mil anos, música nos dez mil anos seguintes, e literatura durante os outros dez mil anos e conti­ nuar a absorver tudo o que Deus fez e tudo o que ele ordenou. Eu adoraria sentar lá e aprender teologia com a absoluta certeza de que jamais serei enganado, ou que não estarei cometendo qualquer erro e que não estou mais olhando através de um espelho obscuramente, mas agora estou na presença da própria Verdade em toda sua pureza. Mas suspeito que todas essas coisas que penso fazer terão de esperar pela simples alegria de estar na presença de Deus e gozar da visão beatífica — ver a Cristo face a face. Não sei se esse desejo irá arrefecer algum dia. Penso que ficaria satisfeito de fazer apenas isso por toda eternidade. • Aqueles q u e n u n c a o u v i r a m falar de Cristo vão p a ra o inferno? Essa é uma das perguntas mais carregadas emocionalmente que se pode fazer a um cristão. Nada é mais aterrorizante ou pavoroso de se enfrentar do que a possibilidade de um ser humano ir para o inferno. À primeira vista, quan­ do fazemos uma pergunta como essa, o que está por trás é: “Como poderia Deus mandar para o inferno uma pessoa que nunca teve nem sequer a oportuni­ dade de ouvir a respeito do Salvador? Simplesmente não parece justo.” Eu diria que a porção mais importante das Escrituras que estuda essa questão é o primeiro capítulo da carta de Paulo aos Romanos. O objetivo do livro aos Romanos é declarar as Boas Novas — a maravilhosa história da redenção que Deus providenciou para a humanidade em Cristo, as riquezas e a glória da graça de Deus, a extensão a que Deus chegou para nos redimir. Mas quando Paulo apresenta o evangelho, ele começa no primeiro capítulo declarando que a ira de Deus é revelada dos céus e essa manifestação da ira de Deus é dirigida contra a raça humana que se tornou ímpia e injusta. Portanto, a ira de Deus é ira contra o mal. Deus não está irado com pessoas inocentes, sua ira é contra os culpados. O ponto específico pelo qual eles são acusados de maldade é a rejeição da auto-revelação de Deus. Paulo elabora o ponto de que, desde o primeiro dia da criação e ao longo de toda a criação, Deus tem manifestado plenamente seu eterno poder, seu ser e seu caráter a todo ser humano nesse planeta. Em outras palavras, todo ser humano sabe que existe um Deus e que ele deve prestar contas a Deus. Entretanto, todo ser humano desobedece a Deus. Por que Paulo começa sua exposição do evangelho por esse ponto? O que ele está tentando fazer, e o que ele desenvolve na carta aos Romanos é o seguinte: Cristo é enviado a um mundo que já está a caminho do inferno, Cristo é enviado a um mundo que está perdido e que é culpado de rejeitar o Pai a quem ele conhece. Agora, vamos voltar à sua pergunta original: “Deus manda pessoas que nunca ouviram falar de Jesus para o inferno?” Deus nunca pune as pessoas por rejeitarem a Jesus se elas nunca ouviram a respeito de Jesus. Quando digo isso as pessoas suspiram aliviadas e dizem: “Então é melhor não falar a ninguém a respeito de Jesus porque alguém pode rejeitá-lo. Então essas pessoas estarão num problema muito sério. Mas, novamente, há outras ra­ zões para se ir para o inferno. Rejeitar a Deus o Pai é uma coisa muito séria. E ninguém poderá dizer no último dia: “Eu não sabia que o senhor existia,” porque Deus tem se revelado plenamente. A Bíblia deixa claro que as pes­ soas precisam desesperadamente de Cristo. Deus pode conceder sua mise­ ricórdia unilateralmente em algumas situações, mas não tenho nenhuma razão para ter muita esperança sobre isso. Penso que devemos prestar aten­ ção seriamente à ordem apaixonada de Cristo de ir a todo mundo, a toda criatura vivente, e lhes falar de Jesus. • C o m o seria sua descrição pessoal do inferno, e, p o r o p o ­ sição, c o m o seria a d o céu? Certa vez, um estudante me fez essa pergunta da seguinte maneira: “O sr. acredita que o inferno é literalmente um lago de fogo onde as pessoas estão queimando e em tormento? O sr. crê que há choro e ranger de dentes, trevas e um lugar onde o verme nunca morre?” Ele perguntou se eu acredi­ tava que o inferno era literalmente assim e eu disse não, não acredito. Ele teve um profundo suspiro de alívio. Então eu lhe disse que cria que uma pessoa que está no inferno faria tudo o que estivesse ao seu alcance para estar num lago de fogo ao invés de estar onde ela está. Na realidade, não tenho nenhuma imagem gráfica do inferno em minha mente, mas não posso pensar em nenhuma idéia mais aterrorizante para a consciência humana do que essa. Sei que é uma idéia muito pouco popular e que mesmo os cristãos recuam com horror da própria noção de um lugar chamado inferno. Sempre me admirei de dois fenômenos que encontramos no Novo Testa­ mento. Primeiro, Jesus fala mais do inferno do que do céu. Segundo, quase tudo o que sabemos sobre o inferno no Novo Testamento vem dos lábios de Jesus. Estou apenas adivinhando que, na economia de Deus, as pessoas não suportariam isso de nenhum outro mestre. Eles não ouvirão se R. C. Sproul os advertir das terríveis conseqüências do inferno, ou se qualquer outra pessoa o fizer. As pessoas não acreditam nisso nem mesmo quando Jesus ensina. É como se estivéssemos comprovando a parábola do rico e de Lázaro. O rico queria voltar e advertir seus irmãos da ira vindoura. Jesus disse que eles não acreditariam mesmo que alguém voltasse dentre os mortos. As pessoas simplesmente não querem prestar nenhuma atenção nisso. Eu me pergunto: Por que Jesus, quando estava ensinando sobre a natu­ reza do inferno usou os símbolos e as imagens mais horripilantes que ele podia encontrar para descrever aquele lugar? Sempre que falamos sobre símbolos ou imagens, usamos o símbolo para representar uma realidade. A realidade sempre excede, em substância, aquilo que o símbolo contém. Se as imagens do Novo Testamento sobre o inferno são apenas imagens e sím­ bolos, então, para mim, isso significaria que a realidade é muito, muito pior do que os símbolos literais que nos são apresentados. Por outro lado, eu diria que as boas novas são as imagens maravilhosas que temos do céu: ruas de ouro, lagos de cristal, uma cidade com prédios feitos de pedras preciosas. O cumprimento literal será maravilhoso e eston­ teante, mas penso que ele será incomparavelmente maior. Novamente, nes­ se caso, a realidade excederá em muito as imagens que a Bíblia usa para comunicá-la a nós, que somos limitados por uma perspectiva terrena. C O M P A R T I L H A N D O A FÉ “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século — M ateus 28.19,20 Perguntas dessa seção: • • • • • • • • • • O que é fé? A fé cristã é realmente racional? O evangelismo é uma atividade necessária para o cristão? O que faz do Cristianismo — e não do Budismo ou do Hinduísmo ou de qualquer outra — a religião certa? Como podemos apresentar o evangelho a um amigo ou a um membro da família que talvez seja ateu? Como posso falar de Jesus a outras pessoas de uma forma não ameaçado­ ra mas convincente? Meu pai não é cristão e sempre que converso com ele ele não ouve, seja o que for que eu diga. O que posso fazer? Se um não-cristão nos faz uma pergunta a respeito de moralidade, deve­ mos imediata e especificamente nos referir à Bíblia, ou devemos apenas lhe dar nosso conselho baseado em princípios bíblicos? É possível que uma pessoa esteja num estado de regeneração antes de aceitar a fé? Como devo reagir aos pregadores de rua? • O q u e é fé? Penso que a fé em todos os seus aspectos é uma das noções mais mal compreendidas que temos, não apenas pelo mundo, mas pela própria igreja. A única base de nossa redenção, e o caminho pelo qual somos justificados por Deus é através da fé. A Bíblia nos fala constantemente sobre a fé, e se não a compreendermos bem, ficaremos numa situação problemática. A grande questão da Reforma Protestante do século XVI foi: Como uma pessoa é justificada? A posição de Lutero na controvérsia foi de que somos justificados pela fé somente. Quando ele disse isso, muitos dos líderes da Igreja Católica Romana ficaram muito aborrecidos. Eles retrucaram: “Isso quer dizer que uma pessoa pode simplesmente crer em Jesus e depois viver como quiser?” Em outras palavras, a Igreja Católica Romana reagiu forte­ mente porque estava temerosa de que a posição de Lutero fosse entendida como uma crença fácil na qual a pessoa teria apenas de crer e nunca mais precisaria se preocupar em produzir os frutos da retidão. Era muito impor­ tante que aqueles que estavam envolvidos na Reforma Protestante definis­ sem cuidadosamente o que entendiam por fé salvadora. Portanto, eles vol­ taram e estudaram o Novo Testamento, especificamente a palavra grega pistein, que significa “crer”, e foram capazes de isolar três aspectos distin­ tos da fé bíblica. O primeiro é o termo latino notitia: “crer nos dados” ou na informação. E um conhecimento intelectual. Você não pode ter fé em coisa nenhuma, em algo que não exista: tem de haver um conteúdo para a fé. Você tem que crer em alguma coisa ou confiar em alguém. Quando dizemos que uma pessoa é salva pela fé, alguns dizem: “Não importa no que você crê, desde que seja sincero.” Não é isso que a Bíblia ensina. Importa profundamente no que você crê. E se eu cresse que o diabo é Deus? Isso não me salvaria. Preciso crer na informação certa. O segundo aspecto da fé é o que eles chamaram de assensus, ou um assentimento intelectual. Devo estar persuadido da verdade do conteúdo. De acordo com Tiago, mesmo que eu esteja consciente da obra de Jesus — convencido intelectualmente que Jesus é o Filho de Deus, que ele morreu na cruz por meus pecados e que ressuscitou dos mortos — nesse ponto eu estaria qualificado para ser um demônio. Os demônios reconhecem a Jesus, e o próprio diabo conhece a verdade de Cristo, mas não tem fé salvadora. O elemento básico, o elemento mais vital da fé salvadora no sentido bíblico é o da confiança pessoal. O termo final é fiducia, que se refere a um compromisso fiduciário pelo qual coloco minha vida nas mãos de Jesus. Confio nele e apenas nele para minha salvação. Esse é o elemento crucial, e ele inclui os elementos intelectual e mental. Mas vai, além deles, ao cora­ ção e à vontade, de forma que a pessoa como um todo é envolvida nessa experiência que chamamos fé. • A fé cristã é re a l m e n t e racional? Com absoluta certeza! Ela é intensamente racional. Agora, já me fize­ ram a seguinte pergunta: “É verdade que o sr. é um racionalista cristão?” Eu respondi: “De maneira nenhuma! Isso é uma contradição, em termos. O racionalista é alguém que abraça uma filosofia que se contrapõe ao cristia­ nismo.” Portanto, embora um cristão verdadeiro não seja um racionalista, a fé cristã certamente é racional. O cristianismo é coerente? E inteligível? Faz sentido? Ele se harmoniza num padrão coerente de verdade, ou ele é o oposto do racional — ele seria irracional? Seria o cristianismo complacente com a superstição e concorda­ ria com cristãos que crêem que o cristianismo é francamente irracional? Penso que isso é um fato muito lamentável. O Deus do cristianismo se diri­ ge à mente das pessoas. Ele fala conosco. Ele tem um livro escrito para o nosso entendimento. Quando digo que o cristianismo é racional, não quero significar com isso que a verdade do cristianismo em toda a sua majestade possa ser deduzida a partir de alguns princípios lógicos por um filósofo especulativo. Há muita informação sobre a natureza de Deus que podemos encontrar uni­ camente porque o próprio Deus escolheu revelá-las a nós. Ele revela essas coisas através de seus profetas, através da história, através da Bíblia e atra­ vés do seu Filho unigénito, Jesus. Mas o que ele revela é inteligível, podemos entender com nosso intelec­ to. Ele não nos pede que desprezemos nossas mentes para nos tomarmos cristãos. Há pessoas que pensam que, para se tornarem cristãs, elas preci­ sam deixar seus cérebros em algum lugar do estacionamento. O único pulo que o Novo Testamento nos chama a dar, não é um pulo no escuro, mas é para fora do escuro, para a luz, para aquilo que verdadeiramente podemos entender. Isto não quer dizer que tudo o que a fé cristã afirma é absoluta­ mente claro no que diz respeito às nossas categorias racionais. Não posso entender, por exemplo, como uma pessoa pode ter uma natureza divina e uma natureza humana ao mesmo tempo, que é aquilo que cremos sobre Jesus. Isso é um mistério — mas mistério não é o mesmo que irracional. Mistério não se aplica somente à religião. Não compreendo inteiramen­ te a força da gravidade. Essas coisas são misteriosas para nós, mas não são irracionais. Uma coisa é dizer: “Não compreendo, com minha mente finita, como isso funciona.” Outra coisa diferente é dizer: “Elas são gritantemente contraditórias e irracionais, mas vou acreditar assim mesmo.” Não é isso que o cristianismo faz. O cristianismo afirma que há mistérios, mas esses mistérios não podem ser articulados em termos do irracional; se assim fos­ se, então nos afastaríamos a ver cristã. O evange lismo é u m a atividade necessária para o. dever de Algumas pessoas argumentam que o trabalho de e\ , todo cristão. Não tenho certeza. O trabalho específico (d^T'ajíg€lista é pro­ clamar o evangelho. Pregação e proclamaç q al •raigishi. uí0^/los ofícios do ora nao é dado a todas Novo Testamento e um dos dons do Espíriti nico, não é responsabias pessoas e, portanto, eu diria que, n mj lidade de todo cristão ser um evangeliza O Novo Testamento deixa clara que tõdò cristão deve ser uma testemu­ nha. Parte da confusão co leksè ponto, porque no jargão cristão, “tes­ temunha” é muitas vezes u ^ a c o m o sinônimo de “evangelista”. O Novo Testamento faz u I a r a entre as duas palavras, uma distinção arrTestemunha” é a noção mais ampla. Dar testeentre o geraLe é tomar visível algo que não é prontamente visível, munho de 1 ou qu< ii làríífesto, mas que é invisível. A palavra usada no Novo testemunha é martyria, da qual tiramos nossa palavra mártir. e morreram por causa da fé, deram testemunho, tornaram maniu compromisso com Cristo. Essa era uma forma de dar testemunho, s não era o trabalho de evangelismo. Evangelismo é uma forma específica de testemunhar. Todo cristão é chamado para testemunhar; todo cristão é chamado a confessar Jesus com suas palavras, bem como em suas ações. Deus não nos chama para sermos cristãos do serviço secreto. Mas nem todos são chamados, a meu ver, para ser evangelistas; essa é uma tarefa especial. Penso que todo cristão tem responsabilidade de participar do movimento evangelístico. Embora nem todo mundo seja chamado para ser missionário, todos somos chamados para assumir nossa parte na missão da igreja. A responsabilidade da grande co­ missão é dada à igreja, e cada membro do corpo de Cristo é chamado a fazer a sua parte para ter certeza de que a tarefa seja cumprida. Evangelismo envolve muito mais do que apenas os evangelistas. Ele exige que se imprimam Bíblias, por exemplo, e que haja pessoas para distribuí-las, pes­ soas para financiar algumas viagens missionárias ou projetos, pessoas que possam ministrar de várias maneiras aos missionários e evangelistas. Portanto, embora sejamos chamados a testemunhar e sejamos todos responsá­ veis, até certo ponto, por garantir que a tarefa de evangelismo e missões seja reali­ zada, nem todos fomos designados para sermos missionários e evangelistas. • O q u e faz d o Cristia nism o — e n ã o d o B u d ism o o u do H i n d u í s m o o u de q u a l q u e r o u t r a — a religião certa? Essa é uma pergunta que toda pessoa nascida e criada nos Estados Uni­ dos precisa perguntar, e precisa perguntar honestamente. Não podemos dei­ xar de conjecturar: “Sou cristão porque nasci e fui criado num ambiente cristão, num país onde o cristianismo é a religião dominante onde recebi pouca influência do Hinduísmo ou do Islamismo ou do Budismo ou de qual­ quer outra religião do mundo?” Muitas pessoas se unem a organizações ou a igrejas cristãs apenas por que seus pais o fizeram. Essa não é uma boa maneira de testar a verdade das alegações de qualquer religião. Creio que a única maneira pela qual você pode satisfazer a si mesmo ou aos seus filhos a esse respeito é através de uma avaliação, um estudo sério das doutrinas básicas das religiões mundiais. No século XIX, o estudo de religiões comparadas tornou-se uma disciplina acadêmica muito importan­ te porque o mundo tinha se tornado menor e mais cosmopolita. Hoje vive­ mos num mundo em que há muito mais mistura e miscigenação de pessoas de origens radicalmente diferentes. No século XIX, tentou-se alcançar a paz entre as religiões do mundo procu­ rando um denominador comum — aquela essência básica que fosse encontrada em todas as religiões. Muitas pessoas concluíram que não havia realmente ne­ nhuma diferença, que todas as pessoas criam no mesmo Deus e todas estavam buscando a mesma coisa, mas que há diferentes caminhos para o mesmo lugar. Creio que essa é uma maneira simplista de encarar os fatos. A dificuldade é que, se você examinar as religiões mundiais e colocar seus ensinamentos básicos lado a lado, você os verá contradizendo-se radi­ calmente uns aos outros em relação a quais sejam os seus mais altos ideais. E uma pessoa que pense verá, rapidamente, que não é possível que todos sejam verdadeiros em suas alegações. Podem estar todos errados, mas não é possível que todos estejam certos. O Novo Testamento faz reivindicações exclusivas a respeito de Jesus, e isso é uma provocação ainda maior para pessoas que não desejam examinar seriamente as questões que dividem as religiões mundiais. Obviamente não podemos apresentar uma defesa das alegações de verdade características do cristianismo num breve livro como esse, mas eu diria que uma coisa o cristianismo tem que as outras religiões não têm — a coisa mais óbvia — que é Cristo, Deus encarnado e sua obra de redenção. • C o m o p o d e m o s a p re s e n t a r o e v angelh o a u m a m ig o ou a u m m e m b r o da família q u e talvez seja ateu? Não creio que jamais tenha havido um cristão que não tenha carregado ao longo de sua vida, um fardo pesado pelas almas das pessoas que lhe são mais queridas, quase sempre membros da família imediata ou amigos mais chegados. Todos nós lutamos com isso. Como compartilhar nossa fé e co­ municar aquilo que é tão importante e precioso para nós e estamos conven­ cidos de que é tão importante para eles? Qual é a maneira mais eficiente de fazer isto? Se eu soubesse a resposta para essa pergunta eu a embalaria e venderia porque há uma grande demanda. Durante minha infância espiritual, eu estava cheio de zelo pelas coisas de Cristo e desejava desesperadamente ver minha família entregar-se a ele. Eu fiz tudo da maneira errada. Comportei-me de forma muito agressiva e praticamente os cansei terrivelmente citando as Escrituras para eles, dei­ xando versículos em suas cabeceiras e todo esse tipo de coisa que eles to­ maram como minha desaprovação pessoal a seu respeito. Não era isso que eu estava tentando comunicar, e não era isso que eu sentia a respeito deles, mas foi assim que eles entenderam. Quando me tornei cristão, fiquei tão empolgado que fui para casa e con­ versei com minha mãe e, cheio de entusiasmo, eu lhe disse: “Mamãe, adivi­ nhe o que aconteceu comigo! Eu me tomei cristão.” E ela ficou completa­ mente estonteada. Ela respondeu: “O que você quer dizer com eu me tornei um cristão? Você sempre foi cristão.” E ao invés de compartilhar de minha alegria pela fé recém-encontrada, ela se tornou muito, muito defensiva, porque o que ela me ouviu dizer foi: “Mamãe, você não me educou com o sistema certo de valores. Você não é cristã. Você não é digna de ser minha mãe.” Era isso que ela estava ouvindo. Portanto, temos de ser especialmen­ te sensíveis com os sentimentos daqueles que são próximos a nós porque eles investiram muito no nosso relacionamento. Se existe um lugar onde mereço ter o direito de ser ouvido esse lugar é na companhia dos meus amigos. E onde achamos que menos precisaríamos exigir o direito de sermos ouvidos porque já temos uma amizade estabelecida. Pressupomos que, uma vez que somos amigos, eles ouvirão o que dizemos com seriedade e atenção. Mas quando vou a eles com algo que contém uma crítica velada sobre sua posição a respeito de Deus e de Cristo, eles tomarão isso como uma rejeição pessoal ou, pelo menos, como desaprovação. Por­ tanto, antes de explicar Cristo a eles ou defender a fé, preciso provar que sou amigo deles (ou que sou filho de meu pai ou de minha mãe, ou irmão de minha irmã) de forma que eles não se sintam como se eu estivesse fazendo uma ruptura radical em nosso relacionamento. • C o m o p o ss o falar de Jesus a o utras pessoas de f o r m a n ã o a m e a ç a d o r a , m a s c o n v in c e n t e ? Há alguns anos atrás, estive envolvido num treinamento de leigos de uma igreja local na atividade que chamamos evangelismo pessoal, e parti­ cipei disso durante dezesseis semanas. Dessas dezesseis, mais ou menos três semanas exigiam um treinamento no conteúdo da mensagem que cha­ mamos evangelho. Esta foi a parte fácil. O resto do treinamento era dirigido a ajudar as pessoas a comunicarem sua fé de maneira não ameaçadora e não insultante às pessoas. As pessoas são extremamente sensíveis a respeito da forma como são abordadas em questão de religião. Muitos de nós, que estamos muito em­ polgados com nossa fé em Cristo, desejamos compartilhá-la com todas as pessoas que amamos, e nossas intenções são boas. Nós nos preocupamos com nossos amigos e desejamos que eles participem da alegria e da desco­ berta dessa coisa maravilhosa chamada salvação. Mas quando fazemos isso, freqüentemente abordamos essas pessoas como se estivéssemos dizendo: “Eu sou bom e você não é.” As pessoas se voltam contra isso e com toda razão. Alguém disse certa vez que evangelismo, verdadeiro evangelismo é apenas isso — um pedinte dizendo a outro pedinte onde encontrar pão. Não há nada que deveria me deixar orgulhoso a respeito de minha fé. Reconhe­ ço que minha fé é resultado da graça de Deus. E, portanto, quando estamos conversando com as pessoas deveríamos entender que somos chamados para sermos delicados e bondosos. O fruto do Espírito que o Novo Testamento nos chama para exibir inclui gentileza, mansidão, paciência e amor. Esse é o espí­ rito com o qual somos chamados a nos comunicar com as pessoas. Embora sejamos gentis, bondosos, amigáveis e sensíveis para com a dignidade das pessoas, não podemos remover completamente aquilo que o Novo Testamento chama de escândalo do evangelho porque o evangelho realmente chama as pessoas ao arrependimento e as pessoas se sentem ameaçadas por isso. Mas é importante que não aumentemos desnecessaria­ mente esse escândalo que faz parte da mensagem do pecado e redenção. Algumas vezes, as pessoas nos rejeitam e também aquilo que falamos por­ que estão rejeitando a Cristo — e nós sofremos injustamente. Mas, em um número muito maior de vezes, as pessoas ficam zangadas não porque se sintam ofendidas por Cristo, mas porque são ofendidas por nossa falta de sensibilidade para com elas como pessoas. • M e u pai n ã o é cristão e s e m p r e q u e c o n v e r s a m o s ele n ã o m e ouve, n ã o i m p o r t a o q u e eu diga. Chegou a u m p o n ­ t o e m q u e n e m t e n t o m ais c o n v e r s a r c o m ele. O q u e p oss o fazer? Uma das lutas pessoais mais profundas que qualquer cristão enfrenta é tentar comunicar a intensidade de sua própria fé aos seus melhores amigos e à família que não partilha do mesmo ponto de vista. Logo que me tomei cristão, o que eu queria mais do que qualquer outra coisa no mundo era que minha família gozasse os benefícios da minha des­ coberta. Tenho certeza de que, muitas vezes, me tomei antipático para mi­ nha família em meu zelo de tentar comunicar minha preocupação por eles porque tomei seriamente as advertências do Novo Testamento sobre o que acontece com aqueles que rejeitam a mensagem de Cristo. Felizmente, embora nos primeiros anos eu tivesse sentido pouca reposta aos meus ape­ los e aos meus entusiasmos e desejo de comunicar minha fé à minha famí­ lia, ao longo do tempo pude ver praticamente todos eles se entregarem a Cristo. Gostaria de dizer que isso foi o resultado direto de meu testemunho firme, mas não foi. Deus usou outras pessoas para alcançar minha família. Isso me ensinou o quão importante é ser paciente com o ritmo de Deus para com aqueles que amamos. Penso na história de Santo Agostinho, cuja mãe, Môjiica, era uma cristã devota. Durante a juventude, seu filho era impetuoso e sem controle em seu estilo de vida licencioso, e Mônica era toda piedosa. Durante anos, toda noite ela orava por seu filho e não via nenhum sinal de resposta. Em certa ocasião, ela foi conversar com seu pastor, que era o grande bispo Ambrósio de Milão, Itália. Ela derramou seu coração diante do bispo e ele lhe fez a seguinte pergunta: “Mônica, poderia um filho de tantas lágrimas perder-se?” O que Ambrósio estava dizendo é que certamente Deus não se negaria atender as petições de uma mãe tão zelosa e constante na sua vida de oração em favor de seu filho. Creio que o conselho dado por Ambrósio a Mônica foi muito confortador, embora não seja necessariamente a melhor teologia. É possível que alguém que amamos profundamente nunca chegue a acei­ tar a fé, mas tende a existir uma correlação entre nossa paciência e nossa fidelidade a Deus e a disposição de Deus de honrar e abençoar isso. Eu diria que o que você deve fazer é orar e ser uma filha tão amorosa quanto possí­ vel. Deus não a chamou para ser a evangelista de seu pai; ele a chamou para ser sua filha. Quanto mais você refletir seu cristianismo sendo uma boa filha, tanto mais Deus estará inclinado a usar isso de maneira positiva. • Se u m n ã o - c r i s t ã o n o s faz u m a p e r g u n t a a respeito de m oralidade, devem os im ediata e especificam ente nos referir à Bíblia, o u d e v em o s a p en a s lhe d a r n o ss o c o n s e ­ lh o b a se a d o e m princípios bíblicos? Realmente há duas perguntas aqui: Qual é a resposta certa e qual é a melhor resposta estrategicamente para se ter um diálogo produtivo com pessoas que não compartilham nossa crença nas Escrituras? Estamos vivendo numa cultura que, de muitas formas, tem sido suficientemen­ te exposta ao cristianismo para estar imunizada contra ele. É como uma inoculação pela qual uma dose pequena da doença previne que você seja infectado por ela. O cristianismo não é uma voz nova falando aos problemas de moral nos Estados Unidos da América. Nada é mais desagradável para não-cristãos do que ouvir um cristão conversar com eles usando lugares comuns e um jargão cristão. As Escrituras nos instruem a deixar que nossa palavra seja “temperada com sal” (Cl 4.6). Parte do problema é que simplesmente nos expressamos mal. Não conseguimos comunicar nossos preceitos cristãos e nossa fé cristã sem usar constantemente a mesma linguagem e os mesmos clichês gastos. Isso se torna irritante para as pessoas, e com toda razão, quando todas as vezes que nos escutam, eles nos ouvem dizer: “Louve ao Senhor” ou “Deus ama você”. As pessoas se cansam de ouvir isso. Precisamos ser capazes de comunicar os ideais da fé cristã de novas maneiras, de sorte que aqueles com quem conversamos tenham a oportunidade de ouvir o que estamos dizendo. Quando discutimos questões morais, sem dúvida, para o cristão, não existe guia melhor do que a Palavra de Deus. Desde que creio que a Bíblia é a Palavra de Deus, ela tem autoridade sobre cristãos e não-cristãos. Etica­ mente não há nada de errado em chamar a atenção das pessoas para aquilo que a Bíblia diz. As pessoas não têm de crer que a Bíblia é a Palavra de Deus para serem responsabilizadas diante dela. Se o Deus todo poderoso ordena alguma coisa, ele o faz para todas as pessoas. Mas a Bíblia não é o único lugar onde Deus revela sua lei. A Bíblia nos fala que além da palavra escrita, Deus revela muitos de seus princípios, leis e preceitos morais através da natureza. Deveríamos ter algum tipo de base comum para discutir moralidade cristã ou questões éticas com um não-crente sem precisar recorrer constantemente ao texto das Escrituras. Se eles não a aceitam como autoridade, então podemos dizer, pelo menos, que também vemos evidência da propriedade desse comportamento em particular na pró­ pria natureza, ou naquilo que chamaríamos graça comum, no senso comum das leis das nações. Você não precisa ler a Bíblia para saber que matar é errado. Você não precisa ler a Bíblia para saber que é errado roubar. Há certas questões morais que Deus deixa muito claras sem o recurso das Escrituras. • E possível q u e u m a pessoa esteja n u m e stad o de rege n e ­ ração a n te s de aceitar a fé? Não somente é possível que uma pessoa esteja num estado de regenera­ ção antes de aceitar a fé, como é absolutamente necessário porque o mais importante pré-requisito para se confiar em Cristo é ser vivificado através do Espírito Santo. Regeneração significa novo nascimento ou renascimento. A outra palavra que o Novo Testamento usa é vivificar, tornar vivo. A Bí­ blia nos ensina que nosso estado decaído natural é de morte espiritual. An­ tes que eu possa sequer exercitar a fé, primeiro tenho de ser tomado vivo espiritualmente. Por isso declaro com toda minha convicção que a regene­ ração — isto é, o novo nascimento — precede a fé. Ela é necessária para que a fé possa estar presente. Não creio que esteja dizendo nada diferente daquilo que o Senhor disse a Nicodemos quando tiveram aquela prolongada discussão sobre o que sig­ nifica nascer de novo. Jesus disse que a não ser que a pessoa nasça de novo, ela não pode nem sequer ver o Reino de Deus. Jesus disse: “Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus” (Jo 3.5). Quando Paulo amplia o tema em Efésios 2, ele diz: “Ele vos deu vida, es­ tando vós mortos nos vossos delitos e pecados'’’ (Ef 2.1). Posso me enganar pensando que, enquanto estou num estado de morte espiritual, posso esten­ der a mão por minha própria fé e me tornar espiritualmente vivo. Isto é exatamente o que não posso fazer. Isto é exatamente o que apenas Deus pode fazer por nós. Foi por isso que Jesus disse a Nicodemos que antes que uma pessoa possa ver o reino de Deus, ele ou ela deve ser nascido do Espírito. Há muita confusão entre os cristãos a respeito da expressão “nascer de novo.” Quando uma pessoa vem a Cristo e passa por uma conversão dramá­ tica e experimenta nova vida em Cristo, ela diz: “Agora eu nasci de novo,” e pensa que ser nascido de novo significa o total da experiência de vida nova que está gozando. Entretanto, num sentido técnico do Novo Testa­ mento, regeneração descreve não o processo total que nos leva a gozar uma nova vida em Cristo, mas apenas o primeiro passo. Assim como o nasci­ mento é o começo da vida humana e um começo necessário, assim o nasci­ mento espiritual é simplesmente o primeiro passo depois do qual vêm a fé, o arrependimento e tudo mais. • C o m o de vo reagir aos pregadores de rua? Lembro-me de que alguns anos atrás, na Filadélfia, vi a fotografia do Dr. Cornelius Van Til num jornal, um dos mais eminentes teólogos do sécu­ lo XX, pregando nas ruas da Filadélfia. Fiquei dominado por uma sensação de humildade com aquilo — que esse homem com sua dignidade, com suas credenciais acadêmicas, sua reputação impecável como um erudito, esti­ vesse disposto a enfrentar a hostilidade, a zombaria e todo o resto que vem junto com a pregação pública daquela maneira. Penso nos apóstolos, em Paulo que ia à praça do mercado e discorria diariamente falando com as pessoas que estavam ali no Monte de Marte. Penso nas coisas bizarras que Deus ordenou que alguns profetas fizessem — andar descalço e nu em praça pública como testemunha (não que seja­ mos chamados para fazer isso!) e das lições objetivas através de formas simbólicas de comportamento que seriam, do ponto de vista social, total­ mente ofensivas para os seus contemporâneos. Portanto, por um lado, tenho respeito pelas pessoas que têm a audácia e a coragem de pregar dessa forma. Mas tenho visto outros tipos de pregação de rua — o tipo em que alguém pega um megafone, fica em pé na esquina e prega para as pessoas que estão presas num sinal vermelho. As pessoas não querem ouvir e são, de certa forma, bombardeadas por esse tipo de atividade. Às vezes podemos ser grosseiros na maneira como pregamos, e creio que devemos ser cuidadosos. Parte de minha dificuldade, entretanto, é meu próprio orgulho. Sou um cris­ tão e um pregador. Vivo numa cultura onde a pregação é aceitável em certos lugares e de determinadas maneiras, e é inaceitável socialmente em outros luga­ res e de outras maneiras. E quem decide o que é aceitável e o que não é? Nem sempre a decisão está sendo feita pelo partido certo, e não gosto de sofrer as conseqüências embaraçosas do comportamento socialmente inaceitável de ou­ tras pessoas. Não tenho certeza de que minhas reações negativas a algumas des­ sas coisas não estejam enraizadas em meu próprio orgulho e medo de que eu possa ter os mesmos defeitos. Espero que essas não sejam as razões básicas de meus sentimentos negativos contra algumas dessas atividades. Não tenho grandes entusiasmos com adesivos de pára-choque. Reco­ nheço que épocas diferentes têm diferentes meios de comunicação. Houve um tempo em que o evangelho era comunicado através de panfletos ou folhetos. Tudo era comunicado daquela forma. Depois, através de livros e música. As formas de comunicação mudam e as pessoas colocam suas men­ sagens em camisetas e nos pára-choques. Portanto, por que não os cristãos? Minha preocupação é não baratearmos a proclamação de Cristo sendo mui­ to graciosos ou muito espertos com essas formas. A IGREJA “Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, no qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito — E f é s io s 2.19-22 Perguntas dessa seção: • • • • • • • • • • • • • • Quem foi o primeiro cristão? Quais são os elementos fundamentais para o crescimento da igreja? Quais são as diferenças essenciais na estrutura das igrejas? O que precisamos saber a respeito de uma igreja antes de freqüentá-la, e o que precisamos saber antes de nos tomarmos membros? Como podemos reagir às decisões insatisfatórias tomadas nos concílios que governam nossas igrejas? Como nós, os leigos, podemos nos fazer ouvir? O que devo fazer se meu pastor é mais liberal do que eu, e quando é a hora de deixar a igreja? Algumas igrejas e colégios cristãos têm estabelecido padrões de compor­ tamento para todos os membros e estudantes. Isso é bíblico? Qual é o significado do batismo? O sr. encorajaria um adulto que aceitou a Cristo recentemente a ser batizado mesmo que ele ou ela já tenham sido batizados na infância? O que causa mais pressão ou tensão em meu pastor? Os pastores deveriam se candidatar a cargos políticos? A mulher deveria assumir cargos na igreja? Em 1 Coríntios 11, Paulo trata do véu para mulheres na igreja. Como isso se aplica à igreja cristã hoje? Como os membros da igreja podem influenciar a educação dada nos se­ minários? • • • • • • • • • • • • Por que devemos guardar o dia de descanso atualmente? Por que tantas pessoas acham que o culto é aborrecido? O que significa adorar a Deus em espírito e em verdade? Por que é necessário louvar ao Senhor, e qual a base bíblica para isso? Dr. James Packer critica os cristãos por usarem crucifixos e figuras de Jesus como símbolos do cristianismo, dizendo que isso quebra o segundo mandamento de Deus. Como o sr. se sente a respeito? O que verdadeiramente recebemos de Jesus Cristo quando participamos da Santa Ceia? Deveríamos confessar nossos pecados uns aos outros como diz o livro de Tiago? Em Gálatas 6, qual é a diferença entre a admoestação “levai as cargas uns dos outros” e a afirmação de que “cada um levará o seu próprio fardo?” A celebração do Natal é um ritual pagão? Poderia nos dizer porque o X é usado para substituir Cristo? Qual a necessidade mais urgente da Igreja Evangélica hoje para que ela tenha um impacto sobre a sociedade? Qual a questão mais crucial que a igreja enfrenta hoje? • Q u e m foi o p r im e ir o cristão? Depende de como definimos um cristão. No livro The Churchfrom Abel (A Igreja desde Abel), escrito na década de sessenta, o teólogo católico romano Yves Congar voltou às passagens do Antigo Testamento onde se registra a discrepância entre a oferta que Abel trouxe diante de Deus e a oferta de seu irmão Caim. Você se lembra que a oferta de Caim não foi aceitável a Deus, e ele, com inveja, rebelou-se e assassinou seu irmão Abel. Nesse sentido, Abel foi o primeiro mártir da fé. Congar continua para suge­ rir que a igreja realmente nasceu com esse ato de devoção e adoração de Abel. Poderíamos voltar mais atrás ainda. O primeiro vislumbre do evange­ lho é encontrado na promessa que Deus faz a Adão e Eva no jardim. Depois que a maldição é imposta sobre eles, há a promessa de que alguém virá, nascido da semente da mulher, o qual esmagará a cabeça da serpente embo­ ra tendo o seu próprio calcanhar machucado no processo. Podemos assu­ mir, creio eu, que ambos, Adão e Eva, puseram sua confiança e sua fé na­ quela promessa de Deus para sua futura redenção. Portanto, poderíamos dizer que os primeiros cristãos foram Adão e Eva. Se quisermos ser mais específicos, considerando um conhecimento pessoal de Jesus, então o meu candidato seria a mãe de Jesus. O anjo anunciou à Maria que ela havia recebido o poder do Deus altíssimo e havia concebido aquele que deveria nascer e ser chamado Jesus, aquele que salvaria o seu povo dos seus pecados — ele deveria ser um salvador. Quando esse anúncio foi feito à virgem Maria, ela cantou o Magnificat (A oração de Maria recebe esse nome porque essa é a expressão latina que inicia a oração. Magnificat quer dizer engrandecer. N.T.) sob a inspi­ ração do Espírito Santo: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador1’ (Lc 1.46). Penso que Maria, naquele momento, estava colocando sua confiança e sua fé na criança que dentro em pouco estaria crescendo em seu ventre. Portanto, eu diria que no Novo Testamento, Maria foi a primeira cristã. O termo cristão não foi nem sequer usado até o livro de Atos. Ali lemos que os crentes em Jesus foram chamados cristãos pela primeira vez em Antioquia. Portanto, alguns podem argumentar a favor dessa ocasião. Obvi­ amente, quem teria direito ao título de primeiro, seria uma questão de como você encara os fatos, e não de dogma teológico. • Quais são os e le m e n t o s f u n d a m e n t a i s para o c r e s c i m e n ­ to da igreja? A chave mais importante é a obra do Espírito Santo. Vemos no livro dos Atos que era o Senhor quem acrescentava diariamente à igreja. Mas isso não significa que toda vez que vemos igrejas superlotadas de membros isto seja obra do Espírito Santo. Humanamente falando, creio que há alguns indícios absolutamente importantes. Houve nos Estados Unidos um estudo feito com pessoas que haviam dei­ xado a igreja. A pergunta feita a essas pessoas foi: “Por que você parou de ir à igreja?” A razão número um foi: “A igreja é maçante.” A segunda maior razão foi que, no julgamento dessas pessoas, a igreja é irrelevante. Tenho refletido sobre essas respostas muitas vezes. Quando olho para as Escrituras vejo que ao longo da história da redenção, quando as pessoas encontram a Deus, elas têm diferentes tipos de reação. Algumas delas cho­ ram, algumas riem, algumas cantam, outras gritam, algumas correm, algu­ mas ficam assustadas, algumas delas ficam bravas. Mas nunca li nas Escri­ turas um relato de alguém que tenha encontrado a Deus e se sentido ente- diado. A mim me pareceria que, se em nossas igrejas as pessoas estivessem tendo um encontro vital com o Deus vivo, ninguém diria que a igreja é maçante. E não creio que elas considerariam a experiência irrelevante. Agora, vamos olhar de uma perspectiva diferente. Se você perguntar às pessoas que freqüentam a igreja por que elas vão à igreja, posso dizer qual seria a razão número um. As pessoas diriam que vão à igreja para adorar a Deus. Elas sabem que essa é a primeira razão pela qual se deve ir à igreja. Mas a razão real pela qual elas vão à igreja é a comunhão que encontram lá; vão para estar com outras pessoas. Penso que um pastor sábio compreende isso. Portanto, creio que dois dos mais importantes fatores na experiência da igreja são: (1) o próprio culto se toma um evento pelo qual as pessoas são trazidas à presença do Deus vivo e (2) a igreja reconhece que as pessoas precisam de comunhão, que elas precisam se relacionar com outras pessoas no contexto da igreja. As igrejas que colocam uma grande ênfase numa adoração expressiva e vital e que estão atendendo a necessidade de comu­ nhão das pessoas são as igrejas que têm a maior possibilidade de crescer. Creio também que um dos ingredientes vitais para o crescimento das igre­ jas é uma pregação bíblica e vigorosa. • Quais são as diferenças essenciais n a estru tura das igrejas? Normalmente, quando nos referimos à estrutura eclesiástica estamos falando a respeito da forma pela qual a igreja se organiza em termos de autoridade. Há basicamente três tipos de estrutura diferentes entre as igre­ jas cristãs: a forma de governo episcopal, a presbiteriana e a congregacional. A maioria das igrejas cai em uma dessas três categorias de estrutura. Por “episcopal” não me refiro especificamente ao que chamamos de Igreja Episcopal. Estou usando o termo num sentido genérico. A palavra episcopal vem da palavra grega do Novo Testamento episcopos, que quer dizer bispo ou supervisor. Nesse modelo, a autoridade ou liderança pastoral é investida sobre uma pessoa que governa uma área, chamada diocese em algumas culturas. As denominações Anglicana, Episcopal e Metodista usam esse tipo de estrutura. Encontramos esse modelo também na Igreja Católica Romana, e várias outras igrejas católicas como a Igreja Grega Ortodoxa. O sistema presbiteriano é mais do tipo representativo de governo, no qual a autoridade não está baseada numa pessoa que supervisiona outros pastores, mas num presbitério, que se parece com um congresso nacional. Esse corpo de presbíteros tem autoridade sobre as igrejas locais. No sistema congregacional, as congregações locais não são ligadas umas às outras por bispos ou presbitérios, mas por uma associação livre e volun­ tária. A autoridade ou estrutura da igreja tem a sua origem dentro da con­ gregação local. Todas essas formas têm algum tipo de autoridade que provê uma lide­ rança dominante para os membros daquela comunidade. Essas são as prin­ cipais diferenças entre as comunidades cristãs. Outras diferenças de estru­ tura refletem diferenças teológicas, por exemplo, o ponto central do culto são os sacramentos ou é a pregação? Estas não são tanto uma questão estru­ tural, mas de doutrina que, por sua vez, afetam a estrutura. • O q u e precisam os saber a respeito de u m a igreja a n te s de f r e q ü e n t á - l a , e o q u e d e v e m o s sa ber a n te s de n o s t o r ­ narm os m embros? Antes de freqüentar uma igreja deveríamos saber se ela é uma igreja legítima. Obviamente, se o título na fachada diz: “Igreja de Satanás” sabe­ mos que essa não é uma comunidade legítima de crentes cristãos. Mas o que dizer de igrejas que não são legítimas por razões menos óbvias? Algu­ mas comunidades religiosas alegam ser cristãs mas, no meu julgamento e no julgamento de muitos cristãos, essas comunidades não são cristãs, mas comunidades apóstatas. Até mesmo freqüentar os seus cultos pode ser um pecado. Não podemos esperar que uma igreja seja perfeita. Mas ela se man­ tém fiel à essência da fé? Afirma uma convicção básica e sólida na divinda­ de de Cristo e em outros aspectos de sua pessoa e de sua obra que encontra­ mos expressos no Novo Testamento? Agora, podemos estar adorando todos os dias com pessoas que profes­ sam ser cristãos mas não o são; isso não podemos evitar porque Deus não nos deu a habilidade de olhar dentro do coração da outra pessoa e dizer exatamente em que situação ela está espiritualmente. Mas podemos indagar das convicções básicas de uma igreja, e deseja­ mos nos unir em adoração apenas com um grupo de pessoas que esteja tentando fazer o que é próprio aos olhos de Deus. Obviamente, esse mínimo indispensável deve ser feito antes dt freqüentar uma igreja. Antes de se unir a uma igreja, eu diria que você deve examinála mais cuidadosamente. Você deveria fazer perguntas como: Essa é uma igreja onde o evangelho está sendo pregado, onde existe fidelidade às Es­ crituras? Essa é uma comunidade com a qual estou preparado para assumir um compromisso pessoal de meu tempo, meu dinheiro, minha devoção, um lugar onde serei guiado num crescimento espiritual juntamente com minha família? Creio que esse é o tipo de pergunta que deve ser examinada cuidado­ samente antes de assumir um compromisso de participar como membro de uma comunidade. Em nosso país, freqüentemente nos unimos à igreja no mesmo espírito com que nos unimos a outras organizações, esquecendo que quando nos unimos a uma igreja, fazemos um voto sagrado diante de Deus de realizar certos atos — de estar presente nos cultos, de fazer uso diligente dos meios de graça, de ser um participante ativo naquela igreja. Antes de assumir um voto de cumprir todas essas coisas, você deve saber a que você está se unindo e então, tendo feito o voto, estar preparado para cumpri-lo. • C o m o p o d e m o s reagir a decisões insatisfatórias — c o m o posições liberais q u a n t o ao aborto — t o m a d a s n o s c o n ­ cílios q u e g o v e r n a m nossas igrejas? C o m o nós, os leigos, p o d e m o s no s fazer ouvir? Essa pergunta só pode ser respondida levando em consideração a estru­ tura das várias denominações. Algumas denominações operam numa base puramente congregacional, na base da igreja local. Se cada denominação é autônoma e capaz de tomar suas próprias decisões e, em certos casos, esta­ belecer suas próprias políticas, então é muito mais fácil para os leigos con­ seguir que seus pontos de vista sejam ouvidos. Mas se nos encontramos num contexto em que a igreja tem um corpo de representantes ou um concí­ lio geral que estabelece a política e toma as decisões pela denominação como um todo (como no caso dos Metodistas, Episcopais, Presbiterianos e Católicos), estes organismos representativos nem sempre refletem o que você crê individualmente. Você me pergunta por uma estratégia de como vencer isso. Realmente não sei, apenas posso dizer que sempre que houver oportunidade, faça ou­ vir a sua posição. Em muitas denominações, a pessoa tem direito de voto na congregação local, e é ali que você tem oportunidade de expressar seu pon­ to de vista e colocar sua desaprovação. Algumas vezes, assim como na es­ trutura governamental do mundo secular, você tem líderes — representan­ tes — a quem você pode escrever e tomar conhecida sua posição. Alguns grupos dentro da igreja podem ter uma posição diferente. Na maioria das denominações há grupos minoritários representativos de comunicação nos quais você pode fazer ouvir a sua voz. Mesmo nas situações em que você sente que sua voz tem muito pouco impacto, não creio que seja apropriado não fazer nada. Nem penso que seja apropriado abandonar a igreja por qualquer discordância que você tenha com os concílios que a governam. Toda igreja está constantemente procu­ rando a si mesma, examinando sua posição sobre vários assuntos. E creio que somos chamados a sermos pacientes com nossas denominações e com nossos concílios eclesiásticos em algumas dessas questões. Alguns pronun­ ciamentos do Supremo Concílio partem o meu coração, e fico muito entris­ tecido com eles. Eu me apresso a dizer que eles não necessariamente me representam naquele ponto. Mas há níveis diferentes de pronunciamento. Por exemplo, quando a Igreja Católica Romana emite um decreto papal, isto é muito diferente de um documento de estudo que esteja sendo apre­ sentado por um grupo de sacerdotes católicos; um estudo não tem o mesmo peso de uma encíclica papal. Um pronunciamento feito pelo Supremo Concílio de uma Igreja Presbi­ teriana é algo significativo, mas não tem o mesmo peso que uma afirmação doutrinária dessa mesma denominação. Portanto, creio que devemos pesar esses fatores à medida que lutamos juntos pelas soluções. • O q u e de vo fazer se m e u pa sto r é m ais liberal d o q u e eu, e q u a n d o é h o r a de deixar a igreja? Os termos liberal e conservador não são termos sem sentido, mas são rótulos muito amplos. Não sei onde você se situa, e quando você fala sobre um ministro que é mais liberal que você, talvez você seja um conservador inflamado. Você pode ser o extremista fanático da ala direita e o que consi­ dera liberalismo pode ser pura ortodoxia! Digamos que o conservador é uma pessoa que resiste a mudanças, que aderiu ao status quo. Sendo cristãos, não podemos nos permitir abordar a vida dessa maneira. Nunca chegamos a um estado perfeito na vida da igreja ou em nossa compreensão das coisas de Deus; não é uma boa idéia conser­ var todas as coisas do passado. Devo estar sempre aberto à Reforma e a novos crescimentos e experiências em matéria de fé e vida. De uma perspectiva histórica, liberal é um termo maravilhoso. Descre­ ve alguém que experimentou liberdade, que não está amarrado simples­ mente a tradições de homens, alguém que está aberto para novos horizon­ tes, novas vistas, novas aventuras no reino de Deus. Num outro sentido, liberal não é um termo amigável para o cristianismo. Por exemplo, houve um movimento na igreja do século XIX que adotou o termo liberal como uma definição técnica para todo um sistema de teologia que categorica­ mente apagou o sobrenatural da fé cristã, negando não apenas o Nascimen­ to Virginal, mas a própria Encarnação — os milagres de Jesus, a redenção de Cristo, a ressurreição de Jesus, a ascensão de Jesus e a sua volta. Não reconheço aquela escola de pensamento como parte de um debate intramuros entre cristãos tentando elucidar nossas crenças. Existe muito espaço para discordância dentro do corpo de Cristo. Mas a negação sistemática do so­ brenatural, que encontramos no liberalismo do século XIX foi, eu diria, subcristão ou não-cristão ou verdadeiramente antitético ao cristianismo. Lá havia pessoas dentro da igreja, negando aquilo que eu consideraria essenci­ al à fé cristã. Se seu pastor é um liberal no sentido de que ele está na realidade negan­ do doutrinas básicas da fé cristã, então você tem um problema sério nas mãos. Dependendo de sua denominação, há certos meios de acesso através dos quais você poderia registrar sua queixa. A maioria das igrejas tem tri­ bunais eclesiásticos para tratar de hereges, e esse caso de liberalismo é here­ sia. Herege não é uma palavra que usamos comumente nessa geração culta e esclarecida, mas existem verdadeiros hereges. A respeito de deixar ou não a igreja, eu diria que sua atitude básica deveria ser de enorme paciência porque a igreja é maior que um ministro individual ou até mesmo que uma comunidade específica e local de cren­ tes. Se você descobrir que uma denominação inteira assumiu uma posição herética negando aquilo que é essencial na fé cristã, então penso que está na hora de partir. • A l g u m a s igrejas e u n i v e r s i d a d e s cristãs e s t a b e l e c e r a m p a d r õ e s d e c o m p o r t a m e n t o para t o d o s os m e m b r o s e e s t u d a n te s . Isso é bíblico? Vou tentar responder essa pergunta a partir do que tenho encontrado no con­ texto dos colégios e universidade cristãs. Antes de mais nada, creio que é perfeitamente apropriado que um colégio ou universidade particular tenha padrões que são impostos sobre seus alunos. Creio que é particularmente importante que, se uma instituição se intitula instituição cristã, ela seja extremamente cuidadosa para não impor padrões ou regras que vão além daquilo que a Bíblia realmente fala. O que acontece é que as pessoas olham para essas situações e dizem: “Oh, é isso que os cristãos fazem ou não fazem.” Se somos tão restritos e tão rígidos que impomos regras e regulamentos sobre situa­ ções nas quais Deus deixa as pessoas livres, estamos provocando o descontenta­ mento de Deus. Isso porque, na realidade, estamos distorcendo a lei de Deus. Menciono isso porque tenho visto muitas universidades e colégios cristãos que, em meu julgamento, têm regras e regulamentos que vão muito além daquilo que as Escrituras requerem das pessoas. De fato, eles impõem um tipo de legalismo que é uma distorção da Palavra de Deus e comunica aos estudantes e ao mundo um retrato da fé cristã que simplesmente não é exato. A motivação por trás des­ ses regulamentos é, em geral, boa. As pessoas que os estabelecem entendem que os jovens são particularmente inclinados a dar suas cabeçadas e experimentar tipos de comportamentos que são questionáveis. Muitas vezes, a universidade é a primeira situação na qual o jovem está longe de casa e sozinho para tomar decisões importantes. Eles precisam aprender a lidar com uma liberdade que não experimentaram antes. Por isso os cristãos se enchem de zelo para protegê-los do mundo e de cair em pecados perigosos, e fazem isso reforçando as restrições e adicionando regras. O efeito negativo desse modelo é a supercorreção ou superproteção que, freqüentemente, leva os estudantes a se rebelarem. Outro efeito negativo é que os estudantes que não se rebelam acabam ficando ainda mais isolados do mundo no qual vivemos — a verdadeira arena da redenção. Lembro-me de uma universidade cristã em particular que fez parte de um estu­ do nacional sobre complexo de culpa entre os estudantes. Esta escola cristã, em particular, apresentou um índice de 99%. Em outras palavras, há problemas sérios de estudantes paralisados e obcecados pela culpa naquele campus. Uma universi­ dade cristã é o lugar onde deveríamos sentir o desprendimento e a libertação da culpa porque experimentamos o perdão que é nosso em Cristo. Portanto, eu diria que há um lugar e um propósito para certos padrões numa instituição particular, mas a aplicação errônea dessa proteção é extremamente perigosa. • Q u a l o significado do b a ti s m o ? A propósito, a palavra significado tem sua raiz na palavra sinal. Um sinal aponta para algo além de si mesmo. Todos reconhecemos que qualquer que seja o significado do batismo, Jesus sem dúvida pensou que ele era muito importante pois ordena que batizemos todas as nações em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Qualquer coisa a mais que ele seja, o batismo é o sinal da nova aliança que Deus faz com seu povo. Temos o mandamento claro, no Novo Testamento, que os cristãos devem ser batizados. Pessoalmente, não creio que o batismo seja essencial para a salvação. Se eu cresse nisso deveria pensar que o ladrão na cruz, que rece­ beu a promessa do paraíso com Jesus, estaria desqualificado pois, obviamente, não teve a oportunidade de ser batizado. Mas creio que o batismo é essencial para a obediência, porque Cristo o ordena. E a mesma coisa da pergunta que é feita por alguns: “E necessário ir à igreja para ir para o céu?” Eu diria: “obviamente não.” Mas você deve ir à igreja para obedecer a Cristo? Sim, você deve. E se você não está disposto a obedecer a Cristo e não tem nenhuma intenção de seguir os seus mandamentos, isso pode ser um sinal de que você não está se dirigindo para o céu. Portanto, o envolvimento com a igreja se toma uma questão séria de obediência. Eu diria o mesmo sobre o sacramento do batismo. É o sinal da nova aliança. E um sinal de nossa participação em Jesus, de sermos participantes de sua morte e ressurreição que formam a essência do evangelho. Também é o sinal de nossa purificação do pecado e da culpa pela obra de Jesus e pela lavagem da regenera­ ção. O que fazemos exteriormente com água, o Espírito faz interiormente com sua graça. Portanto, ele é um sinal da nossa purificação. É também um sinal da nossa santificação. É um sinal de nosso batismo do Espírito Santo. E um sinal de havermos sido colocados à parte do mundo e havermos recebido a tarefa santa de cumprir a comissão que Cristo dá à sua igreja. Portanto, o batismo significa várias coisas. Creio que uma de nossas tendên­ cias é reduzi-lo a uma só — transformando-o meramente num rito de purifica­ ção ou simplesmente num sinal do revestimento de poder dado pelo Espírito Santo — quando, na realidade, é um sacramento rico e cheio de significado. • O sr. encorajaria u m a d u lto q u e aceitou a Cristo re c e n te ­ m e n t e a ser b a tiza d o m e s m o q u e ele ou ela já te n h a sido b a tiz a d o n a infância? Sem dúvida, há um grande número de pessoas que encorajaria um re­ cém convertido à fé cristã, a ser batizado como adulto, mesmo que já tenha sido batizado na infância. A razão principal é que um grande número de cristãos crêem que é impróprio batizar crianças. Eles não reconhecem a sua validade, portanto, em seu entendimento, esse batismo adulto é o único verdadeiro batismo que as pessoas recebem. Eu creio que o batismo infantil é próprio e deve ser praticado pela igre­ ja. Como você sabe, a igreja é dividida mais ou menos pela metade nessa questão, mas eu faço parte da metade que crê no batismo infantil. A razão pela qual eu não encorajaria a pessoa a ser batizada pela segunda vez é a seguinte: Nós consideramos o batismo como um sinal da promessa de Deus de trazer a medida completa da redenção para aqueles que colocam sua confian­ ça em Cristo, e é um sinal de cerca de sete ou oito bênçãos sobre as quais o Novo Testamento elabora. É um sinal da promessa de Deus e a integridade e validade desse sinal não repousam no ministro ou sacerdote que administra o sacramento, nem sobre a integridade dos pais que trazem a criança para ser batizada, nem na fé ou falta dela por parte da criança. A integridade da promessa pertence funda­ mentalmente à integridade daquele que faz a promessa, isto é, a Deus. Eis o cenário: Há uma criança que recebe o sinal da promessa da aliança de Deus, assegurado por toda integridade do próprio Deus. Na ocasião, isso não significa nada para o bebê, e talvez nem mesmo para o sacerdote ou para os pais. Talvez seja um mistério para todos eles. Então, vinte e cinco anos mais tarde, a pessoa se converte e recebe todos os benefícios que a promessa significava. Ela, então, vem a mim e deseja que eu a batize novamente. Normalmente, elas dizem: “Não significava nada para mim antes. Eu não estava nem sequer consciente disso. Agora que sou cristão desejo experimentar esse sacramento do batismo. Certamente, olho com bons olhos esse anseio e compreendo o desejo da pessoa de ter a experiência de passar pela água do batismo e receber o sinal e o selo exterior de todas aquelas coisas maravilhosas que ela está experimentando. Mas a razão pela qual eu não encorajaria um segundo batismo é que, na realidade, esse é um sinal da promessa de Deus de que certas coisas aconteceriam se a pessoa colocasse sua confiança em Cristo, por que en­ tão essa pessoa viria diante de Deus e diria: “Por favor, repete a promessa para mim!” Fazer isso, na realidade, lança uma sombra na integridade da promessa original que Deus acaba de cumprir em toda sua magnificência. Logicamente, eu diria que a repetição do ato seria um insulto velado à integridade de Deus, embo­ ra eu reconheça plenamente que nenhuma pessoa, em um milhão, que recebe o segundo batismo, tem a intenção de que ele seja um insulto. • O q u e causa m ais te n s ã o o u pressão e m m e u pastor? No seminário, tenho a responsabilidade de ensinar não somente estu­ dantes do curso de graduação, mas também estudantes do programa de doutoramento que está aberto apenas para aqueles que já estão no pastorado ativo por pelo menos cinco anos. Quando voltam ao seminário para aprofundar sua educação, temos muiJ tas oportunidades de discutir, junto com um grande número de pastores, quais são, segundo a percepção de cada um, as pressões mais fortes. Embora varie de pessoa para pessoa, dois tipos de estresse aparecem freqüentemente. O maior problema com que o pastor precisa lidar é tentar manter as pessoas felizes. Como líder de um grupo de pessoas, o pastor precisa ocu­ par-se constantemente com a crítica daqueles que estão descontentes com ele, alguns dos quais estão fazendo objeções a ele. Quando você é líder e porta-voz de um grupo, a crítica faz parte do programa. E semelhante ao cargo de presidente de uma companhia. Quando o presidente tem uma reu­ nião com sua equipe, assim que deixa a sala, ele sabe que uma segunda reunião terá lugar. A equipe vai discutir entre si e avaliar, analisar, queixarse, reclamar ou regozijar sobre o que ele, o presidente, fez. O líder espiritual da igreja é o pastor. O pastor fala todo domingo de manhã, e todo domingo à noite temos churrasco de pastor para o lanche nos lares daqueles que ouviram o sermão. As pessoas concordam ou discordam, ficam felizes ou infelizes. Na segunda feira, ele recebe as cartas, a frieza e as reclamações. A maior fonte de estresse que encontro entre os pastores é lidar com a crítica pessoal. Creio que o segundo ponto de tensão na vida do pastor são as finan­ ças. Sei que, provavelmente desde que a igreja existe, as pessoas recla­ mam: “O pastor está sempre pedindo dinheiro,” ou “Eles estão sempre passando a salva da coleta.” Mas nenhuma organização consegue funci­ onar sem recursos financeiros. Compreendemos que algumas pessoas le­ vam a questão financeira ao extremo. Mas nossos educadores, músicos e pastores são os profissionais mais mal pagos em nosso país. Em todas as outras profissões, o salário é estabelecido, até certo nível, pelo mercado. Mas, na Bíblia, Deus estabelece o valor do ministro e exige que as pesso­ as entreguem seus dízimos para garantir que o pastor seja pago. Não é assim que funciona em nosso país. Alguns poucos pastores em superigrejas vivem bem financeiramente, mas a maioria luta para conseguir que o salário chegue ao fim do mês, porque não são valorizados pelos membros da igreja da mesma forma que Deus os valoriza, como está registrado nas Escrituras. Isso não apenas os fere financeiramente, mas insulta a sua dignidade. Por causa do modo como são pagos, os pastores sentem que não são apreciados. • Os p asto res d e v em se c a n d id a ta r a cargos políticos? Nas história política americana notamos muitas oportunidades nas quais os pastores se candidatam e são eleitos para cargos políticos. Desde os tem­ pos do Congresso Continental (Assembléia Legislativa que governou os Estados Unidos durante a Guerra de Independência, N.T.) encontramos esse tipo de representação. Mas os pastores devem se candidatar a cargos políticos? Nos Estados Unidos, temos um princípio importante: a separação entre estado e igreja. Isso significa que há duas esferas de autoridade, uma é de responsabilidade dos políticos e a outra é função da igreja institucional. Não é dever da igreja ser o estado, e não elegemos pastores para que eles funcionem como pasto­ res em seus cargos políticos. Mas um pastor pode decidir deixar sua vocação eclesiástica e entrar na esfera política? Basicamente, essa é uma questão entre a pessoa e Deus. Por exemplo, sou ordenado ao ministério, sou um sacerdote, e isso porque tenho tentado demonstrar à igreja que tenho um chamado, ou uma vocação para o ministério dentro da vida da igreja. Essa vocação vem de Deus; ele me cha­ mou para ser ministro ou pastor. Se Deus me chama para ser pastor e eu decido — por minha própria ambição — candidatar-me ao Senado ou à Câ­ mara, e ao fazer isso abandono a vocação que Deus me deu, então estou numa séria situação diante de Deus, pois estou desobedecendo minha vocação. Lembre-se que quando Paulo testemunhou diante do rei Agripa (Atos 26), falou do chamado que recebeu de Cristo para se tomar apóstolo? Ele disse: “Pelo que, ó rei Agripa, não fui desobediente à visão celestial” (At 26.19). Seria possível que Deus chamasse uma pessoa para o ministério durante um certo período de sua vida e depois lhe desse uma nova vocação na arena política? Não conheço nenhuma razão pela qual isso não possa acontecer. Na história da igreja tem havido situações nas quais a própria igreja tem até mesmo sugerido a alguns de seus ministros que tirem, por assim dizer, umas férias de seus deveres eclesiásticos e sirvam a Deus numa função diferente — na política ou nos negócios ou em qualquer outro em­ prego. Creio que é possível haver uma mudança de vocação. • A m u lh e r deveria a s s u m ir cargos n a igreja? Algumas pessoas vêem a controvérsia sobre liderança feminina na igre­ ja simplesmente como um choque entre dois pontos de vista — um que defende a liberação da mulher de uma forma ou outra, e o outro como tei­ mosia de machismo chauvinista. Mas essa é uma abordagem simplista a respeito da questão muito controvertida da ordenação feminina. Em 1 Timóteo 2.12, o apóstolo Paulo estabelece as qualificações para lide­ rança da igreja, e faz a seguinte afirmação: “E não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem”. Note, entretanto, que ele não diz: “não permitirei que a mulher seja pastora” nem diz: “não permitirei que a mulher seja ordenada para o ministério.” O que ele diz é: “não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem”. Aqui é que está o problema. O verbo que Paulo usa nessa passagem e que foi traduzido por “autoridade” ocor­ re apenas uma vez em todo o Novo Testamento nesse contexto particular. Por­ que essa palavra é usada apenas uma vez no Novo Testamento e raramente aparece em outras formas de literatura grega do mesmo período que ainda po­ dem ser encontradas hoje, não temos absoluta certeza do que a palavra signifi­ ca. Mesmo assim lutamos para ser obedientes às linhas gerais e às restrições para governo da igreja que são apresentadas no Novo Testamento. Eu diria que Paulo proíbe que a mulher tenha algum tipo de autoridade. Quando estudo os padrões do Novo Testamento, penso que o que Paulo está dizendo é que as mulheres podem estar envolvidas em todos os tipos de função de ministério na igreja, mas que o papel de autoridade jurídica ou de autoridade de governo não deve ser exercido por mulheres. Eu acrescenta­ ria que a grande maioria dos estudiosos do Novo Testamento ao longo dos anos concordaram com a posição que acabei de apresentar. Sei que, em certas denominações, a ordenação significa que a pessoa pode ter autorida­ de de governo na igreja. Se o apóstolo proíbe isso, e se o proíbe para todas as gerações, então essa prática hoje, ontem ou amanhã seria discrepante em relação à autoridade apostólica e, portanto, seria discrepante em relação à autoridade de Cristo. • Em 1 C oríntios 11, Paulo trata do véu para m u lh e r e s na igreja. C o m o isso se aplica a igreja cristã hoje? Durante o meu período de ginásio, quando ia à igreja nos domingos de manhã, nunca vi uma mulher na igreja (era uma igreja presbiteriana tradici­ onal) que não tivesse sua cabeça coberta com um chapéu ou um véu. Esse é um daqueles costumes que simplesmente desapareceram na grande maioria de nossa cultura cristã. Se você for à minha igreja presbiteriana nesse do­ mingo, verá duas mulheres usando chapéu. Uma é uma senhora holandesa, conservadora ferrenha, e a outra é minha esposa, pois estamos persuadidos de que o mandamento bíblico ainda é válido. Sabemos que, no Novo Testamento, algumas regras são ditadas pelo costu­ me e outras são ditadas por princípio. Por exemplo, quando Jesus enviou os setenta discípulos numa missão de evangelismo, ele lhes disse para não levar sandálias com eles. Isso não significa que toda pregação e todo evangelismo deva ser feito com os pés descalços. Billy Graham não está pecando quando usa sapatos ao pregar o evangelho. Mas há muitos casos como esses que não são tão óbvios. No contexto total do capítulo onze de 1 Coríntios, as mulheres são ins­ truídas a cobrir suas cabeças com véu, como um sinal de sua disposição de sub­ meter-se à liderança ou ao comando de seus maridos. Há três elementos aqui: a submissão da esposa ao marido como cabeça da família, o cobrir a cabeça, e o cobrir a cabeça com véu. Quanto disso é princípio e quanto é costume? Muitos cristãos crêem que não devemos mais dizer às mulheres que se sub­ metam ao comando de seus maridos. Portanto, as mulheres não têm que cobrir suas cabeças. Outros dizem que o princípio de comando ainda permanece na família, mas que o cobrir da cabeça era um costume cultural que não é exigido em nossos dias e, portanto, o véu não teria significado também. O terceiro ponto de vista sobre essa passagem é que ela está descrevendo um princípio, e que as mulheres devem cobrir suas cabeças e usar o véu para isso. Estou convencido de que quando Paulo diz que as mulheres devem cobrir suas cabeças, está baseando essa atitude na maneira como Deus criou macho e fêmea. Parece-me que, usando um princípio de interpretação que chamamos hermenêutica, se existe uma indicação de ordenança perpétua na igreja, essa seria a que está baseada num apelo à criação. Estou convencido de que o princípio de cobrir as cabeças ainda é valido porque está baseado na criação. E, embora não seja mais culturalmente aceito em nossa sociedade, ainda creio que é um princípio. Não creio que faça qualquer diferença se é um chapéu ou um véu, mas creio que o símbolo deveria permanecer intacto como sinal de nossa obediência a Deus. • C o m o os m e m b ro s da igreja p o d e m in flu en ciar a e d u c a ­ ção d a d a n o s sem inários? Creio que uma das maiores crises em nosso país está na educação teoló­ gica. Nas últimas décadas temos visto o afastamento de muitas instituições cristãs — inclusive universidade cristãs, colégios e até mesmo seminários — do cristianismo ortodoxo. Algumas de nossas melhores instituições educa­ cionais seculares iniciaram como seminários cristãos — Princeton, Harvard e Yale, por exemplo. Com o passar dos anos, essas instituições sofreram a influência da erudição secular, mudaram seus compromissos e, em alguns casos, os mudaram drasticamente. Honestamente, há muito pouco que os membros da igreja possam fazer para influenciar a educação dada nos seminários. Isso pode soar como pessimismo, mas a vida acadêmica é um mundo em si mesmo. Além disso, diferentes institui­ ções teológicas e seminários têm suas próprias regras e regulamentos a respeito de como estabelecer sua política educacional. Algumas vezes, essas políticas e pontos de vista dos seminários são inteiramente controlados pelo corpo docen­ te; em outros casos são controlados por um corpo de diretores; e em outros ainda pela administração. E mais ou menos tudo o que podemos fazer como indivíduos ou membros de uma igreja local é insistir em que as pessoas que chamamos para ser nossos pastores sejam homens piedosos, que estudaram pro­ fundamente as Escrituras e tenham conhecimento teológico. Pessoalmente, estou totalmente comprometido com a noção de um clero bem educado. Um dos grandes benefícios da Reforma Protestante foi tomar a Bíblia disponível para consulta individual e particular. Hoje imprimimos a Bíblia em nossa língua; ela não está mais restrita a publicações em latim, grego ou hebraico. Mas, ao mesmo tempo, quando lemos as Escrituras por nós mesmos, a própria Escritura nos diz que precisamos de professores. A Bíblia é, com freqüência, difícil e complexa e há um grande benefício em termos ministros e pastores altamente educados. E sua maneira de pensar — a própria natureza de seu minis­ tério — será moldada pela instituição que os educou. Portanto, o único caminho pelo qual podemos ter uma palavra nessa matéria como membros da igreja é na seleção de nossos pastores. Nem todo estudante de qualquer seminário representa, em sua totalidade, a linha seguida pelo seminário, mas deveríamos saber qual é a linha usada pelos seminários e, quando examinamos as credenciais de um pastor em potencial, deve­ ríamos considerar cuidadosamente onde ele recebeu sua educação teológica. • Por q u e d e v e m o s g u a rd a r o sábado ou dia de d e sca n so a tu a lm e n te ? Dentro da igrej a cristã, há três opções principais para responder a essa pergunta. Alguns cristãos crêem que o sábado (o inglês usa a expressão sabbath, mais próxima da hebraico para designar o dia de descanso. N.T.) era uma instituição do Antigo Testamento e que não tem nenhuma aplicação na igreja do Novo Testamento. Até mesmo um homem extraordinário como Santo Agostinho assumiu a posição de que a observância do sábado não teve pros­ seguimento na comunidade do Novo Testamento e, portanto, foi cumprida e terminada com a obra de Cristo. Há cristãos que sentem que não existe nenhum significado particular na observância do sábado hoje, embora eles representem uma minoria. A maioria dos cristãos, embora possa haver discordância sobre que dia é o sábado — o sétimo ou o primeiro dia da semana — e como ele deve ser observado, ainda mantém que, de alguma forma, a comunidade cristã deve observar o sábado. Deus não estabeleceu o sábado no monte Sinai com Moisés e o povo de Israel, mas na Criação. Os últimos livros da Lei certamente dilataram a noção do sábado em termos das especificações de como ele deveria ser observado em Israel, mas o sábado existe muito antes que os Dez Manda­ mentos e outras leis fossem dadas ao povo Isso indicaria que uma vez que a criação existe, o sábado existe tam­ bém. Na aliança que fez com Israel, Deus disse: “Este é o meu sábado para todas as gerações.” O fato de ser uma ordenança da criação é uma forte evidência de que ainda há uma exigência de que o sábado seja observado pelos cristãos — na realidade, não apenas pelos cristãos, pois o sábado é parte do propósito de Deus para a humanidade desde o início. Essa é uma das razões pelas quais os estados têm leis que regulamentam o trabalho, diversão e comércio aos domingos. A observância do sábado não era nem sequer vista como violação do princípio de separação entre igreja e estado; todos deviam ter um sábado, quer fossem cristãos, judeus, maometanos ou qualquer outra coisa. No Novo Testamento, a igreja se reunia no Dia do Senhor, que é o primeiro dia da semana, para o culto. Temos um mandamento claro no Novo Testamento de que não devemos abandonar a assembléia dos san­ tos (Hb 10.25). Em outras palavras, a linguagem simples do Novo Tes­ tamento nos diz que os cristãos devem se reunir em culto congregacional no Dia do Senhor (ou Domingo, que quer dizer “Do Senhor” N.T.) Isso significa que devemos ir à igreja. Essa é normalmente considerada como uma das maneiras como o sábado deve ser observado. Todos os cristãos que conheço e que crêem que o sábado ainda é válido, concordam que, no sábado, ou dia de descanso, deveríamos cultuar a Deus e que a cada sete dias, deveria também haver um dia de descanso de comércio que não fosse essencial e de trabalho. Há previsões para o comércio que não pode parar — hospitais, farmácias, etc. Mas comércio visando vendas e lucro, deveria cessar no sábado. Esse grupo de cristãos que crê que o sábado deve ser observado, na realidade se divide em dois grupos. Um afirma o que chamamos de ponto de vista continental: A recreação é permitida no sábado. O outro afirma o ponto de vista puritano: A recreação é proibida no sábado. Eu adoto a posi­ ção de que a recreação é uma forma legítima de descanso no sábado. • Por q u e ta n ta s pessoas a c h a m q u e o culto é aborrecido? Algumas pessoas perguntaram a Sam Schumaker, um pastor episcopal em Pittsburgh, sobre os jovens que se convertem a Jesus através do trabalho de organizações paraeclesiásticas como Mocidade para Cristo, Vida Jovem, ou Cruzada Universitária. Eles se enchem de zelo por Cristo e então dei­ xam suas igrejas de origem. O entrevistador estava criticando tais organiza­ ções porque elas estavam tirando os jovens da igreja. Sam respondeu: “Não tenho certeza se essas organizações estão tirando os jovens da igreja, ou se as igrejas, em alguns casos, são tão sem vida que os jovens estão morrendo de tédio.” Sam usou a expressão: “Você não pode colocar um pintinho vivo debaixo de uma galinha morta.” É um triste comentário dizer que muitas vezes achamos o culto aborrecido. Nas Escrituras, vemos pessoas de todos os tipos de personalidade e ori­ gem respondendo a Deus. E eles respondem de diversas maneiras: lágri­ mas, medo, fuga, lamentação, choro, risada, dança, canto. Todas essas pai­ xões e emoções diferentes são provocadas pela presença de Deus. Mas há uma coisa que nunca encontro na Bíblia quando uma pessoa entra na pre­ sença do Deus vivo: Ela jamais se sente aborrecida. Se nossos cultos são aborrecidos, então temo que, de alguma forma, não estamos sendo capazes de comunicar a presença majestosa e fascinante de Deus. Penso que deve­ mos examinar seriamente o estilo de culto que caracteriza tantas das nossas igrejas nesses dias. Já me expus muitas vezes a respeito desse ponto dizendo que quando observo o culto bíblico — por exemplo, o culto que Deus delineou no Antigo Testamento — no seu centro está a proclamação da Palavra de Deus. Não apenas a mente está envolvida ao ouvir instruções, mas a pessoa como um todo — todos os cinco sentidos — está integrada no culto do povo de Israel no Antigo Testamento. Eles tinham o altar de incenso que estimulava a adoração com perfume suave. Os nervos auditivos eram estimulados pela música. A visão da magnificência do tabernáculo (e mais tarde do Templo) que foi desenhado não para fazer uma demonstração de ostentação ou ri­ queza nem para ser um monumento à grandeza humana, mas para mostrar a beleza da santidade de Deus. Agora, no culto protestante, em sua maioria sentamos e ouvimos a um sermão, o que é importante, mas a pessoa total não está envolvida ativamente no culto. Devemos estar dispostos a levar o culto de volta ao seu modelo bíblico de envolver a pessoa toda, se deseja­ mos superar essa tendência de aborrecer as pessoas. • O q u e significa a d o ra r a Deus e m espírito e e m verdade? Jesus não explica, em João 4.23, o que ele quer dizer com adorar ao Pai em espírito e em verdade, e podemos apenas fazer algumas especulações. De um lado podemos pensar sobre o fato de que o tipo de culto que Deus deseja de nós é o culto que vem do mais profundo de nós mesmos, do nosso espírito. Pensamos no Magnificat de Maria, por ocasião do anúncio da vin­ da do Messias, quando ela canta: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador" (Lc 1.46). Sua expressão era de adoração e reverência que vinha do profundo de sua alma. Era uma adoração espiritual no sentido de que não estava simplesmente na superfí­ cie. Ela não estava meramente seguindo os gestos mecânica e externamen­ te, mas eles vinham da profundidade do seu ser. Portanto, pode ser que, quanto à adoração espiritual, Jesus estivesse falando de uma adoração que vem da profundidade de nosso espírito huma­ no quando se dirige a Deus. O outro sentido possível do termo “espírito” nessa passagem, particu­ larmente pela maneira como está ligado à “verdade,” é a própria natureza de Deus e não a nossa profundidade espiritual. No curso da conversação de Jesus com a mulher, ele enfatiza que Deus é espírito, e liga essa declaração com a determinação de que ele deve ser adorado em espírito. Creio que o que Jesus quis dizer é que Deus deseja ser adorado como ele é, que ele deve ser honrado na plenitude do seu caráter. Não devemos despojar Deus de seus atributos quando chegamos diante dele em adoração, em honra e com louvor; não devemos transformá-lo num ídolo — nossa imagem daquilo que pensamos que ele deveria ser. Não é por acidente que os primeiros dois mandamentos do Decálogo abrangem e protegem a santidade do caráter de Deus, e estabelecem uma proibição absoluta contra a adoração aos ídolos. Lembre-se que a idolatria é uma das distorções primordiais e fundamen­ tais da religião autêntica. Vemos, na longa exposição de Paulo nos primeiros capítulos de Romanos por exemplo, sua expressão da ira de Deus contra aque­ les que o reduzem a um ídolo. Transformar Deus em um homem, em uma vaca ou num totem, ou mesmo numa idéia abstrata, não é próprio, pois isso troca sua glória eterna por uma mentira e Deus não suporta isso. Ele deseja que seu povo o adore como ele é, na plenitude de seu caráter espiritual e em verdade. Deus deseja adoração verdadeira e adoração espiritual. • Por q u e é necessário lo u v ar ao Senhor, e q u a l a base b í­ blica para isso? Não entendo exatamente o que você quer dizer com “necessário”. É nossa obrigação ética, como criaturas de um Deus vivo, oferecer a ele lou­ vor e adoração por aquilo que ele é. Eu diria que a justiça, mais do que qualquer outra coisa, exige nosso culto e adoração a Deus. Se voltarmos à definição da palavra que foi utilizada durante todo o mundo clássico e que foi bem definida pelo filósofo grego Aristóteles, justiça é dar a alguém aquilo que lhe é devido. Quando lemos as Escrituras, vemos indiretamente o julgamento de Deus sobre a raça humana. Em Romanos 1, Paulo tentou mostrar que todo o mundo é trazido diante do tribunal de Deus e é julgado culpado diante dele. Cristo vem a um mundo de pessoas decaídas e expostas ao julgamento de Deus pela razão básica de que Deus se revelou a todo ser humano nesse mundo, mas embora saibamos que há um Deus, nós nos recusamos a honrá-lo como Deus. Essa é a causa número um do julgamento de Deus sobre nós. Por nossa natureza decaída nos recusamos a dar a honra que é devida a Deus nosso Criador. Por que a honra é devida a Deus? Deus é intrinsecamente honorável. Ele merece nosso louvor e merece nossa adoração. Se Deus é louvável, então é nossa obrigação louvá-lo. Essa é uma dedução do caráter de Deus e do caráter de criaturas que devem ao seu Criador o crédito e a gratidão por todos os benefícios que recebem nesse mundo. Subentende-se que deve­ mos a ele louvor e gratidão. Além dessas referências indiretas, há a ordem direta das Escrituras para trazermos ofertas de louvor diante de Deus. Creio que é o Salmo 150 que diz: “Todo ser que respira louve ao SENHOR”. Repetidamente, tanto o Antigo quanto o Novo Testamentos nos dizem que Deus é espírito e que devemos adorá-lo em espírito e em verdade. Ado­ rar a Deus verdadeiramente é oferecer adoração e louvor. Paulo fala em nos oferecermos em sacrifício vivo, que é o nosso culto racional. É a coisa justa a fazer, é a coisa racional e religiosa a fazer. • O Dr. Ja m e s Packer, e m seu livro Knowing Goá (C o n h e c e n ­ d o a Deus), critica o u so de crucifixos e figuras de Jesus c o m o sím bolos do c ristian ism o d iz e n d o q u e isso q u e b ra o se g u n d o m a n d a m e n t o de Deus. C om o o sr. se se n te a re sp e ito ? Desejo prefaciar minha resposta dizendo que Jim Packer é um bom amigo e que já trabalhamos juntos muitas vezes em conferências teológicas. Sei que ele é um dos mais admiráveis estudiosos cristãos do mundo hoje. E um teólogo anglicano e tem raízes pessoais profundas na reforma protestante. Você deve estar ciente de que no século XVI, uma das questões cruciais do conflito entre a igreja católica romana e a reação protestante foi precisa­ mente o uso de imagens e pinturas na igreja. Houve a grande controvérsia iconoclasta e até mesmo na Alemanha de Lutero o povo chegou a ponto de arrombar igrejas católicas romanas e destruir algumas peças de arte porque acharam que elas eram uma violação ao segundo mandamento. Existe uma longa tradição de preocupação protestante a esse respeito porque o segun­ do mandamento diz: “Não farás para ti imagem de escultura, nem seme­ lhança alguma...” (Ex 20.4) Isso não é uma proibição completa contra a arte, como até mesmo os mais ardentes reformadores compreenderam. Há um fantástico uso de várias formas de arte na Bíblia — sendo o tabernáculo e o templo de Israel os exemplos principais. A proibição era contra qual­ quer semelhança humana de Deus. Houve uma concordância clara entre os reformadores de que não deve­ ria haver nenhuma imagem que tentasse representar a natureza de Deus. A pintura na Capela Sistina, por exemplo, retratando a mão e o dedo de Deus ao criar Adão, teria sido questionável para os reformadores. Historicamen­ te, a Igreja Católica Romana tem assumido uma posição forte dizendo que embora as pessoas possam servir à imagem, elas não devem adorar ídolos ou cruzes ou qualquer outra coisa como essas. Eles definiram idolatria; a palavra vem de idola latria, que quer dizer literalmente “adoração aos ídolos.” Eles fazem uma distinção entre servir à imagem e adorá-la; algumas pessoas, assim como Packer, dizem que essa é uma distinção sem diferen­ ça. Servir aos ídolos é adorá-los, e os reformadores não ficaram satisfeitos com a resposta católica romana. Agora você levanta a pergunta sobre a representação de Cristo e o uso da cruz. Há protestantes que não admitem qualquer símbolo na igreja, in­ clusive a cruz, com ou sem a figura de Cristo sobre ela. Packer está questi­ onando figuras de Jesus e cruzes. Pessoalmente, tenho um problema com isso de um ponto de vista prático. Não posso afirmar com toda certeza que representar a natureza humana de Jesus seja uma violação do segundo man­ damento. Mas não estou certo de que seja sábio, pois a representação pode­ ria comunicar às pessoas uma imagem errônea. A cabeça de Cristo feita por Salomão, apesar de toda a sua beleza, tem comunicado a várias gerações de pessoas um Jesus efeminado que parece menos do que vigoroso. Eu prefe­ riria não comunicar nada artisticamente sobre a aparência de Jesus do que colocar imagens erradas nas mentes das pessoas. • O q u e v e rd a d e ira m e n te recebem os de Jesus q u a n d o p a r­ tic ip a m o s da Santa Ceia? As várias entidades e denominações cristãs diferem profundamente so­ bre isso. Todos concordam, entretanto, em pelo menos um aspecto, isto é, que todos recebemos nutrição espiritual de Cristo. Como disse Calvino, nós nos alimentamos do corpo ressurreto de Cristo. Somos fortalecidos interi­ ormente pela graça que nos é oferecida por sua presença nessa circunstân­ cia singular. Sempre que temos comunhão com outros cristãos ou que va­ mos à casa de Deus, Cristo está presente. Entretanto, há algo especial a respeito do modo como Cristo se faz presente na Mesa do Senhor Temos prazer na companhia de outras pessoas como conhecidos e ami­ gos, mas gozamos de uma dimensão diferente de comunhão quando parti­ lhamos uma refeição na casa de alguém. Há algo profundamente enraizado na personalidade humana pelo qual experimentamos uma certa intimidade quando compartilhamos uma refeição. Isso não é menos verdadeiro na di­ mensão espiritual quando somos convidados a participar dessa celebração. E também uma oportunidade de renovação da graça do perdão. Chega­ mos à Mesa do Senhor num espírito de cuidadosa preparação e arrependi­ mento, para experimentarmos um senso renovado de cura e perdão que vem até nós, fluindo da cruz e da intercessão de Cristo por nós no céu. Há um outro tipo de renovação que quase sempre é menosprezado; estou con­ vencido de que todas as vezes que participamos da Ceia do Senhor estamos renovando nossa submissão ao Espírito Santo. Foi no cenáculo que Jesus praticou um costume judaico chamado sucessão de dinastia. Ele o fez com relação ao pacto pelo qual nos entregou à liderança do Espírito Santo — o mesmo Espírito que Jesus disse que haveria de derramar no dia de Pente­ costes. Num certo sentido, quando a igreja se reúne em santa comunhão, ela não apenas honra o seu rei e contempla o futuro banquete com ele, mas também se submete novamente à liderança do Espírito Santo. Eu diria que além e acima de todas essas coisas, o benefício mais pro­ fundo que recebemos na celebração da Ceia do Senhor é a presença imedi­ ata de Cristo. Novamente, nem todos concordam sobre o modo dessa pre­ sença. Pessoalmente, não creio que ele esteja presente de forma física, mas creio que ele está substantivamente, verdadeiramente presente com todo seu poder e majestade para nos assistir, nos alimentar, nos curar, e nos nu­ trir. Realmente comungamos com Cristo à Mesa. • D e v e ría m o s c o n fe s s a r n o s s o s p e c a d o s u n s aos o u t r o s c o m o diz o livro de Tiago? Se Tiago diz isso, então, sem dúvida, deveríamos confessar nossos pe­ cados uns aos outros. Entretanto, uma das grandes divisões entre cristãos diz respeito ao ato de confessar nossos pecados a outro ser humano. Por exemplo, a Igreja Católica Romana tem o sacramento da penitência pelo qual, o fiel dentro da Igreja Católica Romana deve, com certos intervalos, ir ao confessionário e confessar seus pecados audivelmente diante de um sa­ cerdote e passar pela absolvição e obras de penitência. A maioria das comunidades protestantes, mas não todas, aboliram a prá­ tica desse tipo de confissão. A idéia por trás dessa atitude é que não precisa­ mos de um mediador; podemos confessar nossos pecados diretamente a Deus. Bem, certamente concordo que podemos contar nossos pecados dire­ tamente a Deus, e somos chamados a confessar nossos pecados a ele assim como os santos das Escrituras fizeram como exemplo para nós. Mas as Escrituras nos dizem não apenas para confessarmos nossos pecados direta­ mente a Cristo, que é o nosso Supremo Sumo Sacerdote e Mediador, mas confessá-los uns aos outros. Nesse ponto, permitam-me dizer que a grande controvérsia sobre o sa­ cramento católico da penitência não tinha nada a ver com o fato de confes­ sar os pecados a outra pessoa. Na época da Reforma, os debates tinham a ver com as obras de penitência (e, portanto, com a doutrina da justificação) sobre a qual não falaremos aqui. Falando como protestante, penso que algo muito precioso foi perdido no mundo protestante pela nossa abolição da prática da confissão. Ainda estou para encontrar um cristão que não almeje ouvir alguém com autorida­ de lhe dizer: “Os seus pecados estão perdoados.” E creio que essa autorida­ de, assim como a igreja Católica Romana também crê, foi realmente dada à igreja. Essa é a razão pela qual, mesmo em igrejas protestantes, vemos pas­ tores que se levantam e proclamam a certeza do perdão e da graça. As pessoas necessitam da garantia de que os pecados que confessaram de fato foram perdoados. Penso em Isaías no templo, quando o serafim veio com a mensagem de Deus: “a tua iniqüidade foi tirada, e perdoado, o teu pecado” (Is 6.7). Quão libertador foi aquilo. Tenho conversado com psiqui­ atras que dizem que o fardo mais pesado em termos de doença mental do povo nos Estados Unidos é o fardo da culpa não resolvida. Um psiquiatra me disse: “Muitas pessoas que vêm me procurar precisam mais de um pas­ tor do que de um psiquiatra.” Creio que confessar nossos pecados pode ser uma prática extremamente saudável para nós. Ao mesmo tempo, também pode se tomar uma preocupação neurótica se corremos uns para os outros para contar cada detalhe e nos excedermos. • Em G álatas 6, q u a l é a d ifere n ça e n tr e a a d m o e s ta ç ã o "Levai as cargas uns dos outros” e a afirm ação de q u e “cada um levará o seu próprio fardo"? Sem dúvida, à primeira vista parece um conselho contraditório. Se você está procurando contradições vindas da pena do apóstolo, você poderia es­ perar que elas tivessem acontecido em cartas diferentes e dez anos antes. Mas você não esperava encontrá-las no mesmo livro e capítulo, como en­ contramos aqui. Creio que Paulo está falando sobre duas coisas diferentes, de um lado, o apelo para suportar as cargas uns dos outros é muito importante dentro da noção que o apóstolo tem sobre qual seria a razão de ser da igreja. O espírito de levar as cargas deve estar presente entre o povo de Deus e a ênfase é colocada sobre a compaixão. Ter compaixão é entrar nos sentimentos da ou­ tra pessoa, o que é um tema freqüente nos ensinos de Paulo — alegrar-se com os que se alegram e chorar com os que choram. Nenhum indivíduo no corpo de Cristo deve suportar sua dor ou sofrimento sozinho. Cada pessoa no corpo de Cristo é parte de uma comunidade na qual celebra e confessa o Credo dos Apóstolos. Isso envolve a comunidade dos santos, a união com outras pesso­ as de forma que nos juntamos para suportar as cargas uns dos outros. Se você está sobrecarregado, eu sou chamado para ajudar. Em termos bíblicos, a não ser pelo experimento da igreja de Jerusalém no qual as pessoas tentaram, por um breve período, viver na base da propriedade comum, a tradição histórica em toda Escritura coloca grande importância sobre a responsabilidade individual de fazer tudo o que estiver em seu poder para sustentar a si mesmo e a sua família, para não ser um fardo desnecessá­ rio sobre o resto da comunidade. Como disse Paulo, e na ocasião soou um tanto rude: “se alguém não quer trabalhar, também não coma” (2Ts 3.10). Temos também a afirmação incisiva do Novo Testamento de que se uma pessoa deixa de providenciar o necessário para sua família, ele é pior que o infiel; isto é, ele é pior que o não crente. Essa vigorosa ética de trabalho tem suas raízes lançadas profundamente no Antigo Testamento, e não deve ser confundida com a mentalidade do “fazer-se por si próprio” que vê cada pessoa como auto-suficiente. Desde o começo da criação, há uma evidente divisão de trabalho na ordem que Deus impôs sobre o mundo, mas nessa divisão cada pessoa tem um papel significativo a desempenhar e responsa­ bilidades a assumir. Quando individualmente trabalho para cumprir o que Deus me chamou a fazer e encontro problemas, posso pedir a você que me ajude, mas isso não significa que você faça o meu trabalho por mim. Eu ainda tenho minha responsabilidade. • A celebração d o Natal é u m ritual pagão? Essa pergunta aparece todos os anos na época do Natal. Em primeiro lugar, não há nenhum mandamento bíblico direto para celebrar o nascimen­ to de Jesus no dia 25 de dezembro. Não há nada na Bíblia que sequer indi­ que que Jesus nasceu no dia 25 de dezembro. De fato existe muita coisa nas narrativas do Novo Testamento que indicariam que o nascimento não ocor­ reu nessa época do ano. Aconteceu, entretanto, que no dia 25 de dezembro, no Império Romano, celebrava-se um feriado pagão relacionado com as religiões de mistério; os pagãos celebravam seu feriado nesse dia. Os cristãos não desejavam participar disso, portanto disseram: “Enquanto todos estão celebrando essa festa pagã, nós vamos ter a nossa própria celebração. Vamos celebrar aquele que é o fato mais importante para as nossas vidas, a encarna­ ção de Deus, o nascimento de Jesus Cristo. Portanto essa será uma ocasião de festividades alegres, de celebração e adoração ao nosso Deus e Rei.” Não posso imaginar nada mais agradável para Cristo do que ver sua igreja celebrar seu aniversário todo ano. Lembre-se que toda noção de festa e celebração anual está firmemente arraigada na tradição judaica antiga. No Antigo Testamento, por exemplo, houve ocasiões em que Deus enfaticamente ordenou que o povo se lembrasse de certos eventos com celebrações anuais. Embora o Novo Testamento não exija que celebremos o Natal todos os anos, certamente não vejo nada de errado no fato da igreja participar dessa ocasião alegre de celebrar a encarnação que é o ponto divisório de toda histó­ ria humana. Originalmente, sua intenção era honrar não a Mitras ou qualquer outro culto das religiões de mistério, mas o nascimento do nosso Rei. Acidentalmente, a Páscoa pode ser ligada a Ishtar no mundo antigo. Mas o fato da igreja cristã se reunir para celebrar a ressurreição de Jesus dificilmente será algo que provocaria a ira de Deus. Gostaria de ter outras festas anuais. A Igreja Católica Romana, por exemplo, celebra com grande alegria a Festa da Ascensão todos os anos. Algumas igrejas protestantes o fazem, mas a maioria não participa. Gostaria que celebrássemos esse gran­ de evento na vida de Cristo quando ele foi elevado aos céus para ser coroa­ do Rei dos reis e Senhor dos senhores. Celebramos seu nascimento, cele­ bramos sua morte. Gostaria que celebrássemos também sua coroação. • Poderia nos dizer p orque o X é usado para substituir Cristo? A resposta simples para sua pergunta é que X em Cristo é usado como R em R. C. O nome escolhido para mim quando nasci foi Robert Charles, mas antes mesmo de ser levado da maternidade para casa meus pais começaram a me cha­ mar por minhas iniciais, R.C. E ninguém ficou muito escandalizado com aquilo. X pode significar muitas coisas. Por exemplo, quando queremos indicar uma quantidade não conhecida, usamos o símbolo X. Pode se referir a uma classificação de filmes como obscenos, algo que recebe uma classificação X (X-rated). Parece que as pessoas se sentem contrariadas quando vêem o nome de Cristo ser deixado de lado e substituído por esse símbolo de uma quantidade não conhecida. Todos os anos, vemos cartazes e adesivos de pára-choque dizendo “Coloque Cristo de volta no Natal” (A palavra Natal em inglês, Christmas, é muitas vezes grafada Xmas. N.T.) como resposta a essa substituição do nome de Cristo pela letra X. Antes de mais nada, você tem de entender que não é a letra X que está sendo usada para substituir Cristo. Vemos a letra X do nosso alfabeto mas, na realida­ de, ela representa a primeira letra grega para o nome Cristo. Christos, no Novo Testamento, é a expressão grega para Cristo. A primeira letra da palavra grega Christos é transliterada em nosso alfabeto como X. Esse X foi usado ao longo da história da igreja como um símbolo abreviado do nome Cristo. Não vemos ninguém protestando contra o uso da letra theta, que é um O com uma linha cortando verticalmente. Usamos essa letra como uma abre­ viação taquigráfica da palavra Deus, porque é a primeira letra da palavra grega Theos, que quer dizer Deus. A idéia do X como uma abreviação para o nome de Cristo tem sido usada em nossa cultura sem nenhuma intenção de mostrar qualquer des­ respeito a Jesus. Historicamente, a igreja tem usado o símbolo do peixe porque é um acróstico. Peixe, em grego (ictus) usa as cinco letras inici­ ais das palavras que formam a frase em grego: “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador.” Portanto os cristãos primitivos tomavam as cinco le­ tras iniciais dessas palavras e as colocavam juntas para formar a pala­ vra grega para peixe. Foi assim que o símbolo do peixe se tornou o símbolo universal do cristianismo. Há uma história longa e sagrada do uso do X para simbolizar o nome completo de Cristo, e desde o início nunca significou qualquer desrespeito. • Q u a l a n ecessid ade m ais u rgen te da Igreja Evangélica hoje para q u e ela t e n h a u m im p a c to sobre a sociedade? Do meu ponto de vista como educador no mundo cristão, tenho uma visão bem limitada dos problemas que surgem na igreja e das necessidades mais prementes. Temos uma tendência pecaminosa de escolher nossa pró­ pria área de especialidade e transformá-la na mais importante e dizer que esse é o lugar no qual realmente precisamos centralizar nossa energia ou é o lugar onde as mudanças verdadeiramente acontecem. Como sucede com todo mundo, esse é o meu caso também. Mas creio que atualmente a necessidade mais urgente para o cristãos evangélicos, se na realidade desejam causar impacto sobre esse mundo, está na área da educação dos adultos. Para que os cristãos cresçam e atinjam a maturidade, precisam pensar como cristãos. Para que possam se comportar com plena maturidade como eficientes e íntegros discípulos de Cristo, precisam alcançar uma compre­ ensão profunda da Palavra de Deus. Creio que a Bíblia ecoa esse sentimento muitas vezes em numerosas passa­ gens que nos exortam a sermos maduros em nosso entendimento. Algumas ve­ zes, o autor da carta aos Hebreus repreende com vigor a comunidade cristã di­ zendo que eles já passaram muito tempo como bebês em Cristo; eles estavam muito satisfeitos com leite e não desejavam passar para alimento sólido. Se vamos causar algum impacto em nossa cultura, devemos ser espiritualmente maduros. Vamos colocar da seguinte maneira: Crianças não provocam um grande impacto para a mudança de uma nação. Elas não criam os valores e as es­ truturas da nação na qual vivem. Creio que isso tem uma implicação espiri­ tual. Precisamos crescer até a condição de cristãos adultos antes de poder­ mos ter qualquer tipo de impacto significativo sobre a cultura. De acordo com o mais abrangente estudo e levantamento sobre religião já realizado nos Estados Unidos, deveríamos estar num dos maiores reavivamentos já experimentados por esse país. Cerca de 65 milhões de pessoas nos Estados Unidos alegam ser cristãos re-nascidos. Entretanto, o mesmo estudo mostra um impacto mensuravelmente nulo ou muito pequeno desse grupo na formação das instituições sociais e das estruturas de nosso país. Como é possível que um bloco tão grande de pessoas não faça sentir mais significativamente sua influência na formação do nosso país? Minha conclusão é que nós mesmos não compreendemos ainda os valores bíblicos e não chegamos àquele entendimento profundo que proporciona maturidade para a liderança. • Q u a l a q u e s tã o m ais crucial q u e a igreja e n fre n ta hoje? Estou convencido de que a questão mais crucial para a igreja hoje é a sua própria convicção da divindade de Cristo. Isso pode parecer uma verda­ de óbvia; afinal, a divindade de Cristo é o próprio alicerce da fé cristã. Mas na história da igreja a questão da divindade de Cristo tem estado no centro do conflito dentro da igreja durante quatro séculos: o século IV, o século V, o século XIX e, agora, o século XX. Há cem anos atrás, era muito elegante, com o crescimento da assim chamada escola de crítica histórica moderna, levantar perguntas sobre a crença da igreja em seu Senhor, sua fé na divindade do próprio Cristo. Ha­ via toda uma escola de teólogos que tinha muitas coisas boas para falar a respeito de Jesus. Apreciavam seus ensinos éticos e aplaudiam seu plano de preocupação social. Mas acreditavam que o retrato de Jesus apresentado pelo Novo Testamento que enfatizava sua divindade e sua obra de redenção cósmica através de uma expiação, de sua ressurreição dentre os mortos e da operação de milagres, era uma manifestação pré-científica e bem ingênua do povo do século I que estava muito influenciado por uma variedade de mitologias pouco sofisticadas. No século XIX, houve uma grande crise, não somente no mundo secular mas na própria igreja, que um teólogo do século XX chamou (com acerto, penso eu) de “crise da descrença.” Essa crise de forma nenhuma foi supera­ da. Em muito casos, a questão está oculta porque ainda há um certo respei­ to. As pessoas esperam que alguém que é membro de uma igreja, ou parti­ cularmente um sacerdote, preste pelo menos um assentimento da boca para fora à divindade de Cristo. Ainda é perigoso para um pastor apresentar-se audaciosamente e negar em público a divindade de Cristo. Isso aconteceu, há alguns anos atrás, numa das principais denominações e no dia seguinte a matéria estava na revista Times. O mundo secular ficou abismado ao ouvir pessoas religiosas negando o próprio centro de sua religião. Mas se você sai da esfera pública e entra nos meandros do ambiente acadêmico da igreja cristã, das universidades e dos seminários cristãos, você ouve questões so­ bre a divindade de Cristo debatidas abertamente e, em muitos casos, nega­ da por professores. Portanto penso que o que está em jogo — a grande questão em jogo — na igreja cristã hoje é Cristo. Afirmamos seu senhorio e sua divindade? C A S A M E N T O E F AMÍ L I A “E disse o homem: Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne... Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne” — G ê n e s is 2 . 2 3 , 2 4 Perguntas dessa seção: • O que deveria distinguir um casamento cristão? • Quais são as coisas mais importantes que um casal de noivos, desejosos de se casar, deveria descobrir a respeito um do outro? • Sendo ministro, o sr. faria o casamento de um crente com um não-crente? • Por que é importante que façamos votos matrimoniais numa cerimônia formal? • Deus desaprova casamentos inter-raciais? • O que devemos concluir a respeito da poligamia praticada pelos heróis do Antigo Testamento? • Qual a noção bíblica de um casamento piedoso e cristão? • Efésios 4.3 diz: “Esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz". Como isso pode ser traduzido na experiên­ cia prática diária do relacionamento matrimonial? • Preciso saber como tratar meu marido não-cristão. Vou à igreja e o deixo sozinho em casa? • Como uma mulher encontra dignidade sendo dona de casa e mãe em nossa sociedade que valoriza uma carreira profissional? • Que versículos uma esposa e mãe cristã pode usar como preceitos para suas responsabilidades e deveres? • O que diz a Bíblia a respeito de uma mãe com crianças pequenas que trabalha fora de casa? • Um casal cristão pode praticar controle da natalidade? • Se um casal não pode conceber uma criança e decide adotar, isso indica que o casal não tem fé suficiente de que Deus poderia lhes dar um filho? • Como nós, cristãos, podemos lidar com estilos de vida pecaminosos de membros de nossa família ou de hóspedes que vêm à nossa casa? • Meus filhos adolescentes estão começando a não querer ir à igreja. Devo forçá-los? Até que idade? • Como podemos ajudar nossos filhos a enfrentarem a pressão do grupo? • Existem bases bíblicas para o divórcio? Quais são elas? • Sob que condições um cristão divorciado pode voltar a se casar ? • Se a vontade de Deus é manter um casamento e todo o esforço é feito por um dos membros do casal, a obediência e fé deste um pode superar as circunstâncias e, na realidade, salvar um casamento que está falindo? • Por que o abuso físico não é base legítima para o divórcio? • Hipoteticamente, como o sr. aconselharia sua filha se os filhos dela —: seus netos — tivessem sido abusados sexualmente pelo pai, que não está disposto a receber aconselhamento? • Vem os m u it o s p ro b le m a s n o s c a s a m e n to s hoje. O q u e deveria d istin g u ir u m c a s a m e n to cristão? Quando falamos sobre a diferença que ser um cristão faz na vida, não apenas no casamento, apontamos para a realidade de que sendo cristãos somos habitados por Deus, o Espírito Santo, que trabalha em nós dandonos assistência para sermos obedientes aos mandamentos de Deus. Tam­ bém percebemos que simplesmente porque somos cristãos não estamos de maneira nenhuma livres do pecado %Todos nós pecamos e todos nós conti­ nuamos a pecar. Portanto, o fato de sermos cristãos não garante que nosso relacionamento matrimonial será aquilo que deveria ser. Tenho mencionado, em muitas ocasiões, que fico sempre angustiado quan­ do ouço de pastores que são tão zelosos no seu desejo de alcançar pessoas para o cristianismo, fazendo promessas as quais, eu creio, Deus nunca so­ nhou em fazer. Eles dizem coisas como: “Venham a Jesus e todos os seus problemas serão resolvidos.” Em minha experiência como cristão e alguém que foi convertido repentina e dramaticamente de um estilo pagão de vida, creio que minha vida não se tomou complicada até que eu me convertesse, pois agora estou envolvido em conflitos tais que nunca conhecera anterior­ mente. Há conflitos entre os desejos que brotam do meu coração e que não são justos e aquilo que a Palavra de Deus me diz que eu deveria estar fazendo. Se há alguma grande vantagem em ser um cristão, é a vantagem de ter à nossa disposição a sabedoria de Deus Para que qualquer relacionamento humano sobreviva às disputas, »discordâncias, lutas e aos ajustamentos pelos quais todos os relacionamen­ tos passam, é necessário mais do que simples caráter moral. É necessário grande sabedoria. A sabedoria para tratar o conflito nos relacionamentos —humanos está disponível para nós na Palavra de Deus. Ela nos diz, por exem­ plo, algumas coisas tão simples como essa: A resposta branda desvia o fu­ ror. Somos instruídos por esses princípios de sabedoria em como evitar o tipo de espírito que destrói os relacionamentos. Pense por um minuto na gama de emoções que experimentamos em nossas amizades e em nossos casamentos. Sempre disse que não há ser humano no mundo que consiga me deixar mais bravo do que minha mulher. Não há ninguém no mundo cuja crítica me fira mais do que a de minha esposa, porque sua opinião a meu respeito significa mais para mim do que a de qualquer outra pessoa. * Tenho de aprender a manejar minhas emoções nesse relacionamento tão volátil e vulnerável. As Escrituras me ensinam que existe uma diferença entre dor, tristeza e amargura. Posso sentir dor. Posso ficar triste. Mas não tenho permissão para ficar amargo. Posso ficar bravo, mas não tenho per­ missão para deixar que o sol se ponha sobre minha raiva. A aplicação desses princípios que Deus nos dá contribuem para nos aju­ dar e a muitas outras pessoas nesses pontos difíceis das relações humanas. • Q uais as coisas m ais im p o r ta n te s q u e u m casal de n o i ­ vos, desejo so s de se casar, d ev eria d e sc o b rir a re sp e ito u m do o u tro ? Algumas estatísticas nos dizem que 70% das pessoas que se casarem durante esse ano se divorciarão. Isso é alarmante. Obviamente estamos co­ metendo muitos erros na seleção dos parceiros no casamento. Os estudos indicam que há problemas comuns surgindo nos casamentos —problemas que poderiam ter sido evitados se algum entendimento tivesse acontecido antes do casamento ser realizado. Especificamente certos itens foram citados como as razões mais citadas para a dissolução dos casamentos. Em primeiro lugar estão os problemas sexuais; em segundo o modo de lidar com as finanças; e então entramos nos problemas com os sogros: problemas de abuso físico, dissipação dos bens, alcoolismo, vício de drogas e coisas assim. Portanto, creio que é importan­ te saber se a pessoa com quem você vai se casar tem algum problema sério de vício — é importante descobrir isso. Também acho importante conhecer a família dele ou dela porque, quan­ do você se casa com uma pessoa, você recebe uma família, não apenas um indivíduo. É importante desenvolver um relacionamento com a família do noivo e da noiva e também ter alguma compreensão do sistema de valores em que ele ou ela foram educados. Uma das razões por que as pessoas brigam a respeito de dinheiro é o fato de que, seja qual for a riqueza de duas pessoas que se unem — podem ser muito pobres ou muito ricos — todo casal tem uma quantidade finita de dinheiro. Não existem duas pessoas nesse planeta que tenham exatamente o mesmo sistema de valores quando entram no casamento. Agora, digamos que temos cem dólares para gastar, e você prefere gastá-los numa máquina de lavar, e eu prefiro gastá-los num clube de golfe. Imediatamente temos um conflito em potencial. Não impor­ ta a quantidade de dinheiro que temos, haverá discussão a respeito de como ele deve ser gasto. Creio que é importante estabelecer quais são os nossos valores antes de realizar o casamento. Com os problemas sexuais num índi­ ce tão alto, algum aconselhamento pré-nupcial franco nessa área deveria ser de alta prioridade. Quanto mais comunicação for estabelecida antes do casamento, melhores serão os padrões de comunicação depois do casamento. • S e n d o m in is tr o , o sr. faria o c a s a m e n to de u m c re n te c o m u m n ã o -c re n te ? A base de sua pergunta é, obviamente, o texto bíblico que diz que não devemos nos colocar num jugo desigual com não-crentes. A pressuposição, sem dúvida, é de que esse texto tem uma referência direta com o casamen­ to. A Bíblia não diz isso explicitamente. A Bíblia não diz que um crente não pode casar com um não-crente. Essa metáfora do jugo desigual dos bois que puxam um carro de boi é a única referência que temos. Agora eu diria que na tradição da igreja, a vasta maioria dos estudiosos do Novo Testamento têm entendido que a passagem significa exatamente isso — que ela é uma proibição bíblica contra o casamento de um cristão com um não-cristão. Isso segue a mesma linha da tradição do Antigo Testa­ mento onde os filhos de Israel eram instruídos a escolher suas esposas em sua própria nação — pessoas que tinham a mesma convicção religiosa. A pressuposição é de que o compromisso religioso de uma pessoa, se é genu­ íno, tem uma grande importância, e se a pessoa se une na mais íntima rela­ ção que um ser humano pode ter com outro ser humano, e eles não compar­ tilham essa profunda paixão e compromisso, isso pode ser desastroso para o casamento. Portanto, a sabedoria prática da igreja tem sido, em sua mai­ oria, não colocar muita confiança no casamento entre crentes e não-crentes pelo fato de que isso provoca muita dificuldade. Também sabemos que toda a questão do casamento hoje está sob fogo cerrado; já passamos do índice de cinqüenta por cento de divórcios . As pes­ soas já têm problemas suficientes na busca de um casamento sadio e bem sucedido sem adicionar a ele esse ponto extremamente difícil de tensão. Mas você me pergunta se eu, como ministro, realizaria tal casamento. Como regra geral, não. Não o realizo porque estou convencido de que Deus não permite que eu o faça. Por exemplo, na cerimônia tradicional de casa­ mento, no ofício que usamos para celebrar os casamentos, as palavras ceri­ moniais são mais ou menos as seguintes: “Queridos, estamos reunidos aqui hoje na presença de Deus e dessas testemunhas para unir esse homem e essa mulher nos sagrados laços do matrimônio...” e assim por diante. Uma das frases da cerimônia de casamento nos lembra que Deus não apenas insti­ tuiu, ordenou e santificou o casamento, mas que Deus regulariza o casa­ mento através de seus mandamentos. Portanto não sou livre para realizar o rito do casamento para qualquer pessoa. De fato, minha igreja me proíbe de realizar o casamento de um crente com um não-crente, exceto em uma oca­ sião, isto é, quando já houve uma união física e uma criança deve nascer. Nessas circunstâncias, eu realizaria a cerimônia. • Por q u e é i m p o r t a n t e q u e façam os v otos m a tr im o n ia is n u m a c e rim ô n ia form al? Você ficaria surpreso com o número de vezes que as pessoas me fazem essa pergunta. A atitude freqüentemente expressa hoje, e de forma particu­ lar entre os jovens, é: “Que diferença faz um pedaço de papel? Por que preciso ir à igreja ou ao juiz de paz, para tomar meus votos matrimoniais significativos?” De fato, muitas pessoas escolhem esquecer tudo isso e di­ zer que simplesmente vão continuar vivendo juntos. “Eu faço uma promes­ sa a ela e ela me faz uma promessa. Ponto final. Se decidirmos terminar tudo não precisaremos passar por todas as dificuldades legais de tribunal, família e igreja. Qual o significado dessa cerimônia formal? De qualquer maneira parece ser um ato de hipocrisia.” Existem algumas coisas que pre­ ciso dizer a respeito. Em primeiro lugar, uma aliança, no sentido bíblico é algo feito na presen­ ça de testemunhas. Isso porque, por sua própria natureza, a aliança é um acor­ do entre duas ou mais pessoas. Esse acordo envolve uma enorme dose de confiança entre as pessoas. Para mim, uma coisa é dizer à minha esposa que eu a amarei, terei carinho por ela e que a honrarei e lhe serei fiel, em particu­ lar, no banco traseiro de um carro ou num passeio sob o luar na beira de um lago. Outra coisa diferente é fazer essas promessas a ela publicamente. Repare como a cerimônia cristã começa na maioria das instituições: “Queridos, estamos reunidos aqui na presença de Deus e destas testemu­ nhas, para unir esse homem e essa mulher nos sagrados laços do matrimônio.” Quando vivenciamos a cerimônia, há palavras para ratificar isto: “Re­ conhecemos e confessamos que o casamento não é uma instituição humana que alguém inventou como uma convenção social porque acharam que se­ ria uma boa idéia. Como cristãos, cremos e confessamos que Deus ordenou e instituiu o casamento.” Reconhecemos que o casamento como cerimônia foi ratificado pela pre­ sença e bênção de Cristo na festa matrimonial em Caná, por exemplo. Mas no ofício continuamos dizendo que Deus regulamenta o casamento. Ele não o inventou apenas e nos entregou para manejá-lo da maneira que qui­ sermos, mas, ao contrário, Deus permanece como autoridade última sobre o casamento. No estabelecimento de alianças solenes, creio que as assem­ bléias solenes são parte daquele princípio regulamentador do casamento que vem de Deus e de sua Escritura Sagrada. Reconhecemos, entretanto, que não precisa ser realizado na igreja. Reco­ nhecemos que o casamento foi instituído para todas as pessoas. Quer sejam cristãs ou não-cristãs. E por isso que reconhecemos os casamentos realizados publicamente por uma autoridade civil ou por uma autoridade religiosa. Sem testemunhas, não existe nenhuma aliança legal, nenhum compromisso legal, nenhuma obrigação formal que me responsabilize por manter minhas pro­ messas. Assim nós o fazemos de maneira formal e publicamente. Prometemos não no banco traseiro de um carro, mas diante de toda a estru­ tura de autoridade que significa alguma coisa para nós: nossos amigos, nossa família, nossa igreja e o estado. Se não assumo minhas promessas com serieda­ de, se meus amigos não assumem, ou se a igreja não o faz, ou mesmo se o estado não faz, Deus certamente o fará. Pelo menos em nossa cultura, mesmo com as leis livres de divórcio, o estado ainda toma esses votos seriamente. • Deus d e sa p ro v a c a s a m e n to s inter-raciais? Alguns insistem que a Bíblia pretendia que as raças permanecessem puras, por isso proibia qualquer tipo de casamento inter-racial. Normal­ mente, dois textos bíblicos são usados para apoiar esse ponto de vista. Um é o fato de que Noé tinha três filhos, Sem, Cam e Jafé. Como você se lem­ bra, Sem recebeu a bênção patriarcal, e uma ampliação dela foi dada a Jafé. Cam foi amaldiçoado por que olhou para a nudez de seu pai. “Maldito seja Canaã”(Gn 9.25), foi a maldição que Noé pronunciou sobre Cam e seus descendentes. Algumas pessoas urdiram conjecturas a partir dos três filhos de Noé, os três sobreviventes do dilúvio, de que seriam a base histórica para os três tipos genéricos da raça humana: o caucasiano, o negróide e o mon­ golóide. Eles alegam que essa é a justificação bíblica para haver uma mal­ dição colocada sobre a raça negra, e que os brancos não devem ter nenhum casamento inter-racial com eles. Isso foi citado, por exemplo, nos docu­ mentos mais antigos do Mormonismo, o que foi um grande embaraço para eles quando veio a público há alguns anos atrás. Outros voltam até a criação, onde lemos que Deus criou tudo “segundo a sua e s p é c i e As pessoas afirmam que essa é a ordem divina da criação, o fato de que Deus fez as coisas conforme a sua espécie. E sua intenção era de que eles permanecessem conforme a sua espécie. No caso de ambos os argumentos, eu diria que essas são as evidências mais insignificantes e frágeis que posso imaginar para apoiar o que, em última análise, é uma visão racista da questão. Não encontro nada, mesmo nas Escrituras, que proíba um casamento inter-racial a não ser pelos problemas que as pessoas possam enfrentar em termos de preconceito cultural. Qualquer casal que escolha casar-se dentro de uma cultura com alto grau de racismo está pedindo por todos os tipos de tensões que possam ser dirigidas contra o seu casamento. Se estão dispostos a enfrentar, isso não significa que estão pecando se decidirem entrar num relacionamento conjugal. Penso que um dos textos mais fortes que se relaciona com isso está no Antigo Testamento, onde lemos que Moisés (que foi o mediador da antiga aliança) tomou para si uma esposa que era cuxita. Um cuxita era um etíope. Todas as evidências que podemos reunir da história do Antigo Testamento, indicam que a esposa de Moisés era negra. Lemos também que sua irmã Miriã ficou muito aborrecida com o fato de que seu irmão havia se casado com uma cuxita. Foi uma reação racista. Miriã ficou zangada e repreendeu Moisés. Por causa da reação de Miriã, Deus a condenou, tanto que ela ficou leprosa. Portanto, se posso dizer alguma coisa, me parece que Deus desa­ prova aqueles que são racistas. • O q u e d e v em o s c o n clu ir a respeito da poligam ia p ratica ­ da pelos heróis do Antigo T estam ento? Precisamos examinar várias coisas no que diz respeito ao registro bíbli­ co. A Bíblia registra que esses grandes santos do Antigo Testamento, em muitas ocasiões, tiveram não apenas mais do que uma esposa, mas em al­ guns casos (inclusive Davi e Salomão) tiveram centenas de esposas ou concubinas, o que pareceria estar em flagrante desobediência com o princí­ pio bíblico do casamento. A poligamia era, de fato, um flagrante desrespei­ to ao projeto de casamento que Deus estabeleceu na criação. Penso que está claro, não apenas nos registros do próprio Antigo Testamento, mas na ma­ neira como o Novo Testamento apela para o Antigo Testamento dizendo que o casamento deveria ser monogâmico — uma esposa e um marido. Essa era a intenção para todas as gerações. Se você examinar cuidadosamente os primeiros capítulo de Gênesis, verá que depois que Caim matou Abel, Adão e Eva tiveram outro filho, cujo nome era Sete. Olhando para a genealogia desses dois filhos de Adão e Eva, vemos que os descendentes de Sete se caracterizavam pela piedade e retidão. Foi dentro dessa linha que nasceram Matusalém, Noé e também Enoque, que foi levado diretamente para o céu porque andou com Deus. Agora, se você examinar a linha de Caim, ela se parece com uma galeria de trapaceiros, um malandro atrás do outro. Um dos principais trapaceiros cuja biografia é incluída nos primeiros capítulos de Gênesis, é um sujeito chamado Lameque que se distinguiu por duas coisas. Uma é a horrível can­ ção de guerra que ele escreve e canta em Gênesis, que é uma celebração da violência. Ele também é apontado como sendo o primeiro polígamo. A Bí­ blia não diz: “Ele foi o primeiro polígamo e isso é muito mau.” Ela apenas menciona o fato de que ele foi o primeiro polígamo, mas o faz no contexto da descrição da expansão radical da queda e corrupção humanas. O Antigo Testamento dá a entender que a poligamia estava em oposição à lei de Deus. Obviamente, Deus não repreendeu esses heróis do Antigo Testamento por sua poligamia nem os puniu por isso. Ele tratou sua extrema fraqueza com clemência. Essa clemência terminou com o aparecimento de Cristo e da Nova Aliança. • Estou casada h á p o u c o m ais de q u a tr o a n o s e re c e n te ­ m e n t e com ecei a e n te n d e r u m p o u c o m e lh o r m in h a fé cristã. G ostaria de saber, q u a l é a n o ç ã o bíblica de u m c a s a m e n to p iedoso e cristão? Alguns princípios das Escrituras se aplicam a todos os casamentos. Um dos elementos do ofício do casamento que encontramos na cerimônia tradi­ cional usada pela maioria das denominações é que, quando nos reunimos para um casamento, dizemos: “Queridos, estamos reunidos aqui na presen­ ça de Deus e dessas testemunhas,” etc. Reconhecemos o fato de que o casa­ mento é algo que foi instituído por Deus, ordenado por Deus e que recebeu a aprovação sagrada de Cristo por sua presença na festa de casamento em Caná. Mas temos uma frase no ofício tradicional de casamento que é, mui­ tas vezes negligenciada, a afirmação é a seguinte: “Esse casamento é regu­ lamentado pelos mandamentos de Deus.” De fato, Deus não ordenou e ins­ tituiu simplesmente o casamento e o entregou a nós como uma dádiva di­ zendo: “Aqui está a dádiva, agora vão e podem usá-la como quiserem.” Ao contrário, sobre aquilo que Deus ordena e institui ele também exerce sua soberania. Obviamente, um casamento para ser duradouro deve estar base­ ado na confiança e fidelidade mútuas. Essa é a razão por que quando faze­ mos os votos, votos significando que me entrego de corpo e alma à minha esposa enquanto ambos estivermos com vida, ela tem razão e direito de confiar que manterei a minha palavra. Deus nos responsabiliza por esse tipo de compromisso de sorte que no centro de toda união entre duas pessoas está o princípio da confiança. Esta é a razão pela qual a Bíblia é tão desfavo­ rável ao adultério, por exemplo, pois esse é o ato supremo de infidelidade que quebra a confiança e a fé sobre as quais o casamento é construído. Sem dúvida, há orientações sobre como a^família deve ser dirigida, embora a noção seja muito impopular em nossos dias, não vejo como pode­ mos escapar do fato de que o Novo Testamento dá a responsabilidade de comando ou liderança no lar ao marido. Essa responsabilidade não é uma licença para a tirania. Não é uma licença para a dominação ou para a des­ truição da dignidade da mulher, ao contrário, é um fardo. E uma tarefa pela qual a responsabilidade recai sobre o marido, quanto a manter a liderança e a direção no lar. Mas isso ainda está num relacionamento de amor e respei­ to mútuos de uma parceria vital no lar. Esses são apenas alguns princípios. Sem dúvida, a Bíblia tem muito mais a dizer a respeito dos padrões sobre os quais um casamento saudável deve ser estabelecido. • A tr a d u ç ã o de J.B. Phillips (Cartas às igrejas Novas, N.T.) d o tex to de Efésios 4.3 diz: "esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da p az" . C om o isso p o d e ser tr a d u z id o n a experiência prática diária d o rela cio n a ­ m e n t o conjugal? Os falsos profetas de Israel gritavam: “Paz, paz” quando não havia ne­ nhuma paz! É muito mais fácil declarar paz do que conseguir a paz. Além disso, uma coisa é estar em paz quando você está sozinho, e outra estar em paz quando você está em um relacionamento com outra pessoa. Sem dúvi­ da, há muitas pessoas que não têm paz nem mesmo quando estão sozinhas. Assim que entramos num relacionamento conjugal, que é a mais íntima união que duas pessoas podem ter, muitas coisas podem perturbar a paz desse relacionamento. Qualquer tipo de conflito pode surgir e transtornar a tranqüi­ lidade que deveria estar no centro do casamento. Estou absolutamente con­ vencido de que ambos precisam se esforçar para que a paz reine no casamen­ to. Não é natural que duas pessoas humanas passem longo tempo em íntima proximidade um com o outro sem que algum conflito desponte. Não existem duas pessoas nesse mundo que tenham exatamente a mesma agenda, o mes­ mo sistema de valores, os mesmos gostos e desgostos. Há pontos de conflito inevitáveis, e é o conflito que transtorna a paz. Creio que quando lutamos pela unidade no Espírito precisamos trabalhar para estabelecer a paz. Temos que aprender o fruto do Espírito que promove a paz: termos dentro de nós mesmos um espírito de gentileza, bondade, amor, e particularmente paciên­ cia. Essas coisas não vêm automaticamente. Não vêm naturalmente, porque por natureza tendemos a ser impacientes. Temos que trabalhar para isso. E assim como os diplomatas têm um desejo sincero de pôr fim nos con­ flitos que emergem no cenário internacional, em termos de guerras e lutas, também nós devemos nos tornar diplomatas em nossos lares, isto é, diplo­ matas que têm preocupação com os sentimentos dos outros. Minha esposa, por exemplo, creio que é a mulher mais sensível dos Estados Unidos da América. Ela precisa ser, porque eu sou uma das pessoas mais insensíveis do mundo. Eu me desligo numa nuvem e me torno um tipo de professor excêntrico e distraído. Isso pode deixar qualquer pessoa louca. Mas minha esposa trabalha para manter a paz e praticar a diplomacia, e isso tem sido um exemplo para mim. Ao invés de permitir que um aborrecimen­ to seja inflamado e se transforme num conflito maior e numa briga, come­ çamos a nos entender. Um dos grandes princípios é: Toda vez que você perceber raiva, procure o sofrimento ou a dor que está por trás. É muito mais fácil lidar com a dor do que com a raiva. A raiva provoca o conflito. Lidar com a dor traz a paz. • Preciso saber c o m o tra ta r m e u m a rid o n ão-cristão. Vou à igreja e o deixo so z in h o e m casa? Penso que o erro que muitas mulheres fazem quando estão nessa situa­ ção é sentir que, de alguma forma, Deus as chamou para serem a consciên­ cia de seus maridos, e acabam aborrecendo seus maridos. A coisa mais significativa que uma mulher pode ser se seu marido não é cristão, é ser a melhor esposa possível para esse homem. Conheço um adolescente que veio ao meu escritório e anunciou que havia assumido o papel de líder espiritual da casa porque seu pai não era cristão. Uma vez que seu pai havia negligenciado a responsabilidade de ser o sacerdote do lar, esse jovem disse que acreditava que o manto havia caído sobre seus ombros. Eu lhe disse: “Não, Deus não o chama para suplantar o papel de seu pai. Se seu pai não faz aquilo que Deus o chamou para fazer, isso não é desculpa para você tomar o seu lugar. Deus o chamou para ser um filho, não o pai.” Assim, vejo esposas que dizem: “Muito bem, meu marido não está fazen­ do seu dever, portanto eu vou ser a esposa e o marido. Eu vou ser o sacerdote da família.” Não creio que seja isso que Deus deseja que você faça. O que ele deseja é que você seja uma esposa devotada para seu marido. Fica particularmente difícil quando o marido diz: “Não quero que você gaste tempo indo à igreja.” Agora você tem de lutar com uma lealdade dividida. E como se você estivesse tentando servir a dois senhores. Deus a chama para submeter-se ao comando de seu marido. Alguns cristãos estão ensinando que a esposa deve obedecer seu marido seja o que for que ele diga. Preciso enfatizar que isso é uma distorção chocante do ensino das Escrituras. Nenhuma mulher tem de obedecer a seu marido se ele ordena que ela faça algo que Deus proíbe claramente. Se seu marido (não-cristão ou qualquer outra coisa) a proíbe de fazer algo que Deus ordena, você deve desobedecê-lo. Por exemplo, Deus ordena que seu povo vá à igreja? As Escrituras nos dizem que não devemos aban­ donar a assembléia dos santos. Eu diria que isso significa que devemos ir à igreja aos domingos de manhã, e se seu marido não permite que você vá, você terá que desobedecê-lo para obedecer a Deus. Mas isso não significa que Deus a chama para estar na igreja sete dias por semana. No meu entender, você precisa fazer um esforço sobre-humano para ter certeza de que não está opondo-se ao seu marido em áreas nas quais Deus a deixa livre para apoiá-lo. • C o m o u m a m u l h e r e n c o n tr a d ig n id a d e c o m o d o n a de casa e m ã e e m n o ssa sociedade q u e valoriza u m a carrei­ ra p rofissio nal? A busca de dignidade não está limitada a mulheres e nem a mulheres que possuem uma carreira ou àquelas que permanecem em casa, mas é uma busca universal. Já participei de muitos seminários que focalizavam a bus­ ca da dignidade humana, e descobri que todas as pessoas com quem já con­ versei desejam ser tratadas com dignidade. Ao mesmo tempo, descobri que dar uma definição clara da noção de dignidade é uma tarefa muito difícil, entretanto, todas as pessoas sabem quando perderam a dignidade. A mulher cuja vocação é ser dona de casa e mãe, e essa é a sua carreira, ao invés de trabalhar na esfera dos negócios está sentindo uma espécie de pressão inversa daquela que as mulheres sentiram há alguns anos atrás, quan­ do elas entraram no mundo profissional e foram discriminadas por, de algu­ ma forma, abandonarem o seu posto no lar. Hoje as mulheres sentem uma culpa imposta por não terem uma carreira; de certa forma ser uma dona de casa é considerado uma vocação menos do que digna. Sem dúvida, Deus afirma claramente a dignidade desse papel da mu­ lher. Os filhos crescerão e a chamarão abençoada. Mas quando a Palavra de Deus afirma a dignidade e o valor de alguma coisa, isso não é suficiente para mantermos nossa segurança a seu respeito. Deveria ser suficiente — se Deus disse, isso resolve a questão. Mas não resolve para nós. Somos fracos, frágeis em nossos sentimentos e podemos nos tornar inseguros pela pressão da cultura que menospreza esse papel em particular. Eu diria que o único indivíduo mais importante para manter a dignidade da mulher no lar é o marido no lar. Se o marido humilha, ignora, rebaixa ou trata o trabalho de sua esposa como insignificante, ele se toma o principal destruidor da dignidade dessa mulher. Portanto, a primeira coisa a fazer para restaurar a dignidade da mulher no lar, é fazer com que o marido e os filhos criem um ambiente de apreciação e verbalizem essa apreciação. Alguém, certa ocasião, fez a observação de que a energia negativa de cada crítica exige nove elogios para superá-la em nossa personalidade. Isso é certamente verdadeiro. Uma crítica feita à esposa no lar pode devastar sua auto-estima nesse papel, particularmente quando o resto da cultura está ten­ tando dizer a ela que o trabalho de casa e a criação dos filhos não são mais empreendimentos significativos. • Q u e versículos u m a esposa e m ã e cristã p o d e u sa r c o m o preceitos para suas resp on sab ilidades e deveres? Em primeiro lugar, você é um ser humano, e é uma pessoa a quem Cristo reivindicou. Você está no reino, portanto, os versículos que você usa para aprender as suas responsabilidades e deveres diante de Deus começam em Gênesis 1.1 e terminam com o último versículo do livro de Apocalipse. Toda a Palavra de Deus a instrui sobre seus deveres e responsabilidades. É absolutamente vital que os cris­ tãos aprendam a viver por princípios e que esses princípios nos venham das Escri­ turas. Os princípios básicos de vida se aplicam a nós qualquer que seja a nossa situação, quer você seja esposa ou marido, mãe ou pai, solteira ou solteiro. O livro de Efésios estabelece algumas responsabilidades específicas para a esposa em seu relacionamento matrimonial e também quanto às suas res­ ponsabilidades maternais. Um dos versículos mais famosos e controvertidos é a ordem que Deus dá, através do apóstolo Paulo, de que as mulheres devem estar sujeitas a seus maridos. Isso tem gerado muitos debates e também muitos equívocos. Algumas vezes, os requisitos para os princípios gerais nos são dados em outros lugares das Escrituras. Por exemplo, a Bíblia nos diz que devemos obedecer o magistrado civil, mas há ocasiões em que o cristão não apenas pode, mas deve desobedecer os magistrados civis, como fizeram os apósto­ los quando o Sinédrio os proibiu de pregar o evangelho. Os apóstolos per­ guntaram se deveriam obedecer aos homens ou a Deus. Sempre que o marido ordena à esposa que faça algo que Deus proíbe, não somente esta esposa pode se recusar a ser submissa ao marido, mas ela deve desobedecê-lo. Antes de qualquer outra coisa ela tem sua responsabilidade de viver sua vida diante de Deus. Esse texto de Efésios nunca deveria ser usado como licença para que os homens tiranizem suas esposas. Sabemos que alguns homens têm tomado esse texto e usado para rebaixar as mulheres e tentar leválas a uma obediência escrava, algo que o texto jamais tencionou fazer. Também Provérbios 31 lhe dá um excelente retrato da mulher empreendedora. • O q u e diz a Bíblia a respeito de u m a m ã e c o m crianças p e q u e n a s q u e trab a lh a fora de casa? A Bíblia descreve a mulher piedosa no texto clássico do livro de Provérbios (capítulo 31). Se você examinar aquela descrição de tarefa de uma mulher pie­ dosa, creio que você concordaria em que ela é uma ameaça para praticamente todas as mulheres do mundo, pois aquela mulher é a empresária das empresárias. Ela não é apenas esposa e mãe, mas está às portas da cidade, de manhã cedo. Está executando serviços e envolvida num empreendimento comercial. Penso que a primeira responsabilidade da mãe é para com os filhos no lar, particularmente se são pequenos. Se a mãe pode cuidar das crianças e ainda estar envolvida com sua carreira, isso é algo que essa mulher tem que resolver entre ela, sua família e Deus. Pois a Bíblia não dá uma proibição nem um mandamento explícito sobre isso. Há uma carga emocional muito grande sobre isso no mundo cristão, e há aqueles que argumentam que uma mulher tem o direito de ser mãe e prosseguir sua carreira ao mesmo tempo. Temos o dever não apenas de estudar essas questões em termos do que Deus nos revela nas Escrituras, mas prestar atenção naquilo que era chama­ do de lei natural. Creio que Deus se revela não somente na Bíblia, mas também através do laboratório científico, que toda verdade é verdade de Deus, e que toda verdade se reúne no topo. Digo isso pela seguinte razão: uma das coisas que me deixa apreensivo a respeito de mães jovens voltando a trabalhar logo depois que tiveram seus filhos são os estudos, indicando o fato de que a dependência da criança pela mãe é extremamente poderosa desde o nascimento até os cinco anos de idade. Em outras palavras, os estu­ dos demonstram que o único fator mais importante que contribui para o desenvolvimento da personalidade de um ser humano, do nascimento até os cinco anos de idade, é o relacionamento da mãe com a criança. Dos seis aos dez anos, é o relacionamento do pai com a criança, e, então, dos onze aos dezoito são as relações da criança com o grupo. Se essa pesquisa é válida e exata, então ela me causa uma certa hesita­ ção. Não quero dizer simplesmente: “Bem, faça o que você quiser fazer,” porque cuidar de uma criança é um empreendimento extremamente impor­ tante. Não creio que a Bíblia afirme que a responsabilidade de cuidar da criança cabe apenas à mãe. O pai também tem essa responsabilidade, e nós assumimos tacitamente que está certo que o pai permaneça no trabalho oito horas por dia. Isso significa que a mãe deve ficar em casa? Precisamos prestar atenção a todas as informações. A Bíblia não nos dá uma fórmula simples para dirigir a vida da família. • U m casal cristão p o d e praticar c o n tro le de n a ta lid a d e? Presumo que você esteja querendo dizer “métodos artificiais de contro­ le de natalidade”. Essa é uma daquelas questões de ética cristã onde existe uma profunda divisão na história da igreja. A Igreja Católica Romana tem assumido uma atitude desfavorável quanto ao controle artificial de natali­ dade. Encíclicas papais recentes, publicadas na última década, reforçaram a proibição católica dos meios artificiais de controle de natalidade, funda­ mentada em certas bases teológicas. O protestantismo tem permitido vários tipos de controle de natalidade, alguns admitindo quase qualquer tipo de controle artificial, outros fazendo uma distinção entre aqueles que são contraceptivos e os que são na verdade abortivos. Descobriu-se que algumas variedades de DIU não são apenas contraceptivos, mas abortivos pelo fato de que destroem o óvulo fecunda­ do. Isso criou uma crise ética entre os protestantes que são profundamente contrários a qualquer tipo de aborto. A questão básica entre protestantes e católicos está centralizada em qual seria o uso legítimo do relacionamento sexual dentro do casamento. Historicamente, Roma assumiu a posição de que o objetivo da relação sexual e a justificativa do ato sexual é a procriação. Portanto, qualquer coisa que previna artificialmente a possibilidade de procriação muda o propósito que foi projetado para a relação sexual tomando-a, portanto, um ato não natural. Do outro lado, os protestantes tendem a incluir no uso legítimo do sexo entre casais casados o simples prazer e satisfação do relacionamento sexual —- a intimidade que ele traz e o fato de que somos fisicamente construídos de tal forma que o relacionamento sexual é, por natureza, prazeiroso. Teoricamente, Deus poderia ter inventado o sexo de tal forma que não fosse agradável, mas simplesmente uma função biológica necessária para a reprodução. Portanto, alguns dizem que temos o direito de cumprir o mandato da criação de ter domínio sobre a terra, e se podemos planejar nossas famílias através disso, então estamos no caminho certo. Mas mes­ mo entre certos protestantes conservadores, há alguns que levantam ques­ tões a esse respeito: o controle artificial da natalidade é contra a nature­ za? Viola as leis naturais introduzindo no relacionamento sexual um im­ pedimento à sua completa expressão? E por essa razão que alguns protes­ tantes afirmam que isso é errado. • Se u m casal n ã o p o d e c o n c e b e r u m a c ria n ç a e decide adotar, isso indica q u e o casal n ã o te m fé suficiente de q u e Deus p od eria lhes d a r u m filho? Eu responderia enfaticamente, não; isso não seria necessariamente uma indicação de que as pessoas não tiveram fé suficiente. É, provavelmente, a indicação de que as pessoas não tinham o equipamento biológico indispen­ sável para conceber um filho. E como o homem cego de nascença que en­ contramos no Evangelho de João; esse homem nasceu cego porque não tinha fé suficiente? Sem dúvida não é esse o caso, embora ele tenha recebi­ do sua vista depois. Pode-se apontar para isso e dizer que desde que ele teve fé, ele recebeu seus olhos, e se as pessoas apenas tivessem fé o suficiente, também receberiam o bebê. Encontramos ocasiões nas Escrituras em que as pessoas descritas como pessoas de fé não receberam a plenitude dos seus desejos. Sabemos que Paulo orou para ser aliviado de seu espinho na carne. Quer fosse físico, ou de qualquer outra natureza, ainda era algo que o afligia, e ele orou. Se hou­ ve algum homem que orou com fé, esse foi o apóstolo Paulo. Orou três vezes a Deus pedindo-lhe que removesse essa razão de sofrimento para ele, como você sabe. Deus disse não. Sua resposta para Paulo foi: “A minha graça te basta” (2 Co 12.9). Não foi uma questão de falta de fé que levou Deus a não aliviar o sofrimento de Paulo. Também no Novo Testamento, vemos que Pedro foi preso e colocado na cadeia, e os discípulos foram para o cenáculo e oraram por ele com todas as suas forças. Enquanto estavam orando, o anjo abriu as portas da prisão e Pedro foi à reunião de oração. Eles tiveram fé suficiente para fazer o pedido e Pedro foi libertado. O apóstolo Tiago também foi preso, mas foi executado. A Bíblia não diz que os outros apóstolos oraram por Pedro mas não oraram por Tiago. E não posso imaginar que eles não tenham orado tão fervorosamente por Tiago como oraram por Pedro. Por alguma razão Deus não foi servido dizer sim para essa oração em particular. Sabemos que Paulo deixou um de seus companheiros doente, sem dúvi­ da Paulo orou por ele mas não recebeu a resposta que esperava, assim como Jesus não recebeu o seu pedido no Jardim do Getsêmani. Você pode dizer que essas situações não são iguais a ter um filho, mas o princípio é o mesmo. Tanto no Antigo como no Novo Testamento, temos casos de mulheres estéreis que receberam aquela dádiva especial da graça e ficaram grávidas (Ana e Isabel, por exemplo). A Sara, em sua esterilidade, foi dada uma libertação sobrenatural especial mas nem todas as pessoas fiéis a Deus que eram estéreis foram capazes de ter filhos. É uma dessas coisas sobre as quais não se pode estabelecer uma lei. Há ampla evidência ao longo da história de crentes por todo mundo que não receberam certas bênçãos e nem sempre — mas até mesmo na maioria dos casos — não foi resultado de falta de fé. • C o m o n ó s cristãos, p o d e m o s lid a r c o m estilos de vida p e c a m in o so s de m e m b ro s de n ossa fam ília ou de h ó s p e ­ des q u e v ê m a n ossa casa? Somos chamados para sermos bondosos com as pessoas. Deus não nos chamou para que fôssemos a polícia do mundo. Encontrei esse problema muitas vezes em famílias cristãs, em que um membro da família é cristão e os outros não. As vezes, os cristãos se tornam tão intolerantes e julgadores, que dão má impressão ao resto da família com seu comportamento crítico e negativo. Quando fazem isso, sentem-se completamente justificados por­ que aquilo a que estão reagindo é, realmente, um estilo de vida pecamino­ so. Somos muitas vezes cegos à nossa própria intolerância nesse ponto, esquecendo-nos de quem somos nós, de onde viemos e do fato de que a única maneira de podermos existir na família de Deus é pela graça. Creio que os cristãos devem se lembrar de quem eles são. Precisamos deixar que as pessoas saibam que, quer aprovemos ou desa­ provemos seu estilo de vida, somos por elas como pessoas. Quando minha filha passou do ginásio para o colégio, ela voltou para casa certa noite e eu perguntei: “Bem, você está gostando do colégio?” Ela respondeu: “Eu não gosto nem um pouco.” Tornei a perguntar: “Qual é o problema, você amava o ginásio.” Ela replicou: “Quando estava no ginásio, sentia que nossos professores eram por nós. Eles nos disciplinavam e nos davam tarefas de casa, eles nos repreendiam e tudo, mas de alguma forma nos comunicavam que estavam nos amparando e se preocupavam conosco. Nessa escola, sinto que os professores não são por nós.” Esse é o ponto crítico em relação a esses relacionamentos pois você pode fazer mais por essas pessoas amando-as do que será capaz de fazer julgando-as. Tenha em mente que o poder principal pelo qual as pessoas são trazidas à convicção de pecado é o Espírito Santo. Você não é o Espírito Santo, e nem eu tampouco. Agora, isso não significa que ao tentar com toda nossa força conviver com elas vamos acabar aprovando e adotando tudo o que elas fazem. Não precisamos ter um espírito sentencioso para comunicar que vivemos de modo diferente. De fato, precisamos transbordar para comunicar nosso amor. • M eu s filhos adolescen tes estão c o m e ç a n d o a n ã o q u e re r ir à igreja. Devo forçá-los? Até q u e idade? Ser pai é uma das experiências mais difíceis e arrepiantes pelas quais qualquer ser humano tem o privilégio de passar. Exercer disciplina sobre nossos filhos, muitas vezes, requer a sabedoria de Salomão. Sei que isso soa como uma teologia horrível, mas às vezes penso que criar filhos é 10% de habilidade e 90% de sorte. E muito difícil determinar quanta pressão você pode aplicar antes de provocar seus filhos e tornar a situação ainda pior. Já trabalhei com jovens cujos pais são tão exi­ gentes e fazem tanta pressão que é a sua própria dureza que está empurran­ do os filhos para fora da igreja. A resposta geral para sua pergunta é que quando temos filhos, somos responsáveis diante de Deus por criá-los na educação e admoestação do Senhor. Em minha igreja, batizamos as crianças e, quando o fazemos, como membros da congregação fazemos a promessa diante de Deus de criar essas crianças na educação e admoestação do Senhor. Mesmo que você não pra­ tique o batismo infantil, essa responsabilidade ainda está lá. A Bíblia nos diz que não devemos negligenciar nossa reunião com os santos, que é o culto congregacional do domingo de manhã. Entendo que isso significa que é minha obrigação, como membro da comunidade do pacto, ir aos cultos nos domingos pela manhã com minha família. E também minha responsa­ bilidade ser sensível e gentil, e não tirânico. Portanto, de alguma forma tenho de encontrar aquele meio termo fino de aprender a ser firme, mas amoroso, gentil e bondoso nessa firmeza. Novamente, sou responsável diante de Deus pela presença deles lá para serem instruídos e doutrinados nas coisas de Deus, aos domingos de ma­ nhã. Por isso, minha resposta para a primeira parte de sua pergunta é sim. Não gosto da palavra “forçar,” porque para algumas pessoas isso signi­ fica taco de beisebol e abuso infantil. Não é isso que estou dizendo. Estou falando sobre liderança parental, por meio da qual a autoridade reside nos pais e você se encarrega de exercer essa autoridade. Você me pergunta até que idade: eu diria que enquanto os filhos estão debaixo do seu teto e de sua autoridade como parte do núcleo familiar. Eu o encorajaria a ter como pre­ ocupação especial fazer todo o possível para levar seus filhos à igreja e tomar isso uma ocasião agradável para eles e não uma experiência ruim. • C om o p o d e m o s aju d a r n o ssos filhos a e n fre n ta r a p re s­ são d o g ru p o ? Você não está mais fazendo perguntas sobre teologia — você está me pedindo para fazer mágica! Não tenho certeza de estar preparado para lidar com isso. Suspirei aliviado quando nosso filho mais novo completou vinte e um anos, tendo sobrevivido o período de adolescência. A pesquisa divulgada pela comunidade científica tem indicado algumas coisas muito sensatas para nós. Não se pode dogmatizar essas coisas, mas, de maneira geral, o relacionamento mais importante que modela a identida­ de da criança do nascimento até os cinco anos, é o relacionamento da crian­ ça com a mãe. Isso não significa que os outros não são importantes, mas a mãe tem suprema importância nesse período. Dos seis até cerca de doze anos, o relacionamento mais importante da criança é com o pai. Mas dos treze em diante, os relacionamentos mais significativos da crian­ ça são com seus grupo de amigos e companheiros da mesma idade. Portan­ to, num sentido muito real, nossa habilidade de continuar modelando as atitudes e o sistema de valores de nossos filhos fica severamente limitado depois que eles entram nesse período da adolescência. Como cristão e teólogo, não creio em sorte. Mas quando se trata de criar filhos, 90% é sorte! Você faz tudo o que é possível, depois se afasta e espera pelo melhor — você os confia a Deus. Você tenta incutir princí­ pios em seus filhos. E uma das coisas mais importantes que os pais podem fazer com um adolescente é manter as linhas de comunicação abertas. Em certas ocasiões, isso pode ser muito difícil. Quando atingiram treze anos, cada um dos nossos filhos começou a viver numa caverna — o quarto deles. Chegavam em casa da escola e desapareciam dentro da caverna. Eu ouvia música saindo de lá e pensava: será que existe algum ser humano vivo lá dentro? Era muito difícil fazê-los sair da caverna e participar da vida da família. Aqueles foram anos difíceis e tivemos que perseverar enquanto os atravessávamos. Vesta e eu costumávamos nos confortar um ao outro dizendo: “Isso é apenas uma fase, se pudermos sobreviver a ela, eles também sobreviverão.” Mas mantenha as linhas de comunicação aber­ tas, e, principalmente quando eles são adolescentes, certifique-se de que as linhas tenham mão dupla. Os jovens falarão, mas eles precisam de oportunidade. Precisam estar certos que podem vir a seus pais. Tenha certeza de que seus filhos sabem que vocês os apoiarão mais do que criticarão e que eles podem contar com vocês em tempos de dificuldade ou quando estão confusos. • Existem bases bíblicas para o divórcio? Q uais são elas? Grande parte do debate a respeito de divórcio tem a ver com a maneira como interpretamos os ensinos de Jesus sobre o assunto. No Evangelho de Mateus, por exemplo, os fariseus vieram a Jesus procurando uma decisão, e estavam tentando fazê-lo cair numa armadilha e falar contra a Lei de Moisés. Eles perguntaram: “£ lícito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo?” (Mt 19.3). Sabemos, por nossa própria pesquisa histórica, que naquela ocasião ha­ via um debate em Israel entre duas das principais escolas rabínicas, a escola de Shammai que era muito conservadora, e a escola de Hillel, que assumia uma abordagem mais liberal na interpretação da lei do Antigo Testamento. O ponto de vista liberal permitia o divórcio sob várias alegações, dando uma interpretação muito ampla à expressão “coisa impura” da legislação do Antigo Testamento. A escola conservadora assumia um ponto de vista mais estreito e dizia que, só em razão de adultério, o divórcio poderia ser legitimado em Israel. Para mim, parece claro que Jesus permite o divórcio em caso de adultério. Do outro lado, ele diz que se um homem se divorcia de sua mulher por qualquer outra razão que não seja imoralidade sexual, ele está pecando. Portanto, nessa oportunidade, Jesus diz que não deve haver divórcio por outras razões que não sejam impureza sexual ou imoralidade. Ele prossegue dizendo que, por causa da dureza de nossos corações, a lei dada a Moisés abria uma possibilidade para o divórcio no Antigo Testamen­ to. Jesus, então, cita a lei de Deuteronômio na qual a assim chamada coisa impura é apresentada como base legítima para divórcio no Antigo Testamen­ to. Mas Jesus se apressa para acrescentar a seguinte afirmação: “entretanto, não foi assim desde o princípio” (Mt 19.8). Sua referência à criação nos lem­ bra a santidade do casamento. Certamente é verdade que a providência do divórcio nos é dada por causa da dureza de nossos corações, por causa do pecado. Porque o adultério é um pecado. Quando alguém viola o casamento através do adultério e quebra aquela confiança, então o voto sagrado, e a parte inocente no divórcio são tão violados que a permissão é dada a eles, naquele contexto de queda, de entrar licitamente com o pedido de divórcio. E óbvio que Jesus está repreendendo a posição liberal de divórcio que prevalecia em seus dias. Penso que ele nos relembra que a intenção original do casamento não incluía o divórcio. Ele reconhece que existe uma base, e não está criticando a Deus por dar essa permissão no Antigo Testamento. As pessoas são decaídas e Deus condescende com o fato de que elas cometem pecados contra o casamento que são suficientemente sérios para se constituir em base para a dissolução do casamento. Tal pecado é a infidelidade sexual. Creio que outra base para divórcio dada pelo apóstolo Paulo na corres­ pondência aos Coríntios é o caso da separação voluntária e irreparável do descrente (ICo 7.15). Essas são as duas bases que encontro nas Escrituras. • Parece h a v e r u m a diferença de o p in iã o sobre se u m cris­ tão d iv o rciad o p o d eria to r n a r a se casar. Q u a n d o e sob q u e con diçõ es isto é perm issível? É difícil separar o ensino de Jesus sobre isso, em parte porque ele tocou no problema num contexto em que estava tentando resolver uma disputa entre duas escolas rabínicas de seu tempo. Os sábios religiosos vieram a Jesus e lhe perguntaram sobre a legalidade do divórcio — um homem di­ vorciar-se de sua mulher por essa ou aquela causa. Jesus, ao responder isso, lembrou aos fariseus que Moisés havia dado esse dispositivo para o divór­ cio no Antigo Testamento, mas, ao mesmo tempo, o modelo original de casamento não incluía a noção de divórcio. Ele reconheceu a providência de Moisés e não o está repreendendo por fazer isso, pois Moisés, naquele ponto, era simplesmente um agente de Deus. Portanto, na antiga aliança, Deus colocou claramente um dispositivo para o divórcio. Entretanto, porque Jesus fala sobre isso e relembra aos fariseus que no propósito original não havia divórcio, alguns concluíram que Jesus estava removendo o dispositivo do Antigo Testamento e dizendo que não há ne­ nhuma justificação para o divórcio. Agora, seu ponto de vista a respeito do divórcio terá uma tremenda influên­ cia sobre seu ponto de vista a respeito da questão do novo casamento. Se você assume a posição de que o divórcio não é nunca legal, então você terá que afir­ mar que o novo casamento de uma pessoa divorciada nunca será legítimo tam- bém. Portanto, antes de falar na legitimidade de um novo casamento, você pri­ meiro precisa resolver se existe ou não alguma base legítima para o divórcio. Eu assumo a posição de que, de fato, há bases legítimas para o divórcio. Infidelidade sexual é uma, a outra é a separação do não-crente. Paulo diz que se um esposo não-crente quiser apartar-se, o crente está livre. Agora, ele não define o que quer dizer livre. Isso significaria que ele está livre para deixar que o outro se vá e então viver uma vida de celibato, um estado de solteiro? Algumas pessoas assumem esse ponto de vista. Creio que Paulo quer dizer livre do contrato de casamento, dos votos e obrigações. Esta pessoa, agora, é considerada solteira e, portanto, livre para tornar a se casar. Portanto, eu assumo a posição de que a parte inocente num divórcio é livre para tomar a se casar. Agora, quando dizemos inocente ou culpada, reconhecemos que todos contribuem para a falência de um casamento. Por “parte culpada” entendo aquela que cometeu o pecado suficientemente sé­ rio para dissolver o casamento. Mas eu diria que até mesmo a parte culpada pode tomar a se casar se houver arrependimento sincero. • 1 Jo ão 5.14,15 fala sobre p e d irm o s as coisas de a cordo c o m a v o n ta d e de Deus e nosso s desejos serão r e s p o n d i­ dos. Se Deus deseja m a n t e r u m c a s a m e n to e to d o esfor­ ço é feito p o r u m dos m e m b ro s do casal, a ob ediên cia e fé deste u m p o d e su p e ra r as circu n stân cias e, n a realid a­ de, salvar u m c a s a m e n to q u e está falindo? A resposta mais fácil para sua pergunta é, sem dúvida, que as ações de um podem ser o trampolim para salvar o casamento. Entretanto, isso não significa necessariamente que é assim que acontece sempre em todas as circunstâncias e dessa forma. Muitas vezes, em aconselhamento conjugal, um esposo está presente, enquanto o outro não deseja participar. Sem dúvi­ da é muito mais fácil efetuar a reconciliação e construir um casamento sau­ dável quando ambos estão dispostos a trabalhar para isso, mas é fato que quando uma pessoa muda, isso muda a natureza do relacionamento. É qua­ se impossível que o relacionamento total não mude. Pode ficar pior, mas sem dúvida mudará. Quando uma pessoa muda, o outro companheiro que vive numa proxi­ midade tão íntima será forçado a mudar de alguma forma em resposta à mudança ocorrida no primeiro. Agora, vamos relacionar isso à questão da promessa de 1 João de que se orarmos e agirmos de acordo com a vontade de Deus podemos estar certos de que nossos desejos serão respondidos e Deus abençoará esse casamento. Creio que devemos ser muito cuidadosos para entender essa passagem à luz de tudo o que o Novo Testamento ensina sobre oração e sobre a natureza da vontade de Deus, ambos são altamente complexos. A Bíblia nos diz que se duas pessoas concordarem sobre alguma coisa, isto lhes será feito. É isto que o texto quer dizer num sentido absoluto? Então, tudo o que teríamos de fazer seria encontrar dois de nós que concordassem em ver a cura do câncer e o fim de todas as guerras no mundo e a volta de Jesus essa noite. Se concordarmos nisso, Deus teria de atender, para ser fiel à sua palavra. É evidente que não é esse o sentido. Essa é uma referência à noção do Antigo Testamento sobre testemunhas que concordam, testemunhas que são ins­ truídas pela Palavra de Deus e testemunhas que estão em contato com a Palavra revelada de Deus. Também se refere ao que Deus falou e àquilo que está registrado nas sagradas Escrituras. Quando oramos de acordo com as Escrituras, não vamos orar para que Deus realize algumas coisas até que outras tenham acontecido antes. Esta­ mos simplesmente contando a ele nossos desejos e não orando de acordo com sua vontade explicitamente revelada. Também orar de acordo com a vontade de Deus significa orar de acordo com os preceitos de Deus, de acordo com a lei de Deus. Aqui podemos dizer que Deus deseja a realização e o gozo de um bom casamento. O que quero dizer com isso é que Deus ordenou que nossos casamentos sejam saudáveis, íntegros e justos. Certamente, penso que podemos nos confortar com o versículo de que se fizermos tudo o que estiver em nosso poder para obedecer o que Deus nos ordenou em termos de nossas responsabilidades no casamento, enquanto oramos para a salvação do casamento, temos todas as razões para sermos otimistas de que nosso desejo será honrado por Deus. • Por qu e a agressão física não é base legítima para o divórcio? Não sei porque Deus não incluiu a agressão contra a esposa ou contra o marido como causa para o divórcio. Apenas sei que ele não o fez. Preciso dizer também, com toda sinceridade, que se eu fosse Deus teria colocado tais atitudes como causa para o divórcio, pois a agressão dentro do casamento é uma terrível realidade. Se existe algo que é, na realidade, uma violação da dignidade humana e dos votos sagrados do casamento, isso, sem dúvida, é a agressão física contra outra pessoa. Tenho me perguntado muitas vezes por­ que Deus não a incluiu em sua lista de bases legítimas para o divórcio. Sei que temos outras opções que não o divórcio para tais situações. Obvia­ mente estamos falando sobre uma família cristã (e isso acontece em lares cris­ tãos), essa é uma situação na qual a disciplina da igreja precisa ser aplicada em sua totalidade para proteger a pessoa que está sofrendo a agressão; a repressão da autoridade religiosa deve ser usada nessa situação. Se isso falhar, ou se as pessoas não tiverem essa possibilidade disponível por estarem fora da igreja, há outros caminhos de segurança e proteção. Muitas pessoas usam o sistema legal. Tenho aconselhado as mulheres a chamarem a polícia. Se a situação piorar, colo­ que o agressor na cadeia, porque a agressão simplesmente não pode ser tolerada nos lares ou nas ruas, na escola ou na igreja. Temos dispositivos legais em nossa lei civil para proteger as pessoas desse tipo de comportamento. Na comunidade cristã existe base para pelo menos uma separação tem­ porária se aquele que agride se recusa a corrigir sua atitude. Talvez não haja dispositivo para divórcio nesses casos porque Deus enxerga esse problema, embora tão sério e severo, como algo que pode ser superado. Em muitos casos, temos visto casamentos redimidos depois que as pessoas se arrepen­ deram e superaram seus padrões destrutivos de comportamento. Mas é um problema extremamente sério em nossa cultura e que está começando a vir à tona, assim como a agressão contra crianças veio à tona nos últimos anos. • H ip o te tic a m e n te , c o m o o s e n h o r a co n se lh aria sua filha e m relação ao divórcio se os filhos dela — seus n e to s — tiv e sse m sido se x u a lm e n te a b u sa d o s pelo pai, q u e n ã o está d isp o sto a receber a c o n s e lh a m e n to ? Espero que essa pergunta se mantenha para todo o sempre como uma hipótese, mas certamente essa é uma realidade para algumas pessoas. Se a situação que você acabou de descrever acontecesse com minha filha, ou com a filha de qualquer outra pessoa, e elas viessem a mim para um aconse­ lhamento pastoral e o marido se recusasse a se submeter ao aconselhamen­ to, à disciplina da igreja, ou a qualquer outra das alternativas que se tentas­ se explorar, muito provavelmente, meu conselho seria para que essa esposa procurasse o divórcio. Penso que ela teria bases bíblicas. O abuso sexual dos filhos seria uma violação do casamento. Penso que é uma forma de adultério. Se tivesse acontecido de forma impenitente, creio que a mulher teria não apenas o direito, mas também uma boa razão para exigir medidas legais para sua própria proteção e também das crianças. Seria provavel­ mente sábio da parte dela exercer sua opção bíblica de divórcio. Não existem duas situações exatamente iguais, por isso hesito em dar um conselho geral sobre como lidar com a situação. Divórcio não é certa­ mente a primeira solução, mas penso que há ocasiões em que os ministros devem aconselhar nessa direção (aceita a pressuposição de que existe tal coisa como base para divórcio). Tenho visto mulheres vítimas de infidelidades repetidas por parte de seus maridos e que sabem que uma situação de abuso sexual ocorre em seus lares. Mas algumas mulheres sentem que a Palavra de Deus não lhes dá a opção do divórcio. E mesmo quando temos direito de fazer alguma coisa, nem sempre é sábio exercer esse direito. A Bíblia não diz que você deve se divorciar em tais situações, mas creio que ela afirma que você pode. Abuso sexual dos filhos é um crime hediondo contra a família inteira, e exige medidas severas. A CARREIRA P R O F I S S I O N A L “Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E também há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos.” — 1 C o r í n t i o s 12.4-6 Perguntas dessa seção: • Eu me formei em advocacia há nove anos, antes de me tomar cristão. Hoje em dia, tenho pensado em como posso saber se devo ou não perma­ necer numa profissão escolhida na base de aspiração e capacidade pesso­ ais e como posso confiar em Deus para a mudança radical que estaria envolvida numa troca de carreira na meia idade? • Tenho lutado com a escolha de carreira. Quais os processos de pensa­ mento que os cristãos deveriam usar na tomada de decisões? • Qual é o conceito bíblico de aposentadoria, se é que existe algum? • A vocação mais alta de Deus para um ministério de tempo integral seriam atividades como oração ou testemunho e estudo bíblico? Serão estas priori­ dades mais altas do que as atividades diárias de uma pessoa nos negócios? • O que significa ser chamado para o ministério? • Como os valores cristãos devem influir na ética empresarial nos escritórios? • O que o sr. pensa sobre cristãos convictos que mantêm sociedade com não-crentes, especialmente não-crentes que são hostis ao Senhor? • Os sindicatos apresentam problemas éticos para os cristãos? • Como um empregador pode demonstrar dignidade cristã a seus empregados? • Eu m e fo rm ei e m advocacia h á nov e anos, a n te s de m e t o r n a r cristão. Hoje em dia t e n h o p e n sa d o e m c o m o posso saber se devo ou n ã o p e rm a n e c e r n u m a profissão esco ­ lh id a n a base de aspiração e capacidades pessoais e c o m o p osso con fiar e m Deus para a m u d a n ç a radical q u e e sta ­ ria env olvid a n u m a troca de carreira n a m eia idade. A primeira pessoa que a Bíblia menciona como tendo sido cheia com o Espírito Santo é um homem chamado Bezalel, o qual, junto com Aoliabe, foi escolhido por Deus para ser artesão e artífice para desenhar e elaborar os utensílios e a mobília para o tabernáculo. É importante que compreendamos isso, porque muitas vezes pensamos que as únicas vocações ou tarefas que recebem a bênção de Deus e a unção do Espírito Santo são aquelas que estão associadas a um ministério cristão de tempo integral. A própria palavra vocação vem do latim vocare, que significa “cha­ mar.” Cremos que Deus chama pessoas para várias vocações, e ele faz o chamado não apenas no ambiente religioso mas também no secular. O fato de você ter escolhido uma determinada carreira ou vocação antes de se tornar cristão não indica, necessariamente, que você esteja fora da vocação para a qual Deus o chamaria como cristão. Freqüentemente, vejo pessoas que se convertem, e a primeira pergunta que fazem é: Isso significa que devo deixar o empreendimento no qual estou? Bem, se você está em algum empreendimento ilegal — se você é um ladrão, por exemplo — então, sem dúvida você deve deixar de ser um ladrão. Mas devemos nos lembrar que a maioria, semelhantemente a Bezalel e Aoliabe, já eram dotados e tinham recebido talentos de Deus para suas profissões antes de serem cheios do Espírito Santo. Parece que, em sua sabedoria, Deus chama pessoas para carreiras e ministérios para os quais foram dotados desde o princípio; às vezes descobrimos o melhor uso para os nossos dons naturais antes de nos tomarmos cristãos e, às vezes, depois da conversão. Certamente há ocasiões em que Deus encaminha as pessoas para uma nova carreira — e, às vezes, essa mudança é radical. Quem seria melhor exemplo do que Moisés? Moisés era um homem velho quando Deus o cha­ mou para a posição de liderança. Ele havia passado praticamente sua vida inteira como pastor no deserto antes de se tomar um estadista e o líder de uma nação. Penso em alguns outros homens famosos em nossos dias. Winston Churchill e Douglas MacArthur, dois dos indivíduos mais proeminentes do século XX, não iniciaram a carreira que os tornou famosos até depois de alcançarem o que chamaríamos idade de aposentadoria. Eu apóio pessoas que se perguntam aos trinta e cinco, quarenta e mesmo cinqüenta anos se esta não seria ocasião de uma nova carreira, uma nova vocação. Não há nada na Bíblia que diga que devemos permanecer no campo em que estamos por toda a vida. Quantas vezes as decisões por uma carreira ou vocação são tomadas muito cedo e ficamos presos em profissões que, de maneira nenhuma, são satisfatórias para nós e nem proporcionam o melhor uso de nossos dons. • T enho l u ta d o c o m a escolha de u m a carreira. Q u a is os processos de p e n s a m e n to q u e os cristãos d e v eriam u sar n a to m a d a de decisões? Infelizmente, no ambiente cristão atual, toda a noção de pensar tem se tornado suspeita. É como se o fato de usarmos nossas habilidades intelectu­ ais naturais — particularmente, no caso da carreira — de alguma forma representasse uma falta de fé. A noção é que devemos entregar nossa car­ reira e nossa vocação a Deus, e Deus pensará por nós; Deus nos mostrará, através de algum tipo de sinal milagroso, o que ele deseja que façamos. Creio que a coisa mais significativa que somos chamados a fazer quan­ do estamos buscando a vontade de Deus em nossas vidas, quer seja para nossa vocação, para a escolha do nosso companheiro(a), ou local onde de­ vemos morar, é pensar. Agora, como devemos pensar? De que maneira de­ vemos pensar? A Bíblia nos diz que devemos fazer uma análise criteriosa de nossos dons e talentos. Ao fazermos isso, reconhecemos que é Deus quem nos dá os dons. E ele quem nos dá o talento e é a Deus que estamos tentando servir e desejamos agra­ dar. Por isso é que desejamos discernir qual é a sua vontade para nossa vocação. Como fazemos uma análise criteriosa de nossos dons e talentos? Temos de pen­ sar, e temos de pensar profunda e acuradamente. Podemos ter algum auxílio nesse processo. Somos encorajados nas Escrituras a procurar o conselho de ou­ tras pessoas porque normalmente nossos talentos são reconhecidos pelo corpo de Cristo. Pessoas em nossa igreja, em nossa família, e em nosso círculo de amigos têm a tendência de chamar atenção para os dons que apresentamos. Tam­ bém creio decididamente em procurar aquelas pessoas que são altamente habili­ tadas para nos ajudarem a discernir quais são os nossos dons e talentos. Há muitas organizações cristãs de aconselhamento vocacional disponíveis. 27 1 S1BÜ0TEÇA AUBRcY ÇLAHK Algumas vezes, somos empurrados para esquemas de trabalho ou carreiras para as quais temos a habilidade, temos o talento, mas para as quais realmente não temos o desejo ou a motivação para nos dedicarmos 100%. Admito que é possível que Deus nos chame para uma tarefa que detestamos fazer, mas Deus é um administrador muito melhor do que isso. Para as suas tarefas nesse mundo, penso que Deus gosta de empregar pessoas que não apenas têm os dons e talen­ tos que ele lhes deu, mas que também estão motivadas naquela direção. De certa forma, creio que uma das grandes mentiras de Satanás é nos dizer que devemos nos sentir infelizes com nosso trabalho. Deus nos chamou para nos sentirmos satisfeitos com nosso trabalho, portanto, é perfeitamente legítimo que você se pergunte: Que trabalho posso fazer que me dê satisfação? • Até c erto p o n to , fo m o s p ro g ra m a d o s e m n o ssa c u ltu ra p o r u m a ética de tra b a lh o q u e te rm in a c o m a a p o s e n ta ­ doria. Q u a l é a n o ç ão bíblica de a p o sen ta d o ria , se é q u e existe a lg u m a ? Francamente, tenho sentimentos confusos a respeito dessa questão. De um lado, existe uma certa nobreza em dizermos a uma pessoa: “Você já fez o seu trabalho, realmente já deu a sua contribuição. E agora vamos lhe dar a oportunidade de passar os últimos anos de sua vida com o seu passatempo ou fazendo qualquer coisa que desejar.” Existe uma virtude nisso. Por outro lado, sou um pouco cético a respeito da motivação subliminar em todo esse processo. Deixe-me fazer uma analogia. Temos visto todos os tipos de conflito entre empresários e trabalhadores em nossa cultura e esta é uma área sobre a qual estou muito preocupado. Muitas pessoas criticam os empresários, outras estão bravas com os sindicatos. Vemos a história do sindicalismo nos Estados Unidos, por exemplo, como tendo um grande impacto informativo na nossa cultura e na nossa vida como as conhecemos hoje. “Quem é o inimigo tradicional do sindicato?” Você acreditaria que pelo menos 80% das pessoas responderia: “O Empresariado”. Mas o inimigo tradicional — o original — do sindicato era o trabalha­ dor não sindicalizado, principalmente no nível do trabalho desqualificado quando, se você tivesse quatro pessoas competindo por apenas duas vagas, e ninguém tivesse habilidades específicas, isso significava que duas pesso­ as conseguiriam emprego e as outras duas não. Hoje, aproximadamente um quarto da força de trabalho dos Estados Unidos é sindicalizada. Isso signifi­ ca que, quando um emprego de trabalho desqualificado se toma disponível em um sindicato, há uma pessoa em cada quatro que tem uma tremenda vantagem sobre as outras três porque ela está inscrita no sindicato. Você deve estar perguntando o que isso tem a ver aposentadoria. O fato é que toda força de trabalho é um sistema competitivo. Sou cético o suficiente para pensar que talvez toda essa idéia de aposentadoria tenha sido invocada por alguém que desejava abrir lugar para outras pessoas con­ seguirem um emprego, e então disseram: “Vamos colocar esse camarada para fora daqui de maneira que possamos abrir um lugar na organização e eu possa entrar.” Não sei se isso é verdadeiro, ou se é apenas uma visão deformada vinda de minha própria experiência. Se você pensar sobre al­ guns dos maiores líderes e daqueles que contribuíram mais para o mundo, verá que muitos deles fizeram suas contribuições depois de já haverem atin­ gido aquilo que, em nossa cultura, é a idade obrigatória de aposentadoria. Parece que há alguma coisa arbitrária a respeito de tudo isso. Nas Escrituras, existe uma dignidade intrínseca no trabalho, e Deus me chama para trabalhar em sua vinha até a minha morte. Pode não ser no mesmo trabalho em particular, mas devo estar ativamente produtivo por tanto tempo quanto me for possível. • A vocação m ais alta de Deus para u m m in istério de te m p o integral seriam atividades c o m o oração ou te s te m u n h o e e stu d o bíblico? Seriam estas prioridades m ais altas do q u e as atividades diárias de u m a pessoa nos negócios? O serviço cristão de tempo integral é a mais alta vocação que existe? Tenho que dizer sim e não. Certa vez, ouvi um pregador metodista dizer que Deus tinha apenas um filho e fez dele um pregador. Sou muito zeloso em defender a digni­ dade daqueles que trabalham num serviço cristão de tempo integral porque vive­ mos numa cultura, mesmo dentro da igreja, que não tem essas pessoas em alta estima. De fato, a maneira simples de avaliar é examinar a parte econômica de como os ministros são pagos. Conheço um grande número de pessoas que res­ ponderão a isso dizendo: “Bem, sentimos que é nosso dever certificar-nos de que os pastores não estão nesse trabalho por um lucro desmedido.” Eles não estão aqui por causa daquilo que podem tirar do ministério e, portanto, estamos resolvidos e determinados a mantê-los humildes. Assim, não pagaremos nossos dízimos e faremos com que seja necessário mantê-los como o grupo profissional mais mal pago do país. Penso que Deus está muito aborrecido com isso no que se refere ao nosso sistema de valores. Mas dizer que o serviço cristão de tempo integral é a mais alta vocação é exagerar. Mantenho a posição reformada, o conceito de vocação no qual Deus nos chama de todas as maneiras diferentes para servi-lo. O homem que está produzindo o aço, a pessoa que planta e está produzindo alimento, a pessoa que produz vestuário — todos são serviços vitais que são tão im­ portantes no ponto de vista de Deus como um ministério de tempo integral. Não creio que possamos elevar, de maneira absoluta, o serviço cristão de tempo integral acima de outra vocações. Mas você também está perguntando a respeito de prioridades para a pessoa que está, digamos, na área de negócios. É mais importante ter lucro ou deveria ele dar prioridade à oração, ao estudo da Bíblia, etc.? A Bíblia tem prioridade para todas as pessoas. Jesus coloca da seguinte maneira: “buscai, pois, em pri­ meiro lugar o seu reino e a sua justiça, e todas estas cousas vos serão acrescen­ tadas" (Mt 6.33). Quando ele disse primeiro, a palavra grega no Novo Testa­ mento usada por Jesus é “protos ”, o que não significa apenas primeiro numa série, numa seqüência, mas sim, primeiro em termos de ordem de prioridade. Portanto Jesus dá à busca das coisas de Deus a mais alta prioridade. O Novo Testamento deixa muito claro que temos a responsabilidade de tra­ balhar e que há uma dignidade em nosso trabalho e no lucro que alcançamos. Não há nada de errado nisso. De fato, é isso que toma possível a sobrevivência da raça humana. Você lucra suprindo as necessidades dos outros e providenci­ ando bens e serviços para eles. Eles lucram suprindo as suas necessidades e providenciando bens e serviços para você. Somos projetados por Deus de uma forma que nos toma capazes de cumprir ambas, as responsabilidades de nosso crescimento espiritual e as responsabilidades de nosso trabalho. • O q u e significa ser c h a m a d o para o m in isté rio ? Significa q u e você t e m certo s d o n s e sp iritu ais e esco lh e u sá-lo s e m te m p o integral, ou significa q u e você é c h a m a d o p o r u m a d esig n ação especial para o serviço de te m p o i n t e ­ gral n o m in isté rio ? Essa é uma pergunta com a qual muitas pessoas lutam, especialmente aquelas que pensam que talvez Deus as esteja chamando para o ministério de tempo integral — para a ordenação ao ministério. Eles imaginam se estariam fugindo de Deus e sendo desobedientes a esse chamado. Em minha igreja, (e na maioria das igrejas) temos uma distinção entre o que denominamos chamado interno e chamado externo. É uma distinção sutil, mas que também se toma muito vaga, pois o chamado interno é alta­ mente subjetivo. Dentro de mim, tenho um sentimento ou uma inclinação de que Deus, de alguma forma, está me dirigindo para esse curso particular de ação, de buscar a ordenação ao ministério. Não sou um místico por inclinação, mas não posso negar que há elementos místicos genuínos na fé cristã. Certamente, o apóstolo Paulo experimentou tais momentos e os comunicou. Creio que Deus nos inclina internamente para certos caminhos em certas ocasiões, mas porque isso é tão subjetivo, podemos facil­ mente nos enganar. Nem sempre tenho certeza de que posso distinguir entre a liderança intema do Espírito e indigestão. Não desejo ser jocoso, mas creio que devemos ser muito honestos a respeito disso porque muitas pessoas acham que todo palpite e todo pensamento que aparece em suas cabeças é uma comunica­ ção direta de Deus e isso resulta em todos os tipos de problemas. Por exemplo, Jim Jones estava convencido de que suas inclinações vinham de Deus, e ele levou seus seguidores a cometerem suicídio em massa. A Bíblia nos diz para testar os espíritos e verificar se eles são de Deus. Essa é a razão pela qual a igreja tem uma distinção entre chamado intemo e externo — o subjetivo e o objetivo. O apóstolo Paulo diz para não pensarmos mais alto a respeito de nós mesmos do que devemos, e que devemos pensar com critério. Ele continua então para falar sobre chamados, dons e habilidades. Portanto, somos cha­ mados a fazer uma análise criteriosa dos dons e talentos que Deus nos deu e, ao mesmo tempo, uma avaliação justa das necessidades da igreja — do reino de Deus — e considerar em oração que Deus talvez esteja nos dirigin­ do para usar esses dons e talentos em particular numa forma ordenada e de tempo integral para o seu reino. O chamado externo vem quando a igreja (o próprio corpo de Cristo, a igreja visível, a igreja institucional, outras pessoas) reconhece essas habilida­ des e talentos e de fato me chamam, ou chamam a você para buscar essa tarefa. Essa é a razão pela qual, embora eu tivesse cursado um seminário, não pude ser ordenado até que tivesse ou o chamado de uma igreja, ou o chamado para ensinar numa universidade cristã, que foi a base pela qual fui ordenado. Embora eu tivesse dado evidências de um chamado interno, ainda pre­ cisava ter o chamado externo para estar qualificado para a ordenação. • C o m o os valores cristãos d e v em influir n a ética e m p r e ­ sarial n o s escritórios? . Lembro-me de ter tido uma discussão na sala da diretoria de uma das corporações da Fortune 500, aqui nos Estado Unidos. Eu estava conversando com o diretor do conselho, o presidente e vários vice-presidentes dessa corporação sobre o relacionamento entre teologia, filosofia e ética. No final da discussão, o diretor do conselho olhou para mim e disse: “Devo entender que você está afir­ mando que questões de ética— isto é, as políticas que temos em nossa organiza­ ção comercial — têm relação com toda a questão da ética e, por sua vez, essa ética tem relação com a questão da filosofia e, por sua vez, a filosofia tem rela­ ção com a teologia? Você está dizendo que o modo pelo qual dirigimos nosso negócio, em última análise, tem uma significação teológica? Eu respondi: “Sim, é isso que estou tentando dizer.” E foi como se as luzes se acendessem na cabeça desse homem pela primeira vez na sua vida. Fiquei admirado de que ele pensasse que esse princípio fosse tão obscuro. Quando usamos o termo ética, estamos falando sobre fazer o que é cer­ to. De uma perspectiva cristã, cremos que a norma última e o padrão funda­ mental de retidão é o caráter de Deus e sua perfeita retidão. Portanto, prin­ cípios bíblicos de ética têm grande relevância para o mundo dos negócios. Estou falando sobre coisas simples, como Deus nos dizendo que está errado roubar. Você não precisa ser cristão para apreciar a honestidade e respeitar a propriedade particular na comunidade empresarial. Certa vez, falei com alguém que estava assombrado pois havia dado 5.000 dólares a um vendedor de carro em Orlando, Flórida, para fazer al­ gum conserto e o homem desapareceu com os 5.000 dólares e nunca fez o conserto. Sua esposa estava realmente aborrecida dizendo: “Como as pes­ soas podem fazer isso? Isso é negócio desonesto.” Não é necessário ser cristão para se sentir violado quando um negociante rouba o seu dinheiro. A Bíblia nos diz para honrarmos os contratos, para pagarmos nossas contas em dia. Qual o comerciante que não aprecia quando seus fregueses pagam o que lhe devem? A Bíblia tem muito a dizer sobre pesos e medidas falsas. Como você se sentiria se estivesse comprando perfume ou “ketchup” com peso falsificado? Essa é uma consideração comercial. Todos estes são prin­ cípios concretos e muito práticos de ética que se referem à própria essência da realização de negócios. Honestidade, diligência, integridade — sabemos que o cristão não tem nenhum monopólio dessas virtudes. Essas virtudes são significativas na pró­ pria área dos negócios e, mais importante, como tratamos as pessoas nessa área. Nós as tratamos com dignidade? Essa é uma prioridade fundamental da ética cristã, que tratemos nossos fregueses, nossos empregados, nosso corpo de funcionários com dignidade. • O q u e o s e n h o r p e n sa sobre cristãos convictos q u e m a n ­ tê m sociedade co m n ão -cren tes q u e são hostis ao Senhor? Vamos primeiro fazer uma pequena correção teológica. Se eu entendo o Novo Testamento, todo não-crente é hostil ao Senhor. A Bíblia nos diz que todas as pessoas decaídas estão, por natureza, em inimizade contra Deus. Penso que essa é uma das afirmações mais provocantes da Bíblia. Nada deixa um não-crente mais irritado do que sugerir que, de fato, ele está em inimizade contra Deus. Eles preferem dizer que são apenas indiferentes, não hostis. Deus diz que eles são hostis. Não creio que haja alguns particu­ larmente mais hostis do que outros. Se você não está disposto a submeter-se ao senhorio de Deus, então essa indisposição de comprometer-se com ele é um ato de hostilidade contra Deus. Jesus foi crucificado por proclamar exa­ tamente essa idéia: Se você não é por mim, você é contra mim. Tendo dito isso, vamos ao ponto fundamental de sua pergunta. Presumo que você esteja se referindo a uma hostilidade particularmente aberta. Preci­ samos distinguir entre uma questão ética e uma questão de prudência. Penso que a Bíblia deixa claro que os cristãos não devem assumir o compromisso de um relacionamento conjugal com não-crentes. Mas o que dizer de uma soci­ edade comercial? Há muitas sociedades e empreendimentos nesse mundo, muitas vocações no mundo secular, por exemplo, cristãos e não-cristãos es­ tão envolvidos nessas vocações perfeitamente legítimas. Não penso que exis­ ta qualquer coisa do ponto de vista ético que impeça a sociedade entre cris­ tãos e não-cristãos. Por exemplo, dois médicos realizando seus serviços alta­ mente necessários podem trabalhar lado a lado por uma causa comum embo­ ra um seja cristão e o outro não. Posso pensar em dois homens fabricando automóveis ou programando computadores, sendo um cristão e o outro não. Sem dúvida, a coisa mais importante da vida cristã é o compromisso com Cristo. Se o cristão está num relacionamento diário com uma pessoa que é abertamente hostil a esse compromisso, é quase inevitável que pers­ pectivas tão diferentes sobre o que é fundamentalmente importante para eles acabem criando certos pontos de atrito no relacionamento, e pode, cer­ tas vezes, criar atritos sobre decisões que devem ser tomadas na empresa. Mas devo dizer que quando o atrito aparece entre um cristão e um não cristão por questões de ética numa sociedade comercial, nem sempre é o cristão quem insiste em que se obedeça a ética. A diferença entre um cristão e um não-cristão não se resume em que um é bom e outro não, a diferença está na aceitação ou não de Jesus como Salvador. • Os sindicatos apresentam problemas éticos para os cristãos? Tenho certeza de que existem muitos cristãos que se sentem perturbados por elementos existentes no movimento trabalhista e na sua história. Tenho muitos sentimentos confusos porque fui profundamente envolvido em toda a área dos relacionamentos entre trabalho e administração numa tentativa de mediar as di­ ficuldades e procurar a reconciliação entre os lados. Freqüentemente, nesse país, o trabalho organizado (neste caso os sindicatos) e o empresariado têm sido ini­ migos. Mas tenho observado uma mudança nos últimos anos. As pessoas estão começando a compreender que, no que se refere à economia nacional, estamos todos juntos nisso. Tem havido uma cooperação muito maior entre esses dois segmentos de nossa sociedade do que no passado. Há tanta hostilidade histórica de ambos os lados que é difícil atravessar tudo isso. O problema que tenho com os sindicatos é que o inimigo tradicional do trabalhador sindicalizado não é o empresário, mas o trabalhador não sindica­ lizado. Membros do sindicato, às vezes, têm vantagens em conseguir um em­ prego, enquanto os outros trabalhadores são barrados quanto à possibilidade de emprego. Essa é a razão pela qual creio que os estados tiveram de optar por leis de direito ao trabalho que, no meu entender, são muito saudáveis. Mas o outro lado dessa moeda é o princípio de negociação coletiva. Não estou convencido de que exista algo errado sobre esse princípio, mas tenho visto abusos graves nos últimos anos. Uma pessoa disse que tem havido tantas greves na América que parecemos mais uma cancha de jogo de boliche do que uma nação produtiva. Os sindicatos conseguiram uma grande quantidade de benefícios e não vejo nada dentro do conceito dos sindicatos que seja frontalmente oposto à ética cristã ou que tornasse impossível para um cristão envolver-se ativa­ mente com um sindicato. Embora o meu ambiente seja o administrativo, descobri que tendo a sentir mais simpatia pelo trabalhador do que pelo empresariado quando entramos numa mediação. Trato dessas questões em aspectos não econômicos — mas com aqueles que tratam da dignidade hu­ mana — não na mesa de negociação onde estão debatendo sobre salários e benefícios. Penso que no âmago das questões entre trabalhador e empre­ sariado as pessoas estão dizendo: “Embora eu possa não ser altamente habi­ litado em meu trabalho, ainda sou um ser humano e desejo ser tratado com dignidade.” Se você conseguir ver isso como a motivação central por trás dos sindicatos, você terá uma apreciação mais profunda por eles. • C o m o u m e m p r e g a d o r p o d e m o s t r a r d i g n id a d e cristã a seus e m p r e g a d o s ? Uma das melhores maneiras de afirmar a dignidade dos empregados é estabelecer padrões altos para eles. Colocar padrões baixos e não fazer exi­ gências quanto ao desempenho do trabalho é um insulto levemente velado aos empregados e eles perceberão o significado. Se não mantivermos um pa­ drão de excelência diante deles, não estamos fazendo nada por sua dignidade. Precisamos valorizar as pessoas como pessoas. Durante muitos anos estive profundamente envolvido na área de trabalho-empresa no chamado “Movimento do Valor Pessoal” no comércio e na indústria. Reconhecemos que questões não econômicas estão basicamente atrás da hostilidade volátil que existe entre trabalho e empresa, empregador e empregado, resultando em tantas greves e no bloqueio da produção e dos sistemas escolares. Os estudos têm mostrado repetidamente que a sabotagem industrial e as disputas sobre salários e recompensas têm raízes num nível mais profundo de insatisfação. O único lugar em que posso me opôr àqueles que estão denegrindo mi­ nha dignidade, a única influência que tenho é na mesa de negociação onde estamos tratando de salários, gratificações e coisas como essas. Mas todo trabalhador nesse país deseja ser valorizado como pessoa. O que posso fazer para demonstrar o valor de uma pessoa? Bem, vamos enume­ rar as maneiras: Primeiro, seria reconhecer que elas são pessoas. Isso pode parecer uma resposta simplista, mas quando entrevistamos dúzias de traba­ lhadores nas usinas de aço da Pensilvânia, ouvi a mesma resposta, especial­ mente dos trabalhadores não-especializados e negros, que me disseram: O que detesto quando trabalho nesse lugar é que, quando o contramestre chega aqui, ele desvia o olhar.” Eu perguntei: “O que você quer dizer com ‘ele desvia o olhar’?” Levei um bom tempo para arrancar daqueles homens qual seria a razão de sua objeção, era simplesmente o seguinte: Quando a gerência descia até o piso de fundição e encarava os olhos de alguém que estava traba­ lhando numa tarefa suja ou numa posição não-especializada, o gerente quase imperceptivelmente virava sua cabeça ou desviava os olhos para o chão, ao invés de fazer um contato visual direto com o trabalhador. O trabalhador recebia a mensagem. Era uma mensagem não verbal, mas chegava em alto e bom som: Você é nada; você não é nem sequer digno de que alguém olhe para você. Por outro lado, se alguém sai do seu caminho e reconhece o trabalhador como uma pessoa executando uma tarefa, e essa pessoa se sente apreciada, então a sua dignidade é realçada e restaurada. D I N H E I R O E FINANÇAS “...não me dês nem a pobreza nem a riqueza; dá-me o pão que me fo r necessário; para não suceder que, estando eu farto, te negue e diga: Quem é o SENHOR? Ou que, empobrecido, venha a furtar eprofane o nome de Deus." — P r ô v é r b io s 3 0 . 8 , 9 Perguntas dessa seção: • Deus está preocupado com o bem-estar material dos cristãos? • Como podemos ter uma visão correta das finanças cristãs, e evitar que o dinheiro se transforme num ídolo? • 1 Timóteo 6.9 nos diz que: “Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e pernicio­ sas, as quais afogam os homens em ruína e p e r d i ç ã o Isso significa que os cristãos não devem nunca querer ficar ricos? • Como os cristãos devem reagir à esmagadora tentação do materialismo em nossa cultura? • No seu entendimento, o que a Bíblia ensina a respeito de dízimo no que se refere aos cristãos hoje? • O que a Bíblia ensina sobre nossa responsabilidade de pagar impostos ao governo? • E a respeito de dívidas? Os cristãos devem usar cartões de crédito, fazer empréstimos para carro, casa, férias, etc.? • Existe uma posição bíblica clara contra loterias e jogos praticados num cassino? • Qual deveria ser a posição cristã sobre apostas ou sorteios? • Em 2 Coríntios 8.13-15, Paulo parece descrever uma espécie de igualdade econômica. Qual o relacionamento dessa passagem com os cristãos hoje? • Deus está p r e o c u p a d o c o m o b e m - e s t a r m aterial dos cristãos? A resposta simples para isso, enfática e definidamente é sim. Não apenas Deus está preocupado com o bem-estar material dos cristãos, ele está profunda e extremamente preocupado com o bem-estar materi­ al de todo o mundo. Ele criou o homem como uma criatura material com imensas necessidades materiais. Tudo o que precisamos fazer é ler o Sermão da Montanha e ver a grande expressão de compaixão de Jesus por aqueles que sofrem necessidade material. Existe uma grande e en­ fática preocupação no N ovo Testamento no sentido de que nós, cris­ tãos, cuidemos profundamente daqueles que estão famintos, pobres, nus e sem teto. Essa preocupação indica um cuidado pelo bem-estar das pessoas. O Novo Testamento tem muito a dizer sobre riqueza e pobreza e sobre as várias causas e circunstâncias que envolvem essas condições. Há advertências assustadoras para os ricos, por exemplo, especialmente aqueles que colocam sua confiança nas riquezas e não no cuidado benevo­ lente de Deus. A esse respeito Jesus diz: '‘não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber, nem pelo vosso corpo quan­ to ao que haveis de vestir...Considerai como crescem os lírios do campo; eles não trabalham nem fiam... nem Salomão, em toda sua glória, se vestiu como qualquer deles” (Mt 6.25-29). Ele está dizendo que podemos ficar tão preocupados com a acumulação de riquezas que perdemos o reino de Deus; termos uma tal preocupação com as coisas materiais a ponto de negligenci­ ar as coisas espirituais. Porque enxergamos o mundo preocupado com coisas materiais e negli­ genciando terrivelmente o espiritual, podemos nos sentir inclinados a nos tomarmos extremistas na direção oposta e dizer: “Deus se importa apenas com as coisas espirituais.” Novamente uma visão equilibrada das Escritu­ ras evitará que cheguemos a essa conclusão, pois não há nada de errado com a preocupação pelo bem-estar material. Dizendo em outras palavras, Deus se preocupa com as pessoas, e pes­ soas são criaturas materiais que exigem coisas materiais para viver. Se Deus se preocupa com as pessoas, obviamente ele se preocupa com o seu bem-estar material. Saúde e cura de doenças são questões materiais, e, portanto, o cuidado de Deus com nossa saúde é um cuidado com nosso bem estar material. • C o m o p o d e m o s ter u m a visão correta de e c o n o m i a cris­ tã e evitar q u e o d i n h e i r o se t r a n s fo r m e n u m ídolo? Há muitos que pensam que não existe tal coisa como economia cristã, que economia é neutra, assim como qualquer outra coisa. Embora esteja convencido de que a Bíblia não é um manual de economia, ela tem muito a dizer que se aplica aos princípios de propriedade, câmbio, e até mesmo uso da moeda corrente. A proteção mais importante contra a idolatria de “mamom,” pela qual caímos no grave pecado de adorar bens materiais ou o dinheiro que pode comprar tais bens, é ter uma compreensão clara da perspectiva bíblica do que vem a ser economia. E interessante para mim que o termo economia venha da palavra grega oikonomia, que é a palavra do Novo Testamento para mordomia. Penso que o princípio econômico central da Bíblia é que, fundamentalmen­ te, Deus é o possuidor de todas as coisas nesse mundo, mas em sua lei ele santi­ fica e protege o que chamaríamos de propriedade privada. Se você examinar, por exemplo, os Dez Mandamentos, verá que pelo menos dois mandamentos protegem especificamente o direito à propriedade privada e falam também con­ tra o mau uso e o abuso da minha ou da sua propriedade. Enquanto a proprieda­ de privada é protegida, não há nenhum fundamento nas Escrituras para qualquer tipo de preceito econômico comunista ou mesmo socialista. Com o direito à propriedade privada, vem a tremenda responsabilidade de administrar os próprios bens de acordo com os princípios estabelecidos por Deus. Ele não nos dá essas coisas para fazermos o que desejarmos com elas. Há muito mais na economia do que simplesmente o direito à proprieda­ de privada, mas reafirmo esse ponto em particular porque, em algum lugar na história, muitos cristãos adotaram a idéia de que a propriedade privada é um pecado em si mesma. Ouço pessoas citarem mal a Bíblia dizendo que o dinheiro é a raiz de todo mal. O que a Bíblia realmente diz é que o amor ao dinheiro é a raiz de todo mal. Quando temos simplesmente uma paixão pela aquisição de bens materiais, quando isso se torna nosso Deus e nós o servimos, então o dinheiro se toma um ídolo. Não penso que possamos examinar esse assunto de economia de uma forma simplista, mas precisamos ver o que a Bíblia diz no seu todo a respeito de bens materiais. Precisamos de dinheiro e das coisas que ele proporciona. Deus nos dá essas coisas para termos prazer. Mas devemos aprender os princípios que ele nos dá sobre como usar nossas propriedades e nosso dinheiro. • 1 T im óteo 6.9 no s diz: "Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada , e em muitas concupiscências insensatas e pernicio­ sas, as quais afogam os homens na ruína e perdição". Isso significa q u e os cristãos n ã o d e v e m q u e re r ficar ricos? No Novo Testamento encontramos essa passagem, assim como ou­ tras igualmente sérias (algumas dos lábios de Jesus) que nos advertem contra colocar nossos corações nas riquezas, vivendo nossas vidas com o objetivo principal de acumular riquezas. Não é simplesmente uma ques­ tão moral, mas há muito dito aqui em termos de sabedoria e prudência. Creio que o apóstolo está avisando que devemos nos vigiar e sermos muito cuidadosos pois a busca de riqueza pode se tornar uma armadilha sutil e devastadora. O desejo por essas riquezas, e o poder que vem com elas, pode cegar a pessoa para outras coisas que são muito mais valiosas e importantes aos olhos de Deus. Pode de tal maneira distrair nossa aten­ ção da riqueza fundamental — a riqueza espiritual — que somos pegos e caímos numa armadilha, presos a tal ponto nessa busca, que somos capa­ zes de comprometer nossa integridade a praticamente qualquer coisa para ganhar aquele poder. A riqueza pode nos destruir. Lemos esse outro aforismo no Novo Testamento: “o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males.” (lT m 6.9) Dinheiro em e por si mesmo não faz nada — ele não sai para matar ninguém, por exemplo. Mas nossa paixão pelo dinheiro e por aquilo que ele nos dá, indica alguma coisa a respeito de nosso coração. Jesus disse que não devemos estocar tesouros na terra, mas sim no céu (Mt 6.19,20). Essas advertências e avisos são muito sérios e devemos examinar nossas almas para ter certeza que não fomos pegos por um desejo de riqueza e prosperidade a ponto de negli­ genciarmos as coisas de Deus. Não há nada de errado em desejar ter roupa sobre o seu corpo nu, ter alimento para seu estômago faminto, ter uma casa confortável para viver. Não há nada de errado em tentar auferir lucros nos negócios. Em última análise, seu lucro pode ajudar a todos; pode ter um efeito positivo no mun­ do. Sem lucro não há comércio, e sem comércio não existe bem estar mate­ rial. O desejo de prosperar é legítimo. Deus até mesmo promete certos ele­ mentos de prosperidade para seu povo. Mas a busca da prosperidade deve estar sempre circunscrita pelas prioridades do reino de Deus. Penso que o apóstolo está nos dizendo que se desenvolvemos uma fixação por prosperi­ dade, perdemos o equilíbrio, e também o reino. • C o m o os cristãos d e v e m reagir à e s m a g a d o r a t e n t a ç ã o d o m a t e r i a li s m o e m noss a cultura? Provavelmente, a tentação sobre a qual o cristão deve se preocupar menos é o materialismo. Por quê? Materialismo, no sentido próprio, é uma visão de mun­ do filosófica, que considera a verdade fundamental como estritamente material — não existe nenhuma realidade espiritual. Nesse sentido, o materialismo não é uma tentação para o cristão, porque este teria de abandonar sua noção de Deus e toda esfera espiritual para pensar como um materialista. Em última análise, o materialismo como filosofia não tem nenhum lugar para Deus. Normalmente, o que entendemos por materialismo não é essa filosofia sofis­ ticada que acabei de descrever, mas aquisição de bens e a obtenção de riqueza que se tomam o fim principal de nossa vida. Essa tentação é real para os cristãos pois estes, como criaturas, têm prazer no conforto tanto quanto qualquer outra pessoa. Também podemos cair no pecado da ganância e da cobiça. Os cristãos precisam estar muito familiarizados com as advertências do Novo Testamento a respeito de pôr o coração nos prazeres materiais e nos ganhos. Ao mesmo tem­ po, não queremos desprezá-los, negando que coisas boas, materiais ou não, vêm de Deus. Devemos compreender o lugar e o uso próprios dos bens materiais. Paulo diz que ele aprendeu a estar necessitado, ou a ter em abundância, e apren­ deu a ficar contente quer estivesse prosperando ou não. Por existir muita afluência em nossa cultura, tende a haver muita culpa a respeito de gozar da prosperidade. Se você ler o Antigo Testamento por dez minutos, verá que o povo judeu não considerava a prosperidade como crime. Deus estava constantemente prometendo a bênção do bem-estar ma­ terial ao povo como resultado da obediência. Para Jesus a pergunta é: Onde está o coração? Nossa prioridade é buscar o reino e sua justiça. Se na busca do reino, Deus for servido abençoá-lo com abundância e prosperidade, não se sinta culpado por isso, mas agradeça a ele e use os bens responsavelmente. • No seu ente nder, o q u e a Bíblia en sin a a respeito d o d í ­ z im o n o q u e se refere aos cristãos hoje? Há muitas pessoas que crêem que o dízimo não é mais um encargo so­ bre os cristãos porque é um mandamento do Antigo Testamento que não está especificamente repetido no Novo Testamento. Embora isso fosse parte da lei do pacto de Israel no Antigo Testamento, não creio que tudo que Deus exige de seu povo no Antigo Testamento esteja cance­ lado se o Novo Testamento silencia a respeito. Eu diria que se o dízimo foi cancelado deveríamos ter um ensino explícito no Novo Testamento afirmando que o dízimo não está mais em vigor. O dízimo era uma responsabilidade central na economia da velha aliança, e teria sido transportado, principalmente quando entendemos que a comunidade da nova aliança foi estabelecida principalmente entre judeus, que continuariam a praticá-lo, a não ser que lhes dissessem que o dízimo não era mais necessário. Eu diria que na ausência de um palavra de repú­ dio, o dízimo continua válido no Novo Testamento. Quando Jesus estava na terra, e a nova aliança ainda não tinha sido estabelecida, ele abençoou os fariseus por seus dízimos. Eles dizimavam a hortelã e o cominho, o que significa que eles dizimavam até as menores coi­ sas. A maioria dos dízimos no Antigo Testamento era paga com bens da agri­ cultura ou do rebanho — era uma sociedade agrária. Mas os fariseus eram tão escrupulosos a respeito de dar os dez por cento a Deus que, se plantavam um pouco de salsa no quintal, eles dizimavam isso também. É como se você achasse dez centavos no chão e fizesse questão de entregar um centavo a Deus. Jesus disse que esses homens eram tão escrupulosos que pagavam até o último centavo, e Jesus os cumprimentou por isso (Lc 11.42). Quando o Novo Testamento se refere a dar, fala em dar da sua abundân­ cia e do espírito de gratidão do seu coração. Sempre que as duas alianças ou pactos são comparados, particularmente no livro de Hebreus, somos ensi­ nados que o Novo Testamento é uma aliança muito mais rica. Os benefícios que recebemos como cristãos, excedem em muito os benefícios que o povo da velha aliança gozava. Mas também segue-se que as responsabilidades do povo do Novo Testamento também excedem as responsabilidades do povo do Antigo Testamento. Nós estamos numa situação melhor. Eu diria que o dízimo não é um alto padrão fundamental para o super-cristão, mas é o alicerce. É o ponto de partida para uma pessoa que está em Cristo e que compreende alguma coisa dos benefícios que recebe de Deus. • O q u e a Bíblia e n s i n a sobre n o s s a r e s p o n s a b il i d a d e de pagar i m p o s t o s ao governo? A primeira vista, parece que a resposta bíblica para essa pergunta é muito simples. Nosso Senhor disse: “Dai, pois, a César o que é de César” (Mt 22.21). No Novo Testamento, os apóstolos nos ensinam que devemos dar honra a quem merece honra, e impostos a quem eles são devidos. Devemos pagar os tributos que são impostos sobre nós pelo magistrado civil. Tem havido muitos cristãos, particularmente em anos recentes, que têm le­ vantado perguntas a respeito disso. Perguntas como: Devemos nos submeter de boa vontade a César, quando César ultrapassa sua esfera de autoridade? Deve­ mos entregar a César aquilo que não é seu? Lembremo-nos que essa pergunta foi feita no contexto de uma situação muito intrigante no Novo Testamento. As pessoas vieram a Jesus e lhe perguntaram por que seus discípulos não estavam pagando seus impostos. Jesus realmente não responde a pergunta, e isso me in­ comoda. Tenho coçado a cabeça e pensado: “Será verdade que eles não estavam pagando todos os impostos que deveriam pagar? Quer dizer, será que os discí­ pulos eram culpados de sonegação de impostos ?” Isso é tão diferente da atitu­ de frisada tantas vezes no Novo Testamento de honrarmos o magistrado civil e sermos responsáveis nos nossos deveres cívicos. O outro tipo de escapatória que alguns cristãos estão examinando é a seguinte afirmação: “Paguem ao governo os impostos que são devidos.” Bem, o governo me diz que impostos são devidos a ele. Mas a palavra “de­ vido” é uma palavra carregada de sentido, pelo menos em seus significados históricos. Aristóteles, por exemplo, definiu a natureza de justiça como o dar à pessoa aquilo que lhe é devido — não simplesmente o que merecem, mas aquilo que lhes é devido. Há circunstâncias em que certas coisas são devidas a uma pessoa ou a uma instituição. A pressuposição não declarada, é que ao governo são devidos impostos que são utilizados para causas jus­ tas. Assim algumas pessoas (entre elas Francis Schaeffer, antes de morrer) levantaram a pergunta: Será correto pagar voluntariamente impostos que serão usados para causas injustas? Os cristãos deverão sempre se submeter a impostos injustos? É um problema que nos consome. • E a respeito de dívidas? Os cristãos d e v e m u sa r cartões de crédito, fazer e m p r é s t i m o s para a d q u ir i r carro, casa, para férias, etc.? Há uma grande controvérsia na igreja cristã sobre essa pergunta. Algumas pessoas assumem a posição de que, sob nenhuma circunstância, o cristão deveria se onerar com dívidas financeiras, citando passagens como: “A nin­ guém fiqueis devendo cousa alguma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros” (Rm 13.8). Há numerosas passagens, especialmente na literatura de sabedoria do Antigo Testamento, que advertem contra a extravagância financeira que pode cair sobre nós se nos permitirmos entrar em dívidas impensadamente. Tomo essas passagens no contexto em que são apresentadas, como provérbios de sabedoria que nos avisam a respeito de práticas imprudentes que podem ser destrutivas para o nosso lar. Não as vejo como proibições absolutas contra qualquer dívida. Há uma maneira responsável de assumir uma dívida, e há dispositivos para o endividamento na sociedade do Antigo Testamento. Na sociedade atual, na maior parte do mundo, a troca monetária— o proces­ so todo do comércio — envolve não apenas o uso de moedas, mas também de dinheiro em papel. Usamos cheques e cartões de crédito. Cartões de crédito podem ser usados de várias maneiras. As vezes são usados exatamente como o nome sugere — como uma linha de crédito instantânea que inclui o pagamento de juros se não pagarmos o valor total da conta quando a recebemos. Isso é perigoso porque é um incentivo a que as pessoas vivam além de suas possibilida­ des, e sejam menos responsáveis em seus hábitos de compra. Eu uso cartões de crédito porque fornecem uma grande conveniência para mim; não preciso carregar grandes somas de dinheiro quando viajo. Também mantemos um bom registro de nossas finanças. Tem sido minha política e prática pessoais nunca pagar com juros; isto é, pago as contas inteiramente quando as recebo. Na realidade, o cartão de crédito para mim, se torna uma outra forma de cheque. No sistema econômico da América, tem sido uma prática normal levan­ tar empréstimo para aquisição de bens maiores como casas e automóveis. Muito poucas pessoas podem pagar uma casa à vista. O fato de podermos pagar durante trinta anos por uma casa tem seus benefí­ cios e seus riscos, acabamos pagando muito mais do que o preço da propriedade por causa dos juros. Mas, ao mesmo tempo, temos a possibilidade de nos tomar­ mos proprietários de uma casa. Novamente, para mim tudo isso se reduz a uma questão de mordomia e responsabilidade. Não vejo nenhuma proibição básica das Escrituras contra o crédito, mas devemos ser sábios ao usá-lo. \ • Existe u m a posição bíblica clara c o n t r a loterias e jogos e m cassinos? Se há uma proibição bíblica explícita e direta contra jogos no cassino ou contra loterias? Não que eu saiba. Entretanto, a igreja cristã tem assumido uma posição consistentemente desfavorável contra os cassinos e loterias, baseada nas implicações de certos princípios bíblicos. Por exemplo, na igreja em que fui ordenado ministro, parte de nossa posição confessional é que devemos seguir não apenas o que a Bíblia ensina explicitamente, mas o que pode ser deduzido das Escrituras por inferência clara e necessária. A Bíblia tem princípios claros que se referem a questões como essas. O mais impor­ tante, sem dúvida, é o princípio da mordomia, pelo qual sou responsável por agir como mordomo de minhas posses, inclusive minha riqueza e por não ser esbanjador e irresponsável na maneira como gasto meu dinheiro. O maior problema que tenho com cassinos, e particularmente com lote­ rias, é que eles tendem a ser investimentos muito medíocres, e inevitavel­ mente exploram os pobres da sociedade. O pobre sonha em melhorar seu bem-estar material. Ele sonha em possuir uma casa e um bom carro. Sonha em ser libertado das infindáveis e opressivas tarefas do trabalho diário com remuneração muito pequena. Sendo um trabalhador que recebe um paga­ mento baixo por horas de serviço, ou que depende de um cheque da Previ­ dência Social, ele não terá nunca oportunidade de acumular dinheiro sufici­ ente para construir uma base sólida ou investir no futuro. Sua única possibi­ lidade de conseguir segurança financeira ou melhorar sua situação é apos­ tar nos números e apostar alto nos cassinos. Ele usará seu dinheiro e espera­ rá ganhar o prêmio milionário. Esse é o seu sonho. Mas ele não tem uma compreensão real de como o sistema funciona, e quão grandes são as des­ vantagens contra ele. Passamos por essa luta no estado da Pensilvânia quando eu morava lá e todos estavam preocupados com crime organizado e tudo mais. O crime organizado já existia lá. Quando eu era menino, já havia uma loteria na Pensilvânia. Não era estatal, era dirigida pela Máfia, e podia-se comprar um número em quase todas as esquinas de Pittsburgh. O fato que me espan­ tou foi que quando o estado assumiu a loteria para benefício de cidadãos importantes, as dificuldades para ganhar no sistema estatal eram piores do que as que existiam no sistema da Máfia. Portanto vi o estado tirando van­ tagem do desejo das pessoas de ficarem ricas depressa, e explorando o po­ bre através dessa terrível forma de investimento. • Q u a l deveria ser a posição cristão sobre apostas? Quando uma pergunta ética se refere à nossa cultura, é importante ten­ tar respondê-la do ponto de vista dos princípios bíblicos. Se você andar pela rua e perguntar a cem cristãos: “É errado jogar?” Noventa e cinco deles provavelmente responderão de maneira automática: “Sim, sem dúvida.” Em outras palavras, as tradições subculturais da comunidade cristã têm se oposto rigorosamente ao jogo e às apostas durante séculos. A Bíblia não diz: “Não jogarás.” Portanto precisamos ser muito cuida­ dosos antes de declarar ao mundo que Deus se opõe a todas as formas de jogo. O que dizer sobre investir na bolsa de valores? E sobre investir numa companhia? O que dizer sobre qualquer tipo de investimento de capital? Em todos estes casos você está arriscando o seu dinheiro; todos são formas de jogo. Que diferença faz se você está investindo numa corrida de cavalos ou em ações da Bolsa de Valores de Nova Iorque? Alguns teólogos fazem uma distinção entre jogo de risco e casos de comércio ou astúcia. Uma coisa é investir o dinheiro numa companhia que eu mesmo vou operar, e cujo sucesso até certo ponto dependerá do meu grau de energia, meu traba­ lho, minha sabedoria e habilidade; outra coisa é entregar o meu dinheiro numa agência de apostas para ver o que acontece nesse jogo de sorte. Creio que a questão real a respeito de apostas e loterias estaduais, do ponto de vista bíblico, se centraliza no princípio bíblico da mordomia. Deus nos dá certos recursos, benefícios, talentos e habilidade, e somos responsáveis por usálos com sabedoria. Deus não é favorável ao desperdício de dinheiro, à falta de cuidado com os bens que ele nos dá. O grande problema com o jogo é a má mordomia. Numa corrida de cavalos, ou de cachorros ou numa loteria estadual as desvantagens são tão grandes contra você, especialmente em agências de aposta, que todos representam um mau uso de seu capital de investimento. Nessa altura, eu diria que os cristãos não devem apoiar esste tipo de empreendimento. • Em 2 Coríntios 8.13-15, Paulo parece descrever u m a es­ pécie de ig u a ld a d e e c o n ô m ic a . Q u a l o r e l a c i o n a m e n t o dessa p assagem c o m os cristãos hoje? Na realidade, Paulo usa a palavra igualdade num sentido econômico nessa passagem; no versículo 13, ele diz especificamente: “Porque não épara que os outros tenham alívio, e vós, sobrecarga; mas para que haja igualdade”. Algumas pessoas têm usado esse versículo simples para dizer que Paulo deu uma espécie de aprovação velada ao marxismo. Os que tentaram sintetizar cristianismo e marxismo fazem muita confu­ são a respeito desse versículo em particular, e penso que eles o tiram com­ pletamente do seu contexto imediato. Certamente o tiram do contexto daquilo que o resto da Bíblia fala sobre propriedade particular. O sistema do Antigo Testamento exigia que a rique­ za fosse distribuída não na base da igualdade, mas na base da eqüidade. Eqüidade é um pouco diferente de igualdade; isto é, se uma pessoa traba­ lha, tem direito à abundância — ela colhe o que plantou. E isso é transpor­ tado para o Novo Testamento. Em 2 Tessalonicenses 3.10, Paulo afirma que se alguém não quer trabalhar, não deve comer. Na passagem de 2 Coríntios, Paulo não está se referindo à situação eco­ nômica dos cristãos individuais, mas ao donativo de benevolência entre as igrejas. Está falando da responsabilidade das congregações em participar igualmente durante a crise — nesse caso, no alívio de uma congregação específica que se encontrava em sofrimento. Esse não é o primeiro apelo de Paulo à congregação de Corinto. Tinha havido um período de fome em Jerusalém. Isso, somado à perseguição ex­ trema contra os judeus cristãos naquela região, os tinha colocado numa situação desesperadora. Várias igrejas em outras regiões estavam levantan­ do uma coleta. Encontramos a primeira menção de Paulo sobre isso em 1 Coríntios 16, quando ele insiste em que os membros daquela congregação fossem sensíveis para com as necessidades da igreja de Jerusalém, assim como outras igrejas o fizeram. Agora em 2 Coríntios, Paulo relembra que algumas igrejas fizeram o donativo com grande sacrifício. Acidentalmente, alguns dos estudiosos, que pesquisaram as circunstânci­ as históricas da pobreza na igreja de Jerusalém, argumentam que isso foi um resultado da experiência de vida em comum daquela igreja, o que terminou em desastre e falência econômica. Foi exatamente por causa de sua tentativa de marxismo, por assim dizer, que o resto da igreja teve que custeá-los. Q U E S T Õ E S DE V I D A E M O R T E “Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste no seio de minha mãe. Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis... Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nenhum deles havia ainda.” — S a l m o 1 3 9 .1 3 ,1 4 ,1 6 Perguntas dessa seção: • Qual a sua opinião sobre o aborto, e há algum trecho da Bíblia que o aprove? • Existem circunstâncias que permitiriam a um verdadeiro cristão justifi­ car o aborto? • Baseado no fato de que Deus deu aos médicos a habilidade de detectar fetos defeituosos através da amniocentese, o sr. acredita que o aborto po­ deria ser feito se o feto for anormal? • Uma mulher está pecando quando interrompe uma gravidez resultante de um estupro? • O que diz a Bíblia sobre eutanásia? • No caso de um doente terminal, quem deve decidir quando desligar o sistema de manutenção de vida? • Qual deveria ser a posição cristã sobre pena de morte? • Q u a l a sua o p in iã o sobre o aborto, existe a lg u m trecho d a Bíblia q u e o aprove? Estamos todos conscientes do tipo de pregação que proclama fogo do inferno e maldição, pregadores que gritam e vociferam contra a decadência do mundo. Pode se tornar cansativo ouvir tudo isso. Penso que, num espíri­ to de caridade, todos respeitamos pessoas que discordam dos outros, e eu tento manter essa posição o mais que posso. Mas quando chegamos a essa questão de aborto, minha tolerância se dissipa. Estou convencido de que esse assunto que a América enfrenta hoje é a maior iniqüidade da história de nossa nação. Quase sinto vergonha de ser americano. Sinto-me envergo­ nhado da profissão médica, mas muito mais envergonhado com a igreja por seu fracasso em gritar “Assassinato Descarado” a respeito do aborto. O aborto é um mal monstruoso e, se conheço alguma coisa do caráter de Deus, estou absolutamente convencido de que isso é um insulto para ele. Do começo ao fim das Sagradas Escrituras, existe um prêmio para a santi­ dade da vida humana. Sempre que vemos uma vida humana desrespeitada — como o é claramente na injustificada destruição de crianças ainda não nascidas — então aqueles que acreditam no valor e dignidade da vida hu­ mana precisam se levantar e protestar tão alto quanto possível. Do ponto de vista bíblico, a questão se centraliza na origem da vida. Para mim, seria meramente um sofisma acusar alguém de assassinato se de fato não estivessem matando uma vida humana. Creio que a evidência bí­ blica é numerosa no sentido de que a vida começa na concepção. Vemos isso repetidamente na literatura profética do Antigo Testamento, nos sal­ mos de Davi e no Novo Testamento onde, no encontro de Isabel com Maria, depois que esta concebeu a Jesus, João Batista, antes de nascer, dá testemu­ nho da presença do Messias que também ainda não havia nascido. Nenhu­ ma dessas crianças era nascida, entretanto a comunicação se faz. Jeremias e o apóstolo Paulo falam de terem sido consagrados e santificados quando ainda estavam no ventre de suas mães. Estas e muitas outras passagens in­ dicam claramente que a vida começa antes do nascimento e, creio eu, com a concepção. Oro apenas para que essa nação considere o assunto com seri­ edade e faça algo para restaurar a santidade da vida. • Existem circunstâncias q u e p erm itiriam a u m verdadeiro cristão justificar o aborto? Muito antes de Roe x Wade, um filme intitulado O Cardeal, estrelado por Tom Tryon, no qual o cardeal enfrentava o terrível dilema ético de ser fiel à sua igreja ou fiel ao amor e compaixão que sentia por um membro de sua própria família, foi produzido. Sua irmã estava naquela situação muito rara, em que o parto representava um perigo de vida para ela. Os médicos tinham que fazer a escolha; a mãe ou a criança. Nesse caso, o cardeal era o guardião de sua irmã, e ele tinha de fazer a escolha. Ele desejava muito salvar sua irmã, mas a lei canônica naquela ocasião exigia que ele optasse pela criança. A reação do povo foi forte, estavam todos muito divididos a esse respei­ to. Quando qualquer pessoa enfrenta a responsabilidade de tomar uma de­ cisão entre duas vidas, a criança ou a mãe, entramos numa esfera ética com­ pletamente diferente daquela que está diante do público americano hoje, isto é, aborto por conveniência. Creio que devemos distinguir claramente entre os dois casos. Muitas vezes as questões ficam confusas quando as pessoas assumem uma posição contra o aborto legal. Elas perguntam: “Isso significa que você permitiria que uma mulher morresse numa situação de perigo de vida, ou que uma jovem que foi estuprada tivesse de continuar com a gravidez?” Creio que este é um assunto completamente diferente. Gostaria de separar essas perguntas antes de respondê-las. Eu diria que pessoas melhores, e estudantes de ética mais bem preparados do que eu, estão divididos sobre se haveria ou não uma situação justificável para o aborto. Minha opinião pessoal (e isto é apenas R.C. Sproul e não um dogma do cristianismo) é de que o aborto nunca é justificável. Tudo se toma muito mais problemático se estamos numa situação de escolher entre a vida da mãe ou a da criança, mas eu não me levantaria contra aqueles que discordam de mim. Entretanto me oponho fortemente ao aborto legal. • Q u a n d o estava grávida do m e u ú l ti m o filho, m e u m édico p e r g u n t o u se eu desejava fazer u m e x am e de a m n i o c e n tese para d e t e r m i n a r se o bebê era n o r m a l . Baseado n o fato de q u e Deus deu aos m éd icos a ha bilidade de u sa r a a m n i o c e n t e s e para isso, o s e n h o r acredita q u e o a b o rt o poderia ser feito se o feto se provar a n o r m a l? Como cristãos, temos que voltar um passo atrás e resolver a pergunta de quando a vida começa. Se, por exemplo, alguém assume a posição cristã tradicional e clássica de que a vida começa com a concepção, então pode­ mos fazer uma outra pergunta paralela; isto é, suponhamos que não tivésse­ mos essa informação antes do nascimento e a criança nascesse deformada — deveríamos destruir essa criança depois que ela nasceu? Alguns poderiam dizer: “Bem, vocês estão confundindo as coisas.” Não, não estamos, porque a questão real é saber se temos ou não o direito de destruir uma vida humana depois que ela começa. Se o tirar a vida humana depois que ela começa é um tipo de assassinato, então seria um assassinato antes do nascimento ou depois dele. Na realidade não faria tanta diferença do ponto de vista moral. Creio que a vida começa na concepção, portanto não aceitaria o aborto como moralmente justificável se alguém ficasse sabendo através de um tes­ te que a criança será deformada. A maioria das questões sobre aborto hoje em dia tem a ver com a ques­ tão da legalização aborto. Grande parte dos abortos é feito por questões de conveniência e não porque as pessoas envolvidas tiveram de passar pelo problema terrivelmente difícil de conceber uma criança defeituosa que en­ volverá grande despesa e angústia. Você está, na verdade, fazendo uma pergunta sobre eutanásia. Quando, pela primeira vez, debatemos seriamente esse problema de abor­ to, na década de 60, não ouvi ninguém — de uma perspectiva teológica, ética ou científica — advocando o infanticídio, e também não ouvi nin­ guém naquela ocasião advocando a eutanásia para pessoas idosas. Não é esse o caso hoje, e penso que os profetas daquela ocasião, que advertiram que a aceitação do aborto levaria à aceitação da eutanásia, estavam certos. • U m a m u l h e r está p e c a n d o q u a n d o i n t e r r o m p e u m a gra­ videz r e s u l ta n te de u m e stupro? Aqueles que se opõem ao aborto legal o fazem porque estão convenci­ dos de que a vida começa antes do nascimento. Com certeza, a questão que tem dividido essa nação tão veementemente não é a questão de se é ou não legítimo fazer um aborto em caso de incesto ou estupro, ou quando a vida da mãe corre perigo, mas sim aquilo que podemos chamar aborto por con­ veniência. Faço essa observação não para me esquivar do assunto específi­ co de sua pergunta, mas para advertir as pessoas no sentido de que não sejam levadas pela consideração do “caso especial.” Muitos estudiosos e teólogos que se opõem rigorosamente ao aborto legal, crêem que este seria eticamente viável em certas circunstâncias e situações que apresentam atenuantes, como no caso do incesto, do estupro ou quando a vida da mãe é ameaçada. Eu diria que uma minoria muito pequena de teólogos afirmaria que o aborto é sempre errado e sempre um pecado. Eu me colocaria nessa pequena minoria. Não creio que devamos jamais nos envolver em abortos terapêuticos. Novamente, reconheço que as premissas éticas são muito menos claras quando estamos lidando com essas questões difíceis. Certamente não penso que seja claramente contra a lei de Deus fazer um aborto terapêutico, em caso de estupro ou incesto. O próprio ato do estupro é um terrível insulto à dignidade da mulher. E pedir a ela que suporte as conseqüências desse insulto numa gravidez à qual ela não estava voluntariamente aquiescendo — sem dúvida, posso entender aqueles que gostariam de dizer que o aborto é permissível. A razão pela qual eu hesito é o fato de que estou convencido de que ainda seria uma vida humana, e mesmo numa situação tão terrível como essa para uma futura mãe, eu lhe pediria para suportar essa dor em nome da salvação da vida da criança. • A Bíblia diz a lg u m a coisa sobre e uta násia ? Não há nenhuma menção explícita sobre eutanásia nas Escrituras. Entre­ tanto, alguns princípios estabelecidos nas escrituras se aplicam ao assunto. Nossa geração está sentindo a intensidade dessa pergunta como nunca por causa dos avanços da tecnologia e da medicina moderna. Doentes que morre­ riam, se deixados por conta da natureza, estão sendo mantidos clinicamente vivos. Isso levanta um conjunto de perguntas morais a respeito das quais mui­ tos médicos conscientes estão procurando uma orientação clara. Em princípio, a questão da eutanásia tem estado presente entre nós por tanto tempo quanto existem pessoas que sofrem. Sem dúvida, o sofrimento não é um fenômeno do século XX. Pessoas de todas as gerações tiveram de lidar com a dor. As Escrituras não contêm uma afirmação que permita a alguém apressar o término da vida de uma pessoa que está sofrendo. As únicas passagens que temos são apresentadas sem comentários— por exem­ plo, quando Saul, no meio de uma derrota humilhante, pede ao seu escudei­ ro para ajudá-lo a cair sobre sua espada e, assim, cometer suicídio ao invés de ser levado como prisioneiro pelos inimigos. Essa é uma forma de euta­ násia, mas as Escrituras não indicam a resposta de Deus para isso. Em geral as Escrituras defendem rigorosamente a santidade da vida e sabe­ mos que uma das grandes lutas dos santos nas Escrituras era seu desejo de mor­ rer e não ter permissão para isso. Kierkegaard escreveu longamente argumentan­ do que essa é uma das situações mais miseráveis na qual uma pessoa virtuosa pode se encontrar—desejar a morte e não ter permissão para morrer. Moisés pediu para morrer; Jó pediu para morrer; Jeremias pediu para morrer. E hoje muitas pessoas pedem para morrer. O padrão nas Escrituras parece ensinar que não temos permissão para nos envolvermos ativamente na destruição da vida humana, mesmo para livrar alguém de sua miséria. Fazemos distinções entre eutanásia ativa e passiva. E possível permitir que uma pessoa morra naturalmente, morra com dignidade? Essa pergunta real­ mente requer uma explicação muito mais longa e detalhada, mas eu diria que há ocasiões em que é permissível deixar que a pessoa morra — privan­ do-a de tratamentos adicionais, por exemplo, ou decidindo não ser mantido vivo artificialmente. • No caso de u m d o e n t e terminal, q u e m deve decidir q u a n ­ d o desligar o sistem a de m a n u t e n ç ã o da vida? No ano passado, falei a oitocentos médicos na Universidade do Alabama em Birmingham. Pediram-me que falasse precisamente sobre a pergunta: Como decidir quando se deve desligar a tomada? Achei interessante notar que a especialidade com maior número de representantes naquela reunião, era um grupo de neurocirurgiões. E muito freqüente deixar em suas mãos a responsabilidade de tomar a decisão sobre quando desligar a tomada, por­ que eles fazem o exame para determinar se a pessoa tem morte cerebral; isto é, não demonstram nenhum sinal de atividade do cérebro. As perguntas em torno do desligamento da tomada não são simples. Envolvem a aplicação não de um, mas de vários princípios da ética. Eu hesito em dar uma resposta apressada sobre um momento determinado em que você desliga ou não a tomada. Quem, em última análise, deveria tomar essa decisão? O que recomen­ dei àquele grupo de médicos foi ditado não tanto pelas leis bíblicas mas pela prudência. Uma decisão tão pesada não deve ser tomada caprichosa­ mente ou pela sugestão unilateral de alguém. Deveria ser tomada em con­ junto. Há sabedoria em muito conselho, e eu diria que três grupos devem estar envolvidos na tomada dessa decisão. É uma decisão de importância tão grande que penso que o guia religioso deve estar envolvido. É preciso coragem moral para um pastor se interpor numa situação familiar, mas as famílias precisam desesperadamente da orientação espiritual nessa hora, e eles merecem ter um pastor que os ajude a tomar tal decisão. Creio que isso está dentro do campo de nossa formação e treinamento teológicos, devería- mos ser capazes de ajudar as pessoas a decidirem tais coisas. Mas o pastor não deve fazer isso unilateralmente. Ele deve estar em profunda comunica­ ção com a família e com o médico. Os aspectos médicos dos sistemas de manutenção de vida são tão técni­ cos e complexos que precisaríamos da participação de especialistas médi­ cos para avaliar a situação. Portanto esses três grupos— a família, o médico e o clero — devem estar envolvidos na decisão. • Q u a l deveria ser a posição cristã sobre p e n a de m o r te ? Estou convencido de que todo o nosso sistema de justiça criminal está seriamente precisando de reforma e reestruturação porque não está funcio­ nando e existem muitas iniqüidades dentro dele. Os cristãos estão divididos sobre a pena de morte. Primeiro, existe a pergunta básica de se a pena de morte seria em si mesma uma coisa boa ou má. Penso que a opinião majo­ ritária da igreja cristã, em toda sua história, tem sido de que a pena de morte é uma coisa boa. Essa posição foi assumida, não porque os cristãos fossem particularmente sedentos de sangue, mas porque os cristãos lêem as Escrituras. A Palavra de Deus institui, estabelece e ordena a pena de morte em Gênesis 6.9. Quando o legislativo estadual da Pensilvânia votou a reintrodução da pena de morte, o então governador do estado vetou com base nas palavras bíblicas: “Não m a t a r á s Ele estava consciente de que a Bíblia diz “Não matarás”, e estava citando os Dez Mandamentos em Êxodo 20. Entretanto, se você examinar Êxodo 21, 22 e 23 (o código de santidade), Deus estabe­ lece dispositivos para aqueles que quebram esse mandamento. Para aqueles que matam, Deus ordena que sejam executados. Distinções tênues são feitas entre assassinato voluntário e involuntário, premeditação, e vários tipos de situações que caem dentro da complexida­ de de nossa jurisprudência. Portanto, estou respondendo essa questão num sentido amplo. Normalmente, a grande objeção à pena de morte é que a vida humana é tão preciosa e tão valiosa que nunca deveríamos levantar nossas mãos contra ela. Também todo ser humano é redimível. Outro argumento é que a pena de morte não é um meio de intimidação. Mas a instituição da pena de morte não foi dada como intimidação, mas como um ato de justiça. Qual é o raciocínio bíblico? A pena de morte é instituída muito cedo no Antigo Testamento — antes de Moisés, antes do Sinai, antes dos Dez Mandamentos, desde os dias de Noé, quando Deus disse: “Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu”. Isso não é uma predição. Na estrutura da lingua­ gem há um imperativo; é uma ordem. E a razão é dada: “porque Deus fez o homem segundo a sua imagem” (Gn 9.6). Em outras palavras, a Bíblia diz que a vida humana é tão sagrada, tão preciosa, tão santa — a vida humana tem tanta dignidade — que, se com premeditação você destrói injustificadamente outro ser humano, você, por isso mesmo, perde o seu direito à vida. Deus não apenas permite a execução de assassinos, ele a ordena. 18 -ífí^ SOFRIMENTO “Se Deus é p o r nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, po r todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as cousas? Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ...ou perigo, ou espada?” — R o m anos 8 .3 1 ,3 2 ,3 5 Perguntas dessa seção: • Se Deus é todo poderoso, por que ele permite o sofrimento? • Por que um Deus santo e amoroso permite que uma criança sofra com uma doença séria como o câncer? • Quando experimentamos provações, como podemos determinar se elas são conseqüência da violação de um princípio bíblico, uma prova vinda do Senhor ou um ataque de Satanás? • Fala-se sobre o “problema do sofrimento.” Num mundo decaído, não se­ ria mais certo falar sobre o “problema do prazer?” • Em Colossenses 1.24, Paulo diz que ele faz a sua parte em preencher “o que resta das aflições de Cristo”. O que significa essa frase? • Como o sr. aconselharia cristãos que estão sofrendo enfermidades ou ve­ lhice e que prefeririam estar no céu com seu Senhor ao invés de permane­ cerem aqui? • O sofrimento, de maneira geral e não o sofrimento por nossa fé cristã, pode ser contado como participação nos sofrimentos de Cristo? • Qual a diferença entre Deus nos testar ou nos tentar? • No livro de 1 Tessalonicenses, somos chamados a dar graças em todas as circunstâncias. Em algumas ocasiões, ouvi meus irmãos e irmãs em Cris­ to agradecerem por coisas como doença e morte. Deveríamos fazer isso? • Como um profissional da saúde, vejo pessoas sofrendo diariamente. O que os cristãos podem esperar de Deus no que diz respeito à cura? • O que a Bíblia nos ensina a respeito de confortar alguém que está sofren­ do por causa de um crime que cometeu? • Em Tiago 5.14,15, os doentes são orientados a chamarem os presbíteros da igreja para ungi-los com óleo e impor as mãos sobre eles. Os cristãos praticam isso hoje, ou deveríamos praticar? • Se Deus é t o d o poderoso, p o r q u e ele p e r m i te o sofrimento? Um livro recente e controvertido sobre essa questão tinha como título: Quando Coisas Ruins Acontecem a Pessoas Boas. Uma objeção comum à religião é a seguinte: Como alguém pode acreditar em Deus à luz de todo o sofrimento que vemos e experimentamos nesse mundo? John Stuart Mill levantou essa objeção clássica contra a fé cristã: Se Deus é onipotente, e permite todo esse sofrimento, então ele não é benevo­ lente, ele não é um Deus misericordioso, ele não é amoroso. E se ele é amoroso para com todo mundo, e permite todo esse sofrimento, então, cer­ tamente, ele não é onipotente. E, dado o fato do pecado, ou o fato do sofri­ mento, não podemos jamais concluir que Deus é ambas as coisas onipotente e benevolente. Por mais brilhante que John Stuart Mill seja, tenho que dis­ cordar nesse ponto e examinar o que as Escrituras dizem sobre essas coisas. Mantenha em mente que, dentro de uma perspectiva bíblica, o sofri­ mento é intrinsecamente relacionado com a queda desse mundo. Não havia sofrimento antes do pecado. Em minha interpretação, as Escrituras dizem que o sofrimento nesse mundo é parte do conjunto de julgamento de Deus sobre o mundo. Você está perguntando: Como um juiz justo pode permitir que o criminoso sofra? Como um juiz justo pode permitir que um ofensor violento seja punido? A pergunta que deveríamos fazer é: Como um juiz justo pode não permitir a punição para aqueles que cometeram atos de vio­ lência ou crimes de toda sorte? Por trás dessas perguntas está sempre a santidade de Deus e sua perfeita justiça. Nossa compreensão de Deus está baseada e fundamentada no ensino das Escrituras de que ele é o justo Juiz. O Juiz de toda terra sempre faz o que é certo. No capítulo nono de João, os fariseus dizem a Jesus: “quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?” Jesus respondeu: “Nem ele pecou, nem seus pais” Não podemos tirar a conclusão de que os sofrimentos de uma pessoa nesse mundo estão em proporção direta ao seu pecado. Isso foi o que os amigos de Jó fizeram quando vieram a ele e o atormentaram dizen­ do: “Jó, meu caro, você está realmente sofrendo muito. Isso deve ser uma indicação de que você é o mais miserável pecador do mundo.” Mas a Bíblia diz que não podemos usar essa fórmula. O fato é, se não houvesse pecado no mundo, não haveria sofrimento. Deus permite o sofrimento como parte de seu julgamento, mas ele o usa também para nossa redenção — para mol­ dar nosso caráter e fortalecer nossa fé. • Por q u e u m Deus s a n t o e a m o r o s o p e rm ite q u e u m a cri­ an ça sofra c o m u m a d o e n ç a séria c o m o o câncer? Normalmente associamos o amor de Deus com o benefícios que recebe­ mos dele e com as bênçãos que vêm de suas mãos bondosas e misericordi­ osas. Porque seu amor normalmente se manifesta em coisas boas que nos acontecem, às vezes recuamos chocados e consternados quando vemos uma criança atingida por uma doença ou algum outro trauma. Antes de respondermos à pergunta de por que Deus permite que uma criança sofra, precisamos fazer a pergunta maior: Por que Deus permite que o sofrimento aconteça a qualquer pessoa, quer ela tenha dois anos de idade, dois meses ou vinte anos. As Escrituras nos dizem que o sofrimento entrou no mundo como conseqüência da queda do homem e da criação; isto é, Deus tem trazido julgamento a esse planeta por causa do pecado. Isso inclui as maldições de dor, doenças, tristeza e morte que acompanham as conse­ qüências da iniqüidade. Como um Deus santo e amoroso pode permitir que um nenê sofra uma doença debilitante? Creio que a resposta está parcialmente contida na pró­ pria pergunta. Deus é santo, e em sua santidade exerce julgamento contra a iniqüidade que prevalece na natureza humana. Quando fazemos a pergunta a respeito de crianças pequenas, às vezes, oculta atrás da pergunta está a pressuposição não declarada de que os nenês são inocentes. Praticamente todas as igrejas na história do cristianismo tiveram que desenvolver alguma noção daquilo que chamamos pecado original, pois as Escrituras nos ensi­ nam claramente que somos nascidos num estado de pecado e que a maldi­ ção da queda acompanha toda a vida humana. Isso soa cruel e terrível, até compreendermos que naquele julgamento da humanidade decaída vem tam­ bém o abrandamento da ira de Deus com misericórdia e graça e toda a sua obra de redenção. Cremos com grande e alegre antecipação que existe uma medida especial de graça que Deus reservou para aqueles que morrem na infância. Jesus disse: “Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis, porque dos tais é o reino de Deus” (Mc 10.14). Um aviso que preciso levantar aqui é que não devemos saltar para a conclusão de que a doença ou aflição particular de uma pessoa individual é resultado direto de algum pecado especial. Esse pode não ser o caso de maneira nenhuma. Como humanos, todos participamos do conjunto amplo da queda de nossa humanidade, o que inclui a tragédia da doença. • Q u a n d o e x p e r i m e n t a m o s provação, c o m o p o d e m o s d e ­ t e r m i n a r se elas são c o n s e q ü ê n c i a da violação de u m p r i n ­ cípio bíblico, o u u m a prova q u e v e m d o Senhor, o u u m a t a q u e de Satanás? Antes de mais nada, precisamos reconhecer que qualquer uma dessas possibilidades existe sempre que entramos em tribulação, sofrimentos ou provações de qualquer sorte. De fato, outras coisas podem ser a causa da tribulação que somos chamados a enfrentar. Podemos ser a vítima inocente do comportamento injusto de outra pessoa, e podemos perguntar por que Deus permite que nós sejamos as vítimas da maldade de outros. Às vezes, as tribulações e provações chegam a nós como resultado direto do julgamento de Deus. Pode ser parte da correção aos seus filhos, ou da punição sobre os obstinados em sua desobediência para com ele. Às vezes, Deus manda circunstâncias ou pessoas que nos ajudarão a desenvolver nos­ sos músculos espirituais e nosso caráter. Também pode ser que estejamos sendo assediados pelo inimigo, algo que Martinho Lutero freqüentemente falava em ter experimentado — o que ele chamava de “infecção,” o assalto pessoal que vem do príncipe das trevas. Não é fácil discernir entre essas causas. Precisamos começar reconhe­ cendo que Deus é soberano sobre toda tribulação. Quer seja a tribulação que acontece como conseqüência de meu pecado, ou como um teste em que Deus está me colocando, ou porque estou sendo vítima de outra pessoa ou objeto do ataque de Satanás, Deus é soberano sobre todas essas coisas. No meio da tribulação, ao invés de me perder tentando discernir com certeza qual será a causa e tentando descobrir por que tudo isso está acontecendo comigo, é importante que eu faça a pergunta mais profunda: Como devo reagir a tudo isso? Podemos começar sondando os nossos corações para ver se há alguns caminhos maus em nós que poderiam ser razões legítimas para a correção de Deus. Devemos nos regozijar de que Deus faça isso, pois é uma indicação de seu amor por nós. A correção do Senhor tem o propósito de nos levar ao arrependimento e à completa restauração da comunhão. Quando entro numa provação ou nalgum tipo de tribulação, deveria dizer: “Senhor, há alguma coisa que o Senhor está tentando me dizer? Há alguma área de minha vida que precisa de atenção ou limpeza?” Nossa postura normal de confissão de­ veria ser intensificada em meio à tribulação. Pode não ser, como disse, um ato de punição de Deus, ele pode, em certo sentido, estar nos agraciando ao nos chamar para sofrer por amor à justiça, de modo que possamos participar nas provações que foram parte tão integral do ministério de Jesus. É bom lembrar, que o próprio batismo que recebemos é, entre outras coisas, um sinal de nossa disposição de participar dos sofrimentos de Cristo. Novamen­ te, chegamos diante de Deus e dizemos: “Não sei ao certo por que estou sofren­ do. Mas, Deus, desejo sofrer de maneira virtuosa, de modo a mostrar minha lealdade a ti.” Isso é o que importa quando tais coisas acontecem. • Fala-se sobre o p r o b l e m a d o so f r i m e n t o . N u m m u n d o decaíd o n ã o seria m ais certo falar sobre o "problem a do prazer"? Posso entender por que Deus permite que o sofrimento atinja pessoas que estão em rebelião radical contra ele e diariamente envolvidas numa traição cósmica. Se Deus é justo e santo, poderíamos perguntar: Como ele não os visitaria com julgamento? Se Deus é bom, então, por isso mesmo, deveria punir aquilo que é mau, e se ele deixasse o mal sem correção e apenas desse felicidade e prazer ao iníquo, você começaria a se perguntar sobre a integridade de Deus. Por que Deus, a despeito de minha desobediência a ele, permite que eu participe de tanta felicidade quanto sou capaz nesse mundo? Falando de modo prático, prazer e dor produzem resultados muito diferentes. As vezes, a presença da dor em minha vida traz o benefício prático de me santificar. Deus trabalha em mim através da aflição. Por mais desconfortável que a dor possa ser, sabemos que as Escrituras nos dizem constantemente que a tribulação é um meio pelo qual somos purificados e conduzidos a uma de­ pendência mais profunda de Deus. Há um benefício a longo prazo que presu- mivelmente perderíamos não fosse pela dor que somos chamados a “supor­ tar por um pouco.” As Escrituras nos dizem para suportar por um pouco, porque a dor que experimentamos agora não pode ser comparada com as glórias reservadas para nós no futuro. Do outro lado, o prazer pode ser narcótico e sedutor, de modo que quan­ to mais o apreciamos e mais o experimentamos, menos conscientes nos tomamos de nossa dependência e necessidade da misericórdia, auxílio e perdão de Deus. Prazer pode ser um mal disfarçado, produzido pelo diabo para nos levar à ruína final. Essa é a razão por que a procura do prazer pode ser perigosa. Quer experimentando dor ou prazer, não queremos perder Deus de vista, e nem a necessidade que temos dele. • Em Colossenses 1.24, Paulo diz q u e ele faz sua parte e m p r e e n c h e r "o que resta das aflições de Cristo". O q u e significa essa frase? Esse texto tem sido um ponto central de controvérsia na história da igre­ ja, particularmente em debates entre católicos e protestantes. O corpo de Cristo é uma das principais imagens usadas no Novo Testamento para des­ crever a igreja. Um dos temas favoritos da Igreja Católica Romana tem sido chamar a igreja de encarnação continuada, num sentido maior que apenas místico ou espiritual. Parte da doutrina católica romana incorporou o “tesouro de méritos.” Isso se refere às obras dos santos que, estando acima e além do dever reque­ rido, são adicionados aos méritos advindos de Cristo por sua vida de perfeita obediência. Esse excesso de méritos é depositado num tesouro de méritos que pode ser usado pela igreja para ajudar aqueles que estão no purgatório. A idéia atrás desse princípio é o sofrimento dos mártires, aqueles que morre­ ram por sua fé diante dos gladiadores de Roma. Eles eram vistos como tendo sofrido meritoriamente. Quando Paulo fala sobre os sofrimentos e aflições pela quais está passando como seu preenchimento daquilo que falta nas aflições de Jesus, alguns interpretaram isso no sentido de que os sofrimentos de Paulo, como apóstolo e como cristão, somavam-se aos sofrimentos meritórios de Jesus. Jesus é o principal sacrifício oferecido por nossos pecados. Ninguém pode ser redimido sem o seu mérito, mas esse mérito não representa a medida completa do mérito disponível para a igreja. Em si e por si mesmo, ele não é completo. Em outras palavras, Cristo deixou espaço para que mais mérito fosse adicionado através do martírio inocente e vitorioso e dos sofrimentos dos santos. A doutrina protestante julga abominável essa interpretação do texto por­ que uma das principais doutrinas do protestantismo clássico é a absoluta suficiência do sacrifício de Cristo; seu sofrimento transmitiu mérito perfei­ to, e nada pode ser adicionado a ele. Não há falta ou deficiência na expia­ ção de Cristo. O que Paulo quer dizer nessa passagem é que Cristo chama seu povo para participar de suas aflições e humilhações. A frase “preen­ chendo o que falta,” não significa uma deficiência em Jesus, mas simples­ mente significa que a medida completa de sofrimentos que Cristo e sua igreja experimentam é parte do plano redentor de Deus. O sofrimento tem o propósito de nos fazer mais e mais semelhantes a Cristo e, finalmente, ele produz glória a Deus. • C o m o o s e n h o r aconse lhari a cristãos q u e estão sofrend o e n f e r m id a d e s ou velhice e prefeririam estar n o céu c o m seu S e n h o r ao invés de p e r m a n e c e r e m aqui? Primeiro eu os elogiaria por sua preferência pois estão em boa compa-, nhia. Encontramos esse sentimento expresso muitas vezes nas Escrituras. No Antigo Testamento, Jó, Moisés, Jeremias e outros amaldiçoaram o dia do seu nascimento e, no meio do sofrimento, imploraram a Deus que lhes permitisse morrer. Simeão, mesmo depois de ver o Messias, fez o mesmo pedido quando disse: “Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo” (Lc 2.29). Paulo falou de sua própria ambivalência dizendo que ele estava dividido entre dois sentimentos, partir e estar com Cristo, o que era muito melhor, ou permane­ cer na terra, o que era mais necessário para as outras pessoas. Ele queria ser útil para seu rebanho, mas sua preferência pessoal era morrer e ir para o céu. Não muito tempo atrás, Billy Graham fez essa mesma afirmação publi­ camente. Ele disse que estava cansado e o que desejava mais do que qual­ quer outra coisa era ser capaz de ir para casa e estar com Cristo. Esse desejo não é simplesmente o anseio positivo pelo cumprimento de sua alma e pela chegada ao destino de sua peregrinação espiritual (e todos nós deve­ ríamos almejar o céu), mas essa preferência é motivada, muitas vezes, por sofri­ mentos e aflições muito sérias. A vida se torna um fardo tão pesado e cheia de tanta dor que a pessoa suspira por simples alívio. Algumas vezes frases sobre desejar morrer são pedidos velados por algum tipo de eutanásia. E, embora,eu elogie a pessoa pelo desejo de partir e estar com Cristo, eu insistiria em que não tome nenhuma providência para apressar esse momento com as próprias mãos. Kierkegaard escreveu sobre as lutas existentes na vida cristã e os efeitos do terror, num livro chamado Desespero Humano. Diz ele que uma das experiências mais difíceis para qualquer ser humano é desejar profunda­ mente a morte e não ser permitido morrer. Visitei uma senhora, não muito tempo atrás, que estava nessa situação. Ela havia sido afligida com tremen­ do sofrimento e dor. Ela olhou para mim com lágrimas rolando por suá face e disse: “Simplesmente não sei se posso agüentar mais.” Ela ansiava pelo sim] es cessa 1 fer Ti m o certeza que e' i pensou em sui< ídio. E 1 Dra eu certamente compreenda o profundo desejo de uma pessoa de se seiítj\ aliviada do sofrimento, cremos que Deus é o autor da vida e da morte, 0'paò <~é nosso direito terminar a nossa vida. O s o f r i m e n t o de m a n e i r a geral, e nãfa m ento p o r n o ssa fé cristã, p o d e ser c o n t a d ^ T ^ V ^ ^ ^ ^ ^ ^ P 0?^0 n o s so f r im en to s de Cristo? , Penso que sim. Se o sofri mento é ^^ratado com fé — quer dizer, se através do sofrimento colocamoswíss,.. confiança em Deus — então penso que estamos participando r ^sçr ido cL que estamos dispostos a confiar em Deus em meio ao sofrim em o^sim como Jesus confiou no Pai. Há uma promessa especial naM&^murgs para aqueles que sofrem por causa da jus­ tiça, como ... Jc serem perseguidos injustamente. E quand* ünv. pessoa está sofrendo com uma doença ou qualquer outra tragédia crtíd ma&^sqja resultado direto de perseguição? Ela ainda enfrenta sornmbnçp^que exige uma medida de confiança em Deus, e isso é uma itfííosa para os que se encontram nesse estado. Nesse ponto, en>imitam a disposição de Cristo em sofrer, eu diria que, pelo menos íretamente, tais pessoas estão participando de todo aquele processo. Mas, e se estou sofrendo um castigo em conseqüência de algum tipo de crime que cometi? Não creio que possamos chamar isso de particularmente virtuoso ou dizer que estamos participando dos sofrimentos de Cristo de ma­ neira redentora. De fato, isso é mencionado diretamente em 1 Pedro 2.20. Em relação ao homem que nasceu cego (Jo 9), a pergunta feita a Jesus foi: “Mestre, quem pecou, este ou seus pais para que nascesse cego ?” (Jo 9.2) Jesus respondeu: “Nem ele pecou, nem seus pais” (Jo 9.3). Em outras palavras, a pergunta era um falso dilema. Aqueles que a fizeram estavam tentando reduzir a duas opções, algo que tinha mais do que duas opções Havia uma outra. Jesus disse: “Nem ele pecou, nem seus pais, mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus” (Jo 9.3). Aquela pessoa não esta­ va sofrendo por perseguição. Seu sofrimento foi usado por Deus para trazer honra e glória a Cristo. Menciono esse exemplo porque é um caso bíblico claro em que o sofrimento tem valor teológico — não mérito, mas valor — na medida em que foi usado para os propósitos de Deus. Cristo mesmo nos diz que teremos aflições e sofri­ mentos nesse mundo. Ele certamente indica que vamos sofrer perseguição, e nos dá uma bênção particular para isso no Sermão da Montanha, dizendo que grande será a recompensa. Jesus também indica que haverá outros tipos de sofrimento em nosso caminho e que estamos sofrendo nele e com ele. • Q u a l é a diferença e n tr e Deus no s testa r ou n o s t en tar? A diferença está entre uma atitude que é santa, legítima e justa e outra que está abaixo do caráter de Deus. Como Tiago nos diz no Novo Testa­ mento: “Ninguém, ao ser tentado diga: Sou tentado por Deus” (Tg 1.13). E segue-se uma explicação dizendo que a tentação é algo que nasce de dentro das inclinações más de nosso próprio coração. Não podemos desculpar nos­ so pecado dizendo que o diabo nos fez cometê-lo, ou pior ainda, que Deus nos provocou e nos inclinou para o pecado. Há alguma confusão sobre isso por causa das palavras da Oração Domi­ nical, onde Jesus instrui seus discípulos a orar: “Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal”. (Em inglês a frase diz: Não nos conduzas à tentação. N.T.) Isso quase sugere que, se temos de pedir a Deus que não nos conduza à tentação, talvez haja ocasiões em que ele o faça. Essa frase tem relação com o ser conduzido ao lugar de teste. A Bíblia nos diz que Deus fará o seu povo passar por situações de teste ou aflição ou por alguma provação, fundamentalmente para seu próprio benefício, mas, algumas vezes, por razões nem sempre compreensíveis para nós. Adão e Eva não passaram no teste no Jardim do Éden. Jesus, sem dúvida, foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser testa­ do. Deus o conduziu para ser testado não por Deus, mas por Satanás. Na­ quele incidente particular temos um exemplo da diferença. Tentar alguém é induzi-lo a cometer um ato mau. Nesse sentido, seria completamente fora do caráter de Deus induzir alguém a pecar. Para seus propósitos redentores e para nosso próprio crescimento de caráter, ele pode nos colocar em situa- ções em que somos postos à prova, e onde estamos vulneráveis aos ataques do inimigo — como Jó esteve, como Cristo esteve e como Adão esteve. Lutero, muitas vezes, falou do assalto desenfreado que Satanás dirigia contra ele. Ele estava lutando contra a depressão, mas nunca falou naquilo como um engodo nas mãos de Deus. Satanás nos tentará no sentido de ten­ tar nos seduzir e nos persuadir a desobedecer a Deus, embora, mesmo nessa tentação, Satanás esteja debaixo da soberania de Deus. • No livro de 1 Tessalonicenses, s o m o s c h a m a d o s a d a r gra­ ças e m t o d a s as circunstâncias. Em a lg u m as ocasiões, ouvi m e u s i r m ã o s e irm ãs e m Cristo agra decere m p o r coisas c o m o d o e n ç a e m orte , e creio q u e isso é loucura. Deverí­ a m o s fazer isso? Não creio que seja loucura. Nessas situações, as pessoas estão tentando ser fiéis e obedientes àquilo que a passagem nos chama a fazer. Mas existe muito mal entendido e confusão a respeito dessa passagem. A Bíblia repe­ tidamente nos diz que devemos nos lembrar, em todas as ocasiões e em qualquer circunstância, de quem é Deus. Devemos nos lembrar de que ele é soberano em e sobre todas as circunstâncias humanas que recaem sobre nós. Como a carta aos Romanos nos diz, temos a promessa de que: “todas as cousas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8.28). Isso não significa que as coisas em si mesmas trabalham para o meu bene­ fício, mas sim que Deus, o qual é soberano sobre tudo o que se passa em minha vida, usa tudo aquilo que acontece comigo para minha vantagem e crescimento final. Ele usará o sofrimento e a dor, e ele triunfará sobre a iniqüidade que existe em minha vida. Paulo ilustra a noção de regozijar-se em todas as circunstâncias quando diz, em Filipenses 4.11,12, que ele aprendeu a estar contente em qualquer situação em que se encontre. Ele teve de aprender como viver com o muito e com o pouco, como lidar com situações em que era honrado e com aque­ las em que era insultado ou mal tratado. Na verdade ele diz: “Qualquer coisa que acontece comigo — se estou rico ou pobre, se estou com fome ou se estou satisfeito, se as pessoas estão me amando ou se estão me odiando — quaisquer que sejam as circunstâncias, eu sei quem sou e sei que Deus está comprometido comigo. Por causa disso sempre há algo para me regozi­ jar em todas as circunstâncias.” Não creio que com essa passagem Paulo quisesse dizer que quando es­ teve num naufrágio, ou quando foi açoitado, ele tivesse feito uma oração de gratidão dizendo: “Isso não é maravilhoso?” Se vejo situações que são fran­ camente más, não devo me regozijar com a maldade que existe ali, mas devo me regozijar em Deus que permanece acima do mal e que permanece acima da dor e da tristeza. O versículo mais curto da Bíblia, “Jesus chorou” (Jo 11.35), nos diz algo. Jesus vai ao lar de Maria e Marta, e elas estão bravas com Jesus. Marta vem a ele e diz: “Senhor, se estiveras aqui, não teria morrido meu irmão.” (Jo 11.21). Elas estavam realmente zangadas com ele. Será que Jesus respondeu as­ sim: “Ei, olhem aqui, não se preocupem. Eu estava apenas arranjando o palco para essa dramática ressurreição que vou realizar daqui a pouco. Relaxem, vamos ter uma festa, e eu vou trazer seu irmão de volta à vida?” Não, Jesus chorou. Ele entrou na realidade do sofrimento e do luto humanos, cumprindo as Escrituras de que é melhor estar na casa onde há pranto do que gastar seu tempo com os tolos. Então ele prosseguiu para mostrar o triunfo de Deus sobre aquela situação, ressuscitando Lázaro dentre os mortos. Portanto creio que cristãos sinceros que procuram regozijar-se em todas as circunstâncias, são motivados a dar louvor e honra a Deus e a tentar superar a dor de sua situação por meio dessa prática. Mas devemos tomar cuidado para não ser­ mos frívolos e levianos a esse respeito. Não devemos negar a realidade da dor, da tragédia e do sofrimento. Isso não representa uma fé sadia. • C o m o profissiona l da saúde, vejo pessoas s o fre nd o d i a ­ r iam en te . O q u e os cristãos p o d e m esperar de Deus n o q u e diz respeito à cura? Não sei quantas vezes já vi na parede dos escritórios pastorais ou em lares cristãos um pequeno letreiro: “Espere um Milagre.” Se um milagre é algo que podemos esperar, assim como esperamos o carteiro todas as ma­ nhãs, ele deixa de ser miraculoso — não é mais extraordinário e não realiza mais o trabalho para o qual foi desenhado, isto é, chamar atenção de uma forma espantosa para a intervenção de Deus. Por outro lado, o Novo Testamento nos diz para levarmos nossas ora­ ções diante de Deus, particularmente por aqueles que estão doentes. Por­ tanto, tenho esperança de que Deus seja misericordioso porque ele promete ser misericordioso, e tenho esperança de que Deus esteja presente em horas de dificuldade, porque ele promete estar presente em todas as horas de difi­ culdade. Tenho esperança de que Deus receberá nossas orações com serie­ dade quando orarmos em favor de um doente. Mas não espero que Deus vá curar todas as pessoas por quem oramos, porque não sei que Deus jamais tenha prometido fazer isso. E não tenho o direito de esperar algo de Deus que ele não tenha prometido categoricamente em todas as ocasiões. No Novo Testamento, vemos que Jesus, até onde sabemos, tinha um registro perfeito de cura. Quando Jesus pedia ao Pai que curasse alguém, essa pessoa era curada. Mas mesmo os apóstolos não eram tão seguros as­ sim. Houve ocasiões em que eles oraram pela cura de pessoas, e elas foram curadas, e houve ocasiões em que oraram por outras pessoas e elas não foram curadas. Creio que em situações como essas, falando de maneira prática, o que deveríamos fazer é trazer nossos pedidos diante de Deus com tremor e temor, em intercessão apaixonada, e então deixar que Deus seja Deus. Nós esperamos a presença do seu Espírito Santo. A Bíblia nos diz que no mundo teremos tribulações e o mundo está cheio de sofrimento, nós vamos sofrer e Deus promete estar conosco “Ain­ da que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo” (SI 23.4). Nunca deixei de me maravilhar com o testemunho de alguns cristãos que conheço sobre o grandioso e extraordi­ nário senso da presença de Cristo que experimentaram em tais situações. Nesses momentos é que mais podemos esperar que Deus esteja conosco. • O q u e a Bíblia n o s e n s i n a a respeito de c o n fo r ta r alg u é m q u e está s o fre n do p o r causa de u m crime q u e c o m e t e u ? A postura básica das Escrituras a respeito de uma situação como essa é de compaixão. Por exemplo, como cristãos temos um mandamento claro nas Escri­ turas de nos envolvermos na visitação daqueles que estão na prisão. Alguns têm assumido uma perspectiva restrita sobre isso, insistindo que apenas aqueles que são prisioneiros políticos ou aqueles que estão sendo perseguidos porque são crentes — por causa da justiça — e estão encarcerados injustamente é que de­ vem ser visitados. Alguns dizem que ministrar àqueles que estão na prisão não inclui os que estão lá porque são culpados de algum crime. Certamente, estar encarcerado na prisão é uma forma de sofrimento que é conseqüência direta do comportamento pecaminoso da pessoa. Creio que historicamente a igreja tem entendido que esse ministério significa claramente que, quer sejam culpados ou inocentes, qualquer que seja a causa do seu sofrimento, ainda somos chamados a exercer um minis­ tério de misericórdia para com eles. Como diretor da Prison Fellowship, encaro a visitação aos reclusos na pri­ são como um ministério muito importante que cumpre um mandamento de Cris­ to. Nossa postura básica é sermos pessoas que trazem consolação, bondade e compaixão. Se vemos alguém com fome, não devemos perguntar-lhes por que estão com fome ou como chegaram a essa situação. Talvez estejam com fome como resultado de sua própria pecaminosidade, mas devemos alimentá-los. Existem alguns limites para a nossa compaixão. Por exemplo, a Bíblia assume uma posição dura contra as pessoas que habitualmente se recusam a trabalhar: “se alguém não quer trabalhar, também não coma.” Nos ensinos dos apóstolos além do Novo Testamento, um dos documento mais antigos é o Didaquê. Ele nos dá instruções específicas sobre durante quan­ to tempo devemos ser compassivos com pessoas que estão sofrendo como con­ seqüência direta de sua recusa em arrepender-se. E necessário uma grande dose de sabedoria para decidir quando a compaixão deve terminar e começar a admo­ estação e a repreensão. Por outro lado, repreensão e admoestação não são neces­ sariamente incompatíveis com bondade. Podem ser uma parte do amor, embora não sejam normalmente consideradas como parte da consolação. Essa é uma pergunta particularmente relevante hoje, com a controvérsia na­ cional sobre AIDS. Tenho visto muitos cristãos assumirem a posição de que, porque essas pessoas sofrem de AIDS como resultado direto de suas práticas imorais, os cristãos não devem levantar um dedo para aliviar seu sofrimento. Considero isso uma antítese total do espírito do Novo Testamento. Se essas pesso­ as estão sofrendo, devemos ser agentes de alívio, com um ministério de bondade e compaixão por elas, não importa quais sejam as causas de seu sofrimento. • Em Tiago 5.14,15, os d o e n t e s são o r i e n t a d o s a c h a m a ­ r e m os presbíteros da igreja para ungi-los c o m óleo e i m ­ p o r as m ã o s sobre eles. A lg u ém a i n d a pra tica isso? Os cristãos d e v e r ia m fazê-lo? Realmente, a prática dessa ordem do livro de Tiago é muito difundida no cristianismo. Por exemplo, na Igreja Católica Romana ela é elevada ao status de sacramento. O último dos sete sacramentos recebe o nome de extrema unção. Normalmente pensamos nele em termos do que é chamado de últimos ritos; alguém que esteja no seu leito de morte e o sacerdote é chamado para ouvir a última confissão. Essa doutrina ou sacramento come­ çou na Igreja Católica Romana como uma resposta direta à passagem de Tiago e era vista, primeiramente, não como uma bênção de transição para alguém que estava deixando esse mundo, mas como um rito de cura. Na Igreja Episcopal, existe o que é chamado de Ordem de São Lucas, porque Lucas era médico. Essa denominação pratica e defende a unção com óleo e a imposição de mãos sobre os doentes. Certamente, nas igrejas pentecostais e Assembléias de Deus, isto é lar­ gamente praticado. Em todo movimento carismático, há uma tremenda importância colocada sobre esse versículo de Tiago. As pessoas deveriam praticá-lo? Eu diria que sim, mas creio que tam­ bém é importante entender algumas coisas sobre unção com óleo como era praticada nas igrejas do Novo Testamento. Alguns historiadores insistem em que essa passagem de Tiago se refere não a um rito religioso, mas sim a uma prática médica. Uma dessas práticas era ungir a pessoa com óleo, acreditando que esse óleo possuía algum valor medicinal. Com a medicina moderna disponível a nós, não seria mais ne­ cessário fazer isso por razões terapêuticas. O entendimento normal do texto é de que isso era um símbolo do Espírito Santo e era acompanhado pela oração pedindo que Deus interviesse e curasse o doente e, então, na realidade a unção com óleo seria um rito religioso. Novamente, a Igreja Católica Romana o vê como um sacramento. Ou­ tros não o chamam necessariamente de sacramento, mas o têm como uma prática religiosa significativa. Quando o Novo Testamento nos chama para praticar um ato de miseri­ córdia como esse, penso que deveríamos fazê-lo. Não sei de nenhuma igre­ ja que não ore pelos doentes. Ainda visitamos os doentes e oramos por eles. Esse rito em particular desapareceu de muitas igrejas, enquanto ainda é mantido em outras. Não vejo nenhuma razão para que ele cesse. O FI NAL D O S T E M P O S “Mas vós, irmãos, não estais em trevas, para que esse Dia como ladrão vos apanhe de surpresa; Assim, pois, não durmamos como os demais; pelo contrário, vigiemos e sejamos sóbrios. — 1 T e s s a l o n ic e n s e s 5.4,6 Perguntas dessa seção: • Estamos vivendo nos últimos dias? • Os cristãos deveriam gastar tempo estudando as profecias bíblicas sobre a Segunda Vinda? • Que sinais você percebe hoje da segunda vinda de Cristo? • A Bíblia nos diz quando Jesus voltará? • À luz das condições nacionais e mundiais, você crê que o reino do céu está verdadeiramente próximo? • O que Jesus queria dizer quando falou: “Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que tudo isto a c o n te ç a (Mt 24.34)? • Você crê que o anticristo virá de dentro da igreja? • As Escrituras afirmam que, durante os últimos dias, a terra será destruída, ou que Deus regenerará a substância que já existe aqui? • Compareceremos diante de Deus para julgamento logo após a morte, ou mais tarde? • Os cristãos terão de passar pelo julgamento final da mesma forma que os não-crentes? • A Bíblia ensina que seremos julgados com a medida que julgarmos os outros. Isso é uma indicação de que no dia do juízo o processo de julga­ mento será significativamente diferente entre as pessoas? • O que as Escrituras ensinam sobre o futuro papel de Israel? • E stam os v iv e n d o nos ú l ti m o s dias? Devemos ser cuidadosos para não sermos culpados daquilo pelo que Jesus repreendeu os fariseus — o que eu chamo de Síndrome do Céu Ver­ melho. Você se lembra, Jesus repreendeu os fariseus porque eles tinham a habilidade de prever o tempo. Ele podiam olhar para o céu e se estivesse vermelho à noite diziam “Maravilha para os Marinheiros”, e se estivesse vermelho pela manhã diziam “Marinheiros, cuidado.” Mas eles não perce­ beram os sinais dos tempos e perderam a primeira vinda de Cristo. Não perceberam a vinda do Messias bem no meio deles, apesar do fato de uma grande quantidade de profecias bíblicas anunciarem a aparição de Jesus em cena — e Jesus os repreendeu por isso. Quando alguém me pergunta: “Estamos nos últimos dias?” Suspeito que querem dizer o seguinte: “Estamos próximos do último capítulo da história antes da vinda de Jesus Cristo?” Não posso dizer sim ou não. Por isso digo: “Sim, e eu não sei.” A razão pela qual digo sim é: Temos estado nos últimos dias desde a primeira vinda de Cristo. E por isso as Escrituras nos dizem que devemos viver num espírito de diligência e vigilância desde o momen­ to em que Jesus deixou esse planeta nas nuvens de glória, até que ele retome. Mas quando as pessoas me perguntam: “Estamos vivendo nos últimos dias?” Creio que o que querem dizer com isso é: “Estamos vivendo nos últimos minutos da última hora da último dia?” Se eu penso que a volta de Jesus está próxima, está no horizonte? . Espero ter aprendido alguma coisa dos erros dos outros no passado. Por exemplo, quando Lutero passou por toda a convulsão violenta da i­ greja cristã no século XVI, estava convencido de que a fragmentação da igreja naquela ocasião era o fato precursor da volta de Jesus. Mas Lutero estava errado. Jonathan Edwards, vivendo em meados do século XVIII, pouco antes que sua nação fosse estabelecida como república, refletiu sobre como a religião havia declinado entre 1620 e 1750. Ele também se convenceu de que o mundo estava indo para a destruição, e o tempo esta­ va se esgotando. Jesus podia voltar a qualquer hora. Edwards estava erra­ do. Por isso, quando olho para dois mestres da teologia e os vejo fazendo predições e mencionando suas expectativas da volta próxima de Jesus, e errando, isso me deixa hesitante. A única coisa que posso dizer, entretanto, é que estamos mais ou menos . 450 anos mais próximos que Lutero estava e 235 anos mais próximos de que Edwards estava. Há muita coisa se passando no mundo hoje — isso me diz que essa é a hora em que os cristãos deveriam estar lendo a Bíblia de um lado e os jornais de outro. • Os cristãos d e v e m gastar t e m p o e s t u d a n d o as profecias bíblicas sobre a s e g u n d a vinda? Se Deus nos dá informação a respeito de alguma coisa, obviamente ele espera que sejamos diligentes no estudo dessa informação. Um estudioso bíblico fez a afirmação de que aproximadamente dois terços do material doutrinário das Escrituras do Novo Testamento se referem de uma forma ou de outra à segunda vinda de Cristo. Portanto, pelo simpleS volume de infor­ mação, tanto no Antigo como no Novo Testamentos, que focaliza a consu­ mação futura do reino de Deus, está claro que essa matéria era de absoluta importância para a igreja cristã primitiva e para o ensino do próprio Jesus. No discurso no Monte das Oliveiras (Mt 24), Jesus faz admoestações muito fortes a seus discípulos para que não fossem como os fariseus, que podiam ler a previsão do tempo mas não percebiam os sinais dos tempos. Eles não perceberam a primeira vinda de Jesus. Se tivessem conhecimento das Escrituras do Antigo Testamento que prediziam o Messias, e as aplicas­ sem cuidadosamente ao que estava acontecendo no século I, eles não teri­ am deixado passar a sua presença. Note que a defesa básica das reivindicações de Jesus encontradas no Novo Testamento são baseadas no cumprimento das profecias do Antigo Testa­ mento a respeito da pessoa e da obra de Jesus. Sem dúvida, o Novo Testamen­ to também faz profecias futuras, porque o Novo Testamento não termina a obra de redenção que Deus tem em mente para esse planeta. Ainda há outro capítulo para ser escrito, como Jesus indicou, e, portanto, ele nos diz para observarmos os sinais dos tempos. Ele nos chama para uma posição de dili­ gência e alerta, para estarmos acordados e não sermos enganados. Os avisos vêm tanto de Jesus como do apóstolo Paulo de que, nos últi­ mos dias, haverá grandes enganos, um falso Cristo, falsos rumores, e falsi­ dade tão severa que poderia até mesmo eng,anar os próprios eleitos de Deus. Como seremos capazes de discernir entre o verdadeiro Cristo e o Anticristo ou os falsos messias que virão, a não ser que demos grande atenção àquelas passagens proféticas das Escrituras? Elas foram dadas à igreja por uma ra­ zão — para nossa instrução. Eu diria que a ênfase do Novo Testamento está na diligência e na vigi­ lância. Ao mesmo tempo, não devemos ficar tão preocupados. Há uma ten­ dência em certas pessoas de focalizar toda a sua atenção em profecias futurísticas. Isso se torna quase uma espécie de mágica através da qual pro­ curamos pela segunda vinda de Cristo atrás de cada arbusto. Creio que as Escrituras devem ser levadas em consideração como um todo, não apenas as profecias a respeito do futuro. De fato, recebemos instrução de como devemos nos conduzir agora por causa daquilo que o futuro prediz. • Q u e sinais você percebe hoje da se gu n da vinda de Cristo? Jesus nos ensina, no Novo Testamento, que devemos prestar atenção ao que ele chamou de sinais dos tempos, de maneira que, quando ele vier, não sejamos pegos de surpresa. Em 1 Tessalonicenses, Paulo escreve que o dia do Senhor acontecerá repentinamente e sem aviso, como um ladrão à noite. Algumas pessoas crêem que, já que não sabemos quando Jesus virá nova­ mente, não devemos nem pensar sobre os sinais dos tempos — o conheci­ mento dessas coisas nunca foi planejado para nós. No discurso do Monte das Oliveiras, Jesus sugere claramente que devemos ser vigilantes, diligentes e conscientes do que está acontecendo ao nosso redor. O povo de Israel tinha a incumbência de ver os sinais que haviam sido profetizados no Antigo Testa­ mento sobre o nascimento original do Messias. Como você bem sabe, a gran­ de maioria das pessoas não o enxergou de maneira nenhuma. A questão, portanto, é: Quais são os sinais? Alguns dos que Jesus menci­ ona são coisas que, na maior parte, acontecem o tempo todo: guerras, rumo­ res de guerras, terremotos, fomes, apostasia na igreja, o reinado da iniqüidade, etc. Estes são os sinais clássicos indicando que o tempo de Jesus voltar está próximo. Uma vez que essas coisas acontecem em todas as gerações e em todas as épocas, a única possibilidade de que essas coisas tivessem alguma importância para nós seria se acontecessem numa quantidade ou intensida­ de significativas. Acho interessante que, no cálculo de violência, o século mais sangren­ to, militarista e guerreiro de todo registro histórico é o século XX. Esse foi o século das guerras mundiais. Também temos observado algumas das pio­ res catástrofes naturais em nosso século, sem precedentes em sua capacida­ de destrutiva. Jesus também focaliza a atenção nos eventos que têm lugar ao redor da nação judaica. Há teólogos cristãos que estão divididos quanto à importância do Israel contemporâneo no que diz respeito às predições bíblicas de Jesus. Em Lucas, por exemplo, Jesus prediz a destruição de Jerusalém no ano 70 de nossa era, e diz aos judeus que eles serão levados para longe até que se cum­ pra o tempo dos gentios. Romanos 11 fala sobre o cumprimento do tempo dos gentios no final da era, antes que Deus realize a conclusão do seu reino. Essa é a razão porque houve tanta excitação na igreja em 1967 quando, pela pri­ meira vez desde o ano 70 d.C., Jerusalém deixou de ser mantida como pos­ sessão dos gentios. Vejo isso como potencialmente muito significativo. • A Bíblia n o s diz q u a n d o Jesus voltará? Certamente não de modo específico. Muitas pessoas tentaram, através de um exame cuidadoso (e algumas vezes não tão cuidadoso) das passagens proféticas das Escrituras, estabelecer um horário. Alguns predisseram até mesmo meses, dias e anos — nenhum deles, até agora, foi correto. Quando Martinho Lutero estava atravessando uma tremenda revolução e agitação na Europa durante a Reforma Protestante, ele pensou que a gran­ de aflição que se abatera sobre a igreja no século XVI era um sinal claro da grande volta de Jesus. Lutero esperou por isso durante a sua vida, e estava errado em pelo menos cinco séculos. Na metade do século XVIII, antes que a Declaração de Independência fosse assinada mas mais de cem anos depois que os peregrinos se estabele­ ceram nesse país, Jonathan Edwards se sentiu muito propenso a pensar que o retorno de Jesus estava para acontecer. Edwards estava errado. Menciono esses dois homens porque não há muitas pessoas cuja capacidade teológica eu respeite mais do que Lutero e Edwards. Ver que os dois estavam errados me faz muito cuidadoso a respeito de fazer previsões precisas sobre o dia e a hora da volta de Cristo. Lembramos que, no Monte das Oliveiras, Jesus disse a seus discípulos que nem mesmo o Filho sabe o dia e hora de sua volta, isso está nas mãos do Pai. Há um dia e uma hora que Deus determinou, e ele simplesmente não o revela com precisão. Entretanto, ao mesmo tempo, Jesus era zeloso, assim como Paulo e outros escritores do Novo Testamento, em instruir a igreja so­ bre certas coisas nas quais deveriam prestar atenção — sinais dos tempos, coisas que deveriam acontecer antes que pudessem esperar a volta de Jesus. Sem dúvida, há uma grande discussão sobre quais são essas coisas e se algumas delas já aconteceram. Algumas pessoas crêem que todos os sinais já aconteceram. Não penso que isso seja verdadeiro, mas penso que temos todas as razões para sermos otimistas de que o dia está se aproximando. Penso que muitas das coisas sobre as quais Jesus fala, (e que também são mencionadas em outras partes das Escrituras) como sendo arautos ou sinais dos tempos, já aconteceram ou estão acontecendo agora. Tem havido uma enorme renovação no interesse das pessoas sobre a volta de Cristo. Estou muito esperançoso de que será logo, embora possa conceber que ainda de­ more dois ou três mil anos. • À luz das condições nacionais e m u n d ia i s , você crê q u e o reino d o céu está v e rd a d e i r a m e n t e p r ó x i m o ? Não penso que o reino do céu esteja próximo. Penso que há um sentido muito real no qual o reino do céu (ou o reino de Deus que é outra maneira pela qual os Evangelhos descrevem essa frase) já está aqui. Foi anunciado certa vez que o reino do céu estava próximo. Encontramos esse anúncio logo no início dos Evangelhos no Novo Testamento. O uso do termo céu como reino do céu é encontrado no Evangelho de Mateus. Foi o anúncio feito por João Batista que é o precursor do aparecimento de Cristo, o Rei do reino. O conceito todo de reino do céu, ou reino de Deus é o tema que unifica o Antigo e o Novo Testamentos. Esse é o grande conceito que dá unidade a toda a história da redenção. Diz respeito ao reinado de Deus sobre seu povo e sobre o mundo. As promessas no Antigo Testamento sobre a vinda do reino de Deus foram feitas pelas palavras e escritos dos profetas, com refe­ rência a uma época futura distante e vaga. Mas quando João Batista aparece em cena, há um novo senso de urgên­ cia quando ele faz o anúncio de que o reino do céu está próximo. Ele fala sobre o machado estar colocado à raiz da árvore. Usa a imagem do fazen­ deiro que tem a pá em suas mãos; isto é, o momento chegou em que o reino do céu está prestes a surgir em poder e em significância. Sem dúvida esse foi o anúncio que alvoroçou a nação judaica e criou tanta reação contra João Batista. Ele dizia que o reino do céu estava próximo e o povo não estava pronto para ele. Quando Jesus apareceu, houve uma ligeira mudança no tom do seu anúncio. Ele também pregou o arrependimento por causa do reino de Deus, mas seus discípulos não jejuavam como os de João Batista. Então ele fez um anúncio estranho: “O reino de Deus está entre vós". Disse ele: “Se, porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós”, Num certo sentido o reino de Deus entrou na história e começou com o ministério de Jesus e, certamente, no momento crucial em que Jesus ascendeu à mão direita de Deus para sua coroação, onde ele governa como Rei dos reis e Senhor dos senhores. As pessoas me perguntam se o reino de Deus está próximo. Creio que normalmente elas querem dizer: Jesus voltará logo? Penso que há todas as razões para ficarmos encorajados e esperançosos de que o capítulo final do reino de Deus está próximo. Mas o que estou tentando sublinhar é que o reino de Deus já começou. Não foi finalizado e não foi consumado — e isso não acontecerá até que Jesus retome em sua glória. Creio que temos todas as razões para esperar que isso aconteça logo. • O q u e Jesus q ueria dizer q u a n d o falou: "Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que tudo isto aconteça." (Mt 24.34)? Essa é uma das afirmações mais difíceis de Jesus em todo o Novo Testamento. Alguns estudantes do seminário talvez se lembrem que o famoso erudito do Novo Testamento, músico e missionário Albert Schweitzer, escreveu sua obra principal na qual confessa sua dificuldade com a identidade de Jesus, precisamente por causa dessa e de outras pas­ sagens correlatas nos outros evangelhos que se referem àquele discurso no Monte das Oliveiras. Jesus está falando a seus discípulos e, nesse contexto particular está falando sobre o templo. Ele disse que a hora viria em que não ficaria pedra sobre pedra, e apontou para as paredes do templo de Jerusalém, dizendo que elas seriam derribadas e pisadas pelos homens. Naquele mesmo discur­ so ele falou, presumivelmente, sobre a consumação de seu reino e de sua volta gloriosa no final dos tempos. Os discípulos chegaram a ele e pergun­ taram: “Dize-nos, quando sucederão estas cousas ?” Numa ocasião, ele res­ pondeu: “esta geração não passará sem que tudo isto aconteça”. Outras afirmações que ele faz são: “não acabareis de percorrer as cidades de Isra­ el, até que venha o Filho do homem”. E também: “alguns há que não passa­ rão pela morte até que vejam o reino de Deus”. . Schweitzer leu tudo isso e disse que é obvio que alguns dos ouvintes de Jesus morreram antes que ocorressem os acontecimentos anunciados no discurso do Monte das Oliveiras e que os missionários judeus não foram a todas as nações. Eles ainda não visitaram todas as nações do mundo. Diz ele que aquela geração já passou e Jesus não retornou. Portanto, a conclu­ são estava errada e Jesus morreu desiludido. De acordo com Schweitzer, tudo isso representava a esperança de Jesus de que Deus estabeleceria o seu reino naquela geração, mas isso não aconteceu. Eruditos radicais dizem que a segunda geração de cristãos teve necessi­ dade de revisar os ensinos de Jesus para consertar esse grande erro de seu mestre. Dizem eles que Jesus anunciou sua volta muito antes do seu aconte­ cimento. Alguns tentam espremer o texto para dizer que quando Jesus diz a frase: “esta geração não passará”, ele está usando o termo geração não para indicar um grupo de idade, mas um tipo de pessoa. Jesus chamou as pessoas de geração adúltera e perversa. Ele estava simplesmente dizendo que esse tipo de perversidade e esse tipo de pecaminosidade não desaparecerão até que ele volte. Talvez tenha sido isto que Jesus quis dizer. Creio que há uma explicação melhor, embora não haja espaço para os detalhes aqui. Estudiosos competentes do Novo Testamento têm dado aten­ ção minuciosa à função da frase: “todas estas coisas” que é formada de duas palavras gregas: panta touta. Quando Jesus usa esse termo, ele o faz em refe­ rência específica à destruição de Jerusalém que, de fato, ocorreu no ano 70 d.C.. E ocorreu dentro daquela geração e antes que muitos deles morressem. • Você acredita q u e o Anticristo virá de d e n t r o da igreja? Não tenho certeza se o Anticristo virá de dentro da igreja, mas defendo isso como uma possibilidade muito real. Tenho certeza de que você está consciente do fato que existe uma grande quantidade de especulação na história da igreja, na tentativa de identificar a pessoa do anticristo, sobre quem as Escrituras falam em termos tão assustadores e que, segundo Paulo, deverá manifestar-se antes da volta do Senhor. Normalmente, os candidatos a esse ofício têm sido pessoas de enorme poder político. Alguns pensaram que fosse Nero. Muitos o identificaram com Hitler, outros até mesmo Mussolini, por causa da fórmula numérica que se ajusta ao seu título. Esse tipo de especu­ lação tem acontecido repetidas vezes. Mas quando Paulo adverte sobre a aparição do homem de iniqüidade, que é normalmente identificado com o Anticristo, ele afirma que essa pes­ soa será alguém que procura receber culto e adoração e que se estabelecerá no templo de Deus e exigirá ser tratado como Deus. Paulo menciona isso na segunda carta aos Tessalonicenses. E por causa dessa referência ao aparecimento do homem de iniqüidade no templo de Deus que muitos têm chegado à conclusão que o Anticristo será uma pes­ soa religiosa de dentro da igreja. Há outros fatores também. Há o ensino profético de Cristo e dos apósto­ los de que, nos últimos tempos, existirá uma enorme apostasia dentro da igreja — um abandono da fidelidade a Cristo. Seria muito possível que a igreja se tornasse um ambiente de procriação para aquele que se opõe ao próprio Cristo. Também vemos que Satanás é descrito no Novo Testamento como tendo uma espécie de caráter metamórfico. Ele é enganador, tem a habilidade de se transformar, como diz o Novo Testamento, num anjo de luz. Em teologia dize­ mos que Satanás tem o poder de aparecer sub species boni, isto é, sob os auspícios do bem, mascarado como um personagem bom. Portanto, que melhor lugar exis­ tiria para comunicar uma grande fraude do que o contexto da própria igreja? Devo acrescentar uma qualificação a isso. Embora seja muito possível que o Anticristo surja de dentro da igreja, todas essas coisas poderiam ser ditas de personagens seculares que usurpam autoridade eclesiástica, como no mundo antigo em que os governantes pagãos entravam e desonravam o tem­ plo de Deus e se apresentavam para serem adorados. Nesse sentido, o espírito do Anticristo não precisa necessariamente ser identificado com a igreja. • As Escrituras a f i r m a m q u e nos ú l ti m o s dias a terra será d e s t r u í d a o u q u e Deus reg e n era rá a s u b s t â n c i a q u e já existe aqui? Há uma grande controvérsia sobre como será o fim do mundo. Muitas pessoas ficam amedrontadas com as imagens espantosas que as Escrituras usam para descrever o final dos tempos. Quando lemos que os céus se enro­ larão como um rolo e a terra derreterá, vemos essa conflagração que envol­ ve uma enorme intensidade de calor, alguns vêem uma predição enigmática de algum tipo de holocausto nuclear pelo qual o planeta inteiro será com­ pletamente aniquilado. Embora haja opiniões diferentes sobre esse assunto, o consenso predo­ minante entre os crentes em toda história tem sido de que, embora vá acon­ tecer um momento catastrófico de julgamento no final dos tempos, a ex­ pressão da ira de Deus sobre a terra não resultará numa aniquilação com­ pleta desse planeta. Ao contrário, a posição clássica espera por uma renova­ ção desse mundo. Todos concordamos que esperamos um novo céu e uma nova terra, vistos por João em sua visão (o livro do Apocalipse). Naquilo que chamamos escatologia, que é o estudo das últimas coisas, há alguns princípios que é preciso mantermos diante de nós quando damos atenção ao que a Bíblia fala sobre esse momento catastrófico no final da história. Por exemplo, em Romanos, Paulo diz que: “toda a criação a um só tempo geme e suporta angústias até a g o r a (Rm 8.22), esperando pela redenção que Deus trará para o seu povo. A queda do homem levou toda a terra à dor, tristeza, angústia e tragédia. Encontramos nas Escrituras que, junto com a redenção da raça humana, virá também a redenção do ambiente da raça humana, que é esse mundo. Deus cria a humanidade e redime a humanidade. E assim, ele cria um mun­ do e em seu plano de redenção, redime esse mundo. A maneira como enxer­ go, e que é de certa forma especulativa, é que essa massa de conflagração durante os últimos dias sobre a qual as Escrituras falam, é uma espécie de purificação desse mundo. Não aniquilamento total, não destruição comple­ ta, mas uma purificação do velho, que é então renovado, restaurado e trazi­ do à vida novamente. • C o m p a r e c e r e m o s d i a n t e de Deus para j u l g a m e n t o logo após a m orte , ou m ais tarde? Precisamos fazer uma distinção, que creio que a Bíblia faz, entre o julga­ mento que recebemos logo após a morte no qual somos levados diante de Cristo e o que a Bíblia chama de julgamento final. Há uma razão pela qual a Bíblia se refere ao último julgamento como último. Aquilo que é último pres­ supõe que tenha havido algum tipo de julgamento antes dele. A Bíblia diz que ao homem está determinado morrer uma só vez, e então o julgamento. Penso que há muito no Novo Testamento que indica que no momento em que mor­ remos, experimentamos pelo menos um julgamento preliminar. Paulo, por exemplo, diz que anseia partir e estar com Cristo o que é muito melhor do que permanecer aqui nessa vida e no ministério que ele tinha. O cristianismo histórico tem quase universalmente confessado a idéia de que os santos que partem vão imediatamente para estar na presença de Cristo, naquilo que é chamado o gozo do estado intermediário, isto é, so­ mos espíritos desencarnados e esperamos pela consumação final do reino de Cristo, quando experimentaremos a ressurreição do corpo. Quando, no Credo dos Apóstolos, dizemos: “Creio na ressurreição do corpo,” não estamos falando sobre o corpo de Cristo, mas sobre nossos futuros corpos ressuscitados. Como eu disse, o cristianismo histórico crê que há uma transferência imediata desse mundo para a presença de Cristo, pelo menos em nosso estado de espíritos desencarnados. Para que isso acon­ teça, é necessário que algum julgamento tenha lugar. Por exemplo, Paulo não seria introduzido à presença de Cristo imediatamente após sua morte sem que Cristo avaliasse primeiro que Paulo é um dos seus — que ele é um homem justificado num estado de salvação. Creio que há uma divisão pre­ liminar entre o trigo e o joio, antes do julgamento final no último dia, do qual a Bíblia fala. Jesus avisa repetidamente sobre o último julgamento. Muito poucas pessoas em nossa cultura secular pensam que uma discus­ são sobre julgamento seja relevante. E politicamente incorreto julgar os outros ou, até certo ponto, até a nós mesmos — distinguir entre certo e errado, verdade e falsidade. Entretanto, essas mesmas pessoas elogiam os ensinos de Jesus como sábios e maravilhosos. Mas se Jesus de Nazaré ensi­ nou alguma coisa, ele ensinou enfática e repetidamente que cada um de nós será de fato trazido diante do trono de Deus para um julgamento final. • Os c ristã o s t erã o q u e p a s s a r pelo j u l g a m e n t o final da m e s m a fo rm a q u e os não-c ristãos ? Há um sentido em que não passaremos, e há um sentido em que passare­ mos. Há muita confusão a respeito de julgamento na Bíblia, em parte devi­ da à confusão entre duas palavras, julgamento e condenação. No livro de Romanos, Paulo deixa claro que um dos grandes frutos de nossa justifica­ ção é que passamos além do escopo da condenação. Não há condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus. Portanto, aqueles que estão em Cristo não precisam ter nenhum medo de enfrentar a ira punitiva de Deus no julgamento final. Precisamos ter certeza de que estamos nesse estado de gra­ ça, antes de termos confiança de que não vamos experimentar condenação. Mas ainda teremos que enfrentar o que chamo de julgamento de avalia­ ção. Jesus adverte repetidas vezes que tudo o que fazemos, quer sejamos crentes quer não, será trazido a julgamento. Eu comparecerei diante de Deus e minha vida será revista por meu Pai. Sem dúvida meus pecados estarão cobertos pela redenção e justiça de Cristo, e terei a suprema vantagem de comparecer diante do trono de julga­ mento de Deus onde Cristo é o juiz e também o advogado de defesa para seu povo. Essa é a situação que o não crente não tem. Seu juiz não é o seu advogado de defesa — ele não tem um advogado de defesa. Tudo que ele tem é um promotor de justiça que o acompanha no tribunal. Portanto, isso faz toda a diferença no mundo sobre como o não-crente se apresenta no último julgamento e como o crente se apresenta. Quando falamos sobre justificação, reconhecemos que somos justifica­ dos pelos méritos de Cristo, através da graça reconciliadora de Jesus. Mas ainda deveremos ser julgados de acordo com o nosso nível de obediência nesse mundo. Essa doutrina é aceita por praticamente todas as igrejas pro­ testantes no mundo, entretanto, muitos protestantes esquecem que serão recompensados no céu de acordo com a sua obediência. O Novo Testamen­ to afirma, pelo menos vinte e cinco vezes, que seremos recompensados de acordo com nossas obras. Não chegamos lá por meio de nossas obras, che­ gamos ao céu pelos méritos de Cristo. Mas as recompensas que recebemos no céu serão distribuídas de acordo com o nível de obediência e resposta que dermos aos mandamentos de Cristo. Portanto, nossas vidas serão avali­ adas, e alguns de nós receberão galardão maior que outros, conforme for­ mos avaliados no último julgamento. • A Bíblia e n s i n a q u e serem o s julgados c o m a m e d i d a c o m q u e ju lg a r m o s os ou tros. Isso é u m a indicação de que, n o dia d o juízo, o processo de j u l g a m e n t o será signifi­ c a t i v a m e n t e diferente e n tre as pessoas? Seria óbvio, a partir das afirmações que Jesus faz no Novo Testamento, que qualquer que seja a forma de julgamento que fazemos, esta será a que podemos esperar receber. Mas há algumas coisas que precisam ser mencio­ nadas como esclarecimento. Primeiro, sabemos que o julgamento final de nossas vidas quando nos apresentarmos diante do tribunal divino, estará nas mãos de um Juiz infalível, onisciente, perfeitamente justo, e que o jul­ gamento será absolutamente justo. Um juiz verdadeiramente justo sempre considera circunstâncias atenuantes. Em outras palavras, qualquer ato de natureza moral em que eu esteja envolvido, seja ele bom ou mau, é um ato de natureza complexa. O grau de maldade ou virtude do meu ato está rela­ cionado, por exemplo, a muitas coisas, uma das quais é a minha compreen­ são do que estou fazendo. Se tenho um entendimento claro de que algo está errado, e prossigo e ajo conscientemente, meu crime é mais sério do que se eu estivesse confuso a respeito. Isso não me desculpa necessariamente por completo, mas é uma circunstância atenuante. E um juiz justo considera todas essas ações e atividades quando dá o seu veredito final. Agora, Jesus diz que quando ele leva tudo em consideração, não apenas no julgamento de avaliação se somos culpados ou inocentes, virtuosos ou maus, ele também dispensa benefícios, recompensas e castigos no último dia. No versículo que você citou, Jesus está nos advertindo de que, se nessa vida nos recusarmos a ser misericordiosos para com as pessoas, Deus leva­ rá isso em consideração, e como parte de sua justa punição, ele reterá sua misericórdia. Se eu, sendo pecador e culpado tendo a ser misericordioso para com os outros, Deus levará isto em conta quando fizer o julgamento final, e ficará inclinado a mostrar misericórdia para com o misericordioso. “Bem aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5.7). Há uma enorme vantagem em ser misericordioso nesse mundo, pois Deus pesará isso na balança em nosso julgamento final. • O q u e as Escrituras e n s i n a m sobre o futuro papel de Israel? Alguns cristãos crêem que a igreja do Novo Testamento toma o lugar do Israel do Antigo Testamento como tema das profecias do Antigo Testamento sobre Israel. Quer dizer, a igreja hoje é considerada o novo Israel. Se isso é verdade, então qualquer profecia na Bíblia relacionada com Israel, refere-se agora à igreja cristã, e não tem nenhuma referência específica à nação de Israel. Outros cristãos estão convencidos de que as Escrituras têm muito a dizer sobre o Israel étnico e nacional, e que Deus ainda tem um outro capítulo para escrever para o povo judeu como tal. Estou convencido de que Deus escreve­ rá um novo capítulo para o Israel étnico, para o povo judeu vivo no mundo hoje. Estou persuadido disso, principalmente por causa do ensino de Paulo em sua epístola à igreja de Roma; nessa carta ele faz uma distinção clara entre o povo judeu e a igreja cristã (Rm 11). Nessa distinção, ele fala sobre o fato de que Deus ainda tem uma obra para fazer com o povo judeu. Uma das partes mais importantes das Escrituras que ensinam sobre as últimas coisas é o que chamamos de discurso das Oliveiras, assim chamado porque teve lugar no Monte das Oliveiras (Mt 24). Aqui, Jesus e seus discí­ pulos discutem sobre os eventos futuros. Jesus fala sobre os últimos tempos e os sinais dos tempos e sobre as coisas que acontecerão no final dos sécu­ los antes que ele volte a esse planeta. Por exemplo, em Lucas 21.5-28, Jesus prediz a destruição iminente da cidade e do templo de Jerusalém. Isso acon­ teceu no ano 70 de nossa era quando os romanos perpetraram um holocausto contra o povo judeu destruindo Jerusalém, matando cerca de um milhão de judeus e demolindo o templo. Os judeus, sem dúvida, fugiram para o exílio. Mas quando Jesus fez sua profecia sobre a destruição de Jerusalém, ele disse que a cidade seria pisada pelos homens até que o tempo dos gentios se completasse. Portanto, até nosso Senhor falou, em sua mensagem proféti­ ca, sobre uma época em que o exílio da nação judaica terminaria e eles voltariam a Jerusalém, o que aconteceu durante os nossos dias. Além disso, eu não sei e não posso falar especificamente sobre a situação de Israel. ÉTICA PE S S OAL “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, afim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa lu z ” — 1 P e d r o 2.9 Perguntas dessa seção: • Por que os cristãos pensam que sabem como as outras pessoas devem viver? • O cristãos deveriam impor sua ética aos não-cristãos? • Como nós, cristãos, podemos avaliar quando a Palavra de Deus era aplicável somente a uma certa cultura, e, portanto, talvez não o seja para nós hoje? • Como apoiarmos a ética cristã sem que nos tomemos julgadores? • Como uma figura pública, o sr. sente maior pressão no sentido de viver num nível mais alto de ética cristã? • Se as coisas vão ficar cada vez piores até a volta do Senhor, por que deveríamos nos preocupar com ativismo social e envolvimento político para melhorar a situação? • Qual é a base bíblica da dignidade humana? • Qual é a nossa responsabilidade para com o pobre? • Poderia nos dar um exemplo de como o ensino de Cristo sobre oferecer a outra face pode ser aplicado a situações de vida hoje? • Em termos de arte, existe uma diferença entre arte secular e cristã? • Um advogado de defesa cristão deveria defender alguém que ele sabe que é culpado? • Raabe, a meretriz, as parteiras hebréias e outros por todo o Antigo Testa­ mento, supostamente mentiram para proteger outras pessoas, e Deus os abençoou. Isso significa que cristãos hoje podem se encontrar em situa­ ções em que é necessário mentir com a bênção de Deus? • A Bíblia chama a embriaguez de pecado. Quais os perigos de nossa cultu­ ra classificá-la como doença? • De acordo com a Bíblia, existe algum mal em se usar hipnose para ajudar pessoas a deixarem de fumar, ou superarem algum outro vício ou padrão de comportamento? • Por que o uso de drogas como o “crack” cresce tanto em nossa sociedade? • Está errado os cientistas se ocuparem de engenharia genética? • Os cristãos devem apoiar a pesquisa da AIDS? • Por q u e os cristãos p e n s a m q u e s a b e m c o m o as o u t r a s pessoas d e v e m viver? Ouvimos a expressão “mais santo do que você” muitas vezes em nossa sociedade, e as pessoas detestam ter religião empurrada goela a baixo. Elas estão dispostas a permitir que eu pratique minha religião, mas não querem que eu as fique perseguindo para que elas mudem seus valores. Oculto por trás de tudo isso está a tendência da sociedade para uma visão relativista da ética; a idéia principal é de que cada pessoa tem o direi­ to de fazer aquilo que é certo de acordo com sua própria mente. Mas se Deus existe, e se ele é o Senhor da raça humana, o criador de todos nós, e se ele nos faz responsáveis diante dele, então existe um padrão objetivo do que é certo aos seus olhos. Deus revela claramente que um dos grande sintomas da queda do homem é a idéia de que as pessoas têm o direito de fazer o que consideram certo em suas mentes. Toda noção da religião judaico-cristã é de que a retidão fundamental é declarada, não pela minha ou pela sua preferência pessoal, mas pelo caráter supremo de Deus. Se individualmente chego a uma compreensão do que Deus requer das pes­ soas, isso significa que eu devo fazer algumas coisas. Posso também enten­ der que ele está exigindo certas coisas de mim como indivíduo e das pesso­ as como membros da comunidade. Consideremos Isaías no templo, quando teve a visão da santidade de Deus. Ele se anulou diante da aparência da majestade de Deus e gritou: “az de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios im p u r o s E ele conti­ nuou dizendo: “habito no meio de um povo de impuros lábios,, (Is 6.5). Isaías reconheceu que a sua pecaminosidade não era única. O fato de ter reconhecido que outras pessoas também eram culpadas do mesmo pecado, não significa que ele estava cultivando um espírito julgador para com essas pessoas. Ele simplesmente reconheceu a verdade da situação. Deus era so­ berano e santo não apenas em relação a ele, mas em relação a todas as outras pessoas também. Em termos práticos, eu diria, por exemplo, que Deus me proíbe de adulterar, mas também proíbe você de fazê-lo. O fato de que a lei de Deus se estende para além de nós mesmos é um ponto que tem sido reconhecido por professores de ética bem afastados da fé cristã. Emanuel Kant estudou profundamente essa questão e falou sobre os indícios daquilo que chamou de imperativo categórico, o senso de dever que está presente em todo ser humano. Todo ser humano tem uma idéia do que é certo e errado. Ele fez uma afirmação muito semelhante à de Jesus: “Portanto, vivam de maneira que as decisões éticas que tomarem sejam boas, se forem elevadas ao nível de uma norma universal.” Ele entendeu que nenhuma pessoa é uma ilha. • Os cristãos de v eriam i m p o r sua ética aos não-cristão s? Essa questão aparece toda vez que um problema moral é debatido no legislativo ou em qualquer outro setor do governo. Os cristãos têm o direito de impor sua ética à aqueles que não compartilham sua perspectiva religio­ sa? Bem, há diferentes maneiras de impor padrões éticos a outras pessoas. Quando falamos sobre autoridade ética, em última análise, eu diria que o único ser do universo que tem o direito intrínseco de impor uma obrigação a qualquer outro ser, é o próprio Deus. Somente Deus é Senhor da consciên­ cia humana. Também teríamos que qualificar isso e dizer que Deus, ao mes­ mo tempo, delegou certas autoridades que têm o direito de impor obriga­ ções éticas a outras pessoas. Ele delegou o direito aos pais de impor obriga­ ções a seus filhos. Ele também estabeleceu, criou e ordenou governos para impor certos padrões de lei a seus constituintes. Quando vivemos numa sociedade livre, onde o processo democrático está funcionando, a maioria das pessoas na sociedade recebe o direito de voto. Aquele voto envolve o exercício da vontade de alguém e, no final, se tornará lei da terra, se estou votando com a maioria. Uma das coisas que me assustam muito é o fato de que vejo muito poucos cristãos e não-cristãos que parecem estar conscientes do peso da responsabilidade envolvida na votação de alguma coisa. Quando estou votando por uma lei, por exemplo, o que estou pedindo é que se essa lei passar, então obviamente ela deve ser posta em prática. Es- tou votando para que todo poder que é investido no governo federal — num estado, ou numa cidade qualquer onde quer que estejamos — tome provi­ dências para executar aquela lei. Toda vez que faço isso, estou impondo algum tipo de restrição sobre a liberdade de outras pessoas. Isso é uma responsabilidade muito pesada. Para cristãos que têm projetos que são exclusivos de empreendimentos cris­ tãos, o uso da lei, e da execução da lei para conseguir seu objetivo no ambiente público, pode ser um exercício de tirania. Sem dúvida, temos sido vítimas do mesmo tipo de tirania quando outras pessoas se tomam maioria e usam leis que são injustas como discriminação contra nós, ou contra outras pessoas. Creio que os cristãos (americanos) devem ser ferrenhos defensores da Primeira Emenda à Constituição Americana, não apenas para si mesmos, mas para todos os outros. Portanto, eu hesitaria muito antes de impor prin­ cípios exclusivamente cristãos a não-cristãos. • C o m o nós, cristãos, p o d e m o s avaliar q u a n d o a Palavra de De us era aplicável s o m e n t e a u m a certa c u l t u r a e, p o r t a n t o , talvez n ã o o seja para nó s hoje? A pergunta real aqui é: Será que tudo que é estabelecido nas Escrituras deve ser aplicado a todas as pessoas de todos os tempos e em todas as cultu­ ras? Não conheço nenhum especialista no conhecimento da Bíblia que de­ fenderia que tudo o que está estabelecido nas Escrituras se aplica a todas as pessoas de todos os tempos. Desde que Jesus enviou os setenta e lhes disse para não usar sandálias, isso significa que os evangelistas hoje seriam deso­ bedientes a não ser que pregassem com os pés descalços? Obviamente isso é um exemplo de algo praticado na cultura do século I que não tem nenhu­ ma aplicação em nossa cultura hoje. Quando enfrentamos a questão de entender e aplicar as Escrituras hoje, temos dois problemas. Primeiro, há o entendimento do contexto histórico dentro do qual as Escrituras foram entregues pela primeira vez. Isto é, pre­ cisamos voltar e tentar entrar na pele, na mente e na linguagem do povo do século I que escreveu as Escrituras. Precisamos estudar as línguas originais — grego e hebraico — de modo que possamos, da melhor maneira possí­ vel, reconstruir o sentido e a intenção originais da Palavra de Deus. A segunda dificuldade é que vivemos no século XX e as palavras que usamos todos os dias são moldadas e condicionadas pelo como elas são usadas no nosso aqui e agora. Há um sentido no qual estou amarrado ao século XX, entretanto, a Bíblia nos fala a partir do século I e antes disso. Como construir a ligação sobre esse intervalo? Penso que devemos estudar a história da igreja também de modo que possamos ver os princípios e preceitos que a igreja, ao longo dos séculos, entendeu como sendo aplicáveis aos cristãos de todas as épocas. É importan­ te ter uma perspectiva histórica. Ouvimos esse lugar comum que aqueles que ignoram o passado estão fadados a repeti-lo. Há muito a ser aprendido através de um estudo sério da história do mundo, da história da fé cristã e de como outras gerações e outras sociedades entenderam a Palavra de Deus e suas aplicações para a situação de vida que experimentavam. Fazendo isso, imedi­ atamente veremos princípios do conhecimento das Escrituras que a igreja de todas as épocas entendeu que não estavam limitados aos ouvintes imediatos da mensagem bíblica, mas que tinham aplicação para todas as épocas. Certamente não desejamos relativizar ou prender na história humana uma verdade eterna de Deus. Minha regra básica é: devemos estudar e ten­ tar discernir a diferença entre um princípio e um costume. Mas, se depois de estudar não pudermos discernir, eu preferiria considerar algo que talvez seja um costume do século I como um princípio eterno, do que arriscar ser culpado de tomar um princípio eterno de Deus e tratá-lo como um constume do século I. • C o m o a p o ia r m o s a ética cristã se m q u e n o s t o r n e m o s ju lg a d o res? Um dos princípios da ética cristã é que não devemos manifestar um espí­ rito julgador. Se somos julgadores em nossas atitudes e em nosso espírito, já violamos a ética cristã. A ética cristã tem algo a dizer sobre a maneira como respondemos aos pecados das outras pessoas. Somos chamados a mostrar discernimento, a sermos capazes de reconhecer a diferença entre bem e mal. Já tenho dito que todo não-crente na América conhece um versículo da Bíblia: “Não julgueis, para que não sejais julgados”, e apelam para isso dizendo que ninguém tem o direito de dizer que qualquer coisa que façam está errado. Um juiz no tribunal que declare culpada uma pessoa acusada de um crime não está sendo julgador. Um cristão que reconheça como pe­ cado um comportamento pecaminoso em outro cristão ou não-cristão tam­ bém não está sendo julgador. Ser julgador, no sentido em que as Escrituras proíbem, é manifestar uma atitude de censura, uma atitude farisaica de condenar pura e simples­ mente as pessoas e considerá-las como absolutamente sem valor por causa do seu pecado, sem nenhum espírito de paciência, clemência, bondade ou misericórdia. É por isso que Jesus adverte sobre a atitude de prestar atenção no cisco que está no olho de nosso irmão, quando temos um pedaço de madeira no nosso próprio olho. A pessoa que anda ao redor procurando por ciscos, é alguém que tem um espírito julgador, o que Jesus achou absolutamente detestável. Isso não significa que devemos ser coniventes com o pecado ou chamar o bem de mal e o mal de bem. Julgador descreve uma atitude. Quando a mulher foi trazida a Jesus porque havia sido pega num ato de adultério, como ele lidou com ela? Ele não disse que ela não era culpada; ele não atenuou os fatos com explicações, nem tampouco apoiou ou enco­ rajou o seu pecado. Jesus lhe disse: “Vai e não peques mais”. E perguntou: “Mulher.; onde estão aqueles teus acusadores ?" Todos eles se haviam reti­ rado constrangidos momentos antes, e Jesus disse: “Nem eu tampouco te condeno, vai e não peques mais” (Mt 8.11). Ele tratou daquela mulher. Em­ bora ele a advertisse para que se corrigisse, o fez com gentileza, com a preocupação de curá-la, e não de destruí-la. O Novo Testamento diz, a res­ peito de Jesus, que ele não esmagará a cana machucada. Um espírito julgador esmaga as pessoas que estão machucadas. Não deve haver nada desse espí­ rito presente na igreja ou entre o povo de Deus. • C o m o u m a figura pública, o s e n h o r se n te m a io r pressão n o se n tid o de viver n u m nível m ais alto de ética cristã? Sim, eu sinto. Compreendo objetivamente que todo cristão é chamado a obe­ decer o mesmo padrão de retidão e justiça. Deus não nos classifica numa curva; todos temos a mesma lei à qual somos chamados a nos conformar. Ao mesmo tempo, reconhecemos que o Novo Testamento traz advertências específicas àque­ les que estão em posição de liderança no ministério ou no magistério, como eu estou. Tremo com a advertência do Novo Testamento: “não vos torneis, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos de receber maior juízo” (Tg 3.1). Esse maior juízo não é devido a termos uma lei mais alta, ao contrário, é devido ao mais alto grau de conhecimento e compreensão que devemos demonstrar sobre teologia (inclusive sobre as leis de Deus) e ao modo cristão de vida. Àquele a quem muito se dá, muito se é exigido. Quanto mais entende­ mos e mais conscientes ficamos sobre o que Deus exige, maior é a nossa culpabilidade quando não obedecemos. Também Jesus adverte que seria melhor que uma pessoa tivesse uma pedra de moinho amarrada ao seu pescoço e fosse atirada ao mar, do que levar um pequenino a tropeçar. Deus avalia seriamente a responsabilidade que um professor tem de ser verdadeiro e disciplinado em tudo o que ensi­ na. Por exemplo, se eu ensino falsidade e uso a posição que tenho como professor para influenciar e persuadir pessoas, isso significará problema para mim no Dia do Julgamento. Embora fundamentalmente não haja nenhum padrão duplo, na realida­ de, culturalmente ele existe. Estamos todos extremamente conscientes dis­ so. Sempre que um ministro se envolve em algum tipo de pecado, isso se toma um escândalo público. E traz uma mancha para toda a comunidade de Deus por causa do ofício que aquele ministro representa. No Antigo Testamento, era escandaloso quando os sacerdotes se envol­ viam em práticas corruptas no Templo. Algumas vezes, Deus tratou com muita severidade esses sacerdotes que violavam seus ofícios e a confiança sagrada que possuíam. É algo assustador para se pensar. Lembro-me de quando me mudei para Boston, há vinte e tantos anos atrás. Na primeira noite depois que chegamos, nossas roupas ainda não ti­ nham chegado. A única coisa que eu tinha para usar no jantar era um cola­ rinho clerical e um colete preto. Não tinha nenhuma camisa para usar de­ baixo dele. Sei que quando estava dirigindo meu carro pela estrada 128, em Boston, e alguém cortou a minha frente, tive o impulso de apertar a buzina, mas hesitei por causa daquilo que revelava claramente que eu era um sacer­ dote. Portanto, sim, existe essa pressão. E inegável. • Dada a g ran d e ap o stasia n o m u n d o , m u ito s cristãos c o n ­ sid e ra m q u e estes são os ú ltim o s dias. Se as coisas vão ficar cada vez piores até a volta d o Senhor, p o r q u e d e ­ veríam os nos preocupar com ativism o social e e n v o lv im en ­ to político até a volta d o Senho r? Essa pergunta pressupõe várias coisas. Pressupõe que estamos num pe­ ríodo que a Bíblia designa como grande apostasia. Não estou certo de que estamos nesse período, embora talvez estejamos. Nos últimos duzentos anos, por exemplo, temos visto um sério declínio da influência do cristianismo no mundo, particularmente sobre a cultura do mundo ocidental. Temos vis­ to acontecimentos que eram absolutamente desconhecidos no passado. A morte de Deus foi proclamada, não por filósofos seculares ou ateus, mas por teólogos cristãos confessos. Portanto temos visto sérias manifestações de afastamento do cristianismo ortodoxo clássico, o que leva algumas pes­ soas a concluirem que estamos na época da grande apostasia. Por outro lado, podemos dizer que estamos numa época de renovação sem precedentes. Aqueles que são mais confiantes na leitura dos sinais dos tempo, têm uma visão mais otimista da situação atual. Não tenho uma percepção íntima da agenda de Deus no que diz respeito à consumação de seu reino. Espero que ele o realize logo. Pode muito bem ser que estejamos nas últimas horas dos últimos dias. Certamente, aceito isso como uma possibilidade muito real. E se for esse o caso, como isso influenciaria a agenda da igreja? Sou de opinião que, mesmo que estivéssemos nos últimos quinze minutos da histó­ ria redentora e soubéssemos que Jesus chegaria dentro do próximo quarto de hora, ainda teríamos o mandamento de fazer aquilo que ele nos disse para fazer até a sua volta; isto é, sermos suas testemunhas, manifestar seu senhorio, mostrar ou ilustrar com que o reino de Deus deve se parecer — e isso inclui dar comida ao faminto, abrigo ao que não tem onde morar, e roupas ao que está nu. A agenda da igreja foi estabelecida por Jesus entre o tempo de sua partida e o tempo de sua volta. Não importa quão rápida ou quão longínqua seja essa volta, somos chamados a estar ativamente envol­ vidos nos objetivos e mandamentos do reino. Às vezes, fico tão desencorajado com a oposição das estruturas do mun­ do contra o cristianismo, e com a falta de influência que parecemos exercer sobre a cultura, que me vejo caindo numa mentalidade de “arrancar algu­ mas pessoas do fogo,” tentando alcançar indivíduos aqui e ali e abandonan­ do as tarefas maiores que Cristo nos deu. Tenho de resistir a isso, e insisto em que cada cristão resista a essa tentação. • Q u a l é a base bíblica da d ig n id ad e h u m a n a ? Como cristão, não acredito que os seres humanos tenham uma dignidade intrínseca. Estou absolutamente comprometido com a idéia de que os seres hu­ manos têm dignidade, mas a questão é: Essa dignidade é intrínseca ou extrínseca? Dignidade, pela definição bíblica, está ligada ao conceito bíblico de glória. A glória de Deus: seu peso, sua importância, sua significância, é o que a Bíblia usa para descrever a fonte de toda dignidade. E somente Deus tem valor eterno e significância intrínseca (isto é, em e de si mesmo). Eu sou uma criatura — venho do pó. Pó não é nada tão significativo, mas me tomo significativo quando Deus cava o pó, molda um ser humano, assopra nele o sopro de vida e diz: “Esta criatura é feita à minha imagem.” Deus atribui significância eterna a criaturas temporais. Não tenho nada em mim que pudesse exigir que Deus me tratasse com significância eterna. Tenho essa significância e valor etemos porque Deus me dá. E não os dá apenas a mim, mas a todos os seres humanos. Essa é a razão pela qual o grande mandamento na Bíblia trata, não ape­ nas de nosso relacionamento com Deus, mas de nossos relacionamentos com os seres humanos: “Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força... Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mc 12.30,31), porque Deus concedeu valor a toda criatura humana. • Q u a l é a n o ssa resp o n sa b ilid ad e para c o m o pobre? Se você fizer um estudo da palavra pobre nas Escrituras, descobrirá quatro categorias que se sobressaem. O primeiro gmpo consiste daqueles que são pobres como resultado direto da indolência, isto é, essas pessoas são pobres porque são irresponsáveis. São preguiçosas. Recusam-se a trabalhar. A resposta de Deus para essa ca­ tegoria de pobre, em particular, é de um julgamento áspero de certa forma e de admoestação. “Vai ter com a formiga, ó preguiçoso” (Pv 6.6). Observe a formiga e aprenda como viver. Paulo assume uma posição forte no Novo Testamento: “se alguém não quer trabalhar, também não coma” (2Ts 3.10). Portanto, a postura básica para com esse grupo de pessoas é de advertência e chamado ao arrependimento. Às vezes, entretanto, as pessoas simplificam demais e dizem que a úni­ ca razão pela qual as pessoas são pobres é a preguiça. Isso não é verdade. Há muitas pessoas que são pobres por razões que não têm nenhuma relação com pecado ou preguiça. Assim chegamos ao segundo gmpo de pobres identificado nas Escrituras, aqueles que são pobres como resultado direto de calamidades, doenças, acidentes e esse tipo de situações. As Escrituras nos dizem que é responsabilidade da igreja e dos cristãos derramar os seus corações em compaixão e dar assistência àqueles que estão sofrendo, não por sua própria falta, mas como resultado de calamidades naturais. O terceiro grupo compreende aqueles que são pobres como resultado da exploração injusta ou tiranização dos poderosos, aqueles que são vítimas de governos corruptos ou que representam baixas de guerra. Nesse caso, vemos Deus trovejando do céu, clamando para que seja feita justiça a essas pessoas, e Deus derrama sua indignação contra aqueles que vendem o po­ bre por um par de sapatos e os tiranizam através de meios ilegítimos. Nesse sentido, deveríamos ser advogados e defensores dos pobres. O quarto e último grupo de pobres que encontramos na Bíblia, são aque­ les que são voluntariamente pobres, isto é, são pobres por aquilo que a Bíblia chama de “em nome da justiça”, voluntariamente sacrificando qualquer ga­ nho como um compromisso pessoal de devotar seu tempo a outras questões. Essas pessoas devem receber nosso apoio e aprovação. • Poderia n o s d a r u m ex em p lo de c o m o o e n s in o de Jesus sobre oferecer a o u tra face, p ode ser aplicado às situações de vida atuais? Há muita confusão sobre o que Jesus queria dizer no Sermão do Monte quando disse que quando alguém o atingir na face direita, você deve ofere­ cer a outra face também. Muitas pessoas têm entendido por essas palavras de Jesus que os cristãos devem ser capachos quando se tornam vítimas de um ataque violento. Se alguém o atinge na face, você deve virar o rosto para ser atingido do outro lado. O interessante na expressão é que Jesus menciona especificamente o lado direito do rosto. A grande maioria das pessoas do mundo são destras, e para que alguém seja atingido do lado direito da face, ou será preciso atingi-los por de trás, ou você terá que atin­ gi-los com seu punho esquerdo. Se eu bato em sua face direita, a maneira mais normal seria que eu o atingisse com as costas da minha mão direita. De acordo com o melhor do nosso conhecimento da língua hebraica, a expressão usada por Jesus é uma expressão idiomática judaica que descre­ ve um insulto, semelhante ao desafio para um duelo nos dias do Rei Artur, que era feito através de um tapa dado com as costas de sua mão na face direita do seu oponente. Não está limitado simplesmente a um ataque físi­ co, ao contrário, refere-se, em primeiro lugar, a alguém que o insulta. O contexto dessas palavras de Jesus relaciona-se com um debate com o fariseus sobre o seu entendimento de uma lei do Antigo Testamento, particu­ larmente aquela que encontramos no código mosaico que determina que o castigo por crimes deveria ser baseado em olho por olho e dente por dente. Muitas vezes, ouvimos essa determinação hoje, como se ela fosse a expres­ são de um sistema punitivo bárbaro, incomum e primitivo da nação judaica. Mas creio que se olharmos sem nos envolvermos emocionalmente, veremos que nunca houve um conceito mais justo e eqüitativo do que dente por dente e olho por olho. Entretanto, entre os rabinos essa afirmação tinha se tomado uma desculpa, uma justificação para um espírito amargo de vingança, e para um tratamento cruel e ríspido daqueles que haviam quebrado a lei. A expressão “virar a outra face” é dita no mesmo contexto da outra afirmação: “Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas". E “ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa". Jesus está dizendo que devemos fazer o impossível para não nos envolvermos num espírito de vingança amarga. O restante do ensino de Jesus indica que não está errado procurar justiça nos tribunais. Se uma viú­ va é defraudada de sua herança, isso não significa que ela tenha que sair e entregar todo o resto para aquele que a defraudou. Mas aqui Jesus está fa­ lando sobre uma ética que, creio, nos chama a imitar a atitude de misericór­ dia, tolerância e paciência que encontramos no próprio Deus. • Em te rm o s de arte, existe u m a diferença e n tre arte secular e cristã? Penso que há, embora essa diferença às vezes seja extremamente difícil de articular e apontar com precisão. Abstratamente, eu diria que a grande diferença entre arte cristã e não-cristã está na perspectiva. Arte é um meio de comunicação, onde quer que haja arte algum conteú­ do está sendo comunicado. Por arte, me refiro num sentido geral à música, escultura, pintura, etc. Arte pode ser classificada em termos de forma e conteúdo, mas todas as formas de arte comunicam alguma coisa. Nos anos sessenta, havia a famosa frase tirada do título de um livro de Marshall McLuhan O Meio é a Mensagem. O que significa que a própria forma comunica a mensagem, uma mensagem não verbal, assim como o conteúdo de uma obra de arte o faz. Numa canção, não há apenas as pala­ vras, mas também a estrutura, a forma da música que está sendo tocada. Há certos tipos de música que são muito metódicas, por exemplo, uma cantata de Bach. A estrutura da música de Bach, segue um padrão decisivo e não há nenhuma tentativa de ser caótica. Alguns músicos modernos tentaram criar o caos, embora esta seja uma tarefa impossível porque você não pode ser intencionalmente não-intencional. Você não pode intencionalmente criar o caos. Ainda existe um padrão para esse pretenso caos. Eles estão tentando comunicar através de um tipo de forma muito vaga e indefinida, quer seja na pintura ou na música, uma afirmação contra a harmonia, a ordem e a racionalidade, as quais têm implicações teológicas. São parte de um sentimento secular de desespero que afirma não existir nenhuma coerência fundamental. No mundo do teatro do absurdo, os atores no palco pronunciam palavras sem sentido sugerindo que o homem chegou a tal ponto que mesmo a lingua­ gem é sem sentido. Mas mesmo aquelas sílabas sem sentido são uma forma de comunicação, e há uma mensagem ali, por mais incoerente que pareça. No outro extremo existe a atitude segundo a qual para uma arte ser cris­ tã ela precisa incluir um versículo bíblico ou representar pessoas que te­ nham halos em suas cabeças. Estou convencido de que, se olharmos para as Escrituras, veremos que Deus é um Deus de beleza. Ele é o fundamento último da beleza e seu caráter é belo. Parte da tarefa do homem é espelhar e refletir o caráter de Deus. Isso significa que somos chamados a produzir arte, e que essa arte seja excelente. • U m ad v o g ad o de defesa cristão deveria d e fe n d e r alg uém q u e ele sabe q u e é c ulpado ? Parte dessa pergunta é fácil de responder. Só porque o advogado sabe que seu cliente é culpado, não desqualifica essa pessoa de todos os direitos que a nação lhe dá de processo legal e de um processo justo. E responsabi­ lidade do advogado fornecer a melhor defesa legal possível ao cliente, mes­ mo que este seja culpado. Pode ser tarefa do advogado argumentar por cir­ cunstâncias atenuantes, ou tentar demonstrar através de precedentes histó­ ricos que essas circunstâncias atenuantes deveriam ser levadas em conta na hora de dar a sentença. Há muitas defesas que ainda são significativas — e legítimas — para uma pessoa que é claramente culpada. E quando a pessoa está se declarando inocente e o advogado sabe que ele é culpado? Pode o advogado em boa consciência apoiar algo que ele sabe que é fraudulento? Saber que a pessoa cometeu um crime, ou fez certas coisas, não signifi­ ca que sabemos de antemão que esse homem seria julgado culpado de um crime em particular num tribunal determinado dadas todas as circunstânci­ as do processo. Eu diria que, dentro dos limites da integridade e da honestidade, um advogado pode fornecer uma defesa legítima a alguém que ele sabe ser culpado. As ações do advogado se tomam questionáveis quando ele se tor­ na um cúmplice, numa tentativa de trapacear o tribunal e iludir o júri fazen­ do-o acreditar em algo diferente da realidade que ele conhece. Vemos esse tipo de desonestidade todos os dias nas cortes de divórcio. Já o vi acontecer muitas vezes. O homem é culpado de adultério e deseja sair do casamento, então ele processa sua esposa por tratamento cruel e incomum, ou algo semelhante. O advogado sabe muito bem que a parte culpada na dissolução do casamento é o marido e não a esposa. No entanto, ele continua a representar o marido e a tentar conseguir tudo o que for possível para seu cliente. Eu tenho problemas com isso. Em qualquer pro­ fissão — da área médica, legal e teológica — há pessoas honestas e tam­ bém há pessoas sem escrúpulo algum. Toda a sua preocupação está em ganhar ou perder o caso. E eles operam a partir de uma base de expedientes e da motivação da melhor solução financeira. Nesse ponto transformamos qualquer busca por verdade ou justiça numa zombaria. • Raabe a m eretriz, as parteiras hebréias e o u tro s ao longo d o A n tig o T e s ta m e n to , s u p o s t a m e n t e m e n t i r a m p a ra p ro teg er o u tra s pessoas, e Deus os a b en ç o o u . Isto signi­ fica q u e cristãos hoje p o d e m se e n c o n tra r e m situações e m q u e é necessário m e n t i r c o m a b ê n ç ã o de Deus? A resposta mais curta é sim, pode haver ocasiões em que pessoas te­ mentes a Deus precisam mentir no sentido de dizer algo que não é verdade. Há muitos especialistas em ética que crêem que a proibição contra a men­ tira é absoluta e não existe nunca qualquer justificativa para a assim chamada mentira branca. Outros apontam para Raabe e para as parteiras hebréias como exemplo; suas mentiras são registradas, e mais tarde elas são incluídas na lista dos heróis. Não se diz especificamente que Deus as tenha abençoado ou santificado por mentirem, mas o registro parece indicar que não há nenhuma palavra de repreensão pela gritante desonestidade delas naquela situação. Há outras ocasiões nas Escrituras em que vemos pessoas mentindo de uma maneira que, no meu entender, é completamente contrária à Palavra de Deus. Por exemplo, alguns tentam justificar o envolvimento de Rebeca na fraude contra seu marido de sorte que Jacó recebeu a bênção no lugar de Esaú. Ela se envolveu na conspiração para enganar seu próprio marido, e alguns tentam defendê-la dizendo que Deus desejava que o mais velho ser­ visse o mais novo e, portanto, era plano de Deus que Jacó recebesse a bên­ ção patriarcal e não Esaú. Tudo o que Rebeca estava fazendo era assegurar que a vontade de Deus se realizasse. Tudo o que Judas estava fazendo quan­ do traiu Jesus entregando-o nas mãos de seus inimigos era no sentido de assegurar que a vontade de Deus se realizasse — e Deus o considerou emi­ nentemente responsável por sua traição. Tenho certeza de que Rebeca, em­ bora tenha sido abençoada por Deus, foi abençoada a despeito de sua men­ tira, não por causa dela. Aguns colocariam Raabe na mesma categoria. Ao longo dos séculos, na história cristã, desenvolveu-se uma ética de ho­ nestidade que está relacionada com a justiça. O cristão deve sempre apresen­ tar a verdade e dizer a verdade para quem a verdade é devida. A pergunta agora se toma: Existe algum caso para a assim chamada mentira justa ou justificada? Eu diria que sim, e as situações que estão mais claramente nessa categoria envolveriam guerra, assassinato ou atividades criminais. Se um as­ sassino invade sua casa e deseja saber se seus filhos estão dormindo no andar de cima, e você sabe que sua intenção é matá-los, é sua obrigação moral mentir para ele e enganá-lo o mais que puder para evitar que aquelas vidas sejam destruídas. Creio que isso também é verdadeiro em casos de guerra. Não penso que uma pessoa seja obrigada a dizer a um inimigo aonde o seu grupo está escondido, assim como um atacante num jogo de futebol não tem que contar à defesa adversária quais são os planos de jogo de seu time. Ele pode usar de engano e fazer truques para executar o seu jogo. E uma espécie de jogo de guerra num campo de futebol. Muitos cristãos mentiram para os nazistas para proteger os judeus da prisão e do extermínio. Creio que em casos nos quais sabemos que mentir prevenirá tais males, a atitude é legítima. • A Bíblia c h a m a a em briag uez de pecado. Q uais os perigos de n o ssa c u ltu ra classificá-la c o m o do ença? A embriaguez tem sido classificada como doença, em parte por motivo de compaixão para com as pessoas que sofrem de um problema muito debilitante e desumano. Aqueles que têm lutado com o sofrimento em que estão envolvidos, estão cansados de atitudes condenatórias e dizem: “Olha, vamos parar de gritar com essas pessoas e tentar ser um pouco mais úteis e compassivos. Parem de acumular toda essa culpa sobre eles como se fossem simplesmen­ te pessoas imorais.” Existe também alguma evidência na literatura indicando que certos tipos de alcoolismo envolvem desequilíbrios químicos genéticos e, portanto, nesse aspecto psicológico, pode haver alguma base para reconhecer que o alcoolismo não é sim­ plesmente uma fraqueza moral. Mas há perigo em chamar o problema de doença. Deus o chama de pecado. Ele nos faz responsáveis por nosso comportamento no que diz respeito ao uso do álcool. Ele nos chama para a temperança e nos diz que simplesmente não temos permissão para nos acostumarmos com a embriaguez. Deus nos diz que fazemos uma escolha moral a respeito e simplesmente não pode­ mos culpar o ambiente ou alguma outra pessoa pelo problema. Além dessa dificuldade teológica clara, vejo uma preocupação psicológica. Se digo a alguém: “Você tem uma doença” ou “Você está doente.” Posso estar motivado a dizer isso para livrá-lo da pressão, para proteger a sua auto-estima o que é uma motivação nobre. Entretanto, inadvertidamente, posso estar afligindo seu espírito porque estou dizendo: “Não há nada que eu possa fazer. Você é doente. É como se você tivesse pego uma gripe ou estivesse com câncer. Alguns tipos de anticorpos estranhos invadiram seu sistema O único jeito de você ser curado será se alguém descobrir uma pílula maravilhosa e curar você.” Em ou­ tras palavras, deixamos as pessoas sem esperança quando dizemos que estão doentes — a não ser que, ao mesmo tempo, possamos oferecer um remédio para a cura. Não conheço ninguém que seja capaz de fazer isso. Penso que a organização que tem lidado com esse problema de modo mais eficiente são os Alcoólicos Anônimos. Eles têm um espírito de compai­ xão e bondade e, ao mesmo tempo, cada um é responsável e tem de prestar contas. Eles se encorajam uns aos outros para lutar e sair dessa situação. • De a cord o c o m a Bíblia, existe a lg u m m a l e m se u sa r a h ip n o se para ajudar pessoas a deixar de fumar, ou superar a lg u m o u tr o vício ou p a d rã o de c o m p o r ta m e n to ? Não sei muito bem como responder a essa pergunta. Temos visto o fenô­ meno da hipnose sendo usado no que eu chamaria de um modo ilegítimo, como uma tentativa de penetrar áreas do oculto. Mas não estou certo de que entendemos tudo o que a hipnose é ou como ela pode ser usada. Até onde posso entendê-la, a hipnose envolve um tipo de intensa con­ centração mental pela qual podemos focalizar nossa consciência em certas idéias, sentimentos ou incidentes essenciais. Isso poderia ser útil em cirur­ gia, também é usado algumas vezes em terapia, para ajudar a pessoa a lem­ brar eventos traumáticos, por exemplo. Não vejo nada intrínseca ou ineren­ temente errado, do ponto de vista moral, no uso da hipnose em situações apropriadas e para pessoas que estão lutando com algum vício ou algo do tipo. O terapeuta fala com o paciente e o coloca num estado hipnótico. Não há nada mágico a respeito disso. O terapeuta continua a conversação com o paciente, tentando comunicar uma mensagem central, por exemplo: “Você não precisa continuar a usar essa substância. Ela é prejudicial para você.” Eles repetem essa frase muitas vezes, de forma que, quando a pessoa volta para seu estado de vigília ou de consciência, aquele pensamento está im­ plantado em sua mente e ela continuará a reforçá-lo. É quase como um nível intensificado de concentração para aprender uma lição. Enquanto ela se limita a essas situações, não vejo nada de errado com o seu uso. • Por q u e o u so de drogas c o m o o "crack" cresce ta n t o em n o s s a so ciedade? Posso me lembrar que quando estava no ginásio, ficava escandalizado quando algum dos meus artistas de cinema favoritos era preso em Hollywood por fumar um cigarro de maconha. Há nem tanto tempo atrás esse tipo de comportamento era recebido com desaprovação não somente pela igreja, mas por toda a cultura secular. Mas agora passamos por um nível explosivo de revolução no uso e abu­ so da droga. Está afetando, inclusive, o papel dos modelos que vêm do mundo dos esportes, como todos nós infelizmente sabemos. Os estudos que têm sido feitos até agora em psiquiatria infantil indicam que, em crianças entre treze e dezenove anos, a maior influência na formação de sua autoimagem, de sua identidade como pessoa, não são os pais, mas o grupo etário ao qual eles estão lutando para pertencer. Portanto, precisamos dizer que, uma vez que certos padrões de comportamento se tomam aceitáveis dentro de um grupo etário particular, percebemos um efeito de agitação pelo qual mais jovens são atraídos a eles. Uma das razões da escalada é a alta visibilidade da droga na cultura musical. Esse foi um dos lugares onde o uso de droga pesada se tomou aceitável mais cedo. De repente, os padrões que eram tabu nas gerações anteriores se tomaram moda, a coisa “legal” para certas subculturas, e se espalharam prolificamente para outros setores da sociedade. Mas há razões muito mais profundas para essa escalada no uso de dro­ gas. Creio que existe uma crise filosófica em nossa cultura pela qual perde­ mos a compreensão do que significa ser humano. O que significa ser uma pessoa? Historicamente, nós nos vemos como um povo criado à imagem de Deus. Mas a visão modema do homem é de que somos um erro cósmico, somos germes crescidos e somos insignificantes. Isso é um sentimento in­ suportável, e qualquer alívio da dor — mesmo que seja por alguns minutos ou horas — é um alívio bem vindo para essa visão pessimista. • Está erra d o os cientistas se o c u p a re m de e n g e n h a ria ge­ n é tic a ? Sinto-me absolutamente inapto para responder algumas das questões que surgiram por causa da explosão da tecnologia modema e que nos dei­ xam mais perplexos. No caso da maioria da questões éticas, os teólogos têm tido o benefício de mais de dois mil anos de análises e avaliações cuida­ dosas dos dilemas morais envolvidos, enquanto questões de ética biomédica explodiram em cena no século XX. Fomos pegos com relativamente pouco tempo para pensar em todas as ramificações. Uma quantidade espantosa de coisas está compreendida no termo enge­ nharia genética. Estamos falando dos experimentos tornados infames por Mengele du­ rante a Segunda Guerra Mundial, tentando realizar os planos incrivelmente diabólicos de Hitler de criar uma raça superior através da purificação dos genes? Esse tipo de coisa é uma maldade evidente. Mas engenharia genética também envolve pesquisadores sérios fazendo tudo o que podem para examinar o código genético e ver se há maneiras pelas quais enfermidades sérias, doenças e distorções podem ser tratadas terapeuticamente por meios genéticos. Agora estamos falando sobre a tarefa legítima da ciência de ter domínio sobre a terra e exercer misericórdia e com­ paixão para com o doente, descobrindo a cura para terríveis deformidades e doenças. Não devemos dizer que toda engenharia genética é má. Penso que existe um uso legítimo. Questões individuais dentro do escopo da engenharia genética precisam ser consideradas individualmente quanto à sua integridade moral. E, enquanto os engenheiros, os especialistas e os próprios pesquisado­ res têm a maioria da informação pela qual podem fazer julgamentos, teólogos e filósofos devem permanecer em contato e fazer com que sua voz seja ouvi­ da. Essas questões caem fora dos limites da mera tecnologia e precisam ser examinadas e debatidas nos terrenos da religião e da ética. • Os cristãos d e v e m ap o ia r a p e sq u isa da AIDS? Estou de certa forma surpreso com a freqüência com que essa pergunta é levantada dentro da comunidade cristã. Sem dúvida, os cristãos devem apoiar a pesquisa da AIDS. Por que não a apoiaríamos? Estamos comprometidos com o ministério ao doente e com o alívio do sofrimento. Quando encontramos alguém doente, não é nossa responsabilidade perguntar por que ele está doente. Quando encontramos alguém com fome, não é nossa responsabilidade perguntar por que está com fome. Quando encontramos pessoas sem casa, não é nossa responsabi­ lidade perguntar por que não têm casa. Nossa responsabilidade é vestir o nu, ministrar ao doente e visitar os prisioneiros. Não dizemos que o prisio­ neiro está na cadeia porque cometeu um grande crime e, portanto, não de­ veríamos visitá-lo. Ao contrário, temos um mandamento de visitar pessoas na prisão apesar do fato de estarem lá porque fizeram algo errado. O fato da AIDS ser uma doença que geralmente tem suas raízes em tipos imorais de comportamento sexual não é razão para a igreja agir como polícia de Deus ou seu carrasco. Devemos trabalhar sempre, e em todos os lugares, para o alívio da dor e do sofrimento nesse mundo. Posso acrescentar que há realmente, muitas pessoas que se tomaram vítimas da AIDS sem nenhuma ação direta delas próprias. A AIDS tem sido transmitida através da transfusão de sangue. Crianças têm contraído essa terrível doença através de transfusões em hospitais ou através de agulhas hipodérmicas sujas. Já se verificou trans­ missão por tatuagens. Não podemos simplesmente assumir que a AIDS seja um símbolo de conduta sexual imprópria. Não vejo nenhuma razão obrigató­ ria pela qual a igreja deva ser contra a pesquisa da AIDS. Estou realmente tentando dizer duas coisas aqui. Primeiro, mesmo que as únicas pessoas no mundo que sofressem de AIDS fossem culpadas de pecado grosseiro e terrível, isto em si ou de si mesmo não proibiria o envol­ vimento cristão na procura da cura e do alívio do sofrimento dessas pesso­ as. Esse é o princípio número um. O princípio número dois é que, na realidade, esse não é o caso com as pessoas e a AIDS. Realmente, não há nenhuma razão que eu possa pensar pela qual os cristãos poderiam ou deveriam opor-se à pesquisa. De fato, um dos grandes testemunhos da igreja cristã tem sido seu lugar na linha de frente quando se refere ao alívio do sofrimento, como nos casos do movimento hospitalar e da criação de orfanatos. Creio que a situação da AIDS é uma oportunidade maravilhosa para os cristãos se dedicarem ao serviço humano. OS CRISTÃOS E O GOVERNO “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram p or ele instituídas... Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se fa z o mal” — R o m a n o s 1 3 .1 ,3 Perguntas dessa seção: • Está errado enfrentar a autoridade? E se não está errado, como fazê-lo do modo certo? • Qual a responsabilidade do cristão para com o governo? • Os' cristãos deveriam trabalhar para que haja valores cristãos na política pública? • As soluções bíblicas para os problemas do mundo estão obsoletas? • Hoje em dia ouvimos continuamente pessoas gritando por direitos mo­ rais. Existe uma base legítima para essas reivindicações? • Existem certos padrões éticos bíblicos que o governo deveria defender? • Como responder a um político que diz que sua ética pessoal, ou a de qualquer outro político, não deveria ter influência no fato de alguém vo­ tar neles ou não? • O que a Bíblia tem a dizer sobre leis criadas pelo homem? • Estamos sendo muito julgadores quando criticamos a vida privada dos líderes políticos? • Pedro e Paulo nos ensinam a nos submeter às autoridades governamen­ tais. À luz disso, a revolução seria uma possibilidade para o cristão, e se for, sob que circunstâncias? • Embora a busca da felicidade seja um direito inalienável na Constituição Americana, nós, como seres criados, temos esse direito inalienável? Mui­ tas pessoas esperam ter felicidade na vida. Mas será isso uma expectativa certa, especialmente para os cristãos? • Qual é o relacionamento entre educação cristã e educação pública? • Nos tribunais judiciais somos obrigados a jurar sobre a Bíblia, antes de ocupar o banco das testemunhas. Desde que a Bíblia afirma que não se deve jurar sobre coisa nenhuma, está certo o cristão recusar-se a jurar sobre a Bíblia no tribunal? • D u ra n te to d a a m in h a vida achei q u e estava e rra d o e n ­ fre n ta r a a u to rid a d e . Está re a lm e n te errado, ou n ã o ? E se não, c o m o fazê-lo d o m o d o certo? Suponho que esse sentimento foi inculcado em você muito cedo através da disciplina e educação recebida de seus pais. Quando eu era bem menino, a única lei absoluta e inegociável em nossa casa era que você não deveria responder aos pais e nem falar grosseiramente com seus professores ou com o vizinho. A desgraça caía sobre nós se respondêssemos a qualquer um que estivesse em posição de autoridade. Lembro-me que, certa vez, levantei-me contra um professor de ciências na classe, e realmente me meti em apuros por causa disso. Penso que a Bíblia nos diz que devemos dar honra àqueles que têm autorida­ de sobre nós, Mas penso também que é perfeitamente legítimo levantar algumas perguntas: “E esta a maneira própria de fazer isso?” Ou “É este um uso legítimo da autoridade?” Desde que a abordagem ou a pergunta sejam feitos num espírito de verdadeira humildade e respeito, será uma atitude legítima. Essa era uma questão muito difícil para mim como estudante do semi­ nário. Estudei com alguns dos mestres mais radicais que existiam, pessoas que sistematicamente atacavam a expiação de Cristo ou a sua ressurreição. Por dentro eu ficava furioso com o fato de que eram professores de um seminário teológico e estavam negando as reivindicações básicas da fé cristã. Ainda assim compreendia que não importava o quão errados estivessem em classe, eu devia respeitá-los pela posição que ocupavam como professores. Quando estudei na Europa, encontrei um ambiente completamente di­ ferente do encontrado nesse país. Quando nos reuníamos no anfiteatro e o professor abria a porta da classe e entrava na sala, todos os estudantes se levantavam e permaneciam quietos até que o professor se colocasse diante da estante e inclinasse sua cabeça para que sentássemos. Daí em diante, ele lecionava durante sessenta minutos. Nenhum estudante jamais tinha per­ missão para levantar a mão ou fazer uma pergunta. No final da preleção, o professor fechava o livro, descia do estrado, e nós nos levantávamos novamente enquanto ele saía. Eu apreciava aquilo. Comunicava um senso de honra. Nós perdemos a capacidade de honrar os que estão em posição de autoridade. Novamente, se a autoridade ordena que façamos algo que Deus proíbe, ou se ela proíbe algo que Deus ordena, não apenas devemos enfrentar essa autoridade, mas também desobedecê-la. • Q u a l a resp o n sa b ilid ad e do cristão para c o m o governo? O Novo Testamento nos dá alguns princípios gerais sobre como deve­ mos responder ao governo. Por exemplo, Romanos 13 expõe detalhada­ mente a origem e a instituição do governo como algo que Deus ordena. O grande teólogo Agostinho disse que o governo é um mal necessário, que ele é necessário por causa do mal. E a maioria dos teólogos na história da igreja disse que o mal humano é a razão porque mesmo um governo corrupto é melhor do que nenhum governo. A função do governo é restrin­ gir o mal e manter, defender e proteger a santidade da vida e da proprieda­ de. Dada essa função, os cristãos entendem que o governo é ordenado por Deus e, portanto, os cristãos são chamados primeiro a respeitar qualquer que seja aquilo que Deus institui e ordena. Por amor a Deus somos chama­ dos a sermos cidadãos-modelo. Somos ensinados a fazer o impossível para honrar o rei e obedecer ao magistrado civil. Há ocasiões em que o cristão não apenas pode, mas deve desobedecer os magistrados civis. Sempre que um governo civil exige que o cristão faça aquilo que Deus proíbe, ou proíba aqui­ lo que Deus ordena, a pessoa deve desobedecer. Mas nossa postura básica para com o governo, de acordo com o Novo Testamento, é sermos cidadãos obedientes e submissos ao estado. Também temos o dever de orar pelos go­ vernos terrenos para que cumpram as tarefas que lhes foram dadas por Deus. Temos outra responsabilidade que, às vezes, nos leva a situações con­ trovertidas. Pessoalmente, creio na separação das esferas de autoridade en­ tre igreja e estado. Penso que os Estados Unidos da América têm uma estru­ tura maravilhosa que não permite que o estado governe a igreja ou que a igreja dirija o estado. Historicamente, isso significava que a igreja era res­ ponsável diante de Deus e o estado era responsável diante de Deus. Separa­ ção entre igreja e estado supõe uma divisão de trabalho; a igreja tem suas tarefas, e o estado tem suas tarefas. A igreja não deve manter um exército e o estado não deve evangelizar ou administrar os sacramentos. Entretanto, ambos são vistos como estando sob a autoridade de Deus. Infelizmente, na cultura atual, separação entre igreja e estado significa separação entre estado e Deus, como se o estado e o governo não fossem responsáveis diante de ninguém, a não ser diante de si mesmos — como se o governo não tivesse de responder a Deus. Mas Deus monitora os gover­ nos, Deus os levanta e os derruba. Todo governo humano deve prestar con­ tas a Deus, e é responsável por manter suas obrigações com justiça e com retidão. Quando o governo não está mais agindo com justiça e não mais protege a vida — sancionando o aborto, por exemplo — então é tarefa da igreja ser a voz profética, chamar o estado à sua obrigação e dizer a ele que se arrependa e faça o que Deus lhe ordena fazer. • Os cristãos deveriam trabalhar para q ue haja valores cristãos n a política pública? Certo ano, fui convidado a falar no café da manhã por ocasião da posse do governador recém-eleito do estado da Flórida. Naquela ocasião tive oportunidade de falar com homens e mulheres que estavam em lugares es­ tratégicos no governo. Uma pergunta muito importante na agenda dessas pessoas era: “Até que ponto devemos manter a cuidadosa linha de separa­ ção entre igreja e estado?” Em nossa herança política, assim como em nossa herança cristã, enten­ demos que há uma diferença entre a instituição do governo civil (o estado) e a instituição da igreja. Não é tarefa da igreja, nem sua responsabilidade, dizer ao governador como governar ou fazer o governo estabelecer nossas preferências religiosas. Entretanto, também precisamos ter em mente que ambos, estado e igreja estão sob a autoridade de Deus. O estado não é sobe­ rano, o estado nunca tem o direito de fazer o mal. O estado está sempre sob a autoridade de Deus. Deus institui o governo, Deus ordena o governo, e Deus julgará o governo. Ele mantém a responsabilidade do governo e de todas as suas instituições em nossa sociedade, de fazer aquilo que é certo. O que é certo numa dada situação — quais as práticas comerciais certas, quais as práticas de trabalho certas, quais as práticas judiciais que são certas? Certo e errado não são decididos unicamente por cristãos. Há certos manda­ mentos que devemos realizar como cristãos. Por exemplo, a Ceia do Senhor. Não devemos pedir que não-crentes participem da Ceia do Senhor. Entretan­ to, Deus me diz que como cristão devo pagar minhas contas no prazo certo. Ele me diz para não usar pesos e balanças falsas em meu negócio. Creio que é perfeitamente apropriado recomendar que o estado tenha uma moeda está­ vel e que não destrua os pesos e balanças de nossa sociedade, que tenha con­ tratos honrados e faça o que é certo. Em outras palavras, naquelas esferas da ética que são certas para todas as pessoas, creio que é responsabilidade do cristão lembrar ao estado que tome posição pelo que é certo. • As soluções bíblicas para os p ro b lem as d o m u n d o estão o b so le ta s? Alguns anos atrás, quando estava lecionando filosofia numa universida­ de, participei de um simpósio de professores de filosofia. Um senhor na­ quele grupo nos relembrou de que há apenas cerca de cinco questões bási­ cas em toda história da filosofia. Tem havido cinco mil abordagens diferen­ tes a essas cinco questões básicas, mas algumas dessas questões básicas da filosofia são estudadas repetidamente por todas as gerações. Em princípio, eu diria que isso é verdadeiro também no campo da ética. En­ frentamos novas questões éticas que tomam difícil a aplicação de princípios dura­ douros num ambiente novo. Por exemplo, as gerações anteriores não tinham que se preocupar sobre quando desligar o sistema de manutenção da vida para alguém que está morrendo num hospital. Você não precisava se preocupar com o dilema ético porque você não tinha o equipamento sofisticado que toma o dilema uma realidade. Em função disso, temos situações com as quais as gerações anteriores não precisavam lutar do ponto de vista ético. Entretanto, os princípios que extraímos das Sagradas Escrituras sobre a santidade da vida e a dignidade da morte, por exemplo, falam eloqüente­ mente àqueles problemas específicos que vêm a nós repetidamente em cada geração. Creio que encontramos nas Escrituras não apenas as percepções e opiniões de primitivos hebreus semi-nômades. Se fosse esse o caso, eu diria que talvez houvesse alguma sabedoria coletiva que poderíamos receber deles e que talvez tivessem alguma aplicação aqui ou ali. Mas tenho uma opinião mais elevada das Escrituras do que isso. Creio que encontramos nas Escrituras uma verdade transcendente — verdade que vem a nós de uma perspectiva eterna. Em termos filosóficos, esta verdade é sub species iternatotus (* N. da T. - A expressão correta é “sub specie aeternitatis”, do filósofo Baruch Spinoza). O que significa que recebemos nada menos do que a mente do Criador, que sabe e nos revela princípios do que é certo, bom e belo, e esses princípios podem ser aplica­ dos ao longo de toda a extensão da história humana. Para mim, pensar que as Escrituras não são mais aplicáveis à minha sociedade, ou que elas estão obsoletas ou fora de moda, seria pensar que Deus está obsoleto ou fora de moda e irrelevante. Ele é aquele que é de eternidade a eternidade. Os prin­ cípios e verdades que ele nos revela vêm daquela perspectiva eterna. Não posso conceber nenhuma ocasião na história do mundo na qual sua verdade se tomaria antiquada e obsoleta. • Hoje e m dia o u v im o s c o n ti n u a m e n te pessoas c la m a n d o p o r direito s m orais. Existe u m a base legítim a para essas reiv in d ic a çõ e s? Penso que há muita confusão sobre a própria linguagem quando se fala de direitos e obrigações. Vejamos o que é obrigação, por exemplo. Para nós cristãos, parte de nossa confissão de fé é o reconhecimento de que Deus, e somente ele, é, em última análise, o Senhor de nossas consciências. Apenas ele tem o direito intrínseco de impor obrigação sobre suas criaturas. Ele pode delegar esse direito e dizer que os pais podem exigir certas coisas de seus filhos, e algumas outras estruturas de autoridade também podem ser estabelecidas. Fundamentalmente, toda obrigação é ditada por Deus, que é a fonte de toda obrigação moral. Se não há nenhum Deus, teríamos que dizer que não existe tal coisa como obrigação moral. As assim chamadas questões morais se tomariam um assunto de preferência pessoal. Quando falamos de direito, penso que é essencial distinguir entre direi­ tos morais e direitos legais. Um direito moral é algo concedido por Deus a nós, suas criaturas. E parte integrante da criação, Deus é a fonte e o autor de qualquer direito moral que tenhamos. Um direto legal é concedido por uma instituição humana, mais especifi­ camente, pelo estado. Os estados diferem em termos dos direitos que con­ cedem. Direitos humanos se tornaram um problema mundial porque vemos grupos de pessoas — e indivíduos, como no caso dos prisioneiros políticos — sofrendo vários tipos de opressão, de acordo com os direitos que os esta­ dos a que estão sujeitos protegem ou violam. Consideramos certos direitos como intrínsecos aos seres humanos, aqueles direitos que nos são dados por Deus, o Criador. E alguns estados não concedem direitos legais que deveri­ am ser mantidos por serem aqueles que nos são dados inicialmente por Deus. Quando falamos em violação dos direitos humanos, normalmente estamos nos referindo a esses direitos. Por outro lado, o estado pode conceder direitos legais para uma pessoa fazer algo que, diante de Deus, ela não tem absolutamente nenhum direito de fazer. Por exemplo, pessoalmente, vejo isso na questão do aborto. Ouço pessoas dizendo o tempo todo que a mulher tem direitos sobre seu próprio corpo, de lidar com as questões de seu corpo como ela desejar. Se ela con­ cebeu uma criança, tem o direito de dispor dela através de um aborto terapêutico. As pessoas insistem em que a mulher tem o direito de fazer isso. Que tipo de direito? Obviamente, ela tem o direito legal porque a Su­ prema Corte concedeu esse direito em nosso país. Entretanto, a questão que tem causado tanto debate e controvérsia nesse país é: A mulher tem o direito moral de fazer isso? Sabemos o que a lei permite, mas Deus permite? Se uma pessoa me dissesse que tem direito moral de praticar o aborto, eu diria: “Onde você conseguiu esse direito moral? Tem certeza de que você tem esse direito moral? Você está me dizendo que o Deus Altíssimo lhe deu o direito de dispor de seu filho ainda por nascer?” Tremo de pensar em alguém diante da presença de Deus dizendo que tem o direito de fazer isso. Nunca temos o direito moral de desobedecer a Deus. • E x istem a lg u n s p a d rõ e s éticos bíblicos q u e o g o v e rn o deveria d e fe n d e r? À luz do conceito contemporâneo de separação entre estado e igreja, que é tão importante para nosso governo, há muitos que interpretam esse conceito como se isso significasse que o estado não tem de prestar contas a Deus, que ele não é subordinado à autoridade divina. Em outras palavras, Deus não tem jurisdição sobre os negócios do governo. Nada poderia ser mais contrário ao ensino bíblico. Se reconhecemos (como nossos antepas­ sados o fizeram) que Deus é o criador do universo, então subentende-se que Deus é soberano sobre tudo o que cria. Na realidade, ele cria e ordena a igreja para uma tarefa particular, e ordena e institui governos para outra tarefa. Não é responsabilidade da igreja ser estado e nem do estado ser igreja, mas o conceito de separação entre igreja e estado, não significa separação entre estado e Deus. O estado, assim como a igreja, está sob a autoridade de Deus, e toda autoridade terrena, em algum momento, terá de prestar contas a Deus sobre como exercitou essa autoridade. Nenhum governo estadual, nenhum gover­ no terreno, jamais teve o direito ou a autoridade para governar de acordo com suas próprias preferências sem ser responsável diante de um padrão último de justiça e retidão. Quando o Novo Testamento ensina que o governo está baseado num mandado divino, como lemos em Romanos 13, aprendemos que os gover­ nos são chamados para serem ministros de Deus, a bem da justiça. Portanto é responsabilidade do estado defender padrões de retidão e justiça. Sem dúvida, o estado pode se tomar corrupto e violar o padrão de justi­ ça de Deus e aqueles padrões de justiça que estão enraizados basicamente no caráter do próprio Deus. Quando fazem isso, eles estão sendo responsa­ bilizados por Deus. Lemos em todo o Antigo Testamento que a autoridade de Deus se estende não apenas sobre a nação de Israel, mas também sobre os que estão governando a Babilônia, Pérsia e todas as nações do mundo. Lembremos que no, Salmo 2, a queixa do salmista era de que os gover­ nantes do mundo estavam se aconselhando contra Deus, dizendo: “Rompa­ mos os seus laços e sacudamos de nós as suas a l g e m a s isto é, os gover­ nantes das nações pagãs estavam declarando sua independência de Deus. A resposta do salmista f o i , sem dúvida, de que aquele que se senta no céu se rirá deles, mas apenas por um momento. Depois eles serão chamados a prestar contas, porque Deus julga todos os outros juizes. • C om o re s p o n d e r a u m político q u e diz q u e sua ética p e s­ soal, o u a de q u a l q u e r o u t r o político, n ã o dev eria te r in flu ên cia n o fato de alguém v o tar nele ou não? Temos ouvido essa pergunta bem freqüentemente nos últimos tempos porque muitos escândalos têm envolvido figuras públicas e aqueles que têm cargos políticos. Uma opinião comum é que a ética pessoal dos indiví­ duos é de sua responsabilidade e o que fazem privativamente não tem im­ plicações sobre sua habilidade pública de servir em um cargo. Creio que é importante distinguir, como fazemos em teologia, entre éti­ ca pessoal e ética social e creio que é possível a uma pessoa, com um caráter indecoroso em sua vida privada, funcionar publicamente de forma muito justa e honesta. Mas, sem dúvida, sua ética pessoal dará margem a que se levante sérias perguntas sobre como essa pessoa se comportará em termos de ética social. Pois embora distingamos entre pessoal e privado, em última análise, eles não podem ser separados pois são intimamente relacionados. Por exemplo, se um homem foi condenado várias vezes como ladrão, dificilmente você vai querer que ele sirva como ministro da fazenda. Não existe maneira de ficarmos absolutamente certos de que alguém não se apos­ saria de dinheiro público, mas há pontos estratégicos de integridade que são requeridos das pessoas em cargos públicos. Creio que o povo tem o direito de esperar um alto grau de ética pessoal de seus líderes. Examinando a história dos Estados Unidos, podemos retroceder à déca­ da de quarenta, quando houve um aumento epidêmico na taxa de divórcio. Alguns sociólogos culparam Hollywood por aquilo. Disseram que havia estrelas de cinema que transformaram em negócio o fato de ter cinco ou seis maridos ou esposas. Múltiplos casamentos e divórcios faziam parte do material sensacionalista dos meios de comunicação sobre esses artistas. De alguma forma, eles sobreviveram em suas carreiras porque seu de­ sempenho era de tão alta categoria que as pessoas estavam dispostas a desculpá-los ou a fazer vista grossa sobre seus defeitos pessoais. Mas o que acontece é que os modelos — em Hollywood, no mundo dos esportes ou no campo político — começam a ser imitados pela cultura de maneira geral, e a população sofre os efeitos negativos. Portanto, embora alguns políticos tenham conseguido impedir que suas falhas pessoais afetassem o seu funci­ onamento público, ainda é importante e melhor para o país de maneira ge­ ral que eles mantenham um alto padrão de ética pessoal. • O q u e a Bíblia te m a dizer sobre leis criadas pelo h o m e m ? Frederic Bastiat, o jurista francês, escreveu um livro muito importante sobre lei no qual distingue entre o que ele chama de “governo pelos homens” e “gover­ no pela lei.” Ele articulou o conceito clássico europeu de lex rex. Esse conceito europeu afirma que a lei, e não o povo, deve ser o rei, e que a autoridade última que deveria governar a nação não seriam os caprichos e preferências pessoais de indivíduos, mas deveríamos ser governados pela lei. “Governo pelos homens” versus “governo pela lei” é confuso para muitas pessoas porque elas irão perguntar: “Não são os homens que fazem as leis?” Sem dúvida. Não penso que a Bíblia proíba os governos nacionais de legislar; essa é uma das responsabilidades que Deus lhes deu. Para governar é necessário fazer leis. Eles têm de legislar. Esse é um dos deveres dos governos. Como a legislação humana se compara com a lei divina? A idéia de que a lei é soberana significa que há um alicerce de lei que está baseado fundamentalmente no caráter de Deus que pode ser descober­ to através da natureza. Essa é a razão porque, historicamente, até mesmo nos Estados Unidos estamos firmados no princípio da lei natural dizendo que certas leis são reveladas e conferidas por nosso Criador, certos princí­ pios básicos que chamamos lei das nações, a lei comum de todos os povos. Todas as nações são responsáveis diante dessas leis, e qualquer lei individual que promulgamos ou estabelecemos em nossos países deve estar em conformi­ dade com aquela lei mais alta que, em última análise, toca o caráter de Deus. Ao mesmo tempo, a Bíblia é cética a respeito de pessoas que passam leis e depois agem como se elas tivessem vindo diretamente de Deus. Esse era o debate que Jesus tinha com os fariseus. Os fariseus criavam leis e depois as passavam adiante como lei revelada de Deus, e confundiam a lei de Deus com a tradição humana. Jesus condenou isso inteiramente. • E sta m o s s e n d o m u i t o ju lg a d o res q u a n d o c ritic a m o s a vida priv ad a dos líderes políticos? Desde que há funcionários públicos, não apenas nesse país mas em to­ dos os países, tem havido um desejo por parte da maioria de seus eleitores de que o líder político manifeste uma vida de integridade pessoal. O perigo é que podemos nos tornar julgadores — hipercríticos e hipocríticos também — mesquinhos em nossa crítica sobre as pessoas na vida pública. Servir num cargo público é uma tarefa extremamente difícil para qualquer um. As pessoas comuns nesse país não têm idéia do que significa a perda de privacidade. Por exemplo, quando iniciamos o Ligonier Minis­ tries, na Pensilvânia, há cerca de vinte e cinco anos atrás, eu era um pastor e estava lidando freqüentemente com o público. E como as pessoas vinham à nossa casa exigindo mais e mais atenção pessoal de minha parte, minha família e eu experimentamos uma real perda de privacidade pessoal. Foi muito difícil tratar do assunto. Isso foi apenas uma amostra do que os funci­ onários públicos passam. Tal sacrifício, entretanto, faz parte da opção de ser uma figura pública. Uma pessoa na vida pública será submetida a um escrutínio muito mais rigo­ roso em termos de sua integridade pessoal, e penso que o povo tem o direito de esperar que seus líderes apresentem um exemplo de integridade pessoal. Não há dúvida — pelo menos no meu entender — que os jovens seguem o exemplo apresentado pelas figuras públicas que observam na televisão, na imprensa e nos filmes. É importante que nós — especialmente os cris­ tãos, que deveríamos ser líderes em compaixão e compreensão — tempere- mos qualquer avaliação das figuras públicas com um profundo senso de entendimento e compaixão pela posição difícil na qual eles foram coloca­ dos para servir. • Pedro e Paulo nos ensinaram a nos subm eterm os às autori­ dades governam entais. A luz disso, a revolução seria u m a possibilidade para o cristão? E se for, sob que circunstâncias? Certamente é claro que o Novo Testamento coloca ênfase na responsa­ bilidade do cristão de ser um modelo de obediência civil. Em Romanos 13, Paulo diz que os poderes que existem são ordenados por Deus. Isso não significa que sejam sancionados por Deus ou que Deus aprove tudo o que os governos civis fazem; nós sabemos disso muito bem. Mas Paulo está dizendo que é Deus quem institui os governos, e somos chamados a nos submeter aos governantes por respeito a Cristo. Pedro diz que devemos obedecer aos magistrados civis “por causa do Se­ nhor” (IPe 2.13-17). Como Cristo é glorificado pela minha submissão ao go­ vernador do estado da Flórida ou ao Congresso dos Estados Unidos da Améri­ ca? Creio que a questão mais ampla aqui é a luta bíblica fundamental entre vozes de autoridade que competem entre si, os princípios de Satanás e Deus. A pergun­ ta é: A pessoa humana manifesta um espírito de obediência à lei de Deus? Ou participa de um espírito anárquico e indisciplinado? E interessante que o Anticristo, no Novo Testamento, é identificado como o homem sem lei. Penso que somos chamados a obedecer aos magistrados civis, porque o Novo Testamento vê uma estrutura hierárquica de autoridade, e a autorida­ de última no céu e na terra é Deus. Deus delega autoridade a seu Filho Unigénito: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra." (Mt 28.18). Entretanto, debaixo da autoridade do Filho há níveis de autoridade terrena, tais como governos em seus vários graus até a autoridade de empregadores sobre empregados e de pais sobre filhos. Vemos que a autoridade, em últi­ ma análise, encontra sua sanção na soberania e na autoridade de Deus. O princípio não é difícil de entender: Se sou vacilante e descuidado em minha obediência em níveis mais baixos, estou implicitamente me colocando numa postura de desobediência à autoridade suprema que permanece atrás e aci­ ma da terrena. É à lei de Deus que desobedecemos. Aplicamos esse princí­ pio quando dizemos que a criança que não aprende a respeitar seus pais terá problemas para respeitar qualquer coisa ou qualquer pessoa. Sendo escru­ puloso em minha obediência civil, fazendo o impossível para obedecer meus professores, meus empregadores, meus governadores, meus oficiais de po­ lícia, estou honrando a Cristo que é o modelo supremo de autoridade e obediência à lei. Seria justificado o envolvimento numa revolta? Muito cristãos diriam não. Essa foi uma pergunta crucial no tempo da Revolução Americana (N.T. - guerra da independência dos E.U.A.), e havia teólogos cristãos de ambos os lados. Creio que os que justificavam a revolução diziam que a única ocasião em que a revolta é justificável é quando o próprio governo se torna anárquico e age de maneira ilegal e sem lei. Na América colonial, a revolta foi contra a taxação ilegal que estava ocorrendo. Isso requer uma lição de história mais longa do que o tempo que temos aqui. • E m bo ra a b u sc a da felicidade seja u m direito inalienável n a C o n stitu iç ão A m ericana, nós, c o m o seres criados, te ­ m o s esse d ireito inalienável? M uitas pessoas e sp e ra m ter felicidade n a vida. M as será isso u m a expectativa c o rre ­ ta, e sp e c ia lm e n te para os cristãos? Primeiro, precisamos distinguir entre a Constituição Americana como um documento legal que circunscreve a maneira pela qual o povo deve ser tratado sob a lei do estado e os princípios que operam no reino de Deus e que estão estabelecidos na lei de Deus. Quando a Constituição garante o direito inalienável da busca da felici­ dade, ela visa proteger uma sociedade livre da tentativa de outros povos de destruir ou dificultar essa busca. Até mesmo a Constituição reconhece os limites desse direito inalienável. Por exemplo, reconhece que se a minha felicidade é matar outras pessoas, eu não tenho o direito constitucional inalienável de buscar a minha felicidade dessa maneira. O que estamos di­ zendo é que a lei é estabelecida para permitir que as pessoas busquem aqui­ lo que lhes traz felicidade. Sem dúvida, a Constituição não garante a aqui­ sição de felicidade, apenas o direito de buscá-la, e o direito de buscar felici­ dade está sujeito a certas limitações. Deus nos dá esse direito inalienável? Quando consideramos que um di­ reito nos confere uma reivindicação legal, precisamos dizer que não. Deus não nos confere direitos do modo como uma constituição nacional o faz. Em lugar nenhum, a Bíblia dá a qualquer ser humano pecador (quer dizer a qualquer ser humano) uma garantia absoluta de direito à felicidade. A Bíblia apresenta todos os tipos de promessa a respeito de conquista de felicidade, mas felicidade é, fundamentalmente, uma dádiva de Deus, uma manifestação da graça de Deus. Se Deus fosse lidar conosco em termos de direito, isto significaria que ele nos trataria estritamente de acordo com a justiça. A única possibilidade de termos um direito inalienável seria se fôsse­ mos tão virtuosos e tivéssemos tantos méritos que, se Deus é justo, ele teria que derramar felicidade sobre nós. Isso é exatamente o oposto do que as Escrituras nos ensinam a respeito de nossa condição diante de Deus. Somos pessoas culpadas diante de nosso Criador e, portanto, nosso Criador não nos deve qualquer felicidade. Apesar do fato de que Deus não nos deve felicidade, ele derrama sobre seu povo alegria e paz, felicidade e bênçãos em abundância. Penso que é perfeitamente legítimo para um cristão buscar alegria, contentamento e re­ alização de nossa humanidade em tudo o que Deus nos fez para sermos, o que pode ser encontrado em nossa reconciliação com Deus. Quando somos reconciliados com Deus e vivemos de acordo com sua vontade e com seus princípios, a felicidade é, muitas vezes, uma conse­ qüência e, mesmo nesse caso, o resultado da graça e das dádivas de Deus. Certamente, não é uma exigência que fazemos a ele. • Q u al é o rela cio n am e n to entre educação cristã e educação p ú b lic a? Nos últimos anos, temos visto o surgimento de escolas confessionais em um número sem precedentes na história americana — a não ser na ma­ nifestação das escolas paroquiais da igreja católica romana. No caso da teologia e prática católicas, a igreja sempre considerou a educação como um aspecto extremamente importante de seu programa total. Em sua maioria, os protestantes têm se contentado com o sistema de escola pública. Parte da razão disso é o fato de que a igreja protestante esteve intimamente envolvida no estabelecimento dos sistemas e estruturas que foram comunicados através da educação pública e mista há alguns anos. Tem havido uma crescente secularizacão nesse país e um novo entendi­ mento do conceito de separação entre estado e igreja, o qual muitas pessoas entendem como separação entre estado e Deus. Classicamente, ambos eram vistos como estando sob a soberania de Deus e eram basicamente submeti­ dos a um sistema comum de valores. Esse não é mais o caso. Hoje o estado tem de caminhar sobre uma corda bamba de direitos humanos para certifi­ car-se de que não fará nada que possa favorecer uma religião ou outra no sistema escolar. O conceito da anti-oficialização historicamente lutou contra o estabele­ cimento de uma denominação cristã particular como igreja oficial do esta­ do, como no caso da igreja da Inglaterra. Hoje isso significa que o Cristia­ nismo não tem qualquer benefício particular sobre o Judaísmo ou o Islamismo ou o Hinduísmo ou qualquer outra coisa. A tendência do estado é pressupor que a educação pública não deve ter qualquer orientação religio­ sa; deve ser neutra. Isso, sem dúvida, é absolutamente impossível porque não se pode ter um currículo de qualquer tipo que seja totalmente neutro. Todo currículo tem uma perspectiva, e essa perspectiva ou é teocêntrica ou não é. Ou ela reconhece a soberania e supremacia de Deus ou não reconhe­ ce. Pode-se permanecer silencioso, mas o silêncio é uma afirmação. Eu diria que a grande diferença entre educação cristã e educação públi­ ca hoje em dia está no compromisso que cada uma tem com suas perspecti­ vas fundamentais, se são teocêntricas ou não. Os cristãos têm que se decidir entre receber uma educação que é competitiva em outras disciplinas ou pagar duas vezes mais para ter uma perspectiva centralizada em Deus. Fran­ camente, muitas escolas cristãs não são excelentes em suas disciplinas aca­ dêmicas e, portanto, esta se torna uma decisão muito difícil de ser tomada. • Nos tr ib u n a is judiciais a m e ric a n o s, so m o s o b rig ad o s a ju rar sobre a Bíblia an tes de o c u p a r o b a n c o das t e s t e m u ­ n h a s. D esde q u e a Bíblia e n s in a q u e n ã o se deve ju ra r sobre coisa n e n h u m a , está certo o cristão recu sar-se a ju ra r sobre a Bíblia n o trib u n al? O Novo Testamento deixa claro que não devemos fazer juramentos e votos ilegais. Jesus adverte, no Sermão da Montanha, que não devemos jurar nem pela terra, nem pelo altar, nem por qualquer outra coisa menor do que Deus. Tiago confirma isso dizendo: “não jureis nem pelo céu, nem pela terra...antes seja o vosso sim sim, e o vosso não não” (Tg 5.12). Entretanto, existe um dispositivo bíblico para votos e juramentos sagra­ dos, isto é, há lugares legais e tipos legais de votos e juramentos. Na reali­ dade, uma aliança não é uma aliança sem um voto, e é isso que estamos fazendo quando pronunciamos os votos no casamento ou em outras situa­ ções como as que envolvem acordos contratuais — estamos entrando num pacto ou aliança. Toda base de nosso relacionamento com Deus é firmada sobre votos e juramentos, juramentos feitos por Deus, porque ele não pode jurar por ninguém maior do que ele próprio. Não há nada intrinsecamente errado sobre fazer juramentos e assumir votos, mas creio que Jesus estava fazendo objeções à prática dos fariseus que tentavam camuflar os seus votos jurando por coisas menores do que Deus. O juramento de um voto a Deus ou diante de Deus é um ato de culto, porque com esse voto estamos dizendo: “Assim me ajude o Senhor,” que é o que dizemos no tribunal: “juro dizer a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade, assim me ajude o Senhor.” Estou fazendo um voto diante de Deus. Estou reconhecendo que Deus é onisciente, que ele está ali, que ele vê tudo o que faço e pode ouvir as palavras que estou dizendo; Deus é soberano sobre meus votos e tem autoridade sobre eles. Estou reconhecendo a Deus como Deus no momento em que faço um juramento. É um ato religioso. Se digo que juro pelo túmulo de minha mãe, estou cometendo um ato de idolatria, pois presumi que o túmulo de minha mãe tem a habilidade de ouvir meus votos, de julgá-los e de ser soberano sobre eles. Atribuí divinda­ de ao túmulo de minha mãe, o que é uma forma crassa de idolatria. Era a isso que Jesus estava objetando quando disse em essência: “Não jure pelo altar. O altar não pode ouvir você. O altar não pode julgar você. O altar não é Deus. O único ser pelo qual você pode jurar de modo legítimo é o próprio Deus num ato de culto.” Não tenho certeza de que está errado fazer um juramento no tribunal, mas, na realidade, estamos fazendo um juramento a Deus, e não à Bíblia. Não pedimos à Bíblia que dê testemunho de nossos votos. Não pedimos àquele livro que nos ouça, que seja o juiz de nossas consciências ou que seja soberano sobre nós. Mas me pergunto de onde tiramos essa prática simbólica de colocar as mãos sobre a Bíblia. Penso que seria tão impressi­ onante e tão solene, de fato até mais solene, se você jurasse com suas mãos atrás de suas costas. Mas, desde que você não jure para nem pela Bíblia, creio que seria legítimo jurar sobre a Bíblia se você desejar. PASSAGENS DI FÍCEIS “Temos, assim, tanto mais confirmada a palavra profética, e fazeis bem em atendê-la, como a uma candeia que brilha em lugar tenebroso, até que o dia clareie e a estrela da alva nasça em vosso coração; sabendo, primeiramente, isto: que nenhuma profecia da Escritura provém de particu­ lar elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada p o r vonta­ de humana; entretanto homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo.” — 2 P e d r o 1 .1 9 -2 1 Perguntas nessa seção: • O que é a ordem de Melquisedeque? • Deus instruiu Moisés e Aarão a falarem à rocha para produzir água. Em vez disso, Moisés bateu na rocha. Devido a esse ato, Deus puniu tanto Moisés como Aarão. Por quê? • Por que Deus exige tanta violência e guerra da nação judaica no Velho Testamento? • O Senhor disse, no Velho Testamento, que ele amava a Jacó e odiava Esaú, e em 1 João, João de fato diz que se dissermos que amamos a Deus e odiamos ao nosso irmão, estamos errados. Como podemos reconciliar essas duas passagens? • Jacó realmente lutou com um anjo toda a noite, ou essa história era um modo simbólico de dizer que ele estava lutando com um problema? • No livro de Juizes, parece que um sacrifício humano foi feito e aceito. Por favor, explique. • Provérbios 21.13 diz: “O presente que se dá em segredo abate a ira, e a dádiva em sigilo, uma forte indignação". Por que isso está na Bíblia? • “Onde não há visão, o povo perece.” O que significa isso? • Por favor, discorra sobre Eclesiastes 9.10 que diz: “Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças.” • O que quer dizer o Credo dos Apóstolos ao afirmar que Jesus desceu ao inferno? • No Sermão do Monte, Jesus diz “Ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita”. Em outra passagem que diz: “Assim brilhe a vossa luz diante dos homens.” Isso parece uma contradição. • Em Mateus 24.32-34, Cristo conta a parábola da figueira. Em sua opi­ nião, o que representa, afinal, a figueira? • Poderia explicar o que Jesus quis dizer quando falou: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”? • Poderia fazer um comentário sobre a afirmação de Jesus de que não deve­ mos jogar pérolas aos porcos? • No relato da mulher adúltera, o que foi que Jesus escreveu na areia? • Em Atos 16, Paulo encoraja Timóteo a circuncidar-se, porém, mais tarde, condena essa prática. Ele estava ele sendo hipócrita? • Qual é a posição cristã sobre o batismo substitutivo dos mortos, referido em 1 Coríntios 15? • O que é que o autor de Hebreus 6 quis dizer ao escrever: “é impossível outra vez renová-los para o arrependimento”, os que uma vez foram ilu­ minados, e se tornaram participantes do Espírito Santo? • Ultimamente, as pessoas têm me falado sobre “maldições bíblicas”. As maldições passaram? • O q u e é a o r d e m de M elq u ised eq u e? O livro de Hebreus, com certeza, tem como um de seus temas centrais a obra do Senhor Jesus como Sumo Sacerdote. A comunicação ao povo judeu de que Jesus era o Sumo Sacerdote criou alguns problemas sérios. Na ex­ pectativa judaica, seu rei deveria vir da tribo de Judá. Jesus era da tribo de Judá. Mas a tribo sacerdotal, a de Aarão e seus descendentes, era a tribo de Levi. Assim, se Jesus não é da tribo de Levi, como pode o Novo Testamento dizer que ele é um Sumo Sacerdote? Para que Jesus fosse Sumo Sacerdote esperava-se que ele fosse descendente de Levi, da linhagem de Aarão e Moisés. Porém, claro que não era. O que o autor de Hebreus está fazendo aqui é relembrar-nos que existe um outro sacerdócio no Velho Testamento, além daquele que leva o nome de Aarão ou Levi. O autor volta aos primei­ ros capítulos do livro de Gênesis onde leu a narrativa de Abraão voltando da batalha e encontrando um cidadão cujo nome era Melquisedeque. Melquisedeque é identificado como um rei-sacerdote; é rei de Salém, que significa o rei da paz, e que é tanto sacerdote como rei. O argumento do autor de Hebreus é que Abraão pagou dízimos a Melquisedeque, e Melquisedeque abençoou a Abraão. Aí o autor levanta estas perguntas: Uma pessoa paga dízimo a alguém maior ou menor, e quem abençoa a quem numa situação como essa? Na hierarquia judaica, quem dá a bênção é superior ao que recebe a bênção, e o menor paga dízimos ao maior. No encontro entre Abraão e Melquisedeque, Abraão claramente se subordina a esse estranho rei Melquisedeque. Paga o dízimo a Melquisedeque; Melquisedeque abençoa Abraão. Assim, quem quer que seja esse Melquisedeque, ou de onde quer que tenha vindo e o que quer que seja que ele faça, ele é de natureza superior a Abraão. Então, o escritor faz a pergunta, de acordo com o ponto de vista judaico: “Se Abraão é o pai de Isaque e Isaque é o pai de Jacó, e Jacó pai de Levi, quem é o maior: Jacó ou Levi? Jacó. Quem é maior: Jacó ou Isaque? Isaque. Quem é maior: Abraão ou Isaque? Abraão. Bem, se Abraão é maior que Isaque, e Isaque maior que Jacó, e Jacó maior que Levi, quem é maior: Abraão ou Levi? Abraão. E se Abraão é maior que Levi e Melquisedeque maior que Abraão, quem é maior: Melquisedeque ou Levi? Ah! Você sabe a resposta. Melquisedeque é de uma ordem mais alta que Levi. Assim, o sa­ cerdócio de Jesus é superior ao sacerdócio de Aarão. Esse é o ponto. • Deus in s tru iu M oisés e Aarão a falarem à ro cha para p r o ­ d u z ir água. Em vez disso, Moisés b a te u n a rocha. Devido a esse ato Deus p u n iu ta n to M oisés q u a n to Aarão (Nm 20.1-13). Por q u ê ? E p o r q u e ele p u n i u Aarão, q u a n d o M oisés foi q u e m c o m e te u o ato? Fico muito confuso — tanto quanto um bom número de estudiosos bí­ blicos — com esse episódio do Antigo Testamento. A Bíblia não nos dá uma explicação clara sobre porque Deus ficou tão perturbado com esse ato de Moisés ou por que Aarão também foi envolvido no mesmo. Se lermos cuidadosamente, tanto o texto quanto as entrelinhas, parece que Deus havia dado a Moisés algumas instruções, mas Moisés ficou um tanto presunçoso e resolveu, por conta própria, agir inadequadamente. Essa é a única razão em que posso pensar para a reação de Deus. O pecado de Moisés foi o da presunção. Ele não agiu corretamente — no tempo certo e do modo correto — como Deus o instruíra. O fato de Aarão ser incluído na punição indicaria que ele devia estar de algum modo incluído na ação. O fato de a Bíblia silenciar sobre esse envol- vimento não o exime totalmente Aarão. Temos de presumir aqui que o tex­ to não diz tudo o que aconteceu, e sabemos que Deus não pune o inocente. O fato de Deus ter punido Aarão é, para mim, evidência suficiente de que Aarão era culpado de cumplicidade nesse evento e que, presumivelmente, ambos, Aarão e Moisés, agiram de modo arrogante fazendo algo não auto­ rizado. Por esse motivo eles perderam certos benefícios e bênçãos no reino. Decerto não foram excluídos da comunhão com Deus, mas suportaram a censura e a repreensão de Deus. O mesmo tipo de coisa ocorreu com o censo de Davi (lCr 21). Teria Deus ordenado o censo que Davi realizou, ou teria ele sido instigado por Satanás? Numa versão é atribuído a Deus, noutra, a Satanás. Naturalmente, eu não acho que isso seja, em última análise, uma contradição porque Deus é o soberano de Satanás, e Deus permitirá que certas coisas aconteçam ao dar chance a Satanás. Os judeus poderiam dizer que Deus ordenou isso, mas não sancionou. Ele permaneceu como soberano, e talvez isso tenha relação com o texto também. Em última análise, temos de confiar no cará­ ter de Deus, que é justo, mesmo quando não temos o quadro inteiro. • Por q u e Deus exige ta n ta violência e guerra da nação j u ­ daica n o Velho T estam ento? Um dos episódios mais difíceis para lidarmos como pessoas que vivem desse lado do Novo Testamento são os registros do Antigo Testamento do que é chamado herem. Trata-se de quando Deus chama Israel a entrar no que poderíamos chamar de guerra santa contra os cananeus. Ele os manda ir a eles e destruir tudo — homens, mulheres e crianças. Era proibido fazer prisioneiros e eles deviam destruir e banir completamente, ou amaldiçoar essa terra antes de eles mesmos a ocuparem. Quando olhamos para isso, recuamos horrorizados com o grau de vio­ lência que não apenas é tolerado, mas aparentemente ordenado por Deus naquela circunstância. Teólogos críticos do século XX têm indicado esse tipo de relato no Antigo Testamento como exemplo claro de que isso não poderia ter sido a Palavra revelada de Deus. Dizem que esse é o caso em que alguns hebreus sedentos de sangue, antigos e semi-nômades tentaram apelar para sua divindade, a fim de sancionar seus atos violentos e que devemos rejeitar isso como não tendo sido interpretações sobrenaturalmen­ te inspiradas da história. Eu penso diferentemente. Estou satisfeito que o Antigo Testamento seja Palavra inspirada de Deus e que Deus tenha de fato mandado que a nação judaica instituísse a herem contra os cananeus. Deus nos diz no Antigo Testa­ mento por que criou essa política contra o povo cananeu. Não é que Deus tenha mandado que um grupo de saqueadores, sedentos de sangue, invadisse e matasse pessoas inocentes. Mas o pano de fundo era que os cananeus esta­ vam profundamente arraigados a hábitos pagãos abusivos, envolvendo até mesmo coisas como sacrifício de crianças. Era uma época de profunda desu­ manidade dentro dessa nação. Deus disse a Israel: “Estou usando vocês aqui nessa guerra como instrumento de meu julgamento sobre essa nação, e estou trazendo minha violência sobre esse povo inacreditavelmente mau, os cana­ neus.” E disse: “Vou destruí-los” (Dt 13.12-17). Na realidade, ele disse ao povo judeu: “Quero que vocês entendam uma coisa: estou dando aos cana­ neus o que eles merecem, mas não os estou dando a vocês por serem tão melhores do que eles. Eu poderia pôr o mesmo tipo de julgamento sobre a cabeça de vocês por sua pecaminosidade e estar perfeitamente justificado em assim fazer.” Esse é basicamente o sentido do mandado de Deus aos judeus. Ele disse: “Estou chamando a vocês por minha graça para serem uma nação santa. Estou demolindo a fim de construir algo novo, e do que eu cons­ truir novo, uma nação santa, vou abençoar todos os povos do mundo. Portan­ to, quero que sejam separados, e não quero que nenhuma das influências dessa herança pagã se misture em minha nova nação que estou estabelecen­ do.” Essa é a razão que ele dá. As pessoas ainda se confundem com isso, mas se Deus é, com efeito, santo — como acho que é — e nós desobedientes — como sei que somos — penso que devemos ser capazes de lidar com isso. • O S e n h o r disse, n o Antigo T estam ento, q u e a m o u a Jacó p o r é m aborreceu a Esaú, e e m 1 João, João n a realidade diz q u e se d isserm o s q u e a m a m o s a Deus e o d ia m o s n o s ­ sos irm ãos, e sta m o s errados. C om o p o d e m o s reconciliar essas d u a s passagens? Deus, que nos criou, tem o direito de exigir de suas criaturas o que quer que deseje; ele certamente tem o direito de exigir que nos amemos uns aos outros. E como podemos nós, que somos pecadores, odiar outras pessoas que são pecadoras por fazerem as mesmas coisas que estamos fazendo? Amar a Deus, aos outros e a nós mesmos é o grande mandamento, dado primeiro por Deus e depois repetido por Jesus no Novo Testamento. Mas se nos mandam amar a todos, como lidamos com a afirmação de Deus: “Amei a Jacó; porém aborreci a Esaú”? Primeiramente, estamos lidando com a língua hebraica. É a forma hebraica de dizer, que chamamos de paralelismo antitético, pela qual as Escrituras falam fazendo alusão a opostos diretos. Para entender isso, te­ mos de ver que, seja o que for que Deus quis dizer por odiar a Esaú, signifi­ ca exatamente o oposto do que significa amar a Jacó. Nós usamos o termo amar e odiar para expressar emoções humanas, e sentimentos humanos que temos para com as pessoas mas, no contexto em que esse texto em particular ocorre, quando a Bíblia diz que Deus ama a Jacó, significa que ele faz de Jacó o recipiente de sua especial graça e mise­ ricórdia. Ele dá a Jacó um dom que não dá a Esaú. Ele dá misericórdia a Jacó. Ele retém aquela mesma misericórdia de Esaú porque ele não deve a Esaú a misericórdia e reserva o direito, como disse antes e também no Novo Testamento: “Terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia". Ele revela benevolência. Ele dá uma vantagem, ele dá uma bênção a um pecador, que escolhe não dar a outro. O judeu descreve essa diferença usando termos opostos. Um recebe amor; outro recebe ódio. Agora, de novo temos de lem­ brar que a Bíblia está sendo escrita com termos humanos, os únicos termos que temos, e não podemos atribuir ao texto a idéia de sentimentos de hosti­ lidade ou de maldade para com um ser humano. Não é isso que a Bíblia quer dizer quando usa esse tipo de linguagem para Deus. • Q u a n d o Israel lu to u c o m o anjo a n o ite toda, isso deve ser t o m a d o lite ra lm e n te , o u é u m m o d o sim b ó lic o de dizer q u e Israel lu to u co m u m p roblem a? São tantas as vezes que somos confrontados com a questão de interpretar uma narrativa como essa literal ou simbolicamente que temos de ser muito cuidadosos sobre o que influencia a nossa resposta. Freqüentemente, o lado em que ficamos numa questão como esta está condicionado ou influenciado por nossa opinião prévia quanto ao sobrenatural. Há pessoas que abordam um texto como esse com o prejulgamento de que não existe a esfera sobrenatural e que qualquer relato das escrituras do miraculoso ou sobrenatural deve ser reformulado dentro da ótica naturalista e interpretado segundo circunstâncias psicológicas. Isso em certo sentido compromete o texto. Tenho de dizer que, quando permitimos que essa abordagem prejulgada da Escritura afete nossa interpretação da mesma, nós violamos o texto e violamos princípios objetivos de interpretação literária. Eu tenho muito mais respeito pelo teólogo que diz que o texto claramente sugere que houve uma luta real entre Jacó e esse anjo do que por alguém que tente espiritualizar e relativizar o episódio, chamando-o de símbolo. Agora, há vezes em que a Bíblia está, sem dúvida alguma, usando lingua­ gem imaginativa, símbolos que não devem ser interpretados em termos histó­ ricos concretos. O princípio básico que se aplicaria à interpretação de um texto como esse (ou qualquer outro onde haja a questão se ele deve ser inter­ pretado literal ou figuradamente) é que o cerne da questão deve ser decidido por uma análise cuidadosa do gênero literário em que o texto aparece. Pessoas me perguntam se eu interpreto a Bíblia literalmente, e geral­ mente respondo que certamente sim. Que outra maneira existe para inter­ pretar? Interpretar a Bíblia literalmente não significa impor um literalismo rígido, sólido à Escritura. Interpretar literalmente significa interpretar um livro tal como foi escrito. Essa é uma abordagem científica, isto é, você interpreta poesia conforme as regras da poesia, cartas conforme as regras das cartas, narrativas históricas conforme o gênero das narrativas históri­ cas, e assim por diante. Doutro modo, você estaria mudando o significado intencionalmente dado pelo autor, o que é simplesmente anti-ético. Minha orientação ao considerar esse texto seria: Qual o estilo literário em que ele aparece? Se é narrativa histórica, então penso que deva ser interpretado como narrativa histórica. Aliás, no caso dessa história, estou persuadido de que o texto tem todos os elementos de narrativa histórica, e penso que o autor quis transmitir que houve uma real visitação de um anjo e que houve uma luta real. • No livro de Juizes parece q u e u m sacrifício h u m a n o foi feito e aceito. Por favor, explique. Não apenas temos essa difícil questão tal como aparece no livro de Juizes, presumivelmente com o voto de Jefté de sacrificar sua filha (Jz 11.29-35), mas também mesmo antes, no livro de Gênesis, capítulo 22, quando Deus diz a Abraão para oferecer seu filho Isaque no altar do Monte Moriá. Kierkegaard escreveu um livro que enfrentou essa questão, e ele a descreveu como a suspensão temporária da ética. Eu não acho que Deus suspenda a ética, nem mesmo para Abraão. A questão que você está enfrentando é como Deus aceita ou ordena uma prática que ele revela noutra parte ser totalmente repugnante para ele? Abraão não teve o benefício dos primeiros cinco livros do Antigo Testamento, em que todas as leis, legislações e códigos de santidade de Israel foram estabeleci- dos. Mas, presumivelmente, ele teve pelo menos o benefício do que podemos cha­ mar uma lei natural. Essa foi a lei que Deus deu ao homem, a partir de Adão, cujo princípio principal é a santidade da vida e a proibição do assassinato. Abraão tinha de estar confuso com a ordem de Deus para oferecer seu filho sobre o altar. Ele teria de saber que aquilo era totalmente inconsistente com a lei natural. Mas, ao mesmo tempo, é como um homem que chega ao sinal vermelho num cruzamento e um policial de luvas brancas lhe dá sinal para passar. A luz diz “pare”, mas o policial diz “siga”. O policial sempre é mais que o código de trânsito. Você obedece o policial e não o sinal luminoso. Assim, talvez Abraão pensasse que embora soubesse o que a lei dizia, se o autor daquela lei lhe dizia para quebrá-la, era melhor quebrá-la. Você pergunta especificamente sobre o problema no livro de Juizes. No códi­ go de santidade, na legislação do Pentateuco, o sacrifício infantil, praticado por outras religiões antigas, era visto não apenas como algo a respeito do qual Deus olhasse com desaprovação, mas como um pecado capital em Israel — uma total abominação a Deus. A Escritura fala, na linguagem mais forte possível, proibindo o sacrifício de seres humanos como atividade religiosa. Nada é mais aviltante na religião do que quando se procura apaziguar uma divindade por meio do sacrifício humano — com a óbvia exceção do sacrifício perfeito que foi oferecido de uma vez por todas, quando Deus sacrificou seu próprio Filho por nossos pecados. Meu entendimento do livro de Juizes é esse: Assim como o resto da Bíblia, e particularmente o Antigo Testamento, Juizes registra para nós, não só as virtudes do povo, mas também os seus vícios. O voto de Jefté foi pecaminoso. Ele nunca deveria ter feito aquele voto, em primeiro lugar. Deus não o mandara fazê-lo; ele fez tal voto e então, com um conceito enganoso de cumprimento de voto, pensou a ser sua obri­ gação moral cumpri-lo ao descobrir que houvera prometido matar sua própria filha. Na realidade, chamaríamos aquilo de voto ilegal. Quando uma pessoa faz um voto de pecar, ela não será cobrada no cumprimento daquele voto, se este a obriga a pecar. Penso que essa passagem não é tão difícil do ponto de vista teológico, mas simplesmente um registro do pecado de Jefté. • Em Provérbios 21.14 se diz: “O presente que se dá em segredo abate a ira, e a dádiva em sigilo, uma forte indignação." Por q u e isso está n a Bíblia? Essa é complicada. Creio que se trata aqui de duas coisas. Primeiro, temos de entender a natureza de um provérbio. Um provérbio não é uma lei moral absoluta. Um provérbio é uma expressão de sabedoria prática que é tirada das experiências diárias da vida. Não são absolutos. Por exemplo, temos os ditados: “Quem não arrisca, não petisca”, e “Arriscar não é cora­ gem”. Se você tornar ambos absolutos, eles se cancelam mutuamente. O mesmo aconteceria se tomássemos absolutos todos os provérbios da Bíblia. O que toma isso tão difícil é que o provérbio aqui tira sabedoria prática da pecaminosidade humana e nos diz que a propina “lubrifica as engrenagens” e afas­ ta a ira das pessoas. O autor de Provérbios, no que tange à sabedoria prática, está muito preocupado com as relações humanas e em como se dar bem. Um dos temas recorrentes do livro é a relação entre as pessoas iradas: “A resposta branda desvia o furor.” Isso faz sentido. Não é só uma questão de virtude, mas de praticidade. Lembro-me de uma vez em que estava saindo de Pitsburgh pela Ponte da Liber­ dade para os túneis e vi que o sinal ia passar para o vermelho. Eu teria de esperar ali um longo tempo. Um policial estava sinalizando para eu passar para outra faixa e eu dei a volta, entrando na faixa que eu queria. Assim que eu ia passar por ele o farol ficou vermelho e eu tive de parar. O guarda correu até o meu carro e começou a bater no teto. Eu sabia que estava numa grande encrenca. Apenas voltei-me para ele e disse: “Sinto muito, sr. guarda”. Isso o desarmou e ele me disse para passar e sair dali. Aquilo me fez pensar que uma resposta branda realmente desvia o furor. Funciona. Esse versículo usa um artifício literário chamado paralelismo — dizen­ do a mesma coisa de duas maneiras diferentes. Ele diz: “O presente que se dá em segredo abate a ira”. Não há nada de errado em dar-se um presente secreto a alguém. Aí vemos a afirmação paralela: “e a dádiva em sigilo, uma forte indignação”. O que está sendo descrito aqui é um presente de surpresa. Uma propina também desviará a ira de alguém. Eu diria que o autor de Provérbios está fazendo aproximadamente o mesmo que Jesus fez quando disse que não somos tão sábios na comunidade cristã como os ladrões lá fora. Ele fala do mordomo infiel e diz que podemos aprender ma­ neiras práticas sobre como nos sair bem com as pessoas observando como os ladrões agem; eles sabem como parar a ira e a raiva como uma questão de sabe­ doria prática. Penso que é isso que o autor tinha em mente. • "Não havendo profecia, o povo se corrompe" (Pv 2 9.18). O q u e significa isso? Tenho certeza de que vocês já ouviram esse versículo citado muitas ve­ zes na igreja — sempre que há um plano de construção ou um novo progra­ ma educacional, por exemplo. As pessoas ouvem que precisam captar a visão. Estabelecemos o alvo diante de nós e, sem visão, o povo perece. A tradução significa, em situações contemporâneas, que sem um alvo, um projeto ou um objetivo, o povo será destruído. Isso pode ser uma aplicação secundária do texto original, mas isso não é o que o texto significava ao ser escrito na antigüidade. O sentido original do texto: “Não havendo profecia, o povo se cor­ rompe” tinha a ver com uma visão profética. No Antigo Testamento, Deus se revelava através das proclamações de seus profetas. Algumas vezes eles recebiam uma palavra de Deus. Esses profetas funcionavam como agentes de revelação, como Jeremias e Isaías. Eram veículos humanos através dos quais Deus proclamava sua palavra ao povo. O que os Pro­ vérbios estão dizendo é que sem a revelação sobrenatural da palavra de Deus, o mundo pereceria. Quando Jesus aparece no Novo Testamento, a profecia do Antigo Testa­ mento: “O povo que andava em trevas viu grande luz” (Is 9.2) foi cumpri­ da. Muito freqüentemente, na Bíblia, o conceito de revelação divina é ex­ presso através daquela metáfora de luz nas trevas. O que ouço esse texto dizer é que sem a luz da revelação, a humanidade seria deixada na total escuridão, e nós, de fato, pereceríamos. Conhecemos pessoas que não estão de modo nenhum envolvidas com a fé judaico-cristã. Elas não têm compromisso algum com ela, seja qual for. Ainda estão vivas, não pereceram, estão passando bem. Podem não estar perecendo agora, mas vão perecer finalmente. A parte dessa consideração, não há nenhuma cultura significativa que conheçamos nesse mundo que não tenha recebido alguma migalha dos be­ nefícios da revelação divina. Não há lugar no ponto mais obscuro desse mundo e na hora mais escura da idade das trevas, onde a luz da revelação de Deus tenha sido completamente apagada, obscurecida ou eclipsada. De fato, não poderíamos viver como seres humanos nesse planeta por cinco minu­ tos, a não ser pela Palavra da Deus. Não admira que Jesus tenha dito que é pela Palavra de Deus que vivemos. • Por favor, discorra sobre Eclesiastes 9.10, que diz: “Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças,..." - Antes de responder a essa questão especificamente, creio ser importan­ te tecer alguns comentários básicos sobre o tipo de literatura que encontra- mos no livro de Eclesiastes. Ele é muito semelhante ao livro de Provérbios e está na categoria da Literatura Hebraica de Sabedoria, em que jóias de sabedoria e aplicações práticas de piedade são estabelecidas em afirmações muito sucintas. Podemos facilmente confundir-nos se tentarmos tratar es­ sas afirmações como se fossem princípios morais absolutos. Estou conven­ cido de que a Bíblia apresenta muitos princípios morais absolutos na lei de Deus que está ali expressada. Mas o que você encontra nas máximas da Literatura de Sabedoria são balizas práticas para o comportamento. Essa passagem de Eclesiastes, em particular, não é um absoluto uni­ versal que diga: “Qualquer coisa que você fizer, faça-o com toda a sua força”. Há muitas coisas que fazemos com nossas mãos e que são ímpias, e não devemos fazê-las com dedicação nenhuma. O que o livro está di­ zendo é que, no trabalho a que fomos chamados, na devoção que damos a Deus, nas coisas que são justas, próprias e boas às quais nos aplicar­ mos, devemos realizá-las com determinação e não de um modo distraído. E algo semelhante a Jesus dizendo que preferia que as pessoas fossem frias ou quentes, do que mornas. Ele disse que cuspiria os momos de sua boca. Ele parece ter mais respeito por uma hostilidade zelosa do que pela indiferença, por exemplo. O espírito de preguiça cai na repreensão da Literatura de Sabedoria re­ petidamente. Deus nos chama para uma atitude, para um estilo de vida, de propósito e diligência. Isso significa que devemos realizar as tarefas colo­ cadas diante de nós não apenas com diligência, mas com um certo tipo de zelo pelas mesmas. Exatamente essa idéia e sentimento são repetidos no Novo Testamento, especialmente com respeito a buscar o reino de Deus. Jesus nos diz que devemos nos encher de um espírito decisivo de persistên­ cia ao buscar o reino de Deus. • O q u e q u e r dizer o Credo dos Apóstolos q u a n d o diz q ue Jesus desceu ao inferno? O Credo dos Apóstolos é usado como uma forma integral de culto em muitos grupos cristãos. Uma das afirmações mais enigmáticas nesse credo é: [Jesus] desceu ao inferno”. Primeiramente, temos de olhar o credo de uma perspectiva histórica. Sabemos que o Credo dos Apóstolos não foi escrito pelos apóstolos, mas que é chamado Credo dos Apóstolos porque era uma primeira tentativa da comunidade cristã de dar um resumo do ensino apostólico. Este, como outros credos na história da igreja cristã, era, em parte, uma resposta aos ensinos distorcidos que eram apresentados em algumas comunidades; era uma afirmação ortodoxa de fé. A referência mais antiga que podemos encontrar a esse elemento “desceu ao inferno” do Credo é pelos meados do século III. Isso não significa que não estava no original — não sabe­ mos quando o original foi escrito — mas parece ser uma adição posterior e que causou bastante controvérsia desde então. A razão é tanto teológica quanto bíblica. Vemos o seguinte problema; Jesus, quando está na cruz em sua agonia mortal, fala ao ladrão a seu lado e o assegura de que “hoje estarás comigo no paraíso”. Ora, essa afirmação de Jesus na cruz pareceria indicar que Jesus planejava ir para o paraíso, o que não deve ser confundido com o inferno. Assim, em algum sentido Jesus vai para o paraíso. Sabemos que seu corpo vai para o túmulo. Sua alma, aparentemente, está no paraíso. Quando é que ele vai para o inferno? Ou, ele foi para o inferno? Em 1 Pedro 3.18,19, Pedro fala que “Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito, no qual também fo i e pregou aos espíritos em prisão,”. Esse texto tem sido usado como principal texto de prova para dizer que Jesus, em algum ponto após sua morte, geralmente tido como ocorrido entre sua morte e ressurreição, foi ao inferno. Algumas pessoas dizem que ele foi para o inferno para experimentar a plenitude da dimensão do sofrimento — o pleno castigo pelo pecado humano — a fim de dar completa expiação pelo pecado. Isso é visto por alguns como um elemento necessário da paixão de Cristo. Mas a maioria das igrejas que crêem numa real descida de Jesus ao inferno não o vêem indo para o inferno para sofrimento adicional porque Jesus declara na cruz: “Está consumado/” (Jo 19.30). Ao contrário, ele vai para o inferno para libertar aqueles espíritos que, desde a antigüidade, eram mantidos em prisão. Sua tarefa no inferno, então, era uma tarefa triunfal, libertando os santos do Antigo Testamento. Pessoalmente, penso que a Bíblia não deixa claro esse ponto, pois os espíritos perdidos em prisão poderiam muito bem referir-se a pessoas perdidas nesse mundo. Pedro não nos diz quem são os espíritos em prisão, ou onde fica a prisão. As pessoas tiram muitas conclusões antes da hora ao considerar que essa é uma referência ao inferno e que Jesus esteve lá entre sua morte e sua ressurreição. • No S erm ão do M o n te Jesus diz: "...ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita;” (Mt 6.3) e e m o u tr a p a ssa g em diz: "Assim brilhe tam bém a vossa luz diante dos hom ens." Isso parece u m a co n trad ição . Quando Jesus ensinou, ele usou diversos estilos diferentes de comuni­ cação, o mais famoso deles é a parábola. Outro estilo de ensino que era comum entre os rabinos era dar uma forma compacta de verdade que era chamada de aforismo. Um aforismo é simplesmente uma afirmação peque­ na, sucinta e vigorosa que encapsula ou cristaliza uma verdade espiritual. Às vezes, quando se leva isso muito longe vê-se que alguns atritam entre si e, aparentemente, estão em conflito uns contra outros. Quando Jesus diz: “...ignore a tua mão direita o que faz a tua mão es­ querda”, ele estava acabando de dar uma longa censura à exibicionista ma­ nifestação pública de piedade que era a preocupação favorita dos fariseus. Eles oravam e se vestiam de saco para que todos soubessem quão espiritu­ ais eles eram. Desfilavam sua disciplina espiritual diante do mundo que os observava como uma questão de orgulho em vez de espiritualidade. Briga­ vam entre si pela conquista de lugares de honra nas festas e para saber quem era mais religioso. Jesus os censurou severamente, pois não estavam orando a Deus, mas oravam para serem vistos pelas pessoas. Ele os censu­ rou pela hipocrisia óbvia disso. Disse-lhes que entrassem em seus quartos e orassem em secreto, pois Deus os ouviria em segredo. É nesse contexto que Jesus diz: “...ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita.” Em outras palavras: se você vai fazer essas coisas honradas, que são, em última análise, uma oferta a Deus, elas não devem ser do conhe­ cimento das pessoas. Isso é algo que fazemos de modo privado, anonima­ mente. Não exibimos nossas ofertas e nosso culto a Deus para sermos vistos. Do mesmo modo, somos chamados a tomar visível o reino de Deus ao levarmos vidas de integridade. Nossa integridade exterior deve estar tão visível que venha a ser um farol para os que a observam. • Em M a te u s 24, Cristo c o n ta a p aráb ola d a figueira. Em sua o p in iã o o que, afinal, a figueira represen ta? Ao ensinar por parábolas, Jesus tirou exemplos das atividades normais da vida cotidiana — da alvenaria, agricultura, etc. Ele usou a figueira em mais de uma ocasião para ensinar uma lição. Lembremos quando ele amal­ diçoou a figueira por ter flores sem produzir fruto algum. O indicador indis­ pensável para a presença de fruto na figueira não era a estação do momento, mas se a figueira tinha flores ou não. Se tinha flores, devia ter figos. Jesus viu a figueira florida fora da estação normal, o que a tornava uma variedade especial de figueira. Ele se aproximou para pegar algo para comer e não havia figos; assim, ele amaldiçoou a figueira como uma lição objetiva so­ bre a hipocrisia. Revertendo tudo isso, quando ele usa a parábola da figueira aqui, ele usa a propensão da figueira para florir e dar frutos como uma indi­ cação positiva para se olhar para o futuro. Jesus tinha feito o discurso no Monte das Oliveiras, quando disse aos discípulos para estarem aler­ tas para os sinais dos tempos, para que, quando ele retornasse no fim dos tempos, sua vinda não fosse uma surpresa total para os que deviam estar esperando por ele. O que, especificamente, representa a figueira? E muito perigoso inter­ pretar parábolas em um sentido alegórico. Em uma alegoria cada elemento da história tem uma correlação do tipo item-por-item com alguma repre­ sentação figurativa ou simbólica. Há vezes em que Jesus usou alegoria, como na parábola do semeador. Mas nesse caso, Jesus deu a interpretação alegórica da parábola. Fora disso, o uso normal de parábolas deve comuni­ car, através da historinha, uma lição única e simples. Metemo-nos em gran­ de encrenca se olharmos para todos os elementos da história, querendo fa­ zer que cada elemento concreto seja um símbolo de algo em particular. Acho que você não pode fazer isso com a parábola da figueira. Acho que ela é como a maioria das outras parábolas; há uma lição básica que Jesus está querendo comunicar aos discípulos, que é vigiar e estar pronto. Quan­ do você vir os sinais dos tempos, preste atenção, sabendo que sua redenção está próxima. Quando vemos as coisas que ele descreve no discurso do Monte das Oliveiras acontecendo, devemos estar alerta para o fato de que nossa redenção está perto e que pode ser que essas coisas sejam anunciadoras da própria volta de Cristo. Alguns gostariam de olhar para esses elementos particulares como a figueira e dizer que ela é a restauração de Israel em sua terra natal, ou da retomada da cidade de Jerusalém, mas tais interpretações são especulati­ vas. Eu seria mais cauteloso dizendo apenas que o sentido geral do texto é para sermos cuidadosos, vigilantes, observando os sinais dos tempos. • No livro de João h á a afirm ação "conhecereis a verdade e a verda­ de vos libertará." Qo 8.32). Poderia explicar o q u e Jesus quis dizer c o m “vos libertará"? Pelo menos uma pista para o significado pode ser encontrada dando-se uma boa olhada no contexto. Quando Jesus fez essa afirmação ele estava falando sobre discipulado e disse: “se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeira­ mente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.'" Quando disse isso, ele agitou alguns religiosos que estavam por perto, os fariseus, mais especificamente. Eles ficaram muito perturbados com Je­ sus por dizer aquilo, e protestaram dizendo: ujamais fomos escravos de al­ guém." E disseram: “Somos descendentes de Abraão." Jesus os censurou severamente dizendo: “todo aquele que comete pecado é escravo do peca­ do" E então disse que eram filhos de Satanás por estarem fazendo a vontade de seu pai, o diabo. De um lado, Jesus identifica filiação em termos de obediência: “Vós fazeis as obras de vosso pai." Uma vez que o caminho que Jesus toma é o que enfatiza a obediência, acho que essa é a solução. Quando ele fala da liberdade, não está falando de liberdade política ou de liberdade financeira. Ele está falando de liberdade espiritual — liberdade do jugo ou escravi­ dão da maldade. Jesus escolhe mais de uma vez esse tema, tal como outros pregadores e escritores do Novo Testamento. Quando Paulo, por exemplo, descreve a condição do homem caído, ele fala do homem caído como escra­ vizado às suas próprias más inclinações. E, por oposição, o Espírito Santo é descrito como o autor da liberdade: “Onde está o Espírito do Senhor, a í há liberdade." (2Co 3.17). Isso toca numa das grandes questões em teologia que tem a ver com o homem natural; ou seja, o poder moral, ou a capacidade moral do homem caído. Toda igreja que conheço no Concílio Mundial de Igrejas tem alguma doutrina do pecado original. Elas não concordam todas quanto ao grau em que a raça humana caiu, e há detalhes de debate que giram em tomo do pecado original. Mas o pecado original não é o primeiro pecado, o pecado que Adão e Eva cometeram. Pecado original refere-se ao resultado da trans­ gressão inicial da lei de Deus. Não só acarretou culpa, ficando o homem exposto à punição, mas algo aconteceu à nossa constituição moral. Existe uma mancha em nossa própria estrutura e constituição de sorte que, agora, como seres humanos, todos temos uma tendência e uma inclinação para o mal que não fora posta ali por Deus no começo. Na medida em que su- cumbimos aos impulsos malignos que, de algum modo, podem guiar nossas vidas ficamos em servidão moral e necessitados de libertação. Essa é uma das grandes mensagens do evangelho do Novo Testamento: Cristo nos li­ berta do poder do mal. • Você p od eria c o m e n ta r a afirm ação de Jesus de q u e n ã o d e v em o s jogar pérolas aos porcos? Essa afirmação é o que chamamos de “palavras duras” de Jesus. É tão fora do comum para Jesus falar desse modo sobre as pessoas — chamar as pessoas de porcos, particularmente para um judeu chamar alguém de por­ co. Essa afirmação de “bate-pronto” de Jesus nos espanta. Quando Jesus enviou os setenta discípulos para proclamar o evangelho, disse-lhes que viajassem com bagagem mínima. Disse-lhes que, ao chegar a uma vila, se as pessoas se recusassem a ouvi-los, eles deveriam bater a poeira de seus pés e ir para outro lugar. E nesse tipo de contexto que Jesus falou sobre dar pérolas aos porcos. Ao alcançar os outros com o evangelho, não devemos desistir facilmente (essa atitude aparece ao longo de várias parábolas e na Escritura em geral). Mas do ponto de vista de estratégia, é ineficaz ficar constantemente abordando pessoas que estão de modo contu­ maz, ostensivamente avessas à fé cristã. Vemos muitos, muitos casos em que essas pessoas se comovem e, de fato, vêm a Cristo. Mas gastar toda a sua atenção com tais pessoas não é o melhor uso de tempo e energia. Se as pessoas desprezam as coisas de Deus, certamente não devemos riscá-las da lista, ou deixar de nos preocuparmos com elas; mas, ao mesmo tempo, não devemos investir o melhor de nós nessas pessoas repetidamente. • No relato sobre a m u lh e r adúltera, o q u e foi q u e Jesus escreveu n a areia? Não fazemos idéia do que Jesus escreveu na areia. Na realidade, essa é a única referência que temos de que Jesus alguma vez escreveu qualquer coisa. Suspeito que ele fosse capaz de ler e escrever, mas ele não deixou qualquer documento para lermos até hoje — assim, podemos apenas conjecturar o que ele escreveu na areia. Meu palpite é que ele estava sendo muito específico. O texto registra que aquelas pessoas estavam frenéticas; apanharam pedras e iriam matar esta mulher que fora apanhada em adultério. Elas tentaram apanhar Jesus numa cilada com a questão teológica referente à lei de Moisés e a lei de César. Nessa ocasião Jesus fez o comentário: “Quem estiver sem pecado atire a primeira pe­ dra.” Esperou, então, que os executores se apresentassem, abaixou-se e escreveu na areia. Somos informados de que, ao escrever na areia, as pessoas, começando pelos mais idosos, começaram a sair— largaram as pedras e se foram. Só podemos especular, de certo. Mas eu imagino que Jesus olhou um homem bem nos olhos e escreveu o nome da amante dele; de outro homem, ele escreveu “extorsão”, e de outro, “desfalque.” Penso que ele podia ver os pecados dessas pessoas. Começou a escrevê-los e ninguém quis mais olhar, assim largaram as pedras e saíram apressadamente de lá. E apenas palpite, mas isso, para mim, é o tipo de coisa que Jesus faria para dissuadir um bando de gente pronto a condenar alguém. O que deveríamos fazer aos nossos irmãos e irmãs ao sabermos que estão envolvidos nesse pecado? Temos alguma instrução no Novo Testamento so­ bre essas coisas. Somos orientados a, se virmos um irmão ou irmã envolvido em alguma questão séria de pecado, ir até ele em particular e discutir isso com ele. Se não houver arrependimento, então devemos levar dois presbíteros, e assim por diante. Existe um procedimento a ser seguido (Mt 18.15-17). Notemos que, no espírito de Jesus, o procedimento é recuado, para proteger a dignidade da pessoa culpada. E todo o propósito não é acusar ou punir, mas redimir. Não é um exercício de espírito julgador. O Novo Testamento diz haver um amor que cobre uma multidão de pecados. Não devemos ficar confrontando-nos mutuamente com pecadilhos; não devemos ficar procuran­ do pêlo em ovos. Uma das grandes fraquezas da comunidade cristã hoje é seu gosto por coisas insignificantes. Essa mesquinhez pode ser muito destrutiva para a comunidade cristã, e tendemos a oscilar entre dois extremos — sermos demasiadamente severos e julgadores ou deixarmos passar qualquer coisa sem ousarmos criticar. Somos chamados a manter-nos mutuamente preocu­ pados com a retidão, porém, num espírito de mansidão. • Em Atos ló, Paulo encoraja a T im óteo a circuncidar-se, e depo is c o n d e n a isto. Ele estava se n d o h ip ócrita? Não penso que o apóstolo estivesse sendo hipócrita, de modo algum. Essa é uma situação histórica muito interessante que o Novo Testamento registra para nós. Ele afirma que Paulo circuncidou Timóteo e depois se recusou a circuncidar Tito, isso se tomou uma grande controvérsia na igreja primitiva. A razão de Paulo por trás disso, eu acho, pode ser esclarecido por um estudo de Gálatas, Coríntios e Romanos. Ele fala de sua preocupação pela ética e diz que há certas coisas que Deus proíbe e certas coisas que ele ordena. Então há aquelas coisas que são basicamente neutras no sentido ético — aquelas coisas que de si mesmas e em si mesmas não têm importância moral ou significação ética. Ele é con­ sistente em sua abordagem dessas coisas como lemos na correspondência aos Romanos e aos Coríntios; essas são áreas em que os cristãos podem exercer sua liberdade. Mas surgiu o partido judaizante e ameaçou destruir a nascente igreja cristã procurando impor a lei absoluta da circuncisão a todo convertido ao cristianismo. O conselho de Jerusalém em Atos 15 foi um daqueles exem­ plos da igreja tendo de responder a isso. A conclusão do conselho foi que agradava ao Espírito Santo não acrescentar sobre os convertidos gentios todos aqueles fardos que Deus requeria da nação judaica no Velho Testa­ mento. Em termos atuais, o que aconteceu foi o seguinte: aqueles que qui­ seram prender-se a algumas das agora antiquadas práticas foram considera­ dos por Paulo como irmãos mais fracos e Paulo disse para não fazermos nada que lhes causasse tropeço. Queremos ser sensíveis ao irmão mais fraco. Mas, subitamente, os irmãos mais fracos se tomaram tão fortes que quise­ ram tiranizar a igreja e fazer das suas preferências lei absoluta de Deus. Sem­ pre que pessoas fazem isso, é uma representação de legalismo que destrói a essência do evangelho. Paulo, no tempo em que escreveu aos Gálatas, viu a expansão desse grupo de judaizantes como sendo uma ameaça à verdade do evangelho cristão, a ponto de firmemente recusar-se a praticar a circuncisão como ato religioso e usou a linguagem mais forte para condenar aqueles que estavam tentando fazer de uma preferência pessoal lei absoluta de Deus. Lembremos o debate anterior que Jesus teve com os fariseus. Jesus foi muito duro com eles ao dizer que eles tomaram as tradições humanas e as passaram adiante como sendo leis de Deus, algo que não nos é permitido fazer. Jesus inquiriu dos fariseus por que faziam aquilo, e Paulo fez a mes­ ma coisa; isto é, na situação anterior em que a circuncisão não tinha tanto peso legal, ele seguiu a tendência. Ele disse: “Se você quer ser circuncida­ do, tudo bem; se você não quer, você não tem de fazê-lo.” Assim, para aqueles que queriam a circuncisão ele o fez. Mas quando eles tentaram tomar lei que ele circuncidasse outras pessoas, ele firmemente se recusou a fazê-lo para manter intacta a integridade do evangelho. • 1 C oríntios I 5.29 diz: "Doutra maneira, que farão os que se batizam por causa dos mortos? Se, absolutamente, os mortos não ressuscitam, por que se batizam por causa deles?” Sei q u e é u m a d o u t r in a m ó r m o n a crença n o b a tis m o s u b s titu tiv o dos m o rto s. Q u a l é a posição cristã sobre isso? Não existe um único versículo em toda a Bíblia que dê mandado explíc' o para que a igreja pn Ique o l ' m o s l tit Ivo, ou ( 1 ismo p 1 s mortos e, no entanto, aqui está uma prática que se desenvolveu em urra grupo religioso. O texto citado como prova é 1 Coríntios 15.29. N < que Paulo não diz a seus leitores: “Vocês devem batizar os morto s / j faz a pergunta: “Doutra maneira, que farão os que se batizam pat.cfiusa dos mortos? Se, absolutamente, os mortos não ressusçim h^ppr que se batizam por causa deles?” O fato de que Paulo fez a^pergvmta^sobre isso indica que havia pessoas que o praticavam. Q M n 4 |^ ^ ^ 4 p e r g u n ta , njte há nem uma refutação explícita, nem imptícjíkHkVàtickrÀ ;uns têm en­ carado isso e dito que o apóstolo Paulo im ^ p q u e esse tipo de prática estava acontecendo na comunida^ie-cxjmífo t qiíe ele não a denunciou, ha­ vendo, assim, uma aprovação apostó ica tãeita, e talvez estejamos falhando em alguma coisa que deveríamos esferíazendo. Mas não temos mandaiítórttó) para isso, e penso que há muito na Escritu­ ra para indicar quéCe/..a '.rálica é totalmente repulsiva a Deus devido às suas implii _ ;s/tetxl<. \ fes. Nós te m o ^ e ■. iKQpí iender porque Paulo diz o que diz em 1 Coríntios 15. Todo <^sse c. fetülo é a magnífica defesa que Paulo faz da ressurreição de Ci?i^feNE|èfestá respondendo como teólogo a um espírito de ceticismo giu na igreja de Corinto. Havia chegado ao seu conhecimento que as pessoas negavam a ressurreição. Assim Paulo explorou as impli5es disso. Se não existe tal coisa como a ressurreição (que é o que os 'saduceus criam) e se não há vida após a morte, quais são as conseqüências? Primeiro de tudo, se não há ressurreição, então Cristo não ressuscitou. En­ tão, se não há nada de ressurreição, isso elimina a ressurreição de Cristo. Se não existe a ressurreição de Cristo, quais são as implicações disso? Isso significa que você ainda está nos seus pecados. Não houve marca nenhuma de aprovação divina para o perfeito sacrifício de Cristo para a sua justifica­ ção. Significa que você é uma falsa testemunha de Deus porque você tem andado por aí dizendo a todo mundo que de fato Jesus foi ressuscitado e que foi Deus quem o ressuscitou. Paulo prossegue dizendo que se Cristo não está ressuscitado, então aque­ les que morreram pereceram. Os mortos estão mortos. Não os veremos mais, tudo se acabou. Ele prossegue para lhes dar todas essas opções. Nesse processo, ele usa a forma clássica de argumentar, o argumento “ad hominem”, em que você questiona dentro do campo da outra pessoa, e mostra a inconsistência de sua posição. Paulo, na essência, está dizendo: “Eu sei que al­ guns de vocês estão praticando o batismo pelos mortos e, ao mesmo tempo, dizendo não haver ressurreição. Para que é que vocês estão fazendo isso, afi­ nal?” Em outras palavras, ele está mostrando a tolice de negar a ressurreição e praticar algo que dependeria da própria ressurreição para ter algum sentido. Mas Paulo não está, de modo nenhum, endossando a prática do batismo substitutivo. • O q u e o escritor de Hebreus 6 quis dizer ao escrever: "E impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados... e se tornaram participantes do Espírito Santo,... e caíram... outra vez renoválos para arrependimento"? No debate atual entre cristãos quanto à possibilidade de se perder a sal­ vação, esse texto é, certamente, o mais freqüentemente discutido e debati­ do. Os que crêem que você pode cair da graça ao ponto de perder sua salva­ ção vêem Hebreus 6 como a grande base de prova. Existe essa advertência solene àqueles que foram iluminados, que provaram o dom celestial, de que se caírem fora, é impossível restaurá-los novamente ao arrependimento. É difícil saber exatamente o que o autor de Hebreus quer dizer com esse texto, por diversas razões. Primeiramente, não sabemos quem escreveu o livro, e segundo, não sabemos para quem ele foi escrito. Mais importante, não estamos seguros quanto à questão imediata que provocou o escrito. Alguns o vêem como uma crise de pessoas oprimidas pela perseguição ro­ mana e havia gente negando a Cristo publicamente. Talvez fosse essa a tentação. Uma opinião mais freqüente é que tratava-se de uma tentação de cair no pecado da heresia judaizante de retomar a uma estrutura legalista da religião do Antigo Testamento. Minha posição sobre a passagem é a seguinte: há uma forte advertência aqui dizendo que é impossível restaurar ao arrependimento aqueles que fo­ ram iluminados, que provaram o dom celestial e participaram do Espírito Santo. Eu questiono se o autor está descrevendo um cristão em primeiro lugar. Superficialmente pode parecer que sim porque termos descritivos como “iluminados” e “provaram os dons celestiais” certamente seriam ver­ dadeiros de um cristão. Entretanto, no contexto mais amplo de Hebreus ele fala sobre os que são membros da igreja, até mesmo membros do corpo de Israel no Antigo Testamento, que tiveram todos os benefícios da igreja e da presença de Cristo em seu meio e que nunca foram realmente redimidos. Há muitos comentadores que crêem que o autor de Hebreus está falando sobre pessoas de dentro da comunidade e tiveram os benefícios de ouvir a Palavra de Deus. Eles são iluminados, tomaram os sacramentos e todas essas coisas, mas não são genuinamente convertidos. Estou persuadido, entretanto, de que é isso que o texto significa, porque ele usa a frase como você a citou: “serem restaurados de novo ao arrependi­ mento.” Arrependimento no livro de Hebreus e por todo o Novo Testamen­ to é um fruto da regeneração. Arrependimento verdadeiro é algo que só um cristão pode realizar, já que houve previamente um arrependimento autênti­ co, se é que ele está falando sobre restaurá-los novamente ao arrependimento. Assumo a posição de que o que temos aqui é um argumento “ad hominem" em toda a linha, em que o autor está questionando uma razão por meio da posição do outro homem. Ele está dizendo: “Tudo bem, vamos ver a sua posição. Suponhamos que seja a heresia judaizante. Se você rejeita Cristo e volta ao velho sistema, e se você deixa de lado a cruz, que possibilidade terá você de ser salvo sob aquele sistema? Você acaba de rejeitar a única salvação que existe.” Ele não está dizendo que ela é o pecado imperdoável, mas você não pode ser restaurado enquanto fique nessa posição. Note que ele não diz que qualquer um faz isso. Na realidade, no fim desse texto ele diz: “Mas eu estou persuadido de coisas melhores sobre vocês, aquilo em que consiste a vocação de vocês.” Penso que é uma advertência hipotética contra um argu­ mento, mas não ensina que qualquer cristão perca sua salvação. • U l t im a m e n te p e sso as t ê m m e falado sobre "m aldições bíblicas". Será isso algo q u e deva p re o c u p a r os cristãos? A cabaram -se as m aldições? Quando falamos sobre maldições em nossa cultura contemporânea, isso soa como algo saído da Idade das Trevas ou como algum feiticeiro amaldi­ çoando alguém colocando alfinetes em bonecas. Entretanto, o conceito de maldição é um dos mais importantes conceitos que encontramos na Escri­ tura, porque as leis de Deus, as quais ele comunica a Israel no Velho Testa­ mento, são colocadas perante a nação em termos de duas polaridades. De um lado, quando Deus dá sua lei a seu povo e faz um pacto com eles, ele diz que se eles guardarem os termos desse pacto, se eles obedecerem as suas leis, eles serão abençoados. Ele diz: “Bendito serás tu na cidade e bendito serás no campo” (Dt 28.3). Mas ele diz: “Será, porém, que, se não deres ouvido à voz do SENHOR, teu Deus, não cuidando em cumprir todos os seus mandamentos e os seus estatutos que, hoje, te ordeno, então, virão todas estas maldições sobre ti e te alcançarão: Maldito serás tu na cidade e maldito serás no campo. Mal­ dito o teu cesto e a tua amassadeira.” (Dt 28.15-17). Então o que se segue são penalidades e punições terríveis que Deus promete ao povo que se recu­ sar a obedecê-lo. Elas estão envolvidas pela palavra malditos. Ser amaldi­ çoado, no Velho Testamento, significava em última instância ser cortado da presença de Deus, ser expulso de sua presença imediata, tal como o bode expiatório era amaldiçoado em Israel ao ser levado para o deserto. Isto é, fora de onde a presença de Deus era enfocada, no centro do acampamento. Ser amaldiçoado significava ser mandado para as trevas exteriores, onde a face de Deus não brilhava e a luz de seu semblante não penetrava. Como eu disse, é importante porque toda a idéia da expiação, não só no Velho, mas também no Novo Testamento, está centrada nesse conceito de maldição. Em Gálatas, Paulo nos diz que Cristo na cruz se tomou maldição por nós; ele foi amaldiçoado — separado do Pai, mandado para fora do acam­ pamento, e até mesmo crucificado fora dos limites da cidade de Jerusalém — para assegurar que toda a maldição de Deus prometida ao malfeitor seria vingada nele, para que pudesse carregar por inteiro a punição do pecador. A Bíblia fala claramente sobre maldições, e a pior maldição possível é ficar fora do círculo dos benefícios de Deus. Ela também diz que existe a visitação das conseqüências do mal sobre gerações futuras. Os Dez Mandamentos nos dizem que os pecados podem ser visitados até a terceira e quarta gerações. Os descendentes de Canaã são amaldiçoados por Noé. Cã é quem recebeu a maldi­ ção e ele a recebeu como uma conseqüência direta de seu pai. O Canaã amaldi­ çoado foi quem recebeu a conseqüência do pecado de seu pai, Cã. Eu diria que a perda negativa de muitas das promessas de Deus às pes­ soas corre ao longo do tempo e do espaço para a geração seguinte. Não significa que Deus puna diretamente uma pessoa por um pecado que outra pessoa cometeu. Deus diz que cada pessoa é punida por seus próprios peca­ dos. Entretanto, nós ainda enfrentamos as conseqüências que vêm das gera­ ções anteriores e nesse sentido perdemos alguns dos benefícios de Deus. ÍNDICE REMISSIVO A Aarão Abel aborto 366-368 214 250 194 195 218 293-296 aborto e vida futura (ver vida após a morte em caso de aborto) aborto legal 295 296 Abraão 18 92 193 190 367 371 372 abuso físico abuso sexual Adão e Eva 266 266 22 267 267 34 112 177 214 309 310 379 adoção 92 258 adolescentes 260 261 e a igreja 230 e freqüência à igreja 260 261 adultério 49 50 251 262 263 334 380 adultos, educação de 240 aforismo 131 377 Agostinho 62 67 155 171 172 209 351 AIDS 313 346 347 Alcoólicos Anônimos 343 alvos na vida 170 171 Amniocentese 295 amor de Deus 8 99 250 101 267 86 188 Ananias e Safira 109 animais 190 191 anjos 18 176-180 215 323 370 371 mensageiros angelicais 18 antiintelectualismo 70 Anticristo 317 322 323 359 Antiga Aliança 286 Antigo Testamento 10 13-15 21 26 30 39 42-46 50 54 65-68 71 82 92 88 100 110 116 118 131 148 166 . 159 167 169 177 184-186 192-194 214 229-2312 233 237 238 246 249 250 262 258 263 285 286 288 307 291 294 299 317 318 327 320 335 339 341 356 374 367-369 372 384 e a guerra 368 369 relevância 10 santos do 184-186 376 antinomianismo 83 aposentadoria 272 273 apostas 289 290 apostasia 318 323 335 336