Transcript
Avaliação em UTI. Exame físico.
Após receber o plantão, se não houver intercorrências, o fisioterapeuta
inicia o EXAME FÍSICO do paciente. Originalmente, este exame é dividido em
INSPEÇÃO (exame visual), PALPAÇÃO (toque manual e digital), PERCUSSÃO
(digitopercussão) e AUSCULTA (ouvir com um estetoscópio).
Na UTI é difícil realizar o exame físico na sua forma tradicional. Muitos
dados colhidos vem dos aparelhos de monitorização (monitor cardíaco,
oxímetro, capnógrafo...) e também do respirador (mecânica SR, interação
paciente-máquina, auto-PEEP...). O exame do paciente geralmente é realizado
em associação a estas informações.
Normalmente as primeiras informações colhidas do paciente na UTI vem dos
monitores. Os valores são mostrados em tamanho grande para facilitar sua
visualização: Os principais registros são: os sinais vitais (SV) :PA, FC,
FR e Tax , o eletrocardiograma (ECG) e a saturação de pulso de oxigênio
(SpO2). O uso freqüente dos oxímetros de pulso em UTI, fez com que alguns
autores passassem a considerá-lo como o 5º sinal vital. Todos estes dados
geralmente são aferidos de forma não invasiva e mostrados na tela do
monitor. Para a PA, existe a possibilidade de se instalar um cateter
arterial para monitorização invasiva contínua. Com exceção da PA não
invasiva, que é aferida automaticamente em períodos regulares programados
no aparelho, todos os demais dados são contínuos. O último valor da PA não
invasiva fica registrado na tela, é possível realizar uma aferição dela a
qualquer momento através do acionamento de um botão específico. Os
monitores mais modernos podem armazenar todas estas informações por um
período de 24 horas ou mais, isto possibilita a verificação da tendência
evolutiva destas informações.
Alguns autores preferem realizar o exame físico do paciente separando por
segmentos numa ordem céfalo-caudal. Esta divisão também pode ser estendida
para pacientes com via aérea própria e com via aérea artificial (VAA), com
ou sem ventilação mecânica.
O exame físico do paciente começa pela observação do nível de consciência.
Inicialmente verificamos se o paciente está vigil ou não e se está calmo ou
agitado. A capacidade de interação é avaliada por meio da estimulação
verbal (realização de perguntas simples). Para os pacientes despertos ou os
que despertam com facilidade e que não estão com uma via aérea artificial,
devemos realizar algumas perguntas simples, como por ex.: O senhor (a)
consegue me ouvir?, O senhor (a) consegue movimentar os braços e as
pernas?, Qual é o seu nome? E a sua idade?, O senhor (a) sabe aonde está?,
Sabe o motivo da sua internação?, Que dia é hoje?, Está sentindo algum
desconforto?... Os com VAA, mesmo despertos, não conseguirão falar mas
poderão responder através de gestos e movimentos dos membros.
De acordo com a capacidade de interação dos pacientes podemos classificá-
los como: orientados (despertos e coerentes), confusos (incoerentes e com
baixa capacidade de percepção do meio), delirantes (agitados, irritados e
que exibem alucinações), letárgicos (sonolentos, respondem apropriadamente
quando acordam mas dormem com facilidade), obnubilados (despertam com mais
dificuldade, podem responder com coerência algumas perguntas mais óbvias),
torporosos (não despertam por completo às solicitações verbais, apresentam
atividade mental e física diminuídas e reagem a dor) e comatosos
(permanecem inconscientes, não respondem aos estímulos táteis e dolorosos
voluntariamente e podem exibir sinais de disfunção neurológica
suprasegmentar - reflexo de Babinsk, hiperreflexia...)
Os letárgicos e obnubilados, geralmente necessitam de estimulação tátil
leve para despertarem. Os torporosos normalmente reagem aos estímulos
táteis mais vigorosos e dolorosos menos intensos. Os comatosos podem não
reagir a dor. A estimulação tátil deve ser feita em conjunto com as
perguntas (ex. percussão da glabela ou sobre a região esternal enquanto se
realiza as perguntas). A estimulação dolorosa, quando necessária, deverá
ser feita sem provocar lesões cutâneas.
Em UTI, a baixa responsividade pode estar associada aos efeitos de drogas,
devemos observar se há infusão de drogas depressoras do SNC e as suas
doses, se houver devemos proceder a avaliação utilizando uma escala de
sedação (Escala de Ramsay, por exemplo). Nos casos de coma, na ausência de
sedação, devemos avaliar o paciente utilizando uma escala própria (ex.
Escala de Coma de Glasgow).
Avaliação por segmentos:
1. Exame da cabeça e pescoço.
Nos pacientes com via aérea própria, a inspeção da face pode revelar alguns
sinais de insuficiência respiratória como: batimento de asa de nariz,
cianose central e respiração com frenolabial.
A coloração e a hidratação das mucosas, se ressecada e hipocorada, podem
sinalizar alterações na perfusão tecidual e no hematócrito. Pacientes
impossibilitados de se alimentarem por via oral normalmente recebem sonda
naso ou oroenterais para infusão de dietas. Nos casos de distensão
abdominal por aumento do resíduo gástrico é comum a colocação de uma sonda
naso ou orogástrica para drenagem do excesso do volume. A checagem da
fixação destas sondas antes do manuseio destes pacientes reduz o risco de
desposicionamento das mesmas, portanto, reduz a possibilidade de
complicações como broncoaspirações de dietas e resíduos gástricos.
A inspeção e a palpação do pescoço permitem determinar: a posição da
traqueia (desvios laterais podem ocorrer nas atelectasias e pneumotórax
significativos), se há aumento da pressão venosa jugular (turgência com
paciente sentado ou cabeceira a 45º), se há enfisema subcutâneo (crepitação
à palpação e ausculta), presença de edema (cacifo)... Na IRpA, é possível
observar atividade do ECOM e depressão da cartilagem tireóide durante a
inspiração. Alguns acessos venosos são instalados na veia jugular para
infusões de líquidos e medicamentos, a checagem prévia da sua fixação e
funcionamento ajudam a prevenir desconexões e obstruções das infusões antes
da sua mobilização.
No paciente com via aérea artificial - VAA que recebe O2 ou ventilação
mecânica invasiva, devemos descrever o tipo (TOT, TNT ou TQT), verificar a
fixação, a vedação (escape de gás) do cuff e o posicionamento (altura para
TOT ou TNT). Na ventilação mecânica não invasiva - VNI, verificamos se a
interface (máscara, pronga...) está adequada e bem fixada, se há lesões
cutâneas ou nas córneas, escapes de ar, conforto do paciente...
2. Exame do tórax e pulmões.
A inspeção do tórax à beira do leito de UTI se dirige principalmente para a
atividade muscular ventilatória (trabalho respiratório, uso de musculatura
acessória e sincronia tóraco-abdominal) e expansibilidade torácica
(simetria). A colocação das mãos simetricamente sobre cada hemitórax
auxilia a inspeção durante o exame da expansibilidade torácica.
A palpação permite avaliar, através do tato, o frêmito vocal durante a
verbalização dos pacientes orientados sem VAA. Naqueles em VM podemos
sentir a vibração das secreções durante a movimentação gasosa. Quando há
pneumotórax, podemos palpar o pele para pesquisar enfisema subcutâneo.
É comum a utilização da veia subclávia para infusão de medicamentos, os
mesmos cuidados devem ser tomados com este acesso para evitar acidentes.
A percussão da parede torácica produz um som e uma vibração palpável que
auxilia a avaliação dos tecidos pulmonares mais profundos. Pode ser útil
nos casos de pneumotórax, consolidação alveolar, tumor, atelectasia,
derrame pleural...
A ausculta pulmonar é uma ferramenta diagnóstica valiosa, ela complementa
os achados da palpação e percussão torácica. Por ser bem sensível e prática
é preferencialmente utilizada a beira do leito durante a avaliação
pulmonar.
O exame cardíaco envolve a inspeção, palpação e ausculta. A inspeção e
palpação do precórdio ajudam identificar o ritmo das pulsações e a área de
pulsação máxima criada pela contração ventricular esquerda. Os sons
cardíacos, em indivíduos normais, são criados pelo fechamento das válvulas
cardíacas. Durante a contração dos ventrículos as válvulas mitral e
tricúspide (átrioventriculares - AV) se fecham produzindo o primeiro som
cardíaco (S1). No fim da sístole, os ventrículos relaxam e as válvulas
pulmonar e aórtica se fecham produzindo o segundo som cardíaco (S2). As
válvulas mitral e aórtica produzem um som mais intenso que as outras.
O terceiro som cardíaco (S3) pode ser ouvido durante a diástole, logo após
o S2, ele é produzido pelo rápido enchimento ventricular. O quarto som
cardíaco (S4) é produzido pelos mecanismos similares ao S3 só que é mais
tardio, ocorre após o S1. O S3 e S4, em adultos, podem estar associados à
falência cardíaca congestiva.
Os murmúrios cardíacos são produzidos pelo fechamento incompleto
(insuficiência) ou estenose (obstrução) das válvulas.
3. Exame do abdome.
O abdome pode interferir na função respiratória, a inspeção e palpação pode
revelar distensão, tensão da parede e dor ao toque. Estes fatores podem
limitar o movimento diafragmático e contribuir para a fadiga muscular
respiratória e IRpA. Também podem inibir a tosse e a inspiração profunda e
favorecer o surgimento de complicações pulmonares como atelectasias e
pneumonias. O exame do fígado, no quadrante superior direito do abdome,
pode revelar alterações no seu tamanho, ele pode estar aumentado em
diversos casos como na falência cardíaca direita.
4. Exame das extremidades.
Através da inspeção e palpação dos membros e extremidades, observamos
edemas, lesões cutâneas, coloração das extremidades (palidez, cianose,
hematomas...), verificamos pulsos, enchimento capilar periférico,
temperatura cutânea, presença de dor a palpação. Avaliamos também a
capacidade de movimentação dos membros (arco articular de movimento ativo e
passivo e força muscular), avaliamos a atitude postural, o trofismo
muscular, o tônus...
A oxigenoterapia pode ser ofertada de formas diferentes. Em UTI, as mais
comuns são o cateter nasal de oxigênio e a macronebulização, sendo esta
última mais freqüente. Em qualquer modalidade, devemos verificar primeiro a
quantidade de O2 ofertada (fluxo de O2 no fluxômetro) e em seguida a
umidificação do gás. Os reservatórios destes dispositivos devem conter H2O
destilada, de preferência. O cateter nasal recebe umidificação por meio de
um sistema de borbulhamento (evaporação) e a macronebulização por suspensão
de gotículas de H2O. Devemos checar se os dispositivos estão funcionando
adequadamente e se tem H2O suficiente nos reservatórios, caso contrário,
resultará em ressecamento e formação de rolhas de secreção. A escolha da
modalidade depende primeiro da necessidade de oxigênio do paciente, a
umidificação depende do grau de hidratação deste paciente e se faz uso de
uma VAA. Os traqueostomizados devem receber um sistema com maior capacidade
de umidificação, como a macronebulização.
Para os pacientes que recebem ventilação mecânica, seja invasiva ou não,
devemos checar o respirador, o modo e os parâmetros ventilatórios, os
limites dos alarmes, a rede de gases, o circuito do respirador e se a
ventilação está acontecendo normalmente. Acompanhar a troca gasosa é
essencial.
Existem diversos respiradores e modos ventilatórios novos que os
fabricantes alegam serem mais vantajosos para casos específicos de IRp.
Mas, são poucos os modos ventilatórios que realmente podem fazer alguma
diferença mais significativa nas situações de IRp. Mesmo assim, não existe
restrição a qualquer modo, desde que se consiga atingir a troca gasosa
adequada e conforto ventilatório do paciente sem produzir VILI (injúria
pulmonar induzida pelo ventilador mecânico).
Infusões de líquidos e drogas normalmente são administradas através das
bombas infusoras. Devemos anotar os tipos de medicamentos e as suas doses.
Muitas drogas podem interferir com os objetivos fisioterapêuticos na UTI,
devemos ter o conhecimento das suas necessidades e dos limites que temos
que respeitar para não atrapalhar a recuperação dos pacientes. Os mais
graves e instáveis necessitam de muitos medicamentos, como por exemplo as
aminas vasopressoras, estas drogas controlam a função cardiocirculatória.
Tratamentos fisioterapêuticos que envolvem aumento da pressão inspiratória
ou da PEEP durante a VM ou até mesmo alguns posicionamentos corporais que
elegemos, mesmo que momentâneos, podem interferir seriamente na função
hemodinâmica destes pacientes e agravar o quadro. Os sedativos e
analgésicos podem reduzir o nível de consciência e o "drive" respiratório
do paciente e por fim, dificultarem o desmame da VM, mas são necessários
para controlar o grau de ansiedade e dor. A recomendação é sempre conversar
com o médico e estabelecer juntos as metas terapêuticas para cada paciente.