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Aula 21 - Convergência E O Filtro Passa-baixas

Curso de física matemática I ministrado pelo professor Jorge L. deLyra no segundo semestre do ano de 2010

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F´ısica Matem´atica I Jorge L. deLyra 30 de Julho de 2010 21: Convergˆ encia e o Filtro Passa-Baixas Na aula anterior discutimos a quest˜ ao da convergˆencia da s´erie de Fourier, e apresentamos alguns teoremas conhecidos sobre este assunto. O teorema de convergˆencia que foi apresentado relaciona a convergˆencia da s´erie com as caracter´ısticas anal´ıticas da fun¸c˜ao da qual ela ´e obtida, em particular com a integrabilidade quadr´atica de sua derivada. Nesta palestra vamos explorar esta quest˜ ao do relacionamento entre as propriedades da fun¸c˜ao como fun¸c˜ao de x e a convergˆencia da sua s´erie de Fourier. Mais adiante, em palestras posteriores, examinaremos tamb´em a rela¸c˜ao da convergˆencia da s´erie com o comportamento dos seus coeficientes. J´a vimos que a convergˆencia das s´eries de Fourier n˜ao ´e perturbada pela existˆencia de pontos isolados de n˜ao-diferenciabilidade da fun¸c˜ao, e ´e relativamente pouco perturbada at´e mesmo pela presen¸ca de pontos de n˜ao-continuidade da mesma. Desde que a fun¸c˜ao seja seccionalmente cont´ınua e de varia¸c˜ao limitada, ainda podemos ter uma s´erie convergente para ela. Vem ` a tona portanto a quest˜ ao de qual ´e a caracter´ıstica da fun¸c˜ao, como fun¸c˜ao de x, que realmente perturba a convergˆencia da s´erie. Vamos argumentar aqui que o problema principal vem da estrutura de oscila¸c˜oes de pequena escala da fun¸c˜ao, ou seja de oscila¸c˜oes com altas frequˆencias e pequenos comprimentos de onda, com varia¸c˜oes r´apidas da fun¸c˜ao para pequenas varia¸c˜oes de x. Para ilustrar este tipo de comportamento vamos introduzir aqui o conceito de um filtro passa-baixas. Trata-se de uma opera¸c˜ao envolvendo um parˆ ametro real ε, que muda apenas ligeiramente uma fun¸c˜ao, para valores pequenos do parˆ ametro, atenuando principalmente as componentes de frequˆencia alta do espectro de Fourier da mesma. Do ponto de vista matem´ atico, o que fazemos ´e, dada uma determinada fun¸c˜ao f (x), definir a partir dela uma outra fun¸c˜ao, que ´e a vers˜ao filtrada da fun¸c˜ao original. Como veremos mais adiante, a id´eia do filtro passa-baixas ser´a u ´til tamb´em nas aplica¸c˜oes deste formalismo `a resolu¸c˜ao de problemas envolvendo equa¸c˜oes diferenciais parciais com condi¸c˜oes iniciais e de contorno. Assim, vamos definir o filtro passa-baixas linear de primeira ordem, da forma que segue. Dado um n´ umero real n˜ao-negativo ε, tal que 0 ≤ ε ≤ L/2, e dada uma fun¸c˜ao f (x) no intervalo de periodicidade [0, L] sobre a qual n˜ao impomos nenhuma condi¸c˜ao exceto que ela seja seccionalmente Riemann-integr´avel em qualquer intervalo contido no intervalo de periodicidade, e que seja uma fun¸c˜ao no sentido usual, e n˜ ao algo como uma “fun¸c˜ao” delta de Dirac, definimos a fun¸c˜ao filtrada Z x+ε 1 g(ε) (x) = dx′ f (x′ ), 2ε x−ε para ε 6= 0, e como o limite de continuidade desta express˜ao quanto ε → 0, para o caso ε = 0. Como se vˆe, trata-se de uma simples m´edia aritm´etica no intervalo sim´etrico determinado 1 por ε em torno de um ponto x dado. N˜ ao ´e muito dif´ıcil mostrar que esta fun¸c˜ao tem as seguintes propriedades: 1. A fun¸c˜ao g(ε) (x) ´e peri´ odica de per´ıodo L, para qualquer ε ≥ 0. 2. A fun¸c˜ao g(ε) (x) ´e cont´ınua para todo x ∈ [0, L], para qualquer ε > 0. 3. Se f (x) for cont´ınua, ent˜ao a fun¸c˜ao g(ε) (x) ´e diferenci´ avel para todo x ∈ [0, L], para qualquer ε > 0. Observe-se que, dado o car´ater muito fraco das condi¸c˜oes sobre a fun¸c˜ao f (x), trata-se de um conjunto extraordin´ario de propriedades, mostrando uma grande regularidade das fun¸c˜oes filtradas, e o grande poder regularizador do processo de integra¸c˜ao. Observe-se tamb´em que estas propriedades n˜ao dependem do tamanho de ε, contanto que ele n˜ao seja nulo. Assim, se tomarmos ε muito pequeno, ou seja ε ≪ L, estamos fazendo uma mudan¸ca muito pequena na fun¸c˜ao, no sentido de que esta mudan¸ca s´ o afeta a fun¸c˜ao numa escala muito pequena de varia¸c˜oes de x. Em cada ponto, estamos trocando o valor da fun¸c˜ao ´ claro que isto pelo valor m´edio que ela tem num pequeno intervalo ao redor do ponto. E elimina oscila¸c˜oes que aconte¸cam v´arias vezes dentro deste pequeno intervalo, mas apenas estas oscila¸c˜oes de comprimento de onda muito curto s˜ ao significativamente afetadas. Vamos ent˜ao proceder ` a demonstra¸c˜ao das duas primeiras propriedades. A terceira ser´a deixada para os exerc´ıcios. Para mostrar que g(ε) (x) ´e peri´ odica de per´ıodo L em x, qualquer que seja f (x) dentro das limita¸c˜oes descritas acima e qualquer que seja o valor de ε dentro do intervalo dado, basta calcular g(ε) (x + L), que pela defini¸c˜ao de g(ε) (x) ´e dada por Z x+ε+L 1 g(ε) (x + L) = dx′ f (x′ ). 2ε x−ε+L Fazendo na integral a transforma¸c˜ao de vari´aveis x′′ = x′ − L, que implica que x′ = x′′ + L e que dx′ = dx′′ , temos que Z x+ε 1 dx′′ f (x′′ + L). g(ε) (x + L) = 2ε x−ε Como f (x) ´e peri´ odica de per´ıodo L, ou seja como f (x′′ + L) = f (x′′ ), temos que Z x+ε 1 g(ε) (x + L) = dx′′ f (x′′ ), 2ε x−ε que por defini¸c˜ao ´e g(ε) (x). Segue portanto que g(ε) (x+L) = g(ε) (x), ou seja, a fun¸c˜ao g(ε) (x) ´e peri´ odica de per´ıodo L. Este resultado fica intuitivamente mais claro se imaginarmos o dom´ınio das fun¸c˜oes enrolado em um c´ırculo de circunferˆencia L, como determinam as condi¸c˜oes de contorno peri´ odicas. Para mostrar que g(ε) (x) ´e cont´ınua para todo x, qualquer que seja f (x) dentro das limita¸c˜oes descritas acima, desde que ε > 0, consideremos os valores g(ε) (x0 ) e g(ε) (x), ambos dadas pela defini¸c˜ao, e calculemos a correspondente varia¸c˜ao ∆g(ε) , assumindo em primeiro lugar que x > x0 . Podemos escrever que ∆g(ε) = g(ε) (x) − g(ε) (x0 )  Z x+ε Z x0 +ε 1 ′ ′ ′ ′ dx f (x ) . = dx f (x ) − 2ε x−ε x0 −ε 2 Considere agora o limite em que x → x0 , com ε mantido constante. Eventualmente teremos x − x0 < ε, e as duas integrais passam a ter uma regi˜ ao comum no dom´ınio. As partes das duas integrais que tˆem um dom´ınio comum se cancelam, de forma que neste caso podemos reescrever os limites de integra¸c˜ao como segue, no caso em que x > x0 , ∆g(ε) = g(ε) (x) − g(ε) (x0 ) Z x+ε  Z x−ε 1 ′ ′ ′ ′ = dx f (x ) . dx f (x ) − 2ε x0 +ε x0 −ε Quando x → x0 o dom´ınio de cada uma destas duas integrais se reduz a um u ´nico ponto, um deles em x0 + ε e o outro em x0 − ε. Como a integral de uma fun¸c˜ao integr´avel como f (x) sobre um dom´ınio de comprimento nulo ´e nula, segue que as duas integrais v˜ao a zero no limite. Em outras palavras, lim ∆g(ε) = 0 ⇒ x→x0+ lim g(ε) (x) = g(ε) (x0 ), x→x0+ ou seja, a fun¸c˜ao ´e cont´ınua segundo o limite pela direita. O limite pela esquerda pode ser estabelecido por um argumento an´ alogo, que deixaremos para os exerc´ıcios, de forma que segue que a fun¸c˜ao g(ε) (x) ´e cont´ınua em x0 , qualquer que seja f (x), e desde que ε > 0. Como isto vale para qualquer x0 , a fun¸c˜ao g(ε) (x) ´e cont´ınua em todo o intervalo de periodicidade. Tamb´em n˜ao ´e muito dif´ıcil mostrar que a fun¸c˜ao g(ε) (x) essencialmente reproduz a fun¸c˜ao original f (x) no limite em que ε → 0. De forma mais precisa, pode-se mostrar que, se a fun¸c˜ao f (x) tem um ponto isolado de descontinuidade de degrau em x0 , ent˜ao seja qual for o valor que f (x) assume no ponto de descontinuidade, no limite em que ε → 0 a correspondente fun¸c˜ao g(ε) (x) calculada no ponto x0 tende ao valor dado pela m´edia dos dois limites laterais de f (x) no ponto x0 , ou seja, que lim g(ε) (x0 ) = ε→0 1 (L+ + L− ) , 2 onde L± = lim f (x). x→x0± Em particular, se f (x) for cont´ınua em x0 , ent˜ao a fun¸c˜ao filtrada g(ε) (x0 ) torna-se igual a f (x0 ) no limite. Vamos ent˜ao proceder `a demonstra¸c˜ao deste fato. Suponhamos que a fun¸c˜ao f (x) tenha um ponto isolado de descontinuidade de degrau em x0 , sendo entretanto cont´ınua nas duas vizinhan¸cas deste ponto, uma `a esquerda e outra `a direita, de tal forma que o ponto de singularidade seja isolado. Consideremos o valor de g(ε) (x0 ), dado pela defini¸c˜ao, Z x0 +ε 1 g(ε) (x0 ) = dx′ f (x′ ). 2ε x0 −ε Podemos separar esta integral em duas, uma numa vizinhan¸ca `a esquerda do ponto e outra numa vizinhan¸ca ` a direita, obtendo Z x0 Z x0 +ε 1 1 ′ ′ dx f (x ) + dx′ f (x′ ). g(ε) (x0 ) = 2ε x0 −ε 2ε x0 3 Como a singularidade ´e isolada, para ε suficientemente pequeno a fun¸c˜ao ´e cont´ınua nas duas vizinhan¸cas, e portanto para ε → 0 as duas integrais convergem para o produto de ε com o valor m´edio da fun¸c˜ao em cada vizinhan¸ca, 1 1 lim g(ε) (x0 ) = f¯(x0− ) + f¯(x0+ ). 2 2 ε→0 Por fim, como a fun¸c˜ao ´e cont´ınua nas duas vizinhan¸cas laterais, neste limite o valor m´edio em cada vizinhan¸ca coincide com o limite lateral correspondente, e temos o resultado lim g(ε) (x0 ) = ε→0 1 (L+ + L− ) , 2 onde L± = lim f (x). x→x0± Como uma consequˆencia disto, se f (x) for cont´ınua em x0 , temos automaticamente que lim g(ε) (x0 ) = f (x0 ), ε→0 ou seja, no limite ε → 0 a fun¸c˜ao filtrada g(ε) (x) reproduz a fun¸c˜ao original f (x) onde esta for cont´ınua. Al´em disso, tamb´em ´e verdade que neste limite a derivada da fun¸c˜ao g(ε) (x0 ) essencialmente reproduz a derivada da fun¸c˜ao original f (x). Isto ´e verdade porque pode-se mostrar que, em um ponto x0 onde a fun¸c˜ao f (x) ´e cont´ınua, mas tem um ponto isolado de n˜aodiferenciabilidade, no limite em que ε → 0 a derivada da correspondente fun¸c˜ao g(ε) (x) tende ao valor dado pela m´edia dos dois limites laterais da derivada de f (x) no ponto x0 , ou seja, que  dg(ε) 1 ′ L + + L′ − , (x0 ) = ε→0 dx 2 lim onde L′ ± = lim x→x0± df (x). dx Em particular, se f (x) for diferenci´ avel em x0 , ent˜ao as duas derivadas coincidem naquele ponto. As demonstra¸c˜oes desta parte ser˜ao deixadas para os exerc´ıcios. ´ importante observar que, tanto no caso da fun¸c˜ao quanto no caso da derivada, os E valores assumidos pela fun¸c˜ao filtrada em pontos de singularidade, no limite ε → 0, s˜ ao precisamente aqueles para os quais a s´erie de Fourier da fun¸c˜ao f (x) converge, caso ela seja convergente naqueles pontos. Voltando ao caso em que ε ´e n˜ao-nulo, e lembrando da forma de se representar as transformadas de Fourier atrav´es de uma rede discreta, que foi como introduzimos o assunto, podemos ver que o que o filtro passa-baixas faz ´e tornar a fun¸c˜ao represent´avel numa rede discreta, desde que o espa¸camento desta rede seja menor do que ε. Isto acontece porque o filtro essencialmente elimina as oscila¸c˜oes de frequˆencia muito alta, que estariam acontecendo dentro de um espa¸camento da rede, n˜ao sendo portanto represent´aveis por esta rede. A a¸c˜ao do filtro, possivelmente usado sucessivamente algumas vezes, pode ser descrita como a de tornar a fun¸c˜ao uniformemente represent´avel na rede. ´ claro que, do ponto de vista das aplica¸c˜oes na f´ısica, ´e sempre poss´ıvel usar um filtro E deste tipo nas fun¸c˜oes, sem modificar nada que seja importante em termos da representa¸c˜ao 4 dos fenˆ omenos f´ısicos atrav´es das fun¸c˜oes. Basta escolher um valor para ε que seja menor do que a menor escala f´ısica envolvida no problema. Por exemplo, se estamos tratando de uma rede cristalina, podemos regularizar as fun¸c˜oes usando um filtro deste tipo com ε menor do que as dimens˜ oes moleculares ou atˆ omicas envolvidas. Se isto for suficiente para tornar a s´erie de Fourier convergente, como em geral ser´a, ent˜ao a divergˆencia que havia antes da aplica¸c˜ao do filtro fica caracterizada como um problema puramente matem´ atico, provavelmente devido a uma representa¸c˜ao excessivamente simplificada da f´ısica envolvida no problema. Para podermos discutir em maior detalhe o efeito do filtro sobre a convergˆencia das s´eries de Fourier, ´e necess´ario estabelecer a rela¸c˜ao entre os coeficientes de Fourier de g(ε) (x) e aqueles de f (x). Curiosamente, ´e relativamente f´acil fazer isto, e mostrar que, no caso da componente k = 0, os coeficientes de Fourier de g(ε) (x) e de f (x) s˜ ao de fato iguais, ge(ε)0 = fe0 . Para mostrar que os dois coeficientes de Fourier para k = 0 s˜ ao iguais, come¸camos simplesmente usando a defini¸c˜ao da fun¸c˜ao g(ε) (x) e escrevendo os seus coeficientes de Fourier, na vers˜ao complexa da base, ge(ε)0 1 = L Z L 0 1 dx 2ε Z x+ε dx′ f (x′ ). x−ε A seguinte mudan¸ca de vari´aveis na integral sobre x′ faz com que os extremos de integra¸c˜ao fiquem independentes de x: x′′ = x′ − x, que implica em x′ = x′′ + x e dx′′ = dx′ , pois neste caso temos Z ε Z 1 1 L dx′′ f (x′′ + x) dx ge(ε)0 = 2ε L 0 −ε Z ε Z L 1 ′′ 1 = dx dx f (x′′ + x). 2ε −ε L 0 Como a integral sobre x se estende por todo o intervalo de periodicidade, podemos mudar os extremos de integra¸c˜ao do intervalo [0, L] para o intervalo [−x′′ , L − x′′ ], obtendo assim ge(ε)0 1 = 2ε Z ε 1 dx L −ε ′′ Z L−x′′ dx f (x′′ + x). −x′′ Agora a transforma¸c˜ao de vari´aveis x′ = x′′ + x, que implica em x = x′ − x′′ e dx = dx′ , nos leva para ge(ε)0 1 = 2ε Z ε 1 dx L −ε ′′ Z L dx′ f (x′ ). 0 Reconhecemos agora a integral sobre x′ como a express˜ao de fe0 , de forma que temos Z ε 1 dx′′ fe0 . ge(ε)0 = 2ε −ε Como fe0 ´e independente de x′′ , a integral sobre x′′ se reduz a 1, e temos o resultado ge(ε)0 = fe0 . Al´em disso, ´e poss´ıvel mostrar que a seguinte rela¸c˜ao ´e v´alida de forma exata para os coeficientes de Fourier de g(ε) (x) e f (x), para todo k 6= 0, 5 sin(2πkε/L) e fk , 2πkε/L ge(ε)k = rela¸c˜ao esta que tem a rela¸c˜ao que acabamos de demonstrar como o seu limite para k → 0. Para mostrar esta rela¸c˜ao entre os coeficientes de Fourier de g(ε) (x) e f (x), para todo k 6= 0, o caminho inicial ´e o mesmo que foi usado na demonstra¸ca˜o anterior. Escrevendo o coeficiente de Fourier de g(ε) (x) temos ge(ε)k 1 = L Z L ı 2πkx/L dx e 0 1 2ε Z x+ε dx′ f (x′ ). x−ε A seguinte mudan¸ca de vari´aveis na integral sobre x′ faz com que os extremos de integra¸c˜ao fiquem independentes de x: x′′ = x′ − x, que implica em x′ = x′′ + x e dx′′ = dx′ , pois temos Z Z ε 1 1 L ge(ε)k = dx eı 2πkx/L dx′′ f (x′′ + x) 2ε L 0 −ε Z ε Z L 1 1 dx′′ dx eı 2πkx/L f (x′′ + x). = 2ε −ε L 0 Como a integral sobre x se estende por todo o intervalo de periodicidade, podemos mais uma vez mudar os extremos de integra¸c˜ao do intervalo [0, L] para o intervalo [−x′′ , L − x′′ ], obtendo assim Z ε Z L−x′′ 1 ′′ 1 ge(ε)k = dx dx eı 2πkx/L f (x′′ + x). 2ε −ε L −x′′ Exatamente como antes, a transforma¸c˜ao de vari´aveis x′ = x′′ +x, que implica em x = x′ −x′′ e dx = dx′ , nos leva agora para Z ε Z 1 L ′ ı 2πkx′ /L −ı 2πkx′′ /L 1 dx′′ dx e e f (x′ ) ge(ε)k = 2ε −ε L 0 Z ε Z 1 1 L ′ ı 2πkx′ /L ′′ = dx′′ e−ı 2πkx /L dx e f (x′ ). 2ε −ε L 0 Reconhecemos agora a integral sobre x′ como a express˜ao de fek , de forma que temos Z ε 1 ′′ ge(ε)k = dx′′ e−ı 2πkx /L fek . 2ε −ε Como fek ´e independente de x′′ , a integral sobre x′′ pode agora ser feita, de forma que temos Z ε 1 ′′ e ge(ε)k = fk dx′′ e−ı 2πkx /L 2ε −ε ε L 1 ′′ = fek e−ı 2πkx /L 2ε (−ı 2πk) −ε L eı 2πkε/L − e−ı 2πkε/L (2πkε) 2ı sin(2πkε/L) e fk , (2πkε/L) = fek = 6 ou seja, desta forma estabelecemos de fato o resultado, ge(ε)k = sin(2πkε/L) e fk . (2πkε/L) Se analisarmos o comportamento desta rela¸c˜ao para ε n˜ao-nulo e grandes valores de k, percebemos que a fun¸c˜ao seno no numerador ´e limitada, enquanto o fator de k em denominador cresce indefinidamente. Assim vemos que, desde que ε 6= 0, o que obtivemos ao passar o ´ claro que isto filtro em f (x) foi, essencialmente, um fator adicional de k no denominador. E melhora em muito as chances de que a s´erie de Fourier convirja, ou seja, a s´erie de Fourier de g(ε) (x) ser´a muito mais convergente do que a de f (x). Se, por outro lado, mantivermos k fixo e tomarmos o limite ε → 0, vemos que a raz˜ao do seno e do seu argumento na f´ormula acima tende a 1, pois o argumento tende a zero. Esta ´e mais uma forma de verificar que, no limite ε → 0 a fun¸c˜ao filtrada g(ε) (x) reproduz a fun¸c˜ao original f (x), em termos da representa¸c˜ao de Fourier das duas fun¸c˜oes. Com base em nossa an´ alise aqui, isto pode ser afirmado desde que a s´erie de Fourier de f (x) seja convergente. Se fizermos um gr´ afico da raz˜ao que aparece na f´ormula acima, obteremos uma fun¸c˜ao que n˜ao varia muito entre k = 0, onde ´e igual a 1, at´e um valor de k da ordem de L/(4ε), como mostrado no diagrama que segue, para o valor L/ε = 1000. A partir deste ponto este fator passa a oscilar e a ir a zero em m´ odulo como 1/k. Fig. 1: A comportamento do fator de atenua¸c˜ao do filtro passa-baixas linear de primeira ordem, mostrando o decaimento e as oscila¸c˜oes. Assim, vemos que os coeficientes da parte inicial da s´erie de Fourier n˜ao s˜ ao muito modificados pelo filtro, como mostrado na vers˜ao ampliada do gr´ afico anterior que se encontra logo abaixo, enquanto aqueles da parte onde k ´e muito grande s˜ ao significativamente suprimidos. 7 Fig. 2: A comportamento do fator de atenua¸c˜ao do filtro passa-baixas linear de primeira ordem, mostrando a regi˜ ao perto da origem. Como vemos, no exemplo mostrado os primeiros 100 coeficientes mudam muito pouco. Quanto menor for ε, maior ser´a o valor de k onde se d´a esta transi¸c˜ao. Para discutir o efeito disto sobre a convergˆencia da s´erie, observemos agora que se os coeficientes de Fourier de f (x) forem a zero em m´ odulo como a fun¸c˜ao A fek ∼ δ , k para algum A e algum δ > 0, ent˜ao segue que os coeficientes de Fourier de g(ε) (x) v˜ao a zero como ge(ε)k ∼ A k 1+δ , o que ´e suficiente para garantir que a s´erie de Fourier de g(ε) (x) seja absoluta e uniformemente convergente, mesmo quando a s´erie de Fourier de f (x) n˜ao for convergente de todo. Esta condi¸c˜ao sobre fek tamb´em pode ser formulada como a simples condi¸c˜ao de que fek → 0 quando k → ∞, pois ´e poss´ıvel mostrar que, se fek se anula neste limite, ent˜ao existem constantes A e δ tais que |fek | ≤ A , kδ demonstra¸c˜ao esta que deixaremos para os exerc´ıcios. Por outro lado, se os coeficientes de Fourier de f (x) n˜ao v˜ao a zero de todo, mas a fun¸c˜ao ´e limitada, de tal forma que fek seja uma fun¸c˜ao limitada de k, ent˜ao segue que ge(ε)k vai a zero com 1/k para k → ∞. Com esta dependˆencia com k, ainda ´e poss´ıvel que a s´erie de Fourier de g(ε) (x) convirja, mas isto n˜ao est´a mais garantido, e vai depender de cancelamentos e portanto dos sinais dos coeficientes. Ou seja, neste caso a s´erie ainda pode ser convergente, mas provavelmente n˜ao ser´a uniformemente convergente ou absolutamente convergente. Voltando ` a quest˜ ao do significado deste formalismo tendo em vista as aplica¸c˜oes na f´ısica, verificamos que fazendo ε suficientemente pequeno podemos preservar toda a estrutura de grande escala da fun¸c˜ao f (x), da escala de comprimentos estabelecida por L at´e aquela definida pelo parˆ ametro ε, que pode ser escolhido suficientemente pequeno para que a escala correspondente n˜ao seja mais relevante do ponto de vista da aplica¸c˜ao na f´ısica. Em 8 todas as aplica¸c˜oes relevantes, o fato de que a s´erie final diverge ´e sempre a consequˆencia de uma representa¸c˜ao excessivamente simplificada da f´ısica envolvida no problema. Desta forma, em princ´ıpio podemos reformular a representa¸c˜ao matem´ atica do problema de tal forma a ter apenas fun¸c˜oes cujas s´eries de Fourier sejam convergentes envolvidas na aplica¸c˜ao, caso a primeira tentativa de resolu¸c˜ao resulte numa s´erie divergente para representar alguma parte da solu¸c˜ao do problema. Como veremos mais adiante, nos problemas envolvendo equa¸c˜oes diferenciais parciais isto em geral pode ser feito passando-se o filtro nas condi¸c˜oes iniciais ou nas condi¸c˜oes de contorno do problema, e refazendo-se ent˜ao o processo de solu¸c˜ao. Tipicamente, a divergˆencia nas s´eries resultantes do processo de solu¸c˜ao s˜ ao uma consequˆencia do comportamento singular destas condi¸c˜oes, que ´e introduzido atrav´es delas como uma forma excessivamente simplificada de descrever a f´ısica. De fato, muitas vezes podemos inclusive fazer isto apenas no final dos c´alculos da resolu¸c˜ao de um problema, em uma determinada aplica¸c˜ao, sem ter de repetir todos estes c´alculos, caso a s´erie resultante na primeira tentativa n˜ao seja convergente. Isto ´e verdade por exemplo quando a equa¸c˜ao diferencial que se est´a resolvendo tem coeficientes constantes, como veremos mais adiante, e se deve ao fato de que sabemos como modificar os coeficientes de Fourier de f (x) para obter os coeficientes de Fourier de g(ε) (x), multiplicando-os por determinados fatores conhecidos, como vimos acima. Num caso t´ıpico de resolu¸c˜ao de um problema de condi¸c˜oes de contorno envolvendo uma equa¸c˜ao a derivadas parciais, o objetivo do algoritmo de resolu¸c˜ao ´e determinar as componentes de Fourier da solu¸c˜ao f (x). Se ao tentar somar a respectiva s´erie descobrirmos que ela n˜ao converge, ou mesmo que converge muito lentamente, podemos tentar escolher um valor apropriado de ε e somar a correspondente s´erie de g(ε) (x), que certamente convergir´ a muito mais r´ apido, e representar´ a uma mudan¸ca pequena nos resultados, quanto ao seu significado f´ısico. Fazendo isto para alguns valores de ε podemos obter uma boa no¸c˜ao sobre o efeito desta mudan¸ca nos resultados finais. Na pior das hip´ oteses, poderemos ter de usar o filtro duas vezes para obter um bom n´ıvel de convergˆencia. Observe-se que se passarmos a fun¸c˜ao f (x) pelo filtro linear de primeira ordem duas vezes, geramos uma fun¸c˜ao h(ε) (x) cujos coeficientes de Fourier s˜ ao dados por   sin(2πkε/L) sin(2πkε/L) 2 e e h(ε)k = ge(ε)k = fk , 2πkε/L 2πkε/L que tem um fator adicional de 1/k 2 para grandes valores de k, o que ´e suficiente para garantir a convergˆencia uniforme do resultado mesmo se f (x) for simplesmente uma fun¸c˜ao limitada no intervalo de periodicidade. Entretanto, mesmo neste caso a a¸c˜ao do filtro modifica f (x) apenas dentro de intervalos de tamanho 4ε, que tamb´em pode ser tornado t˜ao pequeno quanto se queira. N˜ ao ´e dif´ıcil mostrar este fato formulando diretamente um filtro de segunda ordem, que ´e exatamente equivalente ao filtro de primeira ordem usado duas vezes sucessivas, o que ser´a deixado para os exerc´ıcios. Tamb´em ´e poss´ıvel formular um filtro de terceira ordem e assim por diante, mas ´e claro que eles ficam cada vez mais complicados. O filtro de terceira ordem tamb´em pode ser entendido como o de primeira ordem aplicado trˆes vezes, como ser´a visto nos exerc´ıcios. ´ poss´ıvel estender esta discuss˜ E ao para al´em das fun¸c˜oes propriamente ditas definidas no intervalo de periodicidade. Como tudo que se requer ´e que os objetos dos quais se vai calcular os coeficientes de Fourier sejam integr´aveis, podemos realizar este tipo de opera¸c˜ao tamb´em com “fun¸c˜oes estendidas”, tais como a “fun¸c˜ao” delta de Dirac ou combina¸c˜oes lineares de v´arias delas. Assim como fizemos com as fun¸c˜oes propriamente ditas, tamb´em podemos passar as “fun¸c˜oes” delta de Dirac pelo filtro passa-baixas, e verificar que mesmo neste caso mais singular as caracter´ısticas de convergˆencia da s´erie melhoram muito. Como 9 ser´a visto nos exerc´ıcios, o filtro transforma a “fun¸c˜ao” delta de Dirac em um pulso retangular, que tem uma s´erie de Fourier convergente, se bem que n˜ao uniformemente convergente. Uma segunda aplica¸c˜ao do filtro j´a resulta numa s´erie uniformemente convergente. De fato, neste caso a aplica¸c˜ao do filtro reproduz a pr´opria defini¸c˜ao da “fun¸c˜ao” delta de Dirac, por meio do limite ε → 0, atrav´es do limite de uma fam´ılia de fun¸c˜oes. 10