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Aula 20 - Questões De Representação E Convergência

Curso de física matemática I ministrado pelo professor Jorge L. deLyra no segundo semestre do ano de 2010

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F´ısica Matem´atica I Jorge L. deLyra 18 de Abril de 2010 20: Quest˜ oes de Representa¸c˜ ao e Convergˆ encia Como temos agora a s´erie de Fourier definida, que ´e a vers˜ao cont´ınua, dentro de uma caixa finita, da expans˜ ao de Fourier, devemos nos perguntar se tamb´em neste caso as expans˜ oes podem ser usadas como representa¸c˜oes fi´eis das respectivas fun¸c˜oes. Como os coeficientes de Fourier s˜ ao definidos atrav´es de integrais, que s˜ ao opera¸c˜oes lineares sobre as fun¸c˜oes, n˜ao ´e dif´ıcil ver que, assim como em redes finitas, tamb´em no limite do cont´ınuo as expans˜ oes de Fourier s˜ ao representa¸c˜oes fi´eis das fun¸c˜oes, pelo menos do ponto de vista aritm´etico. Por exemplo, ´e f´acil verificar que a s´erie de Fourier de uma soma de fun¸c˜oes ´e a soma das s´eries de Fourier de cada uma das fun¸c˜oes. Entretanto, como temos agora somas infinitas, na pr´atica isto tem de ficar condicionado `as propriedades de convergˆencia destas s´eries. Em particular, uma vez que vamos utilizar as s´eries de Fourier, complexas ou reais, como uma representa¸c˜ao das fun¸c˜oes correspondentes no contexto da resolu¸c˜ao de equa¸c˜oes diferenciais, ´e importante discutir aqui a quest˜ ao da possibilidade de se diferenciar e integrar estas s´eries termo-a-termo e ainda obter como resultado s´eries convergentes. A defini¸c˜ao de convergˆencia ponto-a-ponto da s´erie de Fourier de uma fun¸c˜ao ϕ(x) ´e a seguinte: em um determinado ponto x do intervalo de periodicidade [0, L], dado um n´ umero positivo ǫ, que ´e uma representa¸c˜ao do erro obtido ao se aproximar a fun¸c˜ao pela s´erie, deve existir um n´ umero inteiro k(ǫ) tal que a soma parcial Sk da s´erie at´e k(ǫ) est´a mais pr´oxima do valor da fun¸c˜ao do que a distˆ ancia ǫ, ou seja, k > k(ǫ) ⇒ |ϕ(x) − Sk | < ǫ. Isto deve ser verdadeiro para todo n´ umero positivo ǫ. Se dado um ǫ qualquer, sempre for poss´ıvel achar o inteiro k(ǫ) que satisfaz a esta condi¸c˜ao, ent˜ao dizemos que a s´erie ´e convergente para a fun¸c˜ao naquele ponto. Equivalentemente, estamos garantindo desta forma que a sequˆencia de somas parciais Sk da s´erie tem como limite o valor da fun¸c˜ao no ponto x, quando k → ∞. Se este fato for verdadeiro para todos os pontos x do intervalo de periodicidade [0, L], ent˜ao dizemos que a s´erie ´e simplesmente convergente ou convergente ponto-a-ponto no seu dom´ınio. Entretanto, esta ´e uma forma um tanto fraca de convergˆencia, que n˜ao garante, por exemplo, que se possa diferenciar ou integrar a s´erie e obter como resultado outra s´erie que tamb´em seja convergente. Se n˜ao pudermos executar estas opera¸c˜oes de diferencia¸c˜ao e integra¸c˜ao sobre a s´erie, para obter as s´eries associadas `a derivada e `a primitiva da fun¸c˜ao original, ent˜ao ´e claro que a representabilidade da fun¸c˜ao pela s´erie fica grandemente prejudicada, para os nossos fins na f´ısica. Como j´a vimos anteriormente, existe um outro crit´erio de convergˆencia, que ´e mais forte que o da convergˆencia simples, que de forma geral pode ser usado para determinar a possibilidade ou n˜ao de se realizar estas opera¸c˜oes, e que se denomina de convergˆencia uniforme. 1 O crit´erio de convergˆencia uniforme ´e parecido com o de convergˆencia simples, mas diz respeito a todos os pontos do intervalo, tratados simultaneamente. Ele reza que a s´erie ´e uniformemente convergente se, dado um n´ umero real positivo ǫ, existe um inteiro k(ǫ) tal que a soma parcial da s´erie at´e k(ǫ) est´a mais pr´oxima do valor da fun¸c˜ao do que a distˆ ancia ǫ em todos os pontos x do intervalo de periodicidade, considerados simultaneamente, para os mesmos valores de ǫ e k(ǫ), k > k(ǫ) ⇒ |ϕ(x) − Sk | < ǫ, ∀x ∈ [0, L]. A convergˆencia uniforme ´e uma condi¸c˜ao mais forte do que a simples convergˆencia, pois ´e claro que a convergˆencia uniforme implica na convergˆencia simples, mas o caso contr´ario n˜ao ´e verdadeiro, ou seja, uma s´erie pode ser convergente em todo o intervalo de periodicidade, sem entretanto ser uniformemente convergente. O exemplo paradigm´ atico disto ´e a s´erie da onda quadrada, que calcularemos mais adiante. No caso de s´eries de potˆencias j´a mencionamos, quando estudamos fun¸c˜oes anal´ıticas, que a condi¸c˜ao necess´aria e suficiente para que se possa diferenciar e integral termo-atermo ´e que as s´eries sejam uniformemente convergentes. Em nosso caso aqui trata-se de uma condi¸c˜ao suficiente, mas n˜ao necess´aria, para que se possa integral a s´erie termo-atermo, e de uma condi¸c˜ao necess´aria, mas n˜ao suficiente, para que se possa diferenciar a s´erie termo-a-termo. Assim, ´e poss´ıvel que possamos, por exemplo, integrar uma s´erie de Fourier que n˜ao seja uniformemente convergente, e ainda assim obter como resultado uma s´erie convergente. Um exemplo no qual a condi¸c˜ao n˜ao ´e suficiente para garantir a diferenciabilidade pode ser encontrado nos exerc´ıcios. Nas aplica¸c˜oes que vamos ver mais tarde as s´eries de Fourier com alguma frequˆencia n˜ao ser˜ ao uniformemente convergentes e, ` vezes h´a singularidades de fato, nem sempre ´e necess´ario ou poss´ıvel que elas sejam. As nas solu¸c˜oes matem´ aticas das equa¸c˜oes da f´ısica, mas estas singularidades podem sempre ser explicadas com base nos fatos da f´ısica envolvida. Em casos excepcionais at´e s´eries divergentes podem ser corretamente usadas e interpretadas, como veremos. H´ a duas formas de se tentar caracterizar a convergˆencia de s´eries de Fourier. Na forma tradicional de se pensar no assunto, tenta-se relacionar a convergˆencia da s´erie com as caracter´ısticas anal´ıticas da fun¸c˜ao da qual a s´erie ´e obtida, tais como a continuidade e a diferenciabilidade. A forma alternativa consiste de tentar relacionar a convergˆencia da ´ claro que para que os crit´erios s´erie apenas com as propriedades dos seus coeficientes. E tradicionais sejam u ´teis, ´e preciso que se conhe¸ca a fun¸c˜ao, ou pelo menos algumas das duas propriedades. Entretanto, nas aplica¸c˜oes esta fun¸c˜ao ´e em geral a inc´ognita do problema, de forma que n˜ao a conhecemos de antem˜ao. O que se obt´em diretamente neste caso s˜ ao os coeficientes da s´erie, com os quais se espera construir a fun¸c˜ao. Os teoremas tradicionais sobre a convergˆencia das s´eries de Fourier no cont´ınuo constituem um t´opico complexo e avan¸cado da an´ alise. De fato, trata-se em u ´ltima an´ alise de um problema em aberto, pois n˜ao se conhece uma condi¸c˜ao sobre a fun¸c˜ao ϕ(x) que seja necess´aria e suficiente para a convergˆencia da sua s´erie. O que se conhece s˜ ao v´arios teoremas estabelecendo condi¸c˜oes suficientes para garantir a convergˆencia, alguns dos quais registramos a seguir. A id´eia ´e resumir o que se conhece de mais b´asico a respeito. Nesta discuss˜ ao aparece o conceito de uma fun¸c˜ao ser “de varia¸c˜ao limitada”. O que queremos dizer com a fun¸c˜ao ser de varia¸c˜ao limitada ´e que a sua derivada seja seccionalmente cont´ınua e limitada. Isto quer dizer que, a menos de pontos isolados de n˜aodiferenciabilidade, a derivada exista e seja limitada, ou seja, n˜ao seja divergente em nenhum ´ como se defin´ıssemos uma nova derivada, que ´e igual `a derivada usual nos pontos ponto. E onde esta existe, e que simplesmente n˜ao est´a definida nos demais pontos. Exige-se apenas 2 que os pontos onde esta derivada alternativa n˜ao est´a definida sejam em n´ umero finito dentro do intervalo de periodicidade, de tal forma que formem um conjunto de medida nula e portanto n˜ao afetem a integral definida da derivada sobre o intervalo. Em pontos onde os limites `a esquerda e ` a direta da derivada existem e s˜ ao diferentes, podemos tamb´em definir esta nova derivada como o valor m´edio dos dois limites. Uma forma alternativa e mais precisa de se dizer que a fun¸c˜ao ´e de varia¸c˜ao limitada ´e dizer que esta derivada alternativa seja quadraticamente integr´ avel no intervalo, ou seja, que o quadrado dela seja integr´avel no intervalo. Vamos portanto ao enunciado dos teoremas relevantes. 1. O teorema de Fourier: se a fun¸c˜ao ´e seccionalmente integr´avel (para n´os, Riemannintegr´avel) e de varia¸c˜ao limitada, ent˜ao a s´erie converge, mas n˜ao necessariamente de forma uniforme. Observe-se que a fun¸c˜ao n˜ao precisa ser cont´ınua nem diferenci´ avel. 2. Se a fun¸c˜ao acima ´e descont´ınua em algum ponto dentro do intervalo de periodicidade, ent˜ao a s´erie converge em cada ponto, mas neste caso ela n˜ao converge uniformemente, pois uma s´erie uniformemente convergente sempre converge para uma fun¸c˜ao cont´ınua. 3. Se a fun¸c˜ao acima ´e cont´ınua em todo o intervalo de periodicidade, ent˜ao a s´erie converge uniformemente no intervalo. Observe-se que a fun¸c˜ao n˜ao precisa ser diferenci´avel em todos os pontos do intervalo. 4. A s´erie converge para a fun¸c˜ao onde esta ´e cont´ınua. Em pontos de descontinuidade a s´erie converge para o valor m´edio dos limites pela esquerda L− e pela direita L+ , que j´a discutimos anteriormente, ou seja para 1 (L+ + L− ). 2 Esta propriedade ´e uma express˜ao da completicidade da base de Fourier no caso cont´ınuo. Observe-se que descontinuidades podem acontecer tanto no interior do intervalo quanto de uma ponta para a outra, uma vez que estamos impondo condi¸c˜oes de contorno peri´odicas. Essencialmente, fun¸c˜oes seccionalmente cont´ınuas de varia¸c˜ao limitada s˜ ao uniformemente represent´aveis na rede, e podemos manter esta imagem intuitiva em mente na discuss˜ ao que segue, sobre a diferencia¸c˜ao e integra¸c˜ao das s´eries. Entretanto, ´e importante frisar que a rela¸c˜ao exata entre as condi¸c˜oes de convergˆencia no cont´ınuo e as id´eias que formulamos na rede ainda n˜ao foi estabelecida. Na palestra seguinte examinaremos uma forma alternativa de se abordar este aspecto da quest˜ ao, envolvendo certos filtros. Passemos agora a uma explora¸c˜ao inicial da quest˜ ao da convergˆencia do ponto de vista do comportamento dos coeficientes. A convergˆencia da s´erie de Fourier de uma determinada fun¸c˜ao ϕ(x) em todo o intervalo de periodicidade s´ o ´e poss´ıvel se os coeficientes de Fourier ϕ ek daquela fun¸c˜ao v˜ao a zero para |k| → ∞, pois de outra forma a s´erie n˜ao poderia convergir para todo valor de x. Isto fica mais claro e simples de se ver se pensarmos na convergˆencia absoluta da s´erie, que ´e a convergˆencia da s´erie que se obt´em quando se tira o m´ odulo de cada termo da s´erie original. Neste caso a convergˆencia s´ o ´e poss´ıvel se |ϕ ek | for ´ mais f´acil a zero suficientemente r´ apido com k, para |k| → ∞, como veremos a seguir. E usar para esta discuss˜ ao a vers˜ao complexa da s´erie, e escrevendo ϕ(x) = ∞ X k=−∞ eı 2πkx/L ϕ ek ⇒ 3 ∞ ∞ X X ı 2πkx/L |ϕ ek |, ek | = e |ϕ |ϕ(x)| ≤ k=−∞ k=−∞ observamos que as fun¸c˜oes da base tˆem m´ odulo unit´ ario, sendo portanto limitadas, o que significa que a convergˆencia da s´erie depender´a apenas do comportamento dos coeficientes ϕ ek , ou antes de |ϕ ek |, para valores crescentes de |k|. Al´em disso, j´a vimos que para ϕ(x) real temos que ϕ e∗k = −ϕ e−k , de forma que tamb´em ´e verdade que |ϕ ek | = |ϕ e−k |, e portanto podemos escrever esta equa¸c˜ao da forma |ϕ(x)| ≤ |ϕ e0 | + 2 ∞ X k=1 |ϕ ek |. Observe-se que podemos concluir que, se a s´erie for absolutamente convergente, a fun¸c˜ao para a qual ela converge ser´a necessariamente limitada no intervalo de periodicidade. Observe-se tamb´em que, como a dependˆencia com a vari´avel x est´a apenas nas fun¸c˜oes da base, ela desaparece quando se toma o m´ odulo como fizemos acima. O que isto quer dizer ´e que, para este tipo de s´erie, convergˆencia absoluta implica em convergˆencia uniforme, pois se a soma do lado direito da equa¸c˜ao acima convergir, ela far´ a isto independentemente do valor de x. Segue que, se os coeficientes satisfizerem `a condi¸c˜ao de convergˆencia, para n´ umeros ǫ e k(ǫ), eles o far˜ ao para todo x. Com isto, a sequˆencia ser´a absolutamente convergente, e portanto convergente, de forma uniforme. Lembrando que convergˆencia absoluta implica em simples convergˆencia, podemos verificar esta uniformidade escrevendo os crit´erios de convergˆencia em termos do resto Rǫ de cada s´erie, que devem ir a zero quando k → ∞, para que haja convergˆencia. Se considerarmos somas parciais at´e um certo k(ǫ), o resto da s´erie pode ser expresso como a soma de k(ǫ) + 1 at´e o infinito, Rǫ = ∞ X k=k(ǫ)+1   ϕ ek eı 2πkx/L + ϕ e∗k e−ı 2πkx/L , de forma que temos a rela¸c˜ao X ∞  X ∞  2|ϕ ek |. ϕ ek eı 2πkx/L + ϕ e∗k e−ı 2πkx/L ≤ |Rǫ | = k=k(ǫ)+1 k=k(ǫ)+1 Dado um ǫ, a condi¸c˜ao de simples convergˆencia ´e que exista um k(ǫ) tal que o lado esquerdo desta desigualdade seja menor do que ǫ. J´a a condi¸c˜ao de convergˆencia absoluta ´e que o lado direito desta desigualdade seja menor do que ǫ. Se esta segunda condi¸c˜ao estiver satisfeita, ent˜ao a primeira tamb´em estar´a, o que mostra que convergˆencia absoluta implica em simples convergˆencia. Al´em disso, como a condi¸c˜ao de convergˆencia absoluta ´e automaticamente independente de x, segue tamb´em que ela implica em convergˆencia uniforme, pois a primeira condi¸c˜ao ser´a satisfeita com o mesmo k(ǫ) para todo x. Observe-se que estas condi¸c˜oes mostram que a s´erie converge para alguma fun¸c˜ao finita em todo o intervalo de periodicidade, sem entretanto determinar qual ´e esta fun¸c˜ao-limite. Entretanto, j´a sabemos de nossas an´ alises anteriores, envolvendo o fato de que a base de Fourier ´e ortogonal e completa, que se a s´erie converge, ent˜ao ela converge para a fun¸c˜ao que a gerou, a menos de pontos isolados de descontinuidade, onde a s´erie converge para a m´edia dos dois limites laterais. Vemos assim que a convergˆencia uniforme ser´a determinada exclusivamente pelo comportamento dos n´ umeros reais positivos ak dados pelos m´ odulos dos coeficientes, ak = |ϕ ek |, 4 em fun¸c˜ao de k, no limite onde k → ∞. A soma ser´a finita quando, para k acima de um certo km , tivermos que A , k 1+δ ak ≤ onde A e δ s˜ ao constantes reais positivas. Isto ´e verdade porque a soma dos termos entre k = 0 e k = km ´e finita, uma vez que consiste de um n´ umero finito de termos, e porque neste caso podemos majorar a soma restante por uma integral convergente, ∞ X k=km +1 ak ≤ Z ∞ dk km A −A 1 = δ kδ k 1+δ ∞ = km A 1 . δ δ km Deste que δ n˜ao seja nula, isto estabelece um limite superior para uma soma de quantidades positivas, que ´e portanto uma soma monotonicamente crescente. Segue que a soma necessariamente converge. Por outro lado se tivermos que, para k acima de um certo km , ak ≥ A k 1−δ , com δ positivo ou nulo, ent˜ao ´e poss´ıvel minorar a soma por uma integral que ´e divergente para o infinito, de forma semelhante ao que fizemos acima, e mostrar desta forma que a soma dos m´ odulos dos coeficientes diverge para o infinito. Isto n˜ ao quer dizer, entretanto, que a s´erie original seja divergente, mas quer dizer apenas que n˜ao sabemos se ela ´e convergente ou divergente. Sabemos apenas que a s´erie n˜ao pode ser absolutamente convergente. Vemos assim que a forma como ak vai a zero para k → ∞ determina se temos ou n˜ao convergˆencia absoluta e portanto convergˆencia uniforme. Um decaimento como 1/k ´e um valor lim´ıtrofe para convergˆencia absoluta, qualquer decaimento como este ou mais lento corresponde a uma convergˆencia que n˜ao ser´a uniforme, ou a uma divergˆencia pura e simples. Em particular, vemos agora com clareza que, se ak n˜ao for a zero de todo para k → ∞, ent˜ao a s´erie n˜ao pode ser uniformemente convergente. De fato, ´e poss´ıvel verificar que na realidade ela n˜ao pode sequer ser simplesmente convergente em todo o intervalo de periodicidade, e que na maior parte dos pontos do intervalo ela oscila ou diverge para o infinito. Entretanto, os argumentos de convergˆencia para os casos em que a s´erie n˜ao ´e uniformemente convergente s˜ ao muito mais complexos do que os que estamos desenvolvendo aqui, e ser˜ao abordados em palestras posteriores. Uma tarefa ainda mais complexa ´e a de estabelecer as rela¸c˜oes entre o comportamento dos coeficientes de Fourier e as caracter´ısticas da fun¸c˜ao que d´a origem `a s´erie de Fourier. ´ deste tipo de rela¸c˜ao que tratam os teoremas que foram listados anteriormente. E ´ cerE tamente importante termos alguma id´eia que relacione as caracter´ısticas da fun¸c˜ao com o fato de sua s´erie de Fourier ser ou n˜ao convergente. Entretanto, nas aplica¸c˜oes n´os frequentemente temos apenas a s´erie, sem conhecer de forma independente a fun¸c˜ao para a qual ela possivelmente converge, de forma que ´e igualmente importante podermos determinar a convergˆencia da s´erie com base apenas no exame dos coeficientes. Passemos agora ao exame da quest˜ ao da diferencia¸c˜ao e integra¸c˜ao das s´eries. Se assumirmos que a s´erie acima ´e convergente, ent˜ao temos que |ϕ ek | → 0 quando k → ∞, e se a diferenciarmos termo-a-termo em rela¸c˜ao a x, obtemos ∞ dϕ(x) 2π X ı 2πkx/L =ı e kϕ ek . dx L k=−∞ 5 Esta ´e outra s´erie de Fourier, cujos coeficientes s˜ ao proporcionais a k ϕ ek . Segue que estes coeficientes v˜ao a zero mais lentamente do que ϕ ek , para valores crescentes de k, e possivelmente n˜ao v˜ao a zero de todo. Assim, ´e perfeitamente poss´ıvel que a deriva¸c˜ao termo-atermo produza uma s´erie que n˜ao ´e convergente de todo. Por outro lado, se integrarmos a s´erie termo-a-termo, tratando entretanto o termo k = 0 em separado, temos ϕ(x) − ϕ e0 = ∞ X k=−∞,k6=0 Ψ(x) − ϕ e0 x − C = −ı L 2π eı 2πkx/L ϕ ek ⇒ ∞ X k=−∞,k6=0 1 eı 2πkx/L ϕ ek , k onde Ψ(x) ´e uma primitiva de ϕ(x) e C ´e uma constante arbitr´ aria. Vemos que do lado direito da equa¸c˜ao temos agora uma s´erie de Fourier cujos coeficientes s˜ ao proporcionais a ϕ ek /k, que v˜ao a zero mais r´ apido do que ϕ ek . Segue que, se a s´erie original era convergente, ent˜ao esta s´erie da primitiva tamb´em ser´a convergente. De fato, na realidade se a s´erie original for convergente esta ser´a uniformemente convergente, e ´e poss´ıvel que a s´erie da primitiva seja convergente mesmo se a s´erie original n˜ao for. Podemos agora mostrar que os coeficientes das novas s´eries produzidas acima s˜ ao de fato, respectivamente, os coeficientes de Fourier da derivada e da primitiva de ϕ(x). Come¸cando pelo caso da derivada, a s´erie resultante da deriva¸c˜ao termo-a-termo ´e ı ∞ ∞ X 2π X ı 2πkx/L eı 2πkx/L ϕ e′k , e kϕ ek = L k=−∞ k=−∞ que ´e uma s´erie de Fourier, correspondente aos coeficientes de Fourier dados por Z 2π ı 2πk −ı 2πkx/L 1 L dx kϕ ek = e ϕ(x). ϕ e′k = ı L L 0 L Podemos integrar isto por partes, integrando a fun¸c˜ao da base de Fourier e diferenciando ϕ(x). Lembrando que temos condi¸c˜oes de contorno peri´ odicas no intervalo [0, L], conclu´ımos que o termo integrado sempre se anula, de forma que podemos escrever ϕ e′k como Z 1 L ı 2πk L ′ ϕ ek = − dx e−ı 2πkx/L ϕ′ (x) L 0 L −ı 2πk Z 1 L dx e−ı 2πkx/L ϕ′ (x), = L 0 ou seja, ϕ e′k ´e de fato o coeficiente de Fourier da derivada ϕ′ (x). Assim, vemos que a derivada termo-a-termo da s´erie de Fourier de ϕ(x) ´e de fato a s´erie de Fourier da derivada ϕ′ (x) da mesma fun¸c˜ao em rela¸c˜ao a x. Se esta nova s´erie converge ou n˜ao para ϕ′ (x) depende das propriedades da fun¸c˜ao ϕ′ (x), da mesma forma como ´e o caso para qualquer fun¸c˜ao real no intervalo de periodicidade. Entretanto, se a derivada da s´erie converge, ent˜ao ela representa de fato a derivada da fun¸c˜ao. Em outras palavras, a convergˆencia da s´erie resultante da diferencia¸c˜ao ´e a condi¸c˜ao adicional que, junto com a condi¸c˜ao de convergˆencia uniforme da s´erie original, garante que podemos diferenciar a s´erie original termo-a-termo. Fazendo a mesma an´ alise para o caso da primitiva, a s´erie resultante da integra¸c˜ao termo-a-termo, com a exclus˜ ao do termo k = 0, ´e neste caso L −ı 2π ∞ X k=−∞,k6=0 ı 2πkx/L 1 e k ϕ ek = 6 ∞ X k=−∞,k6=0 e k, eı 2πkx/L Ψ que ´e uma s´erie de Fourier (sem o termo constante), correspondente aos coeficientes de Fourier dados por 1 e k = −ı L 1 ϕ Ψ ek = 2π k L Z L dx 0 −ı L −ı 2πkx/L e ϕ(x). 2πk Mais uma vez, podemos integrar isto por partes, mas desta vez integrando ϕ(x) e diferenciando a fun¸c˜ao da base de Fourier. Lembrando de novo que temos as condi¸c˜oes de contorno e k como peri´ odicas, e que portanto o termo integrado se anula, podemos escrever Ψ Z 1 L −ı L −ı 2πk −ı 2πkx/L e Ψk = − dx e Ψ(x) L 0 2πk L Z 1 L dx e−ı 2πkx/L Ψ(x), = L 0 e k ´e de fato o coeficiente de Fourier da primitiva Ψ(x) da fun¸c˜ao ϕ(x). Desta ou seja, Ψ forma vemos que, a menos do termo constante k = 0, a integral termo-a-termo da s´erie de Fourier de ϕ(x) ´e de fato a s´erie de Fourier da primitiva Ψ(x) da mesma fun¸c˜ao em rela¸c˜ao a x. Desde que a s´erie original convirja, esta nova s´erie sempre converge para Ψ(x). Vamos dar agora um resumo da situa¸c˜ao em rela¸c˜ao `a convergˆencia das s´eries e das suas derivadas e integrais termo-a-termo. Para come¸car, no que diz respeito `a convergˆencia das s´eries para as respectivas fun¸c˜oes, se a s´erie de Fourier de uma fun¸c˜ao converge de todo, ent˜ao ela sempre converge para o valor m´edio dos limites laterais daquela fun¸c˜ao. A convergˆencia pode ou n˜ao ser uniforme. Se a fun¸c˜ao for cont´ınua, incluindo de uma ponta do intervalo para a outra, ent˜ao a s´erie ser´a uniformemente convergente. Por outro lado, se a fun¸c˜ao tiver uma ou mais descontinuidades, seja nas pontas, seja no interior do intervalo, ent˜ao a s´erie com certeza n˜ao ser´a uniformemente convergente. No que diz respeito ` a integra¸c˜ao termo-a-termo, as s´eries de Fourier s˜ ao de fato extremamente robustas. Qualquer s´erie convergente, mesmo aquelas que n˜ao s˜ ao uniformemente convergentes, pode ser integrada termo-a-termo, gerando outra s´erie de Fourier convergente, que ´e a s´erie de Fourier da primitiva da fun¸c˜ao original, a menos do termo constante k = 0 da s´erie original, que precisa ser tratado em separado. Se a s´erie original for convergente, ent˜ao a s´erie integrada ser´a uniformemente convergente. Em alguns casos at´e mesmo s´eries divergentes podem ser integradas termo-a-termo, gerando s´eries convergentes, como veremos nas aplica¸c˜oes. No que diz respeito ` a diferencia¸c˜ao termo-a-termo, as s´eries de Fourier s˜ ao menos robustas, mas ainda chegam a surpreender. Para que se possa diferenciar uma s´erie de Fourier termo-a-termo, ´e preciso que a s´erie seja uniformemente convergente, o que implica que a fun¸c˜ao original seja cont´ınua em todo o intervalo de periodicidade. Se a derivada da s´erie converge, ent˜ao ela representa a derivada da fun¸c˜ao. Note-se entretanto que n˜ao ´e preciso que a fun¸c˜ao seja diferenci´ avel em todos os pontos, basta que ela seja seccionalmente diferenci´avel. Se a derivada termo-a-termo da s´erie original for convergente em um determinado ponto, ent˜ao ela ´e a s´erie de Fourier da derivada da fun¸ca˜o original naquele ponto, convergindo para esta derivada no sentido da m´edia dos limites laterais. Entretanto, esta s´erie pode muito facilmente n˜ao ser uniformemente convergente, de forma que a possibilidade de se tomar a segunda derivada n˜ao est´a garantida, a menos que a primeira derivada tamb´em seja cont´ınua. Se temos uma s´erie de Fourier sem conhecer a fun¸c˜ao que a originou, ainda podemos dizer alguma coisa sobre esta fun¸c˜ao, com base na convergˆencia da s´erie. Isto tem uma certa importˆ ancia, pois muitas vezes nos encontramos nesta situa¸c˜ao nas aplica¸c˜oes deste 7 formalismo a equa¸c˜oes diferenciais parciais. Se a s´erie for uniformemente convergente, ent˜ao a fun¸c˜ao que ela representa ´e cont´ınua. Trata-se aqui de um teorema geral, que se aplica a qualquer s´erie uniformemente convergente de fun¸c˜oes cont´ınuas. Por outro lado, se a s´erie for convergente mas n˜ao uniformemente convergente, ent˜ao a fun¸c˜ao tem pelo menos uma descontinuidade, em algum ponto do intervalo de periodicidade. Tudo que foi dito aqui sobre a vers˜ao complexa da s´erie de Fourier pode ser repetido sem mudan¸cas importantes para a vers˜ao real. Existe a mesma preocupa¸c˜ao com o tratamento em separado do termo constante α0 /2 no caso da integra¸c˜ao. A u ´nica coisa adicional que devemos lembrar ´e que tanto a deriva¸c˜ao quanto a integra¸c˜ao trocam os pap´eis dos coeficientes αk e βk , uma vez que a derivada de um seno ´e proporcional a um cosseno, e vice-versa. N˜ ao ´e dif´ıcil usar a vers˜ao real do formalismo para mostrar que a s´erie sempre converge para a m´edia dos dois limites laterais em pontos com descontinuidade de degrau. Basta calcular a s´erie de uma fun¸c˜ao simples, a onda quadrada, que ´e dada dentro do intervalo [−L/2, L/2] por f (x) = 1 para 0 < x < L/2, f (x) = −1 para −L/2 < x < 0, f (x) = 0 para x ∈ {−L/2, 0, L/2}, e que est´a ilustrada no diagrama que segue. Fig. 1: A onda quadrada, com os valores m´edios dos limites laterais atribu´ıdos aos pontos de descontinuidade. Como esta ´e uma fun¸c˜ao ´ımpar, n˜ao ´e dif´ıcil ver que os coeficientes αk s˜ ao todos nulos, restando apenas os coeficientes βk . Para estes coeficientes, a integral sobre [−L/2, L/2] pode ser reduzida a uma integral sobre [0, L/2], com um fator de 2, devido `a simetria do integrando, de forma que temos   Z kx 4 L/2 dx sin 2π βk = L 0 L    L/2 4 L kx = − cos 2π L 2πk L 0 2 [1 − cos(πk)] = πk i 2 h 1 − (−1)k . = πk 8 Vemos aqui que estes coeficientes s˜ ao nulos para k par, e temos portanto a expans˜ ao de Fourier de f (x), com k = 2j + 1, f (x) =   ∞  4X 1 kx sin 2π . π k L j=0 Pode-se mostrar que esta s´erie ´e convergente em todos os pontos do intervalo de periodicidade, com base no fato de que os coeficientes s˜ ao monotonicamente decrescentes para zero, como veremos mais adiante, ou representando a fun¸c˜ao numa rede e tomando explicitamente o limite do cont´ınuo. Vemos aqui que, nos pontos de descontinuidade, que s˜ ao x = 0 e x = ±L/2, todos os senos se anulam, pois sin(0) = sin(πk) = 0 para todo valor de k. Assim, vemos que nestes pontos a s´erie converge para zero, que ´e de fato o valor m´edio dos dois limites laterais. A partir desta s´erie, ´e f´acil construir uma outra para uma fun¸c˜ao que tenha um salto de altura h a partir do zero, no ponto x = 0,   ∞  h 2h X 1 kx f (x) = + sin 2π . 2 π k L j=0 Qualquer fun¸c˜ao cont´ınua a menos de um pulo de altura h em x = 0 pode agora ser escrita como a soma de uma fun¸c˜ao completamente cont´ınua mais esta fun¸c˜ao, como ilustrado no diagrama que segue. Fig. 2: Uma fun¸c˜ao com uma descontinuidade de degrau como uma superposi¸c˜ao da onda quadrada com uma fun¸c˜ao cont´ınua, em um determinado ponto. A fun¸c˜ao cont´ınua tem uma s´erie que converge para ela em x = 0, e a s´erie da onda quadrada converge para o valor m´edio dos limites laterais em x = 0, como vimos. Como a s´erie da fun¸c˜ao arbitr´ aria original ´e a soma destas duas s´eries, segue que ela tamb´em converge para o valor m´edio dos limites laterais em x = 0. Com um pouco mais de trabalho podemos estender este argumento para qualquer descontinuidade de pulo de uma fun¸c˜ao, em qualquer posi¸c˜ao x. Este argumento pode ser melhorado atrav´es do uso de uma fun¸c˜ao com uma u ´nica descontinuidade de pulo no intervalo de periodicidade, em vez das duas descontinuidades de pulo da onda quadrada, o que ser´a deixado para os exerc´ıcios. Como vimos acima, no caso da onda quadrada os coeficientes de Fourier caem para zero como 1/k quando k → ∞. Esta dependˆencia com a primeira potˆencia negativa de k ´e caracter´ıstica do caso lim´ıtrofe entre a convergˆencia simples e a convergˆencia uniforme, constituindo a forma de convergˆencia mais fraca poss´ıvel no ˆambito das poss´ıveis potˆencias 9 inteiras de 1/k, no qual a s´erie ainda converge ponto-a-ponto, mas n˜ao converge uniformemente. A diferencia¸c˜ao termo-a-termo desta s´erie produz uma s´erie que n˜ao converge, de fato uma s´erie que diverge para ±∞ em alguns pontos, o que condiz com o fato de que a fun¸c˜ao n˜ao ´e cont´ınua em todos os pontos do intervalo, de forma que a sua derivada de fato diverge nos pontos de n˜ao-continuidade. Por outro lado, a integra¸c˜ao termo-a-termo desta s´erie produz uma s´erie que ´e uniformemente convergente, e que representa uma fun¸c˜ao cont´ınua. Esta fun¸c˜ao cont´ınua, mas n˜ao diferenci´ avel em alguns pontos, ´e a onda triangular que se obt´em integrando a onda quadrada. 10