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Associativismo Rural

Sociologia Rural

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O Associativismo no meio rural brasileiro: contradições e perspectivas Anita Aline Albuquerque Costa 1 Tereza Cristina Almeida Ribeiro 2 Resumo De um modo geral, pode-se afirmar, que no Brasil, o processo de transformação da base técnica dos estabelecimentos rurais, sobretudo a partir de meados da década de 60, conhecido como “modernização conservadora”, caracterizou-se pela permanência do grau de concentração fundiária na agricultura. Por outro lado, a partir da década de 80 percebe-se que a ação do Estado na política de desenvolvimento rural passa a sofrer algumas alterações. Registraram-se mudanças no plano institucional, nas estratégias de políticas sociais e, ao mesmo tempo, a emergência de um novo padrão organização dos pequenos produtores rurais, caracterizado pelo apelo à participação e a co-gestão. Configura-se assim uma prática organizativa com características próprias para garantir aos pequenos produtores o acesso aos benefícios dos programas de desenvolvimento rural. Palavras-Chaves: Associativismo no meio rural - Organização do pequeno produtor - PRONAF. Ø Incentivo à participação: o PAPP Os primeiros anos da década de 80 marcaram um período fortemente recessivo. Embora o processo de transformação da base técnica da produção tenha continuado na região, seu ritmo mostrava-se mais lento. Constata-se o reordenamento do setor agrícola em meio a uma economia em crise, agravada pela seca prolongada. Emerge claramente, nesse momento, uma crise na capacidade do Estado promover o consenso social, que vinha caracterizando sua atuação. O modelo adotado nesse período de transição não executou as rupturas necessárias para o desenvolvimento da democracia. No campo, ao se privilegiar o “agrobusiness”, os avanços tecnológicos aliaram-se à manutenção do latifúndio, fazendo com que a sociedade brasileira entrasse nos anos 80, em amplo processo democrático, sem apresentar propostas consistentes para resolver a questão agrária. Como lembra Moisés, “a estratégia de constituição da democracia não é uma decorrência natural do fim do autoritarismo” (MOÍSES, 1989:119). 1 Doutora em Serviço Social pela PUC/SP, Professora do Mestrado e Doutorado em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é Diretora do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UFPE. 2 Mestranda em Serviço Social pela Universidade federal de Pernambuco. Colaboradora do Núcleo de Estudos em Políticas Sociais e Direitos Sociais- NEPPS/UFPPE. 1 A abertura política faz com que a sociedade civil se mobilize em busca de respostas do Estado, com grandes mobilizações populares, como as campanhas “diretas - já” e as freqüentes e extensivas greves, que atingiram a maioria das categorias profissionais, inclusive a categoria dos trabalhadores rurais. Esse tipo de mobilização popular traz à cena novos atores sociais, como lembra Eder Sader 3 , mas permanecem as razões históricas que determinam o processo e sua direção. No campo, os trabalhadores rurais e pequenos produtores também passam a se organizar, e exigir do Estado uma atuação mais igualitária, reivindicando participação na formulação de políticas públicas. A participação é a fórmula a que o governo recorre para legitimar-se, roubando à oposição sua melhores bandeiras. A tônica participativa, trazida das hostes do Banco Mundial, e incorporada ao discurso técnico e das lideranças populares, é fortemente assimilada no campo, colocando em destaque e valorizando a expressão de interesses de classe por meio de entidades representativas. Com esse pressuposto é enfrentada a crise do intervencionismo. Passa-se à busca de novas formas de relação entre Estado e Sociedade, justificada pela elaboração de um novo modelo de gestão democrática e, vinculando-o a formas de organização que servem ao fortalecimento da sociedade civil. Isso pode ser visualizado, principalmente, a partir de 1985 quando foi criado o Projeto Nordeste, visando o desenvolvimento econômico e social da região. Esse projeto, em sua primeira etapa, compreendia cinco principais linhas de ação, prioritariamente voltadas para o meio rural: 1- Criação do Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural; 2 Desenvolvimento de pequenos negócios não-agrícolas; 3- Irrigação; 4- Ações de saúde; 5Educação e 6- Saneamento básico. Contudo, a única realmente implementada e, que alcançou condições de funcionamento foi o PAPP - Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural cujo objetivo geral era assim enunciado: “estimular e induzir os pequenos produtores rurais a se organizarem sob a forma associativa, visando aumentar seus níveis de produção, produtividade e renda” (BRASIL: SUDENE, 1986). Para atendimento desse objetivo o PAPP elegia como objetivos específicos: a) fortalecimento e fomento de organizações e associações de pequenos produtores rurais; b) estímulo a investimentos na infra-estrutura operacional das formas associativas de pequenos produtores rurais; c) assistência financeira à produção, beneficiamento, industrialização e comercialização de bens oriundos das atividades agropecuárias e da pesca, extrativistas e artesanais dos pequenos produtores rurais, organizados sob a forma associativa; d) investimento e infra-estrutura de apoio coletivo à produção de bens oriundos dessas atividades. O programa procurava estimular, através de financiamentos não reembolsáveis, investimentos e empreendimentos identificados, selecionados, solicitados, planejados, executados, fiscalizados e controlados pelas comunidades rurais, estabelecendo, porém, como requisito básico, a organização dos pequenos produtores (potencialmente beneficiários) em associações. O discurso oficial prioriza o atendimento de agricultores organizados em associações, acompanhando e reproduzindo os postulados do planejamento participativo. Em nome da gestão participativa a proposta supõe a descentralização de recursos e de poder. A partir da segunda metade da década de 80 passou-se a buscar a integração do pequeno produtor rural ao mercado, procurando incentivar a efetiva participação do beneficiário e seguindo à risca as orientações do seu principal financiador, o Banco Mundial. O PAPP em Pernambuco é um bom exemplo disso, onde foi implantado com esse objetivo (PAPP, 1986). 3 Ver: Eder Sader- Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. 2 Não obstante esses princípios, o PAPP pouco representou em avanço na política participativa. Além de envolver a organização sindical nos procedimentos burocráticos oficiais, acaba contribuindo para o esvaziamento, por assim dizer, das mobilizações dos trabalhadores rurais no campo. Como reafirmam as análises de vários pesquisadores (Sales, 1989; Costa, 1991) sobressaem nos programas governamentais desse período a “cultura da dádiva” em que benefícios e serviços são repassados à população como concessão e não como direitos. Ao apoiar projetos de modernização da agricultura, o Estado acaba criando também, as condições necessárias à manipulação dos pequenos produtores rurais, reforçando os laços clientelístas existentes entre o poder local e as associações. Na avaliação realizada em 1990, tanto o Banco Mundial como o Governo Federal concluem que “apesar de algumas experiências bem sucedidas (em diferentes Estados e atividades dos Projetos), o Programa, como um todo, não estava alcançando os seus objetivos de melhorar o nível de vida dos pequenos produtores rurais e diminuir a pobreza rural no Nordeste. Por outro lado, as avaliações complementares denotam que a ação dos projetos setoriais (quando existentes) não tem privilegiado a demanda por serviços sociais dessas comunidades rurais” (BRASIL/ PAPP,1993:1). O PAPP passou então, por um processo de reformulação (91/92), procurando obter respostas mais eficazes para o desenvolvimento rural. A nova proposta contemplava pequenos projetos comunitários, através do PAC - Programa de Apoio Comunitário e do FUMAC Fundo Municipal de Apoio Comunitário. No primeiro, era previsto o financiamento de projetos comunitários em que a tomada de decisões quanto à aprovação, à liberação de recursos, o monitoramento e avaliação dos projetos era de responsabilidade da Unidade Técnica Estadual ( no caso especifico de Pernambuco, para o PRORURAL). Já no Fundo Municipal de Apoio Comunitário - FUMAC - a tomada de decisões competia aos conselhos municipais que contavam com “a participação equilibrada da sociedade civil organizada, das comunidades potencialmente beneficiárias, da Unidade técnica e dos poderes públicos municipais e estaduais, contando com a representação dos trabalhadores rurais” (BRASIL, março/ 93). Com a reestruturação, a noção de representação tende a ocupar um espaço privilegiado na gestão do Programa. À semelhança do que ocorre na administração das políticas setoriais (saúde, educação, habitação, etc.) os conselhos criados nas áreas rurais se apresentam, então, como entidades representativas de interesses dos vários segmentos sociais da agricultura familiar. Na visão de Lamounier (1981) “essas unidades estabelecem a conexão entre as políticas governamentais e a negociação” , o que supõe a existência de interlocutores válidos no respectivo setor de atividade, “e como pressuposto, a instituição de canais menos densos e diferenciados de representação” (Lamounier,1981:250). É justamente nessa perspectiva que é estruturado, em 1996, o PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Ø Pela Integração: PRONAF A nova ordem mundial consolidada nos anos 90 exige uma maior articulação das organizações dos trabalhadores na área rural, em defesa dos seus interesses coletivos. Por sua vez, a questão agrária ganha uma nova dimensão: ressurge com vigor a luta pela terra, através do MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra - e, ao mesmo tempo, a luta contra exclusão social e pela cidadania, com o apoio das associações de pequenos produtores rurais e do novo movimento sindical. Sob o impacto de uma nova situação que se configura 3 no campo, o governo de Fernando Henrique Cardoso dá uma nova orientação aos projetos de desenvolvimento rural. Com a organização dos pequenos produtores e através dela procura-se, como imperativo máximo, a geração de emprego e renda. Na sua proposta, o governo atribui à agricultura posição relevante no processo de crescimento econômico, reconhecendo como principais objetivos: a) gerar renda de forma desconcentrada; b) criar ocupações produtivas nos setores situados dentro e fora da porteira; c) garantir suficiência, produtividade, qualidade, diversificação e continuidade a uma política de segurança alimentar; d) reduzir a migração campo-cidade e das pequenas cidades para as grandes; e) gerar divisas para o país; f) apoiar a retomada do processo de desenvolvimento; g) contribuir para uma maior competitividade da economia nacional; h) usar os fatores de produção sem degradação ambiental; i) contribuir para a redução das desigualdades espaciais e sociais. (BRASIL/PRONAF, 1996). No discurso oficial, essa orientação é concretizada pela criação do PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. A direção desse programa deixa de ser a infra-estrutura, com construção de barragens no Nordeste, por exemplo, e passa e a centralizar-se em mecanismos de ajuste e, principalmente, geração de emprego e renda. Criado em julho de 1996, o PRONAF utiliza o estudo realizado pela FAO/INCRA 1994, para delimitar seu público-meta. Nesse estudo, a estrutura da agricultura brasileira inclui dois modelos básicos: a) o modelo patronal - no qual predomina a separação entre a gestão e o trabalho, uma organização centralizada, e ênfase na especialização; b) o modelo familiar, caracterizado pela estreita relação entre o trabalho e a gestão; com a direção do processo produtivo assegurado diretamente pelo agricultor e sua família, utilizando o trabalho assalariado só de modo complementar; Nesse modelo familiar encontram-se aqueles estabelecimentos em transição, que apresentam viabilidade econômica, embora não tenham acesso à maioria das políticas e programas governamentais; e a agricultura familiar periférica – na qual se incluem estabelecimentos, geralmente, inadequados em termos de infra-estrutura, dependendo de programas crédito, assistência técnica e de reforma agrária. O PRONAF direciona-se à modalidade de agricultores em transição, propondo-se a apoiar o desenvolvimento rural integrado, “tendo como fundamento o fortalecimento da agricultura familiar, como segmento gerador de emprego e renda de modo a estabelecer um padrão de desenvolvimento sustentável que vise ao alcance de níveis de satisfação e bem estar de agricultores e consumidores no que se refere às questões econômicas, sociais e ambientais, produzindo um modelo agrícola nacional. Busca ainda, garantir aos que estão no meio rural condições semelhantes aquelas que outros segmentos produtivos têm no meio urbano redirecionando políticas e serviços públicos às reais necessidades dos agricultores familiares (PRONAF, 1996). Constitui seu bjetivo geral propiciar condições para o aumento da capacidade produtiva, a geração de emprego e a melhoria da renda, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e a ampliação da cidadania por parte dos agricultores familiares 4 . Essa é a proposta do governo Fernando Henrique Cardoso para a Questão Agrária. A preocupação com os procedimentos e com o ideal democrático é insistentemente repetida no discurso oficial. Constata-se, porém, que a participação cede lugar à representação em nome da intermediação de interesses. Ao formular seus objetivos, acrescenta o instrumento oficial: 4 Estes, entendidos como os que exploram a terra na condição de proprietários, assentados, posseiros, arrendatários ou parceiros, que utilizem mão-de-obra familiar, utilizando empregados só eventualmente, com 80% da renda familiar extraída da atividade agropecuária e que resida na propriedade ou em aglomerado rural ou urbano próximo. 4 “compatibilizando seus propósitos com os interesses dos beneficiários e com a política agrícola e/ou prioridades dos Municípios e dos Estados”. Nesse sentido, são selecionados no país em 1996, através do Programa Comunidade Solidária, os municípios para a implementação do Plano de Desenvolvimento Local (PDL) de acordo com os critérios estabelecidos: são 380 municípios em que a população rural é maior do que a população urbana, a produção é predominantemente familiar e se incluem entre os mais pobres do país, de acordo com o “mapa da fome”. Mas, para ter acesso ao PRONAF o município deve organizar o Conselho de Desenvolvimento Rural (CMDR) com características de órgão paritário, que se encarrega de veicular as demandas específicas da população rural, realizando as articulações necessárias para o acesso à esfera pública e representação dos interesses da agricultura familiar, no município. Nesse sentido, o Programa é apresentado como um mecanismo de descentralização, na medida em que mobiliza esforços e talentos das instituições com atuação municipal e estadual para pensar e agir em relação ao desenvolvimento rural. A existência de uma sociedade civil “revitalizada” é apontada como garantia de processo democrático. Ø Os novos canais de expressão de interesses dos trabalhadores no campo – as associações Ao recuperar as tendências que perpassam as propostas de intervenção governamental na questão agrária, identificamos, também, que novas formas de articulação e intermediação de interesses são acionadas pelo Estado, fora da órbita dos partidos e dos sindicatos. Essa questão de intermediação e representação de interesses na sociedade civil tem sido amplamente discutida. Evidentemente, nem todos os atores têm o mesmo poder na sociedade nem desempenham as mesmas funções. As associações de pequenos produtores e trabalhadores rurais, assim como os conselhos municipais de desenvolvimento rural mostram-se como novas formas de agregação social que coexistem com outras categorias, como os grupos de interesse e os sindicatos, com uma função de socialização e se constituem, hoje, como novos canais de participação e de representação. Prevalece o entendimento de que se trata de organizações voluntárias, embora induzidas pelo Estado, surgindo, portanto, da vontade e da decisão de um grupo ou de um segmento de classe, com objetivos pré-definidos e relacionados às necessidades sociais numa dada realidade. Os estudos do NEPPS/UFPE - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Sociais e Direitos Sociais sobre essas associações, no estado ( 1994; 1996) têm evidenciado sua heterogeneidade, seja em relação aos objetivos – o projeto –, seja no que concerne às formas de encaminhamento das demandas – a prática, em sentido estrito. São diferenciações que advêm, certamente, das próprias características do meio em que se inserem, das relações de poder que influem, sem dúvida alguma, na sua eficácia política e ideológica, expressa nas mudanças implementadas, ou não, na esfera do trabalho. No Nordeste, diante das modalidades de inserção do capital na agricultura e das formas de intervenção estatal que as acompanham, apresenta-se como ponto ainda não suficientemente avaliado, o papel desses novos atores sociais. Atenção especial tem sido dispensada às associações, pela sua capacidade de captar e veicular demandas sociais de diferentes segmentos, em diversas situações, admitindo-se que, de acordo com o engajamento desses mediadores sociais, os “associados” têm assegurado ou não o encaminhamento de suas reivindicações, com possibilidade de fortalecer sua ação política. 5 Dirige-se, assim, a atenção para as associações como um locus, onde se dão oportunidades específicas de participação aos pequenos produtores, com a expectativa de que venham a atuar como grupo de pressão frente à burocracia estatal. Com a criação dos conselhos de desenvolvimento rural, procura-se ultrapassar a estrutura corporativa de representação dos interesses da categoria de pequenos produtores, permite-se que os trabalhadores e produtores se articulem pela via das associações, assim como os sindicatos, atribuindo novas características aos processos de negociação das demandas sociais, no CMDR, no qual a participação aparece como estratégia de superação da pobreza política, como afirma Guimarães (1990). As novas formas de articulação e intermediação de interesses instituídas no campo via políticas governamentais têm como principal característica a intermediação de interesses da pequena produção. Nesse sentido, as associações, assim como os sindicatos, os partidos políticos e os movimentos sociais, se constituem como atores da sociedade civil que operam primariamente como recursos de ressonância pública: viabilizam a tematização de situações, interesses e exigência semergentes ao nível das relações cotidianas, visando sua transposição do ‘mundo da vida’ para o plano público e constituem um contraponto fundamental dos interesses particularistas levados ao sistema político” 5 . Afirma Francisco Oliveira que a principal função das associações é negociar com o governo. Tais entidades apresentam-se, portanto, como “sistema paralelo, parapolítico, que aglutina mais que os partidos políticos e a partir do qual se estrutura ação política” ( Oliveira, 1990: 55). Para isso, importa, certamente, uma convivência mais ativa e igualitária dos associados na própria organização. Importam, igualmente sua capacitação e formação democrática. A importância de pensar no “outro” , no âmbito dessas entidades, articula-se com a trajetórias de atuação do grupo, com as diferenças e valores que configuram seu cotidiano. Nem todos os atores têm o mesmo poder na sociedade, mas não há dúvida que todos têm implicações sócio-políticas à medida que afetam as posições relativas dos grupos sociais. Particularizando as associações de pequenos produtores rurais, verificamos que, para os trabalhadores elas podem significar um acesso maior a bens e serviços; para os grandes proprietários e para os dirigentes, essas associações podem significar uma ameaça, seja pela introdução de novos intermediários políticos no meio rural ou mesmo pelas suas bandeiras de luta e meios de mobilização. Na verdade, a associação traz embutida na sua prática a idéia de representação de interesses sócio-econômicos dos pequenos produtores e isso ainda é uma situação inédita no meio rural, ainda marcado pelas relações clientelístas. O modelo associativo induzido pelo Estado resulta em organizações com duplo objetivo: prestação de serviços de promoção humana e social aos moradores da localidade e repasse de recursos oficiais. Com variações de uma para outra, sua ações se orientam, assim, para os serviços de educação, saúde e para a modernização da base produtiva. Nas associações os pequenos produtores podem ter acesso aos benefícios do PAPP e, via CMDR, se habilitam ao financiamento do PRONAF. Para o produtor é importante que a associação possa prestar serviços sociais e econômicos, do contrário perderia sua razão de existência. Por outro lado, observa-se que ainda tem baixa representatividade, observando-se a centralização das decisões na diretoria, que tende a concentrar poder e informações. No desenvolver dessa prática organizativa, observa-se que o seu poder de interlocução não se resume apenas as manobras para adquirir recursos, mas isso implica, sobretudo, seu reconhecimento político, que se expressa no poder de pressão e nos resultados 5 Ver COSTA, Anita AlineAlbuquerque. Interesses Agrários e Política – a mediação das organizações populares. Relatório de pesquisa. Recife, 1994. (mimeog.) 6 das articulações junto ao poder local e aos órgãos oficiais. Em que se pese esse aspecto de subordinação ao Estado, pode-se dizer que, de certo modo, a associação representa um encurtamento da distância dos direitos 6 ou uma possibilidade de representação baseado no estabelecimento de canal de comunicação com o poder político local ou estadual, uma forma de mediação de interesses ainda não absorvida até mesmo pelos pequenos agricultores. Resumindo: Sabemos que uma característica marcante das políticas e programas de desenvolvimento rural, desde os anos 80, é a institucionalização da participação dos usuários. Apesar das propostas se encontrarem calcadas num discurso democrático e participativo, estudos e pesquisas têm mostrado que a participação, tanto no PAPP como no PRONAF, tende a assumir a conotação de dádiva, criando espaço para o favor e a troca “A participação significa isso: os produtores através de seus representantes, pedem o que eles acham que estão precisando naquele momento e o programa atende, ocorre que as demandas por determinadas obras obedecem menos a necessidades objetivas da vida daqueles produtores, do que a desígnios alheios ao seu cotidiano” (SALES, 1987). Essa constatação nos coloca frente à estratégia participativa como base teórica de redefinição da identidade coletiva no meio rural. Não obstante o estímulo à criação de associações e conselhos como novos canais de articulação e intermediação de interesses no campo, verifica-se a instituição de práticas que dizem muito mais aos dirigentes do que aos associados, aos representantes do que aos representados, ignorando os reais interesses e necessidades do pequeno produtor. Na realidade, nem sempre, aquelas unidades associativas chegam a se afirmar como porta-vozes do segmento da agricultura familiar. Por outro lado, a predominância de relações de dominação e dependência entre essas organizações e o Estado, limita o poder de negociação das associações no plano econômico. Todavia, produtores e trabalhadores rurais têm acesso às políticas agrícolas, por seu intermédio, se comunicam com o “mundo exterior” e tomam consciência dos planos de governo e suas conseqüências para seu trabalho e sua vida na comunidade. Neste sentido, a associação de pequenos produtores rurais contribui para a conquista da cidadania no campo. 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