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Artigo Rose Silva - Desenho Infantil, Desvios E Alterações No Processo Criativo

artigo relativo ao processo de aquisição do desenho enquanto linguagem passível de ser adquirida

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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Prática de Ensino de Educação Artística e Artes Plásticas no Ensino Infantil, Fundamental e Médio IV Rose Aparecida da Silva Desenho Infantil: Desvios e Alterações no Processo Criativo Bauru 2011 2 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA 1 Rose Aparecida da Silva Desenho Infantil: Desvios e Alterações no Processo Criativo Artigo apresentado como exigência do curso de educação Artística referente à disciplina Prática de Ensino e Estágio Supervisionado II sob orientação da Profª Ms.Gislaine Rossler Rodrigues Gobbo . Bauru 2011 1 Aluna formanda do Curso de Licenciatura de Educação Artística com Habilitação em Artes Plásticas da Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação ( FAAC / UNESP) 3 RESUMO Este documento visa o estudo e a análise do desenvolvimento do desenho na infância, procurando identificar o momento em que este hábito é abandonado ou sufocado no intrincado processo de alfabetização. A pesquisa apresentará questionamentos quanto aos métodos utilizados em sala de aula para aplicação do desenho e reflexões sobre o papel da arte no desenvolvimento cognitivo para formação integral do indivíduo. Palavras-chave: Desenho como Linguagem, Processo Criativo, Desenvolvimento Cognitivo 4 RIASSUNTO Questo documento propone lo Studio e l’analise dello sviluppo Del disegno dei bambini cercando di scoprire Il momento in cui questa abitudine è perduta nell’intrinseco processo di alfabetizazzione. La ricerca presenterà questioni che riguardano i metodi utilizzati nelle lezioni per l’introduzione Del disegno e reflessioni sul motivo dell’arte nello sviluppo cognitivo per formazione integrale dell’allievo. 5 INTRODUÇÃO De presença marcante nas artes visuais, o desenho é uma manifestação conceitual fundamental para a formação humana, é a arte de correr o risco sobre o papel, a arte de pensar por meio de traços. É importante democratizar o desenho, pois desenhar é fazer pensante, mesmo que envolva corpo, expressão, gestualidade; ainda assim é puro conceito. No entanto, muitos que desenhavam, perderam o vínculo com essa linguagem, foram educados por meios que contradizem o ato criativo do desenho. A linguagem gráfica foi no decorrer dos tempos, sendo substituída por outras atividades, por outras áreas do conhecimento. A sociedade aos poucos dilacera as ferramentas de reflexão e sensibilidade. À medida que a criança amadurece, quando não incentivado seu desenvolvimento na linguagem do desenho, ou quando passa por processos de adestramento motor gráfico, ela tende a parar de desenhar. Como os velhos brinquedos empoeirados guardados no fundo dos baús, os desenhos, vão sendo deixados para trás, não são mais objetos de prazer ou de desejo para esses adolescentes. Embora possua menor vivência, e consequentemente menor repertório, a criança, diferentemente do adolescente ou do adulto, possui maior liberdade de fantasiar e de criar. Quando nas fases mais amadurecidas do desenvolvimento, tornam-se endurecidos, já não se encantam mais pelos contos fantásticos, já não brincam mais, e já não sentem necessidade de se comunicar pelos desenhos que produzem. Esse abandono da capacidade de figurar se dá segundo Dworecki, porque esta linguagem está impregnada dos hábitos da escrita, desenham como se escrevessem, da esquerda para a direita e de cima para baixo, hábitos adquiridos no período da alfabetização. No entanto para Edwards (2002), as pessoas não desenvolvem a linguagem gráfica por estarem inseridas em um sistema educacional que segrega o hemisfério direito do cérebro, que recompensa o não ver. Acredita também que circula nas instituições de ensino a idéia conformista que deflagra a aceitação pacata, de não se ter talento para o desenho. Como se as habilidades artísticas fossem algo que não pudesse ser ensinadas ou dispensáveis para a sociedade moderna, tecnológica e para a formação intelectual das pessoas. 6 O PERCURSO DA PESQUISA O projeto de pesquisa aconteceu na escola Prof. Francisco Alves Brizola, no decorrer do ano letivo de 2010 e 2011, com adolescentes do ciclo Fundamental II e Ensino Médio, sempre tendo como enfoque o reaver gráfico particular de cada aluno. Nesse período o adolescente, passa a ser mais crítico com o que produz e pretende dominar as técnicas de representação realistas, com domínio de técnicas de luz e sombra, perspectiva, combinação de cores. O que a princípio seria um agente cultivador, de ampliação de horizontes, aos poucos, vai se apresentando como limitador à medida que essas habilidades não são dominadas. Contemporaneamente compreende-se que a Educação Infantil é a base do desenvolvimento psíquico superior, sendo assim alicerça a educação em sua totalidade, portanto, falhas, restrições, poucas experiências e vivências nesse período refletem dificuldades em todo o processo educacional e na formação integral do indivíduo. Apresentamos o seguinte problema de pesquisa: seria possível reverter o processo de abandono do desenho caso haja falhas, restrições, poucas experiências e vivências na infância? Acreditamos que sim, desde que se aprenda a observar e ver as formas, e a desenvolver a percepção, que se trabalhe o hábito de desenhar dentro de um processo investigativo, sensível com o mundo que privilegia a liberdade do traço. Segundo o professor Dworecki (1998, p.16) “desenhar na fase adolescente ou adulta, para quem o abandonou é permitir-se a recuperação[...]” Complementamos o sentido da frase, pois se trata de recuperação da identidade pessoal, do traço singular de cada um e da autonomia. O que se pretende não é ensinar a desenhar corretamente, mas proporcionar a investigação de um traço que se perdeu em algum momento no intricado processo educacional, viabilizando também o acesso a essas habilidades que os alunos já possuem, e que apenas estão à espera de serem liberadas, via o olhar atencioso e pela liberdade de desenhar enquanto instrumento de reflexão e apreciação da vida. O presente projeto denominado: “Desenho Infantil: desvios e alterações no processo criativo” vem no sentido de apresentar um novo olhar sobre o desenho, sendo entendido 7 como habilidade passível de ser adquirida em sala de aula, por meio da busca incessante do aprimoramento do olhar, da forma e da descoberta gestual de cada educando. Para tal, o projeto será apresentado em quatro momentos, com quatro ações respectivas a cada momento, de forma a ilustrar o que se propõe. Num primeiro momento, cujo tema será: O que é desenho? Apresentaremos as definições do termo e seu entendimento como sendo um dos instrumentos da linguagem. No momento seguinte, que denominamos: “Desenho e Educação”, o desenho será visualizado no contexto da educação, como vem sendo aplicado e sua funcionalidade na formação integral do indivíduo. No terceiro momento, do qual entitulamos “Explorando o Olhar” faremos alguns apontamentos da realidade a qual foi desenvolvida o projeto, as expectativas de desenvolver o projeto e alguns resultados alcançados. Para finalizar, o quinto momento nomeado de “Reencontrando o Traço Perdido, traremos alguns entendimentos do reaver gráfico e sua aplicabilidade na sala de aula e na vida. A Realidade Encontrada Acontecem nas escolas, via de regra, aulas de arte nas formas estereotipadas, cuja avaliação versa segundo critérios de semelhança. Os alunos são nivelados, desconsiderando seu processo de desenvolvimento particular. A nota apresentada é sempre comparativa entre os alunos, criando-se uma expectativa e uma ansiedade que acaba por bloquear o processo criativo dos que não conseguem alcançar as maiores notas, geralmente associadas às similaridades com o objeto real. Ouras vezes as aulas de Arte pautam-se no “laissez-faire”, aulas pelo qual os alunos desenham livremente sem propostas que provoquem a descoberta. Baseiam seus ensinamentos na livre expressão, são atitudes que condenam a intervenção do professor no processo de aquisição do conhecimento gráfico. Nessa perspectiva, prevalece o medo de deturpar a expressão natural da criança, entendem o desenvolvimento gráfico como uma consequência da evolução natural. Condena-se a oferta de imagens que possam de alguma forma “corromper” o que entendem como arte pura. 8 A realidade que encontramos não foi diferente, alunos que afirmavam que não sabiam desenhar, que não tinham o 2dom para desenhos, que não gostavam de suas produções por a acharem feias. Muitos alunos não tinham o hábito de levar o caderno de desenho porque não o utilizavam nas aulas de artes, de modo que a primeira iniciativa dos estagiários foi a de solicitar que o trouxessem para que o projeto pudesse ser desenvolvido. Iniciamos o trabalho tendo como preocupação, oferecer um leque de materiais que despertasse o interesse dos alunos. Conseguimos uma doação de materiais o que viabilizou trabalharmos com diversidade de suportes e riscadores. Visto que, por meio de determinados suportes: papéis, cartolinas, lousa, muro, chão, areia, madeira, pano, utilizando os mais inusitados e diversificados: lápis, cera, giz de lousa, caneta esferográfica e hidrográfica, carvão, até mesmo com a sombra é possível desenhar, comunicar uma ideia, uma imagem. O ensino do desenho no decorrer da história da educação resulta diferenciados entendimentos, evidencia-se que habitualmente são utilizados moldes que ensinam como se faz Arte “corretamente”, técnicas remanescentes do período renascentista de valorização extrema do belo, que não valorizam o traço peculiar de cada aluno. Essa postura é deflagradora de um súbito coletivo de ansiedade para se alcançar padrões niveladores do desenho em sala de aula. Foi com essa realidade escolar com que nos deparamos, alunos que não acreditavam em seu traço, que tinham medo de marcar o suporte e serem criticados pelo que produziam. Alunos que diziam que não sabiam desenhar e que não tinham talento para essa linguagem. . 2 habilidades inatas das pessoas, ou capacidade natural para realizar determinadas atividades. Habilidade extraordinária que algumas pessoas têm ao ponto de merecerem honra especial. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Talento_(aptid%C3%A3o) acesso em 14/14/2011 9 1º Momento: O que é o desenho? Geralmente o desenho é entendido como sendo formas que nascem da ação do lápis sobre o papel, sendo também associado a esboços que servirão de base para ilustrar outras atividades, tais como: pintura, arquitetura, designer, dentre outras. O desenho é visto como um fazer manual, desprovido de intelectualidade ou de intencionalidade, muitas vezes está associado à ideia de dom, predestinado a um número limitado de pessoas privilegiadas que conseguem fazê-lo, e fruto de antipatia pela sociedade, por ser associado ao ócio e ao fazer vagabundo. O desenho é a primeira forma do ser humano manifestar seu entendimento do mundo, porém a nossa cultura ocidental muito pouco o valoriza ao mesmo tempo em que, depende cada vez mais dele. Afinal, tudo parte de desenhos, vivemos a sua cultura. O desenho reclama sua autonomia, é a mais ancestral relação que uma pessoa possa ter com a representação. Nosso projeto revel ao desenho, como um fazer pensante que envolve um entendimento intelectual, e não apenas habilidades manuais desconectadas de um pensamento. Desenho é linguagem, desígnio, intenção, meta, propósito, é um plano que se concretiza. Não é coordenação motora, mas fruto do aprimoramento da percepção e da inteligência. Pois bem, chegamos a um conceito, desenho é linguagem! A linguagem é a capacidade humana de articular significados coletivos em sistemas arbitrários de representação, que são compartilhados e que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade, sendo sua razão principal, a produção de sentido. (Currículo do Estado de São Paulo, 2010, p.25,caput PCN 2006) As linguagens são os códigos pelos quais se comunicam a cultura e o conhecimento de um povo. Esses códigos são organizados dentro de uma logicidade própria de cada cultura proporcionando a interação na sociedade. Quanto maior a possibilidade de interpretação dessas informações, maior a comunicação. Desse modo, o desenho é a composição de vários elementos plásticos que organizados transmitem uma produção de sentido, que permite ao indivíduo comunicar um pensamento, uma ideia, um conceito. 10 Cada elemento plástico, cada signo utilizado em um desenho tem sua narrativa singular, resultante dos meandros mais profundos do saber particular e social do indivíduo. À medida que a criança se desenvolve, ela se apropria do mundo que a cerca, e esse saber acumulado vai sendo refletido no ato de desenhar. O raciocínio gráfico que se sugere, é o de entender o desenho como sendo reflexo de um processo 3sinestésico, em que integrando a performance como prática poética, entrelaça a arte e a vida, fundindo-a de forma multisensorial e intelectual. Impossível alcançar com inteligência a linguagem do desenho sem perceber as conexões, que abrangem formas, cores, volumes, texturas, perspectivas, jogos de luz e sombra; que vão se desencadeando, no complexo processo da percepção visual. É preciso ver de uma forma diferente, é preciso entender as formas como enigmas a serem decifrados. 1ª Ação: Vasos e Rostos - Um Exercício Para o Cérebro Duplo O seguinte exercício foi planejado especificamente para ajudá-los a passar de sua modalidade dominante, em que impera o hemisfério esquerdo do cérebro, para a modalidade subordinada do hemisfério direito. O objetivo é proporcionar-lhe os meios de liberar esse potencial, de ter acesso, a um nível consciente, à sua capacidade inventiva, intuitiva e imaginativa. A atividade aconteceu da seguinte maneira: Os alunos dispostos em duplas , tem em mão um folha de sulfite, num canto da folha o aluno X desenha o perfil do aluno Y, terminado o desenho a folha é passada para Y que repete a ação. Quando terminados ambos os perfis, unem-se as bases inferiores e superiores, formando uma nova imagem. A seguinte pergunta orienta o olhar: O que você vê nesta imagem? Dois rostos ou um vaso? 3 Diz respeito à capacidade de tradução inter-percepções num grau indicial ( plano semiótico), estabelecendo relações entre uma percepção de um domínio do sentido e um domínio evocado. ( Noronha, Marcio Pizarro. Sensibilidades e Sociabilidades: Perspectivas de Pesquisa. Ed. UGG.2008. p. 107) 11 RESULTADO OBTIDO: Figura 1- desenhos de rostos e vasos (princípio do desenho como 4Gestalt" O resultado final, foi uma grande surpresa, quando os alunos conseguiam enxergar duas formas que fundiam-se num jogo imagético de formas que confundiam o olhar, e provocavam o olhar investigativo de formas que se assemelhassem a algo conhecido. É um jogo entre as lateralidades hemisféricas do cérebro que ensinar a ver e a conhecer, ensinar a explorar o mundo pelo olhar, apreender e compreendê-lo; criando novas possibilidades, inventando novas saídas, percebendo o mundo de forma global. O saber vai se desenhando num apropriamento sistêmico das múltiplas habilidades do indivíduo. 4 - relação figura fundo, oras o fundo se faz imagem, ora o contorno é a imagem, numa relação de interdependência entre as formas. 12 2º Momento: Desenho e Educação “No retrato que me faço - traço a traço Às vezes me pinto nuvem Às vezes me pinto árvore... Às vezes me pinto coisas de que nem há mais lembrança... Ou coisas que não existem Mas que um dia existirão E, desta lida em que busco - pouco a pouco – Minha eterna semelhança, No final, que restará? Um desenho de criança... Corrigido por um louco!” (O Autorretrato, Mario Quintana) É comum presenciarmos nas aulas de artes desenhos sendo corrigidos, categorizados a partir de um direcionamento que não privilegia a identidade e o desenvolvimento pessoal, o traço peculiar de cada aluno. Cada traço é fruto da descoberta da gestualidade individual de cada indivíduo, dentro de um processo cíclico de aquisição gráfica. O Arte-educador não um profissional que possui a propriedade da correção, que delega o que é o certo ou errado em que são válidos apenas pontos de vista de sua semântica, mas sim um provocador, à medida que propõe indagações que fazem com que o aluno venha a conscientizar-se do olhar, a pensar de forma diferente, buscando novos ângulos que estimulem a descoberta de novas possibilidades; viabilize a construção de conhecimento, deve ter bem esclarecido que não trata-se de um momento de lazer ou de pura ludicidade, mas de um fazer intelectual. As aulas de Arte devem proporcionar a mudança de hábitos que debilitam a percepção; e desconstruir pré-conceitos estereotipados que atravancam o gesto de figurar, visto que, são muito poucos os alunos que conseguem, depois de abandonado o hábito de desenhar, recuperar a linguagem do desenho, por seus próprios meios, sem a intervenção de professores. No processo de aprendizagem convencional os alunos compreendem o desenho de forma fragmentada, quando na verdade desenhar é uma atividade paradoxal, assim como a própria criatividade. É como se de alguma forma, houvesse um obscurantismo do desenho nas escolas. Essa ausência de conhecimento sobre a natureza do desenho condiciona a pré- 13 conceitos e a visões que tendem a diminuir a sua importância mediante as demais atividades intelectuais. Desenhar é um fazer global, que transcende num sistema intrínseco que, por sua vez, engloba a investigação, a procura de novos caminhos, novas possibilidades; a exploração, ou seja, a posse, o monopólio dessas habilidades; e a experimentação, sendo este momento a experiência que será refletida no fazer artístico. O desenho, ao contrário do que pensam muitos, não é uma ação das mãos, é uma ação do olhar. Não é questão de coordenação motora, mas de aprimoramento da percepção e da inteligência. (Tiburi e Chuí, 2010, p 19) Precisa compreender também que dentro dessas habilidades de investigação, exploração e experimentação, existem momentos que se iniciam no rabiscar e riscar e posteriormente no traçar; consistindo o riscar e rabiscar, num garatujar desenfreado que vai sendo aos poucos potencializado a um traçar permeado de intencionalidade, um fazer mental que associa e relaciona, um fazer carregado de conteúdos e significações, um fazer que traduz um pensamento. 2ª Ação: Professor - provocador A primeira ação que desenvolvemos foi apresentada no livro “Desenhando com o Artista Interior”- da pesquisadora Betty Edwards. Para Edwards (2002), aprender a desenhar é aprender a ver de modo diferente, reeducar o sistema visual espacial do hemisfério direito do cérebro. A pesquisadora entende que o cérebro é dividido por duas lateralidades hemisféricas, sendo estas responsáveis por diferentes áreas do conhecimento. Essas duas partes são denominadas de lado direito e esquerdo do cérebro ou simplesmente lados D e E, estes dois lados do cérebro são antagônicos e processam as informações de formas bem divergentes. O lado esquerdo é o responsável pela logicidade matemática, pensa linearmente e é baseado na linguagem. No lado direito acontece o pensamento visual, espacial e relacional, é nele que acontece o pensamento sistêmico que funciona de modo não-verbal, processando simultaneamente as informações, observa o todo de uma única vez, sendo por consequência, o lado responsável pela habilidade de desenhar. 14 Para Edwards ( 2002) para aprender a desenhar é necessário aprender a trabalhar com as competências do lado direito do cérebro, é preciso aprender a ver; a autora entende que, a visão está estreitamente ligada ao desenho e ao processo criativo, tudo o que é necessário para se aprender a desenhar é olhar e ver. Tínhamos com a atividade, o objetivo de promover o acesso às habilidades que os alunos já possuem, e que apenas estão à espera de serem liberadas, através do olhar atencioso. Propondo desenhos com a mão esquerda para os destros e com a mão direita para os canhotos, no entanto, algo que já esperávamos aconteceu, um aluno se negou a desenhar, disse que jamais o faria é que se fosse preciso desenhar com a mão esquerda ele o faria com os pés. O desafio foi aceito, o aluno desenhou com os pés, fixando uma caneta no tênis, começaram a surgir alguns traços, que lembravam um rosto, foi feita a sugestão de associação com a obra “O Grito – Edward Munch” Posteriormente o desenho foi fotografado e apresentado na aula seguinte, que complementaram a aula fazendo uma leitura da obra “O Grito -Edward Munch”. Os alunos fizeram uma leitura da obra e contextualizaram com a produção do colega de classe. 15 Imagens da Ação: Figura 2- desenho feito com os pés por adolescente de 13 anos Figura 5- estudos feitos no photoshop sobre desenho do aluno 16 Figura 4- desenho feito com os pés pelo adolescente 3º Momento: Explorando o olhar O ato de ver de todo homem antecipa de um modo modesto a capacidade, tão admirada no artista, de produzir padrões que validamente interpretam a experiência por meio da forma organizada. O ver é compreender. (Arheim. 2005, p.39) Em “New Words” Orwell usou a frase “tornar visível o pensamento (caput Edwards. 2002,p.60), utilizaremos a expressão para sintetizar o nosso parecer sobre o ator de ver e a representação através do desenho. O desenho tem a função de mostrar o que se entende de determinadas paisagens, entendamos essas paisagens como tudo o que está diante do olhar, através da atitude de figurar o que se vê, se expõe o que conhece sobre, e de como ele se apresenta para cada um. Ensinar a ver é ensinar a conhecer, ensinar a explorar o mundo pelo olhar, apreender e compreendê-lo; quem vê, cria novas possibilidades, inventa novas saídas, percebe o mundo de forma global; o saber vai se desenhando num apropriamento sistêmico das múltiplas habilidades do indivíduo. Mas antes de pensar no ato de ver como forma de apropriação de mundo, faremos uma breve pontuação sobre o ver em si, enquanto habilidade física e sentido tão básico quanto o ato de respirar. Rapidamente falando, ver é a capacidade física do corpo de capturar a luz que incide sobre as retinas dos olhos, sendo que as retinas recebem esta luz e a transformam em impulsos nervosos que adentram pelo nervo óptico, sendo direcionados ao cérebro, que é quem interpreta essas reações luminosas, ou seja, os olhos captam as imagens, mas, quem vê é o cérebro. Ver com o cérebro o que significam aquelas luzes captadas pelos olhos é interpretar, analisar e sintetizar as formas, cores, texturas, etc. É a habilidade de explorar o mundo ativamente, é como se pudéssemos alcançar o mundo com os olhos. 17 ...ao olhar para um objeto nós procuramos alcançá-lo. Com um dedo invisível movemo-nos através do espaço que nos circunda, transportamo-nos para lugares distantes onde as coisas se encontram, tocamos, agarramos, esquadrinhamos suas superfícies, traçamos seus contornos, exploramos suas texturas. O ato de perceber formas é uma ocupação eminentemente ativa. (Arheim, 2005, p.36) O objeto ao ser observado, de alguma forma, passa a ser apropriado pelo sujeito observador, este lhe alcança como se possuísse mãos invisíveis, e seu conhecimento sobre este objeto, olhado mais atentamente, é específico e único, que ao menor balançar de cabeça, ou mudança de postura do espectador, se desenhará de forma diferente; mudam-se os ângulos, mudam-se as perspectivas, muda-se o objeto, e a forma de representá-lo. Toda vista de um objeto reflete a extensão do que se conhece sobre e de como este se apresenta a cada um. Por isso, sempre ao observar um objeto é necessário que o faça de uma forma estrangeira, buscando encontrar novos contornos, novas formas, novos jogos de luz e sombra, novas possibilidades. Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso é afirmou que a primeira função da educação é ensinar a ver. (Rubem Alves. A Arte de ver, s/d) Como afirma Rubem Alves, em citação acima, há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem, olham despercebidas como se já conhecessem o mundo a sua volta, como se tudo fosse uma repetição constante, de formas, de cores, de perspectivas. Ao educar o olhar, o indivíduo torna-se mais sensível para as coisas do mundo. Todo visualidade pressupõe uma imagem, toda imagem é sempre um mistério, algo a ser compreendido, algo a ser desvendado, cada elemento, cada signo, tudo supõe uma narrativa, cabe ao leitor de mundo decifrá-la. 18 3º Ação: Desenho de Observação de Campo Os alunos foram até a área verde da escola e lhes foi solicitado que observassem a quadra poliesportiva, as árvores, a vegetação de arbustos, o piso; sempre buscando ângulos inusitados. Foi a primeira vez que trabalharam com carvão estavam muito ansiosos Alguns resultados obtidos: Figura 3 - carvão sobre sulfite - técnica de observação Figura 4 - árvore - técnica carvão sobre sulfite 19 O resultado foi satisfatório com grande adesão e interesse dos alunos. A técnica proposta dos alunos tinha como finalidade desinibir o traço e ampliar o olhar, com grande êxito alcançou seus objetivos, visto que muitos alunos desenharam a forma como lhe era visível, não como estereotipia, a exemplo a imagem da árvore acima, foge drasticamente da forma convencional de representação. Muitas vezes a ação individual da criança é desprezada e lhe são apresentados exercícios motores de adestramento do traço. A estratégia visual educacional visando apenas o adestramento motor exclui o entendimento do desenho como forma de construção do pensamento através de signos gráficos, maneira de apropriação da realidade e de si mesmo ( Derdick,1994, p. 108) Essas atividades denigrem o amadurecimento natural do traço e sua significância particular com o universo da criança e impedem que a criança desenvolva o olhar. As formas já estão prontas não precisam ser descobertas pelo olhar estrangeiro e curioso da criança. Essas formas são o início da representação estereotipada que acaba seguindo pela vida afora do indivíduo e, num dado momento, elas não serão capazes de atender as exigências de olhares mais amadurecidos , geralmente no período da adolescência , entre os 11 ou 12 anos, o que acaba fazendo com que o desenho seja deixado de lado. O desenhar é ensinado de forma desvinculada do ver, do observar o mundo a sua volta, apresentado em forma de desenho livre ou enquanto imposição. São avaliados qualitativamente segundo critérios do professor, desencadeando grandes frustrações, quando não alcançados os padrões figurativos ou estruturais que estabelecem o certo ou o errado, o bom ou o ruim. O ensinar a ver, desaliena o olhar e amplie as margens de figuração do aluno , no processo de investigação da formas. 20 4º Momento: Reencontrando o Traço Perdido Silvio Dworecki (1998), em sua tese sobre a redescoberta da habilidade de desenhar, propõe reflexões sobre o papel da Arte enquanto instrumento de imersão no universo criativo, num percurso de contínua experimentação e pesquisa da representação de formas através de traços. Sugere a redescoberta do traço ao gesto, até então estagnado, entendendo o desenho como uma ferramenta reflexiva que capacita expressivamente o conhecimento do educando. Segundo o professor perde-se a capacidade de figurar na fase adulta porque esta linguagem está impregnada dos hábitos da escrita, desenham como se escrevessem, da esquerda para a direita e de cima para baixo, hábitos adquiridos no período da alfabetização. Objetivando a reencontro do educando com o desenho, Dworecki baseia seu método de ensino em alguns conceitos que norteiam a sua ação enquanto professor em sala de aula, de forma a unificar o gesto à relação mão/olho e na relação percepção/expressão. Oportunizando ao aluno conquistar a cada etapa modos individuais de perceber e figurar tanto pela técnica quanto por procedimentos pessoais que resultem na mudança de hábitos. São três os eixos sensíveis que embasam o processo de Ensino do Desenho do professor: a produção dos alunos, as referências teóricas e sua produção plástica pessoal, que oportuniza idéias e possíveis soluções para os desafios futuros de representação. Através de seu método de ensino, o professor busca recuperar conexões que concatenem do gesto ao traço, da palavra a imagem; de forma a desinibir o traço, estimulando a produção de desenhos e intervindo, cautelosamente, quando necessário por meio de procedimentos que deflagrem a transição do desenho de observação para o desenho de imaginação e de memória. 4ª Ação: Desenhando Modelos Vivos Iniciando uma brincadeira de estátua, iniciávamos a brincadeira e todos ficavam inertes, a estátua mais interessante, era escolhida como modelo, o restante da sala se 21 posicionava no ângulo que mais lhe agradara e desenhava. A brincadeira se reiniciava quando todos diziam ter terminado. Figura 5- observação com carvão, desenhando modelos vivos A aluna retratada quando viu seus desenhos retratados pelos colegas chorou, disse que nunca havia se sentido tão importante. A atividade proporciona conexões entre os sentidos, visto que, toda imagem produzida é um texto que sugere uma leitura multisensorial, é sempre uma produção textual, um embricamento de ideias que constrói um rizoma de significados, uma trama intelectual em 22 que o autor no momento da criação também 5abstrai dos saberes pré-adquiridos informações que serão representadas expressivamente. Nesse momento do processo de reaver gráfico, o desenhar acontece como em uma grande orquestra, em que todos os instrumentos soam independentes uns dos outros, através da autonomia, da visão crítica e das referências que alicerçam as fluências que diminuem a distância entre intenção, gesto e traço. O aluno ao adquirir autonomia, no sentido de se tornar capaz de desenhar o que pretende, possui liberdade de transitar entre o que pretende representar, a gestualidade e o desenho em si. Considerações Finais Difícil pensar em concluir um tema tão amplo, visto que muitos teóricos já se debruçaram em estudos que pudessem de alguma forma elucidar o desenvolvimento ou a recuperação desta linguagem tão bela, e ainda assim, o desenho permanece um enigma a ser decifrado. Organizamos esta pesquisa num sentido de elucidar, num primeiro momento, sobre o que é o desenho, o que ele representa na formação intelectual de cada um, como surge na primeira infância, como desenvolvê-lo de forma plena, qual sua função na sociedade atual. Podemos então constatar que, desenho é mais que a simples ação motora do traçar o lápis sobre o papel, mas um fazer inteligente resultante de um pensamento que toma forma através de gestos que são representados por marcadores em determinadas superfícies. Ao aproximar-se do período da adolescência, quando não incentivada na descoberta de novas formas e traços, também já alfabetizada, vai abandonando o hábito de desenhar. Por possuir maior repertório de mundo, reconhece que os desenhos que produz não conseguem representar de forma fidedigna a realidade que conhecem, afirmando assim que não sabem desenhar. Quando não incentivados, esses desenhos permanecem estacionados por toda a 5 Ab- strair = tirar de; considerar isoladamente ( componentes de um todo). Mini Aurélio escolar Século XXI 23 vida. Ao se tornarem adultos, podem apesar de altamente letrados, estar nas fases iniciais do desenvolvimento gráfico, “analfabetos no desenho”. Um dos fatores apresentados no decorrer desta pesquisa que justifica o abandono do desenho, é a sociedade que não valoriza essa linguagem, como sendo um fazer pensante, que envolve a habilidade de ver o mundo sobre vários vertentes e instrumento de reflexão da vida. O desenho é uma fazer criativo muita vezes não compreendido, faz parte de o senso comum, afirmar que desenhar é dom, um fazer desprovido de intelectualidade, coisa de criança ou de especialistas. O desenho é relegado a um fazer manual que não envolve o pensamento, o que o torna uma linguagem muitas vezes não desenvolvida pelas pessoas. Mas que, segundo os professores Dworecki e Edwards, é possível reaver por meio de pensá-lo de uma forma diferente, observando sobre ângulos inusitados, explorando uma diversidade de materiais, praticando sempre, atribuindo ao desenho o status de habilidade passível de ser adquirida e não de dom, promovendo a observação de desenhos na natureza, nos objetos, paisagens, etc. Basta olhar e conseguir ver, adestrar o traço através de técnicas motoras repetitivas, ou promover desenhos através de desenhos livres, frutos de um espontaneísmo sem critérios, é desrespeitar o desenvolvimento cognitivo da criança. É impedir-lhe de desenvolver-se na sua plenitude intelectual. O desenho é muito mais que a ação das mãos é a ação do olhar, é linguagem, é uma forma de manifestar e de comunicar um pensamento; a mais antiga forma de comunicação plástica da humanidade. O desenho como linguagem é fruto de um conhecimento constituído a partir de experimentações, acertos e erros, trata-se de um fazer global de apropriação de mundo, estreitamente ligado ao processo criativo, ao ato de ver e ao pensamento. Desenhar é investigar, sensibilizar-se com o mundo e comunicar um conceito. 24 Referências: ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepção Visual: Uma psicologia da visão criadora: nova versão / Rudolf Arnheim; trad. Ivone Terezinha de Faria. São Paulo : Pioneira Thomson Learning.2005. BARBOSA, Ana Mae. Ed. Perspectiva. 4ºed. 2001 DWORECKI, Silvio. Em Busca do Traço Perdido. São Paulo. Scipione. EDUSP.1998 EDWARDS, Betty. Desenhando Com o Artista Interior. Trad. Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Claridade.2002. TIBURI, Márcia. Diálogo/Desenho. Marcia Tiburi, Fernando Chuí. São Paulo. Ed.Senac. São Paulo. 2010. VYGOTSKY, L. S. La Imaginacion Y El Arte En La Infancia (Ensayo Psicologico). S. de C.V, Hipanicos-Ediciones Y Distribuciones, 1989 São Paulo ( Estado) Secretaria da Educação. Currículo do Estado de São Paulo: Linguagens, códigos e suas tecnologias/secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini; coordenação de área, Alice Vieira. São Paulo : SEE, 2010 ALVES, Rubem. A Complicada Arte www.rubemalves.com.br Acesso em: 12/10/2011. de Ver. Disponível em: