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FAMAT em Revista - Número 10 - Abril de 2008
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Novas Operações com Matrizes: Algumas de Suas Propriedades e Aplicações. Otoniel Nogueira da Silva 1 e Valdair Bonfim 2
1 – Introdução: O presente trabalho originou-se durante o desenvolvimento de um projeto do Programa Institucional de Bolsas para o Ensino de Graduação – PIBEG – da Universidade Federal de Uberlândia. Este programa visa a melhoria do ensino de graduação, e o referido projeto foi desenvolvido junto à disciplina de Álgebra Linear. Mais precisamente, quando introduzimos o conceito de exponencial de matrizes para o posterior estudo dos sistemas de equações diferenciais lineares de primeira ordem, surgiu a curiosidade de responder às perguntas: - É possível calcular a raiz quadrada de uma matriz A de ordem n ? - É possível calcular a raiz n-ésima de A? - É possível definir o seno e o co-seno de tal matriz? - Em caso afirmativo, será que vale a identidade sen 2 A + cos 2 A = I ? - Que tipo de problema prático estes conceitos ajudam a resolver? Veremos como os resultados da Álgebra Linear podem nos ajudar no sentido de fornecer respostas elegantes para tais questões, pelo menos em alguns casos particulares. 2 – A raiz quadrada de uma matriz. Definição 1: Denomina-se raiz quadrada real de uma matriz A qualquer matriz B com entradas reais tal que B 2 = A . Neste contexto vamos considerar apenas raízes quadradas com entradas reais, e no que segue vamos referir a elas simplesmente dizendo raízes quadradas. Introduziremos aqui duas notações para expressar a raiz quadrada de uma matriz: uma raiz quadrada de uma matriz A será representada por A , ou também A1 / 2 . Assim como nem todo número real admite uma raiz quadrada em R, nem toda matriz admite uma raiz quadrada. Conforme veremos adiante, uma condição necessária para a 1 2
Bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET; Acadêmico do Curso de Matemática da UFU. Orientador; Professor da Faculdade de Matemática da UFU.
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existência da raiz quadrada de A é que seu determinante seja não-negativo. A proposição seguinte dá condições suficientes para a existência de raiz quadrada. Proposição 1: Seja A uma matriz diagonal de ordem n: λ1 . . A = 0 0 0
0 0 0 . 0 . . . . . λ n
.
.
0 0
λ2
.
.
.
.
.
. 0
. .
. .
0
0
.
Se λi ≥ 0 para ∀ i ∈{1, 2 , L , n } , então a matriz:
A≡
λ1
.
. . 0 0 0
λ2
. 0 0 . . 0 . . . . . . . . . 0 . .
. . 0 0
λ n
0 0 0 . .
é uma raiz quadrada da matriz A . Demonstração: Basta mostrar que:
λ1
.
. . 0 0 0
λ2
. .
0 0 . 0
. . 0 0
. . . 0
. . . .
. . . .
0 λ1 0 . 0 . . . 0 . 0 λn 0
.
λ2
. .
0 0 . 0
. . 0 0
. . . 0
. . . .
. . . .
0 0 0 = . . λn
λ1 . . 0 0 0
.
λ2
. .
0 0 . 0
.
.
.
.
.
.
.
.
0 0
. 0
. .
. .
Esta igualdade se demonstra comparando as entradas da matriz produto entradas correspondentes da matriz A :
0 0 0 . . λ n
A . A com as
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λ1 . λ1 . . 0 0 0
. λ 2 . λ2
. .
. . 0 0
λ3 . λ 3
.0 0 . 0 . . . .
. . 0
. . . .
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0 0 0 . . λn .
= λn
λ1 . . 0 0 0
.
λ2
. .
0 0 . 0
.
.
.
.
.
.
.
.
0 0
. 0
. .
. .
0 0 0 . . . λ n
A próxima proposição amplia significativamente o conjunto das matrizes que admitem raiz quadrada. Proposição 2: Se uma matriz A de ordem n for diagonalizável e todos os seus autovalores forem não-negativos, então A admite uma raiz quadrada.
Demonstração: Sendo A diagonalizável, sabemos que existe uma matriz inversível P tal que:
P. A.P −1
λ1 . . =D= 0 0 0
.
λ2
. .
0 0 . 0
.
.
.
.
.
.
.
.
0 0
. 0
. .
. .
0 0 0 . . λ n
Logo, uma raiz quadrada da matriz A é dada por: A = P − 1 . D .P
De fato:
(P
−1
)(
)
. D .P ⋅ P −1 . D .P = P −1 . D .P.P −1 . D .P = P −1 . D .I . D .P = P −1 . D . D .P =
−1
P .D.P , e esta matriz é igual a A, pois sendo
P. A.P −1 = D ⇒ P −1. P. A.P −1 P = P −1 .D.P ⇒ I . A.I = P −1 .D.P ⇒ A = P −1 .D.P , ou seja, A = P −1 . D .P . Observação 1: Para todo número natural n e toda matriz quadrada X é fácil ver que
(P
−1
. X . P ) = P −1 . X n . P . Logo podemos generalizar a nossa procura inicial considerando as n
raízes n-ésimas de A, que serão denotadas por
n
A ou A1 / n .
Proposição 3: Seja A uma matriz diagonal de ordem n:
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FAMAT em Revista - Número 10 - Abril de 2008 λ1 . . λ 2 . . A = . 0 0 0 0 0 Se λi ≥ 0 para ∀i , então a matriz:
n λ1 . . 0 0 0
. n
0 0 0 . 0 . . . . . λ n
.
0 0
.
.
.
.
. .
. .
0
.
. 0 0 . . 0 . . . . . . . . . 0 . .
λ2 . . 0 0
, λn
0 0 0 . . n
a qual vamos denotar por n A ou A1 / n , é uma raiz n-ésima de A . No caso em que n é ímpar não é necessária a condição λi ≥ 0 , ∀i . Prova: É completamente análoga à feita na proposição 1. Proposição 4: Se uma matriz A de ordem n for diagonalizável e todos os seus autovalores forem não-negativos, então A admite uma raiz n-ésima.
Demonstração: Sendo A diagonalizável existe uma matriz inversível P tal que:
P. A.P −1
λ1 . . =D= 0 0 0
0 0 0 . 0 . . . . . λ n
.
.
0 0
λ2
.
.
.
.
.
. 0
. .
. .
0
0
.
Logo P −1 . n D . P é uma raiz n-ésima de A, pois usando a observação 1 com X = n D obtemos:
(P
−1 n
. D. P
)
n
( )
n
= P −1 . n D . P = P −1 . D . P = A .
Novamente observamos que quando n é ímpar não precisamos ter λi ≥ 0 , ∀i . Observação 2: A proposição 4 fornece condições suficientes, mas não necessárias para a existência da raiz. De fato, no exemplo abaixo vemos uma matriz com autovalores negativos que admite raiz quadrada.
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0 − 1 Exemplo: A matriz A = possui autovalores negativos, λ1 = λ 2 = −1 , mas admite a 0 − 1 2 1 2 − 1 0 2 1 1 ⋅ = , pois raiz quadrada A = = A. − 1 − 1 − 1 − 1 0 − 1 − 1 − 1
A próxima proposição fornece uma condição necessária para a existência de raiz nésima, com n par. Em particular, têm-se uma condição necessária para a existência de raiz quadrada. Proposição 5: Se A admite raiz n-ésima, com n par, então Det ( A) ≥ 0 .
Demonstração:
( )
Seja B uma raiz n-ésima de A, ou seja B n = A . Logo Det ( A) = Det B n . Da álgebra com matrizes sabemos que:
( )
Det B n = Det ( B.B.....B) = Det ( B) . Det ( B )..... Det ( B ) = (Det (B ))
n
Portanto, Det ( A) é a n-ésima potência do número real Det (B ) , e como n é par, segue que Det ( A) ≥ 0 . Corolário: Se Det ( A) < 0 , então a matriz A não admite raiz quadrada.
Exemplo:
− 1 0 A= não admite raiz quadrada, pois Det ( A) = −1 < 0 . 0 1 3 – O seno e o co-seno de uma matriz:
Sabemos do cálculo diferencial que para todo número real x tem-se sen x =
∞
∑ (−1) n ⋅ k =0
x3 x5 x7 x 2 k +1 = x− + − +L , (2k + 1)! 3! 5! 7!
e também que ∞
x 2k x 2 x 4 x6 x8 = 1− + − + −L . cos x = ∑ (−1) ⋅ (2k )! 2! 4! 6! 8! k =0 k
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Assim, dada uma matriz quadrada A de ordem n, todas as potências inteiras nãonegativas A k estão bem definidas, e é bastante natural “arriscar” as definições abaixo: (1)
sen A =
∞
∑ (−1) k ⋅ k =0
A 2 k +1 A3 A5 A7 = A− + − +L , (2k + 1)! 3! 5! 7!
e (2)
cos A =
∞
∑ (−1) k ⋅ k =0
A 2k A 2 A 4 A 6 A8 =I− + − + −L , (2k )! 2! 4! 6! 8!
em que I denota a matriz identidade. Observe que 2 k +1
A A 2 k +1 (−1) ⋅ ≤ (2k + 1)! (2k + 1)! k
para todo natural k, qualquer que seja a norma considerada no espaço das matrizes quadradas 2 k +1 ∞ A de ordem n, e como ∑ é uma série convergente de números reais, segue por k = 0 ( 2k + 1)! A 2 k +1 é absolutamente convergente, e portanto (2k + 1)! k =0 convergente. De modo completamente análogo se prova que a série (2) é convergente e, portanto, estão bem definidas as operações sen A e cos A .
comparação que a série
∞
∑ (−1)
k
⋅
Note, por simples substituição, que se A é a matriz nula, então sen A = sen 0 = 0 e cos A = cos 0 = I , o que está de acordo com o seno e o co-seno do número real zero. Agora, será que vale para as matrizes a identidade sen 2 A + cos 2 A = I ? É isto que nos propomos provar no caso particular em que a matriz A é diagonalizável. Isto será feito em duas etapas. Etapa 1: A é uma matriz diagonal. λ1 L 0 Digamos que A = M O M . Então é fácil provar por indução finita que 0 L λ n λ1k L 0 A k = M O M para todo número inteiro não-negativo k. Assim: 0 L λkn
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k (−1) ∞ ∞ A 2 k +1 k = ∑ sen A = ∑ (−1) ⋅ (2k + 1)! k =0 k =0
⋅
λ12 k +1
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(2k + 1)! O M M = M O M M M O 2 k +1 λ 0 LL LL LL (−1) k ⋅ n (2k + 1)! LL LL LL
∞ λ12 k +1 k LL LL LL ∑ (−1) ⋅ (2k + 1)! k =0 O M O = M M O LL LL LL 0
M = M M 2 k +1 ∞ λ (−1) k ⋅ n ∑ (2k + 1)! k =0 0
0 senλ1 L = M O M . 0 L senλ n
Ou seja:
λ1 L 0 A = M O M 0 L λ n
⇒
0 senλ1 L O M . senA = M 0 L senλ n
De modo completamente análogo se prova que: λ1 L 0 A = M O M 0 L λ n
⇒
0 cos λ1 L O M . cos A = M 0 L cos λ n
Logo,
sen 2 λ1 L 0 2 2 O M + sen A + cos A = M 0 L sen 2 λ n
cos 2 λ1 L 0 O M = M 0 L cos 2 λ n
0
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sen 2 λ1 + cos 2 λ1 L 0 M O M = = 2 2 0 L sen λ n + cos λ n
1 L 0 M O M = I . 0 L 1
Conclusão: a “relação fundamental” vale para as matrizes diagonais. Etapa 2: A é uma matriz diagonalizável.
Sendo A diagonalizável, existe uma matriz inversível P tal que P. A.P −1 é uma matriz diagonal D, a saber:
P. A.P −1
λ1 . . = 0 0 0
0 0 0 . 0 , cujas entradas são os autovalores de A. . . . . . λ n
.
.
0 0
λ2
.
.
.
.
.
. 0
. .
. .
0
0
.
Assim, A = P −1 . D .P , de onde segue que A m = P −1 . D m . P para todo natural m. Logo: ∞
senA = ∑ (−1) k ⋅ k =0
∞ P −1 . D 2 k +1 . P A 2 k +1 = ∑ (−1) k ⋅ = (2k + 1)! k =0 (2k + 1)!
∞ D 2 k +1 k −1 = P . ∑ (−1) ⋅ . P = P . senD . P (2k + 1)! k =0 −1
Analogamente, cos A = P −1 . cos D . P . Portanto, sen 2 A + cos 2 A = P −1 . sen 2 D . P + P −1 .cos 2 D . P = P −1 . ( sen 2 D + cos 2 D ). P , e como a relação fundamental já foi provada para as matrizes diagonais, segue que sen 2 A + cos 2 A = P −1 . I . P = I , como afirmado. Podemos agora enunciar, e dar por demonstrada, a seguinte proposição: Proposição 6: Se A é uma matriz quadrada diagonalizável, então sen 2 A + cos 2 A = I .
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4 – As noções introduzidas nas seções anteriores tem alguma utilidade?
Sabemos que se a > 0 então a função x : R → R definida por
x(t ) = c1 . cos( a . t ) + c 2 . sen( a . t ) resolve a equação diferencial de segunda ordem
x ′′(t ) + a . x(t ) = 0 , quaisquer que sejam as constantes reais c1 e c 2 . Esta equação diferencial e outras parecidas surgem na modelagem matemática de diversos sistemas mecânicos, de onde segue sua importância. É natural, portanto, a seguinte pergunta: Dada uma matriz A de ordem n que admite raiz quadrada e dadas constantes vetoriais arbitrárias C1 , C 2 ∈ Rn , será que a função X : R → Rn definida por
( (
))
( (
))
( ⊕ ) X (t ) = cos t . A . C1 + sen t . A . C 2 resolve o sistema de equações diferenciais X ′′(t ) + A . X (t ) = 0 ? Observe que este sistema é de ordem 2 , e quando escrito por extenso fica na forma: x1′′(t ) = − a11 . x1 (t ) − L − a1n . x n (t ) (⊗) M x n′′ (t ) = − a n1 (t ) . x1 (t ) − L − a nn . x n (t )
,
com equações que se apresentam acopladas umas às outras. Não dá para determinar, digamos, a função escalar x1 (t ) a partir da primeira equação, pois nela aparecem as demais funções incógnitas: x 2 (t ) , ... , x n (t ) . E ocorre o mesmo com as demais equações. Se a pergunta acima for respondida positivamente, temos uma resposta bastante limpa e elegante para o sistema (⊗). Resumindo, o tratamento vetorial é bastante apropriado, e acreditamos ter convencido o leitor de que nem toda “brincadeira” que se produz em Matemática está livre de servir para alguma coisa de interesse prático. O leitor é convidado a provar que a pergunta acima tem resposta positiva, e para isso basta derivar, com relação a t, as séries que definem cos t . A . C1 e sen t . A . C 2 .
(
)
(
)
Não há ramo da Matemática, por mais abstrato que seja, que não possa um dia ser aplicado aos fenômenos do mundo real. Lobatchevsky.
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A melhor solução foi encontrada pelo Algoritmo dos Mínimos Sucessivos, que nos permitiu determinar o melhor percurso para o caixeiro viajante. Sendo considerada ótima, pois, para ter a certeza desta afirmação teríamos de encontrar todas as soluções pelo Método Exaustivo, o que implica na análise de 360 percursos, tarefa pouco aconselhável.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teoria dos grafos é essencial para resolução de problemas, desde os mais simples aos elaborados. São problemas que justificam atenção devido ao fato de aparecerem diversas aplicações e serem considerados difícil solução. Grafos são uma inesgotável fonte de problemas com enunciado simples, mas que escondem, muitas vezes, uma sofisticada estrutura matemática.
8. BIBLIOGRAFIA
[1] BARROSO, M. M. A., Operações Elementares em Grafos e Aplicações, VII SEMAT, Uberlândia, 2007. [2] BOAVENTURA NETTO, P. O., Teoria e Modelos de Grafos, E. Blucher, São Paulo, 1979. [3] LUCCHESI, C. L., Introdução à Teoria dos Grafos, IMPA-CNPq, Rio de Janeiro,1979. [4] OYNSTEIN O., Graphs and Their Uses, The Mathematical Association of America, Editorial Committee, England, 1990. [5] www.guiaquatrorodas.com.br