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Arquitetura Antroposófica

Arquitetura sustentável e ecologicamente correta

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Arquitetura Antroposófica: as artes plásticas e o desenvolvimento da alma humana Michael Mösch Arquiteto MEM - Arquitetura, Rua Visconde do Rio Branco 912, 18602-000 Botucatu (Centro), SP (14) 3813-7377, 9775 7121 - www.mem-arquitetura.com.br Iniciada por Rudolf Steiner no início deste século, a Arquitetura Antroposófica tem um parentesco com o termo Arquitetura Orgânica, um conceito hoje utilizado no mundo todo. Rudolf Steiner atuou como arquiteto em uma época em que artistas plásticos, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, buscavam uma expressão nova para suas produções. Inicialmente, nos anos 20 deste século, com a obra do primeiro Goetheanum em Dornach, ele desenvolveu um conceito arquitetônico amplo, expressando a organicidade do volume do edifício, e obtendo, desta forma, uma linguagem artística incomum para a arquitetura da época. Se comparada com o grande leque que atualmente classifica a Arquitetura Orgânica, quais seriam as características desta proposta antroposófica? 1. Arquitetura Orgânica Muitos arquitetos buscam a expressão orgânica na arquitetura. Esse conceito está relacionado ao termo organismo. Chamamos organismo tudo que tem vida, desde os seres mais primitivos unicelulares, através dos vegetais e animais, até a complexidade do ser humano. O que é um organismo? Quando podemos denominar algo como sendo um organismo? Quando possui vida, quando está em processo, ou seja, cresce e se mexe por força própria. Tanto o crescer como o mexer podem ser enquadrados em um único conceito - movimento. A Arquitetura Orgânica procura sua expressão nesta característica da vida - o movimento. Existe, porém, um relacionamento mais íntimo entre a Arquitetura Orgânica e a vida. Como se caracterizam as formas de um organismo? Se observarmos um cristal de rocha, por exemplo, uma composição de planos, arestas e superfícies lapidadas, podemos perceber nítidas diferenças entre suas formas, se comparadas com um vegetal. Em vez de planos retos, o vegetal mostra uma composição de convexidades e concavidades unidas e emendadas por curvas. Essas formas são inerentes à vida. Mas o que é vida? Um seixo de rio também possui formas redondas. Estas são resultantes do desgaste sofrido no percurso no leito do rio e da erosão contínua da água. É uma ação externa na superfície da pedra. No organismo vivo, a ação do processo que origina as formas que o caracterizam é interna. Um processo, seja ele externo ou interno, sempre se manifesta no tempo. O tempo é um fator fundamental na formação do ser vivo. Mas o ser vivo também precisa da matéria para sua estruturação. O que é a matéria? Em sua essência, ela é superfície. A composição e configuração de suas superfícies determinam um espaço. A matéria é inerente ao espaço. Tempo e espaço formam o alicerce para a manifestação da vida. Já vimos anteriormente, no exemplo do seixo de rio, que a incidência do tempo na matéria, no espaço, é externa, de fora para dentro. Invertendo este processo de ação, a incidência do tempo no espaço de dentro para fora, leva-nos ao conceito de vida. O entrelaçar de tempo e espaço de dentro para fora tem como resultado a vida. A tentativa do arquiteto que se identifica com a Arquitetura Orgânica é buscar na sua forma de expressão a integração de tempo e espaço. O resultado é o movimento, é o dinamismo na composição dos espaços. Ao usuário, esta arquitetura propicia o bem estar e questões relacionadas à vida, apoiando e incentivando os processos vitais. De um outro ponto de vista, ainda temos a questão estrutural do organismo. No organismo vivo podemos distinguir características estruturais que não encontramos no reino mineral. Podemos subdividir o vegetal em membros distintos um do outro: a raiz, o caule e a folha. A raiz, uma das extremidades do vegetal, prende-se à terra apresentando características formais diferentes da folha, voltada para cima, direcionada à luz. Algo semelhante encontramos no reino animal com a seqüência formal de cabeça, tronco e membros. Esta diferenciação estrutural do organismo vivo não se manifesta no reino mineral. A Arquitetura Orgânica, observada em detalhes, apresenta-se com elementos de características formais distintas, como frente, meio e fundo. De outro ângulo, distinguem-se as lateralidades ou a expressão formal da base da obra, em contraste com a sua cobertura. Resumindo, poderíamos concluir: a questão ligada ao fenômeno "vida" e a estruturação que caracteriza um organismo vivo, definem este primeiro tema da Arquitetura Orgânica. 2. Integração das artes plásticas No início deste século, a integração das artes plásticas era um tema que preocupava muitos artistas, como pintores, escultores e arquitetos. Rudolf Steiner, em sua grande obra, o primeiro Goetheanum, fez do edifício uma obra de arte total. Arquitetos, escultores e pintores participaram no desenvolvimento do projeto e na execução dessa obra: um auditório e palco, destinado às atividades da Sociedade Antroposófica em Dornach, na Suíça. Rudolf Steiner enfatizou, em várias apresentações de seus projetos e em palestras, que a arquitetura é a "mãe" de todas as artes, pois sem ela jamais teríamos condições para abrigar a arte da pintura ou objetos de escultura, e tampouco teríamos o espaço necessário para a manifestação da arte, da música e dança. Nestas condições, um partido projetual pode ser elaborado utilizando-se da rica linguagem que cada segmento da arte consagrou separadamente no decorrer dos tempos. Com a integração das artes, a obra adquire um brilho especial quanto à sua expressão. Rudolf Steiner falou neste contexto da obra dialógica, que se comunica com o usuário. 3. O princípio da metamorfose Esta sim é uma busca exclusiva da Arquitetura Antroposófica. Rudolf Steiner, quando jovem, pesquisou durante vários anos os trabalhos científicos de Goethe, principalmente aqueles que tratam da metamorfose das plantas. Goethe observou no vegetal, independente da espécie e família, um princípio formal próprio de cada planta. Ele observou que o contorno, a forma da folha da planta dá origem à forma das pétalas da flor, à forma da semente, à forma do broto e assim por diante. A seqüência de formas entre as diferentes fases de crescimento do vegetal são características exclusivas daquela planta. Baseado nestes estudos, Rudolf Steiner chegou à idéia do princípio da metamorfose da forma. Em suas obras arquitetônicas, podemos distinguir a metamorfose da expressão formal do detalhe e dos elementos esculturais, a metamorfose dos espaços na planta baixa e a metamorfose dos volumes no contexto urbanístico. A seqüência das formas dos elementos arquitetônicos parte de um princípio formal único, evidenciando um relacionamento mútuo entre parte e todo. Assim, podemos observar no primeiro Goetheanum, parentescos entre a formas que compõem as janelas e portas, e estas, por sua vez, têm semelhanças com elementos da cobertura e do telhado, assegurando através da transformação em seqüência, a familiaridade entre os detalhes. Na Arquitetura Antroposófica, vinculada à metamorfose da forma, podemos ainda constatar um partido formal que expressa, nos detalhes, a ação das forças em conseqüência das cargas do material. Existe nesse contexto uma inversão quanto à expressão artística, se comparada com a arquitetura moderna contemporânea. Toda obra arquitetônica está sujeita a cargas resultantes do peso próprio do material, da ação de vento e chuva, do deslocamento de pessoas, entre outras. Em elementos estruturais como pilares e vigas, por exemplo, a arquitetura moderna utiliza-se de materiais específicos, de acordo com o tipo de força empregada no sistema. Na predominância de forças de tração, o material aplicado é o aço ou o ferro, com uma área pequena de sustentação. Em situações onde há a predominância de forças de pressão, o material aplicado é a pedra ou o concreto, com áreas grandes de sustentação. Na Arquitetura Antroposófica, no entanto, busca-se expressar o que realmente ocorre dentro do material quando sujeito a forças externas. Onde, na estrutura, atuam forças de tração, com a tendência de separação no material, busca-se uma expressão de união com o acúmulo de matéria. Em conseqüência, onde, na estrutura, atuam forças de pressão, o material é pressionado, mas o esforço nele é de separação. Neste caso, a expressão é esbelta, é refinada. 4. A expressão arquitetônica do espaço Este tema refere-se à busca da compreensão, cada vez mais aprimorada, da atuação da expressão arquitetônica na alma do ser humano. É uma característica quase que exclusiva da Arquitetura Antroposófica. A questão da relação entre a qualidade do espaço e sua função, ou seja, a atividade nela exercida, foi amplamente debatida nos primórdios da arte moderna. Atualmente, os arquitetos em geral reduziram a função do espaço ao tamanho necessário, à iluminação e ventilação necessárias, enfim, exclusivamente aos elementos mensuráveis, deixando de lado a qualidade intrínseca do ambiente arquitetônico. Não se distingue mais a diferença entre uma sala de aula de uma escola do primeiro grau e um escritório de um prédio comercial. Ambos os espaços têm sua composição baseada no retângulo ou no quadrado, com paredes paralelas e ângulos retos. Na Arquitetura Antroposófica, podemos observar a busca de uma relação da qualidade do ambiente com a atividade desempenhada no referido espaço. Esta preocupação evidencia a consciência da qualidade do espaço, pois sabe-se que independente da forma, seja ela ortogonal ou orgânica, toda composição exerce uma influência no usuário. Mas como podemos conhecer e nos aprofundar quanto à influência do espaço na alma humana? Rudolf Steiner tomou como partido para o auditório do segundo Goetheanum o trapézio como forma de espaço em planta baixa. As paredes laterais divergem em direção ao palco e convergem no sentido contrário. Até então, a forma destes espaços era retangular ou, no caso do primeiro Goetheanum, circular. A forma do auditório do segundo Goetheanum está intimamente ligada ao conteúdo antroposófico. Rudolf Steiner pouco falou desta forma trapezoidal, mencionando apenas que o conceito de liberdade expresso na dupla cúpula do primeiro Goetheanum está intrínseco na forma do auditório novo. Pesquisas posteriores mostram que não só a liberdade, mas também questões relacionadas à individualidade do ser humano estão presentes na forma trapezoidal. Se imaginarmos o interior do espaço, direcionado ao palco, com as paredes laterais divergindo, afastando-se uma da outra, poderemos sentir a liberdade que este movimento lateral propicia. Essa abertura em direção ao palco não coloca o espetáculo realizado como imposição. As paredes laterais divergem e abrangem fora do ambiente um espaço que aumenta e cresce quanto mais nos distanciamos do ponto de observação. Esse gesto abrange o mundo, e dentro do espaço oferece ao espectador a liberdade para a concentração ou a dispersão. Em conseqüência, a partir do palco, o palestrante ou o ator estarão situados num espaço cujas paredes laterais convergem, e fora do ambiente afluem a um único ponto. O ponto é uma unidade distinta e, representando o indiviso, diz respeito a uma só pessoa, à individualidade. Do palco, em direção à platéia, podemos sentir o apelo no gesto das paredes laterais para alcançar, para atender a individualidade presente no auditório. O espectador, voltado ao palco, tem como pano de fundo as paredes convergentes. Esse gesto faz reconhecer as qualidades peculiares e genuínas da pessoa, apelam ao indiviso, fortalecendo a atitude e a postura da individualidade que está voltada ao espaço que abrange o mundo. Podemos concluir que o trapézio é um espaço que coloca a pessoa entre o indiviso e o abrangente. Ele apóia o fortalecimento e a consciência da individualidade, apela ao autoconhecimento, mas sempre resguardando plena liberdade. 5. A arquitetura antroposófica, no contexto histórico "É uma característica da alma humana expandir-se, alastrar-se, desabrochar-se em todas as direções. A maneira de se desabrochar, a maneira como ela deseja alastrar o seu ser no cosmo tem como resultado a forma arquitetônica." (Rudolf Steiner) Historicamente, sempre existiu um relacionamento entre as artes plásticas e as fases do desenvolvimento da alma humana. Desse relacionamento, três momentos se destacam na História. Na Antiga Grécia, época da construção dos templos, deparamo-nos com um pensar imaginativo, um pensar mitológico. Uma observação de um fenômeno natural desencadeava imagens na alma. A matéria era vivenciada como uma ilusão; a imagem, resultado de uma observação, era vivenciada como uma realidade. A alma humana era repleta de imagens, sentia-se parte do mundo espiritual. Nessa época, foram construídos os templos gregos com proporções harmônicas, simplicidade geométrica e composições arquitetônicas exclusivamente ortogonais. As paredes que os compõem são paralelas, os ângulos sempre retos. As colunas enfileiradas são paralelas entre si. Dos espaços maiores para os menores, podemos observar uma composição de retângulos e quadrados. Eram obras ricas, não só quanto à sua arquitetura e proporções de elementos, mas também quanto aos detalhes esculturais e pinturas de afrescos. O povo, no entanto, não tinha acesso ao templo, era um espaço exclusivo para os sacerdotes que, dentro dele, colocavam-se em condição de fazer contato com o mundo espiritual. Este espaço de pureza arquitetônica quase cristalina fez desabrochar, incentivou e apoiou um processo na alma humana que levou o Homem a um pensar cada vez mais lógico. A matéria toma lugar da realidade; a imagem é ilusão. É o primórdio da Lógica, da Filosofia e da Ciência com Platão e Aristóteles. O templo tinha a função de apoiar este processo de materialização no pensar, que desencadeou, mais tarde, o pensar intelectualizado e racional. A alma abriu-se para a realidade terrena e, com isto, separa-se de sua origem espiritual. Passados muitos séculos, após o mistério do Gólgota em torno do ano 900 ao 1.200, vemo-nos frente à época da construção das grandes catedrais. Primeiro as catedrais romanas, posteriormente as catedrais góticas. A alma humana evoluiu no sentido de separação do mundo espiritual. A partir daqui ela se relaciona separadamente com os dois mundos. A natureza é o acesso ao mundo material e a religião é o vínculo com o mundo espiritual. Dá-se a necessidade de se construir a "Casa de Deus" – a catedral, e é especificamente dentro destes espaços que o povo evoca o mundo espiritual. Quais eram as características arquitetônicas desta época? A planta baixa da catedral é de geometria ortogonal, com elementos em forma de círculos no espaço destinado ao altar. A nave da catedral, espaço para a permanência do povo, tem paredes paralelas, sendo marcantes as proporções no sentido vertical. Das dimensões de altura resulta a monumentalidade, propiciando a devoção ao mundo espiritual. A catedral marca a separação definitiva entre espírito e matéria. Dentro da catedral, a devoção; fora dela, o trabalho na terra, a matéria. O pensar conquista a ciência e torna-se cada vez mais intelectual. O próximo passo nos leva à atualidade: o pensar humano conquistou a lógica e com ela o pensar racional, e materializado, com controle praticamente absoluto das ciências naturais, resultando na separação, cada vez mais evidente, dos conteúdos relacionados ao mundo espiritual. A religião hoje, com um significado superficial, tornou-se um resíduo de algo que teve seu ápice na época das construções das catedrais. Restringe-se, na maioria das situações, a um veículo que pode proporcionar saúde, alegria e riqueza. Sua devoção decaiu, limitando-se à busca de satisfações materiais. Hoje, porém, uma pergunta se torna cada vez mais premente: como podemos conseguir acesso ao conteúdo que está por trás da matéria, da forma, da idéia, da vida, sem perder a conquista do pensar lógico e racional? O vínculo com o mundo espiritual não está perdido. Neste ponto é importante reconhecermos a grande conquista da alma humana no decorrer do tempo: o fortalecimento da individualidade. Quando na antiga Grécia, com o pensar mitológico, predominava algo que poderíamos chamar de consciência grupal, iniciava-se juntamente com a lógica no pensar, a consciência presente do ente único. Na época da construção das catedrais, esta consciência individual já tinha sido conquistada, mas o ato religioso, na devoção ao mundo espiritual, acontecia na união das preces, com o povo unido na catedral. Hoje, estamos sós, somos indivíduos e cabe a cada um a própria decisão de como relacionar-se com o mundo espiritual. Uma decisão individual importa que deva ser tomada em liberdade. Esta fase, no desenvolvimento da alma humana, nos leva à construção do espaço em forma de trapézio, que teve sua realização inédita com o projeto de Rudolf Steiner para o segundo Goetheanum em Dornach. Na época da Antiga Grécia, a alma humana precisou de um espaço que fortalecesse as tendências abstratas e cristalizantes no pensar. O Templo Grego despertou na alma o pensar lógico. A Catedral, por sua vez, foi um marco que identificou a separação do mundo espiritual, na religião, do mundo material, no pensar lógico e racional. O trapézio estabelece o limiar para o pensar vivo, para a consciência do ente individual, a consciência do eu. Aplicado como planta-baixa para uma forma de espaço, o trapézio pode ser considerado um marco na consagração do autoconhecimento, respeitando a liberdade da individualidade em questão. Esta é a função genuína da Arquitetura Antroposófica: proporcionar e incrementar à alma humana, que se encontra no auge da fase materialista, um novo despertar no mundo espiritual. Michael Emil Mösch Botucatu, 18 de abril de 2.002. Claudio ValotaPágina 5 Pesquisa sobre Arquitetura Antroposófica por Claudio Valota [Digite o título do documento]