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6. Transformada de Laplace
Secção 6. Transformada de Laplace. (Farlow: Capítulo 5) A transformada de Laplace é, basicamente, um operador matemático que transforma uma função numa outra. Essa operação é definida da seguinte forma:
F ( s ) = L { f (t )} = ∫ f (t )e − st dt ∞
Definição
0
Transformada de Laplace
É de notar que a função original, f(t), é uma função de t, enquanto que a função transformada, F(s), é uma função de s. Ou seja, enquanto que a função f(t) está definida no domínio da variável t †, a função F(s) está definida em s, designado como o domínio de Laplace. Antes de discutirmos qual a utilidade desta transformação na resolução de equações diferenciais, vamos familiarizar-nos com a operação de transformação e com as suas propriedades.
Exemplo Vamos calcular a transformada de Laplace da função: f (t ) = t .
De acordo com a definição da transformada: ∞
F ( s ) = ∫ te − st dt = 0
1 s2
Propriedades da transformada de Laplace A seguir apresentam-se algumas propriedades importantes da transformada de Laplace:
L { f (t ) + g ( t )} = F ( s ) + G( s ) L {cf ( t )} = cF (s ) Transformada da derivada: †
Usámos aqui a designação t para a variável independente pois a transformação de Laplace aplica-se apenas a funções definidas no domínio ]0, + ∞ [ (ver o limite inferior do integral na definição da transformada), como é o caso de funções definidas no domínio do tempo. Se o domínio de definição da função correspondesse ao intervalo ]- ∞ , + ∞ [, a transformada não seria aplicável.
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L {f ' (t )} = sF ( s ) − f (0) L {f ' ' (t )} = s 2 F ( s ) − sf ( 0) − f ' (0) Derivada da transformada:
{
}
L t n f ( t ) = (−1) n
dn F (s) ds n
Deslocamento em s:
{
}
L e at f ( t ) = F ( s − a) Transformada do integral: L
{∫ f (u )du} = 1s F (s) t
0
Teorema do valor inicial: f (0) = lim sF ( s ) s →∞
Teorema do valor final: f (∞ ) = lim sF ( s ) s→ 0
Já que falamos de propriedades, nunca é demais frisar que, da mesma forma que o integral de um produto não é igual ao produto dos integrais, a transformada de Laplace de um produto de duas funções não é igual ao produto das transformadas:
L { f (t ) × g (t )}
≠ F (s) × G (s) .
Todas estas propriedades são demonstráveis com base na definição da transformada de Laplace. Eis um exemplo:
Exemplo Demonstre a seguinte propriedade da transformada de Laplace: L {f ( at )} =
1 s F a a
Pela definição da transformada:
L {f ( at )} = ∫ f (at )e − st dt . ∞
0
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Efectuando a mudança de variável u = at :
∫
∞
0
f (u )e
− su / a
1 s u 1 ∞ −( s / a )u d = ∫ f (u )e du = F , c.q.d. 0 a a a a
Vejamos agora como estas propriedades nos podem ser úteis na obtenção da transformada de uma determinada função, sem termos que recorrer à definição da transformada, a qual poderia conduzir ao cálculo de integrais complexos.
Exemplo Qual a transformada de Laplace de f (t ) = t 2 e−2t ? Comecemos por recordar a propriedade da derivada da transformada:
{
}
L t n f ( t ) = (−1) n
dn F (s) ds n
Aplicando à nossa função: L {t 2e −2t } = L {t 2 f (t )} = (−1) 2
d2 L {e −2t } . ds 2
Temos agora que calcular a transformada de e −2t . Recorrendo à propriedade do deslocamento em s:
{
}
L e at f ( t ) = F ( s − a) , teremos que : L {e −2t } = L {e −2t ×1} = L {1}( s +2 ) .
A transformada de f(t) = 1 é simples de calcular directamente: ∞
L {1} = ∫ 1×e − st dt =
1 − st ∞ 1 1 e = − [0 − 1] = . 0 −s s s
L {e −2t } = L {1}( s+ 2) =
1 . s +2
0
Logo:
E portanto:
L {t 2e −2t } = ( −1) 2
d2 d2 1 2 −2 t L e = = } 2 { 2 ds s + 2 ( s + 2) 3 . ds
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Normalmente não teremos que determinar transformadas de Laplace de forma tão tortuosa. Poderemos simplesmente utilizar uma tabela de transformadas‡ . Aí, poderemos encontrar as transformadas de muitas funções que iremos encontrar pela frente. Por exemplo, para a resolução do exemplo anterior, poderíamos ter utilizado directamente a seguinte informação: f(t)
F(s) n!
e at t n ( n = 1,2,...)
( s − a)
n +1
Transformada inversa Existe um operador que permite a transformação de uma função do domínio de Laplace para o domínio do tempo. É a transformada inversa de Laplace, designada pelo símbolo L-1 :
F ( s) = L { f ( t )}
f (t ) = L-1 {F (s )}
L f(t)
F(s)
domínio do tempo
domínio de Laplace
L-1
A transformada inversa é sempre obtida recorrendo a uma tabela de transformadas, pois o seu cálculo directo é normalmente demasiado complexo. Aplicação à resolução de equações diferenciais A estratégia é simples: em vez de resolver directamente a equação diferencial, vamos aplicar- lhe a transformada de Laplace, resolver a equação resultante nesse domínio e inverter o resultado final:
‡
Uma tabela bastante razoável é fornecida nas primeiras páginas do Farlow.
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esta via pode ser mais trabalhosa
Problema no domínio do tempo
Solução no domínio do tempo
L-1
L Problema no domínio de Laplace
Solução no domínio de Laplace
Em vários casos, como veremos, a equação é de resolução bastante mais simples no domínio de Laplace do que no domínio do tempo. Eis um exemplo:
Exemplo y ''+ y = 2t
π π y = 4 2
π y ' = 2 − 2 4
Primeiro vamos aplicar a transformada de Laplace à EDO, transformando-a parcela a parcela. Por conveniência, usaremos a notação: y = L { y} . De acordo com a propriedade da transformada da segunda derivada, a transformada de y’’ será:
L { y ''} = s 2 y − sy (0) − y '(0) , e a equação fica: s 2 y − sy (0) − y'(0) + y = 2
1 . 2 s
Neste caso, a resolução da equação no domínio de Laplace resume-se à resolução de uma equação algébrica! ( s 2 + 1) y = 2
y=
1 + sy (0) + y '(0) 2 s
2 s 1 + 2 y (0) + 2 y '(0) 2 s ( s + 1) s + 1 s +1 2
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1 s 1 1 y = 2 2 − 2 + 2 y (0) + 2 y '(0) s +1 s +1 s +1 s
Podemos agora inverter a transformada de y, de forma a obter a solução no domínio do tempo. Recorrendo a uma tabela de transformadas, obtemos que: 1 -1 L 2 = sin(t ) s +1
s -1 L 2 = cos(t ) . s + 1
Logo:
y (t ) = 2 ( t − sin( t ) ) + y(0)cos( t ) + y '(0)sin(t ) . y(0) e y’(0) são valores desconhecidos, uma vez que condições do problema não se referem ao ponto x = 0 mas sim a x = π/4. No fundo, y(0) e y’(0) desempenham o papel das constantes de integração que surgem sempre na solução geral e poderiam ser simplesmente substituídos por C1 e C2 . Vamos aplicar as condições do problema à solução obtida por forma a determinar y(0) e y’(0): π π 1 1 1 π π y = ⇒ = 2 − + y (0) + y '(0) ⇒ 2 2 2 2 4 2 4 ⇒ y (0) + y '(0) = 2
y '(t ) = 2 (1 − cos(t ) ) − y(0)sin(t ) + y '(0)cos(t ) . 1 1 1 π y ' = 2 − 2 ⇒ 2 − 2 = 21− − y(0) + y '(0) ⇒ 4 2 2 2 ⇒ − y (0) + y '(0) = 0 Ou seja: y (0) = 1 y '(0) = 1
E a solução particular da EDO é: y (t ) = 2t + cos( t) − sin(t ) .
Torna-se evidente que muitas equações diferenciais anteriormente resolvidas por outros métodos podem também ser solucionadas por aplicação da transformada de Laplace. Vejamos um exemplo.
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Exemplo y ''+ y '− y = 0
y(0) = 1
y '(0) = 0
Resolução 1: Resolver como uma equação linear homogénea de coeficientes constantes A solução geral será: yh = C1 y1 + C2 y2 As soluções particulares deverão ter a forma: y = e rt ⇒ r 2 + r − 1 = 0 r1 = −1.618
r2 = 0.618
Logo: y = C1e −1.618t + C2e0.618t Aplicando as condições iniciais: y (0) = 1 ⇒ C1 + C2 = 1 ⇒ y '(0) = 0 ⇒ 1.618 C1 + 0.618C2 = 0
y (t ) =
(
0.618 C1 = 2.236 C2 = 1.618 2.236
)
1 0.618e −1.618t + 1.618e 0.618 t . 2.236
Resolução 2: Aplicar a transformada de Laplace L { y ''} = s 2 y − sy(0) − y '(0) = s 2 y − s L { y '} = s y − y (0) = s y − 1 A EDO transformada fica então: s2 y − s + s y − 1− y = 0
O que é, mais uma vez, uma equação algébrica em y . y=
=
s +1 s +1 = = s + s − 1 ( s + 1.618)( s − 0.618) 2
s 1 + ( s + 1.618)( s − 0.618) (s + 1.618)( s − 0.618)
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y=
s 1 + ( s + 1.618)( s − 0.618) (s + 1.618)( s − 0.618)
Recorrendo à tabela de transformadas, verificamos que:
F(s)
f(t)
1 ( s − a )( s − b)
1 e at − e bt a −b
s ( s − a )( s − b)
1 ae at − be bt a −b
(
(
) )
Logo: y (t ) =
(
)
1 0.618e −1.618t + 1.618e 0.618 t . 2.236
Como não poderia deixar de ser, ambas as resoluções conduzem ao mesmo resultado. Qual delas é a melhor? Depende do problema e depende das preferências de cada um…
Mas será que a aplicação da transformada de Laplace transforma sempre a equação diferencial numa equação algébrica?... Vejamos outro exemplo.
Exemplo ty ''+ y '− y = 0
y(0) = 1
y '(0) = 0
Trata-se de uma equação de segunda ordem, linear, homogénea, de coeficientes variáveis. A transformada de y ' é: L { y '} = s y − y (0) = s y − 1 A transformada de ty '' pode ser obtida pela propriedade da derivada da transformada: L {tf (t )} = ( −1)
d [ F ( s) ] . ds
Assim:
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L {ty ''} = −
d L { y ''} . ds
Como: L { y ''} = s 2 y − sy(0) − y '(0) = s 2 y − s , então: L {ty ''} = −2s y − s 2
dy +1. ds
A EDO transformada fica: −2 s y − s 2 s2
dy + s y −1− y = 0 ds
dy + ( s + 1) y = −1 ds
d y s +1 1 + 2 y=− 2 ds s s Obtivemos agora uma equação linear de primeira ordem no domínio de Laplace! Tudo por causa do termo ty '' , cuja transformada envolve a primeira derivada de y em ordem a s. Teríamos que resolver esta EDO pelo método do factor integrante (note que a equação não é de variáveis separáveis), de forma a obter y em função de s.
Neste último exemplo, a resolução no domínio de Laplace ainda é, apesar de tudo, mais simples do que a resolução no domínio do tempo. Vamos ver outro caso, no qual isso não acontece.
Exemplo t 2 y ''+ y '− y = 0
y(0) = 1
y '(0) = 0
Trata-se novamente de uma equação de segunda ordem, linear, homogénea, de coeficientes variáveis. Vamos transformá- la: 2 d2 d2 2 dy 2 d y L {t y ''} = 2 L { y ''} = 2 s y − s = s + 4s + 2y 2 ds ds ds ds 2
A equação diferencial original fica então:
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s2
d2 y dy + 4s + ( s + 1) y = −1 2 ds ds
Mas esta é uma equação de segunda ordem não-homogénea! Ou seja, o nível de dificuldade da resolução no domínio de Laplace é superior ao da resolução no domínio do tempo. Neste caso não seria boa ideia aplicar a transformação de Laplace.
Função degrau unitário (função Heaviside) Vamos agora ver como a transformação de Laplace nos permite lidar com algumas funções bastante úteis, mas que seriam trabalhosas de processar se tivéssemos que operar no domínio do tempo. A primeira dessas funções é a função Heaviside, ou função degrau unitário. A sua representação gráfica é dada por:
1
0 a
t
Ou seja, trata-se de uma função em degrau: é 0 para t < a e 1 para t ≥ a. Matematicamente, vamos representar esta função por H(t-a): Definição Função Heaviside
0, t < a H (t − a ) = 1, t ≥ a Uma outra função de interesse é o pulso unitário:
1
0 a
b
t
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Esta função pode ser representada simplesmente pela diferença de dois Heavisides:
0, t < a H (t − a) − H ( t − b) = 1, a ≤ t < b 0, t ≥ b Se bem que consigamos compreender o significado da função H(t-a), ela não deixa de ser uma abstracção matemática: a sua manipulação algébrica implica sempre um tratamento separado para t < a e para t ≥ a. Mas vejamos qual o aspecto da transformada de Laplace da função Heaviside: ∞
L {H (t − a)} = ∫ e H ( t − a )dt = ∫
Transformada de Laplace da função Heaviside
− st
0
∞
a
∞
e − st e − sa e 1dt = = − = s s a − st
Ou seja: apesar de H(t-a) ser uma função descontínua no domínio do tempo, no domínio de Laplace tal não acontece! É assim bastante mais simples tratar com Heavisides no domínio de Laplace… Eis mais algumas propriedades interessantes de transformações envolvendo funções Heaviside §:
L {H (t − a ) f (t − a)} = e− asL { f (t )} L {H (t − a) f ( t)} = e− asL { f (t + a )}
Mas qual é a utilidade prática destas funções? Muitas vezes é útil poder representar matematicamente um degrau ou um pulso, como é demonstrado no próximo exemplo.
Exemplo Um automóve l desloca-se a uma velocidade v = 120×t km/hr (com t em horas) durante a meia hora inicial do percurso. Depois, a velocidade passa a v = 60 km/hr. Qual a distância percorrida ao fim de uma hora e meia?
A velocidade do automóvel pode ser representada da seguinte forma: 120t , 0 ≤ t < 0.5 v= 60, t ≥ 0.5 §
Demonstre estas propriedades com base na definição da transformada de Laplace.
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Mas, se usarmos Heavisides, podemos escrever o resultado anterior na forma:
v = 120t [1 − H ( t − 0.5)] + 60 H (t − 0.5) . Como a velocidade é a variação da distância percorrida com o tempo: dx = 120t [1 − H ( t − 0.5) ] + 60 H (t − 0.5) . dt
Usando a função Heaviside, conseguimos usar uma única equação matemática para representar um fenómeno descontínuo! O processo em causa é assim representado por uma EDO de primeira ordem. A equação é de variáveis separáveis. No entanto, se optássemos pela integração directa, teríamos que voltar a decompor a equação: 120t d t + C, 0 ≤ t < 0.5 ∫ dx = ∫ 60 dt + C ', t > 0.5 ∫ Vamos antes resolver o problema usando a transformada de Laplace: dx L = L {120t −120tH (t − 0.5) + 60 H (t − 0.5)} dt
Primeiro temos que determinar a seguinte transformada: L {tH ( t − 0.5)} = e
−0.5 s
L {t + 0.5)} = e
−0.5 s
1 0.5 2 + . s s
Agora já podemos transformar toda a equação diferencial:
sx − x(0) = =
120 0.5 e−0.5 s 0.5s 1 − 120 e + + 60 = s2 s2 s s
120 e −0.5 s 120 − 120 = 2 1 − e −0.5 s 2 2 s s s
(
)
Obtemos assim: x=
(
)
120 1 − e −0.5 s . 2 s
Invertendo a transformada: x (t ) = 60 t 2 − H (t − 0.5)( t − 0.5)2 .
Que é como quem diz:
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x (t ≤ 0.5) = 60t 2 x (t > 0.5) = 60 t 2 − (t − 0.5) 2 = 60 t 2 − (t 2 − t + 0.25) = 60( t − 0.25)
Respondendo à questão do enunciado:
t = 1.5hr ⇒ x = 60 [1.5 − 0.25] = 75km .
Este exemplo podia realmente ter sido resolvido sem recorrer ao uso de funções Heaviside. No entanto, esta técnica permitir- nos-á tratar problemas complexos de forma simplificada e matematicamente mais “elegante”. Função impulso unitário (função delta de Dirac) Consideremos o seguinte pulso de magnitude n e duração 1/n:
n
0 a
a+1/n
Este pode ser representado por:
1 f (t ) = n H ( t − a ) − H t − a + . n Note-se que o integral de f(t) é unitário:
∫
∞
0
1 f (t )dt = a + − n
a × n = 1 .
Consideremos agora que n aumenta, ou seja, a largura do pulso diminui ao mesmo tempo a sua altura aumenta, de forma que a sua área continua a ser unitária:
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a
a+1/n
No limite, com n → ∞, obteremos um pulso de largura infinitesimal, localizado em t = a, mas cuja área é ainda unitária. A tal chamámos impulso unitário, ou delta de Dirac** , que designámos por δ(t-a): 1 lim n H ( t − a ) − H t − a + = δ ( t − a ) , n →∞ n
Definição Função delta de Dirac
∫
∞
0
δ ( t − a)dt = 1 .
Note-se que, enquanto que a função H(t-a) é adimensional, δ(t-a) tem unidades de t -1 ! Convenciona-se que o delta de Dirac é representado graficamente por uma seta vertical centrada no ponto t = a:
0 a A transformada de Laplace do delta de Dirac é ††:
Transformada de Laplace da função delta de Dirac
L {δ ( t − a ) } = e − as .
Outra propriedade importante é: ** ††
Muitas vezes designa-se a função δ(t-a ) simplesmente por Dirac. Demonstre este resultado aplicando a definição da transformada à equação de definição do delta de Dirac.
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6. Transformada de Laplace
∫
∞
−∞
f (t )δ (t − a)dt = f ( a ) .
Vamos agora ver um exemplo, que procura comparar a aplicação da função Heaviside e da função delta de Dirac.
Exemplo Pretende-se injectar 2 g de uma substância no sangue de um paciente. Obtenha e resolva a equação de balanço material dessa substância no sangue, para os dois casos seguintes: a) A injecção dura 3 s, durante os quais o êmbolo da seringa se move a velocidade constante. b) A injecção é muito rápida, praticamente instantânea. Considere que a substância não é absorvida pelo organismo e que a sua quantidade inicial no sangue é nula.
a) A equação de balanço é dada por: Acumulação = Entradas – Saídas
A parcela de acumulação é dada por: Acumulação
=
dm dt
unidades = [g/s],
em que m designa a quantidade mássica (em g) de substância no sangue. A parcela de entrada corresponde à injecção de 2 g de substância, que dura 3 s. Ou seja, durante os 3 s iniciais, entrou no sangue um caudal mássico constante de 2/3 g/s de substância: Entradas =
2 [ H ( t) − H (t − 3) ] 3
unidades = [g/s].
A equação de balanço será então, notando que H(t) = 1, pois t ≥ 0 : dm 2 = [1 − H (t − 3) ] . dt 3
Aplicando transformadas de Laplace:
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6. Transformada de Laplace
2 1 e −3s sm − m(0) = − . 3s s Resolvendo para m :
2 1 e −3s m = 2 − 2 . 3s s Invertendo para o domínio do tempo obtemos a m em função de t: m (t ) =
2 2 t − H ( t − 3) ( t − 3 ) = t (1 − H ( t − 3) ) − 3H (t − 3) . 3 3
Graficamente: m(t)
2
3
t
b) Se a injecção durar, não 3 s, mas sim um intervalo de tempo δt, a parcela de entradas será representada como: Entradas =
2 [ H (t) − H (t − δ t ) ] δt
unidades = [g/s].
No limite em que a injecção é instantânea, ou seja, ∆t → 0 : Entradas =
2 H (t ) − H ( t − δ t ) lim [ H (t ) − H (t − ∆t )] = 2lim = 2δ( t) δ t → 0 ∆t ∆t →0 ∆t
Vemos assim que a entrada instantânea de 2 g de substância no sangue é representada por 2δ ( t ) ‡‡ . Note-se que, uma vez que a função impulso, δ (t ) , tem unidades de inverso de
tempo, o produto 2δ ( t ) tem unidades de g/s, tal como requerido. A equação de balanço fica assim: dm = 2δ( t) . dt
Aplicando transformadas fica simplesmente: ‡‡
Se, por exemplo, a injecção tivesse lugar, não no instante t = 0, mas sim no instante t = 2 s, seria fácil demonstrar que a entrada seria descrita por 2δ (t − 2) .
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6. Transformada de Laplace
sm = 2 ⇒ m =
2 . s
Invertendo: m (t ) = 2 .
Graficamente, obtemos o resultado que com certeza já esperávamos: m(t)
2
t
Eis mais um exemplo de aplicação da função delta de Dirac.
Exemplo Verificou-se que a taxa de diminuição da quantidade de um dado medicamento no sangue é proporcional à quantidade existente em cada instante. Se um paciente tomar duas injecções desse medicamento, de m1 e m2 gramas respectivamente, nos instantes t 1 e t 2 , qual será a quantidade existente no sangue do paciente, em função do tempo? Assuma que no instante t = 0 não existia nenhum medicamento no sangue do paciente?
Trata-se de um problema de balanço material. Neste caso, vamos balancear a quantidade (mássica) de medicamento existente no sangue em qualquer instante. Como usual: Acumulação = Entradas – Saídas
A parcela de acumulação é simples de definir: Acumulação
=
dm dt
Quanto às entradas de medicamento no sangue: Entradas
= injecção 1 + injecção 2
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6. Transformada de Laplace
Estas entradas estão localizadas no tempo: para t = t 1 entrou (instantaneamente) uma massa de medicamento m1 e para t = t2 entrou uma massa de medicamento m2 . Em qualquer outro instante as entradas são nulas. Para representar na nossa equação de balanço as entradas instantâneas de m1 e m2 vamos usar a função impulso unitário : Entradas
= m1δ (t − t1) + m2δ ( t − t 2 )
O termo m1δ (t − t 1 ) descreve a entrada, em unidades de massa por unidade de tempo (recordemos que δ (t − t1) tem unidades de inverso de tempo), de uma massa m1 durante um instante de tempo infinitesimal. Ou seja: uma entrada instantânea. As saídas correspondem ao desaparecimento do medicamento do sangue, o qual é proporcional à sua quantidade em cada instante: Saídas
= -km
Assim, a equação de balanço será: dm = m1δ (t − t1 ) + m2δ (t − t 2 ) − km . dt
Aplicando a transformada de Laplace: sm − m(0) = − km + m1e −t1 s + m2 e − t2 s ,
m=
m1e − t1s + m2 e− t2 s . s+k
Invertendo obtém-se (demonstre que assim é): m(t ) = m1 H (t −t 1 ) e− k ( t −t1 ) + m2 H (t − t 2 )e− k ( t−t2 ) . Podemos agora esboçar graficamente a evolução de m com o tempo: m(t) m2 m1
0
t1
t2
t
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6. Transformada de Laplace
Produto de convolução Mais uma vez, recordemos que a transformada de um produto não é igual ao produto das transformadas! No entanto, existe um outro “produto” para o qual essa propriedade é válida: o chamado produto de convolução, que é definido da seguinte forma: Definição Produto de convolução
f ∗ g = ∫ f (u )g (t − u ) du t
0
A sua transformada de Laplace é então dada por:
L { f ∗ g } = L { f } × L {g } Este resultado é interessante pois oferece-nos uma forma simplificada de calcular o produto de convolução: em vez de calcular o integral da definição (normalmente bastante custoso), podemos calcular a sua transformada (que é simplesmente igual ao produto das transformadas das duas funções) e seguidamente inverter o resultado.
f ∗g
∫
t
0
f (r )g (t − r )dr
L
L-1 L { f ∗ g}
L { f } × L { g}
Exemplo Calcular o seguinte produto de convolução: t ∗ cos( t ) . Vamos primeiro calcular a transformada de Laplace do produto de convolução:
L {t ∗ cos( t )} = L {t} × L {cos(t )} =
1 s 1 = . 2 2 s s + 1 s s2 + 1
(
)
Da tabela de transformadas obtemos que a inversa do resultado anterior é:
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6. Transformada de Laplace
1 L 2 s s + 1 -1
(
)
= 1 − cos( t ) .
Logo: t ∗ cos( t ) = 1 − cos(t ) .
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6. Transformada de Laplace
Sumário da Secção 6 •
Definição da transformada de Laplace
•
Propriedades da transformada de Laplace
•
Transformada inversa
•
Aplicação à resolução de equações diferenciais
•
Função degrau unitário (função Heaviside)
•
Função impulso unitário (função delta de Dirac)
•
Produto de convolução
Página 21 da Secção 6