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Ambiente E Apropriação - Valter Casseti

"O presente trabalho procura chamar atenção para o significado do relevo, sobretudo como suporte das derivações ambientais observadas durante o processo de apropriação e transformação realizado pelo homem". Valter casseti

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VALTER CASSETI AMBIENTE E APROPRIAÇÃO DO RELEVO SUMÁRIO Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 1. Relações Homem-Natureza e suas Implicações . . . . . . . . . 10 Conceito de Natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 O Trabalho como Mediador das Relações Homem-Natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 Relações de Produção e Relações Homem-Natureza ..... 17 Relação Homem-Natureza no Sistema de Produção Capitalista . . . . . . . . . . . . . 21 Apropriação Privada da Natureza como Relação de Negatividade . . . . . . . . . . . . . . . . 24 2. O Significado do Relevo no Estudo Ambiental . . . . . . . . . 28 Geossistema como Ponto de Partida 29 O Relevo na Análise Geográfico-Ambiental 34 Conceito de Geomorfologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 Síntese Evolutiva das Posturas Geomorfológicas .. ... .. 38 Geomorfologia Ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 3. Dinâmica Processual do Relevo: A Vertente comoCategoria 54 Conceito de Vertente em Geomorfologia . . . . . . . . . . . . . 55 Relações Processuais das Vertentes (As RelaçõesExternas) . . . . . . . 63 Fatores que Comandam o Balanço Morfogenético daVertente 67 Relação Vertente-Sistema Hidrográfico . . . . . . . . . . . . . 72 Da Cobertura Vegetal na Estabilidade da Vertente. ..... 74 Processos Denudacionaís Decorrentes da Apropriação e Transformação da Vertente 79 Ocupação da Categoria Vertente . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 4. Derivações Geomórfïco-Ambientais e suas Implicações .. 92 Impactos Geomórfïco-Ambientais em Áreas Rurais ..... 97 Alterações Hidrodinâmicas das Vertentes em Áreas Urbanizadas e suas Implicações 113 Conclusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 O Autor no Contexto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147 INTRODUÇÃO O presente trabalho procura chamar atenção para o significado do relevo, sobretudo como suporte das derivações ambientais observadas durante o processo de apropriação e transformação realizado pelo homem. Para entender tal consideração, necessário se faz partir do princípio de que o relevo se constitui em produto do antagonismo das forças endógenas (forças tectogenéticas) e exógenas (mecanismos morfodinâmicos), registrado ao longo do tempo geológico, e responsável pelo equilíbrio ecológico. É, portanto, através do jogo dos referidos componentes que se estruturam o solo e sua cobertura vegetal, os quais, associados às riquezas minerais, constituem a maior parte dos recursos responsáveis pela materialização da produção. É evidente que o recurso por si só não poderia ser materializado ou transformado em produção se o homem não estivesse presente na paisagem geográfica, assim como não seria possível conceber o próprio conceito de espaço. Após apresentar uma rápida evolução do conceito de natureza (a natureza externa e a unicidade natureza-sociedade), procura-se demonstrar sua relação dialética com o homem (forças produtivas), evidenciando que essa relação encontra-se vinculada às relações entre os próprios homens (relações de produção). Portanto, ao considerar o espaço produzido social como resultado das relações entre o homem e a natureza, procura-se justificar as possíveis implicações ambientais (relação de negatividade) pelas próprias relacoes sociais de produção (Tópico 1). Dá-se ênfase ao modo de produção capitalista (apropriação privada da natureza) como forma de dilapidação da capacidade produtiva da terra. Num segundo momento, procura-se evidenciar o relevo como componente do estrato geográfico que reflete o jogo das interações naturais e sociais. Demonstra-se a importância da ciência geográfica nos estudos ecológicos, uma vez que se dispõe dos métodos necessários e informações cientificas sobre o meio natural e seus recursos, bem como o seu aproveitamento econômico pelo homem (relações com as leis específicas da natureza como forma de servir-se dela e de seus objetivos). A geomorfologia, por sua vez, como integrante da análise geográfica e responsável pela compreensão do comportamento do relevo, fundamentando-se na noção de "fisiologia da paisagem", procura evidenciar, de uma forma dinâmica, as derivações ambientais resultantes do processo de apropriação e transformação do relevo ou de suas interfaces (como a cobertura vegetal) pelo homem (Tópico 2). Esse fato oferece um significado social à geomorfologia, com consequente interesse para a ciência geográfica. No terceiro tópico, utilizando-se o conceito de vertente (a vertente como categoria central da estrutura do pensamento) e das relações processuais (processos morfogenéticos e pedogenéticos), procura-se oferecer algumas noções elementares necessárias à compreensão da dinâmica do relevo. Procura-se mostrar ainda que, através da apropriação e transformação da natureza pelo homem, inicialmente através da exploração biológica, tem-se a ruptura do equilíbrio climáxico (relação entre o potencial ecológico e exploração biológica), originando implicações resistásicas. Após considerações a respeito dos fenómenos externos, procura-se demonstrar o significado das relações internas, que individualizam a essência da categoria vertente, que juntos (fenómenos e relações) representam o conteúdo da paisagem. Finalizando (Tópico 4), são apresentados alguns exemplos de estudos de caso, em que o processo de ocupação das vertentes e demais compartimentos tem produzido impactos ambientais, momento que se aproveita para se considerarem as implicações políticas e económicas nos efeitos de degradação registrados (concepção malthusiana dos "azares" da natureza). Ao mesmo tempo em que se propõem algumas alternativas, preventivas e corretívas, fundamentadas em uma técnica natural, chama-se a atenção para a necessidade da organização da sociedade, sobretudo da classe trabalhadora que sofre os efeitos diretos das contradições próprias do sistema de produção capitalista, em defesa dos valores ambientais, obrigando assim, conforme Contí (1986), "o capitalismo a fazer algo que não pode realizar sem se contradizer ostensivamente". Os fundamentos metodológicos da análise geomorfológica foram desenvolvidos com base nos níveis sistematizados por Ab'Sa-ber (1969); procura-se demonstrar o significado do compartimento topomorfológico e de sua estrutura superficial (ou formação superficial) na forma ou maneira de ocupação, considerando-se sobretudo os efeitos processuais determinantes. Tal análise tem por objeti-vo alertar para a necessidade de preservação de certos compartimentos, independentemente da "espontaneidade" que caracteriza os anseios do sistema de produção capitalista; ou independentemente de tratamentos técnicos sofisticados e caros, que muitas vezes têm por objetivo exclusivo fortalecer os interesses do próprio capital em detrimento das necessidades reais da sociedade. Pretende-se, ainda, aleitar para a necessidade de uma preocupação constante com o processo de ocupação de compartimentos considerados "favoráveis", observando-se sempre a importância das relações processuais. RELAÇÕES HOMEM-NATUREZA E SUAS IMPLICAÇÕES Antes de se iniciar uma análise específica são indispensáveis algumas considerações. É preciso refletir sobre o conceito de "natureza", fundamental ao direcionamento da ciência, que incorpora a teoria integral do espaço. CONCEITO DE NATUREZA Esse conceito tem sido utilizado largamente tanto pela ciência natural como pela social. Contudo, pouca discussão metodológica tem acontecido nos últimos anos. Tal descuido tem sido considerado consistente com a prática contemporânea da ciência e com a sua auto-imagem. Para Smith & O'Keefe (1980), a "ciência natural" é uma relíquia histórica, que aparece nos séculos XVI e XVÜ, com a necessidade de apropriação da natureza pela indústria, refletindo essa necessidade concretamente por continuar posicionando a natureza como totalmente externa à atividade humana. "No preciso momento em que a natureza estava sendo teorizada como externa, contudo, o último vestígio dessa extemalidade estava sendo praticamente destruído." A tradição positivista pressupõe que a natureza existe nela e por ela mesma, externa às atividades humanas. Assim, além de extema, o paradigma positivista revela uma concepção dualística da natureza. Conforme os autores considerados, a concepção positivista de natureza é dada dualisticamente, contraditoriamente, por um dos três principais caminhos: a) A "natureza" é estudada exclusivamente pela ciência natural, enquanto a ciência social preocupa-se exclusivamente com a sociedade, a qual não tem nada a ver com a natureza; b) A "natureza" da ciência natural é supostamente independente das atividades humanas, enquanto a "natureza" da ciência social é vista como criada socialmente. Portanto, permanece uma contradição da natureza real, que incorpora a separação entre o humano e o não-humano; c) A terceira contradição dispersa a natureza humana dentro da natureza externa. O comportamento humano é regido pelo conjunto de leis que regulam os mais primitivos artrópodes. Essa visão determinista é defendida pelo darwinismo social e grande parte do behaviorismo. Na prática, observa-se que a natureza humana demonstra o seu domínio sobre as "leis da natureza" no processo de apropriação. Marx, que elaborou uma teoria não-sistemática da natureza, oferece uma alternativa unificada e não-contraditória de natureza. Essa teoria, elaborada como crítica à economia política clássica, é comumente chamada de materialismo histórico, por ter a história como unidade com a natureza. É através da transformação da primeira natureza em segunda natureza que o homem produz os recursos indispensáveis a sua existência, momento em que se naturaliza (a naturalização da sociedade) incorporando em seu dia-a-dia os recursos da natureza, ao mesmo tempo em que socializa a natureza (modificação das condições originais ou primitivas). Considera, portanto, a natureza em dois momentos, cuja transição acontece ao longo da história, através do processo de apropriação e transformação realizado pelo homem. "A história pode ser considerada de dois lados, dividida em História da Natureza e História dos Homens. No entanto, esses dois aspectos não se podem separar " (Marx, 1970). Para Marx, a natureza separada da sociedade não possui significado. A natureza sempre é relacionada material e idealmente com a atividade social. A "primeira natureza" é entendida como aquela que precede a história humana. Portanto, onde as propriedades geoecológicas encontram-se caracterizadas por um equilíbrio climáxico, entre o potencial ecológico e a exploração biológica. Ë todas as alterações acontecidas resultam dos próprios efeitos naturais - alterações climáticas, atividades tectônicas... - onde as próprias "leis da natureza" respondem pelo reequilíbrio de fases resistásicas. Essa natureza deve ser entendida ao longo do tempo geológico, desde o pré-cambriano até o "alvorecer" da existência humana. Portanto, toda transformação e modificação acontecida encontra-se inserida numa escala de tempo geológico, normalmente imperceptível numa escala de tempo humana. Com o aparecimento do homem, em algum momento do pleistoceno, a evolução das forças produtivas vai respondendo pelo avanço na forma de apropriação e transformação da "primeira natureza", criando a "segunda natureza". Assim, conclui-se que a história do homem é uma continuidade da história da natureza; não / existindo, portanto, uma concepção dualística de natureza, onde a i segunda natureza é vista como primeira. As leis que regulam o desenvolvimento da segunda natureza, não são, ao todo, as que os físicos encontram na primeira natureza. Elas não são leis invariáveis e universais, conforme observam Smith & O'Keefe (1980), uma vez que as sociedades estão em curso, constantemente se transformando e se desenvolvendo.) Daí se conclui que a forma de apropriação e transformação da natureza é determinada pelas leis transitórias da sociedade. Em síntese, a dialética de Marx é uma maneira de pensar completamente diferente da lógica formal da ciência positivista. Descreve a produção como um processo pelo qual a natureza é alterada. ... É uma eterna necessidade material imposta, sem a qual não podem existir trocas materiais entre os homens e a natureza e, portanto, a vida (Marx, 1967, p. 43). Trata-se, portanto, de um processo de produção da natureza, onde a natureza e o homem se integram e interagem. Esse processo de apropriação e transformação da natureza pelo homem, coloca em movimento braços e pernas, cabeças e mãos, em ordem para apropriar a produção da natureza numa forma adaptada às suas próprias necessidades. "Por assim agir no mundo externo e mudando-o, ele ao mesmo tempo muda sua própria natureza" (Marx, 1967). A natureza, conforme expressou Engels (1979, p. 33), é: “a pedra de toque da dialética, e devemos assinalar que as modernas ciências naturais nos brindam, como prova disso, com um acervo de dados extraordinariamente copioso e enriquecido a cada dia. Na natureza tudo acontece de modo dialético e não metafisicamente (não se move na eterna monotonia de um ciclo constantemente repetido, mas percorre uma verdadeira história). Aqui há que lembrar, em primeiro lugar, Darwin, que ao demonstrar que toda a natureza orgânica existente — plantas e animais, e entre eles, também o homem - é produto de um processo de evolução de milhões de anos, golpeou rudemente a concepção metafísica da natureza. A vida aparece e se desenvolve no meio natural, portanto a história da humanidade é a continuação da história da natureza. Essa interação dialética justifica o aspecto existencial e leva a pensar o homem como ser natural, devendo-se, contudo, entendê-lo, primeiramente, como um ser social. "... Enquanto existirem homens, a história da natureza e a história dos homens se condicionarão reciprocamente" (Marx & Engels, 1970); ou ainda, conforme Moreira (1982, p. 36), "a razão reside na naturalidade da história e na historicidade da natureza, fundindo-se em um plano história dos homens e história da natureza". Conforme se observou, JJjel§5ã^Jijpjnen>natureza_é um processo de produção de mercadorias ou de produção da natureza. Portanto, o homem não é apenas um habitante da natureza; ele se apropria e transforma as riquezas da natureza em meios de civilizacão histórica para a sociedade. Marx, em Gríidrisse, admite que a riqueza não é outra coisa senão o pleno desenvolvimento do controle do homem sobre as forças da natureza. Incorporar a natureza produtiva não significa, do ponto de vista materialista, eliminar a dependência do homem com relação à natureza, pelo contrário, é administrar tal dependência com certas condições (Prestipino, 1977). Conforme Biolat (1977, p. 13), "a sociedade está numa relação direta com a natureza por todo um processo de produção de bens materiais e de desenvolvimento cultural dos homens, destinado a satisfazer as suas necessidades". Para Lenin (apud Biolat, 1977), "o domínio da natureza realizado na prática humana, resulta de uma representação objetivamente fiel dos fenómenos e dos processos naturais". O TRABALHO COMO MEDIADOR DAS RELAÇÕES HOMEM-NATUREZA O que assegura a unidade dialeticamente contraditória, a inte-ração de sociedade e natureza, do homem e seu habitat, premissas e condições da atividade vital do homem? O marxismo tem dado uma resposta clara e definitiva: é a produção material. O trabalho é, num primeiro momento, um processo entre a natureza e o homem, processo em que este realiza, regula e controla por meio da ação, um intercâmbio de materiais com a natureza (Marx, 1967, p. 188). Desse intercâmbio de materiais se logra a unidade do homem com a natureza; esta se transforma e se adapta as necessidades daquele; cria-se uma "segunda natureza", um habitat artificial do homem, determinado pelas peculiaridades da cultura e da organização social. Por outra parte, a produção material, a atividade do homem influi poderosamente na biosfera e, em geral, no próprio habitat do homem, não só de maneira positiva, como também negativa. A chave da solução científica está na análise dos fatores sociais, nos fatos específicos da produção determinada por esses fatores. A natureza é, pois, para o homem, um depósito inesgotável de objetos de trabalho. Os homens buscam e encontram nela a matéria e a energia necessárias para produzir artigos de uso e consumo e meios de trabalho. Quanto maiores são as riquezas naturais incorporadas à produção dos meios de vida, tanto mais poder tem o homem sobre a natureza (Glezerman & Kursanov, 1978, p. 52-3). A atividade do homem entra em relação produtiva e cognos-citiva com a natureza através do trabalho, o que o difere dos demais animais; ele transforma a natureza em objeto da própria consciência teórica. O homem separa-se precisamente, dos outros animais, a partir do momento em que começa a produzir e reproduzir suas condições de vida, quando desenvolve as potencialidades não só de seu próprio organismo, como também dos instrumentos criados para ampliar o poderio de suas mãos e de seus braços. Esse domínio gradativo sobre os meios de trabalho vai libertando o homem das limitações que até então lhe impunha a natureza exterior, com a qual se sentia organicamente identificado; ao mesmo tempo este vai elaborando um novo modo de relacionamento com ela, ao se apropriar de suas características menos aparentes para submetê-la à sua vontade, uma vontade que vai apurando em fins objetivos e necessidades sempre mais definidos (Santos, 1984, p. 22). Essa relação de apropriação e transformação fundamentada no materialismo histórico se constituiu por longo tempo em determinismo geográfico, como falsidade ideológica imposta pelo sistema de dominação. Quanto mais a sociedade se desenvolve, mais ela transforma o meio geográfico pelo trabalho produtivo social, acumulando nele novas propriedades. Em síntese, "a sociedade depende tanto mais da natureza ambiente (sic) quanto ela é mais fraca e quanto mais mergulha no passado" (Podossetnik & Spirkine, 1966, p. 16). A sociedade é, portanto, um organismo social complexo, cuja organização interna representa um conjunto de ligações e relações fundamentadas no trabalho. Esse trabalho encontra-se diretamente vinculado aos recursos oferecidos pela natureza. Portanto, a natureza resultante da pura combinação dos fatores físicos, químicos e biológicos, ao sofrer apropriação e transformação por parte do homem, através do trabalho, converte-se em natureza socializada ou "segunda natureza", caracterizando as relações que incorporam as forças produtivas nos diferentes modos de produção. Assim, o trabalho é visto como mediador universal na relação do homem com a natureza, o que leva a admitir que a chamada relação homem-natureza é relação de trabalho. A separação entre o homem e as condições naturais de sua existência, observada i anteriormente, não é para Marx "natural", mas histórica. A natureza está no homem e o homem está na natureza, porque o homem é produto da história natural e a natureza é condição concreta, então, da existencialidade humana. Mas como é o trabalho que está verdadeiramente tecendo a dialética da história, é ele que faz o homem entrar na natureza e a natureza estar no homem (Moreira, 1981, p. 81). Ainda, com relação ao trabalho, dizem os economistas que é a fonte de toda riqueza. E o é, com efeito, a par da natureza, que se encarrega de proporcionar-lhe a matéria destinada a ser convertida em riqueza pelo trabalho. Mas é infinitamente mais que isso. O trabalho é a primeira condição fundamental de toda vida humana, a tal ponto que, em certo sentido, deveríamos afirmar que o próprio homem foi criado por obra do trabalho. (...) Assim, pois, a mão não é somente o órgão do trabalho, mas é, também, o produto deste (Engels, 1979, p. 142-3). A prática do homem está diretamente ligada a sua história. RELAÇÕES DE PRODUÇÃO E RELAÇÕES HOMEM-NATUREZA O modo como os homens se relacionam com a natureza depende do modo como os homens se relacionam entre si. "Para produzir, os homens contraem determinados vínculos e relações; através desses vínculos e relações sociais, e só através deles, é que se relacionam com a natureza" (Marx, 1967, p. 441). Em síntese, pode-se concluir que os fenómenos resultantes da relação homem-natureza encontram-se determinados pelas relações entre os próprios homens, em um determinado sistema social, conforme esquema: P o r t a n t o , a transformação da natureza pelo emprego da técnica, com finalidade de produção, é um fenómeno social, representado pelo trabalho. Daí se infere que as relações de produção entre os homens mudam conforme as leis, as quais implicam a formação econômico-social e, por conseguinte, as relações entre a sociedade l e a natureza. Para melhor compreensão de tais fenómenos, necessário se faz observar as relações evidenciadas nos diferentes modos de produção. Inicialmente, deve-se considerar a base ou infra-estrutura do modo de produção, comandada pelas relações de produção. Conforme se observou, as relações de produção referem-se às relações entre os próprios homens, responsáveis pelas relações de trabalho, forma de propriedade e relações de distribuição e troca nos diferentes sistemas. As forças produtivas, por sua vez, que tratam das relações do homem com a natureza, correspondem a determinadas relações de produção, evidenciadas nas diferentes fases da história da humanidade. Os elementos internos das forças produtivas são justificados por duas grandes categorias analíticas: a força de trabalho e os meios de produção, onde se inserem o objeto de trabalho (a própria terra) e os instrumentos de trabalho, que se encontram numa dependência direta do grau de desenvolvimento cientffico-tecnológico (fig. 1). Portanto, é nas forças produtivas da base do sistema que se evidenciam as relações entre o homem e a natureza que, através do trabalho, respondem pela produção material do espaço. Tais forças produtivas, conforme se considerou, vinculam-se às relações de produção, determinantes das relações de trabalho e da forma de propriedade nos diferentes meios de produção. As relações de produção (relações homem-homem), ao mesmo tempo em que implicam as relações entre o homem e a natureza (forças produtivas), respondem pelo comportamento da superestrutura (concepções políticojurídicas, filosóficas, religiosas, éticas, artísticas e suas instituições correspondentes, representadas pelo próprio Estado). Deve-se observar, contudo, que as forças produtivas são os elementos mais dinâmicos e revolucionários da produção e que também a superestrutura não é algo passivo. Enfim, as forças produtivas, em sua unidade dialética com as relações de produção, constituem a base material do modo de produção que caracteriza cada época histórica. Ou ainda, enquanto as forças produtivas respondem pelo conteúdo do processo produtivo, as relações de produção caracterizam a forma económica e social do referido processo (fig. 1). "Só no quadro dessas relações económicas (relações de produção), nem sempre tangíveis e visíveis, existe a relação dos homens com a natureza e tem lugar a produção social" (Ilíne & Motiliov, 1986). Ainda, partindo do princípio de que enquanto o conteúdo da base material (forças produtivas) não se constitui em fator de mudança radical da sociedade, o que é justificado pelo estágio em que se encontra, entende-se que a forma (relação de produção) assume papel de domínio no sistema de relações sociais, o que é corroborado pela superestrutura ideológica. Assim, admite-se que o meio natural é o substrato em que as atividades humanas respondem pela organização do espaço, conforme os padrões económicos e culturais. Portanto, quanto maior o avanço científicotecnológico de um povo, menores serão as imposições do meio natural e maiores as transformações acontecidas, o que implica o próprio comportamento ambiental. A história do homem tem demonstrado a procura permanente de sua harmonia com a natureza, o que não exime a degradação ambiental de ser considerada também histórica: inicia com a agricultura predatória na África (6.000 a.C.), continua com a quebra do equilíbrio natural decorrente da substituição da população nómade pela sedentária, como nas estepes da Ucrânia e América e intensifica-se com a implantação do sistema capitalista. Em 1844, Engels, referindo-se à classe operária, mostrava quanto a atmosfera de Londres ou Manchester era mais pobre de oxigénio e mais rica em gás carbónico do que a atmosfera do campo (Biolat, 1977). Essas transformações são relativamente rápidas se comparadas com o estágio evolutivo da natureza. Basta imaginar que os homens, lavrando a terra todos os anos, reviram uma massa três vezes maior que todos os produtos vulcânicos jorrados durante o mesmo tempo das entranhas do solo. Durante os últimos cinco séculos, a humanidade extraiu do subsolo pelo menos cinquenta bilhões de toneladas de carvão e dois bilhões de toneladas de ferro. Durante o último século, as fábricas adicionaram à atmosfera, cerca de 360 bilhões de toneladas de gás carbónico, o que aumentou o seu teor em cerca de 13%. Calcula-se que a quantidade de gás carbónico atualmente adicionada à atmosfera chegue a aumentar a temperatura média de um grau a um grau e meio (Podossetnik & Spirkine, 1966, p. 16). A forma de apropriação e transformação da natureza responde pela existência dos problemas ambientais, cuja origem encontra-se determinada pelas próprias relações sociais. Ou conforme Biolat (1977), "o homem, ao atuar para modificar a natureza, provoca, por sua vez, efeitos sobre o seu pensamento, o que acarreta a necessidade de novas relações entre os homens, para melhor dominar a natureza". Em síntese, conclui-se que uma nova estrutura sócio-econômica implantada em uma região implica uma nova organização do espaço, que por sua vez modifica as condições ambientais anteriores. Ou ainda conforme Tompes da Silva (1988), a ausência de um equilíbrio ou harmonia na relação homem-natureza decorre em primeiro lugar de uma relação de negatividade onde a sociedade encontra-se em contradição com a natureza, e por ser assim a recria e a modifica constantemente; em segundo lugar, essa relação, em oposição ao que imaginava Feuerbach, apresenta-se em constante movimento e transformação. Ela muda na medida em que se altera o modo de produção, em que se muda a indústria, a divisão de trabalho, o intercâmbio, etc. RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA NO SISTEMA DE PRODUÇÃO CAPITALISTA A utilização espontânea da natureza, onde está implícita a dilapidação de suas riquezas, esboçou-se nas primeiras etapas da história da sociedade e se acentuou na época feudal, porém, alcançou um grau máximo no curso da sociedade capitalista. ^'O capitalismo cria a grande produção e a competição, que levam aparelhada a dilapidação da capacidade produtiva da terra" (Marx, 1967). Ou ainda, conforme Frolov (1983, p. 19), no capitalismo, a produção material se inspira na obtenção de benefícios; é um processo de desenvolvimento das forças produtivas imanentes que não se conjuga com as necessidades e demandas do indivíduo real, nem com as possibilidades e os limites da natureza exterior. Conforme Duarte (1986, p. 47), no capitalismo, "quanto mais o trabalhador se apropria da natureza, mais ela deixa de lhe servir como meio para o seu trabalho e meio para si próprio". A título de exemplo, no sistema de produção capitalista, as relações de trabalho respondem pela exploração da força de trabalho (trabalho assalariado, cujo pagamento não corresponde ao produzido, gerando "maisvalia"), e a forma de propriedade dos meios de produção é privada. Apenas a força de trabalho não se caracteriza como propriedade do capital, o que processa verdadeiras maquinações das relações de produção, como a criação do exército de reserva, que implica a relação.oferta-procura, e consequente controle salarial do trabalhador. Trata-se portanto, de uma relação de classe, tendo de um lado o proprietário do dinheiro ou da mercadoria, e de outro, homens que não possuem nada senão sua própria força de trabalho. No capitalismo dependente e excludente como o brasileiro, tais considerações se agravam. Se por um lado o Estado é permeável às determinações do capital estrangeiro, o que pode ser justificado pelo grau de dependência gerado pela dívida externa, por outro, encontra-se subordinado aos interesses do capital interno, como o dos grandes latifúndios ou grandes grupos económicos. A imposição ao direito da propriedade é tal que acaba obstando a possibilidade de uma reforma agrária, apesar de esta se constituir em alternativa para a própria evolução capitalista. A ação governamental encontra-se fundamentada na legislação vigente, que tem por função, proteger o capital. Portanto, o Estado exerce a violência que legitima os privilégios de classe. A filosofia idealista, por sua vez, impede uma visão da estrutura aqui apresentada, procurando justificar os efeitos através de causas indiretas, o que automaticamente é repassado ao desenvolvimento científico. Como exemplo, as ciências humanas sempre foram relegadas a um segundo plano (ao contrário das ciências ditas "nobres"), por terem tido uma função inútil, quando na realidade possuem uma importância fundamenta] no desenvolvimento da consciência social. A geografia desde sua sistematização como ciência sempre serviu ao poder, o que levou Lacoste (1976) a assinalar a dupla função histórica que sempre a caracterizou: a geografia do poder, aquela utilizada pelas forças armadas, com objetivo estratégico-político; e a geografia dos professores, que foi introduzida na vida académica por Vida! de La Blache, no século XIX, na França. O próprio sentido da geografia possibilista lablachiana demonstra sua função servil, ao combater a geografia determinista alemã (Ratzel), utilizando-se da neutralidade científica. Portanto, a neutralidade científica, que é uma postura filosófica com finalidade de mascarar a realidade objetiva, foi e continua sendo difundida com base nos pressupostos positivistas. As pesquisas, por sua vez, nessa visão de neutralidade, ou são inúteis ou possuem a finalidade de contribuir para a geografia do poder, relegando o sentido social da ciência, deixando de contribuir para o desenvolvimento de uma consciência critica. Como se observa através da própria evolução do pensamento cientifico, a geografia tem sido resistente ao conceito contraditório de "natureza", sobretudo a partir do momento em que se interessa pelas relações entre o homem e a natureza. Assim sendo, o caráter dual imposto pelo modo de produção capitalista tem se constituído em recurso ideológico para falsear a relação dialética entre o homem e a natureza e, por conseguinte, impedir a participação da força de trabalho no processo produtivo. Como a sistematização tanto da geografia como da própria geomor-fologia, a ser considerada oportunamente, acontece com o processo de expansão capitalista (fins do século XVIII), toma-se evidente a vinculação da estrutura filosófico-ideológica voltada aos interesses do capital. Isso tem sido repassado por diferentes gerações, respondendo pelo processo de alienação em detrimento da formação crítica da consciência social. A mesma estratégia ideológica pode ser sentida com relação ao processo de importação de cultura, podendo este ser exemplificado através do prestígio da música estrangeira e a carência de recursos para a produção da cultura nacional. Por outro lado, a mídia tem sido importante instrumento do sistema, contribuindo para a deformação da personalidade. A ideologia capitalista, sob enfoque positivista, convence as "massas" de que o aumento dos conhecimentos técnicos e o desenvolvimento industrial se constituem, automaticamente, em bemestar social, deixando de observar "de quem". A ideologia do Estado e o poder dos meios de comunicação visam a uniformização cultural, a eliminação das resistências e diferenças, a unificação do mercado de consumo e a integração da paisagem nacional modificada pelo progresso (Mine, 1987). Os próprios movimentos ecológicos, na maior parte das vezes despreparados politicamente, não comprometem o sistema de produção responsável, admitindo que as questões ambientais se originam exclusivamente das relações entre o homem e a natureza. É como depositar na pessoa do trabalhador a responsabilidade pelas formas de exploração inadequada das forças produtivas, ou encarar o problema sob o aspecto estritamente técnico. Se o modo como os homens se relacionam com a natureza depende do modo como os homens se relacionam entre si, não se pode trabalhar seriamente no movimento ecológico sem precisar muito bem o significado das relações sociais em que vivemos, para a compreensão de nossas relações com a natureza (Porto Gonçalves, 1984). Na realidade, capital e trabalho são antagónicos, uma vez que o capital é gerado pela exploração do trabalho ao entrar em contradição com a natureza. "Como o processo de trabalho é uma relação homem-meio, apontada para o lucro pela via de produção de mercadorias de baixo custo, a relação é de predação" (Moreira, 1981). APROPRIAÇÃO PRIVADA DA NATUREZA COMO RELAÇÃO DE NEGATIVIDADE A visão de natureza externa à sociedade, o objeto totalmente alheio ao sujeito, constitui-se em argumento puramente ideológico, rigorosamente não dialético. Trata-se do ocultamente da própria relação entre o homem e a natureza. Ao mesmo tempo em que externaliza a natureza, o homem apropria-se dela, produzindo uma relação contraditória: a natureza é considerada externa, mas feita como interna. Ou ainda, conforme Burgess (1978), a natureza não permanece muito tempo externa, tornando-se cada vez mais difícil de se conceber sua ex-temalidade: "a produção dos solos deficientes e a degradação geral de muitas terras agrícolas; a produção de paisagens culturalmente deficientes; a poluição e a erradicação da disponibilidade de recursos...". Conforme se constatou anteriormente, as relações de produção entre os homens respondem pelas relações da sociedade com a natureza, e conseqüentemente, pela organização do espaço produtivo social. Partindo do princípio de que "a principal relação homem-ho-mem é justamente a relação de propriedade das forças produtivas" (Moreira, 1987), conclui-se que é a relação homem-homem que dá a direção geral à relação homem-meio. Como a relação homem-meio contém em si duplo aspecto, ou seja, é relação ecológica e é relação histórico-social, tem-se que a questão ambiental encontra-se fundamentada na relação de propriedade das forças produtivas, determinada pelas relações homemhomem. Portanto, a forma como os homens se relacionam com a natureza depende fundamentalmente da relação de propriedade das forças produtivas. Rousseau, em 1755, já observava que a corrupção das sociedades civilizadas começa no momento em que surge a propriedade privada, momento esse que se refere à conversão do espaço em "mercadoria" (expressão formal do valor de troca). À medida que o caráter da propriedade privada é desenvolvido (apropriação privada da natureza), o acúmulo de capital se torna consequência, o que além de responder pelo processo de degradação ambiental, responde pelo antagonismo de classe. O agravamento dos problemas ambientais nasce portanto com as relações de propriedade privada e os antagonismos de classe, responsáveis pela alteração da raiz da estrutura social e, por conseguinte, das relações'entre o homem e a natureza. Em síntese, os impactos ambientais têm se agravado em função do maior desenvolvimento anárquico das forças produtivas que estruturam o modo de produção capitalista, enquanto as relações de produção são relações de domínio e submissão. É dessa relação que se constata o grau de dilapidação da capacidade produtiva da terra, com crescente degradação da natureza, determinada por um aproveitamento generalizado e mais intenso dos recursos naturais, sobretudo através do processo de industrialização, urbanização e agricultura predatória. Como reação a esse processo surge um amplo movimento social em defesa da natureza, visando um aprimoramento do meio ambiente e uma exploração mais racional dos recursos e também assegurar sua reprodução. Surge portanto a "ecologia" (oikos, casa), ciência que estuda o meio onde habitam os seres vivos. Conforme Guerasimov (1983), o conceito "ecologia" aparece com a concepção evolucionista da natureza de Darwin, onde se observam as relações entre a biota (plantas e animais) e o habitat. Portanto, a ecologia se desenvolve nas ciências biológicas. O marxismo, por sua vez, com sua concepção científica das leis do desenvolvimento da sociedade, "desvinculou o homem do mundo animal, como fenómeno sociobiológico, e determinou que sua população é em primeiro lugar uma formação social". Assim, rompeu o limite de enfoque puramente biológico da ecologia. A doutrina de Marx e Engels sobre as leis do desenvolvimento da sociedade, baseada na atividade laborial dos homens e nas relações sociais que se formam entre eles, exclui a possibilidade de explicar as relações mútuas da sociedade e do meio natural unicamente através das leis biológicas (Guerasimov, 1983). Estudos realizados nos últimos anos, para compreender a essência da revolução científico-tecnológica contemporânea e seus impactos sobre o meio ambiente, têm estendido os limites do conceito de ecologia, introduzindo na ciência, junto com outros, os termos "ecologia do homem" e "ecologia da sociedade", e atri- buindo um conteúdo vago às relações entre o homem e a natureza (Guerasimov, 1983). Observa-se portanto, um processo de "ecolo-gizaçáo" das ciências naturais e sociais contemporâneas. Tais investigações, por mais diversos que sejam os objetivos do estudo, procuram analisar os vínculos existentes entre o meio ambiente, o homem e a sociedade. O SIGNIFICADO DO RELEVO NO ESTUDO AMBIENTAL Guerasimov (1983), após demonstrar o processo de ecolo-gizaçâo das ciências contemporâneas, individualiza a geografia pelo conteúdo de enfoque que apresenta. "A rigor, a geografia tem estudado sempre o meio ambiente, tomado em seu conjunto como um sistema em que estão incluídos os componentes naturais e sociais (tecnológicos)." Admite-se, portanto, o significado do estudo geográfico do entorno, como condição indispensável para toda investigação ecológica. Demonstra ainda que a geografia contemporânea está preparada mais que outras ciências para os estudos ecológicos, uma vez que dispõe dos métodos necessários e, o que é mais importante, possui uma imensa informação científica sobre o grau e as formas de sua potenciação e aproveitamento económico. Ao tratar das questões ambientais, a geografia permite a aproximação do homem com a natureza, rompendo a visão djcotô^ mica e afirmando a unidade dialética. "É necessário que a nossa categoria supere a visão dicotômica jsjavgçrç^^ pois assim procedendo teremos condições efetivas de dominar a amplitude interdependente do complexo homem-natureza" (Gomes, 1988). A geografia, com suas grandes possibilidades potenciais de enfocar em conjunto o estudo dos fenómenos naturais e sociais, habilita-se a oferecer as orientações científicas principais dos estudos ecológicos assim definidos: controle sobre as mudanças do meio ambiente originadas pela atividade do homem (monitoramento antrópico); prognósticos geográficos científicos das consequências que implicam a influência de atividade económica sobre o entorno; preservação, debilitamento e eliminação das calamidades naturais; otimização do meio nos sistemas técnico-naturais que o homem cria (Guerasimov, 1983). GEOSSISTEMA COMO PONTO DE PARTIDA Em síntese, para tratar das questões ambientais e das leis da sociedade que determinam as relações de produção (ou são por elas determinadas), necessário se f az o entendimento das leis da natureza. Segundo Engels (1976), ... somos a cada passo advertidos de que não podemos dominar a natureza como um conquistador domina um povo estrangeiro, como alguém situado fora da natureza; nós lhe pertencemos, com a nossa carne, nosso sangue, nosso cérebro; estamos no meio dela; e todo o nosso domínio sobre ela consiste na vantagem que levamos sobre os demais seres de poder chegar a conhecer suas leis e aplicá-las corretamente. Embora a terra possa ser considerada um enorme sistema, encontra-se representada por três subsistemas integrados: o atmosférico, o continental ou litosférico e o aquático ou hidrosférico (fig. 2). Na zona de interação dessas três unidades ocorre a vida (subsistema biosférico). Numa relação direta do sistema natureza em relação ao homem, Gregoriev (1938) considerou o estrato geográfico da terra composto pela crosta terrestre, hidrosfera, baixa camada da atmosfera (troposfera), cobertura vegetal e reino animal que, em conjunto, definem os ambientes onde vivem os homens socialmente. Ou ainda, conforme Mine (1987, p. 16), a natureza "é um palco iluminado pelo sol, onde coexiste uma série de formas de vida, através de numerosos fenómenos biológicos, químicos e físicos que se integram e se completam alimentando-se reciprocamente". Portanto, refere-se a um conjunto de ecossistemas em equilíbrio dinâmico, em que qualquer intervenção num ponto do sistema repercute no conjunto. A intervenção dos referidos subsistemas não pode, portanto, ser entendida de forma dissociada, uma vez que implicaria a ruptura das relações processuais como um todo, proporcionando uma abordagem metafísica. Assim, todo conjunto pertence a um sistema, cujas ações e reações estão condicionadas pela matéria (em seus três estados) e pelas fontes energéticas (internas e externas). A interdependência das unidades consideradas foi tratada por Kalesnik (1958) em artigo que destaca o significado da geografia física como ciência de integração. Utiliza-se do conceito de "Landschaft-esfera" como objeto da geografia física, onde a referida integração é vista através das leis geográficas gerais da terra, ou leis da Landschaft-esfera, que são: 1) integridade, unidade da sua composição e da sua estrutura; 2) existência dos fenómenos circulares da matéria e energia; 3) presença do ritmo em seus fenómenos; 4) coexistência da estrutura da Landschaft-esfera de particularidades zonais e azonais; e 5) continuidade de sua evolução, cujo resultado é a luta dos processos exógenos e endógenos. Através das leis que compõem a Landschaft-esfera evidencia-se a interação de um sistema material único e integral. Tal fato pode ser compreendido através da "relação entre o clima e o relevo, o clima e a formação dos solos, o clima e mundo orgânico...". Nesse sistema geral de relação, o homem está presente, desempenhando papel considerável no movimento circular das substâncias da terra. Os processos circulares são os grandes responsáveis pela dinâmica processual, podendo ser caracterizados pela circulação atmosférica, o ciclo da água e uma infinidade de outros exemplos. Devem ser vistos como sistemas abertos, considerando-se a troca de energia e matéria existentes entre os diferentes componentes, ou conforme o autor, "seria preferível representá-los simbolicamente como uma curva traçada em pontos de circunferência de uma roda que gira em linha reta". Os fenómenos rítmicos (diurnos, sazonais, anuais...) caracterizam as diferenças nas relações internas da paisagem. Por exemplo, cada paisagem apresenta um ritmo anual e sofre mudanças de acordo com as estações. A zonalidade, por sua vez, resulta dos fenómenos que se processam na superfície do globo, sendo a forma da terra e sua posição em relação ao sol, as causas principais dessas diferenciações. Além disso, a repartição irregular entre terra e água, diferenças térmicas das correntes marítimas, além de outros fatores, fazem com que a natureza não se pareça com a matemática. Apesar das determinantes exógenas nas diferenciações zonais - o que faz entender a zonalidade de forma dinâmica -, deve-se considerar ainda as implicações endógenas, como as forças tectogenéticas, que caracterizam os processos azonais. Por último, observa Kalesnik (1958), através da continuidade da evolução, que a "Landschaft-esfera desenvolve-se pela força de suas contradições internas. As influências externas, como a radiação solar, criam as condições de seu desenvolvimento". Ou ainda, a origem e evolução dinâmica da Landschaft-esfera resulta do encontro de inúmeras tendências antagónicas que nela se acham unidas. O homem se faz presente nesse sistema geral de relações, exercendo grande pressão sobre o meio geográfico e influenciando o movimento circular das substâncias da terra. Isso pode responder por alterações dos fenómenos rítmicos (disritmias), os quais, ampliando a escala de abrangência, poderão influenciar na dinâmica zonal, e em última instância, ter implicações na manutenção do equilíbrio dinâmico e conseqüentemente na continuidade da evolução da Landschaft-esfera. Bertrand (1968), a ser melhor considerado adiante, incorpora os diferentes subsistemas - litosfera, atmosfera e hidrosfera - no conceito de "potencial ecológico" (relevo, clima e hidrologia), enquanto a biosfera vincula-se à "exploração biológica" (vegetação, solo e fauna). O equilíbrio existente entre o potencial ecológico e a exploração biológica caracteriza o "equilíbrio climáxico", muitas vezes rompido pela intervenção do homem na "exploração biológica" (por exemplo, o desmatamento para o desenvolvimento de determinado projeto). Se por um lado a análise dos sistemas naturais é comandada pelas leis da própria natureza, sua apropriação pelo homem (produção da natureza) responde por intervenções que muitas vezes afetam de maneira significativa a atividade do sistema (segunda natureza). Portanto, as propriedades geoecológicas convertem-se em propriedades sócio-reprodutoras (como suporte ou recurso), momento em que surgem as consequências ambientais. Deve-se acrescentar que a escala de abrangência de tais problemas aumenta numa relação direta ao processo e modo de produção, quando os homens contraem determinados vínculos e relações sociais. Em síntese, é preciso oferecer subsídios ao conhecimento sistemático dos sistemas naturais, procurando entendê-los sempre num processo de interação e interconexão, onde o homem se faz presente. Portanto, o conhecimento sistemático dos subsistemas deve envolver questões relativas à atmosfera, hidrosfera, litosfera e biosfera, tendo o homem como agente responsável pela organização do espaço produtivo social. Apesar de as considerações serem lógicas e tais conhecimentos integrarem a maior parte dos currículos do curso de geografia, deve-se observar a necessidade de serem estruturados segundo as preocupações ambientais, como as alterações físicas e químicas dos solos, a contaminação das águas superficiais e lençóis freáticos, as disritmias pluviométricas e efeitos de deserti-ficação, a ocupação das vertentes e processos morfogenéticos resultantes... Em síntese, ao se procurar abordar as derivações ambientais processadas pelo homem, deve-se entender que tudo começa a partir da necessidade de ele ocupar determinada área, que se evidencia pelo relevo, ou mais especificamente, individualiza-se pelo elemento do relevo genericamente definido por vertente. Assim, a ocupação de determinada vertente ou parcela do relevo, seja como suporte ou mesmo recurso, conseqüentemente responde por transformações do estado primitivo, envolvendo desmatamento, cortes e demais atividades que provocam as alterações da exploração biológica e se refletem diretamente no potencial ecológico. O RELEVO NA ANALISE GEOGRÁFICO-AMBIENTAL O relevo, como componente desse estrato geográfico no qual vive o homem, constitui-se em suporte das interações naturais e sociais. Refere-se, ainda, ao produto do antagonismo entre as forças endógenas e exógenas, de grande interesse geográfico, não só como objeto de estudo, mas por ser nele - relevo - que se reflete o jogo das interações naturais e sociais. Evidentemente que nem a energia interna atua de forma homogénea na crosta terrestre, nem a energia solar é igual em toda a superfície da terra. Diante da variação do grau de atuação de uma e outra tem-se, na superfície da terra, uma gama de paisagens que são respostas às diferentes formas de ações e reações da matéria, ante a atuação das energias endógenas, as forças tectogenéticas, e exógenas, os mecanismos morfoclimáticos (Ross, 1987, p. 6). Os trabalhos gerados pela relação entre tais forças não podem ser vistos como produtos acabados, e sim como produtos em permanente modificação, dada a constante ação e reação entre matéria e energia, interagindo através dos diferentes componentes da natureza. Penteado Orelhana (1981) afirma que o relevo se constitui na "interface da atmosfera e hidrosfera, que fornece os recursos vitais e a antroposfera é o pátio do desempenho humano para o qual deve ser dirigida a atenção sobre a avaliação dos sistemas de relações. Nessa superfície de contato, o homem agride, corrige e torna economicamente produtivos sistemas naturais que, nas formas originais, eram incapazes de prover as necessidades humanas". Portanto, o homem, ao integrar a natureza, tem se mostrado capaz de alterar as relações processuais naturais, portanto, alterar o próprio relevo, através de modificações da "exploração biológica" (vegetacão, solo e fauna), o que implica a ruptura climáxica (equilíbrio existente entre a "exploração biológica" e o "potencial ecológico", representado pelo relevo, clima e hidrologia) a ser considerada oportunamente. Ao mesmo tempo em que o relevo terrestre refere-se a um componente da natureza, constitui-se em recurso natural, o que o reveste de interesse geográfico e, portanto, de preocupação ambiental, uma vez que jamais poderá deixar de ser tratado sob o prisma antropocêntrico. Fairbridge (1971) chega a exagerar tal importância, ao considerar a paisagem morfológica como recurso natural principal do homem, "substrato de todos os outros recursos da terra, sem o que tudo mais será secundário e abstraio". Contudo, deve-se ressaltar o significado que o relevo desempenha para o homem, ao considerá-lo como resultante do subsistema litosfera, económica e socialmente. Assim, o estudo do relevo feito pela geomorfologia passa a assumir uma perspectiva de geografia global que, por sua vez, procura ocupar o espaço de direito, correspondente ao ternário ambiental. Trata-se de reforço de uma perspectiva histórica da própria geomorfologia, como se constatará a seguir, diferente do modismo da ecologização. CONCEITO DE GEOMORFOLOGIA Antes de se fazer qualquer comentário a respeito do assunto, convém apresentar algumas considerações do que seja a geomorfologia. Trata-se de um ramo principal da geografia, ainda de pouca divulgação popular, apesar da importância social de que se reveste, sobretudo quanto às questões ambientais. A conceituação dificilmente será feita através de uma análise etimológica da palavra, lembrando que seu campo de estudo é restrito que o sugerido (limitações positivistas), conforme bem lembrou Sparks (1972). O "estudo das formas do relevo" não se restringe apenas à ciência geomorfológica, como por um número razoável de outras ciências, entre as quais deve-se considerar a geologia, a geodésia, a geofísica e a própria geografia. Entretanto, a forma como propõe e desenvolve a análise do relevo é própria, definida a partir da obra de James Hutton (1726-1797), primeiro grande fluvialista e criador da teoria do "atualismo". Entendida como uma ciência que busca explicar dinamicamente as transformações do georelevo, portanto, não apenas quanto à morfologia (forma) como também à fisiologia (função), incorporado organicamente ao movimento histórico das sociedades, é natural que sua vinculação com a geografia é mais que justificável. Como responsável pelo entendimento das relações do geo-relevo, constitui-se em importante referencial para a manutenção e estruturação dos sistemas físico-naturais diante das transformações sociais, o que justifica a sua função ambiental. Quanto ao significado da geomorfologia para a geografia, Hamelin (1964) entende que se encontra determinado pela opinião que se tem da própria geografia. Para muitos geógrafos "a morfologia não deveria ser nem sistemática, nem necessariamente genética - isto é, descrição e explicação do relevo em si -, mas seletiva e funcional. Nessa ótica só se faz geomorfologia aquém de um certo ponto, o limiar da incidência geográfica; a morfologia é, então, simplesmente um meio. Não é, pois, todo o relevo que se tenta compreender, mas somente o seu coeficiente de intercâmbio geográfico" (Hamelin, 1964, p. 8). Na ótica dessa geografia global (simples prolongamento da geografia clássica), far-se-ia menos a geomorfologia especializada, porém, mais frequentemente, a geomorfologia funcional. "Esta é um pouco a geomorfologia de todos." Diante da tendência de se ver uma geomorfologia puramente parcial, na ótica de uma geografia global, o autor (Hamelin, 1964) entende que a mesma geomorfologia poderia ser vista de maneira diferente em uma geografia total, ou seja, ao mesmo tempo mo-noísta e pluralista. Portanto, enquanto o monoísmo permitiria a unidade da geografia (preocupação dos soviéticos, como Anuchin, 1962), o pluralismo ofereceria um estudo mais intensivo das disciplinas que compõem a área física, como a geomorfologia. Esta, em vez de estudar somente as relações entre o relevo e o homem, ampliaria seu objetivo além dos aspectos genéticos defendidos pela geografia clássica (geomorfologia integral - estudo do relevo sob todos os aspectos). Para Hamelin (1964), a geografia global relaciona-se sobretudo com o método, enquanto a geografia total relacionase muito mais com a divisão do objeto (estudo de maior profundidade). Assim sendo, a geomorfologia seria feita em dois graus: "no primeiro, os especialistas do relevo irão produzir uma geomorfologia completa em que alguns aspectos poderão auxiliar a solução dos problemas geomorfológicos dos geógrafos globais; no segundo, estes últimos somente farão uma geomorfologia parcial, menos exigente e mais funcional para a geografia dos conjuntos" (Mackay, 1961). Tal proposição (Geomorfologia parcial) parece romper a sequência metodológica do conhecimento geomorfológico, deixando de fundamentar o terceiro nível de integração preconizado por Ab'Saber (1969), ou seja, o da "fisiologia da paisagem", a ser abordado adiante. Segundo Hamelin (1964, p. 14) a geomorfologia integral, ou tomada em sua totalidade, deve envolver o estudo do relevo sob todos os seus aspectos, descrição dos fenómenos elementares, tipos de formas e de relevo, trabalhos de laboratório e estágios sobre o terreno, estudo-montagem, história geológica, estrutura, processos, condições, variações morfòclimáticas, nomenclatura, geomorfologia aplicada, geomorfologia comparada, fatos regionais e estabelecimento de cartas de conjunto e detalhadas, questões propostas a outras ciências tais como a geografia global, climatologia, hidrologia, ciências dos solos e dos vegetais. 37 36 "O estudo do relevo tem sido encarado ora como um segmento da geologia, ora da geografia, quanto ao objeto, e tem se desenvolvido ora apoiado em uma perspectiva teorizante, ora em uma base empirista, quanto à forma de abordagem" (Abreu, 1985, p. 154). Enfim, depende da perspectiva em que se coloca o estudo do relevo, observando-se as reais necessidades do homem, a quem a ciência deve servir. Hartshorne (1939) deu grande importância a esse tema. Russell (1949) e Bryan (1950) publicaram ensaio a respeito do significado de uma geomorfologia geográfica, Wooldridge & Morgan (1946) registraram a pertinência da climatologia e geomorfologia em suas aplicações, no campo da geografia. Bunge (1973) lembra o papel da geografia física e da própria geomorfologia como fonte de leis e padrões de comportamento espacial. A seguir será apresentada uma síntese evolutiva do conhecimento geomorfológico, a partir de sua sistematização, fundamentada em estudo desenvolvido por Abreu (1983). SÍNTESE EVOLUTIVA DAS POSTURAS GEOMORFOLÓGICAS A geomorfologia como ciência começa a ser sistematizada em fins do século XVIII, vinculada às necessidades de pesquisas para as descobertas de combustíveis fósseis para alimentar a indústria do império alemão. A política cultural nacionalista adotada pela Alemanha, sob a influência prussiana, apesar de não ter impedido um relativo desenvolvimento interno, deixou-a fora da partilha dos territórios coloniais. Esse fato implicou o isolamento da Alemanha em relação ao contexto europeu, obrigando-a a adotar uma política de expansionismo latente como forma de defesa. Como resultado desenvolveu-se o isolamento cultural. Foram portanto os geólogos e engenheiros de minas, como James Hutton, criador da teoria do atualismo, os grandes responsáveis pela sistematização dos conhecimentos geomorfológicos. Enquanto na Europa a Revolução Industrial implicava prospecções minerais e consequente mudança do pensamento cientifico, a conquista do oeste americano também trazia contribuições importantes ao desenvolvimento da geomorfologia. Assim, o isolamento mantido pela Alemanha em relação aos demais países europeus em processo de desenvolvimento económico, que de certa forma foi favorecido pelo próprio idioma, proporcionou a individualização de quadros nacionais contrastantes no contexto político europeu, fazendo com que duas linhagens episte-mológicas definidas surgissem. Uma era de natureza anglo-ameri-cana, onde se evidenciou a aproximação das relações da Inglaterra e França com os Estados Unidos e outra de raízes germânicas, que posteriormente incorporou a produção publicada em russo e polonês. Em síntese pode-se admitir que as diferenças culturais implicaram linhagens epistemológicas distintas, com consequente definição de campo de interesse geomorfológico. A linhagem epistemológica anglo-americana fundamenta-se praticamente até a Segunda Guerra Mundial, nos paradigmas propostos por Davis (1899), através do "Geographical Cycle". Para ele, o relevo se define em função da estrutura geológica, dos processos operantes e do tempo. Apesar de Gilbert (1877), anteriormente, ter tentado explicar o relevo como resultante da erosão, portanto, sob uma perspectiva climática, Davis considerava o relevo em função da estrutura geológica, o que mereceu críticas insistentes do meio intelectual germânico contemporâneo, onde teve presença entre 1908/9. A geomorfologia davisiana praticamente não tinha qualquer articulação com a climatologia e a biogeografia, amplamente integrada na geomorfologia alemã. No final da década de 30, os norte-americanos se interessaram pelas críticas de W. Penck à teoria davisiana. A interpretação de Penck (1924) ao ciclo geográfico, divulgada durante o Simpósio de Chicago (1939), foi incorporada pêlos seguidores de Davis, criando novos paradigmas. Durante a Segunda Guerra Mundial, a influência do pensamento científico alemão se amplia nos Estados Unidos, proporcionando o desenvolvimento de técnicas implementadas com posturas filosóficas bem definidas. Um dos autores da corrente anglo-ameri-cana que se utilizam dos princípios adotados por Penck foi Lester C. King (1953, 1956 e 1967), cujas pesquisas sobre aplainamento caracterizavam o centro das atenções geomorfológicas na época. Deve-se acrescentar que a escola francesa, que exerceu posteriormente grande influência no desenvolvimento da geografia e geomorfologia brasileiras, praticamente se caracterizava pela reprodução do desenvolvimento científico americano. Isso pode ser exemplificado através das influências de Davis nos trabalhos elaborados sob a perspectiva estrutural (P. Birot, 1960; J. Tricart, 1968 e W. Thornbury, 1965). Progressivamente, os autores americanos assumem uma atitude mais crítica, o que contribui sobremaneira para a elaboração de outros paradigmas, como o espaço, no momento em que Davis valoriza o tempo. Contrariando a postura subjetiva e verbalista de Davis, esses autores propunham fatos objetivos, estudados sob a ótica da quantificação, valorizando as relações processuais que aquele havia desconsiderado. Assim, a partir da década de 40 até a de 60, a quantificação, a teoria dos sistemas e fluxos e o uso da cibernética (geografia quantitativa) assumem a postura teorética. Valorizam-se a análise espacial e o estudo das bacias de drenagem (Strahler, 1950,1952), 1954; Gregory & Walling, 1973), ao mesmo tempo em que novas posturas começam a emergir, como a teoria do equilíbrio dinâmico de Hack (1960). Horton estabeleceu leis básicas no estudo de bacias de drenagem, utilizando propriedades matemáticas. A inclusão da ação humana como instrumento de modificação das formas do relevo trouxe a vantagem de melhor entendê-las dentro de sistemas geomórfïcos atuais, dinamizados por processos envolvidos no mecanismo de modificações das formas (Cruz, 1982). Entre 1960 e início da década de 70, constata-se a aplicação dos postulados anteriormente obtidos, incorporando a teoria proba-bilística. Esses trabalhos acabaram caindo em formulações estéreis, sobretudo por rejeição do paradigma davisiano, sem substituição por outro universalmente aceito (Morley & Zunpfer, 1976). Se por um lado valorizam o espaço e supostas relações processuais, por outro desconsideram as relações temporais, julgadas como comprometidas ao paradigma davisiano (Abreu, 1983). Morley & Zunpfer (1976) e Thornes & Brunsden (1977) procuram rever as propostas precedentes. Não introduzem novos paradigmas mas apresentam posição crítica liberta de preconceitos, valorizando as observações de campo. Valorizam a ação processual segundo referencial têmporoespacial (Schumm & Lichthy, 1965). A linhagem epistemológica alemã tem von Richthofen (1886) como referencial inicial. Enquanto Davis tinha em sua retaguarda nomes de geólogos, von Richthofen tinha como predecessores autores naturalistas, que por sua vez tinham Goethe como ponto de referência permanente. (Foi Goethe quem empregou, pela primeira vez, a expressão "morfologia" como sinónimo de geomorfologia.) Enquanto Davis se caracteriza por uma proposição teorizante, von Richthofen se individualiza pela perspectiva empírico-naturalista (guia de observação). A. Penck (1894) também teve um papel fundamental na orientação da geografia alemã, que apesar de compartilhar de algumas noções básicas da teoria davisiana, como a do aplainamento, deu ênfase à herança naturalista de Goethe e Hum-boldt, valorizando a observação e análise dos fenómenos. A. Penck (1894) sistematiza teorias e formas do relevo (tratamento genético das formas), tornando-se um dos clássicos da geografia, exercendo grande influência no desenvolvimento da geomorfologia alemã nas primeiras décadas do século XX. Dentro desse contexto, três autores se destacam: A. Hettner (1927), grande crítico da teoria davisiana, S. Passarge (1912, 1919/21), que se caracterizou pela proposição de novos conceitos - como "fisiologia da paisagem", fundamentado na ideia de organismo -, introduzindo a ecologia no domínio geográfico, e S. Günther (1934)* que desenvolveu uma abordagem processual e crítica do sistema de referência de Davis. W. Penck (1924) aparece como principal opositor da postura dedutivista-historicista de Davis, valorizando o estudo dos processos. Em Die Morphologische Analyse - Ein Kapitel der Physika-lischen Geologie, publicação póstuma, utiliza-se da geomorfologia para atingir a geologia e contribuir para a elucidação dos movimentos crustais, como paradigma alternativo. Contribui assim para o avanço da geomorfologia, formalizando conceitos como de "depósitos correlativos". Apesar de criticado por seus seguidores, com a publicação em 1953 da versão inglesa, levou alguns autores nor-te-americanos a se interessarem pêlos estudos de vertentes e processos. A linha de estudos da geomorfologia climática e climatoge-nética emerge das pesquisas de J. Büdel (1948, 1957, 1963 e 1969) "que levaram a uma ordenação dos conjuntos morfológicos de origem climática em zonas e andares, produzidos pela interação das variáveis epeirogênicas, climáticas, petrográficas e fitogeográfï-cas" (Abreu, 1983, p. 15). O ternário "paisagem" evolui (Troll, 1932, 1939, 1959 e 1966) e se consolida nos estudos de geoecologia e ordenação ambiental do espaço. Após a Segunda Guerra, a cartografia geomorfológica emerge como método fundamental para a análise do relevo, graças às contribuições desenvolvidas na Polónia, Tchecoeslováquia e URSS (Klimaszewski, 1963; Demek, 1976; Basenina & Trescov, 1972). O avanço do mapeamento geomorfológico.e seu crescente emprego no planejamento regional mantêm o caráter geográfico da ciência geomorfológica. Em síntese, deve-se considerar que a geomorfologia alemã se beneficia da Segunda Guerra Mundial, através do desenvolvimento da cartografia geomorfológica, e que a guerra parece responder pela ruptura epistemológica da geomorfologia anglo-americana (fig. 3). Outras considerações diferenciativas podem ser anotadas entre as escolas anglo-saxônica e germânica, que justificam as divergências teórico-metodológicas a começar por Davis, de posição bergsoniana, que se utilizou de referencial teorizante, apoiado em posturas geológicas. A escola germanofônica, por sua vez, fundamenta-se em proposta kantiana, via Hettner, embora seja considerável a vinculação naturalista de Humboldt. Deve-se acrescentar que a preocupação com o espaço encontra-se vinculada a uma geografia polftico-estatística, onde a unidade regional era priorizada (resistência prussiana ao desafio americano). Enquanto Davis se constitui no principal ponto de referência da geomorfologia anglo-americana, W. Penck se caracteriza como um dos grandes entre muitos. Portanto, a postura teorizante de Davis e o próprio processo dedutivo contribuem para a evolução do referencia] cíclico em sistemas de tendência axiomática, onde a ação processual quantificada rompia com a abordagem historicista. A geomorfologia alemã, fundamentada na observação e processo empírico, caracterizava-se como guia de campo. Assim, se tais reformulações evidenciavam ruptura epistemológica anglofônica, a geomorfologia alemã se caracterizava pelo progressivo refinamento de conceitos. O estruturalismo e a teoria dos sistemas processaram repercussões distintas no nível epistemológico em ambas as escolas. Na Alemanha evidenciou-se uma maior integração das ciências naturais, integração essa que já existia, favorecendo análises geoecoló-gicas processuais, valorizando a cartografia geomorfológica e a ordenação ambiental (ótica marxista, identificada nas propostas dos países socialistas), evidenciando o caráter geográfico através da vinculação com o social. Na escola anglo-americana por sua vez, observou-se a já considerada ruptura com a abordagem historicista, favorecendo o desenvolvimento de teorias e métodos de análises quantitativas, isolando a geomorfologia em relação à geografia e orientando-a (a geomorfologia) para perspectivas geológicas e hidrológicas. A busca de se harmonizarem as transformações observadas surge com teorias alternativas, proporcionando a valorização dos processos geomorfológicos, segundo o sistema referencia] têmporo-espacial Apesar da convergência internacional do conhecimento, as duas tendências consideradas apresentam-se razoavelmente diferenciadas, mesmo com a incorporação gradativa da postura alemã à americana, evidenciada a partir do Simpósio de Chicago (1939). No Brasil, a mais séria contribuição à teoria geomorfológica parte de Ab'Saber (1969), que "salvo melhor juízo, parece dar a tónica nos postulados de raízes germânicas" (Abreu, 1983, p. 18). Recentemente, autores soviéticos e franceses (Bertrand, 1968 e 1970; Tricart, 1977; Socava, 1972) têm procurado desenvolver estudos integrados da paisagem, sob a dtica dos geossistemas, o que valoriza o desenvolvimento da geomorfologia alemã. Assim sendo, com o progressivo amadurecimento do estudo da paisagem e dos estudos geoecológicos, originados e desenvolvidos a partir da sistematização da geomorfologia alemã, tem sido possível articular a natureza à sociedade. Conforme Schmithüsen (1970), "se queremos compreender a ação do homem, não devemos separar a sociedade do meio ambiente que o rodeia". GEOMORFOLOGIA AMBIENTAL Um dos ternários propostos pela geografia atual refere-se à questão ambiental, que além de se constituir numa das preocupações deste final de século, proporcionou a compreensão dialética das relações entre homem e natureza, procurando suplantar o histórico dualismo. Enquanto a divisão internacional do trabalho, determinada pelo sistema de produção capitalista, respondeu pela divisão do trabalho científico, proporcionando a reprodução ilimitada de ciências e disciplinas específicas (abordagem metafísica), com consequente fragmentação do conhecimento, a nova postura procura integrar o social à análise da natureza, oferecendo subsídios para a compreensão das relações espaciais em sua totalidade. Conforme pôde-se observar através da evolução do conhecimento geomorfológico, a preocupação ambiental tem suas raízes na escola germânica (envolvendo os soviéticos e poloneses), que parece ter se firmado com Passarge (1922) e Troll (1932...). Portanto, a compreensão "geoecológica" em geomorfologia antecede o despertar tardio do ternário ambiental em geografia, que tem se pautado por uma tendência marxista. Assim, o materialismo dialético e materialismo histórico têm respondido pela orientação teórico-me-todológica da geografia crítica e se constituído em subsídio para a compreensão das causas essenciais que respondem pelas derivações espaciais ou implicações no comportamento do geo-relevo. O enfoque da geografia física como ciência global tem sido acentuado nas duas últimas décadas. Na França, os biogeógrafos Cabaussel e Bertrand reafirmam a ligação do estudo do meio físico e a ecologia, considerando-o um sistema (ecogeografia). O conceito de geossistema de Bertrand (1969) expressa o sentido de uma geografia física global (espaço geográfico), composto de dois subconjuntos: um físico (potencial ecológico e exploração biológica) e outro humano. Bertrand (1968), ao considerar a questão taxonômica da paisagem, utiliza-se da unidade "geossistema" (unidade dimensional entre alguns quilómetros quadrados e algumas centenas de quilómetros quadrados) como "escala em que se situa a maior parte dos fenómenos de interferência entre os elementos da paisagem e que envolvem as condições dialéticas, as mais interessantes para o geógrafo". Portanto, refere-se a determinada porção do espaço, resultante da combinação dinâmica de elementos físicos, biológicos e 48 e 49 das vertentes. Portanto, prevalece a fitoestabilidade; b) Meios Fortemente Instáveis, onde a morfogênese é o elemento predominante na dinâmica. Resultam de causas naturais (variações climáticas e efeitos tectônicos) e sobretudo antrópicas (na escala de tempo histórica), o que implica uma dissecação elevada (pedogênese nula ou incipiente); c) Meios Intergrades ou de Transição, que caracterizam uma passagem gradual entre os meios estáveis e instáveis. Aí se constata uma interferência permanente na relação pedogênese-morfogê-nese. Refere-se ao estado de modificação do sistema fitoestável antes de se ultrapassar o limiar de recuperação (fig. 4), o que proporciona a possibilidade de restauração de um meio estável ou possibilidade de tendência para um meio fortemente instável. Portanto, tem-se o solo como referencial para a caracterização temporal das condições de estabilidade, o que demonstra que a morfogênese frequentemente se exerce através do solo e não dire-tamente sobre a rocha. Os geógrafos soviéticos, depois de diversas tentativas de oferecerem uma análise integrada do complexo físico-geográfico, construíram um método de pesquisa fundamentado no "geossiste-ma" (Sochava), que é uma conceituação de epiderme terrestre, onde se relacionam a litomassa, aeromassa, hidromassa e biomassa. Antes disso, Kalesnik (1958), já considerado, havia proposto uma análise integrada pela geografia física, tendo a "Landschaft-esfe-ra" como objeto centralizador. Felds (1958), numa abordagem ecológica, propunha o desenvolvimento de uma geomorfologia antropogenética, procurando evidenciar as relações entre o homem e a sociedade no relevo. O prof. A. N. Ab'Saber (1969), em sua importante contribuição metodológica, sistematiza os três níveis de integração da análise geomorfológica, individualizando seu campo de estudo: a com-partimeníação topográfica, relacionada às formas do relevo, o levantamento da estrutura superficial, referente aos compartimentos morfológicos e, por último, o estudo da fisiologia da paisagem. Enquanto o primeiro nível procura oferecer uma individualização geográfica da área de estudo, bem como o domínio de formas de cada compartimento (análise horizontal), o segundo, considerando os diferentes níveis altimétricos e respectivas situações em função dos depósitos correlativos, proporciona o entendimento cronogeo-morfológico das formações superficiais (análise vertical), através dos processos morfoclimáticos e pedogênicos penecontemporâneos. O terceiro nível, a fisiologia da paisagem, que particularmente depende do conhecimento das fases antecedentes, tem por objetivo a compreensão dos processos morfogenéticos através da dinâmica climática atual, momento em que se insere o homem como sujeito que se apropria da interface e transforma-a modificando as relações entre as forças de ação (processos morfodinâmicos) e reação do substrato (comportamento das vertentes). A sistematização da postura ambiental oferecida pela geomorfologia recebeu grande contribuição de Kügler (1976), que concentra de forma integrada o relevo e o território. Nessa ótica, emerge o conceito de geo-relevo como superfície de limite externo da geoderme, produzida pela dinâmica dos integrantes sistémicos da "Landschaftschülle" e constituído pela superfície limite em si - que caracteriza uma desconti-nuidade neste contexto - e seu conteúdo plástico, em postura que soma à concentração tradicional da geomorfologia alemã uma perspectiva de análise dialética da natureza desenvolvida em mais alto grau (Abreu, 1985, p. 159). Portanto, o geo-relevo é entendido como indicador dos processos morfoclimáticos atuais, resultando na dinâmica das formas e propriedades adquiridas em sua génese. A dinâmica e as propriedades são fundamentais para se compreender a evolução dos processos geoecológicos e se planejar a reprodução da sociedade. Assim, as funções sócio-reprodutoras resultam do uso das propriedades geoecológicas, em face da intensidade e modo de uso: como recurso natural ou suporte. Kügler (1976) traz para a geografia uma contribuição fundamental na investigação da paisagem, resultante de um dos eixos tradicionais da geomorfologia alemã, apoiada em Passarge e Penck. A designação "Geomorfologia Ambiental" foi proposta no Simpósio de Bringhauton, em 1970, procurando definir o campo social de aplicação geomorfológica, que incorporando os conceitos de Kügler (1976), teria como preocupação exclusiva a intensidade ou forma de transformação das propriedades geoecológicas em só-cio-reprodutoras, visando uma apropriação racional do espaço natural, sem perder a dimensão de tê-lo como seu próprio ambiente. Sabe-se, contudo, que as relações entre natureza e sociedade, , incorporadas nas forcas produtivas, encontram-se determinadas ) pelo trabalho, conceito inerente da força de trabalho, responsável /pela transformação dos meios de produção. Sabe-se, também, que ; as relações homem-natureza resultam das relações homem-homem (relações sociais de produção), componente indispensável ao entendimento da reprodução do espaço e consequente possibilidade de alteração ambiental. Assim sendo, a geomorfologia em seu enfoque ambiental deve, além de utilizar os subsídios "técnicos" (de natureza morfológica e fisiológica), incorporar as relações polftico-econômicas (oferecendo a compreensão da "essência"), como determinante das resultantes processuais e derivações espaciais. Portanto, considerando o processo de ocupação do relevo, utilizando o conceito de vertente (componente genérico do relevo), transformando as propriedades geoecológicas (primeira natureza) em sócioreprodutoras (segunda natureza), o homem pode produzir desequilíbrio climáxico e consequentes derivações ambientais. Ao se entender que a vertente como categoria é propriedade, e como tal suscetível às diferentes intensidades de uso ou forma, conclui-se que ela se encontra subordinada aos interesses das relações de produção. Como categoria, a vertente apresenta a sua essência (componentes intrínsecos) que se manifesta como aparência. Como fenómeno, deve-se considerar as relações externas processadas pelas diferentes intensidades dos elementos climáticos em função da apropriação e transformação produzida pelo homem (relações fenomenológicas). Sendo o conteúdo o conjunto articulado das relações internas e externas das coisas, reunindo em si a essência e o fenómeno, a forma (aparência) caracteriza-se como estado do conteúdo ou o modo como ele se manifesta. Em síntese, ao se processarem alterações nas relações internas da vertente (essência), por meio dos componentes externos (fenómenos), têm-se como resultado as implicações no conteúdo, que se manifestam através da forma. A seguir, após considerações conceituais sobre o sentido da vertente, serão levantados seus componentes intrínsecos, bem como alguns efeitos decorrentes de aplicações de esforços (fenómenos) para, em seguida, evidenciar-se o conteúdo (conjunto articulado das referidas relações internas e externas) da paisagem em suas derivações ambientais. DINÂMICA PROCESSUAL DO RELEVO: A VERTENTE COMO CATEGORIA Conforme se considerou anteriormente, o relevo se constitui em produto do antagonismo das forças endógenas (forças tectogenéti-cas) e exógenas (mecanismos morfoclimáticos), portanto, um importante componente do estrato geográfico, suporte ou recurso das propriedades sócio-reprodutoras. Por entender que o elemento dominante do relevo é constituído pela vertente, a ser melhor caracterizada adiante, tem-se que ela se individualiza como categoria central da estruturação do pensamento. É portanto na vertente que se materializam as relações das forças produtivas, ou seja, onde ficam impregnadas as transformações que compõem a paisagem. É preciso observar ainda que se entende o processo evolutivo da vertente, perceptível na escala de tempo histórica, como determinado pêlos processos morfogenéticos, ou seja, pêlos fatores exógenos, além, evidentemente, das intervenções produzidas pelo homem. Com exceção dos fenómenos catastróficos (terremotos, vulcanismos...), as atividades endógenas assumem importância sobretudo na escala de tempo geológica, imperceptível no instante de abordagem, que se vincula à escala de tempo histórica ou humana. Procurar-se-á, assim, utilizando o conceito de "vertente" em geomorfologia, demonstrar as relações processuais evidenciadas, dando ênfase à dinâmica externa, valorizando as derivações antro-pogênicas. CONCEITO DE VERTENTE EM GEOMORFOLOGIA O estudo da vertente encontra-se, atualmente, no centro das preocupações geomorfológicas; assim como as pesquisas de aplai-namentos estiveram entre as duas guerras mundiais. A vertente, conforme Tricart (1957), "constitui o elemento dominante do relevo na- maior parte das regiões, apresentando-se portanto, como forma de relevo mais importante para o homem. Tanto a agricultura quanto os demais trabalhos de construções, por exemplo, estão interessados na evolução das vertentes que acabam comandando, por exemplo, a perenidade - direta e indireta - dos cursos d'água, pela ação geomorfológica". Em síntese, a busca de se entender a evolução da vertente se caracteriza como subsídio à compreensão das formas atuais do relevo terrestre. O conceito de vertente é essencialmente dinâmico, uma vez que se define pelas relações processuais geomórficas. Conforme Cruz (1982, p. 3), "o estudo geomorfológico da evolução atual das vertentes é extremamente importante quanto ao entendimento espácio-temporal dos mecanismos morfodinâmicos atuais e passados. Os estudos morfodinâmicos atuais levam ao cerne do estudo geomorfológico por excelência, ajudando o entendimento das paisagens geográficas". Ressalta que "são eles que mostram os mecanismos dessa evolução e levam ao melhor entendimento dos estudos morfogenéticos de épocas passadas". Strahler (apud Fairbridge, 1968) observa que as vertentes resultam de processos exógenos e endógenos, destacando os efeitos de denudação, por processo de intemperismo, movimentação de massa e água de escoamento, ajustados à geometria do sistema fluvial. Para Dylik (1968), a vertente tomou-se um dos problemas-chave da moderna geomorfologia, compreendendo todos os aspectos da geografia física e incluindo mesmo um certo número de questões relativas à geografia humana. Conforme o autor, fundamentado nas ideias de Gilbert (1877), num sentido geral, a vertente seria um todo dinamicamente ligado aos processos fluviais, e num sentido especifico, seria caracterizada por processos denudacio-nais, ou seja, processos de vertentes. Portanto, a vertente lato sen-su, incorpora o curso d'água, nível de base responsável pelo grau de participação dos efeitos areolares da vertente stricto sensu. Enquanto a vertente stricto sensu encontra-se limitada pelas relações morfodinâmicas areolares, ou seja, definida pela extensão delimitada pelo umbral de funcionamento (onde as atividades processuais têm inicio) até o umbral de parada (onde as atividades processuais denudacionais são substituídas pelas fluviais), a vertente lato sensu regula a intensidade dos fenómenos areolares. Por exemplo, o ajustamento de um curso d'água, por efeito tectônico, responde pela tendência de ajustamento dos processos areolares e conser quente evolução da vertente. Observa-se ainda que qualquer alteração climática influi no limiar da vertente num sentido estrito, assim como repercute no entendimento da evolução da vertente lato sensu. Em síntese, o conceito de vertente incorpora necessariamente o conceito de processo mor-fogenético, o que leva a entender a vertente como resultante de processos rítmicos têmporo-espaciais. De acordo com McCullagh (1978), embora Gilbert (1877) tenha sido o primeiro a reconhecer a importância dos processos geomor-fológicos na evolução do relevo, foram W. M. Davis e W. Penck que se preocuparam com os modelos sobre a evolução das vertentes. Enquanto Davis (1899) procura demonstrar a evolução das formas através do wearing down, Penck (1924) sugere o recuo paralelo das vertentes (wearing bacK), como resultado da denudação, a ser considerado adiante. Jahn (1954) destacou-se no estudo da evolução das vertentes, sobretudo através do' 'balanço de denudação''. Observa que as forças morfogenéticas exercidas sobre a vertente se reduzem a dois componentes: o primeiro, denominado perpendicular, caracteriza-se pela infiltração, responsável pela intemperização que permite o desenvolvimento da pedogenização, proporcionando assim a formação de material para eventual transporte; o segundo, denominado paralelo (paralelo à vertente ou superfície), refere-se ao processo denudacional (morfogênese) ou responsável pelo transporte do material pré-elaborado. Assim, o balanço denudacional de Jahn (1954), denominação que Tricart (1957) substituiu por "balanço morfogenético", de maior abrangência terminológica (abrasão e acumulação), é estabelecido pela relação entre os componentes perpendicular e paralelo. Enquanto o perpendicular demonstra a ação da infiltração, conforme se considerou, favorecida pela cobertura vegetal, o que implicará alteração de natureza bioquímica, bem como a decomposição responsável pela pedogênese (desenvolvimento dos solos), o paralelo caracteriza os efeitos erosionais, o que leva a admitir, por exemplo, a retirada da cobertura vegetal, favorecendo a tendência da ação direta dos elementos do clima. Nas regiões intertropicais, a chuva se caracteriza como processo de maior importância, implicando fluxo por terra (escoamento), que responde pela redução do material pré-elaborado pelo componente perpendicular. Ainda como exemplo de componente paralelo incluem-se os fenómenos de solifluxão (movimento de massa da ordem de alguns decímetros/mês ou ano, evidenciado sobretudo nas regiões periglaciais); rastejamento ou creeping (movimento de massa da ordem de centímetros/ano, constatado nas regiões tropicais); e deslizamentos de massa ou escorregamentos (movimentos rápidos), constatados com frequência nos períodos de grandes intensidades pluviométricas. Isso ocorre sobretudo em fortes declives, submetidos à interferência do homem, como o processo de ocupação do litoral brasileiro, responsável por verdadeiras tragédias (sul de Minas Gerais, 1948; Baixada Santista, 1956; Rio de Janeiro, 1966 e 1967; Serra de Caraguatatuba, 1967; Serra das Araras, 1967; Serra de Maranguape, 1974; Espirito Santo, 1983; Ubatuba-Angra dos Reis, 1984; Curitiba, 1987; Petrópolis, Rio de Janeiro e Ubatuba, 1988 e muitos outros). Em síntese, observa Jahn (1954) que quando o componente perpendicular é superior ao paralelo, ou seja, quando a pedogênese é superior à denudação, predomina um balanço morfogenético negativo. Ao contrário, quando o componente paralelo é superior ao perpendicular, predomina um balanço morfogenético positivo (a denudação predomina sobre a pedogênese). Erhart (1956) procura demonstrar, através de sua teoria bio-resistáíica que em condições de biostasia, portanto, quando a vertente encontra-se revestida de cobertura vegetal (propriedade geoe-cológica), em meio ácido, como nas regiões intertropicais, a infiltração responde pela alteração dos silicatos de alumina (feldspatos), originando a caolinita, que juntamente com o quartzo, existente na grande maioria das rochas, integra a estrutura física dos solos. Os hidróxidos de ferro e alumina, solubilizados em tal ambiente, ficam retidos e são incorporados ao solo (fase residual), enquanto os elementos alcalinos ou alcalino-terrosos (potássio, sódio, cálcio e magnésio), bem como o silício, são transportados pela água escoada (fase migradora), originando-se os depósitos de rochas organógenas (fig. 5). Portanto, na biostasia, a atividade geomorfogenética é fraca ou nula, existindo um equilíbrio climáxico entre potencial ecológico e exploração biológica. A resistasia, por outro lado, é identificada pela retirada dos elementos que na biostasia compunham a fase residual (elementos minerais + hidróxidos de ferro e alumina), o que determina a tur-bidez das águas de superfície (cursos d'água), que tem como principal indicador o ferro. Tal fase passa a ser individualizada a partir do momento em que a cobertura vegetal desaparece, o que pode resultar de alterações climáticas, na escala de tempo geológico, ou por derivações processadas pelo homem, na escala de tempo histórica. Portanto, na resistasia, a geomorfogênese domina a dinâmica da paisagem, com repercussão no potencial geoecológico (desequilíbrio climáxico). Como resultado, tem-se um balanço morfogenético positivo, com retirada do material intemperizado, que implica a redução gradativa da camada pedogenizada, com consequente assoreamento de vales. Portanto, tem-se a substituição dos depósitos organógenos a fase biostásica (ou "fitostásica", denominada por Tricart, 1977) por depósitos argilo-lateríticos (fig. 6). Erhart (1956), através de sua teoria, procura justificar a presença de jazidas de ferro, bauxita e coríndon, como relacionadas a uma fase resistásica, o que leva a admitir a existência de uma fase biostásica antecedente, responsável pela elaboração dos elementos que compunham a fase residual, que na resistasia foram transportados ou mobilizados. A noção dinâmica de vertente implica, portanto, a necessidade de se considerar a ação morfogenêtica, o que exime de destaque os declives nulos (superfícies horizontalizadas), que não permitem o desenvolvimento do componente paralelo. Precipitação Predomínio do escoamento(Fluxo de terra) Depósaito areia e argila Laterítica Infiltração Incipiente Transporte dos elementos da FASE MIGRADORA (da Biostasia) + os elementos da FASE RESIDUAL: Hidróxidos de Ferro e Alumina + Quartzo e Caolinita. Fig. 6 - Predomínio do Componente Paralelo (Fase Resistásica) A vertente, em seu sentido estrito, corresponde ao momento do início de desenvolvimento dos processos morfogenéticos, que Tricart (1957) denominou de "umbral de funcionamento". O término da vertente coincide com o término dos processos específicos da vertente (processos denominados areolares), momento em que são substituídos ("umbral de parada") pêlos processos lineares ou fluviais, ou simplesmente onde a energia cinética se toma nula, determinada pelo comportamento topográfico (depressão de receph cão ou acumulação). Diante disso, deve-se admitir que toda vertente evolui em função de um nível de base (qualquer ponto localizado à jusante se constitui em nível de base para a evolução do localizado à montante), como o curso d'água em questão que comandará a intensidade dos processos morfogenéticos. Portanto, a vertente, em seu sentido amplo, necessariamente incorporará a presença de um curso d'água ou nível de base que anula os processos areolares, como ponto de referência para seu próprio desenvolvimento. Entendendo que a evolução da vertente encontra-se vinculada ao comportamento do nível de base local, conclui-se que toda vez em que este se altera, automaticamente implicará ajustamento das relações processuais, responsáveis pela evolução morfológica (busca do "Equilíbrio Dinâmico" de Hack, 1957). Penck (1924) procura demonstrar a evolução e comportamento das formas da vertente em função da intensidade de dissecação, a qual encontra-se vinculada ao movimento crustal. Em síntese, entende que um rápido soerguimento do relevo responderia por forte incisão vertical do talvegue, não acompanhado pêlos processos denudacionais (ou processos 'areolares'), implicando aumento do declive da vertente, com tendência à convexização geométrica (fig. 7a). Quando o soerguimento crustal for compensado proporcionalmente pela incisão vertical ou erosão linear, mantendo equilíbrio com a erosão areolar (denudação), a vertente, apesar de evoluir, manterá a disposição angular primitiva, o que Penck denominou de "superfície primária", não se registrando produção de elevação real da superfície (fig. 7b). O terceiro caso é caracterizado por fraco soerguimento crustal, onde a incisão vertical dependente produz um fraco entalhamento, portanto, inferior à intensidade dos processos morfogenéticos (processo areolar), respondendo pela redução do declive e consequente tendência de concavização da vertente (fig. 7c). Diante disso, pode-se perfeitamente contrapor a ideia de Da-vis (1899), considerando a evolução da vertente proposta por Penck (1924), que se utiliza do recuo paralelo ("wearing back"), cujas implicações tectônicas são entendidas como intermitentes e de diferentes intensidades, associadas aos efeitos denudacionais (tabela 1). Tabela l - SISTEMAS DE REFERÊNCIA EM GEOMORFOLOGIA Cara cterísticas W. M. Davis (1899) Asp Penck (1924) Lenta Rápido ectos Gerais do soerguimento Sistema W. com ascensão de massa posterior estabilidade com intermitência tec-tônica e eustática Car acterísticas W. Davis (1899) Rel ação M. W. Penck (1924) Início da Soergui- denudação Intensida (co- de de denudação mento/Denudaç mandada pela incisão associada ão ao fluvial) após fim de comportamento ascensão crustal Pro Evoluçã crustal Evolução cesso Evolutivo o morfológica cima para de por recuo paralelo baixo das vertentes (wea- (wearing down) Peneplan Está gio Final ou ização Parcial da residuais: Morfologia ring back) Superfíci (formas e primária Oenta monad ascensão compensada rocks) pela denudação). Não haveria produção de elevação real da superfície Car Fases Processo acterísticas antropomórficas: s Morfológicas juventude, laterais maturidade senilidade de declividades das e vertentes: convexas, retilíneas e côncavas (relação incisão do talvegue-denudação, por implicação crustal) Além das implicações tectônicas (lato sensu), o balanço mor-fogenético da vertente (stricío sensu) é comandado pelo valor do declive, a natureza da rocha e o clima. Deve-se chamar atenção, para o fato de as variáveis enumeradas encontrarem-se numa mesma escala taxonômica em relação aos processos morfogenéticos, devendo-se incluir o significado da cobertura vegetal ou modalidade do uso do solo. RELAÇÕES PROCESSUAIS DAS VERTENTES (RELAÇÕES EXTERNAS) Por processo geomorfológico entende-se todo e qualquer fenómeno responsável por alterações evolutivas das vertentes. São portanto os responsáveis pela esculturação das vertentes, representando a ação da dinâmica externa, envolvendo as seguintes etapas: abrasão, transporte e acumulação. Conforme se considerou anteriormente, o relevo, ou mais especificamente a vertente, resulta da ação processual ao longo do tempo, que pode ser reconstituída através das evidências intimamente ligadas aos paleoprocessos, como a forma e depósitos correlativos. Tal fato demonstra uma certa analogia com as evidências impregnadas na paisagem pêlos diferentes conteúdos (conjunto articulado entre a essência e o fenómeno), característicos nos diferentes modos de produção. Portanto, a aparência ou forma da vertente atual deve ser vista sob o enfoque histórico (assim como a sociedade deve ser analisada no contexto do materialismo histórico), momento em que se caracteriza por diferentes componentes que integram as relações processuais. Assim, a evolução da vertente analisada ao longo do tempo geológico necessariamente incorpora o antagonismo determinado pelas forças endógenas (comandadas pelas atividades tectônicas) e exógenas (relativas aos processos morfoclimáticos). Contudo, a partir do momento em que se procura analisar a vertente na atualidade, os fatores internos são desconsiderados, uma vez que tais reflexos são sentidos numa escala de tempo geológico, com exceção dos catastróficos, como os vulcanismos ou abalos sísmicos, comuns nas zonas de dobramentos recentes (fig. 8). Em síntese, a vertente vista na atualidade, ao mesmo tempo em que desconsidera ou não atribui grande importância às forças endógenas, necessariamente incorpora outros elementos que não integram as variáveis responsáveis pela evolução do relevo na "primeira natureza". Trata-se do homem, que através do processo de apropriação e transformação da vertente implica o estado de agravamento da referida evolução (a evolução torna-se sensível na escala de tempo histórica), por oferecer condições à intensificação dos processos exógenos. Como exemplo, em condições de biosta-sia, o elemento do clima, como a chuva, sofre a interceptação da cobertura vegetal, favorecendo a infiltração e consequente evolucão pedogênica (predomínio do componente perpendicular). A partir do momento em que o homem se apropria da vertente e inicia um processo de transformação, tendo-a como suporte ou recurso, o que normalmente se dá através do desmatamento, com consequentes cortes ou aterros, as relações processuais são alteradas: a chuva deixa de ser interceptada, proporcionando a desagregação mecânica do solo pelo efeito de "splash", ao mesmo tempo em que responde pelo aumento do fluxo por terra com consequente dessoloa-gem, ravinamento, boçorocamento ou mesmo deslizamento de massa. Portanto, o componente paralelo passa a predominar sobre o perpendicular, implicando o desequilíbrio da vertente e agravando o estado de saída. O referido exemplo, utilizando os conceitos apresentados por Bertrand (1968), considerado anteriormente, evidenciaria a intervenção do homem na "exploração biológica" (o desmatamento implica a expulsão ou eliminação da fauna e expõe o solo aos efeitos abrasivos), provocando o "desequilíbrio climáxico", que por sua vez repercute no comportamento do "potencial ecológico", alterando a vertente substancialmente. (A eliminação da referida interface implicaria alteração hidrodinâmica - determinada pela chuva -do predomínio da infiltração ao domínio do fluxo por terra. Isso, por sua vez, processaria alterações substanciais no relevo ou vertente que, dependendo da escala de abrangência, poderia inclusive modificar as condições climáticas locais, como as representadas pelas disritmias pluviométricas.) Nas regiões intertropicais, o comportamento hidrodinâmico das vertentes assume importância capital, conhecendo-se o significado da intensidade e frequência das chuvas em função das alterações processadas no relevo. Horton (1933) delineou pela primeira vez o modelo clássico de hidrologia da vertente, considerando que a superfície pode oferecer dois componentes básicos: a) a água infiltrada, que acontecerá enquanto a capacidade de infiltração permitir, sendo responsável pelo abastecimento indireto dos cursos d'água; b) a água de escoamento, que inicia com a saturação do limite de capacidade de infiltração, que pode ser determinada pela intensidade da chuva, condicão de armazenamento hídrico do solo, disposição topográfica e mesmo cobertura vegetal. Gregory (1978) considera a evolução da vertente (variável dependente) em função dos processos atuantes e dos materiais existentes (variáveis independentes). Se os processos encontram-se na atualidade comandados pêlos elementos climáticos, devendo-se incorporar o próprio homem, os materiais submetidos aos processos referem-se àqueles previamente produzidos ou em processo de elaboração (como material intemperizado, depósitos superficiais...). Carson & Kirkby (1972) discorrem sobre a evolução da vertente considerando os componentes força (força de gravidade, de tensão e pressão da água, força do fluxo da água, distribuição da água na vertente, força do impacto da chuva e forças de expansão e difusão) e resistência (mitigadores de forças, resistência ao ciza-Ihamento e demais fatores associados). Tricart (1957), após traçar algumas considerações quanto ao jogo dos componentes sintetizados por Jahn (1954), demonstra o significado do valor do declive, natureza da rocha e o clima, no balanço morfogenético da vertente, que serão discutidos a partir de então. FATORES QUE COMANDAM O BALANÇO MORFOGENÉTICO DA VERTENTE Como regra geral, tem-se que quanto maior o declive ou gradiente da vertente, mais o componente paralelo se intensifica, o que responde pelo enfraquecimento do componente perpendicular. Exemplo dessa relação pode ser entendido ao se observarem as vertentes de declives íngremes, que apresentam adelgaçamento da camada intemperizada, originando os litossolos, enquanto as áreas de baixo declive normalmente são caracterizadas por solos espessos (tálus). Além do fator declividade incluem-se ainda o comprimento de rampa e a forma geométrica da vertente, como intensificadores dos processos morfogenéticos ou diferenciadores da intensidade do fluxo por terra. Pesquisas realizadas no Instituto Agronómico de Campinas (Bertoni et alü, 1972), demonstram que quadruplicando-se o comprimento de rampa, quase são triplicadas as perdas de terra por unidade de área, diminuindo-se em mais da metade as perdas de água. Ainda, a forma geométrica da vertente apresenta uma significativa participação no balanço morfogenético, o que foi evidenciado por Ruhe (1975). Como exemplo: a) as vertentes portadoras de comprimento reto e largura reta respondem pelo predomínio do fluxo laminar; b) as representadas por comprimento reto e largura curva respondem por processos complexos (largura convexa: fluxo disperso; largura côncava: fluxo convergente com ocorrência de escoamento concentrado); c) as de comprimento curvo e largura também curva caracterizam processos mais complexos (ocorrência de fluxo concentrado em linhas de drenagem de primeira ordem). A natureza da rocha, além de responder pelo comportamento da formação superficial, intervém ainda no perfil da vertente, no seu declive médio e na velocidade de seu recuo ou evolução. Quanto à formação superficial (denominação que envolve o material decomposto ou edafizado que recobre a rocha, ou seja, engloba a noção de solo e subsolo), deve-se destacar a característica textura! definida pêlos minerais resultantes, que respondem pela especificidade de determinados processos morfogenéticos (grau de plasticidade). Por exemplo, a participação da argila favorece a soli-fluxão, o "creeping" ou reptação e ainda o deslizamento de massas. Portanto, como destacou Tricart (1957), a argila soliflui, a areia não soliflui. Além desse aspecto, deve-se observar que a participação de determinados elementos texturais na formação superficial implicam o grau de resistência mecânica dos agregados, tanto com relação ao efeito da gota de chuva (efeito de splash), quanto a intensidade erosiva comandada pelo fluxo por terra (escoamento difuso, laminar ou concentrado). Pesquisas realizadas por Bertoni elalii(l912) demonstram a relação de perdas de terra e água em relação à média pluviométrica anual (tabela 2), segundo os diferentes tipos de solos. Tabela 2 - PERDAS DE TERRA E ÁGUA POR DIFERENTES TIPOS DE SOLOS Perdas Tipo de Solo Terra Água (% da chuva) (t/ha/a) Aren 21,1 5,7 Argil 16,6 9,6 Terra 9,5 3,3 oso oso Roxa Nota: Média com base em 1300 mm de chuva e declives entre 8,5 e 12,8%. Conforme se pode observar, o tipo roxo foi o que registrou menor perda de terra, enquanto por unidade de volume de enxurrada escoada foi o argiloso. Isto significa que o solo argiloso, ao mesmo tempo em que proporciona maior escoamento, o que é justificado pela expansão minerálica em condição de hidratação, responde pela agregação ou acréscimo da coesão dos agregados do solo, aumentando a resistência aos processos erosionais. Queiroz Neto (1976), em pesquisa realizada, conclui que os solos B texturais, com descontinuidade, apresentam um comportamento ligado aos processos de erosão em lençol, além de movimentos coletivos, enquanto os B latossólicos, homogéneos, profundos, são atingidos mais pelo escoamento concentrado, ravinamentos e boçorocamentos. A litologia intervém ainda na forma do perfil da vertente, conforme já se considerou, o que pode facilmente ser identificado pêlos quartzitos no domínio tropical que, normalmente, implicam declives acentuados (grau de massividade elevado), ou individualização de elementos do relevo, como as cornijas estruturais (freefaces), que muitas vezes protegem as rochas tenras subjacentes. Deve-se observar que aipropriedade geomorfológicà\da rocha reage de acordo com as condições climáticas. Assim, o mesmo quartzito, em clima seco, evoluiria muito mais que as rochas xistosas, susceptíveis ao maior ataque químico. Assim sendo, um forte declive, determinado por resistência litológica, que pode ou não ser uma resultante tectônica, normalmente proporcionará aumento da intensidade dos processos, considerando que este varia conforme o seno do ângulo da vertente. Contudo, tal declive poderá ainda caracterizar uma condição de "equilíbrio dinâmico", desde que a relação energia (processos incidentes) e matéria (material resultante) esteja balanceada (independentemente das condições topográficas). O clima se caracteriza como elemento morfogenético de maior importância. Ele intervém direta (como nas regiões desérticas ou glaciais) e indiretamente (onde a cobertura vegetal e o solo se fazem presentes), proporcionando o desenvolvimento tanto do componente perpendicular como do paralelo. Como exemplo, nos climas tropicais úmidos, sob floresta densa, o componente perpendicular é muito intenso, produzindo forte e rápida alteração das rochas (pedogenização), o que explica o crescente espessamento dos solos (dezenas de metros). Ao contrário, nas zonas áridas, onde a ausência de umidade impede o desenvolvimento de solos e ainda as torrencialidades pluviométricas respondem pelo transporte de detritos resultantes da morfogênese mecânica, a exposição da rocha se toma uma constante, o que permite a ação direta dos elementos do clima. Portanto, o clima se constitui no grande responsável pela dinâmica processual, desde a elaboração pedogenética (componente perpendicular), comandada pêlos intemperismos químicos, principalmente, até a ação erosional (componente paralelo), representada pêlos agentes da meteorização (movimentos do regolito e demais processos morfogenéticos, como os pluvioerosivos nas regiões in-tertropicais). Em síntese, conclui-se que a importância do fator morfòclimático se traduz pela existência de verdadeiras famílias de formas. Por exemplo: na zona tropical ümida (domínio das florestas) predomina a convexidade geral do perfil, com declives médios elevados; o modelado é comandado pela alteração química, com processos mecânicos subordinados (reptação, escorregamento). Na zona tropical seca (domínio dos cerrados) as formas são menos convexizadas e tendem a um perfil geral retilíneo (topo de interflúvios pediplanados); a desagregação mecânica é fraca e a alteração química é atenuada pela estação seca prolongada. Tais exemplos de diferenciações morfológicas gerais são justificados pela noção de frequência (intensidade de dissecação, comandada pelo fator climático e reação estrutural). Ainda, quanto ao fator climático, deve-se considerar a sua participação pretérita (paleoclima) na forma resultante da vertente. Assim, o modelado atual é resultante de processos morfoclimáticos pretéritos, cujas evidências são sentidas através da forma ou mais especificamente, através dos depósitos correlativos ou estrutura superficial. Portanto, é comum observar em cortes de vertentes, a presença de paleopavimentos, como pedimentos detríticos, que se caracterizam pela sequência deposicional, observada em soleira de vertente, que permitem a interpretação genética (utilizando-se da teoria do "atualismo" de Hutton, 1797: "o presente é a chave do passado"), por recuo paralelo desta, determinada por processo morfogenético mecânico, assim entendido pela característica física identificada como pela morfoscopia dos sedimentos (detritos angulosos). Tais pedimentos normalmente acham-se inumados por colúvios (material proveniente de montante) pedogenizados, elaborados em fases climáticas penecontemporâneas (clima tímido). Também são evidências paleoclimáticas as stone-lines (linhas de pedras que aparecem sotopostas por colúvios atuais), baixos-ter-raços (depósitos de seixos arredondados, localizados acima dos leitos fluviais atuais), bem como superfícies aplainadas (relacionadas a condições climáticas secas, com duração muito prolongada-teoria da pediplanação de King, 1955), identificadas pela forma horizontalizada, resultante do processo de pediplanação, que seccionou estrutura geológica de resistência litológica variada, muitas vezes testemunhadas por depósitos característicos (como bancadas ferruginosas e materiais detrito-lateralizados). Acredita-se que a rápida abordagem dos fatores que comandam o balanço morfogenético possa oferecer subsídios para a compreensão do conceito dinâmico da vertente. Se no sentido amplo a vertente integra o nível de base local ou curso d'água, no sentido estrito é definida pelas relações processuais. Assim, enquanto nas regiões periglaciais o movimento do regolito (solifluxão) ocorre a partir de dois graus (umbral de funcionamento), nas regiões áridas a gravidade pura não pode afetar declives inferiores a 40/45°. Isto é, o material desagregado mecanicamente não terá condições de ser mobilizado, permanecendo depositado na vertente, o que implicará na definição do umbral de funcionamento, apesar do elevado declive. Quanto ao umbral de parada, conforme se considerou anteriormente, refere-se ao momento em que os processos areolares são substituídos pêlos lineares, que varia inclusive de acordo com a oscilação da seção molhada do curso em questão (variação sazonal). Em síntese, a noção de umbral é essencialmente dinâmica, sofrendo alterações no tempo e espaço, seja determinadas pelas diferenças processuais (variações climáticas), seja pela aceleração dos processos tectodinâmicos (que se refletem na evolução dos talve-gues) ou ainda pela própria ação do homem. RELAÇÃO VERTENTE-SISTEMA HIDROGRÁFICO Conforme se pode observar através do sistema de referência preconizado por Penck (1924), existe uma direta relação ou interdependência entre a vertente e o curso d'água. Portanto, ao mesmo tempo em que a vertente evolui em função da disposição do talve-gue (nível de base para a intensificação dos processos morfogenéticos), esta, em decorrência das derivações apresentadas, implica diretamente o comportamento do canal. Como exemplo, em condições de biostasia (conceito de Erhart, 1956), a vertente encontra-se revestida pela cobertura vegetal, e ao longo do curso d'água prevalece a mata galeria ou ciliar, que responde pelo domínio do processo de infiltração (componente perpendicular), que por sua vez implica pedogenização (aumento gradativo do manto intemperizado). Assim, o lençol freático tende a armazenar grande potencial hídrico, que por efluência, abastecerá o curso d'água, evidenciando-se uma variação regular da descarga ou vazão. A partir do momento em que a vertente começa a ser ocupada, processo iniciado com a retirada da cobertura vegetal, as relações processuais morfodinâmicas se alteram: os solos são castigados diretamente pela incidência dos raios solares e efeitos pluvioe-rosivos, além de permitir aumento da velocidade dos ventos, o que favorece a dessoloagem. Inicia, portanto, um aumento do fluxo por terra (escoamento ou componente paralelo) e consequente redução da infiltração. Com isso, o comportamento da descarga começa a ser alterado, ou seja, o fluxo por terra implica início de torrenciali-dade da vazão, antes controlada pelo lençol freático, além de trazer consigo material proveniente da vertente, resultante do processo erosivo. Quando a vertente encontra-se urbanizada, o fluxo por terra se agrava, uma vez que a superfície tornase impermeabilizada (pavimentação de ruas, quintais, cobertura de edificações...), impedindo o abastecimento do lençol freático. Diante disso tem-se a descarga fluvial controlada quase que exclusivamente pelo escoamento de superfície (ou esgotos pluviais), que responde pela torrenciali-dade observada nos grandes centros, gerando sérios prejuízos à população ribeirinha, normalmente discriminada socialmente. As superfícies desprovidas de cobertura vegetal e pavimentação, por sua vez, contribuem com uma carga elevada de material (depósito de cobertura), que tende a se acumular ao longo do curso d'água, sobretudo naqueles de baixo gradiente, gerando o processo denominado de assoreamento. Tem-se, portanto, uma alteração total do sistema hidrológico da vertente e conseqüentemente do curso d'água. Enquanto na biostasia o canal fluvial encontrava-se ajustado aos processos evidenciados na vertente, na resistasia, com a alteração desta, tem-se uma ação direta dos processos morfodinâmicos, acréscimo geométrico do fluxo por terra, que se direcionam para o canal que não se encontra ajustado as condições atuais, além de sofrer assoreamento que agrava o problema de dimensão da caixa de captação. Visando atenuar os problemas de enchentes e assoreamento, característicos dos grandes centros urbanos ou áreas degradadas, utiliza-se o processo de dragagem, que se torna permanente, uma vez que as vertentes continuam transferindo material resultante da erosão, os quais, preferencialmente, vão ocupar as "depressões" (resultantes da dragagem) do talvegue. Deve-se obsepar, ainda, que o assoreamento se dá quando o curso d'água não tem capacidade de transporte, o que acontece principalmente em cursos de baixo gradiente ou ainda por redução de superfícies de infiltração (desperenização dos rios), bem como elevação do nível de base por construção de barragens. A tentativa de regularização de tais cursos, através de draga em ou retiflcação/canalização dos rios, não soluciona o problema em questão. Tenta-se resolver tais problemas, acreditando-se que são exclusivamente lineares (no próprio rio), quando na realidade são acima de tudo areolares (reflexo do que acontece na vertente). DA COBERTURA VEGETAL NA ESTABILIDADE DA VERTENTE Conforme se observou anteriormente, a cobertura vegetal assume importante papel na estabilização das vertentes, o que foi demonstrado através do jogo de componentes, sendo evidenciado na biostasia o predomínio do componente perpendicular, que responde pelapedogênese e consequente balanço morfogenético negativo. Bailley (apud Stemberg, 1949), medindo o ângulo máximo de repouso de encosta, afirma que para um mesmo solo, derivado da mesma rocha matriz, esse é da ordem de 60°, quando revestida por vegetação, e de aproximadamente 36°, quando não há vegetação. Prandini et alii (1976), em abordagem sistemática, discorre sobre as propriedades mecânicas e relativas ao balanço hídrico, determinadas pela cobertura vegetal. Quanto aos aspectos mecânicos destacam a estruturação do solo, através do sistema radicular, retenção e dissipação do material deslocado, sobrecarga nos taludes, ação dos ventos, ação de cunha das raízes. Os relativos ao balanço hídrico são apresentados segundo efeitos de interceptação da água de chuva, influência na infiltração, escoamento hipodérmico, ação de transpiração e eva-potranspiração, efeito das variações de umidade e temperatura. Quanto à ação do sistema radicular, Bichop & Stevens (apud Prandini et alii, 1976), verificaram um aumento na frequência de escorregameatos no sudeste do Alaska, após a derrubada de árvores. Os deslizamentos de massa se intensificam sobretudo após quatro ou cinco anos, quando as vertentes atingem o ponto crítico de resistência, determinado pela deterioração do sistema radicular. Criam-se, portanto, vazios entre os agregados da estrutura superficial, demonstrando o efeito de suporte mecânico radicular oferecido pela cobertura vegetal. A cobertura vegetal tem ainda o efeito de frenador, que é dissipador da energia do material em deslocamento. Em função dos obstáculos existentes (porte arbóreo, vegetação de sub-bosque, liteira, cobertura morta), o fluxo difuso tem sua energia dissipada e consequente redução da capacidade de transporte, o que minimiza a morfogênese e consequente assoreamento dos talvegues. Apesar de opiniões contraditórias, como de Brow & Sheu (1975), a sobrecarga na vertente produzida pela presença da cobertura vegetal (estimada em 0,025 kg/cm, o que equivaleria a uma camada de solo de 15 cm de espessura) é reduzida e somente se manifesta como fator de instabilização em inclinações superiores ao ângulo de atrito do material que a constitui ou quando o equilíbrio da vertente é rompido por cortes. É de conhecimento público o significado da cobertura vegetal como agente de dispersão de energia dos ventos devido à rugosidade (cf. Tanner & Pelton, 1960, o coeficiente de rugosidade corresponde a aproximadamente 10% da altura da vegetação). Apesar de algumas opiniões quanto à ação dos ventos como efeito de alavanca às árvores, comprometendo a estabilidade da vertente, tal fato não é observado nas florestas pluviais de encosta, o que pode ser justificado pelo comportamento da biomassa, onde a coalescência de copas e os diversos estratos respondem por um corpo contínuo, dificultando o referido movimento. A tendência de penetração das raízes na estrutura superficial, tida como efeito maléfico, não encontra fundamente, sobretudo em se tratando de floresta pluvial, que apresenta um sistema radicular tabular. Ainda, segundo Gray (1970), mesmo para as florestas temperadas, "o efeito de cunha das raízes, afrouxando o solo ou abrindo fendas e fissuras, é até o presente desconhecido". Quanto aos aspectos relativos ao balanço hídrico (por balanço hídrico entende-se a relação entre armazenamento e retirada hídrica que envolve o sistema biogeográfico) deve-se levar em consideração a participação das variáveis geoecológicas, ou seja, intensidade e duração das chuvas, tipologia da cobertura vegetal, comportamento da vertente (declive, comprimento de rampa, forma geométrica) e fatores estruturais (características dos solos e implicações geotectônicas). Em síntese, procurou-se resumir esquematicamente o balanço hídrico de uma vertente (fig. 9), cujos componentes serão abordados a seguir. Um dos principais efeitos determinados pela cobertura vegetal é o de interceptação da água de chuva. Esse efeito se manifesta em defesa do terreno pelo impacto da gota da chuva (efeito de splash), pelo retardo no período da precipitação e pela retenção apreciável de água nos diversos estratos vegetais (Prandini et cdii, 1976). Sternberg (1949), ao analisar o problema de enchentes e movimentos coletivos no vale do Paraíba, afirma que em condições florestais o regime hidrológico tinha o seguinte comportamento: R = P-I-T-E-S, onde R é o escoamento superficial (runoff); P, a precipitação; I, a interceptação pelo folhame; T, a transpiração vegetal; E, a evaporação do solo; e S a infiltração no solo. Ressalta que com a ocupação humana, "todos os subtraendos do segundo termo da equação foram profundamente afetados; com exceção de E, decresceram com o desflorestamento". Segundo Kittredge (1937), "o dossel de folhas intercepta em média, 10 a 25% da precipitação e, durante chuviscos de pequena duração, chega a deter 100% da chuva caída. Essa água é direta-mente evaporada, não atingindo o solo. Equivale, praticamente, a reduzir a pluviosidade da região de uma idêntica proposição". Freise (1936), ainda referindo-se à mata pluvial, relata que "em um mês de chuva forte, 24,7% da precipitação alcançou o pluviômetro e em um mês de chuva fina contínua, essa porcentagem foi em torno de 35,5%". Assim, ao mesmo tempo em que a cobertura vegetal impede o efeito de splash, evita a desagregação mecânica do solo, reduz substancialmente a quantidade de água que chega ao solo, limitando o escoamento e consequente atividade pluvioerosiva. A importância do escoamento hipodérmico ou de sub superfície ("underflow") varia de acordo com as características dos solos, podendo atingir 80% da vazão total escoada nas encostas (Castany, 1967). Deve-se, ainda, considerar o fator declividade e comprimento de rampa: "quanto maior distância a água tiver que percorrer em regime de escoamento hipodérmico, maiores serão as oportunidades de sua infiltração no maciço. De outra forma, quanto mais interceptado estiver o corpo de raízes por linhas de drenagem superficial, maiores serão as possibilidades de essa água retornar à superfície" (Prandini et alii, 1976). O escoamento de subsuperfície assume importância capital como processo morfogenético, ao contribuir para a redução das pressões neutras negativas e conseqüentemente favorecer a tendência ao cisalhamento (eliminação da resistência de atrito), ou quando o equilíbrio da vertente é rompido por cortes. Exemplos de deslizamento de massas são observados com frequência na Serra do Mar, em decorrência de cortes de vertentes para a construção de estradas. A manutenção da cobertura vegetal contribui para a infiltração, a montante do referido corte que, através do escoamento hipodérmico, proporciona a redução das pressões neutras negativas, cujo volume de material intemperizado, por falta de sustentação a jusante (gerada pelo corte), implica cisalhamento ou consequente escorregamento de massa. A transpiração vegetal assume uma certa importância na redução de escorregamento ou deslizamento de massa, considerando que a saturação do regolito, acima mencionada, implica redução das pressões neutras negativas. Como as áreas florestadas apresentam uma infiltração absoluta moderada e o processo de evapotranspiração é contínuo (cf. Rawitscher, 1952, as florestas transpiram diariamente aproximadamente 3 mm de precipitação, o que equivale a um total de 1.100 mm anuais), prevê-se uma certa condição de estabilidade da vertente. "A tendência do excesso de água não metabolizada pela vegetação é se evaporar, salvo em especiais condições atmosféricas do ambiente que circunda a floresta. Entretanto, a água, mesmo quando não retirada na forma de vapor, é devolvida aos andares inferiores e ao terreno, através da gutação" (Prandini et alii, 1976). Os mesmos autores evidenciam o efeito de evapotranspiração como agente estabilizador das encostas florestadas (florestas pluviais) através da dessecação do solo e subsolo, permitindo condições de reposição hídrica subsequente (capacidade de campo), subtração e retenção no ciclo biológico de grande volume d'água e criação de pressões neutras negativas, aumentando a resistência mecânica dos agregados. Estudos experimentais realizados por Casseti (1983) comprovam uma redução da temperatura (média das máximas) de aproximadamente 20% em parcelas de mata, comparada com parcela de cultivo. Tal redução corresponde à fração de radiação (infravermelho) absorvida pelas plantas, visando o processo de transpiração, utilizado pela fotossíhtese na elaboração de carboidratos. As variações de umidade são sensíveis sazonalmente e se mantêm sempre acima de um mínimo que é o "ponto de murcha". "Assim, a presença de floresta em encosta retarda no maciço os efeitos de uma verdadeira fadiga, preservando-o das variações repetidas e amplas de umidade e temperatura" (Prandini et alii, 1976, p. 17). Em síntese, conclui-se que a cobertura vegetal apresenta uma importante função na estabilização das vertentes, contribuindo para a intensificação do componente perpendicular e consequente pedo-genização, ao mesmo tempo em que atenua a ação do componente paralelo, restringindo a participação da morfogênese. PROCESSOS DENUDACIONAIS DECORRENTES DA APROPRIAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA VERTENTE A história do processo de ocupação do território brasileiro tem demonstrado que a terra sempre foi utilizada de modo intensivo e numa visão imediatista, até o limite de sua potencialidade. Trata-se, portanto, de uma postura capitalista primitivista, em que a concentração do capital se faz em detrimento da potencialidade, limitando o período de exploração, uma vez que a renovação do recurso implica, muitas vezes, uma relação de tempo geológico,, "incompatível" com os anseios do sistema. Dados da Federação das Associações dos Engenheiros Agrônomos do Brasil, 1983 (Petrobrás, 1986) demonstram que o país perde 600 milhões de toneladas de solo agrícola por ano, devido à erosão e ao mau uso. Estudos realizados no noroeste do Paraná mostram que são necessários 24 mil anos, nas condições climáticas atuais, para se formar uma camada de 60 cm de solo, e que em certos casos, o mau uso já reduziu essa em 15 cm. Como resultado, têm-se a perda física do solo, a perda de nutrientes e a conseqüente queda da produção agrícola, assoreamento de rios, barragens e represas. O controle de erosão depende fundamentalmente da redução do impacto direto das gotas de chuva, diminuição da desagregação mecânica das partículas do solo, aumento da infiltração da água e redução da velocidade de escoamento da água excedente. Tais ob-jetivos são atingidos pela adoção conjunta de práticas mecânicas e culturais. Como exemplo de práticas mecânicas tem-se o terraceamento, que é um conjunto formado pela combinação de um canal com um dique de terra, construído no sentido transversal ao declive do terreno. A escarifïcação, que é o rompimento do solo, na camada arável, utilizando-se de escarificador, ou descompactação, que pode ser feita através de disco, também são práticas mecânicas, que normalmente implicam perdas erosionais, conforme se considerou anteriormente. A opção mais correta seria a utilização de práticas culturais, como a rotação de culturas, que consiste no controle do esgotamento químico do solo melhorando as suas características físicas. O plantio direto e a diversificação de culturas são práticas complementares que estão sendo adotadas gradativamente. O plantio direto se caracteriza como prática que implica o mínimo de revolvimento do solo, procurando-se manter sobre ele os restos culturais que formam uma camada protetora na superfície (cobertura morta). Essa cobertura morta contribui para a manutenção da umidade, impedindo o ressecamento do solo; protege-o contra a ação da chuva e diminui as oscilações de temperatura na superfície. À guisa de inter-relação das variáveis consideradas, pode-se observar os seguintes resultados (tabela 3), relativos ao comportamento da cobertura/modalidade do uso do solo e respectiva disposição da vertente, conforme observações realizadas em Goiânia (1980/1) por Casseti (1983). Tabela 3 - PERDAS DE TERRA E ÁGUA EM GOIÂNIA (1980/1) Perdas Parcela Decliv Forma e (%) da Terra %(*) Água (% %(*) chuva) (t/ha/a) Vertente 4,7 Pastage 14,4 VV 0,059 0,07 0,71 1,98 VV 0,230 0,23 3,66 10,23 m 36,0 cv 0,101 6,7 vv 31,638 41,64 13,41 37,51 Cultivo 11,0 vv 51,655 51,65 10,20 28,54 16,1 vv 0,349 0,35 2,78 7,74 14,4 vv 0,010 0,01 0,58 1,62 15,8 vv 0,032 0,03 0,43 1,21 40,6 cv 0,86 2,40 Mata Total 0,10 100,00 3,12 8,74 100,0 0 Nota: Valores para um total de 1.401,2 mm de chuva. Mesmo comprimento de rampa para as parcelas experimentais (12 metros). Forma geométrica cias vertentes: W, comprimento e largura convexos; CV, comprimento côncavo e largura convexa (*).Participação percentual em relação ao total. Num primeiro momento constata-se de imediato o efeito da cobertura vegetal ou mesmo da pastagem na contenção da estabilidade da vertente. Enquanto as duas primeiras parcelas do grupo de cultivos (a primeira correspondente a solo preparado para plantio e a segunda ao plantio de arroz) responderam por 99,07% do total de perdas de solo, as demais apresentaram valores insignificantes. Nas perdas de água por escoamento superficial, os mesmos talhões responderam por 66,04% do total, o que demonstra uma certa ausência de correspondência, provavelmente em função do uso e manejo do solo, que permitiu uma maior percolação relativa. Nesse momento deve-se acrescentar a variável declive, que, por exemplo, justifica a própria diferença de perdas de solo entre as duas parcelas mencionadas (41,64 e 51,65% do total). O mesmo pode ser observado com relação aos grupos de pastagens e mata (entre a primeira e segunda parcelas). Quanto ao erceiro talhão, de todos os grupos considerados, a mesma progressão não foi obtida em função de dois fatores. A) Forma geométrica da vertente: tanto para a terceira parcela do grupo de pastagem quanto de mata, apesar do aumento do declive (36,0 e 40,6% respectivamente), a forma CV (comprimento côncavo) que difere do domínio W (comprimento levemente convexizado), parece se constituir na principal justificativa. Nesse momento deve-se lembrar do sistema de referência de Penck (1924), em que a forma côncava caracteriza uma condição de estágio final do processo erosivo da vertente, ao contrário da convexa, que demonstra uma fraca tendência denudacional; B) Tipo de cultivo: no terceiro talhão do grupo de cultivo, o plantio do Napier, pelo elevado índice de área foliar e mesmo sistema radicular, que contribuem para a resistência mecânica dos agregados, parece justificar plenamente as diferenças consideradas. Não foram estabelecidas comparações quanto ao comprimento de rampa, uma vez que, conforme observação, todas as parcelas apresentavam a mesma dimensão (eixo maior de 12 metros) e nem quanto à formação superficial, uma vez que todas possuíam uma certa correspondência, resultantes da decomposição de gnaisses do Complexo Goiano, com textura argilo-areno-limosa, entre 12,5 a 25,0% de argila (latossolo vermelho-amarelo eutrófico). Deve-se acrescentar, ainda, que as observações em questão foram realizadas no período de um ano (de agosto de 1980 a julho de 1981), utilizando-se de parcelas isoladas (cercas com chapa galvanizada e tanques de sedimentação) de formas hexagonais, de 100 m2 cada uma. Com base nas observações consideradas, a título de se oferecerem estimativas de perdas de solo e água, Casseti (1984/86) apresentou as relações que se seguem (figs. 9 e 10), onde se pode, através das curvas traçadas, visualizar as discrepâncias erosionais geradas pelo fluxo por terra em relação às diferentes coberturas ou modalidades de uso do solo. Também foram estabelecidas considerações quanto às perdas de terra e água (figs. 11 e 12) entre a precipitação total (entendida como a quantidade de chuva caída durante o dia) com a intensidade máxima de chuva em 30 minutos (índice de Wischmeier, 1959). Observa-se que na fig. 12, por falta de melhores indícios, optou-se pela simples comparação entre as parcelas de solo preparado para cultivo e plantio de arroz. Através da seleção de episódios pluvioerosivos, obteve-se (Casseti, 1983) uma grande demonstração do potencial de perdas determinado pela intensidade das chuvas. A título de exemplo, o episódio de 17 de dezembro de 1980, marcado por uma precipita cão total de 76,9 mm. e intensidade máxima de 28,3 mm/30 (chuva forte na classificação do INEMET), respondeu por uma perda de 118,71 kg-terra e 867 litros de água escoada, nos 100 m2 da parcela de arroz, fenómeno que não chegou a implicar perda de solo no domínio da mata, ou perda insignificante de água por escoamento (inferior a 100 litros). Ainda, com relação à perda de nutrientes pelo agravamento dos efeitos denudacionais, conclui Casseti (1983) que não existe uma dependência direta entre solubilização dos elementos químicos analisados em suas observações (perdas de cálcio, magnésio, potássio e fósforo, contidas nas águas excedentes) com a quantidade de água escoada. "A perda por solubilização acha-se vinculada ao estado químico da superfície, a qual encontra-se de certa forma ré lacionada à cobertura vegetal." Assim sendo, através da pesquis; experimental, constatou-se que as áreas de mata e pastagens, ape sar do baixo escoamento resultante das ocorrências pluviométricas perdem os mais elevados teores de macronutrientes considerados. Acredita-se, contudo, que os baixos teores de perdas nas áreas de cultivos resultam de retiradas anteriores, não oferecendo tempo de reposição natural por troca de bases, ou ausência de cobertura vegetal para permitir a redução do processo denudacional, ou retorno de nutrientes ao solo através da decomposição do restolho. OCUPAÇÃO DA CATEGORIA VERTENTE Como se sabe, a categoria é composta de essência e fenómeno, conteúdo e forma. Algumas considerações foram feitas anteriormente quanto às relações externas das vertentes, ou seja, aos fenómenos propriamente ditos, onde se pode evidenciar, num estudo evolutivo atual, o significado dos processos comandados pêlos elementos do clima, sobretudo a pluviometria e resultantes da apropriação e transformação do relevo pelo homem. Contudo, deve-se observar que os referidos processo e forma de apropriação e transformação da vertente pelo homem, que se intensificam no tempo e espaço, não acontecem simplesmente pela necessidade inata de ocupação, mas sobretudo dentro de uma lógica determinada pelas relações de produção, discutidas anteriormente. Tal fato demonstra que a forma pela qual acontece a apropriação ou transformação da vertente encontra-se subordinada ao conceito de propriedade, definida por determinada relação de produção. Portanto, é evidente que existem diferenças entre aquele que usa a natureza, onde se incorpora a vertente, como necessidade inata, e aquele que vê a natureza (vertente) como propriedade privada e, como tal, efeito útil, implicando uso espontâneo e conse-nüentemente uma relação de predação. Assim, à medida que o ca-ráter da propriedade privada é implantado, o acúmulo de capital se torna consequência, o que além de responder pelo processo de degradação ambiental, responde pelo antagonismo de classe. Ou conforme Browman (1974), o ser humano "não pode mover montanhas", sem primeiro "emitir um título de renda". A relação homem-meio (processo de trabalho), conforme Moreira (1987, p. 11), "contém em si duplo aspecto: é relação ecológica (intercâmbio de matéria e energia passando-se no âmbito do interior da natureza, isto é, entre a forma de natureza pensante homem e outras formas de natureza) e é relação históricosocial (processo de conversão da natureza natural ou primeira natureza, em natureza socializada ou segunda natureza, isto é, em sociedade)". Ainda, conforme o autor, "a relação homem-meio encerra em si um segundo duplo aspecto: é relação homem-meio (o duplo aspecto anterior) e é relação homem-homem (o processo de trabalho é um ato coletivo, envolvendo relação entre homens, razão que faz da relação homem-meio na verdade uma relação homens-meio). A primeira relação homem-homem é justamente a relação de propriedade das forças produtivas e, por isso, é a relação homem-homem que dá a direção geral (diz-se histórico-concreta) à relação homem-meio". Em síntese, o processo de ocupação e transformação das vertentes no sistema de produção capitalista, que é uma relação homem-meio, encontra-se subordinada às relações homem-homem, que tem na relação de propriedade das forças produtivas a categoria principal. Se tal relação de propriedade do capitalismo separa os homens em classes (proletariado e burguesia) e o espaço é "mercadoria", torna-se evidente que as diferenciações espaciais resultam do próprio poder de compra. Diante disso, enquanto se destinam as melhores condições topográficas (de relevo) àqueles que detêm o capital, sobram as áreas de risco aos desvalidos e marginalizados da elite económica. No sistema de produção capitalista a vertente se caracteriza como suporte ou recurso, como nas demais formas de relações possíveis. Contudo, existe uma diferença substancial determinada pela propriedade privada, que faz da vertente uma "mercadoria" e como tal, submetida a especulação ou exploração de uso que ultrapassa o limiarjle capacitação ou mesmo recuperação. Portanto, a vertente como tal pode se constituir, como nos centros urbanos, em suporte para a implantação de usos desaconselháveis, tanto por aqueles que detêm o capital e ambicionam acumular riquezas, como por aqueles que não têm nenhum recurso e forçosamente se obrigam a ocupar determinados espaços considerados clandestinos^ Nas áreas rurais as vertentes são vistas como recurso indispensável ao acúmulo de capital ou simplesmente reserva de valor, independentemente das restrições impostas pela natureza a um uso racional, o que tem implicado o encadeamento de processos agressivos com consequentes desequilíbrios ambientais. Conforme Lutzenberger (1985), "o agricultor moderno está tão alienado de seu ambiente natural como está o fabricante de automóveis da evolução geológica que deu origem ao minério de ferro e às jazidas de petróleo. Ele não sente a natureza, apenas maneja materiais, sementes e máquinas, como o engenheiro maneja ferro, cimento e plástico". Acrescenta ainda que "o crédito bancário já é mais importante do que o solo e a natureza". Nas áreas urbanizadas, o processo de ocupação espacial é diferenciado, dependendo do valor económico, ou ainda, definido pela ganância dos midas do capitalismo, que equiparam ao "pa-drão-ouro" o metro quadrado da terra. Assim, evidenciam-se os contrastes entre espigões e favelas, dos bairros ricos e bairros pobres, a ocupação de áreas estáveis e permissíveis, a implantação de edificações e ao mesmo tempo, ocupação de áreas de risco, consideradas "clandestinas" (fundos de vales ou vertentes de fortes declives). Deve-se observar, ainda, que muitas vezes as grandes in-corporadoras transformam tais espaços de risco em verdadeiras áreas "aprazíveis", como o aterro de determinados compartimentos, como várzeas ou mesmo áreas pantanosas (como a região de mangue de Cubatão-Guarujá), que se constituem exclusivamente em extensividade do "espaçomercadoria", independentemente das condições de segurança. Apesar da legislação de uso do solo, elas são facilmente burladas pêlos detentores do capital, ou simplesmente favorecidas pelo poder público constituído por políticos despreparados ou "espertos". - As transformações acontecidas nas vertentes, independentemente das diferenciações de classe, acabam muitas vezes atingindo aqueles que habitam as áreas de risco, o proletariado, como as enchentes que se intensificam a partir da impermeabilização de superfícies associadas ao processo de assoreamento por mau uso, ou a contaminação por efluentes produzidos principalmente por aqueles que detêm o capital (proprietários dos meios de produção, portanto, responsáveis pêlos resultados de seu funcionamento). A vulnerabilidade do pobre aos "azares" da natureza é uma perspectiva malthusiana: o pobre é mais afetado na maioria dos desastres sobretudo por apresentar uma tendência de se reproduzir rapidamente, tratando-se de um exemplo clássico de culpar a vítima. Mais ainda, esse exército de reserva que coloniza as cidades, é fruto do êxodo rural, determinado por uma política agrícola de monopólio da terra e ineficiência de uso, evidenciando mais um dos contrastes do sistema de produção capitalista. Outras vezes, "a incorporação das relações rurais ao circuito mercantil capitalista", no dizer de Moreira (1987, p. 173), espacializa o uso do solo agrícola em monoculturas de baixo custo, aumento da produtividade e formação de preços de venda competitivos, o que entra em contradição com a heterogeneidade do ecossistema local. Tem-se, portanto, a simplificação do ecossistema (efeito aleopático), que implica proliferação de pragas e essas por sua vez, respondem pela introdução de agrotóxicos, que além de envenenarem as águas e os solos, ainda provocam a contaminação das próprias safras. Tanto na cidade como no campo as relações vertente-sistema fluvial implicam acréscimo do fluxo por terra, determinado pela impermeabilização da superfície, ao mesmo tempo em que respondem por constantes fenómenos de enchentes (considerando-se o desequilíbrio hidrodinâmico), muitas vezes agravados pelo assoreamento resultante dos efeitos denudacionais das vertentes/. Tudo isso sem considerar o despejo de efluentes industriais, domésticos e agrícolas, in natura, nos cursos d'água, contaminando-os, implicando a própria existência da fauna ictiológica ou colocando em risco o abastecimento público. Em conclusão, a fornia de relações de produção, principalmente através da relação de propriedade das forças produtivas, responde por uma relação homem-meio predatória, visando exclusivamente o acúmulo de capital, sem nenhuma preocupação ambienta], o que encerra a referida relação ecológica. A predação vincula-se ao instinto de autopreservação do sistema de produção capitalista, que vê no lucro a única forma de manutenção de sua existência. E é exatamente no contexto das referidas relações de produção que se insere a categoria vertente e, como tal, constitui-se em mercadoria. Ao se caracterizar em suporte ou recurso das forças produtivas, a vertente se converte em "conteúdo", que é o conjunto articulado das relações internas, determinadas pelas próprias relações de produção, e externas, vinculadas aos efeitos morfogenéticos as-sociadSs às intervenções do homem. A forma como a vertente se apresenta é o estado do conteúdo, ou seja, o resultado de sua conversão em "mercadoria", associado aos fenómenos processuais. Como mercadoria se constitui em ob-jeto de possível predação, momento em que é vista como uso útil-imediato, proporcionando uma ação mais agressiva dos processos morfogenéticos, com consequente degradação ambiental. Portanto, fenómenos de ravinamentos ou boçorocamentos, que implicam grandes perdas de recursos, sobretudo sob enfoque agronômico-ambiental, o que evidencia nova contradição do próprio sistema de produção capitalista; ou ainda deslizamentos de massas, assoreamentos ou mesmo enchentes (vinculadas ao comportamento das vertentes), que muitas vezes respondem inclusive por "acidentes" fatais, na maioria das vezes podem ser relacionados ao despreparo cultural do lavrador ou daqueles que se obrigam a buscar as referidas áreas críticas como último recurso de moradas. São imposições do próprio modo de produção, que ao mesmo tempo em que responde pelo antagonismo de classe, transforma o espaço em mercadoria^ Mesmo que as consequências ambientais fossem entendidas como de natureza cultural, conforme procura evidenciar Drew (1985) ao utilizar as diferenças de religiosidade entre os países do Ocidente e Oriente como determinantes do grau de consumo e consequente degradação dos ecossistemas, deve-se observar que a "consciência social" de um povo é personificada pela superestrutura ideológica, e como tal,