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A Universidade E O Novo Modo De Produção Do Conhecimento- Resenha

Resenha do original de Fernanda A. da Fonseca Sobral, publicado em Caderno CRH, Salvador, n. 34, p. 265-275, jan./jun. 2001

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Resenha de "A Universidade e o Novo Modo de Produção do Conhecimento", de Fernanda A. da Fonseca Sobral, publicado em Caderno CRH, Salvador, n. 34, p. 265-275, jan./jun. 2001 Por Walner Mamede[1] O trabalho de Fernanda Sobral, intitulado "A Universidade e o Novo Modo de Produção do Conhecimento" (SOBRAL, 2001), foi realizado através da análise da política governamental de ciência e tecnologia nos cinco anos que antecederam a publicação do artigo e de uma série de entrevistas com pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Federal de Goiás (UFG) na área das Ciências Biológicas, sobre o processo de produção do conhecimento: objetivos das pesquisas, relações com outras disciplinas e com outras instituições, fontes de financiamento, tipos de publicação, etc. Em sua análise, a autora percebeu que a política de ciência e tecnologia, no Brasil, vem estimulando a emergência gradativa de um novo modo de produção do conhecimento na universidade, onde se busca desenvolver pesquisas a partir da necessidade de resolver problemas práticos ou de atender demandas econômicas ou sociais e não apenas de interesses cognitivos como na pesquisa básica tradicional, o que torna a produção mais transdisciplinar do que disciplinar, pois sua referência passa a ser o contexto de aplicação e não o de descoberta, quase em uma relação teleológica com as demandas sociais. Este não é o objeto central da análise de Sobral, mas, ao lê-la, ficamos tentados a perguntar: 'não seria essa relação quasi-teleológica uma brecha para o comprometimento desmedido da universidade com o setor privado produtivo e para uma reprodução, na Ciência, da liquefação e esfacelamento das relações e compromissos intersubjetivos, a exemplo do que pode ser observado no mundo do trabalho? Quais seriam as implicações práticas disso?'. Esta não é uma pergunta banal e toma maior vulto na sequencia do que é explanado pela autora, particularmente, em sua conclusão. Fernanda Sobral imerge na análise de documentos e editais das agências de fomento, evidenciando um estímulo maior à pesquisa aplicada e tecnológica, à constituição de projetos cooperativos e à multidisciplinaridade ou interdisciplinaridade. Foram objetos de sua análise o SBIO 97 (Programa de Biotecnologia do PADCT), o CIAMB de 97 (Sub- programa de Ciências Ambientais do PADCT), RHAE (Programa de Formação de Recursos Humanos em Áreas Estratégicas), o programa de Apoio à Competitividade do Agronegócio (98-2002) – CNPq, o PROSAB-2000 (Programa de Pesquisa em Saneamento Básico, da FINEP), os programas regionais de pesquisa e pós-graduação em Saúde, Recursos Naturais e Agronegócios, os editais universais sem definição de prioridades estratégicas (modelo tradicional), o PPA 2000 - 2003, os Fundos Setoriais e o novo programa 'Institutos do Milênio' (demanda induzida e demanda aberta). A partir disso, para ela, fica evidente a tendência a uma produção científica cada vez mais descentralizada em relação à universidade, envolvendo diversas organizações e instituições da sociedade civil, assumindo uma forma de rede e se orientando não apenas mais para os pares, mas também para aqueles não convencionalmente incluídos na categoria 'produtores de conhecimento', em uma maior integração entre produção e resultado. Na nova configuração, os grupos de pesquisa tornam-se menos institucionalizados e se dissolvem quando o problema é resolvido ou redefinido e o papel de um indivíduo comandando uma equipe permanente já não é tão mais necessário. Caracterizam-se vínculos efêmeros, orientados de forma pragmática para o alcance de um resultado específico, talvez se aproximando de um formato gerencialista. As referências se fluidificam, os expoentes se diluem. Anteriormente, as decisões dos pesquisadores sobre o objeto de estudo se davam a partir da curiosidade científica individual e da influência dos orientadores de pesquisa. Atualmente, essas decisões passaram a ser mais institucionais e grupais, a partir de editais de fomento à pesquisa. Essas novas tendências se vinculam, de uma forma geral, ao processo de globalização, que aumenta a competitividade internacional e faz com que as empresas precisem produzir inovações tecnológicas, necessitando do conhecimento especializado e de arranjos cooperativos antes inexistentes, o que torna as fronteiras de uma comunidade científica ou de um campo de produção do conhecimento menos nítidas. No entanto, a autora alerta para o fato de que o surgimento do novo modo de produção do conhecimento não implica, necessariamente, a substituição do antigo e que, para a sua consolidação, é importante a implementação do modelo anterior, ao menos, em parte. Ainda que as diferenças não ocorram apenas na perspectiva interinstitucional, mas também entre áreas do conhecimento e dentro de uma mesma área (nomeadamente, a de Ciências Biológicas), ilustrando seu ponto de vista, Sobral apresenta os resultados de seus estudos comparando a UnB e a UFG. No caso da UnB, na área de Ciências Biológicas, verifica-se uma maior preocupação em desenvolver pesquisa aplicada, além de certa multidisciplinaridade e interação com outras universidades brasileiras e estrangeiras, órgãos governamentais e ONG's. O financiamento, embora escasso, ainda provém dos recursos públicos e federais, sobretudo de programas especiais do CNPq ou da FINEP. A interação com empresas ainda é embrionária e as pesquisas não têm, necessariamente, um caráter regional. A UFG desenvolve também pesquisa básica associada à aplicada, ou mesmo pesquisas mais aplicadas, realiza alguns estudos multidisciplinares, interage com outras instituições de ensino superior e algumas poucas empresas. O financiamento de suas pesquisas provém do Programa Centro-Oeste de Pesquisa do CNPq e de recursos do Conselho de Ciência e Tecnologia do Estado e da Fundação de Apoio à Pesquisa da própria universidade. Para a autora, ambas as instituições estão apresentando gradativamente novas tendências de produção do conhecimento, voltadas para a aplicabilidade, a multidisciplinaridade e a participação em redes, embora a UFG esteja mais integrada às necessidades regionais que a UnB. Sobral sugere que o pouco engajamento local é uma característica das grandes universidades brasileiras, o que contrasta com o gradativo processo de democratização da sociedade e a maior responsabilidade social exigida das universidades no novo modelo. Além disso, no caso da UFG, ocorreu pouca ou nenhuma consolidação do modo tradicional de produção do conhecimento e, enquanto a UnB tem vários grupos de pesquisa e cursos de pós-graduação amadurecidos a partir desse modelo, na UFG muitos grupos de pesquisa e cursos de pós- graduação estão em fase menos avançada, mas já tendentes à nova configuração, o que pode indicar a constituição futura de grupos pouco maduros cientificamente. A despeito das tendências observadas no cenário brasileiro, há, ainda, a figura marcante da personalidade científica que centraliza o poder e atrai investimentos, novos pesquisadores e estudantes para a consolidação de um grupo e de um tema de pesquisa. Como agências permanentes que mobilizam toda a rede sociotécnica de forma unidirecional – contrariando o formato do novo modo de produção, para o bem e para o mal –, por suas posições hierarquicamente superiores no campo científico, tais personalidades continuam desempenhando um papel significativo em nosso contexto. A autora finaliza seu texto chamando a atenção para os riscos da emergência do novo modo de produção do conhecimento sem a consolidação do modo tradicional: a mercantilização, o utilitarismo econômico do conhecimento, a perda de autonomia da Ciência e uma ampliação da desigualdade entre instituições e regiões. Ela bem lembra que pesquisas sobre estrutura agrária, violência, saúde pública, entre outras, não têm necessariamente impacto econômico, mas podem ter impacto social. Além disso, não podemos negligenciar pesquisas cujo impacto é mera e necessariamente científico, sem as quais a própria evolução do conhecimento estaria comprometida. A solução apontada pela autora é a constituição de um campo transcientífico que possa abarcar toda essa diversidade de demandas impostas pelo mundo atual à produção do conhecimento científico. ----------------------- [1] Doutorando em Ensino na Saúde, pela UnB. Contatos: [email protected]