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A ética E A Espiritualidade

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A ÉTICA E A ESPIRITUALIDADE: UMA REFLEXÃO E UMA RELEITURA DO COMPORTAMENTO HUMANO Augusto Luiz da Silva Maria da Conceição de Melo Silva O ser humano separa uma parte do mundo para, moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protector e permanente. A ética, como morada humana, não é algo pronto e construído de uma só vez. O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para si. Ético significa, portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente para que seja uma moradia saudável: materialmente sustentável, psicologicamente integrada e espiritualmente fecunda. Leonardo Boff A ÉTICA E A ESPIRITUALIDADE: UMA REFLEXÃO E UMA RELEITURA DO COMPORTAMENTO HUMANO O objetivo deste estudo é refletir sobre a ética e a espiritualidade, no sentido de motivar as nossas ações para a prática do bem. Assim, analisaremos o problema do comportamento ético-moral e a autodeterminação do indivíduo dentro da sociedade A ética não se confunde com a moral. A moral é a regulação dos valores e comportamentos considerados legítimos por uma determinada sociedade, um povo, uma religião, uma certa tradição cultural... Há morais específicas, também, em grupos sociais mais restritos: uma instituição, um partido político... Há, portanto, muitas e diversas morais. Isto significa que uma moral é um fenómeno social particular que não tem compromisso com a universalidade, com o que é válido, de direito e justo para todos os homens. Excepto quando atacada: justifica-se dizendo-se universal, supostamente válida para todos. Mas, então, todas e quaisquer normas morais são legítimas? Não deveria existir alguma forma de julgamento da validade das morais? Existe, e essa forma é o que designamos por ética. A ética é uma reflexão crítica sobre a moralidade. Mas ela não é puramente teórica. A ética é um conjunto de princípios e disposições voltados para a acção, historicamente produzidos, cujo objectivo é regular as acções humanas. A ética existe como uma referência para os seres humanos em sociedade, de modo a que a sociedade possa tornar-se cada vez mais humana. A ética pode e deve ser incorporada pelos indivíduos, sob a forma de uma atitude perante vida quotidiana, capaz de julgar criticamente os apelos acrílicos da moral vigente. Mas a ética (tal como a moral) não é um conjunto de verdades fixas, imutáveis. A ética move-se, amplia-se e adensa-se historicamente. Para entendermos como isso acontece na História da humanidade, basta lembrarmo-nos que, um dia, a escravidão foi considerada “natural”. Entre a moral e a ética há uma tensão permanente: a acção moral procura uma compreensão e uma justificação crítica universal, enquanto que a ética exerce uma permanente vigilância crítica sobre a moral, para a reforçar ou transformar. A ética tem sido o principal regulador do desenvolvimento histórico-cultural da humanidade. Sem ética, ou seja, sem a referência a princípios humanitários fundamentais comuns a todos os povos, nações, religiões..., a humanidade ter-se-ia auto-destruído. Também é verdade que a ética não garante o progresso moral da humanidade. O facto de que os seres humanos concordarem minimamente entre si sobre princípios como justiça, igualdade de direitos, dignidade da pessoa humana, cidadania plena, solidariedade, cria oportunidades para que esses princípios possam vir a ser postos em prática, porém, não garante o seu cumprimento. As nações do mundo já entraram em acordo em torno de muitos desses princípios. A “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, homologada pela ONU em 1948, é uma prova do quanto a ética é necessária e importante. Mas a ética não basta como teoria, nem como princípios gerais acordados pelas nações, povos, religiões... Nem basta que as Constituições dos países reproduzam esses princípios. É preciso que cada cidadão e cidadã incorpore esses princípios como uma atitude prática diante da vida quotidiana, de modo a pautar por eles o seu comportamento. Como consequência inevitável, o exercício pleno da cidadania (ética) entra frequentemente em colisão frontal com a moral vigente... Até porque a moral vigente, sob pressão dos interesses económicos e de mercado, está sujeita a frequentes e graves degenerações. A falta de ética prejudica mais quem tem menos poder (menos poder económico, menos poder cultural, menos poder político). A transgressão aos princípios éticos acontece sempre que há desigualdades e injustiças na forma de exercer o poder. Ora, isso ainda mais acentua essas desigualdades e injustiças. A falta ou a quebra da ética significa a vitória da injustiça, da desigualdade, da indignidade, da discriminação. Os mais prejudicados são os mais pobres, muito especialmente, os excluídos. A falta de ética prejudica o doente que compra remédios caros e falsos; prejudica a mulher, o idoso, o negro, o homossexual, discriminados no mercado de trabalho ou nas oportunidades culturais; prejudica o trabalhador que tenta a vida política; prejudica os iletrados no acesso aos bens económicos e culturais; prejudica as pessoas com necessidades especiais (físicas ou mentais) a usufruir da vida social; prejudica, com a repressão e a humilhação, os que não fazem a opção sexual esperada e induzida pela moral dominante... A atitude ética, ao contrário, é inclusiva, tolerante e solidária: não apenas aceita, mas também valoriza e reforça a pluralidade e a diversidade, porque plural e diversa é a condição humana. A falta de ética instaura um estado de conflito e de desagregação, pela exclusão. A falta de ética ameaça a humanidade. Um político é um cidadão que assumiu a responsabilidade de realizar o interesse público. Não há responsabilidade histórica maior que a de fazer valer e realizar a vontade e o interesse colectivos. A ideia de "vida pública", "serviço público" e "interesse público", tem sido desgastada pelo nosso passado recente, de alternâncias entre populismo, autoritarismo, demagogia, incumprimento, corrupção... e, muito especialmente, pelo nosso presente neoliberal e privatizante. O "sector público" é, assim, tido como sinónimo de ineficiência, abandono, desleixo, desqualificação, oportunismo, trampolim para a realização de interesses privados... A "coisa pública", por ser "de todos", é tratada como sendo "de ninguém" e, por isso, pode ser apropriada, usada, abusada, até, espoliada. Fenómenos de suspeição de corrupção política tem levado essa crise do "público" a um limite insustentável. Nestas circunstâncias, torna-se muito maior a responsabilidade do político em agir eticamente. E torna-se mais urgente e trabalhosa a necessidade de se resgatar e restaurar a dignidade ética da vida pública. As lideranças sociais têm um poder e uma responsabilidade decisiva de um ponto de vista ético. Nenhuma nação, povo ou grupo social, pode realizar o seu projecto sem lideranças. A liderança social é o elemento de ligação entre os interesses do grupo social e as oportunidades históricas disponíveis para os realizar. Se pudesse ser medida, a responsabilidade ética da liderança teria o tamanho e o peso dos direitos reunidos de todos aqueles que ela representa e lidera. As lideranças sociais têm uma tripla responsabilidade ética: institucional, pessoal e educacional. Responsabilidade institucional, porque devem cumprir fielmente e estritamente os deveres que lhes foram atribuídos. Responsabilidade pessoal, porque devem ser, cada uma delas, um exemplo de cidadania: justas e eticamente íntegras. Responsabilidade educacional, porque, além de serem um exemplo, devem dialogar com aqueles que elas lideram, de modo a ampliar a sua consciência política e a fazer crescê-los em cidadania. Falar de ética é falar de convivência humana. São os problemas da convivência humana que geram a necessidade da ética. Há necessidade de ética porque os seres humanos não vivem isolados; e os seres humanos convivem não por escolha, mas por sua constituição vital. Há necessidade de ética porque há o outro ser humano. Mas o outro, para a ética, não é apenas o outro imediato, próximo, com quem convivo, ou com quem casualmente me deparo. O outro está presente também no futuro (temporalidade) e está presente em qualquer lugar, mesmo que distante (espacialidade). O princípio fundamental da ética é este: o outro é um sujeito de direitos e a sua vida deve ser tão digna quanto a minha deve ser. O fundamento dos direitos e da dignidade do outro é a sua própria vida e a sua liberdade (possibilidade) de viver plenamente. As obrigações éticas da convivência humana devem regular-se não apenas por aquilo que já temos, já realizámos, já somos, mas também por tudo aquilo que poderemos vir a ter, a realizar, a ser. As nossas possibilidades de ser são parte de nossos direitos e de nossos deveres. São parte da ética da convivência. A atitude ética é uma atitude de amor pela humanidade. A moral tradicional do liberalismo económico e político habituou-nos a pensar que o campo da ética é o campo exclusivo das vontades e do livre arbítrio de cada indivíduo. Também nessa tradição, a organização do sistema económico-político-jurídico seria uma coisa "neutra", "natural", e não uma construção consciente e deliberada dos homens em sociedade. Por isso, habituamo-nos a julgar que “não é parte da minha responsabilidade ética a situação do desempregado, do faminto, do imigrante, do fracassado na escola... A educação é uma socialização das novas gerações de uma sociedade e, enquanto tal, conserva os valores dominantes (a moral) naquela sociedade. A educação é também uma possibilidade e um impulso à transformação: desenvolvimento das potencialidades dos educandos. Toda a educação é uma ação interativa: realiza-se através da informação, da comunicação e do diálogo entre seres humanos. Em toda educação há um outro em relação. Por tudo isso, a ética está implicada em toda educação. Uma educação pode ser eficiente enquanto processo formativo e ao mesmo tempo, eticamente má, como foi a educação nazista, por exemplo. Pode ser boa do ponto de vista da moral vigente e má do ponto de vista ético. A educação ética (ou, a ética na educação) acontece quando os valores no conteúdo e no exercício do acto de educar são valores humanos e humanizadores: a igualdade cívica, a justiça, a dignidade da pessoa, a democracia, a solidariedade, o desenvolvimento integral de cada um e de todos. As instituições sociais e políticas têm uma história. É impossível não se reconhecer o seu desenvolvimento e o seu progresso em muitos aspectos, pelo menos do ponto de vista formal. Consideremos, por exemplo, o caso do Brasil: a escravidão era legal até há 120 anos atrás; as mulheres brasileiras conquistaram o direito de votar apenas há 60 anos e os analfabetos apenas há 12 anos. Se o fundamento do ato ético depende do desejo de cada um de nós, deveríamos existir como seres isolados e independentes uns dos outros. Mas nossa realidade é individual e social, ao mesmo tempo. Somos seres sociais e não vivemos abstraídos das relações com os outros. Por outro lado, se o fundamento for a idéia de perfeição, quem definirá esse ideal e a partir de que parâmetro? Será um parâmetro existencial, histórico, ou será um parâmetro abstrato, sem contato com a experiência humana? E, por último, o parâmetro racionalista também nos coloca numa situação abstrata e metafísica, devido tomar como parâmetro a possibilidade do outro “fazer o que eu decido fazer e faço. Então, a afirmação será: O outro poderá fazer o que desejar, é claro! Cada um é livre de fazer o que quiser. Então, veremos quem pode mais; eu faço, os outros que façam se quiserem. Nesse caso, chegaremos à barbárie, que, de certa forma, já vivenciamos em nosso cotidiano. Cada um faz o que quer, mas usualmente, não assume a responsabilidade pelo que fez. Quando as ações praticadas vêm à publico, o esforço é para negar que foi dessa forma que ocorreram as coisas. Vemos isso no noticiário veiculado pela imprensa diária em nossos meios de comunicação. Assim sendo, nenhum desses fundamentos são suficientemente satisfatórios para configurar uma prática ética que permeia as relações entre os seres humanos. Assim sendo, uma prática educativa pautada por uma conduta ética, a meu ver, está centrada no atendimento das necessidades do educando como aprendiz dos mais variados conteúdos escolares. Isso não significa, de modo algum, ensinar teoricamente condutas éticas aos educandos; “ensinar lições de moral; significa, isto sim, praticar condutas éticas com eles, o que traduz o ditado que diz que “mais vale um exemplo do que mil palavras. Em nosso exercício profissional de educadores, o nosso próximo mais próximo é o educando, para agir junto ao qual deve estar desperto nosso sentimento ético. O sentimento ético verdadeiro, como todo e qualquer outro sentimento verdadeiro, conduz a uma ação benéfica, ou seja, compassiva (o que significa “agir com o outro” no seu modo de ser e na sua necessidade). No nosso caso de educadores escolares, em relação aos nossos educandos, nossa conduta ética tem a ver com o outro, com a convivência com o outro, através do nosso serviço. Não estamos postos no lugar de educadores para fazer qualquer coisa, mas sim para realizar o melhor que podemos no ato de ensinar, para que efetivamente nosso educando aprenda e, por isso, se desenvolva. O cristianismo se eleva sobre as ruínas da sociedade antiga; depois de uma longa e sofrida luta, transforma-se na religião oficial de Roma (séc. IV) e termina por impor o seu domínio durante dez séculos. Ruindo o mundo antigo, a escravidão cede o seu lugar ao regime de servidão e, sobre a base deste, organiza-se a sociedade medieval como um sistema de dependências e de vassalagens que lhe confere um aspecto estratificado e hierárquico. Nesta sociedade, caracterizada também pela sua profunda fragmentação econômica e política, devida à existência de uma multidão de feudos, a religião garante uma certa unidade social, porque a política está na dependência dela e a Igreja – como instituição que vela pela defesa da religião – exerce plenamente um poder espiritual e monopoliza toda a vida intelectual. A moral concreta, efetiva, e a ética – como doutrina moral – estão impregnadas, também, de um conteúdo religioso que encontramos em todas as manifestações da vida medieval. Deus, criador do mundo e do ser humano, é concebido como um ser pessoal, bom, onisciente e todo poderoso. O ser humano, como criatura de Deus, tem seu fim último em Deus, que é o seu bem mais alto e o seu valor supremo. Deus exige a sua obediência e a sujeição a seus mandamentos, que neste mundo humano terreno tem o caráter de imperativos supremos. Assim, pois, na religião cristã, o que o ser humano é e o que deve fazer definem-se essencialmente não em relação com uma comunidade humana (como a polis) ou com o universo inteiro, mas, antes de tudo, em relação a Deus. O ser humano vem de Deus e todo o seu comportamento – incluindo a moral deve orientar-se para ele como objetivo supremo. A essência da felicidade (a beatitude) é a contemplação de Deus; o amor humano fica subordinado ao divino; a ordem sobrenatural tem a primazia sobre a ordem natural humana. Também a doutrina cristã das virtudes expressa esta superioridade do divino. Embora assimile – como virtudes fundamentais – a prudência, a fortaleza, a temperança e a justiça, já proclamadas por Platão e que são as virtudes morais em sentido próprio, admite determinadas virtudes supremas ou teologais (fé, esperança e caridade). Enquanto as fundamentais regulam as relações entre os seres humanos e são, por isto, virtudes em escala humana, as teologais regulam as relações entre o ser humano e Deus e são, por conseguinte, virtudes em escala divina. O cristianismo pretende elevar o ser humano de uma ordem terrestre para uma ordem sobrenatural, na qual possa viver uma vida plena, feliz, e verdadeira, sem as imperfeições, as desigualdades e injustiças terrenas. Propondo a solução de graves problemas do mundo num mais além, o cristianismo introduz uma idéia de uma enorme riqueza moral: a da igualdade dos seres humanos. Todos os seres humanos sem distinção – escravos e livres, cultos e ignorantes são iguais diante de Deus e são chamados a alcançar a perfeição e a justiça num mundo sobrenatural. A mensagem cristã da igualdade é lançada num mundo social em que os seres humanos conhecem a mais espantosa desigualdade: a divisão entre escravos e seres humanos livres, ou entre servos e senhores feudais. A ética cristã medieval não condena esta desigualdade social e chega, inclusive, a jusificá-la. A igualdade e a justiça são transferidas para um mundo ideal, enquanto aqui se mantém e se sanciona a desigualdade social. Significa isso, talvez, que a mensagem cristã carecia de efetividade e cumpria somente uma função social justificativa? O problema deve ser enfrentado de uma maneira não abstrata, Estado de sujeição; submissão. mas no quadro das condições histórico-sociais de seu tempo. E, considerando estas, não se pode dar uma resposta simplista. De fato, o cristianismo deu aos seres humanos, pela primeira vez, incluindo os mais oprimidos e explorados, a consciência da sua igualdade, exatamente quando não existiam as condições reais, sociais, de uma igualdade efetiva, que como hoje sabemos – passa historicamente por uma série de eliminações de desigualdades concretas (políticas, raciais, jurídicas, sociais e econômicas). Na Idade Média, a igualdade só podia ser espiritual, ou também uma igualdade para o amanhã num mundo sobrenatural, ou ainda uma igualdade efetiva, mas limitada no nosso mundo real à algumas comunidades religiosas. Por isto, tinha de coexistir necessariamente com a mais profunda desigualdade social, enquanto não se criassem as bases materiais e as condições sociais para uma igualdade efetiva. Assim, pois, a mensagem cristã tinha um profundo conteúdo moral na Idade Média, isto é, quando era completamente ilusório e utópico proporse a realização de uma igualdade real de todos os seres humanos. Contudo, a ética cristã tende a regular o comportamento dos seres humanos com vistas a outro mundo (a uma ordem sobrenatural), colocando o seu fim ou valor supremo fora do ser humano, isto é, em Deus. Disto decorre que, para ela, a vida moral alcança a sua plena realização somente quando o ser humano se eleva a esta ordem sobrenatural; e daí decorre, também, que os mandamentos supremos que regulam o seu comportamento, e dos quais derivam todas as suas regras de conduta, procedem de Deus e apontam para Deus como fim último. O cristianismo como religião oferece assim ao ser humano certos princípios supremos morais que, por virem de Deus, têm para ele o caráter de imperativos absolutos e incondicionados. O cristianismo não é uma filosofia, mas uma religião (isto é, antes de tudo, uma fé e um dogma). Apesar disto, faz-se filosofia na Idade Média para esclarecer e justificar, lançando mão da razão, o domínio das verdades reveladas ou para abordar questões que derivam das (ou surgem em relação com as) questões teológicas. Por isto, dizia-se naquele tempo que a filosofia é serva da teologia. Subordinando-se a filosofia à teologia, também se subordina a ética. Assim, no âmbito da filosofia cristã da idade Média, verifica-se também uma ética limitada pela sua índole religiosa e dogmática. Nesta elaboração conceitual dos problemas filosóficos em geral, e morais em particular, aproveita-se a herança da Antiguidade e particularmente de Platão e de Aristóteles, submetendo-os respectivamente a um processo de cristianização. Este processo transparece especialmente na ética de Santo Agostinho (354430) e Santo Tomás de Aquino (l226-1274). A purificação da alma, em Platão, e a sua ascensão libertadora até elevar-se à contemplação das idéias, transforma-se em Santo Agostinho na elevação ascética até Deus, que culmina no êxtase místico ou felicidade, que não pode ser alcançada neste mundo. Contudo, Santo Agostinho se afasta do pensamento grego antigo ao sublinhar o valor da experiência pessoal, da interioridade, da vontade e do amor. A ética agostiniana se contrapõe, assim, ao racionalismo ético dos gregos. A ética tomista coincide nos seus traços gerais com a de Aristóteles, sem esquecer, porém que se trata de cristianizar a sua moral como, em geral, a sua filosofia. Deus, para Santo Tomás, é o bem objetivo ou fim supremo, cuja posse causa gozo ou felicidade, que é um bem subjetivo (nisto se afasta de Aristóteles, para quem a felicidade é o fim último). Mas, como em Aristóteles, a contemplação, o conhecimento (como visão de Deus) é o meio mais adequado para alcançar o fim ultimo. Por este acento intelectualista, aproxima-se de Aristóteles. Na sua doutrina político-social, atém-se à tese do ser humano como ser social ou político, e, ao referir-se às diversas formas de governo, inclina-se para uma monarquia moderada, ainda que considere que todo o poder derive de Deus e o poder supremo caiba à Igreja. Na verdade, o modo como se busca a religião atualmente está intimamente relacionado ao modo como o homem moderno compreende a si mesmo. O homem moderno compreende a si e ao mundo a partir de sua subjetividade. Desse modo, a legitimidade de sua profissão de fé não se vincula mais a Tradição e sim à experiência de sua vivência religiosa individual. Ora, a Tradição é o modo historicamente consolidado de transmissão da experiência fundante de uma determinada crença religiosa e está diretamente relacionada à comunidade religiosa, a comunidade dos adeptos dessa religião. A religião "traduz uma realidade objetiva, uma tradição acumulada e vivida por uma comunidade" (Libânio, 2002:90). Foi no caminho vivencial-espiritual dessa comunidade que foram plasmados os ritos, a doutrina, ou seja, a instância legitimadora de interpretação do Sagrado e da experiência fundante. Quando essa legitimação é transposta para o plano individual, a Tradição e, por conseguinte, a comunidade objetivamente instituída na forma da religião, entra em uma crise. Desse modo, podemos explicar e entender, tanto o aparecimento de novas expressões religiosas, sincretizando símbolos religiosos e elementos culturais os mais diversos; quanto o esfacelamento da Tradição cristã em inúmeras igrejas, cada uma reivindicando para si a guarda legítima da interpretação e vivência da experiência fundante, dessa Tradição. Nesse contexto, o fundamentalismo apresenta-se como conseqüência quase natural, no momento em que cada expressão religiosa se enclaustra em seu universo subjetivo. Todavia, um outro processo urge e precisa ser gestado, como condição indispensável para a construção da paz mundial (Küng, 1988), vem a ser, o processo de reconhecimento mútuo dessas "legitimidades" religiosas, atraves da tolerancia e do respeito. Toda religião surge a partir de uma experiência fundante. O que desejamos agora é destacar as experiências fundantes de algumas religiões e mostrar o quanto a sua institucionalização tem se distanciado de seu fundamento. A religião aqui será entendida não tanto em seu aspecto objetivo mas subjetivo. Em seu aspecto objetivo a religião pode ser definida por seus ritos, doutrinas, livros sagrados, sua estrutura organizacional, etc. Nosso interesse aqui, é pensar a religião enquanto resposta de sentido, ou seja, enquanto oferece um fundamento último sob o qual se organiza e orienta uma determinada cultura ou civilização. Por exemplo, sabemos que o Ocidente foi plasmado sob a ègide do cristianismo e que mesmo no mundo secularizado da modernidade sua presença pode ser ainda constatada através de alguns ritos e símbolos a exemplo do crucifixo nas repartições públicas, das cerimônias de bênção de estabelecimentos comerciais e celebrações religiosas típicas dessa religião nas cerimônias de formaturas das Universidades. Interessa aqui entender religião nesse aspecto e não no aspecto de quando ela se apresenta na forma de sua Institucionalização, no caso do cristianismo, na sua institucionalização católica ou protestante. “A religião enquanto experiência subjetiva de sentido de uma determinada cultura ou comunidade está diretamente vinculada a uma experiência fundante, àquela experiência primeira, razão e fundamento de seu existir. " As religiões são sistemas de símbolos, dependentes de um fundador que teve uma experiência religiosa original". Para o cristianismo, essa experiência fundante foi a experiência dos Apóstolos, do Cristo Ressuscitado, transmitida a nós. Para os Mulçumanos, foi a experiência de seu Profeta Mohamed transmitida a sua posteridade. Para os Judeus, foi a experiência dos Patriarcas e Profetas para com Javé. Esses três exemplos, assinalam a experiência fundante como Revelação, ou seja, é o Próprio Deus que se manifesta aos homens. Todavia, a maior parte das religiões não se efetivou dessa forma. A maioria das religiões, classificadas como religiões naturais, encontram sua experiência fundante no encontro com o Sagrado enquanto este se apresenta como uma "explicação de sentido”, isto é, enquanto consegue configurar um horizonte de referência que possibilite ao homem agir segundo esse horizonte, portanto, num universo que lhe faça sentido. Desse modo, a cultura humana é marcada desde o início pelo senso do religioso e difícil é delimitar a sua gênese da gênese religiosa. O que se deseja afirmar aqui, é que a cosmovisão, a maneira como uma determinada cultura compreende o mundo e orienta o agir humano nesse mundo compreendido, implica diretamente a experiência fundante, ou experiência primordial de Sagrado dessa cultura. Desse modo, podemos compreender, por um lado, as culturas antigas como profundamente “religiosas”, com suas cosmovisões bem definidas, ou seja, plenas de sentido; por outro lado, a crise de sentido no Ocidente, quando, na modernidade o Sagrado é banido do horizonte de referência cultural, substituído pelo campo de referência técnico-científico inaugurado com o advento das ciências modernas”. (Rampazzo, 1996:68) Enquanto nas religiões reveladas, a experiência fundante é transposta para a linguagem escrita, originando os Livros Sagrados ou Proféticos dessas religiões, as religiões naturais perpetuam sua experiência na linguagem oral sob a forma da narração mítica. No primeiro caso, o Livro Sagrado, lido e interpretado ritualmente, fundamenta e organiza a religião no seu aspecto objetivo e torna-se problemático, no caso do cristianismo, quando perde o monopólio de legitimidade de sua interpretação heurística e passa a ser legitimamente interpretado por quantos se lhe aproximem de seu conteúdo sem nenhum outro rigor a não ser sua devoção pessoal. Ao instaurar-se no campo de uma “hermenêutica privada”, o Livro Sagrado perde sua força de coalizão de sentido cultural e torna-se objeto de manipulação partidária ou sectária e o cristianismo entra em crise ou, ao menos, parte de sua crise pode ser assim explicada. No segundo caso, o mito permanece como o fundamento último de sentido que justifica aos adeptos da religião sua conduta no horizonte por ele plasmado, todavia, na modernidade, esse tipo de conhecimento ou adesão passa a ser configurado como um jeito "ultrapassado" e "primitivo", próprio mesmo dos "ignorantes". Por este motivo constata Antoniazzi, com certa perplexidade, o reaparecimento do sagrado na modernidade em formas "primitivas" e selvagens (Antoniazzi, 1998:12). Essas religiões, desse modo, passam a ser vislumbradas, na perspectiva desse “olhar moderno” com uma exigência inerente de aperfeiçoamento o que vem a significar na prática a sua eliminação. Em outras palavras, tomar o mito como referência ou fundamento, é no mínimo uma irrazoabilidade inadimissível para os tempos modernos. Desse modo, podemos compreender a afirmação de Cleto Caliman quando ele afirma que “(...) pode-se dizer que a nova busca religiosa se delimita não mais pelo sagrado, pelo divino ou pelo mistério 'objetivamente captado' como norma para o existir histórico das pessoas e da sociedade, mas pelo 'humano' ” (Caliman, 1998:8). Na verdade, o modo como se busca a religião atualmente está intimamente relacionado ao modo como o homem moderno compreende a si mesmo. O homem moderno compreende a si e ao mundo a partir de sua subjetividade. Desse modo, a legitimidade de sua profissão de fé não se vincula mais a Tradição e sim à experiência de sua vivência religiosa individual. Ora, a Tradição é o modo historicamente consolidado de transmissão da experiência fundante de uma determinada crença religiosa e está diretamente relacionada à comunidade religiosa, a comunidade dos adeptos dessa religião. A religião "traduz uma realidade objetiva, uma tradição acumulada e vivida por uma comunidade" (Libânio, 2002:90). Foi no caminho vivencial-espiritual dessa comunidade que foram plasmados os ritos, a doutrina, ou seja, a instância legitimadora de interpretação do Sagrado e da experiência fundante. Quando essa legitimação é transposta para o plano individual, a Tradição e, por conseguinte, a comunidade objetivamente instituída na forma da religião, entra em crise. Desse modo, podemos explicar e entender, tanto o aparecimento de novas expressões religiosas, sincretizando símbolos religiosos e elementos culturais os mais diversos; quanto o esfacelamento da Tradição cristã em inúmeras igrejas, cada uma reivindicando para si a guarda legítima da interpretação e vivência da experiência fundante, dessa Tradição. Nesse contexto, o fundamentalismo apresenta-se como conseqüência quase natural, no momento em que cada expressão religiosa se enclaustra em seu universo subjetivo. O processo de reconhecimento mútuo dessas "legitimidades" religiosas, atraves da tolerancia e do respeito. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA AGOSTINHO, Santo. (1990). A cidade de Deus (contra os pagãos) - parte II. Petrópolis: Vozes. ANTONIAZZI, Alberto. (2008). O sagrado e as religiões no limiar do terceiro milênio in CALIMAN, Cleto. "A sedução do sagrado - o fenômeno religioso na virada do milênio". Petrópolis: Vozes. ARDUINI, Juvenal (2012). 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RAMPAZZO, Lino (2006). Antropologia, religiões e valores cristãos. São Paulo: Loyola. VAZ, Henrique C. L. (1991). Antropologia filosófica I e II. São Paulo: Loyola. WILGES, Irineu (2004). Cultura religiosa - as religiões no mundo. Petrópolis: Vozes.